O Comportamento das Gestações Subseqüentes na

Propaganda
Albanesi Original
Fº & Silva
Artigo
Novas gestações na cardiomiopatia peripar o
Arq Bras Cardiol
volume 73, (nº 1), 1999
O Comportamento das Gestações Subseqüentes na
Cardiomiopatia Periparto
Francisco Manes Albanesi Fº, Tatiana Tavares da Silva
Rio de Janeiro, RJ
Objetivo – Avaliar o comportamento das gestações
subseqüentes na cardiomiopatia periparto (CMP) e suas
repercussões materno-fetais.
Métodos – Estudo observacional prospectivo de 34
pacientes com CMP (idade média =26 anos). Ao diagnóstico inicial, 5 estavam em classe funcional (CF) II, 1 em CF
III e 28 em CF IV. Após compensação com tratamento,
nova gravidez foi desencorajada e foram acompanhadas
clinicamente.
Resultados - Foram estudadas 12 (35,3%) gestações
subseqüentes (idade média = 32) e divididas em dois grupos: GI: 6 gestantes que normalizaram a área cardíaca e GII:
6 que permaneceram com cardiomegalia. No GI, com menor
comprometimento inicial na CMP (3 na CF II, 1 na III e 2 na
IV), todas evoluíram para CF I, sendo 1 nova gestação bem
tolerada em 5 (83,3%); 1 apresentou pré-eclâmpsia, evoluindo para CF II. Atualmente 5 estão em CF I e 1 em CF II.
No GII, com maior acometimento inicial da CMP (1 em CF II
e 5 em IV), 4 evoluíram para CF I e 2 para CF II, sendo a
nova gestação bem tolerada por todas. Uma em CF II com 2
gestações, evoluiu para CF IV e óbito 8 anos após a última
gestação e 13 anos após o diagnóstico de CMP. Cinco estão
vivas (3 em CF I e 2 em CF II, com piora da CF em 1). As gestações seguintes ocorreram 3 - 7 anos (x=3,7) após compensação da CMP e não se observaram alterações fetais.
Conclusão - As gestações subseqüentes são bem toleradas na CMP, porém, não isentas de risco. Não se observou
repercussão fetal e o tempo mínimo de 3 anos após a compensação parece trazer mais segurança em novas gestações.
Palavras-chave:
cardiomiopatia periparto, nova gestação
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ
Correspondência: Francisco Manes Albanesi Fº - Av. 28 de Setembro, 77 - 2º 20551-030 - Rio de Janeiro, RJ
Recebido para publicação em 22/7/98
Aceito em 18/3/99
A cardiomiopatia periparto (CMP) é a disfunção
sistólica, de etiologia ainda não esclarecida, que acomete
mulheres previamente saudáveis, sem história pregressa de
doença cardiovascular, ocorrendo, geralmente, no último
trimestre da gravidez até o 6º mês do pós-parto 1-7. Sua incidência é variável, sendo estimada na América do Norte entre
1/15.150 partos 8, representando menos do que 1% das gestações associadas a alterações cardiovasculares 4. É ainda
controverso o risco de recorrência em gestaç es subseqüentes, após compensação do quadro agudo 9,10. Oakley 9
contra-indica novas gestações às pacientes com recuperação parcial da função ventricular, recomendando que devam aguardar entre três a cinco anos após a compensação,
mesmo nos casos com a normalização plena da função. A
disfunção ventricular contra-indica futuras gestaç es,
mesmo que de grau leve 5,9,10 . Naquelas em que a função
ventricular não retorna ao normal, as gestaç es subseqüentes estão sujeitas a exacerbar a CMP, com o risco de mortalidade materna de aproximadamente 50% 1,2,10. Já naquelas em
que a função ventricular retorna ao normal é possível nova
gestação 11, porém associada com recidivas e maior grau de
morbidade materna 10. Embora com risco maior naquelas que
persistem com aumento da área cardíaca e nas com disfunção ventricular 12, também, é encontrada nas que apresentam restauração da função após o primeiro episódio 13. Por
estas razões, as gestações futuras são desencorajadas em
pacientes com CMP que continuam com disfunção ventricular 10. As mulheres que recuperam a função deverão ser
informadas que as gestações subseqüentes poderão não
ser livres de risco, devendo participar da decisão de optar
por nova gravidez, junto aos médicos e demais familiares 10.
Como trata-se de um assunto ainda polêmico, resolvemos
avaliar o comportamento das gestaç es subseqüentes
após o quadro de compensação da CMP e suas repercussões materno e fetais, nas pacientes com CMP, em acompanhamento ambulatorial, que engravidaram e que haviam
sido aconselhadas a evitar novas gestaç es até a completa
recuperação do quadro.
Métodos
A CMP foi caracterizada como síndrome de insuficiên-
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cia cardíaca (IC), que surge nos três últimos meses da gestação até os seis primeiros meses do puerpério, sem causa evidente e na ausência de qualquer doença cardíaca prévia 1-4.
Entre 1/1976 a 12/1996, foram examinadas na nossa
instituição 34 pacientes com CMP, com idades entre 16 a 41
(x=26) anos, a maioria não brancas (9/12 - 68,1%). Na ocasião
do diagnóstico, apresentavam as seguintes classes funcionais (CF) da cardiomiopatia (fig. 1): cinco na CF II, uma na
CF III e 28 na CF IV, com diagnóstico estabelecido em 4
(11,76%) pacientes durante a gestação (da 32ª semana até o
parto) e 30 (88,24%) no pós parto (11 no 1º mês e as demais
entre o 2º e 6º mês). Foram tratadas com diuréticos, digital,
inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) e
anticoagulantes orais, sendo que estes dois últimos medicamentos usados apenas no período do pós-parto. Após
serem compensadas, migraram para as seguintes CF: 22
para a CF I, nove para a II e três para a III. Eram aconselhadas
a não engravidar novamente, principalmente as que não
apresentaram normalização da área cardíaca e da função
ventricular. Neste grupo, após discussão com a paciente e
seus familiares, era indicada a laqueadura tubária, pelo alto
índice de eficácia e por não alterar o sistema cardiovascular,
como os anticoncepcionais orais. As que normalizavam a
função cardíaca, eram orientadas a evitar nova gravidez por
um período de dois a três anos. Porém, este conselho não
foi aceito por 12 pacientes que apresentaram, dentro desse
período, nova gravidez e foram seguidas nas gestações se-
Fig. 1 – Classe funcional na época do diagnóstico da cardiomiopatia periparto e após
a compensação da agressão nas 34 pacientes estudadas.
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guintes. O estudo foi observacional prospectivo e as pacientes com nova gravidez foram acompanhadas, clinicamente, a cada três semanas, até o fim da gestação e no puerpério.
Após este período, eram seguidas a cada bimestre.
Foram considerados como critérios de disfunção
ventricular a presença de sinais e sintomas de IC e detecção
de aumento das câmaras cardíacas, por meio de um ou mais
métodos complementares (eletrocardiografia, radiografia de
tórax, ecocardiografia), sendo quantificada pela ecocardiografia o grau de hipocinesia ventricular (leve, moderado e
grave), os diâmetros diastólico (DDVE) e sistólico do
ventrículo esquerdo (DSVE), do átrio esquerdo (AE) e da espessura do septo interventricular e da parede posterior do VE.
As pacientes foram divididas em dois grupos, de acordo com o grau de disfunção ventricular, por ocasião do
diagnóstico da nova gestação, após compensação do episódio inicial de CMP; grupo I (G-I) constituído de pacientes
que não apresentavam disfunção ventricular no ecocardiograma e encontravam-se em CF I; grupo II (G-II) formado
por pacientes com cardiomegalia com disfunção sistólica ao
ecocardiograma (quatro em CF I e duas em CF II) (fig. 2).
Resultados
Entre as 12 (35,3%) pacientes que apresentaram gestações subseqüentes, totalizamos 16 gestações, com idades
entre 19 a 44 (x=32) anos, sendo 9 (75%) não brancas e cada
grupo composto por seis pacientes (tab. I e fig. 2). O G-I era
composto por pacientes que evoluíram sem disfunção
ventricular. Quando do diagnóstico da CMP, com relação a
CF, as pacientes estavam: três em CF II, uma em III e duas em
IV. Foram vistas nove gestações, sendo uma com duas e
Fig. 2 - Evolução das 12 pacientes com cardiomiopatia periparto que tiveram 16 gestações subseqüentes, em dois grupos: o 1º com normalização da área cardíaca e o 2º
com persistência da cardiomegalia.
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Tabela I - Principais dados obtidos das pacientes com cardiomiopatia periparto que apresentaram subseqüentes gestações
Idade (anos)
Início CMP
Gestação do
início CMP
CF
inicial
CF
Evolutiva
Gestações
subseqüentes
Evolução
gestaç es
18
41
40
32
17
22
25
29
37
30
28
29
I
II
VI
V
I
I
I
I
I
III
I
I
IV
IV
IV
IV
II
IV
IV
II
IV
II
III
II
I
II
IV
I
I
I
I
I
I
I
I
II
1
1
1
1
1
1
1
4
2
1
2
1
AAC
AAC
AAC
AAC
ACN
ACN
ACN
AAC
AAC
ACN
ACN
APE
CPM cardiomiopatia periparto; CF- classe funcional; AAC- aumento da área cardíaca; ACN- área cardíaca normal; APE- aumento da área cardíaca + pré-eclâmpsia.
outra com três, tendo a nova gestação sido bem tolerada em
5 (83,3%), enquanto uma (16,7%) apresentou quadro de
pré-eclâmpsia associada à recidiva da doença, evoluindo
para a CF II. A pré-eclâmpsia foi classificada como leve, pois
o valor de pressão arterial não ultrapassou 160/100mmHg, a
proteinúria foi inferior a 1g/24h e somente foi observado discreto edema pré-tibial. Atualmente, todas estão vivas, cinco
na CF I e uma na II.
O G-II, constituído por quatro pacientes inicialmente,
em CF I e duas em CF II, tiveram sete gestações, sendo uma
com duas gestações. A nova gravidez foi bem tolerada em
todas as pacientes. A mais idosa e que estava em CF II evoluiu com deterioração progressiva para CF IV, vindo falecer
oito anos após a última gestação e 13 anos após o diagnóstico da CMP. As outras cinco estão vivas, sendo três na CF I e
duas na CF II. Uma paciente que havia melhorado após o
quadro inicial para a CF I, com a nova gestação apresentou
deterioração funcional, passando para a CF II, representando piora funcional (16,7%), conforme ecocardiografia.
Entre as 16 gestações, não foram observadas alterações
fetais (todos nasceram a termo, sem apresentar malformações,
com peso e altura compatíveis e alcançando bom desenvolvimento), sendo que nova gravidez ocorreu entre 3 a 7 (x= 41
meses ou 3,7 anos) anos após a compensação do quadro inicial da CMP. Não observamos durante as novas gestações
nenhum caso de tromboembolismo, em que pese que todas
as pacientes receberam anticoagulantes no pós-parto.
Discussão
A CMP é uma cardiomiopatia sem etiologia definida,
com várias hipóteses postuladas, mas até o momento sem
nenhuma confirmação laboratorial 1-14. A doença foi reconhecida como entidade clínica distinta devido a características epidemiológicas próprias, como a ocorrência no final da
gravidez, principalmente entre a 1ª semana e até o 6° mês do
pós-parto 1-14. A descompensação na CMP ocorre no final da
gravidez, ao contrário de outras doenças cardiovasculares
existentes, previamente, que começam a descompensar antes (principalmente no 2°trimestre) ou durante o 3° trimestre,
quando ocorre a sobrecarga do sistema circulatório devida
às alterações hemodinâmicas próprias da gravidez 1-14.
Entre as hipóteses aventadas para a etiologia, temos a
predisposição da gestante a desenvolver infecção viral,
mas não foram encontrados pródromos virais nem soroconversão de anticorpos virais. São também referidas: 1) diminuição da atividade das células T supressoras, pela ação da
progesterona, predispondo à infecção por vírus cardiotrópico; 2) resposta imune anormal na gestante, com produção
de anticorpos contra produtos do concepto antígenos
fetais, placenta ou miométrio, com reação cruzada célula
miocárdica materna; 3) doença da microcirculação coronariana (espessamento da camada íntima de artérias coronárias por ação hormonal); 4) deficiência nutricional; 5) determinação genética (história familiar); 6) hábitos locais (observado em tribos africanas) 15-17.
Observa-se uma incidência de miocardite na CMP
periparto, que varia de 29 a 100%. Há inclusive boa resposta
à terapêutica imunossupressora naquelas que não apresentam melhora clínica em seis semanas com terapêutica anticongestiva.
A evolução clínico-laboratorial da doença também é
variável; em populações africanas tem boa evolução, com
resposta rápida à terapêutica instituída, principalmente
diuréticos; em outros países, ocorrem importante comprometimento sistólico, com acentuada dilatação ventricular
esquerda e diminuição da fração de ejeção 5, com taxa de
normalização da área cardíaca e da função ventricular em,
aproximadamente, 50% dos casos, em 6 a 12 meses 15, Meadows 14, entretanto, observou recuperação clínica completa
em 2/3 das pacientes.
Demakis e cols. 1 observaram que pacientes que normalizavam nos seis primeiros meses a área cardíaca, apresentavam mortalidade de 14%, não relacionada a doença miocárdica, mas devida a outros acometimentos, como o carcinoma
cervical e a doença renal. No entanto, no grupo que evoluiu
com cardiomegalia, 85% (11/13 pacientes) morreram devido a
IC no tempo médio de 4,7 anos, sendo três por agravamento
da disfunção na nova gestação e oito com repetidos episódios de descompensação congestiva. Estes dados também
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foram observados por Walsh e cols. 18 que, entre 12 pacientes que persistiram com cardiomegalia, 9 (75%) faleceram por
IC no tempo médio de 29 meses (4 a 58). No entanto, Seftel e
Susser 19 encontraram menor percentual de óbito (45%) entre
as 5/11 pacientes que persistiram com cardiomegalia. Na nossa casuística, tivemos apenas um caso que evoluiu para óbito entre as que permaneceram com cardiomegalia (1/6 16,7%), ocorrido cinco anos após a última gestação. Este
achado reflete o uso de medicamentos mais eficazes para a
sua compensação, destacando-se os inibidores da ECA. As
maiores causas de óbito no grupo que não normaliza a área
cardíaca são: embolia (principalmente a pulmonar) 15,16, IC refratária 16 e arritmias ventriculares 16.
Em 10 pacientes com CMP seguidas, que tiveram nova
gestação após este diagnóstico, Meadows 14 observou que
seis apresentaram recorrência dos sintomas (60%), duas
faleceram por IC, uma permaneceu com cardiomegalia e em
IC, enquanto as outras três tiveram a sua disfunção compensada. O mesmo risco foi observado por Walsh e cols. 18,
em que entre seis pacientes com gravidezes subseqüentes,
duas desenvolveram franca descompensação e as outras
quatro apresentaram algum grau de deterioração da função
ventricular.
Desde o trabalho de Demakis e cols. 1 sabemos que as
pacientes que normalizam a área cardíaca após o surto inicial da CMP, são as menos vulneráveis a descompensar em
gravidez subseqüente. Entre 27 pacientes, 14 normalizaram
a área cardíaca: oito tiveram 21 gestações subseqüentes,
sendo que duas apresentaram agravamento do quadro, com
o reaparecimento da IC, porém prontamente revertidos, sem
nenhuma deterioração da função, com exceção de uma paciente que, 20 anos após, apresentou descompensação por
cardiopatia hipertensiva. Enquanto, entre as 13 restantes
que mantiveram a cardiomegalia, seis tiveram novas gestações, três apresentaram agravamento da disfunção com
óbito, porém sem nenhuma alteração observada no estado
cardíaco 1.
Burch e cols. 20 acreditam que o repouso prolongado
no leito poderia desempenhar importante contribuição no
tratamento da CMP. Verificaram o significado deste tipo de intervenção em 18 pacientes, que apresentaram 26 gestações
subseqüentes, 11 antes da introdução do repouso e 15 após
iniciar esta prática nos últimos quatro meses da gestação e
nos dois primeiros meses do puerpério. Observaram que no
grupo sem repouso, a IC teve recorrência de 88% (9/11 pacientes), enquanto nenhum caso foi observado no grupo
onde esta providência foi cumprida. Constataram que nenhuma paciente, mantendo repouso, apresentou aumento do
tamanho da área cardíaca durante a gestação, mas salientaram que seis perderam seus fetos, três em cada grupo 20.
Apesar do efeito favorável do repouso prolongado no
leito e da observação de ampla recuperação após mais de um
episódio de CMP 14, o risco potencial de agravamento da
disfunção cardíaca e morte permanece elevado nas gestações subseqüentes, justificando a orientação de se evitar
novas gestações após a CMP 17.
Adotávamos a posição de não encorajar novas gesta50
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ções às pacientes, conforme estudo conjunto com Benchimol e cols. 3, pois temíamos a possibilidade de agravamento da função miocárdica, segundo conceitos expostos
por Burch e cols. 20 e Julian e Szekely 17. Entretanto, éramos
tentados a adotar a orientação de Demakis e cols. 1, que concordavam que pacientes com normalização da área cardíaca,
pudessem optar por nova gestação.
Não está bem estabelecido se a recorrência nas gestações subseqüentes reflete a exacerbação da IC subclínica ou
a reativação do processo de doença subjacente, porém, existem relatos de recorrência após gravidez normal, sugerindo
que possa representar reativação de processo subjacente 21.
A incidência de CMP é mais elevada nas mulheres que
apresentam gravidez gemelar, nas que desenvolvem toxemia
gravídica, nas multíparas, nas com mais de 30 anos e nas de
raça negra, sendo estes os fatores de risco mais citados na
literatura no desenvolvimento desta cardiopatia 15.
A nossa série foi constituída por população jovem,
com idade média de 26 (16 a 41) anos na época da caracterização diagnóstica da CMP, migrando para 32 anos (19 a 44),
quando da ocorrência da nova gestação. Sete pacientes tinham mais do que 30 anos na ocasião da nova gravidez e
nove eram não brancas (68,1%); apenas uma apresentou
pré-eclâmpsia e nenhuma teve gravidez gemelar. Assim, os
maiores fatores de risco para recidiva da CMP foram o racial
(9/12 eram não brancas) e o etário (7/12 maiores de 30 anos).
Apesar de a maioria das pacientes ser proveniente do extrato social com menor poder econômico, não observamos a
associação com deficiências nutricionais que pudessem
contribuir para a disfunção miocárdica, como proposto por
Walsh e cols. 18, o que, também, não foi encontrado por
Seftel e Susser 19.
A laqueadura tubária era o método indicado para as
pacientes que evoluíam com disfunção ventricular após 12
meses do quadro inicial da CMP 3,11,17. Porém, até a tomada
da decisão, as pacientes eram orientadas a evitar relaç es
sexuais nos períodos férteis e seus parceiros eram esclarecidos da necessidade de usar preservativos de borracha,
sendo indicado, posteriormente, os dispositivos intrauterinos sem hormônios. Porém, estas recomendaç es deixavam de ser seguidas à medida que as pacientes achavam
que o seu estado clínico melhorava. Eram conscientizadas
do risco de nova gestação, pois usavam medicaç es que
poderiam interferir com o desenvolvimento do concepto,
como os inibidores da ECA e os anticoagulantes orais do
grupo dos cumarínicos, mas mesmo assim apresentavam
condutas controversas, quer faltando às primeiras consultas após notarem a nova gravidez, quer procurando o médico em caráter emergencial, temendo risco para o feto. Após
a conscientização da nova gravidez, mantinham grande observância às novas consultas. Acompanhamos 16 gestações em 12 pacientes e tivemos duas pacientes com duas gestações subseqüentes e uma com três; nelas, como a primeira
foi sem risco e como não detectamos nenhum grau de agravamento da função ventricular, adotamos o esclarecimento ao
casal dos riscos da gravidez, relatando não existir, no momento, consenso de conduta a ser tomada nestes casos.
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A pré-eclâmpsia, uma complicação encontrada após a
20ª semana, foi observada em uma gestante (16,67%) pertencente ao grupo das que normalizaram a área cardíaca com
recuperação plena da CMP. Entretanto, a paciente era negra,
tinha 30 anos e antecedentes familiares de hipertensão arterial. Evoluiu com deterioração da função, passando da CF I
para a II, e persistindo nesta classe após a nova gestação.
Ao ecocardiograma, ela apresentava as seguintes dimensões, quando do diagnóstico da CMP: DSVE de 5,5cm;
DDVE de 6,4cm e diâmetro do AE de 5,6cm. Evoluiu após a
compensação da CMP com: DSVE de 2,8cm; DDVE de
4,6cm e AE de 3,2cm. Na gestação onde desenvolveu a préeclâmpsia, passou a apresentar nova dilatação cardíaca com
DSVE de 5,5cm; DDVE de 6,4cm e AE de 5,6cm.
O comportamento da pressão arterial é variável, entre
diminuída, normal ou elevada, conforme descrito por Benchimol e cols.3 e Julian e Szekely 17. A associação da doença
hipertensiva específica da gravidez (DHEG) com CMP é freqüente. A etiologia da pré-eclâmpsia também é desconhecida 22, mas todas as alterações no organismo materno decorrem de vasoespasmo arteriolar generalizado, com alterações hemodinâmicas, renais (retenção de sódio e proteinúria) e hematológicas. É mais freqüente em primigestas jovens, mas também pode ocorrer acima dos 35 anos. A gestação múltipla também é um fator predisponente, como o é
para CMP 22. Uma pergunta permanece ainda sem resposta:
a DHEG através do vasoespasmo arteriolar difuso poderia
levar à CMP?
A diferença na evolução da pré-eclâmpsia e da CMP é
que, após a interrupção da gestação e controle pressórico,
não se continua observando a disfunção ventricular que
persiste na CMP. Na pré-eclâmpsia, também, não se observa disfunção do ventrículo direito que, freqüentemente,
está envolvido na CMP 22.
São descritos casos onde as gestações terminaram
com a ocorrência de abortos espontâneos 18,19, o que não
aconteceu em nossa série.
Adotamos a proposta estabelecida por Burch e cols. 20,
modificada, de recomendar, na nova gestação, que nos últimos meses da gravidez e nos dois primeiros meses do
puerpério, as pacientes guardem repouso, não do tipo absoluto, porém se abstendo de realizar esforços físicos, mesmo
os referentes a atividades domiciliares, como lavar e passar,
além de instituir o descanso após as refeições.
Entre as que mantiveram a cardiomegalia (quatro na CF
I e duas na II), uma cursou com duas gestações e uma pa-
Albanesi Fº & Silva
Novas gestações na cardiomiopatia peripar o
ciente piorou da disfunção, migrando da CF I para a II após
a nova gestação, não tendo sido detectada, durante o seu
transcurso nenhum quadro infeccioso. Entre as que estavam na CF II, apenas a mais idosa evoluiu com agravamento
da disfunção, cinco anos após a última gravidez e 13 anos
após a caracterização da CMP, passando progressivamente
para a CF III e IV, tornando-se refratária à terapia anticongestiva e vindo a falecer por disfunção ventricular grave,
com DSVE de 6,2cm; DDVE de 7,2cm e AE de 4,1cm.
Quanto ao tempo decorrido entre o diagnóstico da
CMP e a nova gestação, ele variou de 3 a 7 anos, com média
de 3,7 (41 meses). Após a caracterização da cardiomiopatia,
como a maioria das pacientes estava na CF IV, seguiam atentamente as recomendações médicas, não só quanto s medidas anticongestivas, mas também evitando esforços físicos
e o risco de novas gestações. Como a maioria das pacientes, após a compensação do quadro, migrou para a CF I, tornaram-se menos atentas para cumprir as ordens médicas.
Assim, tornando-se assintomáticas, perderam o compromisso de seguir várias orientações, entre elas o de evitar
novas gestações. Deste modo, observamos que a partir do
3º ano, o número de pacientes que engravidou tornou-se
maior. Oakley 9 recomenda que as pacientes que tiveram recuperação plena, com normalização da área cardíaca, aguardem entre 3 a 5 anos após a compensação para uma nova
gravidez. Benchimol e cols. 3 relataram que as alteraç es
persistem por até seis meses, após o início da doença, e que
podem permanecer, em alguns casos, por mais tempo, apesar da melhora clínica. Portanto, por um período de até dois
anos, estão ocorrendo, ainda, alteraç es no miocárdio materno; portanto, um período de três anos traria uma margem
de segurança para impedir novas alteraç es cardiovasculares e imunológicas ao organismo materno.
As gestações subseqüentes são bem toleradas em
pacientes com recuperação total ou parcial da função cardíaca, que estão na CF I e II. As complicaç es, como préeclâmpsia e óbito, não puderam ser correlacionadas com a
CMP. Estes resultados permitiram-nos a adotar conduta
mais flexível nos casos de normalização da área cardíaca,
quando não mais proibimos novas gestaç es, após três anos
da compensação da CMP. Dentre as que persistem com
cardiomegalia, explicamos o risco da nova gestação, orientando-as para a realização da laqueadura tubária, ficando a
escolha para ser tomada entre a paciente e seus familiares.
Entretanto, as que engravidaram sem nossa liberação, são
acompanhadas clinicamente, sem interrupção da gestação.
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