Albanesi Original Fº & Silva Artigo Novas gestações na cardiomiopatia peripar o Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 1), 1999 O Comportamento das Gestações Subseqüentes na Cardiomiopatia Periparto Francisco Manes Albanesi Fº, Tatiana Tavares da Silva Rio de Janeiro, RJ Objetivo – Avaliar o comportamento das gestações subseqüentes na cardiomiopatia periparto (CMP) e suas repercussões materno-fetais. Métodos – Estudo observacional prospectivo de 34 pacientes com CMP (idade média =26 anos). Ao diagnóstico inicial, 5 estavam em classe funcional (CF) II, 1 em CF III e 28 em CF IV. Após compensação com tratamento, nova gravidez foi desencorajada e foram acompanhadas clinicamente. Resultados - Foram estudadas 12 (35,3%) gestações subseqüentes (idade média = 32) e divididas em dois grupos: GI: 6 gestantes que normalizaram a área cardíaca e GII: 6 que permaneceram com cardiomegalia. No GI, com menor comprometimento inicial na CMP (3 na CF II, 1 na III e 2 na IV), todas evoluíram para CF I, sendo 1 nova gestação bem tolerada em 5 (83,3%); 1 apresentou pré-eclâmpsia, evoluindo para CF II. Atualmente 5 estão em CF I e 1 em CF II. No GII, com maior acometimento inicial da CMP (1 em CF II e 5 em IV), 4 evoluíram para CF I e 2 para CF II, sendo a nova gestação bem tolerada por todas. Uma em CF II com 2 gestações, evoluiu para CF IV e óbito 8 anos após a última gestação e 13 anos após o diagnóstico de CMP. Cinco estão vivas (3 em CF I e 2 em CF II, com piora da CF em 1). As gestações seguintes ocorreram 3 - 7 anos (x=3,7) após compensação da CMP e não se observaram alterações fetais. Conclusão - As gestações subseqüentes são bem toleradas na CMP, porém, não isentas de risco. Não se observou repercussão fetal e o tempo mínimo de 3 anos após a compensação parece trazer mais segurança em novas gestações. Palavras-chave: cardiomiopatia periparto, nova gestação Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ Correspondência: Francisco Manes Albanesi Fº - Av. 28 de Setembro, 77 - 2º 20551-030 - Rio de Janeiro, RJ Recebido para publicação em 22/7/98 Aceito em 18/3/99 A cardiomiopatia periparto (CMP) é a disfunção sistólica, de etiologia ainda não esclarecida, que acomete mulheres previamente saudáveis, sem história pregressa de doença cardiovascular, ocorrendo, geralmente, no último trimestre da gravidez até o 6º mês do pós-parto 1-7. Sua incidência é variável, sendo estimada na América do Norte entre 1/15.150 partos 8, representando menos do que 1% das gestações associadas a alterações cardiovasculares 4. É ainda controverso o risco de recorrência em gestaç es subseqüentes, após compensação do quadro agudo 9,10. Oakley 9 contra-indica novas gestações às pacientes com recuperação parcial da função ventricular, recomendando que devam aguardar entre três a cinco anos após a compensação, mesmo nos casos com a normalização plena da função. A disfunção ventricular contra-indica futuras gestaç es, mesmo que de grau leve 5,9,10 . Naquelas em que a função ventricular não retorna ao normal, as gestaç es subseqüentes estão sujeitas a exacerbar a CMP, com o risco de mortalidade materna de aproximadamente 50% 1,2,10. Já naquelas em que a função ventricular retorna ao normal é possível nova gestação 11, porém associada com recidivas e maior grau de morbidade materna 10. Embora com risco maior naquelas que persistem com aumento da área cardíaca e nas com disfunção ventricular 12, também, é encontrada nas que apresentam restauração da função após o primeiro episódio 13. Por estas razões, as gestações futuras são desencorajadas em pacientes com CMP que continuam com disfunção ventricular 10. As mulheres que recuperam a função deverão ser informadas que as gestações subseqüentes poderão não ser livres de risco, devendo participar da decisão de optar por nova gravidez, junto aos médicos e demais familiares 10. Como trata-se de um assunto ainda polêmico, resolvemos avaliar o comportamento das gestaç es subseqüentes após o quadro de compensação da CMP e suas repercussões materno e fetais, nas pacientes com CMP, em acompanhamento ambulatorial, que engravidaram e que haviam sido aconselhadas a evitar novas gestaç es até a completa recuperação do quadro. Métodos A CMP foi caracterizada como síndrome de insuficiên- Arq Bras Cardiol, volume 73 (nº 1), 47-52, 1999 47 Albanesi Fº & Silva Novas gestações na cardiomiopatia periparto cia cardíaca (IC), que surge nos três últimos meses da gestação até os seis primeiros meses do puerpério, sem causa evidente e na ausência de qualquer doença cardíaca prévia 1-4. Entre 1/1976 a 12/1996, foram examinadas na nossa instituição 34 pacientes com CMP, com idades entre 16 a 41 (x=26) anos, a maioria não brancas (9/12 - 68,1%). Na ocasião do diagnóstico, apresentavam as seguintes classes funcionais (CF) da cardiomiopatia (fig. 1): cinco na CF II, uma na CF III e 28 na CF IV, com diagnóstico estabelecido em 4 (11,76%) pacientes durante a gestação (da 32ª semana até o parto) e 30 (88,24%) no pós parto (11 no 1º mês e as demais entre o 2º e 6º mês). Foram tratadas com diuréticos, digital, inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) e anticoagulantes orais, sendo que estes dois últimos medicamentos usados apenas no período do pós-parto. Após serem compensadas, migraram para as seguintes CF: 22 para a CF I, nove para a II e três para a III. Eram aconselhadas a não engravidar novamente, principalmente as que não apresentaram normalização da área cardíaca e da função ventricular. Neste grupo, após discussão com a paciente e seus familiares, era indicada a laqueadura tubária, pelo alto índice de eficácia e por não alterar o sistema cardiovascular, como os anticoncepcionais orais. As que normalizavam a função cardíaca, eram orientadas a evitar nova gravidez por um período de dois a três anos. Porém, este conselho não foi aceito por 12 pacientes que apresentaram, dentro desse período, nova gravidez e foram seguidas nas gestações se- Fig. 1 – Classe funcional na época do diagnóstico da cardiomiopatia periparto e após a compensação da agressão nas 34 pacientes estudadas. 48 Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 1), 1999 guintes. O estudo foi observacional prospectivo e as pacientes com nova gravidez foram acompanhadas, clinicamente, a cada três semanas, até o fim da gestação e no puerpério. Após este período, eram seguidas a cada bimestre. Foram considerados como critérios de disfunção ventricular a presença de sinais e sintomas de IC e detecção de aumento das câmaras cardíacas, por meio de um ou mais métodos complementares (eletrocardiografia, radiografia de tórax, ecocardiografia), sendo quantificada pela ecocardiografia o grau de hipocinesia ventricular (leve, moderado e grave), os diâmetros diastólico (DDVE) e sistólico do ventrículo esquerdo (DSVE), do átrio esquerdo (AE) e da espessura do septo interventricular e da parede posterior do VE. As pacientes foram divididas em dois grupos, de acordo com o grau de disfunção ventricular, por ocasião do diagnóstico da nova gestação, após compensação do episódio inicial de CMP; grupo I (G-I) constituído de pacientes que não apresentavam disfunção ventricular no ecocardiograma e encontravam-se em CF I; grupo II (G-II) formado por pacientes com cardiomegalia com disfunção sistólica ao ecocardiograma (quatro em CF I e duas em CF II) (fig. 2). Resultados Entre as 12 (35,3%) pacientes que apresentaram gestações subseqüentes, totalizamos 16 gestações, com idades entre 19 a 44 (x=32) anos, sendo 9 (75%) não brancas e cada grupo composto por seis pacientes (tab. I e fig. 2). O G-I era composto por pacientes que evoluíram sem disfunção ventricular. Quando do diagnóstico da CMP, com relação a CF, as pacientes estavam: três em CF II, uma em III e duas em IV. Foram vistas nove gestações, sendo uma com duas e Fig. 2 - Evolução das 12 pacientes com cardiomiopatia periparto que tiveram 16 gestações subseqüentes, em dois grupos: o 1º com normalização da área cardíaca e o 2º com persistência da cardiomegalia. Albanesi Fº & Silva Novas gestações na cardiomiopatia peripar o Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 1), 1999 Tabela I - Principais dados obtidos das pacientes com cardiomiopatia periparto que apresentaram subseqüentes gestações Idade (anos) Início CMP Gestação do início CMP CF inicial CF Evolutiva Gestações subseqüentes Evolução gestaç es 18 41 40 32 17 22 25 29 37 30 28 29 I II VI V I I I I I III I I IV IV IV IV II IV IV II IV II III II I II IV I I I I I I I I II 1 1 1 1 1 1 1 4 2 1 2 1 AAC AAC AAC AAC ACN ACN ACN AAC AAC ACN ACN APE CPM cardiomiopatia periparto; CF- classe funcional; AAC- aumento da área cardíaca; ACN- área cardíaca normal; APE- aumento da área cardíaca + pré-eclâmpsia. outra com três, tendo a nova gestação sido bem tolerada em 5 (83,3%), enquanto uma (16,7%) apresentou quadro de pré-eclâmpsia associada à recidiva da doença, evoluindo para a CF II. A pré-eclâmpsia foi classificada como leve, pois o valor de pressão arterial não ultrapassou 160/100mmHg, a proteinúria foi inferior a 1g/24h e somente foi observado discreto edema pré-tibial. Atualmente, todas estão vivas, cinco na CF I e uma na II. O G-II, constituído por quatro pacientes inicialmente, em CF I e duas em CF II, tiveram sete gestações, sendo uma com duas gestações. A nova gravidez foi bem tolerada em todas as pacientes. A mais idosa e que estava em CF II evoluiu com deterioração progressiva para CF IV, vindo falecer oito anos após a última gestação e 13 anos após o diagnóstico da CMP. As outras cinco estão vivas, sendo três na CF I e duas na CF II. Uma paciente que havia melhorado após o quadro inicial para a CF I, com a nova gestação apresentou deterioração funcional, passando para a CF II, representando piora funcional (16,7%), conforme ecocardiografia. Entre as 16 gestações, não foram observadas alterações fetais (todos nasceram a termo, sem apresentar malformações, com peso e altura compatíveis e alcançando bom desenvolvimento), sendo que nova gravidez ocorreu entre 3 a 7 (x= 41 meses ou 3,7 anos) anos após a compensação do quadro inicial da CMP. Não observamos durante as novas gestações nenhum caso de tromboembolismo, em que pese que todas as pacientes receberam anticoagulantes no pós-parto. Discussão A CMP é uma cardiomiopatia sem etiologia definida, com várias hipóteses postuladas, mas até o momento sem nenhuma confirmação laboratorial 1-14. A doença foi reconhecida como entidade clínica distinta devido a características epidemiológicas próprias, como a ocorrência no final da gravidez, principalmente entre a 1ª semana e até o 6° mês do pós-parto 1-14. A descompensação na CMP ocorre no final da gravidez, ao contrário de outras doenças cardiovasculares existentes, previamente, que começam a descompensar antes (principalmente no 2°trimestre) ou durante o 3° trimestre, quando ocorre a sobrecarga do sistema circulatório devida às alterações hemodinâmicas próprias da gravidez 1-14. Entre as hipóteses aventadas para a etiologia, temos a predisposição da gestante a desenvolver infecção viral, mas não foram encontrados pródromos virais nem soroconversão de anticorpos virais. São também referidas: 1) diminuição da atividade das células T supressoras, pela ação da progesterona, predispondo à infecção por vírus cardiotrópico; 2) resposta imune anormal na gestante, com produção de anticorpos contra produtos do concepto antígenos fetais, placenta ou miométrio, com reação cruzada célula miocárdica materna; 3) doença da microcirculação coronariana (espessamento da camada íntima de artérias coronárias por ação hormonal); 4) deficiência nutricional; 5) determinação genética (história familiar); 6) hábitos locais (observado em tribos africanas) 15-17. Observa-se uma incidência de miocardite na CMP periparto, que varia de 29 a 100%. Há inclusive boa resposta à terapêutica imunossupressora naquelas que não apresentam melhora clínica em seis semanas com terapêutica anticongestiva. A evolução clínico-laboratorial da doença também é variável; em populações africanas tem boa evolução, com resposta rápida à terapêutica instituída, principalmente diuréticos; em outros países, ocorrem importante comprometimento sistólico, com acentuada dilatação ventricular esquerda e diminuição da fração de ejeção 5, com taxa de normalização da área cardíaca e da função ventricular em, aproximadamente, 50% dos casos, em 6 a 12 meses 15, Meadows 14, entretanto, observou recuperação clínica completa em 2/3 das pacientes. Demakis e cols. 1 observaram que pacientes que normalizavam nos seis primeiros meses a área cardíaca, apresentavam mortalidade de 14%, não relacionada a doença miocárdica, mas devida a outros acometimentos, como o carcinoma cervical e a doença renal. No entanto, no grupo que evoluiu com cardiomegalia, 85% (11/13 pacientes) morreram devido a IC no tempo médio de 4,7 anos, sendo três por agravamento da disfunção na nova gestação e oito com repetidos episódios de descompensação congestiva. Estes dados também 49 Albanesi Fº & Silva Novas gestações na cardiomiopatia periparto foram observados por Walsh e cols. 18 que, entre 12 pacientes que persistiram com cardiomegalia, 9 (75%) faleceram por IC no tempo médio de 29 meses (4 a 58). No entanto, Seftel e Susser 19 encontraram menor percentual de óbito (45%) entre as 5/11 pacientes que persistiram com cardiomegalia. Na nossa casuística, tivemos apenas um caso que evoluiu para óbito entre as que permaneceram com cardiomegalia (1/6 16,7%), ocorrido cinco anos após a última gestação. Este achado reflete o uso de medicamentos mais eficazes para a sua compensação, destacando-se os inibidores da ECA. As maiores causas de óbito no grupo que não normaliza a área cardíaca são: embolia (principalmente a pulmonar) 15,16, IC refratária 16 e arritmias ventriculares 16. Em 10 pacientes com CMP seguidas, que tiveram nova gestação após este diagnóstico, Meadows 14 observou que seis apresentaram recorrência dos sintomas (60%), duas faleceram por IC, uma permaneceu com cardiomegalia e em IC, enquanto as outras três tiveram a sua disfunção compensada. O mesmo risco foi observado por Walsh e cols. 18, em que entre seis pacientes com gravidezes subseqüentes, duas desenvolveram franca descompensação e as outras quatro apresentaram algum grau de deterioração da função ventricular. Desde o trabalho de Demakis e cols. 1 sabemos que as pacientes que normalizam a área cardíaca após o surto inicial da CMP, são as menos vulneráveis a descompensar em gravidez subseqüente. Entre 27 pacientes, 14 normalizaram a área cardíaca: oito tiveram 21 gestações subseqüentes, sendo que duas apresentaram agravamento do quadro, com o reaparecimento da IC, porém prontamente revertidos, sem nenhuma deterioração da função, com exceção de uma paciente que, 20 anos após, apresentou descompensação por cardiopatia hipertensiva. Enquanto, entre as 13 restantes que mantiveram a cardiomegalia, seis tiveram novas gestações, três apresentaram agravamento da disfunção com óbito, porém sem nenhuma alteração observada no estado cardíaco 1. Burch e cols. 20 acreditam que o repouso prolongado no leito poderia desempenhar importante contribuição no tratamento da CMP. Verificaram o significado deste tipo de intervenção em 18 pacientes, que apresentaram 26 gestações subseqüentes, 11 antes da introdução do repouso e 15 após iniciar esta prática nos últimos quatro meses da gestação e nos dois primeiros meses do puerpério. Observaram que no grupo sem repouso, a IC teve recorrência de 88% (9/11 pacientes), enquanto nenhum caso foi observado no grupo onde esta providência foi cumprida. Constataram que nenhuma paciente, mantendo repouso, apresentou aumento do tamanho da área cardíaca durante a gestação, mas salientaram que seis perderam seus fetos, três em cada grupo 20. Apesar do efeito favorável do repouso prolongado no leito e da observação de ampla recuperação após mais de um episódio de CMP 14, o risco potencial de agravamento da disfunção cardíaca e morte permanece elevado nas gestações subseqüentes, justificando a orientação de se evitar novas gestações após a CMP 17. Adotávamos a posição de não encorajar novas gesta50 Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 1), 1999 ções às pacientes, conforme estudo conjunto com Benchimol e cols. 3, pois temíamos a possibilidade de agravamento da função miocárdica, segundo conceitos expostos por Burch e cols. 20 e Julian e Szekely 17. Entretanto, éramos tentados a adotar a orientação de Demakis e cols. 1, que concordavam que pacientes com normalização da área cardíaca, pudessem optar por nova gestação. Não está bem estabelecido se a recorrência nas gestações subseqüentes reflete a exacerbação da IC subclínica ou a reativação do processo de doença subjacente, porém, existem relatos de recorrência após gravidez normal, sugerindo que possa representar reativação de processo subjacente 21. A incidência de CMP é mais elevada nas mulheres que apresentam gravidez gemelar, nas que desenvolvem toxemia gravídica, nas multíparas, nas com mais de 30 anos e nas de raça negra, sendo estes os fatores de risco mais citados na literatura no desenvolvimento desta cardiopatia 15. A nossa série foi constituída por população jovem, com idade média de 26 (16 a 41) anos na época da caracterização diagnóstica da CMP, migrando para 32 anos (19 a 44), quando da ocorrência da nova gestação. Sete pacientes tinham mais do que 30 anos na ocasião da nova gravidez e nove eram não brancas (68,1%); apenas uma apresentou pré-eclâmpsia e nenhuma teve gravidez gemelar. Assim, os maiores fatores de risco para recidiva da CMP foram o racial (9/12 eram não brancas) e o etário (7/12 maiores de 30 anos). Apesar de a maioria das pacientes ser proveniente do extrato social com menor poder econômico, não observamos a associação com deficiências nutricionais que pudessem contribuir para a disfunção miocárdica, como proposto por Walsh e cols. 18, o que, também, não foi encontrado por Seftel e Susser 19. A laqueadura tubária era o método indicado para as pacientes que evoluíam com disfunção ventricular após 12 meses do quadro inicial da CMP 3,11,17. Porém, até a tomada da decisão, as pacientes eram orientadas a evitar relaç es sexuais nos períodos férteis e seus parceiros eram esclarecidos da necessidade de usar preservativos de borracha, sendo indicado, posteriormente, os dispositivos intrauterinos sem hormônios. Porém, estas recomendaç es deixavam de ser seguidas à medida que as pacientes achavam que o seu estado clínico melhorava. Eram conscientizadas do risco de nova gestação, pois usavam medicaç es que poderiam interferir com o desenvolvimento do concepto, como os inibidores da ECA e os anticoagulantes orais do grupo dos cumarínicos, mas mesmo assim apresentavam condutas controversas, quer faltando às primeiras consultas após notarem a nova gravidez, quer procurando o médico em caráter emergencial, temendo risco para o feto. Após a conscientização da nova gravidez, mantinham grande observância às novas consultas. Acompanhamos 16 gestações em 12 pacientes e tivemos duas pacientes com duas gestações subseqüentes e uma com três; nelas, como a primeira foi sem risco e como não detectamos nenhum grau de agravamento da função ventricular, adotamos o esclarecimento ao casal dos riscos da gravidez, relatando não existir, no momento, consenso de conduta a ser tomada nestes casos. Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 1), 1999 A pré-eclâmpsia, uma complicação encontrada após a 20ª semana, foi observada em uma gestante (16,67%) pertencente ao grupo das que normalizaram a área cardíaca com recuperação plena da CMP. Entretanto, a paciente era negra, tinha 30 anos e antecedentes familiares de hipertensão arterial. Evoluiu com deterioração da função, passando da CF I para a II, e persistindo nesta classe após a nova gestação. Ao ecocardiograma, ela apresentava as seguintes dimensões, quando do diagnóstico da CMP: DSVE de 5,5cm; DDVE de 6,4cm e diâmetro do AE de 5,6cm. Evoluiu após a compensação da CMP com: DSVE de 2,8cm; DDVE de 4,6cm e AE de 3,2cm. Na gestação onde desenvolveu a préeclâmpsia, passou a apresentar nova dilatação cardíaca com DSVE de 5,5cm; DDVE de 6,4cm e AE de 5,6cm. O comportamento da pressão arterial é variável, entre diminuída, normal ou elevada, conforme descrito por Benchimol e cols.3 e Julian e Szekely 17. A associação da doença hipertensiva específica da gravidez (DHEG) com CMP é freqüente. A etiologia da pré-eclâmpsia também é desconhecida 22, mas todas as alterações no organismo materno decorrem de vasoespasmo arteriolar generalizado, com alterações hemodinâmicas, renais (retenção de sódio e proteinúria) e hematológicas. É mais freqüente em primigestas jovens, mas também pode ocorrer acima dos 35 anos. A gestação múltipla também é um fator predisponente, como o é para CMP 22. Uma pergunta permanece ainda sem resposta: a DHEG através do vasoespasmo arteriolar difuso poderia levar à CMP? A diferença na evolução da pré-eclâmpsia e da CMP é que, após a interrupção da gestação e controle pressórico, não se continua observando a disfunção ventricular que persiste na CMP. Na pré-eclâmpsia, também, não se observa disfunção do ventrículo direito que, freqüentemente, está envolvido na CMP 22. São descritos casos onde as gestações terminaram com a ocorrência de abortos espontâneos 18,19, o que não aconteceu em nossa série. Adotamos a proposta estabelecida por Burch e cols. 20, modificada, de recomendar, na nova gestação, que nos últimos meses da gravidez e nos dois primeiros meses do puerpério, as pacientes guardem repouso, não do tipo absoluto, porém se abstendo de realizar esforços físicos, mesmo os referentes a atividades domiciliares, como lavar e passar, além de instituir o descanso após as refeições. Entre as que mantiveram a cardiomegalia (quatro na CF I e duas na II), uma cursou com duas gestações e uma pa- Albanesi Fº & Silva Novas gestações na cardiomiopatia peripar o ciente piorou da disfunção, migrando da CF I para a II após a nova gestação, não tendo sido detectada, durante o seu transcurso nenhum quadro infeccioso. Entre as que estavam na CF II, apenas a mais idosa evoluiu com agravamento da disfunção, cinco anos após a última gravidez e 13 anos após a caracterização da CMP, passando progressivamente para a CF III e IV, tornando-se refratária à terapia anticongestiva e vindo a falecer por disfunção ventricular grave, com DSVE de 6,2cm; DDVE de 7,2cm e AE de 4,1cm. Quanto ao tempo decorrido entre o diagnóstico da CMP e a nova gestação, ele variou de 3 a 7 anos, com média de 3,7 (41 meses). Após a caracterização da cardiomiopatia, como a maioria das pacientes estava na CF IV, seguiam atentamente as recomendações médicas, não só quanto s medidas anticongestivas, mas também evitando esforços físicos e o risco de novas gestações. Como a maioria das pacientes, após a compensação do quadro, migrou para a CF I, tornaram-se menos atentas para cumprir as ordens médicas. Assim, tornando-se assintomáticas, perderam o compromisso de seguir várias orientações, entre elas o de evitar novas gestações. Deste modo, observamos que a partir do 3º ano, o número de pacientes que engravidou tornou-se maior. Oakley 9 recomenda que as pacientes que tiveram recuperação plena, com normalização da área cardíaca, aguardem entre 3 a 5 anos após a compensação para uma nova gravidez. Benchimol e cols. 3 relataram que as alteraç es persistem por até seis meses, após o início da doença, e que podem permanecer, em alguns casos, por mais tempo, apesar da melhora clínica. Portanto, por um período de até dois anos, estão ocorrendo, ainda, alteraç es no miocárdio materno; portanto, um período de três anos traria uma margem de segurança para impedir novas alteraç es cardiovasculares e imunológicas ao organismo materno. As gestações subseqüentes são bem toleradas em pacientes com recuperação total ou parcial da função cardíaca, que estão na CF I e II. As complicaç es, como préeclâmpsia e óbito, não puderam ser correlacionadas com a CMP. Estes resultados permitiram-nos a adotar conduta mais flexível nos casos de normalização da área cardíaca, quando não mais proibimos novas gestaç es, após três anos da compensação da CMP. Dentre as que persistem com cardiomegalia, explicamos o risco da nova gestação, orientando-as para a realização da laqueadura tubária, ficando a escolha para ser tomada entre a paciente e seus familiares. Entretanto, as que engravidaram sem nossa liberação, são acompanhadas clinicamente, sem interrupção da gestação. 51 Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 1), 1999 Albanesi Fº & Silva Novas gestações na cardiomiopatia periparto Referências 1. Demakis JG, Rahimtoola SH, Sutton GC, et al. Natural course of peripartum cardiomyopathy . Circulation 1971; 44: 1053-61. 2. O’Connell JB, Costanzo-Nordin MR, Subrananian R, et al. Peripartum cardiomyopathy: clinical, hemodynamic, histologic and prognostic characteristics. J Am Coll Cardiol 1986; 8: 52-6. 3. Benchimol AB, Benchimol CB, Albanesi F.º FM. Cardiomiopatia periparto. Arq Bras Cardiol 1988; 51: 107-15. 4. Midei MG, DeMent SH, Feldman NA. Peripartum myocarditis and cardiomyopathy. Circulation 1990; 81: 922-8. 5. Resende MCV, Barretto ACP, Medeiros C, et al. A miocardiopatia periparto é uma doença benigna? Análise de possíveis fatores prognósticos. Rev Soc Cardiol ESP 1992; 2: 76-80. 6. Hsieh CC, Chiang CW, Hsieh TT. Peripartum cardiomyopathy. 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