(...) “Eram as almas sequinhas dos filósofos, Translúcidas e finas, À força de tentarem reflectir A vida e o seu enigma. Seus olhos encovados e sombrios De pássaro nocturno Olhavam friamente a Dor eterna. Eram as almas cépticas dos sábios, Enrugadas e calvas, Ostentando no lívido nariz Os defumados óculos da Verdade. E, num sorriso incrédulo, fitavam O vulto de Satã que estremecia E quase se apagava...” Teixeira de Pascoaes, Regresso ao Paraíso, Assírio & Alvim,1986 “A palavra filosofia é muito ampla, desde que a libertemos dos filósofos de profissão, esses arquitectos do pensamento, desenhadores de casas sem inquilinos e de cidades em abstracto. Cabemos todos lá dentro, sábios e poetas, quem não é poeta ou sábio, e sábio e poeta, ao mesmo tempo? Não há peixes que voam?” Teixeira de Pascoaes 1 “Nunca me conformei com um conceito puramente científico da existência, ou aritméticogeométrico, quantitativo-extensivo. A existência não cabe numa balança entre os ponteiros de um compasso; e esse pouco é ainda uma ilusão. (...) As formas objectivas do universo ninguém as vê. (...). O meu sentimento, faminto de Deus, deseja tornar-se independente da razão, dessa claridade artificial que materializa todas as cousas sobre que incide, e amesquinha todas as grandezas pressentidas, e tenta definir o que é infinito. O sentimento é uma sombra emanada das Alturas; a razão é uma luz saída do inferno. Sentido vejo Deus; pensando, deixo de o ver. (...) (...) Só tem profundo olhar o nosso sentimento. Para se descobrir a origem de uma flor, Não basta o raciocínio, o humano pensamento, É preciso sentir por ela um grande amor.” Teixeira de Pascoaes, O Homem Universal A minha história (...) Bem cedo, de mim próprio me afastei! E, perdido de mim, por mim gritei! Gritei! Gritei! Ninguém me respondeu! Desde então, quem sou eu? Um phantasma de alguém, Uma vaga presença de ninguém; Saudade a desenhar-se num busto moribundo. Erma sombra que foge, perseguida Pelo primeiro sol da minha vida, E vae pedir asilo às pobres cousas: Mortas recordações misteriosas Da passagem de Deus por este mundo. Teixeira de Pascoaes, Terra Prohibida 2 Canção Molhada Gotas de som molhado Caem lá fora, N’um ruído triste... É o silêncio gelado Da noite que chora Sobre tudo o que existe. E a minha magua N’ aquelas gotas de agua Parece encarnar. Vago na sombra escura... Sou morto sem sepultura E sou nuvem a chorar... Teixeira de Pascoaes, Terra Prohibida Por ti, acordo e fico a sonho E fico a meditar... E fizeste de mim O meu pior amigo. A minha solidão Desejas-m’a roubar, Que sempre que estou só, Encontro-me contigo! Amo-te, como a terra Adora o mês de Maio. Como adora um rochedo O musgo em flor, que o veste. Como a cruz d’um sepulcro O doce e bom desmaio, Em que ela cai, sentindo 3 A sombra do cipreste... Amo-te, quando a tarde, Ao longe, se incendeia, E voltas para o ocaso O teu perfil magoado...” Teixeira de Pascoaes, Terra Prohibida 4