1 1. Introdução De acordo com Theodor Ziehen (1926)* citado por Baethge et al. (2004): Mania é caracterizada pelos seguintes sintomas cardinais: (1) jocosidade patológica (hipertimia), (2) aceleração do pensamento e (3) atividade psicomotora aumentada (ou agitação). Episódios unicamente maníacos ocorrem muito raramente na infância. Na grande maioria das crianças que desenvolvem mania, [a doença] é caracterizada pela recorrência periódica de mania ou pela alternância regular com melancolia, isto é, ambas mania periódica ou insanidade circular. [...] Uma carga hereditária é encontrada na família, no máximo, em apenas metade de tais pacientes. Baseados na severidade dos sintomas podemos distinguir uma forma leve, a hipomania, e uma forma severa, mania gravis. Entre os sintomas, jocosidade patológica é o mais proeminente. Isto sempre aparece na expressão facial da criança: os olhos brilham, a face é alegre, e freqüentemente a criança não pode parar de rir por horas. * Theodor Ziehen. Theodor Ziehen on mania, melancholia and periodic psychoses in children. In: Manicdepressive illness in children. Berlin: Reuther & Reichard; 1926 2 A jocosidade permanece mesmo quando a criança sente dor, ou quando eles são corrigidos ou criticados. Entretanto, não é raro que a jocosidade esteja associada com raiva, e em casos severos há ataques de fúria. A insanidade circular é caracterizada por uma oscilação mais ou menos periódica entre estados de mania e de melancolia. Basicamente é a Doença Maníaco Depressiva de Kraepelin. Os sintomas das duas fases da insanidade circular são aqueles da melancolia e da mania, respectivamente. Entretanto ocasionalmente a combinação de ambas as fases ocorre ao mesmo tempo. 1.1 Histórico Apesar da polêmica acerca da existência de TB (Transtorno Bipolar) na infância, este assunto, ao contrário do que muitos pensam, não é nem um pouco moderno. Campbell em 1955 publicou no JAMA uma revisão da literatura existente na época sobre a psicose maníaco-depressiva em crianças e encontrou diversos autores que descartavam a possibilidade desta doença ocorrer em crianças. Dentre estes estão: Kanner, Noyes, Henderson e Gillespie. Já outros, como Kraepelin, Bleuler, Esquirol, Kasanin, Strecker e Olkon não somente reconheciam que esta doença poderia ocorrer em 3 crianças, como reportavam diversos casos. Neste mesmo artigo, Campbell narra que além dos casos relatados pelos autores acima descritos, recebeu também muitas correspondências de outros médicos que observaram casos semelhantes. Comenta também que se todos os casos fossem reconhecidos, a doença ocuparia uma prevalência significativa na população psiquiátrica infantil (Campbell, 1955). Kraepelin (1921)** citado por Weller et al.(1995) acreditava que mania existia em crianças pré-púberes e que a ocorrência aumentava com o início da puberdade. De 900 pacientes com mania por ele estudados, 0,4% tiveram o início da mania antes dos 10 anos de idade. Kraepelin também apresentou o caso de um menino de 5 anos de idade com mania. Em algumas épocas durante o século 20, mania foi considerada a mais freqüente psicose e em outros períodos como virtualmente não existente em crianças, ou como citado no American Textbook of Child Psychiatry da metade do século 20: “tão raro que não deve ser levado em consideração”. Esta curiosa omissão pode refletir a dominante postura psicanalítica da época, na qual a desordem maníaco-depressiva não é possível na infância porque nas crianças faltam as estruturas cognitivas de nível superior, as quais emergem com o posterior desenvolvimento psicossexual após a puberdade (Glovinsky, 2002). ** Kraepelin E . Mixed States. In: Kraepelin E. Manic-depressive insanity & paranoia. Edinburgh: E & S Livingston Ltd; 1921. 4 1.2 - Depressão, Mania e Transtorno Afetivo Bipolar A Depressão é caracterizada principalmente por alterações no humor, na psicomotricidade, na cognição e nas funções vegetativas. O paciente deprimido geralmente apresenta humor depressivo, incapacidade de sentir alegria ou prazer, redução da energia, lentificação ou agitação psicomotora, alterações de apetite e sono, dificuldades de concentração e pensamentos de cunho negativo, podendo ocorrer ideação suicida e/ou sintomas psicóticos. A variedade de combinação e intensidade dos diversos sinais e sintomas que constituem a síndrome depressiva origina a gravidade e os subtipos depressivos. Alguns desses sinais e sintomas constituem os critérios diagnósticos do episódio depressivo maior, representante da depressão no DSM-IV (APA,1994). Esses critérios são guias para o diagnóstico da depressão, porém não substituem a avaliação fenomenológica minuciosa no estabelecimento do diagnóstico. (Almeida e Moreno , 2002). Assim como a depressão, a mania é caracterizada por alterações no humor, na cognição, na psicomotricidade e nas funções vegetativas, porém com características opostas àquelas observadas na depressão. O paciente apresenta elevação do humor, 5 aceleração da psicomotricidade, aumento de energia e idéias de grandeza, que podem ser delirantes (Almeida e Moreno, 2002). O humor do paciente em mania é expansivo, eufórico, geralmente irritável e desinibido. O humor pode ser também lábil e irritável, ocasionando crises de choro e/ou hostilidade, e caracteriza-se por instabilidade, fazendo com que o paciente passe rapidamente da alegria às lágrimas, da euforia à irritabilidade. A sensação de intenso bem-estar pode ser substituída pela experiência de desconforto insuportável, nervosismo, descontrole e agressividade (Almeida e Moreno, 2002). O Transtorno Bipolar I é caracterizado por um ou mais episódios maníacos ou mistos, geralmente acompanhados por episódios depressivos maiores. O Transtorno Bipolar II caracteriza-se por um ou mais episódios depressivos maiores, acompanhados por pelo menos um episódio hipomaníaco (DSM-IV-TR, 2002). Critérios para Episódio Depressivo maior, segundo o DSM-IV TR: A. No mínimo cinco dos seguintes sintomas estiveram presentes durante o mesmo período de 2 semanas e representam uma alteração a partir do funcionamento anterior; pelo menos um dos sintomas é (1)humor deprimido ou (2) perda do interesse ou prazer. Nota: Não incluir sintomas nitidamente devidos a uma condição médica geral ou alucinações ou delírios incongruentes com o humor. 6 (1) Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, indicado por relato subjetivo ou observação feita por terceiros. Nota: Em crianças e adolescentes pode ser humor irritável. (2) Acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase todos os dias. (3) Perda ou ganho significativo de peso sem estar em dieta, ou diminuição ou aumento do apetite, quase todos os dias. Nota: Em crianças, considerar incapacidade de apresentar os ganhos de peso esperados. (4) Insônia ou hiper-sonia, quase todos os dias. (5) Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (observáveis por outros, não meramente sensações subjetivas de inquietação ou de estar mais lento). (6) Fadiga ou perda de energia, quase todos os dias. (7) Sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada (que pode ser delirante), quase todos os dias (não meramente auto-recriminação ou culpa por estar doente). (8) Capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se, ou indecisão, quase todos os dias. (9) Pensamentos de morte recorrentes (não apenas medo de morrer), ideação suicida recorrente sem um plano específico, tentativa de suicídio ou plano específico para cometer suicídio. 7 B. Os sintomas não satisfazem os critérios para um Episódio Misto. C. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. D. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância ou de uma condição médica geral. E. Os sintomas não são mais bem explicados por Luto, ou seja, após a perda de um ente querido, os sintomas persistem por mais de 2 meses ou são caracterizados por acentuado prejuízo funcional, preocupação mórbida com desvalia, ideação suicida, sintomas psicóticos ou retardo psicomotor. Critérios para Episódio Maníaco, segundo o DSM-IV TR: A. Um período distinto de humor anormal e persistentemente elevado, expansivo ou irritável, com duração mínima de 1 semana (ou qualquer duração, se a hospitalização se fizer necessária). B. Durante o período de perturbação do humor, três (ou mais) dos seguintes sintomas persistiram (quatro, se o humor é apenas irritável) e estiveram presentes em um grau significativo: (1) auto-estima inflada ou grandiosidade; 8 (2) redução da necessidade de sono; (3) mais loquaz do que o habitual ou pressão por falar; (4) fuga de idéias ou experiência subjetiva de que os pensamentos estão correndo; (5) distratibilidade; (6) aumento da atividade dirigida a objetivos; (7) envolvimento excessivo em atividades prazerosas com um alto potencial para conseqüências dolorosas. C. Os sintomas não satisfazem os critérios para Episódio Misto. D. A perturbação do humor é suficientemente grave a ponto de causar prejuízo acentuado no funcionamento ocupacional, nas atividades sociais ou relacionamentos costumeiros com outros, ou de exigir a hospitalização, como um meio de evitar danos a si mesmo e a terceiros, ou existem características psicóticas. E. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância ou de uma condição médica geral. Nota: Episódios do tipo maníaco, nitidamente causados por um tratamento antidepressivo somático, não devem contar para um diagnóstico de Transtorno Bipolar I.. 9 Critérios para Episódio Misto, segundo o DSM-IV TR: A. Satisfazem-se os critérios tanto para Episódio Maníaco quanto para Episódio Depressivo Maior (exceto pela duração), quase todos os dias, durante um período mínimo de 1 semana. B. A perturbação do humor é suficientemente grave a ponto de causar acentuado prejuízo no funcionamento ocupacional, em atividades sociais costumeiras ou relacionamentos com terceiros ou de exigir a hospitalização para prevenir danos ao indivíduo e a terceiros, ou existem características psicóticas. C. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância ou de uma condição médica geral. Nota: Episódios do tipo misto causados por um tratamento antidepressivo somático não devem contar para um diagnóstico de Transtorno Bipolar I. Critérios para Episódio Hipomaníaco, segundo o DSM-IV: A. Um período distinto de humor persistentemente elevado, expansivo ou irritável, durando todo o tempo ao longo de um período mínimo de 4 dias, nitidamente diferente do humor habitual não-deprimido. B. Durante o período da perturbação de humor, três (ou mais) dos seguintes sintomas persistiram (quatro se o humor for apenas irritável) e estiveram presentes em um grau significativo: 10 (1) auto-estima ou grandiosidade; (2) redução da necessidade de sono; (3) mais loquaz do que o habitual ou pressão por falar; (4) fuga de idéias ou experiência subjetiva de que os pensamentos estão correndo; (5) distratibilidade; (6) aumento da atividade dirigida a objetivos ou agitação psicomotora; (7) envolvimento excessivo em atividades prazerosas com alto potencial para conseqüências dolorosas. C. O episódio está associado com uma inequívoca alteração no funcionamento, que não é característica do indivíduo quando assintomático. D. A perturbação do humor e a alteração no funcionamento são observáveis por terceiros. E. O episódio não é suficientemente grave ao ponto de causar prejuízo acentuado no funcionamento social ou ocupacional, ou de exigir hospitalização, nem existem características psicóticas. F. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância ou de uma condição médica geral. Nota: Os Episódios do tipo hipomaníaco nitidamente causados por um tratamento antidepressivo somático não devem contar para um diagnóstico de Transtorno Bipolar II. 11 1.3 - Transtorno Afetivo Bipolar na infância e adolescência. A existência do TB na infância permanece sendo um assunto que gera muita polêmica, inclusive em âmbito internacional. Isto ocorre devido à dificuldade diagnóstica deste transtorno e a semelhança de muitos dos sintomas com aqueles presentes em doenças mais bem aceitas e conhecidas dentro da psiquiatria infantil, tais como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), o Transtorno de Oposição e Desafio (TOD) e o Transtorno de Conduta (TC). O TB na adolescência, mais especificamente após a puberdade, tem sido cada vez mais aceito entre os psiquiatras, devido ao freqüente relato dos próprios pacientes adultos em relação à idade de início dos sintomas e à sintomatologia mais similar ao quadro clínico clássico do TB em adultos. O transtorno do humor bipolar pediátrico (TBP) prejudica de maneira importante o crescimento emocional e o desenvolvimento de uma criança. Está associado a uma taxa alarmante de suicídio, repetência escolar, agressão, comportamentos de alto risco como promiscuidade sexual e abuso de substâncias, altas taxas de recorrência e baixas taxas de recuperação (Carlson e Kelly, 1998; Geller et al., 998; Geller et al., 2001). As características clínicas predominantes no TBP são irritabilidade, ciclagem rápida, baixa recuperação inter-episódica, estados mistos, longa duração dos episódios e 12 altos índices de comorbidade com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e transtorno de oposição e desafio (Wosniak et al., 1995; Findling et al., 2001). O Transtorno Bipolar de início na adolescência (TBA) é caracterizado por altas taxas de abuso de substâncias, sintomas ansiosos, e uma natureza episódica em no mínimo um quarto dos sujeitos (Werry et al., 1991; Lewinsohn et al., 1995; Strober et al., 1995). Em oposição ao TBP, TBA freqüentemente apresenta-se com sintomas clássicos da mania em adultos, incluindo psicose (McClellan et al., 1999). Comparado aos adultos, entretanto, os adolescentes com TB têm um curso mais prolongado e precoce e são menos responsivos ao tratamento (McGlashan,1988; Strober et al.,1995; Carlson et al., 2000). Apresentações mistas e com ciclagem rápida, as quais são mais comuns em casos de início precoce, têm um curso bem mais pernicioso que aqueles com episódios puramente maníacos (Keller et al.,1986). Diferentes grupos de pesquisa têm tentado estabelecer sintomas cardinais do TB com início na infância e adolescência. Estes seriam como que sintomas patognomônicos da doença, auxiliando na freqüente dúvida diagnóstica entre TB e TDAH, TOD, TC e transtornos de ansiedade. Alguns grupos propõem que os sintomas cardinais poderiam ser a euforia, a grandiosidade e a ciclagem (Geller et al., 1998), outros acreditam ser a irritabilidade, com tempestades afetivas, explosões de raiva e um curso crônico da doença (Wosniak et al., 1995). Wozniack, em apresentação na Pediatric Bipolar Disorder Conference, organizada pelo National Institute of Mental Health dos Estados Unidos da América, realizada em 13 2004 em Boston, apresentou uma aula em que se referia a uma amostra de 107 pacientes e 296 parentes, tendo em vista a presença de ciclagem, euforia e grandiosidade versus a presença de irritabilidade, explosões de raiva e curso mais crônico da doença e demonstrou que não houve diferenças entre o padrão de co-morbidades, o grau de prejuízo no funcionamento, a gravidade da doença ou a existência de histórico familiar entre os dois grupos de pacientes. As únicas diferenças encontradas foram que houve maior taxa de uso de substâncias nos pacientes com humor puramente eufórico (sem irritabilidade) e nos pacientes com um curso mais episódico da doença. Houve maiores taxas de múltiplos transtornos de ansiedade entre os pacientes com humor predominantemente irritável. Este estudo também apontou que a existência de euforia sem irritabilidade é muito rara (6/66=1%), irritabilidade não eufórica é mais comum (41/66=62%) e sugeriu que deve haver um consenso em como definir episódio/ ciclagem versus cronicidade, uma vez que o curso crônico parece apresentar ciclagens ultrarápidas ao longo do dia, todos os dias. Toda esta polêmica acerca dos principais sintomas do TB na infância e adolescência ocorre porque não existem critérios diagnósticos específicos para esta população e os critérios existentes aplicam-se apenas ao TB em adultos. Assim sendo, os clínicos e pesquisadores têm encontrado muita dificuldade em adaptar estes critérios a esta população e muitas vezes crianças com claro prejuízo e labilidade afetiva não preenchem os critérios diagnósticos do DSM-IV ou da CID-10 (OMS), ficando órfãs de diagnóstico mesmo estando claramente doentes. 14 Leinbenluft et al. (2003) propuseram categorizar a mania juvenil em três grupos: 1) Fenótipo estreito (Narrow phenotype): que se caracterizaria pelo preenchimento de todos os critérios diagnósticos do DSM-IV para mania ou hipomania, incluindo os critérios de duração e por possuírem todos os sintomas de elevação do humor e grandiosidade. 2) Fenótipo intermediário: quando apresentassem os dois critérios: a) hipomania ou mania SOE com episódios claros e todos os sintomas característicos, mas com os episódios durando apenas 1 a 3 dias ou b) mania ou hipomania irritável, com episódios claramente demarcados com irritabilidade, mas não euforia. 3) Fenótipo amplo (Broad phenotype): quando houvesse um curso crônico, não episódico e sem nenhum sintoma característico de mania, mas com severa irritabilidade. Um comitê do Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA (NIMH) definiu o TB SOE. Este grupo decidiu que o TB SOE poderia ser subdividido nos seguintes itens: a) preenche critérios para mania, mas os episódios são mais curtos do que 4 dias; b) preenche critérios do DSM-IV, mas com bem menos sintomas do critério “B”; c) presença de irritabilidade, suficientes sintomas do critério “B”, mas sem episódios demarcados (ou seja, um curso mais crônico da doença); 15 d) crianças nas quais os pais observam critérios de mania, mas os mesmos não são observados em outros ambientes. 1.4 – Genética Existem várias linhas de evidência sugerindo herdabilidade em TB pediátrico. Embora estudos genético-moleculares, de gêmeos e de adoção tenham estabelecido herdabilidade em TB em adultos, tais estudos estão faltando na população pediátrica. Estudos genéticos pertencentes ao TB pediátrico podem ser discutidos dentro de duas categorias: estudos familiais (top-down ou high-risk studies ) examinando os filhos de pais com TB e (bottom-up studies) estudos estimando a prevalência de TB entre parentes de crianças com TB e estudos de genética molecular (Pavuluri et al., 2005). Um estudo duplo-cego controlado examinou os parentes de primeiro-grau de pacientes bipolares, deprimidos e controles. Eles acharam uma prevalência de 4,5% de TAB entre parentes de pacientes bipolares, uma prevalência de 1,5% entre parentes de pacientes deprimidos e 0% de prevalência entre parentes de pacientes-controle. A prevalência de 16,6% de depressão entre parentes de pacientes deprimidos não foi muito maior do que os 14,0% de prevalência de depressão entre os parentes de pacientes 16 bipolares, mas ambos apresentaram aproximadamente três vezes o risco observado no grupo-controle.(Gershon et al., 1982). Gêmeos monozigóticos (idênticos) possuem 100% dos genes em comum e gêmeos dizigóticos possuem, em média, somente 50% dos genes em comum. Apesar dos dois tipos de gêmeos serem significantemente diferentes em termos de composição genética, ambos tipos de gêmeos compartilham um ambiente relativamente igual. Portanto gêmeos podem ser usados para distinguir a contribuição relativa dos fatores genéticos e ambientais na etiologia das doenças psiquiátricas (Faraone et al., 2003). Herdabilidade é uma medida do grau que os fatores genéticos influenciam a variabilidade de uma doença (Faraone et al., 2003). Um estudo dinamarquês de gêmeos encontrou uma concordância de 0,67 para TAB em gêmeos monozigóticos e 0,20 para gêmeos dizigóticos. Baseados nestes dados os autores determinaram uma hereditariedade de 0,59 para transtorno afetivo bipolar (Bertelsen et al., 1977). Tsuang e Faraone revisaram 6 estudos de gêmeos com “desordem maníacodepressiva”, os quais não distinguiam entre depressão maior e TAB. De uma maneira global, estes estudos atribuíram 60% da variância em TAB a fatores genéticos, 30 a 40% da variância foi atribuída a fatores ambientais comuns, enquanto efeitos ambientais raros responderam por menos de 10% da variância (Tsuang e Faraone, 1990). O achado das taxas de concordância dos gêmeos monozigóticos ter sido menor do que 100% ressalta a importância dos fatores ambientais. No entanto, os estudos de 17 gêmeos são menos consistentes do que estudos de adoção na atribuição de fontes ambientais da variância para fatores ambientais específicos versus comuns (Faraone et al., 2003). Um estudo de adoção da Bélgica encontrou que a prevalência de doença psiquiátrica é maior entre pais biológicos do que entre os pais adotivos dos bipolares adotados Comparados com um grupo-controle, os pais biológicos de bipolares dados para adoção tiveram uma prevalência aumentada de transtorno bipolar, enquanto os pais adotivos dos bipolares adotados não tiveram. Estes resultados mostram que afinidades genéticas – não adotivas- mediaram a agregação familiar do TAB (Mendlewicz e Rainer,1977). Wender et al. (1986) reportaram, em uma amostra mista de adultos bipolares e deprimidos adotados e controles adotados sem nenhuma doença mental, que nos parentes biológicos dos adotados doentes, o risco de ter completado suicídio era seis vezes maior do que entre os parentes adotivos. Além do mais, os parentes biológicos tinham três vezes a taxa de depressão maior e de alcoolismo comparados com os parentes adotivos dos adotados doentes. Um mecanismo adicional para o aumento da incidência de TB em filhos de bipolares pode ser que gerações sucessivas em famílias com TB talvez desenvolvam TB cada vez mais cedo (com idades menores), levando a um aumento na detecção de TB em amostras de crianças e adolescentes (Goossens et al., 2001), mecanismo chamado de antecipação genética. 18 Baseado nos numerosos relatos da antecipação fenotípica no transtorno bipolar, muitos esforços têm sido direcionados na identificação das bases genéticas para o fenômeno (Mclnnis et al., 1993). Nas outras desordens que apresentam padrões de antecipação, tais como a Doença de Huntington (Morell,1993), Síndrome do X Frágil (Kremer et al., 1991), Atrofia muscular espinhal e bulbar (La Spada et al., 1992) e Distrofia Miotônica (Tsilfidis et al., 1992), antecipação é conhecida por envolver expansão de segmentos do genoma, consistindo de repetições de trinucleotídeos. 1.5 – Estudos com filhos de Bipolares Um estudo de Chang et al. (2003b) avaliou o temperamento de 65 filhos com idade entre 6 e 18 anos de 38 diferentes famílias com no mínimo um dos pais biológicos portadores de TAB I ou II e verificou que diminuição da capacidade de adaptação a novas situações, muitas atividades, humor triste e dificuldade de manter-se nas tarefas podem ser um fator de risco pré-mórbido para uma variedade de psicopatologias. Em 1989, Grigoroiu-Serbanescu et al. observaram que filhos de bipolares com psicopatologia apresentavam menos estabilidade emocional, menor tolerância à 19 frustração, mais ansiedade, e superficialidade nos relacionamentos e na escola do que aqueles sem psicopatologia. Lapalme et al. (1997) realizou uma metanálise em que incluiu todos estudos publicados que houvessem realizado avaliações de filhos de pacientes portadores de TAB e incluiu aqueles em que os pais haviam sido submetidos a entrevistas clínicas semi-estruturadas ou entrevistas baseadas em critérios diagnósticos do DSM. 17 estudos preencheram este critério, dentre eles, 11 possuíam grupo-controle de filhos de pais sem transtorno mental ou sem doenças psiquiátricas maiores (graves), a faixa etária variou de 5 a 25 anos de idade. Inicialmente, calculou-se Quiquadrado e risco relativo estimado para cada categoria de transtorno mental observada nas crianças pelo total dos dados crus de cada estudo. Ao todo, 973 sujeitos foram incluídos nas análises, 52% dos filhos de pais com TAB preencheram critérios para alguma doença mental e 29% dos filhos de pais dos grupos-controle possuíram algum diagnóstico. O cálculo do Risco Relativo Estimado (RRE) aponta que filhos de pais bipolares têm mais que 2,5 vezes mais chance de desenvolver uma doença mental que filhos de pais sem transtorno mental. Dentre as 614 crianças avaliadas quanto à existência de algum Transtorno Afetivo, 26,5% daquelas com um dos pais sofrendo de TAB preencheram critérios, enquanto apenas 8,3% das crianças filhas de pais sem transtorno mental ou sem doença mental grave preencheram. O Risco Relativo Estimado indica que as crianças filhas de pais com TAB são 4 vezes mais susceptíveis a desenvolver um transtorno afetivo que crianças de pais sem nenhum transtorno mental ou sem doenças mentais maiores. 20 Dentre 795 crianças examinadas em relação à presença de TAB, 5,4% dos filhos de bipolares fecharam critérios, sendo que nenhum filho de pais do grupo-controle recebeu este diagnóstico. Entre 350 crianças avaliadas quanto ao diagnóstico de depressão maior, o risco foi similar entre os filhos de pais com TAB e os filhos de pais sem doença mental. Indícios encontrados neste estudo sugeriram que ser filho de bipolares estaria mais fortemente associado ao desenvolvimento de doença mental na vida adulta do que na infância (Lapalme et al.,1997). Uma revisão de todos os estudos publicados de 1966 a 2000 disponíveis na Medline, excluiu os trabalhos que possuíam amostras de crianças, adolescentes e adultos analisadas em conjunto e aqueles que incluíam filhos de pais com transtorno depressivo, além dos filhos de bipolares; por fim, 17 estudos foram incluídos na revisão e verificouse que as taxas de transtorno de humor nas crianças e adolescentes filhos de pais bipolares variou de 5 a 67%, comparadas com taxas de 0 a 38% entre filhos de pais saudáveis. As taxas de transtorno mental, que não os de humor variaram de 5 a 52% nos filhos de bipolares e de 0 a 25% em filhos de pais saudáveis. As taxas de transtornos de humor e de outras psicopatologias estavam aumentadas em todos os 8 estudos que incluíam grupo-controle de filhos de pais saudáveis (DelBello & Geller ,2001). Wals et al. (2001) avaliaram 140 filhos de 86 pais bipolares, com faixa etária variando de 12 a 21 anos de idade e utilizaram o Children Behavior Checklist (CBCL), o Teacher’s Report Form (TRF), o Youth Self Report do CBCL (YSR) e o Kiddie Schedule of Affective Disorders and Schizophrenia Present and Lifetime Version (K-SADS-PL) 21 para determinar a existência de psicopatologia entre adolescentes filhos de bipolares. Enviaram cartas a 1961 membros da Associação Holandesa de parentes e portadores de TAB. 712 (36%) responderam às cartas, 110 disseram ser portadores de TAB e ter filhos na idade de interesse (12 a 21 anos), Destes 110 elegíveis, 62 (56%) aceitaram participar do estudo, 102 adolescentes foram incluídos no estudo. Além disso,contataram psiquiatras de 9 hospitais psiquiátricos com ambulatório em todo país (zonas rurais e urbanas). Estes psiquiatras sugeriram 91 pacientes com filhos na faixa etária de interesse para serem convidados a participar do estudo. Destes, 58 (64%) aceitaram ser contatados e 24 (26%) aceitaram participar, mais 38 adolescentes foram incluídos no estudo. Verificou que a prevalência de transtornos mentais atuais, segundo o DSM-IV foi de 29% e a prevalência de transtornos mentais ao longo da vida, segundo o DSM-IV foi de 44%. Comparando os sujeitos do estudo com os dados obtidos de uma amostra normativa da população Holandesa, verificou-se maiores escores no Total de Problemas do CBCL em 8 de 11 meninas avaliadas e em 4 de 11 meninos avaliados, menores escores foram obtidos em 4 YSR e 4 Young Adult Self Report (YASR), ambos em meninos; 1 TRF para meninos e 1 TRF para meninas. Mães bipolares reportaram mais adolescentes na faixa desviante do CBCL na escala de Total de Problemas do que os pais não bipolares do mesmo adolescente. Pais bipolares não relataram mais adolescentes na faixa desviante do CBCL na escala de Total de Problemas do que as mães não bipolares dos mesmos adolescentes. De 112 comparações feitas entre os filhos de bipolares e a amostra normativa através das 5 escalas utilizadas, as várias subescalas 22 e ambos os gêneros, 23 comparações apresentaram uma diferença significante (p < 0,05), sendo que 13 destas indicando mais problemas em filhos de bipolares. O risco para problemas afetivos pode estar discretamente elevado, verificaram isto quando consideraram a escala de Ansiedade/Depressão e de Queixas Somáticas do CBCL nas meninas filhas de pais com TAB. Professores não reportaram mais problemas de comportamento nos filhos de pais bipolares do que na amostra normativa. Comentam que mães bipolares podem exagerar ao relatar problemas sobre os filhos no K-SADS. De maneira geral, encontraram prevalências de diagnóstico atual e ao longo da vida muito semelhantes às encontradas na população geral e menores do que as encontrada em prévios estudos. Discutem o fato de que esta diferença pode ser devida a um possível viés de seleção, pois os pacientes provenientes da Associação de portadores e parentes de Transtorno Bipolar constituem cerca de dois terços da amostra e podem ser pacientes mais preservados, com um melhor funcionamento do que a maioria dos pacientes provenientes de hospitais ou ambulatórios e exemplificam este fato com as diferenças encontradas dentro da própria amostra por eles avaliada. Uma maior proporção de adolescentes recrutados dos ambulatórios apresentou escores desviantes na maioria das escalas do CBCL, YACBCL, YSR, YASR e TRF. 40% dos adolescentes filhos de pais provenientes dos ambulatórios e 26% dos adolescentes filhos de pais provenientes da associação de parentes e portadores de TAB tiveram algum diagnóstico segundo o DSM-IV, mas ambas diferenças sem significância estatística. 23 Reichart et al. (2004) reavaliaram estes adolescentes 14 meses após a primeira avaliação acima descrita. Utilizando os mesmos instrumentos, 132 adolescentes foram incluídos e a faixa etária agora variou de 13 a 23 anos. Dos 8 casos que se recusaram a participar desta segunda etapa, 7 eram meninas e 1 era menino, a média de idade destes era 15,8 e dos que permaneceram no estudo foi de 17,2 (t=1,57, df=138, p=0,12); a idade de início da doença nos pais foi 23,2 nos sujeitos que desistiram e 26,4 nos que permaneceram (t=0,76, df=82, p=0,45) e a condição sócio-econômica das famílias era de 3,75 nos desistentes e 4,95 nos remanescentes (t=1,55, df=138, p=0,123). Nesta reavaliação 65 adolescentes (49%) preencheram critérios para qualquer transtorno psiquiátrico ao longo da vida e 43(33%) para qualquer transtorno de humor ao longo da vida, sendo que 5 (4%) tiveram o diagnóstico de TAB. Dos adolescentes com algum diagnóstico psiquiátrico ao longo da vida, 66% tinham um transtorno de humor. A incidência de qualquer diagnóstico foi de 5% e a de algum transtorno de humor foi de 6% nos 14 meses de intervalo entre a primeira e a segunda avaliação. Os autores citaram nas conclusões que a única escala do CBCL estatisticamente diferente entre o referido pelos pais das crianças bipolares e a população holandesa (sendo que esta informação foi proveniente de um outro estudo, normativo da população holandesa) foi a escala de ansiedade/depressão. O mesmo grupo de pesquisadores da Holanda realizou uma nova avaliação dos adolescentes acima descritos, 5 anos após a primeira avaliação e utilizaram o Structured Clinical Interview for DSM-IV Axis I disorders (SCID I) para entrevistar 129 sujeitos, 24 com faixa etária variando de 16 a 26 anos. Nesta etapa, os participantes consistiam de 60 mulheres e 69 homens, com média de idade de 20,8 anos e desvio padrão (DP) de 2,7. Verificaram um aumento da prevalência de TAB ao longo da vida de 3 para 10% (comparado a primeira avaliação), A prevalência de transtornos de humor em toda vida passou a 40% e a de qualquer diagnóstico tornou-se 59%. Todos os sujeitos com TAB, menos um, iniciaram com um quadro de depressão unipolar, numa média de 4,9 anos (e um desvio-padrão de 3,4) antes do primeiro episódio (hipo) maníaco (Hillegers et al., 2005). Chang et al. (2000) avaliaram 60 filhos biológicos de pelo menos um dos pais com TAB tipo I ou II de 38 diferentes famílias, com faixa etária de 6 a 18 anos Estas crianças e adolescentes foram avaliadas com o Kiddie Schedule for Affective Disorders, present and lifetime version (K-SADS-PL) e o módulo de transtornos afetivos do Washington University Schedule for Affective Disorders and Schizophrenia for School-Age- Children (WASH-U-KSADS), a Young Mania Rating Scale (YMRS), o Global Assessment of Functioning (GAF), o CBCL e o Conners 10-Question Parent-Teacher Questionnaire. Verificaram que 55% dos filhos de bipolares tinham algum transtorno psiquiátrico, 28% possuíam Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), 15% tinham depressão ou distimia, 15% apresentavam TAB ou ciclotimia, 10% possuíam Transtorno de Oposição e Desafio (TOD), 3% tinham Transtorno obsessivo Compulsivo (TOC), 3% apresentavam Transtorno de tiques e 5% possuíam outros transtornos de ansiedade (tr. de ansiedade de separação, tr. de ansiedade generalizada e fobia social). Todas estas 25 prevalências referiam-se à presença do diagnóstico ao longo da vida, mas a maioria era atual. A média de idade dos filhos era de 11,1+- 3,5 anos, o GAF médio foi de 76,0 +12,0. Das crianças com TAB, 88% tinham TDAH co-mórbido. Ambos os diagnósticos de TDAH e TAB eram mais freqüentemente diagnosticados em meninos. Houve uma tendência dos diagnósticos de TOD e TAB terem sido associados com uma idade de início da doença dos pais mais precoce, quando comparada com a ausência de diagnósticos de eixo I nos filhos. 1.6 – Relevância deste estudo Pesquisa sobre TB em crianças e adolescentes na Europa e outros países, que não os Estados Unidos da América (EUA) é escassa. Apesar de extensiva pesquisa sobre TB em adultos na Europa, há falta de informações acerca da prevalência internacional e fenomenologia do TB pediátrico (Soutullo et al., 2005). No entanto, dados atuais sugerem que o TB pediátrico é verdadeiramente raro fora dos EUA, talvez 0% no Reino Unido (Ford et al., 2003) a 1,9% na Holanda (Verhulst et al., 1997) em estudos epidemiológicos. Amostras de pacientes ambulatoriais encontraram prevalências variando de 0% no Reino Unido (Meltzer et al., 2000) a 4% na Espanha (Soutullo et al., 2005). Estudos em hospitais psiquiátricos verificaram TB pediátrico em 0,0006% dos 26 pacientes hospitalizados na Finlândia (Sourander, 2004), 1,2% na Dinamarca (Thomsen et al., 1992) e 2,5 – 4,2% na India (Alexander e Raghavan, 1997; Reddy et al., 1997). O estudo de filhos de bipolares representa uma oportunidade única para entendimento futuro de formas prodrômicas precoces de TB, os quais podem levar a uma precoce identificação e atenuação ou prevenção da doença. Portanto o estudo dos filhos de bipolares é importante por no mínimo três razões: -Teórica: O TB é uma desordem com um conhecido substrato genético que tem um período específico de início e freqüentemente um extenso período prodrômico durante o qual a interação gene-ambiente pode ser examinada. - Clínica: Intervenção precoce pode levar a prevenção da progressão de TB e criar a possibilidade de encontrar-se agentes com potencial de cura, uma raridade em psiquiatria. - Saúde Pública: TB acarreta grande impacto sócio-econômico (Begley et al., 2001), e a compensação do custo com intervenções preventivas para a sociedade pode ser demonstrada (Chang et al., 2003a). Tendo em vista a morbidade da doença em questão e a escassez de estudos acerca do transtorno afetivo bipolar na infância e adolescência, principalmente fora da América do Norte, este estudo pretende ampliar os conhecimentos sobre a prevalência desta desordem e dos demais transtornos em uma amostra brasileira de suposto alto risco, contribuindo assim para a compreensão em nível internacional do TB pediátrico e nos instrumentalizando para um provável diagnóstico e intervenção mais precoces. 27 1.7 – Objetivos 1.7.1-Geral: Avaliar a prevalência de psicopatologias nas crianças e adolescentes com idades entre 6 e 18 anos, filhos de mães com diagnóstico de TB e em acompanhamento no Grupo de Estudos de Doenças Afetivas (GRUDA) ou no Projeto Mania (PROMAM) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) entre março de 2004 e março de 2006 e compará-la a prevalência de psicopatologias nos filhos na mesma faixa etária de mães sem doença mental grave. 1.7.2-Específicos: Avaliar a prevalência de transtornos psiquiátricos, segundo o DSM-IV nas crianças e adolescentes filhos de mães bipolares e nas crianças e adolescentes filhos de mães do grupo–controle. Verificar a ocorrência de sintomas comportamentais e de internalização em crianças e adolescentes através de instrumento que avalia de forma dimensional (em escores) estes dados. 28 1.8 – Hipóteses Verificar se a prevalência de transtornos psiquiátricos é diferente entre os filhos de mães Bipolares e os filhos de mãe sem doença mental grave. Verificar se existe associação entre ser filho de mãe bipolar e possuir sintomas comportamentais e de internalização, assim como entre ser filho de mãe sem doença mental grave e possuir sintomas comportamentais e de internalização. 29 2.0 – Métodos Trata-se de um estudo observacional, do tipo transversal controlado, no qual avaliamos os filhos biológicos com idades entre 6 e 18 anos de todos as pacientes bipolares do sexo feminino em acompanhamento no ambulatório especializado para transtornos do humor num centro terciário ( Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo) no Brasil entre março de 2004 e março de 2006, que residiam na grande São Paulo e os filhos na mesma faixa etária de uma amostra consecutiva de mulheres entre 18 e 58 anos de idade em acompanhamento no ambulatório geral de ginecologia do mesmo hospital, as quais compõem o grupo controle do estudo. Todas as famílias entrevistadas assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido concordando em participar do estudo. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (protocolo de pesquisa número: 660/04) da Faculdade de Medicina do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). A autora recebeu bolsa da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de pessoal de Nível Superior) para realizar esta pesquisa. Este estudo fez parte de um estudo mais amplo, incluindo também filhos de mães esquizofrênicas e avaliação genética, o qual recebeu verba da Fundação de Apoio a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) sob o número do processo 02/12188-0. Avaliamos apenas um filho de cada família, o qual foi sorteado aleatoriamente. 30 Optamos por avaliar um único filho de cada família para manter a independência estatística e para não haver super-representação de algumas famílias. 2.1-Critérios de Inclusão Casos: Foram selecionadas crianças e adolescentes com idades entre 6 e 18 anos, filhos de mães bipolares que residiam na grande São Paulo e que estavam em acompanhamento para este diagnóstico no Grupo de Estudos de Doenças Afetivas (GRUDA) ou no Projeto Mania (RROMAN) do Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP durante 2004 e 2005. Controles: Foram incluídas crianças e adolescentes com idades entre 6 e 18 anos, filhos de mães com idade entre 18 e 58 anos em acompanhamento no ambulatório geral de ginecologia do Hospital das Clínicas da FMUSP. 2.2-Critérios de Exclusão Casos: 31 1. Casos em que a mãe inicialmente referida como bipolar não tenha preenchido o critério diagnóstico para Transtorno Bipolar tipo I, tipo II ou SOE (sem outras especificações), segundo a Structured Clinical Interview, DSM-IV (SCID, First et al., 1996). 2. Casos em que os pais e/ou as crianças/adolescentes tenham recusado participar do estudo ou assinar o termo de consentimento livre informado. Controles: 1. Foram excluídas as mães que preencheram critérios para Transtorno Bipolar, Esquizofrenia, Episódio Depressivo Atual Grave, Depressão Recorrente ou qualquer Transtorno Psicótico, segundo a Structured Clinical Interview, (SCID, First et al., 1996), DSM-IV (American Psychiatric Association, 1994). 2. Casos em que os pais e/ou as crianças/adolescentes tenham recusado participar do estudo ou assinar o termo de consentimento livre informado. 2.3- Instrumentos Utilizados: Para avaliar a ocorrência de psicopatologia nas crianças e adolescentes utilizamos o Kiddie Schedule for Affective Disorders and Schizophrenia for Children – present and 32 lifetime version (K-SADS-PL – Kaufman et al., 1997); o Child Behavior CheckList (CBCL , Achenbach e Dumenci, 2001 ); o Youth Self Report of CBCL (YSR; Achenbach e Dumenci, 2001) e a Young Mania Rating Scale (YMRS; Young et al.,1978). Para avaliar o Quociente Intelectual dos filhos, aplicamos a Weschler Abbreviated Scale of Intelligence (WASI; The psychological corporation, 1999). A classe sócio-econômica das famílias avaliadas foi verificada pelo Critério de Classificação Econômica Brasil (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa - ABEP, 2003). A avaliação da existência ou não de qualquer transtorno psquiátrico nas mães do grupo-controle, a confirmação diagnóstica e a definição das comorbidades nas mães bipolares foi realizada através da Structured Clinical Interview for DSM-IV Axis I disorders (SCID, First et al., 1996). Os entrevistadores estavam cegos ao diagnóstico das mães. 2.3.1 - Structured Clinical Interview for DSM-IV Axis I disorders (SCID, First et al., 1996) Entrevista semi-estruturada que foi desenvolvida com base nos critérios do DSMIV (American Psychiatric Association, 1994) com objetivo de ser utilizada em pesquisa clínica por profissionais com experiência em avaliação psicopatológica. As diversas sessões do SCID envolvem informações demográficas, queixa principal, história psiquiátrica passada e presente, tratamentos anteriores e funcionamento atual. Os 33 módulos diagnósticos incluem transtornos psicóticos, do humor, ansiosos, somatoformes, da alimentação, de ajustamento, do uso de substâncias (Jorge,1996). 2.3.2- Kiddie Schedule for Affective Disorders and Schizophrenia for Children – present and lifetime version (KSADS-PL – Kaufman et al., 1997) O K-SADS-PL é uma entrevista semi-estruturada desenvolvida para avaliar episódios de psicopatologia no momento atual e no passado em crianças e adolescentes segundo os critérios do DSM III-R e DSM-IV. O K-SADS-PL foi traduzido para o português e teve suas propriedades psicométricas testadas e verificou-se que a versão brasileira da K-SADS-PL apresenta equivalência de conteúdo em relação ao instrumento original e excelentes propriedades psicométricas, confiabilidade entre avaliadores e confiabilidade teste-reteste com nível de concordância Kappa = 0,87-1,00 (Brasil, 2003). Os diagnósticos principais avaliados pelo K-SADS-PL são: Depressão Maior, Distimia, Mania, Hipomania, Ciclotimia, Transtornos Bipolares (subtipos I, II e SOE), Transtorno Esquizoafetivo, Esquizofrenia, Transtorno Esquizofreniforme, Psicose Reativa Breve, Transtorno de Pânico, Transtorno de Ansiedade de Separação, Transtorno de Evitação na Infância e Adolescência, Fobia Simples, Fobia Social, Agorafobia, Transtorno de Ansiedade Excessiva, Transtorno de Ansiedade Generalizada, Transtorno ObsessivoCompulsivo, Transtorno de Estresse Pós-Traumático, Transtorno de Estresse Agudo, 34 Enurese, Encoprese, Anorexia Nervosa, Bulimia Nervosa Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, Transtorno de Conduta, Transtorno de Oposição Desafiante, Transtorno de Tourette, Transtorno de Tique Vocal ou Motor Crônico, Transtorno Transitório de Tique, Abuso de Álcool, Dependência de Álcool, Abuso de Substância, Dependência de substâncias, Retardo Mental e Transtornos de Ajustamento. O K-SADS-PL é administrado entrevistando os pais e a criança ou adolescente separadamente. Uma pontuação variando de 0 a 3 (sendo 0= nenhuma informação, 1 = ausente, 2 = pouco freqüente e 3 = muito freqüente) é atribuída à resposta dos pais e depois à resposta da criança ou adolescente. Quando houver discordância entre a resposta fornecida pelos informantes, o avaliador terá de usar seu melhor julgamento clínico para estabelecer a pontuação final de cada pergunta. A pontuação 3 em qualquer pergunta do rastreamento dos diferentes módulos, leva a aplicação do suplemento do respectivo módulo, e a contagem do número de pontuações 3 recebida na pontuação final do entrevistador é que define se os critérios diagnóstico de determinado transtorno foram ou não preenchidos. Este instrumento fornece a opção de um diagnóstico provável quando a criança avaliada atende critérios para os sintomas essenciais do transtorno; atende todos menos um, ou no mínimo 75% dos critérios restantes necessários para o diagnóstico e apresenta evidência de limitação funcional. Neste estudo optamos por incluir as crianças e adolescentes que se encaixaram em tal grupo como sem diagnóstico psiquiátrico categórico, ou seja, segundo o DSM-IV. 35 2.3.3 - Child Behavior CheckList (CBCL, Achenbach e Dumenci, 2001) O CBCL é composto de 138 itens: 20 destinados à avaliação da competência social da criança ou adolescente e 118 relativos à avaliação de seus problemas de comportamento. Os 20 itens relativos à competência social referem-se ao envolvimento da criança ou jovem em diversas atividades (esportes, brincadeiras, jogos, passatempos, trabalhos e tarefas), participação em organizações grupais (clubes e times), relacionamento com pessoas (familiares, amigos e outras crianças ou jovens), independência no brincar ou trabalhar e desempenho escolar (aproveitamento nas diversas matérias, repetência e necessidade de classe ou escola especial). A maioria dos itens sociais exige que os pais comparem os comportamentos do filho com os de outras crianças da mesma idade, identificando-os como abaixo, acima ou dentro da média. Os dados obtidos a partir dos itens de competência social são convertidos em escores de 0 a 4, segundo as instruções do manual do CBCL (Achenbach e Edelbrock, 1983; Achenbach, 1991). Estes escores são chamados de “escores crus” que, registrados em escalas, fornecem o perfil social da criança ou adolescente. O perfil social aplica-se à faixa etária de 6 a 18 anos e conta com três escalas individuais: Atividades, Sociabilidade e Escolaridade. A soma dos escores crus obtidos nas escalas sociais individuais indica a Competência Social Total do indivíduo avaliado. 36 Os 118 itens relativos a problemas de comportamento constituem descrições de comportamentos que podem estar presentes ou ausentes na vida da criança ou adolescente. O informante deve classificar tais comportamentos de acordo com três possibilidades: item falso ou comportamento ausente (escore = 0), item parcialmente verdadeiro ou presente às vezes (escore = 1), e item bastante verdadeiro ou presente freqüentemente (escore = 2). Os escores de 0 a 2 para problemas de comportamento são chamados de “escores crus”, que registrados em escalas, fornecem o perfil comportamental da criança ou adolescente. A versão deste instrumento utilizada nesta pesquisa é a mais recente (Achenbach e Dumenci, 2001) e aplica-se à faixa etária de 6 a 18 anos de idade. O perfil comportamental é composto de oito escalas individuais: I. Ansiedade/Depressão II. Isolamento/retraimento III. Queixas somáticas IV. Problemas com o contato social V. Problemas com o pensamento VI. Problemas com a atenção VII. Comportamento Delinqüente VIII. Comportamento Agressivo 37 As escalas I, II e III quando agrupadas são denominadas problemas de internalização e as escalas VII e VIII consideradas em conjunto são denominadas problemas de externalização. A soma dos escores crus obtidos nas escalas comportamentais individuais corresponde ao Total de problemas. A versão brasileira do CBCL foi validada pela Dra Izabel A..S. Bordin e alcançou alta sensibilidade (87%), identificando corretamente 75% dos casos leves, 95% dos casos moderados e 100% dos casos graves. A confiabilidade entre entrevistadores e a confiabilidade teste - reteste com intervalo de uma semana foram confirmadas por coeficientes de correlação intraclasse maiores que 0,92 (p < 0,001). Correlação de Pearson igual a 0,87 para Competência Social Total e de 0,89 para Total de Problemas de Comportamento (Bordin et al., 1995). 2.3.4- Youth Self Report of CBCL ( YSR; Achenbach e Dumenci, 2001) O YSR avalia os mesmos itens da competência social e dos problemas de comportamento que o CBCL, a grande maioria das questões abordam o mesmo assunto, mas a pergunta é feita de forma a ser respondida diretamente pelos pré-púberes e adolescentes a partir de 11 anos de idade. Este instrumento foi traduzido para o português, retro traduzido e adaptado culturalmente (Duarte & Bordin, 2000). 38 2.3.5- Weschler Abbreviated Scale of Intelligence (WASI; The psychological corporation, 1999) O WASI foi criado para estimar rapidamente e com precisão o funcionamento intelectual de indivíduos de ampla faixa etária e para realização de rastreamentos. Fornece estimativas válidas e confiáveis do desempenho verbal e do funcionamento intelectual geral. Os quatro subtestes do WASI incluem vocabulário, desenho de blocos, semelhanças e raciocínio em matrizes. 2.3.6- Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP, 2003) Questionário desenvolvido pela Associação Nacional de Empresas de Pesquisa (ANEP) em 1997, renomeada ABEP a partir de 2003. Inicialmente criada para determinar a classe sócio-econômica, mas atualmente melhor aceita como instrumento capaz apenas de classificar classes econômicas. Estima o poder de compra que resulta da somatória de pontos obtidos nos itens: grau de instrução do chefe da família, capacidade de aquisição de bens de consumo familiar (eletrodomésticos, veículos), número de banheiros no domicílio, e número de empregados mensalistas, quanto menor o escore 39 total, menor a capacidade de consumo da família. Foram estabelecidas sete classes econômicas: A1 (30-34), A2 (25-29), B1(21-24), B2(17-20),C(11-16), D(6-10) e E(0-1). 2.3.7 – Young Mania Rating Scale (YMRS; Young et al., 1978) Instrumento criado para monitorar a gravidade dos sintomas maníacos através de 11 itens que devem ser observados e questionados pelo entrevistador. Tem se mostrado eficaz na avaliação de sintomas maníacos em crianças (Fristad, 2003). Este instrumento foi traduzido e adaptado para a Língua Portuguesa por Vilela et al. (2005) e obteve índices de concordância de Kappa que variaram de 0,32 a 0,91, apenas um item (atividade e energia aumentados) obteve nível de concordância ruim (k < 0,4). Os níveis de correlação de Sperman obtidos foram compatíveis com aqueles descritos por Young et al. (1978) com a versão original do instrumento. Quanto à consistência interna do instrumento, obteve-se um resultado satisfatório com alfa de Cronbach de 0,6663 para escala como um todo e 0,7249 para cada item padronizado. 40 2.4 – Procedimento As pacientes bipolares e as pacientes do grupo-controle, advindas do Serviço de Ginecologia do HC-FMUSP, foram convidadas a participar do estudo por telefone. Todos os questionários foram aplicados no mesmo dia às mães e aos filhos simultaneamente, sendo que o primeiro instrumento aplicado às crianças e adolescentes foi o WASI , depois o YSR (quando o filho tivesse 11 anos ou mais), depois o KSADS-PL e depois a YMRS. As mães respondiam inicialmente o CBCL e depois o SCID ou o K-SADS-PL, conforme conveniência. A duração da avaliação completa variava de 2 horas e meia a 4 horas. O dia escolhido para as avaliações foi sábado devido a maior disponibilidade de salas no Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP e à maior facilidade para as mães convocadas comparecerem. Todos os questionários e entrevistas foram realizados por psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e psiquiatras treinados e supervisionados por psiquiatra da infância e adolescência. Todos os entrevistadores estavam cegos ao diagnóstico das mães das crianças avaliadas. Sendo que o SCID, o K-SADS-PL e a Young Mania Rating Scale (YMRS) foram aplicados por médicos residentes de psiquiatria geral ou de psiquiatria infantil e por psiquiatras formados, com exceção de uma psicóloga com doutorado e grande conhecimento de psicopatologia; a WASI foi aplicada apenas por psicólogas formadas e com anos de experiência clínica; o CBCL, o YSR e a ANEP foram aplicados por psicólogos, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais formados e 41 previamente treinados para aplicar tais instrumentos. Os aplicadores do SCID foram treinados por 8 horas, no mínimo, pelo Doutor Francisco Lotufo Neto no Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP e os aplicadores do K-SADS-PL foram treinados por no mínimo 16 horas pela Doutora Heloísa Helena Alves Brasil, que traduziu e validou o instrumento no Brasil (Brasil, 2003). As aplicadoras do WASI foram inicialmente orientadas quanto ao uso do instrumento pela Doutora Cândida Pires de Camargo (exchefe do Serviço de Neuropsicologia do Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP e responsável pelo aprimoramento em neuropsicologia) e depois seguiram aplicando sozinhas, uma vez que todas já eram psicólogas formadas e possuíam experiência na aplicação de escalas para avaliar o Quociente de Inteligência. Os aplicadores das outras escalas foram treinados pela autora principal deste projeto e pela Doutora Elisa Kijner Gutt, autora de estudo semelhante a este, também realizado no Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP com filhos de mães esquizofrênicas (sob o número Cappesq: 037/03) (Gutt, 2005). A versão auto-referida do CBCL, o Youth Self Report (YSR) foi aplicada apenas às crianças e adolescentes com idade maior ou igual a 11 anos, sempre por um aplicador diferente daquele que aplicou o CBCL aos pais. 42 2.5-Análise Estatística A comparação entre as médias dos grupos foi feita utilizando-se one-way ANOVA para dados contínuos de interesse. A associação entre variáveis categóricas de interesse foi avaliada por meio do teste Quiquadrado de Pearson ou do teste exato de Fisher, quando este se mostrou mais apropriado. Os resultados foram corrigidos quando a suposição de igualdade de variâncias, necessária para a comparação das médias, não foi observada. Para avaliar os desfechos mediante ajustes para os potenciais confundidores, análises multivariadas de regressão de Poisson (Barros e Hirakata, 2003) para desfechos dicotômicos e Modelo Linear Generalizado para desfechos contínuos foram realizadas. Foram consideradas confundidoras aquelas variáveis que se relacionaram com p < 0.2 tanto com o desfecho quanto com o fator em estudo e/ou aquelas que a revisão conceitual da literatura apontou como potencias confundidoras da relação entre o fator em estudo e o desfecho. O nível de significância aceito foi de 5% e todos os testes foram bi-caudais. Utilizamos o software do SPSS 10.0 para realizar as análises estatísticas. Neste estudo as variáveis confundidoras foram: idade dos filhos, escolaridade dos filhos, Quociente de Inteligência total (QI total), etnia e classe sócio-econômica. Optamos por utilizar todas as variáveis confundidoras, exceto a etnia, como variáveis contínuas, ou seja, sem agrupá-las em categorias ou ordená-las e para tanto 43 usamos o valor total das mesmas. A variável etnia foi clinicamente subdividida em três categorias: Caucasianos, Pardos e Afro-brasileiros, uma vez que não houve nenhum participante de raça indígena ou descendentes de asiáticos; no entanto nas análises estatísticas agrupamos as etnias parda e afro-brasileira em um mesmo grupo devido ao reduzido número de afro-brasileiros que fizeram parte do estudo e lidamos com esta variável como dicotômica, subdividindo-a em Caucasianos e “Não caucasianos”. Decidimos avaliar apenas um filho de cada mãe para manter a independência entre os sujeitos avaliados e assim poder usar testes estatísticos para grupos independentes, além de evitarmos uma super-representação de algumas famílias. Realizamos um sorteio aleatório de qual dos filhos da faixa etária de interesse entraria no estudo, através do sorteio de papéis de mesma cor, forma e tamanho. Optamos por não amostrar o grupo-caso devido ao pequeno número de mães bipolares em acompanhamento no GRUDA e no PROMAN com filhos na faixa etária de interesse, a maioria das mulheres em tratamento nestes dois grupos/ ambulatórios possui uma idade avançada e conseqüentemente filhos adultos e, portanto fora da faixa etária definida como de interesse para este estudo. As mães do grupo-controle foram convocadas dentre as mulheres que estivessem dentro da faixa etária de 18 a 58 anos devido a maior probabilidade de terem filhos na idade de interesse. 44 3.0 – Resultados De 211 pacientes bipolares em acompanhamento na unidade de transtornos do humor (GRUDA/PROMAN) do Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP, 139 são mulheres, 135 foram contatadas, 50 destas possuem filhos na idade de interesse, das quais quatro recusaram-se a participar do estudo e 3 foram excluídas (2 pois eram adotivas e 1 pois não preencheu critérios para TB). De 106 controles sem doença mental grave avaliados, 53 (50,0%) possuíam algum diagnóstico psiquiátrico ao longo da vida segundo o DSM-IV e 53 (50,0%) não apresentavam nenhum diagnóstico psiquiátrico. Optamos por subdividir este grupo-controle em subgrupos controle 1 e 2, conforme a existência ou não de algum transtorno mental ao invés de excluí-los pois acreditamos que a ocorrência de alguma doença mental ao longo da vida em 50% das mães do grupocontrole reflete a realidade da nossa população e nos permite uma análise mais realista, evitando uma “super-normalização” dos controles utilizados neste estudo. 45 3.1-Análise dos resultados das mães do grupo-controle: Mães do subgrupo controle 1 (controles sem qualquer doença mental): A média de idade foi de 39,8 +- 5,6 e intervalo de confiança (95% IC) de 38,2 a 41,3. A escala de funcionamento global (Global Assessment of Functioning - GAF) médio foi de 91,5 +- 7,9 (95% IC: 89,2 - 93,7). Em relação ao estado civil: 39 (75%) eram casadas ou moravam junto com o pai das crianças/adolescentes avaliadas neste estudo, nenhuma era viúva, 3 (5,8%) eram divorciadas, 7 (13,5%) eram separadas, 3 (5,8%) nunca haviam se casado. Não temos informação de uma destas mães quanto ao estado civil. Quanto à escolaridade: 1 (1,9%) era analfabeta, 8 (15,4%) cursaram até a quarta série do ensino fundamental, 21 (40,4%) cursaram até a oitava série do ensino fundamental, 4 (7,7%) tinham o segundo grau (ensino médio) incompleto, 16 (30,8%) tinham o segundo grau (ensino médio) completo e 2 (3,8%) concluíram o terceiro grau (ensino superior). Não temos informação de uma das pacientes. Na época da entrevista, 27 (55,1%) estavam ativas. 46 Mães do subgrupo controle 2 (controles com alguma doença mental ao longo da vida) : A média de idade foi de 40,0 +- 4,4 (95%IC: 38,7 - 41,2). A média de pontos da escala de funcionamento global (Global Assessment of Functioning -GAF) foi de 78,5 +- 14,8 (95%IC: 74,2- 82,7). Em relação ao estado civil: 39 (76,5%) eram casadas, 1 (2,0%) era viúva, 3 (5,9%) eram divorciadas, 5 (9,8%) eram separadas e 3 (5,9%) nunca haviam se casado. Falta este dado de 2 das pacientes. Quanto à escolaridade: 10 (19,6%) cursaram até a quarta série do ensino fundamental, 15 (29,4%) cursaram até a oitava série do ensino fundamental, 9 (17,6%) tinham o segundo grau (ensino médio) incompleto, 14 (27,5%) concluíram o segundo grau e 3 (5,9%) tinham o terceiro grau (ensino superior) incompleto. Falta este dado de 2 das pacientes. Na época da entrevista, 18 (39,1%) estavam trabalhando. Em relação aos diagnósticos psiquiátricos, segundo o SCID: 30 (56,6%) tiveram algum diagnóstico no passado e 37 (69,8%) algum diagnóstico atual. Os diagnósticos verificados foram: 13 (24,5%) algum episódio depressivo leve a moderado atual, 19 (35,8%) algum episódio depressivo leve a moderado no passado; 2 (3,8%) um transtorno de humor induzido por substâncias ao longo da vida, 17 (32,1%) Fobia Específica; 8 (15,1%) Fobia Social ao longo da vida; 8 (15,1%) Agorafobia; 6 (11,3%) Transtorno de Pânico; 6 (11,3%) Transtorno de Ansiedade Generalizada; 2 (3,8%) Transtorno de Estresse Pós-Traumático; 2 (3,8%) Transtorno Obsessivo Compulsivo; 4 (7,5%) Transtorno de Ansiedade sem outras especificações; 2 (3,8%) Transtorno Alimentar de 47 Compulsão Periódica Atual; 1 (1,9%) Bulimia no passado; 1 (1,9%) Anorexia no passado e 1 (1,9%) Abuso de Substâncias no passado. É importante salientar que a mesma paciente pode ter tido mais de um diagnóstico ao longo da vida. 3.2-Análise dos resultados das mães bipolares: Todas as pacientes bipolares estavam em tratamento ambulatorial no dia da entrevista e estavam distribuídas da seguinte maneira: 34 (79,1%) TB tipo I, 7 (16,3%) TB tipo II e 2 (4,7%) TB sem outras especificações (SOE). A pontuação média da escala de funcionamento global (Global Assessment of Functioning - GAF) foi 61,7 +- 13,9 (95%IC: 57,5 a 66,0). A média de idade das pacientes bipolares foi 38,3 +- 7,6 (95%IC: 35,9 a 40,7), a média de idade de início da doença foi 22,9 +- 8,1. Em relação à idade de início da doença (TB), 16 (33,3%) apresentaram início dos sintomas com idade igual ou menor a 18 anos. No que diz respeito ao estado civil, 18 (41,9%) eram casadas no papel ou moravam junto com alguém na época da entrevista, 6 (14,0%) eram divorciadas, 11 (25,6%) eram separadas, 2 (4,7%) eram viúvas e 6 (14,0%) nunca se casaram. O nível de estudo das mães com TB era: 1 (2,3%) analfabeta, 5 (11,6%) cursaram até a quarta série, 6 (14,0%) estudaram até a oitava série, 3 (7,0%) possuíam 2ograu incompleto, 19 (44,2%) concluíram o 2ograu, 7 (16,3%) apresentavam 3ograu 48 incompleto e 2 (4,7%) concluíram o 3o grau. A situação de trabalho das pacientes no dia da entrevista era a seguinte: 14 (33,3%) estavam trabalhando, 13 (30,9%) estavam desempregadas, 10 (23,8%) estavam em licença pelo INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), 4 (9,5%) estavam aposentadas e 1 (2,4%) era pensionista. Não temos este dado de uma das pacientes. Os diagnósticos psiquiátricos co-mórbidos verificados nas mães bipolares foram os seguintes:15 (34.9%) possuíam um ou mais transtornos de ansiedade, 6 (13.9%) transtornos alimentares, 2 (4.6%) abuso de substância, 4 (9.3%) dependência de substância, todos ao longo da vida. Não houve diferença estatisticamente significativa em relação à idade, escolaridade, estado civil e situação de trabalho entre as mães dos três grupos, no entanto houve grande diferença estatisticamente significativa (p < 0,001) na média de pontos do GAF (Global Assessment Functioning ou Escala de Funcionamento Global), sendo que a maior pontuação corresponde a um melhor funcionamento e houve diminuição importante da média de pontos, com gradação descendente do subgrupo controle 1 (GAF médio = 91,5) ao grupo de mães bipolares (GAF médio = 61,7), passando pelo subgrupo controle 2 ( GAF médio = 78,5). Os dados acima descritos estão resumidos na tabela 1. 49 Tabela 1 – Características demográficas e comorbidades das mulheres avaliadas no Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP no período de março de 2004 a março de 2006 SUBGRUPO SUBGRUPO MÃES CONTROLE 1 CONTROLE 2 BIPOLARES (n= 53) (n= 53) (n= 43) 39,8 (5,6) 40,0 (4,4) 38,3 (7,6) Média de idade Ano (DP)* GAF médio (DP)a 91,5 (7,9) 78,5 (14,8) 61,7 (13,9) Estado Civil Casadas N (%) 39 (75,0%) 39 (76.5%) 18 (41,9%) Divorciadas/ 10 (19.3%) 8 (15,7%) 17 (39,6%) Separadas Solteiras 3 (5.8%) 3 (5.9%) 6 (14,0%) Viúvas 1 (2.0%) 2 (4.7%) Escolaridades (anos de estudo) (n= 52)1 (n= 51)2 (n= 43) 0 1 (1.9%) 1 (2.3%) 1-4 8 (15.4%) 10 (19.6%) 5 (11.6%) 5-8 21 (40.4%) 15 (29.4%) 6 (14,0%) 9-11 20 (38.5%) 23 (45,1%) 22 (51,2%) 12- 17 2 (3.8%) 3 (5.9%) 9 (21,0%) Trabalhando na 18 (39.1%) 14 (33.3%) época da entrevista 27 (55.1%) N(%) Diagnóstico3 ao longo da vida N(%) TB I 34 (79,1%) TB II 7 (16,3%) TB SOE 2 (4,6%) Episódios 32 (60,4%) depressivos Fobia específica 17 (32,1%) 6 (13,9%) Fobia Social 8 (15,1%) 5 (11,6%) Agorafobia 8 (15,1%) 5 (11,6%) Transtorno Pânico 6 (11,3%) 7 (16,3%) Tr. Ansiedade Generalizada 6 (11,3%) 2 (4,6%) 4 TSPT 2 (3,8%) 1 (2,3%) TOC5 2 (3,8%) 3 (7,0%) Tr6. Ansiedade SOE 4 (7,5%) 1 (2,3%) 50 Tr. Alimentares 4 (7,5%) 6 (13,9%) Abuso/Dependência de substâncias 1 (1,9%) 6 (13,9%) NOTA: *DP = Desvio padrão a: p < 0,001 (one-way ANOVA), outras comparações não foram significativas 1 Falta dados de um dos sujeitos 2 Falta dados de dois indivíduos. 3 A mesma paciente poderia ter mais de um diagnóstico simultaneamente 4 Transtorno do Estresse Pós-Traumático 5 Transtorno Obsessivo Compulsivo 6 Transtorno SOE = Sem Outras Especificações 3.3-Análise dos resultados dos filhos: O Subgrupo controle 1 (filhos de mães controles sem qualquer doença mental) foi composto por 53 crianças/adolescentes, com média de idade de 12,4 +- 3,2 anos ; 24 (45,3%) meninos e 29 (54,7%) meninas; 8 (15,1%) afro-brasileiros, 27 (50,9%) caucasianos e 18 (34,0%) pardos. Em relação à classe sócio-econômica, 5 (9,4%) pertenciam a classe B1, 10 (18,9%) a classe B2, 30 (56,6%) a classe C, 8 (15,1%) a classe D. A média do QI foi de 87,5 +- 14,2. O Subgrupo controle 2 (filhos de mães com doença mental leve em algum momento da vida) teve 53 crianças/adolescentes, com média de idade de 12,3 +- 3,4; 30 (56,6%) meninos e 23 (43,4%) meninas; 7 (13,2%) afro-brasileiros, 25 (47,2%) caucasianos e 21 (39,6%) pardos.Quanto à classe sócio-econômica: 3 (5,8%) classe B1, 8 (15,4%) classe B2, 28 (53,8%) classe C, 12 (23,1%) classe D, 1 (1,9%) classe E. A média do QI foi 90,4 +- 13,3. 51 O grupo – caso (filhos de mães bipolares) incluiu 43 crianças/adolescentes com média de idade de 11,2 +- 3,8 anos; 18 (41,9%) meninos, 25 (58,1%) meninas; 4 (9,3%) afro-brasileiros, 30 (69,8%) caucasianos e 9 (20,9%) pardos. Estes pertenciam às seguintes classes sócio-econômicas segundo o instrumento ABEP: 1 (2,3%) classe A2, 7 (16,3%) classe B1, 12 (27,9%) classe B2, 20 (46,5%) classe C e 3 (7,0%) classe D. A média do Quociente de Inteligência (QI) foi 93,5 +- 14,3. Os dados demográficos dos grupos estudados foram apresentados resumidamente na tabela 2. 52 Tabela 2 - Dados Demográficos e Quociente de Inteligência dos filhos dos 3 grupos estudados no HC-FMUSP entre março de 2004 e março de 2006 VARIÁVEL FILHOS DE MÃES SEM QUALQUER DIAGNÓSTIC O PSIQUIÁTRI CO AO LONGO DA VIDA (n=53) FILHOS DE MÃES COM DIAGNÓSTIC O PSIQUIÁTRI CO LEVE A MODERADO AO LONGO DA VIDA (n= 53) FILHOS DE MÃES BIPOLARES (n=43) 12,4 (3,2) 12,3 (3,4) 11,2 (3,8) 0,188 6,2 (3,1) 6,0 (3,1) 4,9 (3,2) 0,117 CSE - média (DP) 14,1 (4,1) 13,6 (4,4) 16,3 (4,6) 0,010 QI Total - média (DP) 3 87.5 (14,2) 90,4 (13,3) 93,5 (14,3) 0,111 Gênero (feminino)-n (%) 29 (54,7%) 23 (43,4%) 25 (58,1%) 0,306 Etnia (Caucasianos) (%) 27 (50,9%) 25 (47.2%), 30 (69,8%) 0,065 Média de Idade (DP) Média dos 1 anos de VALOR DE P (ONE-WAY ANOVA) escolaridade (DP) 2 1 Desvio-Padrão Classe sócio-econômica 3 Quociente de Inteligência 2 Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos quanto ao gênero, idade e etnia, mas as crianças do grupo-controle apresentaram menor QI total e vieram de famílias com menor nível sócio econômico do que as crianças e adolescentes 53 filhos de mães bipolares. Verificamos uma gradação ascendente entre o QI total dos filhos de mães sem nenhuma doença mental (média = 87,5 +- 14,2 ( 95%CI: 83,6 – 91,4), os filhos de mães com algum diagnóstico psiquiátrico (Média = 90,4 +- 13,27 (95%CI: 86,7 – 94,0) e os filhos de mães bipolares (média = 93,5 +- 14,3 ( 95%CI: 89,1 – 97,9). Numa análise univariada com one-way ANOVA das funções intelectuais avaliadas pelos diferentes subtestes do WASI verificamos melhor desempenho nos filhos das mães bipolares em todas as provas, exceto em vocabulários; não houve diferença estatisticamente significante, mas observamos uma tendência a tal (p < 0,1) apenas em matrizes (p = 0,073) e QI de execução (p = 0,075). Encontramos diferenças estatisticamente significativas entre os grupos em poucas variáveis advindas do instrumento que gera diagnósticos categoriais segundo o DSM-IV, o K-SADS-PL. Nas análises univariadas, com teste Quiquadrado de Pearson e sem controle para os potenciais confundidores, verificamos diferença estatisticamente significativa entre os três grupos na variável que inclui qualquer transtorno de ansiedade ao longo da vida (p=0,033) e no transtorno de conduta (p=0,023), também avaliado ao longo da vida, vide tabela 3. 54 Tabela 3 - Diagnóstico psiquiátrico ao longo da vida, segundo o DSM-IV nos filhos dos 3 grupos estudados entre março de 2004 e março de 2006 no Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP. Diagnósticos Filhos de mães Filhos de mães Filhos de mães Valor de P (X2 sem qualquer com algum bipolares Pearson ou diagnóstico diagnóstico N % Fisher) psiquiátrico psiquiátrico N % N % Ao longo da vida 22 (41,5) 31 (58,5) 27 (62,8) 0,079 Tr.1 de Humor 3 (5,7) 6 (11,3) 5 (11,6) 0,509 Tr. Depressivos 2 (3,8) 2 (3,8) 2 (4,7) 0,970 TB 2 0 1 (2,3) 0,289 Tr Ansiedade 11 (20,8) 21 (39,6) 19 (44,2) 0,033 TOD 3 1 (1,9) 2 (3,8) 3 (7,0) 0.448 Tr Conduta 0 3 (7,0) 0,023 TDAH 4 3 5 (11,6) 0, 289 1 0 0 (5,7) 2 (3,8) Transtornos Transtorno Bipolar 3 Transtorno de Oposição e Desafio 4 Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. 2 55 Na análise de regressão de Poisson, controlada para potenciais confundidores, observamos diferença estatisticamente significativa na variável que avalia a presença de qualquer transtorno de ansiedade ao longo da vida entre o grupo de filhos de mães bipolares e o grupo-controle (ou seja, ambos os subgrupos considerados em conjunto) [razão de prevalência = 1.82 (Intervalo de Confiança (95%CI): 1.01–3.28) e p = 0.048], entretanto, a maior diferença provem da comparação entre o grupo de filhos de bipolares e o subgrupo 1 (de filhos de mães sem qualquer doença mental) [Razão de Prevalência = 2.62 (95%CI: 1.23–5.59) e p = 0.013]. Verificamos uma tendência a significância estatística quando comparamos o grupo-controle como um todo e o grupo de filhos de bipolares quanto a ocorrência de qualquer diagnóstico de Eixo I ao longo da vida [razão de prevalência = 1.68 (95%CI: 0.94–3.00) e p = 0.077] e em relação a existência de qualquer transtorno disruptivo, incluindo TDAH ao longo da vida [razão de prevalência = 2.83 (95%CI: 0.98 –8.13) e p = 0.054], vide tabela 4. A tabela 4 mostra a razão de prevalência dos diagnósticos principais advindos do K-SADS-PL ,quando comparamos o grupo de filhos de bipolares e os subgrupos do grupo-controle, assim como a razão de prevalência entre os filhos de bipolares e o grupo-controle ao todo (incluindo ambos os subgrupos). 56 Tabela 4 - Razão de Prevalência dos diagnósticos psiquiátricos ao longo da vida, segundo o DSM-IV, entre os filhos dos 3 grupos estudados no Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP entre março de 2004 e março de 2006. Diagnósticos Razão de valor Razão de valor Prevalência de P Prevalência de P (CI95%) (CI95%) Qualquer Diagnóstico ao longo da vida(d,e)* Subgrupo Controle 1 1,00 Subgrupo Controle 2 1.40 (0.81; 2.44) 0.230 Filhos de Bipolares 1.68 (0.94; 3.00) 0.077 Transtornos 1.00# 1.40 (0.87; 2.27) 0.167 de Humor (b,c)* Subgrupo Controle 1 1.00 Subgrupo Controle 2 2.05 (0.51; 8.22) 0.311 Filhos de Bipolares 2.63 (0.61; 11.40) 0.196 Transtornos 1.00 # 1.75 (0.55; 5.52) 0.341 de Ansiedade (d,e)* Subgrupo Controle 1 1.00 Subgrupo Controle 2 1.92 (0.91; 4.02) 0.085 Filhos de Bipolares 2.62 (1.23; 5.59) 0.013 1.00 # 1.82 (1.01; 3.28) Transtornos Disruptivos com TDAH incluso (e)* Subgrupo Controle 1 1.00 Subgrupo Controle 2 1.48 (0.33; 6.63) 0.611 1.00 # 0.048 57 Filhos de Bipolares 3.48 (0.89; 13.63) 0.074 2.83 (0.98; 8,13) 0.054 NOTA: Potenciais Confundidores:*a=etnia, b=idade, c=escolaridade, d=Classe Sócioeconômica, e=Quociente de Inteligência Total # Grupo de referência é o Grupo-controle como um todo, incluindo os Subgrupos controle 1 e 2 Subgrupo Controle 1 = filhos de mães sem qualquer diagnóstico psiquiátrico ao longo da vida; Subgrupo Controle 2 = filhos de mães com algum diagnóstico psiquiátrico ao longo da vida Nos instrumentos utilizados para avaliar os indivíduos de forma dimensional, o CBCL e a versão auto-referida do CBCL (YSR), optamos por usar os escores brutos, uma vez que os escores T existentes baseiam-se numa normatização criada a partir de crianças e adolescentes dos Estados Unidos da América e, portanto não sabemos se aplicável ou não à nossa população. Sendo assim todos os resultados doravante apresentados baseiam-se na média dos escores brutos (raw scores) de cada grupo avaliado. 58 Offspring of mothers w/o psychiatric disorders Offspring of mothers with mild psychiatric disorders * = p < 0,05 Bipolar Offspring 60 * Mean Raw Score 50 40 30 20 * 10 0 Internalizing Externalizing Total Problems Gráfico 1: Médias dos escores brutos nas escalas de Total de Problemas, Internalização e Externalização do CBCL Considerando o CBCL, verificamos uma tendência a signifância estatística em externalização (0,065) e encontramos diferenças estatisticamente significativas nas escalas agrupadas de Total de Problemas e Internalização (p < 0,001), assim como nas seguintes escalas específicas do CBCL: ansiedade/depressão(0,002), queixas somáticas (0,001), isolamento (p = 0.036), problemas sociais (0,002), problemas de pensamento (0,001) e Problemas de atenção (0,021). Na versão auto-referida para jovens do CBCL 59 (YSR), observamos diferença estatisticamente significativa entre os três grupos somente nos problemas sociais (0,002). Todas as análises foram controladas para potenciais confundidores e as diferenças estatísticas mantiveram-se. Os resultados aqui apresentados foram baseados nas médias dos escores brutos para cada escala (vide gráficos 1 e 2). Utilizamos o teste de Bonferroni para localizar entre quais dois grupos está a diferença estatisticamente significativa nas variáveis provenientes do CBCL e do YSR. Verificamos diferença estatisticamente significativa no CBCL entre os três grupos nas escalas de Internalização e Total de Problemas (p<0,001), sendo que na escala de Internalização a diferença estava entre o subgrupo controle 1 e Filhos de Bipolares (p < 0,001) e entre os 2 subgrupos controles (p = 0,004), não houve diferença entre o subgrupo controle 2 e o grupo de filhos de bipolares (p = 0,672). Já na escala de Total de Problemas, a diferença estava apenas entre o subgrupo controle 1 e o grupo de filhos de bipolares (p < 0,001), entre o subgrupo controle 2 e filhos de bipolares (p = 0,128) e entre os dois subgrupos controle (p = 0,085) não houve diferença estatisticamente significativa. Encontramos diferença estatisticamente significativa nas seguintes escalas clínicas do CBCL: ansiedade/depressão (p = 0,003) e verificamos maior diferença entre o subgrupo-controle1 e o grupo de filhos de bipolares (p = 0,003) e diferença entre ambos os subgrupos controles (p = 0,032); isolamento (p = 0,036), tendência a diferença apenas entre os subgrupos-controle (p = 0,063); queixas somáticas (p = 0,001) sendo que na 60 comparação entre os 3 grupos verificamos que a maior diferença está entre o subgrupocontrole 1 e o grupo de filhos de bipolares (p = 0,001), também há diferença entre os subgrupos controle (p = 0,016) e não há diferença entre o subgrupo controle2 e o grupo filhos de bipolares (p = 0,943); problemas sociais (p = 0,004), encontramos diferença apenas entre o subgrupo-controle 1 e o grupo de filhos de bipolares (p = 0,003); problemas de pensamento (p < 0,001), sendo que existe diferença entre o grupo controle 1 e o grupo de filhos de bipolares (p < 0,001) e entre o subgrupo-controle 2 e o grupo filhos de bipolares (p = 0,004); problemas de atenção (p = 0,021), diferença apenas entre o grupo-controle 1 e o grupo de filhos de bipolares (p = 0,018). 61 Filhos de Mães sem doença mental Filhos de Mães com doença mental leve * = p < 0,05 Filhos de Mães Bipolares 12 * * 8 * 6 * * * 4 2 Ag re ss iv o en to en to Gráfico 2: Média dos escores crus das escalas clínicas do CBCL C om po rta m D el in At en çã o C om po rta m ob le m as Pe ns am de de en to Pr s So cia i Pr ob le m as xa s ue i Q Pr ob le m as át ic as So m m en to Is ol a /D ep re ss ão Gráfico 2: Médias dos escores crús nas escalas clínicas do CBCL qu en te 0 An si ed ad e Média dos escores brutos 10 62 Na versão auto preenchida do CBCL, o YSR, encontramos diferença estatisticamente significativa entre os três grupos apenas em problemas sociais (p = 0,002), sendo que a maior diferença estava entre o subgrupo controle1 e o grupo de filhos de bipolares (p = 0,003) e havia diferença também entre os 2 subgrupos controle (p = 0,049), não houve diferença entre o subgrupo controle 2 e o grupo de filhos de bipolares (p = 0,583). Encontramos uma tendência a significância em total de problemas (p = 0,082) com tendência a diferença advinda do subgrupo controle1 e grupo de filhos de bipolares (p = 0,078) e em atividades (p = 0,082), com tendência a significância apenas entre o subgrupo controle1 e o grupo de filhos de bipolares (p = 0,079). Todas as diferenças previamente referidas (valores de p) foram controladas para os potenciais confundidores, a saber: idade, sexo, etnia, escolaridade, QI total e classe sócio-econômica através da análise de regressão de Poisson (Barros and Hirakata, 2003) para as variáveis categóricas e Modelo de Regressão Linear para variáveis contínuas e ainda assim as diferenças acima apresentadas mantiveram-se presentes. Quando avaliamos a presença de diagnósticos ao longo da vida, segundo o KSADS-PL, e em especial a presença de transtornos de ansiedade nas crianças e adolescentes, controlando para a presença de transtornos de ansiedade nas mães, verificamos que as diferenças encontradas mantiveram-se, inclusive com os valores de “p” mantendo-se estatisticamente significativos. 63 4.0 - Discussão: Assim como na maioria dos estudos já realizados com filhos de pacientes bipolares, nosso estudo detectou maior prevalência de psicopatologia entre os filhos de mães bipolares do que nos filhos das mães do grupo-controle, em especial quando consideramos os diagnósticos ao longo da vida e a avaliação dimensional. Os diagnósticos mais prevalentes em nossa amostra de filhos de bipolares foram os transtornos de ansiedade, a somatória de qualquer diagnóstico ao longo da vida e o TDAH, sendo que o único que apresentou diferença estatisticamente significativa, no diagnóstico categórico advindo do K-SADS-PL, entre o grupo-caso e o grupo-controle ao todo (incluindo as mães sem qualquer diagnóstico psiquiátrico e as mães com algum diagnóstico psiquiátrico leve) e entre o grupo-caso e o subgrupo controle de mães sem doença mental foi o agrupamento dos transtornos de ansiedade ao longo da vida; este resultado permaneceu estatisticamente significante mesmo quando controlado para a presença de transtorno de ansiedade co-mórbido nas mães bipolares. Nos resultados provenientes do instrumento que avalia estas crianças e adolescentes de forma dimensional, o CBCL, encontramos diferenças estatisticamente significativas entre os filhos de mães bipolares e os filhos de mães sem doença mental nas escalas clínicas de ansiedade/depressão, queixas somáticas, isolamento, problemas de pensamento, problemas de atenção e problemas sociais e nas escalas agrupadas de 64 internalização e total de problemas. Verificamos uma tendência à diferença estatisticamente significativa em externalização. Sendo que na grande maioria das escalas do CBCL a diferença estatisticamente significativa proveio da comparação do grupo de filhos de bipolares com o subgrupo controle de filhos de mães sem qualquer doença mental e em alguns casos da comparação entre ambos os subgrupos controle, apenas na escala de problemas de pensamento do CBCL houve diferença estatisticamente significativa entre o grupo de filhos de bipolares e o subgrupo controle 1 e entre o grupo de filhos de bipolares e o subgrupo controle 2. Nosso estudo possui a grande vantagem de ter utilizado instrumentos que avaliam de forma dimensional.(CBCL e YSR) e categórica a população estudada, além de havermos entrevistado todas as crianças e adolescentes pessoal e diretamente com o KSADS-PL e todos os adolescentes com idade maior ou igual a 11 anos com o YSR. A literatura diverge quanto à importância das crianças e adolescentes serem ou não entrevistadas direta e individualmente, mas muitos estudos prévios sobre filhos de bipolares criticam o fato dos pais, mães ou ambos serem os únicos entrevistados, uma vez que os portadores de TB tendem a ser mais críticos e menos tolerantes podendo, portanto superestimar a presença de transtornos psiquiátricos nos filhos. Diferentes estudos têm encontrado grande divergência entre o relato das crianças/adolescentes e o dos pais quando ambos foram entrevistados em relação à existência de desordens psiquiátricas (Weissman et al., 1987), alguns verificaram que as crianças/adolescentes reconhecem-se como sendo portadores de transtorno mental em geral mais 65 freqüentemente do que os respectivos pais o fazem (Lobovitz e Handal, 1985; Costello e Edelbrock, 1985; Kashani et al.,1985). Outros verificaram diferença nesta relação segundo a patologia investigada, pais reconheceriam melhor os transtornos de comportamento disruptivos, entre eles o transtorno de conduta (Herjanic et al., 1975; Herjanic e Reich, 1982; Orvaschel et al., 1981). Os estudos acima citados confirmam a importância da entrevista direta com as crianças e adolescentes e seus respectivos pais ou responsáveis. Enquanto a maioria dos estudos aponta uma ocorrência de psicopatologia nos filhos de Bipolares ao redor de 50% e nos controles em cerca de 29% (Lapalme et al.,1997), nossa pesquisa detectou que 41,5% dos filhos de mães do subgrupo controle 1 (mães sem nenhum diagnóstico psiquiátrico ao longo da vida), 58,5% das crianças/adolescentes do subgrupo controle 2 (mães com algum diagnóstico psiquiátrico leve a moderado ao longo da vida) e 62,8% dos filhos de pacientes bipolares preencheram algum critério diagnóstico do DSM-IV ao longo da vida. O grupo de mães de ambos os subgrupos controle advém de uma população de classe sócio-econômica mais baixa, em média, do que as mães com TB. Os resultados foram controlados para esta diferença e ainda assim a ocorrência de psicopatologias nas crianças e adolescentes filhos de mães bipolares foi maior do que nos filhos de mães dos subgrupos controle, sendo que a diferença estatisticamente significativa em praticamente todas variáveis estudadas está apenas entre os filhos de mães bipolares e os filhos de mães do subgrupo controle 1, ou seja, sem nenhum diagnóstico psiquiátrico ao longo da 66 vida. O subgrupo controle 2 possui prevalências e escores mais próximos do grupo-caso do que do subgrupo controle 1. Isto reforça o poder da associação entre a psicopatologia nas mães e a existência de doenças mentais nos filhos e suscita a discussão da importância da gravidade e cronicidade da doença materna no desencadeamento de doença nos filhos, pois as mães bipolares certamente possuem uma doença mental mais grave e crônica do que as mães do subgrupo controle 2. Os autores do estudo longitudinal “Rochester” concluíram que a severidade e a cronicidade da doença materna, e o baixo status social foram preditores mais poderosos de pobre ajuste social do que o diagnóstico da mãe (Sameroff et al., 1984; 1987). Talvez o fato das mães do subgrupo controle 2 terem diagnósticos psiquiátricos (mesmo que não graves), na maioria depressão e/ou transtornos de ansiedade, tenha contribuído para a diferença mínima de prevalências e escores e ausência de significância estatística quando comparamos os filhos de mães bipolares aos filhos de mães do subgrupo controle 2. McLeod e Shanahan em 1996 confirmaram o achado de que a pobreza é um fator de risco importante para psicopatologia em crianças e adolescentes. Um estudo de Costello et al. (2003) apontou que o efeito da pobreza foi mais fortemente associado aos sintomas comportamentais, aqueles incluídos no DSM-IV como Transtornos de Oposição e de Conduta, do que aos sintomas de ansiedade e depressão. Talvez isto colabore para o fato de não termos encontrado diferenças estatisticamente significativas entre os grupos estudados nas variáveis que avaliam transtornos disruptivos em geral. Schwartz et al. (1990) verificaram que mães com um transtorno afetivo apresentam um 67 estilo de comunicação caracterizado por excessivas críticas e um retorno negativo, o qual foi associado com um maior risco de psicopatologia nos filhos, estes autores examinaram 273 pares de mães-criança de alto risco e verificaram que alta emoção expressa triplica a taxa de diagnósticos psiquiátricos das crianças. Schwartz et al. definiram emoção expressa como sendo caracterizada por comentários críticos, hostilidade e um exagerado envolvimento emocional (Schwartz et al., 1990; Burge e Hammen, 1991). Petti et al. (2004) verificaram que filhos deprimidos de pais bipolares apresentaram maior freqüência de fatores de vida estressantes negativos precedendo o início do transtorno do que filhos sem desordens afetivas. No entanto, Rutter (2003) afirma que há grande variação individual na resposta aos eventos estressores de vida e isto pode sugerir que influências genéticas possam interferir em tais diferenças. Silberg et al. (2001) afirmam que eventos de vida estressantes podem ter efeito no desencadeamento de transtornos de humor somente em filhos com alto risco genético. Estes achados fomentam a antiga polêmica entre o peso da influência ambiental e genética no desencadeamento de transtornos mentais, ou ainda da provável interação gene-ambiente na origem e manifestação do TB. O fato das famílias de bipolares possuírem um nível sócio-econômico significativamente maior do que o grupo-controle chama atenção, pois intuitivamente tendemos a pensar que os portadores de doença mental apresentam pior desempenho profissional e, portanto menor ganho. Nós achamos que um fator que pode ter contribuído para esta diferença no nosso estudo é o fato do Instituto de Psiquiatria do 68 Hospital das Clínicas da FMUSP ser um importante centro de referência no tratamento de TB com especialistas sabidamente reconhecidos no assunto e que não costumam trabalhar com convênios em seus consultórios, além do fato de muitos convênios não darem cobertura de atendimento aos transtornos psiquiátricos, ou se o fizerem, o fazem de forma muito restrita. Enquanto todos os convênios cobrem o acompanhamento ginecológico, inclusive freqüente e com bons especialistas vinculados. Isto faria com que mesmo pessoas de classes sócio-econômicas mais altas procurassem atendimento na psiquiatria do HC-FMUSP enquanto isto não ocorreria na ginecologia do hospital. Paralelamente, há divergências na literatura no que diz respeito a este aspecto no TB, algumas pesquisas verificaram que os portadores de TB possuem maior nível sócioeconômico, mais anos de estudo e tratam-se de executivos (Hirschfeld e Cross,1982; Goodwin e Jamison, 1990; Bebbington e Ramana, 1995); outros reportaram o desemprego, menor renda e menos anos de estudo como fatores de risco para TB (Weissman et al., 1991; Kessler et al.,1997). Tsuchiya et al. (2004) realizaram um amplo estudo com 947 casos e 47350 controles provenientes de fontes de dados da população dinamarquesa nascida após 1960 e com primeira admissão ou contato com serviços de Psiquiatria durante 1981 a 1998 e verificaram que os fatores de risco individuais para TB eram ser solteiro, receber assistência social, pensão ou auxílio-doença, desemprego, poucos anos de estudo e baixa renda. Em contrapartida, maior nível educacional e maior riqueza dos pais foram associados a maior risco para TB, estas associações permaneceram significativas quando ajustadas para gênero, história familiar de doença 69 psiquiátrica e outras variáveis sócio-econômicas. Houve diferença estatisticamente significativa (p < 0,001) entre o GAF (Global Assessment Functioning) médio das mães dos três grupos estudados, com prejuízo maior nas mães bipolares (GAF = 61,7 +- 13,9), seguido pelas mães com algum diagnóstico psiquiátrico menor (GAF = 78,5 +- 14,8) e preservação do funcionamento normal (GAF = 91,5 +- 7,9), com a média muito próxima do funcionamento normal ideal nas mães sem qualquer diagnóstico psiquiátrico ao longo da vida. Está grande diferença confirma a suposição de que as mães bipolares possuem doença mental mais grave e, portanto apresentam um maior prejuízo no funcionamento geral, fato que poderia refletir-se nos cuidados com os filhos ou até na forma de relacionar-se com os mesmos. A prevalência de mulheres ativas na época da entrevista (trabalhando) foi menor entre as mães bipolares (14; 33,3%), seguida pelas mães do subgrupo controle dois (18; 39,1%) e depois pelas mães sem qualquer doença mental (27; 55,1%). Fato que, juntamente com a grande diferença verificada no GAF, reforça a teoria de que a doença bipolar apresenta grande morbidade e causa muito comprometimento na qualidade de vida dos seus portadores. Verificamos ainda que nossa amostra de filhos de mães psiquiatricamente saudáveis possui uma prevalência de Transtorno Mental muito maior do que a usualmente encontrada na população geral, segundo estudos comunitários. Fleitlich-Bilyk e Goodman (2004) encontraram 12,7% (95% intervalo de confiança: 9,8-15,5%) de prevalência de diagnósticos, segundo o DSM-IV, numa população de crianças e 70 adolescentes de 7 a 14 anos de idade no sudeste do Brasil e 9,7% numa população de mesma faixa etária na Inglaterra. Um estudo de 1987 avaliou a prevalência de Transtorno de Conduta, TDAH, Transtornos Emocionais e de Somatização ao longo de 6 meses numa população de crianças e adolescentes de 4 a 16 anos de idade em diferentes regiões (urbanas e rurais) de Ontário e verificou 18,1%, sendo que a prevalência de TDAH e um ou mais diagnósticos era significantemente maior na região urbana do que nas áreas rurais (Offord et al., 1987). Esta grande diferença entre a prevalência de transtorno mental verificada no nosso estudo e o relato dos estudos comunitários pode reforçar o fato destas crianças e adolescentes serem de fato um grupo de risco importante para doença mental. Os diagnósticos mais prevalentes no nosso grupo-caso foram os transtornos de ansiedade que juntos afetaram 20,8% dos filhos das mães psiquiatricamente saudáveis, 39,6% dos filhos das mães com algum diagnóstico psiquiátrico menor e 44,2% das crianças e adolescentes filhos de mães bipolares, fato que difere da maioria dos estudos de filhos de bipolares que têm encontrado maior ocorrência de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e de transtornos afetivos do que de transtornos de ansiedade. No entanto, apesar de não ser o diagnóstico mais prevalente na maioria dos estudos, muitos têm encontrado prevalências relevantes de transtornos de ansiedade, em especial Ansiedade de Separação e Ansiedade Generalizada nos filhos de bipolares que ainda não preencheram critérios para TB (Decina et al.,1983; Hammen et al., 1987,1990; Chang et al., 2000; Henin et al., 2005). Recentemente, Bruckl et al. 71 (2007) documentaram que o transtorno de ansiedade de separação durante a adolescência é um fator de risco para TB na vida adulta, esta conclusão foi baseada numa amostra comunitária na Alemanha. Além disso, investigações prévias sugeriram que adolescentes com transtornos de ansiedade possuem um maior risco de TB do que aqueles sem transtornos de ansiedade. (Johnson et al., 2000; Rao et al., 1995). Uma amostra de pacientes ambulatoriais analizada por Masi et al. em 2001 revelou que apenas 23,5% das crianças e adolescentes com TB dos subtipos I e II não possuíam alguma comorbidade com Transtornos ansiosos. Assim sendo, tal qual o TDAH tem sido considerado um possível preditor de bipolaridade, os transtornos ansiosos em idade precoce também poderiam representar um outro caminho para o posterior desenvolvimento de TB (Chang et al., 2003a). Encontramos uma prevalência de transtorno de humor ao longo da vida de 5,7% entre os filhos de mães sem qualquer doença mental, 11,3% dos filhos de mães com algum diagnóstico psiquiátrico leve e 11,6% entre os filhos de bipolares. Lapalme et al. em 1997 realizaram uma metanálise de 17 estudos sobre filhos de bipolares, 11 deles com grupo-controle e encontraram que 26,5% das crianças e adolescentes filhos de pacientes bipolares preenchiam critérios para algum transtorno de humor e 8,3% dos filhos de pais sem transtorno mental ou sem doença mental grave apresentavam algum transtorno de humor. Talvez a menor prevalência de transtorno de humor na nossa pesquisa seja devido à média de idade baixa dos nossos casos e controles, os quais numa idade mais avançada poderiam apresentar maior prevalência de transtornos afetivos. Esta 72 suposição é corroborada pelos estudos prospectivos já realizados nesta população de filhos de bipolares, os quais apontam um aumento da taxa de transtornos de humor com o aumento da faixa etária dos filhos de bipolares. Por exemplo, o estudo de Wals et al. (2001) encontrou 44% de diagnóstico ao longo da vida e 27% de diagnósticos de Transtorno de Humor numa amostra de filhos de bipolares com idade variando de 12 a 21 anos de idade. Reichart et al. (2004) reavaliaram esta mesma amostra de filhos de bipolares 14 meses após a primeira avaliação e verificaram 49% de diagnósticos ao longo da vida, 33% de transtornos de humor ao longo da vida, sendo que 4% eram bipolares, naquele momento a idade variou entre 13 e 23 anos. Hillegers et al. (2005) avaliaram novamente esta mesma amostra holandesa de filhos de bipolares 5 anos após a primeira avaliação, com faixa etária agora variando entre 16 e 26 anos de idade e encontrou 59% de diagnósticos ao longo da vida e 40% de transtornos de humor ao longo da vida, dentre eles 10% de TB. Verificamos uma prevalência de TDAH ao longo da vida de 5,7% entre os filhos de mães do subgrupo controle 1, 3,8% dos filhos de mães do subgrupo controle 2 e 11,6% entre os filhos de mães bipolares. Podemos observar que a prevalência de TDAH nos filhos de Bipolares é 2 a 3 vezes maior do que a encontrada nas crianças e adolescentes dos subgrupos-controle, no entanto, não verificamos diferença estatisticamente significativa. Isto se deve provavelmente a ausência de poder do estudo, a qual provavelmente ocorreu devido ao pequeno número de indivíduos da nossa amostra. Enquanto a maioria dos estudos desta população de alto risco tem apontado maiores 73 ocorrências de TDAH, em torno de 27% segundo a revisão de estudos de filhos de bipolares realizada por Chang et al. em 2003 (Chang et al.,2003a). De uma maneira geral, podemos verificar que a nossa pesquisa apontou prevalências de psicopatologias intermediárias entre os valores encontrados nos estudos americanos e nos estudos europeus. Wals et al., em 2001, avaliaram uma amostra holandesa de 140 filhos de bipolares e verificaram 11% de Transtorno de ansiedade, 6% de transtornos disruptivos, 5% de TDAH, 6% de Transtorno de uso de substâncias, 27% de Transtornos de humor, 3% de TB, 6 % de depressão maior e 11% de depressão SOE. Chang et al., em 2000, avaliou 60 filhos com média de idade de 11,1 +- 3,5 anos de 37 famílias com no mínimo um dos pais com TB, os quais eram pacientes da Clínica para TB da Universidade de Stanford e verificou que 55% da amostra preenchia critérios para um diagnóstico de Eixo I do DSM-IV, 28% tinha TDAH, 15% depressão maior ou distimia, 15% TB ou ciclotimia, 10% TOD, 3% Transtorno Obsessivo Compulsivo, 3% Transtorno de Tiques e 5% outros transtornos de ansiedade, tais como Ansiedade Generalizada, Ansiedade de Separação e Fobia Social. Soutullo (2000) reportou que 50% de 24 filhos de bipolares tinham algum transtorno do espectro bipolar, comparado a 9% dos 13 controles saudáveis. Uma possível razão para as grandes diferenças de prevalência de TB na infância dentre diferentes países é a imensa dificuldade diagnóstica do TB nesta faixa etária, pois os sintomas maníacos típicos da apresentação do TB em adultos, como a euforia, grandiosidade e pressão de discurso são menos comuns nas crianças com TB (Reichart e Nolen, 2004). Em geral, estas apresentam 74 predominantemente hiperatividade, irritabilidade, tempestades afetivas e labilidade de humor, as mudanças de humor nesta população são tipicamente breves (horas ou dias) e pode-se observar estados não-episódios e mistos (Wozniak et al., 1995; Faedda et al., 1995). Para contribuir na dificuldade diagnóstica do TB na infância, o diagnóstico diferencial entre TB, Transtorno de Oposição e Desafio (TOD), Transtorno de Conduta (TC) e TDAH é muito difícil, em especial quando leva-se em consideração as possíveis comorbidades de TDAH e TOD ou TDAH e TC, as quais são freqüentemente observadas na prática clínica. Em um estudo de Geller et al. (2001) 91% das crianças com TB também preenchiam critérios para TDAH e 19% das crianças com TDAH preenchiam critérios para TB. Nós verificamos uma média de QI total maior nos filhos de mães bipolares do que nos outros dois grupos. A avaliação do QI nos filhos de bipolares tem tido resultados muito variáveis, desde diminuição ao aumento, passando pela normalidade, quando comparados a filhos de mães sem doença mental (Waters et al.,1981; Decina et al.,1983) Na análise uni-variada das sub-provas do WASI, verificamos um melhor desempenho nos filhos de bipolares em todas as provas, exceto no vocabulário. No entanto, na subprova de semelhanças este grupo mantém-se melhor do que os demais. A maior diferença entre os grupos está nas provas de matrizes e QI de execução, este resultado é contrário aos estudos da função cognitiva em filhos de bipolares, os quais, em sua imensa maioria, apontam um melhor desempenho no QI verbal do que no QI de execução (Decina et al.,1983; McDonough-Ryan et al., 2002). Uma possível explicação 75 para esta diferença é o fato do WASI ainda não ter sido traduzido e validado no Brasil e o teste apresentar palavras muito difíceis para o habitual da nossa população e cultura, no entanto isto afetaria igualmente os três grupos. Nosso estudo encontrou diferenças entre os dois grupos em algumas das variáveis do CBCL já referidas por outros autores como sugestivas de TB na infância e adolescência, Biederman et al. em 1995 encontraram excelente convergência entre as escalas de comportamento delinqüente, comportamento agressivo, queixas somáticas, ansiedade/depressão e problemas de pensamento do CBCL e o diagnóstico de mania em crianças e adolescentes. Mick et al. (2003) realizaram uma metanálise de diversos estudos usando o CBCL na avaliação de crianças com TB e verificaram que elevações nas escalas de Ansiedade/Depressão, Problemas de Atenção e Comportamento Agressivo foram associados ao diagnóstico de TB. Em nosso estudo encontramos maiores escores nos filhos de bipolares nas escalas do CBCL de ansiedade/depressão, queixas somáticas, isolamento, problemas de pensamento, problemas de atenção e problemas sociais. Todas estas escalas incluem muitos sintomas de ansiedade. Já as outras escalas do CBCL apontadas por Biederman como freqüentemente elevadas em crianças e adolescentes com TB (comportamento agressivo e comportamento delinqüente) e não observadas em nosso estudo com filhos de bipolares, usualmente estão mais associados a Transtornos Disruptivos, os quais incluem o Transtorno de Oposição e Desafio e o Transtorno de Conduta. Diversos estudos apontaram que escores elevados na subescala de ansiedade/depressão do CBCL têm sido correlacionados ao 76 diagnóstico de Transtorno de Ansiedade (Edelbrok e Costello, 1988; Biederman et al., 1993, 1995). Giles et al. (2006) avaliaram filhos de bipolares já diagnosticados como TB e filhos de bipolares sem este diagnóstico e verificaram que os bipolares possuíam três escalas do CBCL com T escores maiores ou iguais a 70 (problemas de atenção, comportamento agressivo e comportamento delinqüente) e pontuaram significantemente mais do que os controles saudáveis em todas as escalas do CBCL. Os filhos de bipolares sem diagnóstico de TB não apresentaram T escores maiores ou iguais a 70, mas tiveram maiores escores do que os controles saudáveis (e sem risco) nas escalas de ansiedade/depressão, problemas de atenção, isolamento e comportamento agressivo. As crianças já bipolares diferenciaram-se significantemente daquelas apenas em risco em todas as escalas do CBCL, exceto em queixas somáticas e ansiedade/depressão. Os escores elevados em algumas escalas do CBCL nos filhos de bipolares quando comparados aos filhos de mães dos subgrupos controle corroboram o fato de estarmos diante de uma população de alto risco para desenvolver psicopatologia, que deveria ser acompanhada em estudos longitudinais até a idade provável do aparecimento de outras doenças mentais, em especial transtornos afetivos, para assim podermos constatar quais são os sinais prodrômicos destas doenças e talvez assim possamos minimizar ou até prevenir o sofrimento destas pessoas. Tendo em vista a conhecida gravidade e cronicidade do TB, o potencial devastador desta doença na vida dos seus portadores, a dificuldade diagnóstica e muitas vezes o difícil manejo da mesma, qualquer esforço para melhor elucidação dos mecanismos de 77 instalação da doença, diferentes formas de apresentação e de evolução são sempre bem vindos. Paralelo a isto, há uma consciência atual da necessidade de buscar entender as enormes diferenças de prevalência do Transtorno Bipolar Pediátrico até hoje descritas ao redor do mundo, sendo que cada vez mais é levantada a importância de estudos internacionais nesta área de interesse, em especial nos países localizados fora da América do Norte e da Europa. Neste contexto, este estudo ocupa uma posição importante, pois segundo o nosso conhecimento, é o primeiro a abordar este assunto na América Latina e possui a grande vantagem de ter utilizado os mesmos questionários e escalas já usados em outros estudos internacionais, facilitando a comparação dos dados e assim contribuindo para a melhor compreensão desta doença em nível internacional. Os resultados desta pesquisa nos remetem ao questionamento de qual o peso e significado que devemos dar aos transtornos de ansiedade em pacientes e familiares de pessoas comprovadamente portadoras do TB, trata-se de uma freqüente comorbidade dos bipolares ou é só uma das manifestações desta complexa e desafiante patologia, podendo antecipar o quadro de TB por nós reconhecido como completo ou ser parte dele. Na dúvida, seria muito rico continuar acompanhando estas crianças e adolescentes ao longo de muitos anos para testemunharmos prospectivamente a evolução destes sintomas e conferirmos melhor os mecanismos das interações gene-ambiente. Em tempo, considerando-se que os estudos de genética apontam para uma hereditariedade inferior a 100% e até a 90%, há espaço para intervenções preventivas tentando melhorar o ambiente em que estas crianças (ainda não tão doentes) vivem e 78 tentando minimizar os potenciais prejuízos do TB nas mães bipolares, na capacidade de cuidar, na maneira de estabelecer vínculos e no modelo fornecido a estas crianças e adolescentes emformação. Limitações Podemos apontar como limitações do nosso estudo o reduzido tamanho da amostra estudada, a ausência de confiabilidade entre os aplicadores, apesar de todos terem sido treinados e possuírem o terceiro grau completo e a ausência de entrevista direta do pai destas crianças e adolescentes. O instrumento utilizado para avaliar o quociente de inteligência (WASI) ainda não foi traduzido e validado no Brasil, fato que poderia influenciar os resultados obtidos. No entanto, influenciaria igualmente ambos os grupos estudados. 79 5.0 - Conclusões 1. Verificamos uma maior diferença entre os três grupos avaliados no instrumento dimensional (CBCL) do que no instrumento que gera diagnósticos categóricos (KSADS-PL) nesta avaliação transversal de crianças e adolescentes. 2. Notamos um perfil de mais problemas de internalização nos resultados advindos do CBCL. 3. Verificamos predomínio importante de transtornos de ansiedade, segundo a avaliação realizada através do K-SADS-PL. 4. Estes resultados são compatíveis entre si e talvez apontem para mais um fator de risco para o desenvolvimento de TB na vida adulta, além dos já conhecidos. 5. As mães portadoras de TB possuem um maior comprometimento do funcionamento do que as mães portadoras de algum diagnóstico psiquiátrico menor, ambas diferindo significativamente das mães sem qualquer doença mental, as quais apresentam um funcionamento próximo do ideal. 80 6.0 - Referências Bibliográficas Achenbach TM, Edelbrock C. Manual for the child behavior checklist and revised child behavior profile. Burlington: University of Vermont Department of Psychiatry.1983. Achenbach TM. Manual for the Youth Self-Report Form and 1991 profile Burlington: University of Vermont, 1991. Achenbach TM, Dumenci L. Advances in empirically based assessment: Revised crossinformant syndromes and new DSM-oriented scales for the CBCL, YSR and TRF: comment on Lengua, Sadowksi, Friedrich, and Fischer. J Consult Clin Psychol. 2001; 69: 699-702. Alexander PJ, Raghavan R. Childhood mania in India. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1997; 36: 1650-1. Almeida KM, Moreno DH. 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