GEOPOLÍTICA DA DITADURA MILITAR: COMO A GEOGRAFIA E O TERRITÓRIO BRASILEIRO SERVIRAM AOS OBJETIVOS DO GOVERNO. Primeiro autor: Bruno Costa Guimarães Segundo autor: Rafael Winter E-mail: [email protected] Universidade Federal do Rio de Janeiro Departamento de Geografia / Geopol INTRODUÇÃO: Durante o período da ditadura militar no Brasil, a geografia foi posta a serviço de um conhecimento bastante usado pelos militares: a geopolítica. Movido pelo sonho de um Brasil potência, o governo ditatorial usou os atributos geográficos para promover o desenvolvimento nacional. Como consequência, o território, elemento chave da geografia, foi modificado para melhor atender a esse objetivo. Este trabalho aborda a influência do geopolítico Golbery do Couto e Silva durante este período, ressaltando a nítida semelhança entre seu modelo idealizado de integração nacional, exposto em seu livro “Geopolítica do Brasil” em 1967 e as diretrizes do decreto lei nº 1106 de 1970, o Plano de Integração Nacional (PIN). Quatro estradas mostram claramente como o governo da ditadura foi influenciado por Golbery: BR-230 (Transamazônica), BR-163 (Cuiabá - Santarém), BR-210 (Perimetral Norte) e a BR-319 (Manaus - Porto Velho). Ao final, é possível concluir como a geografia foi e é um importante instrumento a ser utilizado para fins políticos. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 1 OBJETIVOS: Como um objetivo geral, este trabalho irá demonstrar como os elementos geográficos são importantes peças para a elaboração de um plano diretor de metas políticas e que o território pode tanto ser usado como instrumento do governo como alterado pelo mesmo. Como objetivo específico, irá demonstrar a grande importância que a geopolítica de Golbery exerceu na estratégia do governo militar. METODOLOGIA: A metodologia para este trabalho foi pautada principalmente em levantamentos bibliográficos. Foram reunidas diferentes obras a respeito da logística empregada pelo governo militar para o desenvolvimento nacional, cujas fontes variaram de procedência desde os dias da ditadura até os atuais. Em seguida, foi feita uma comparação entre as principais modificações realizadas pelo governo na malha rodoviária (com ênfase nas quatro principais estradas) e o modelo de integração idealizado por Golbery, visando identificar as semelhanças que evidenciem a influência do geopolítico na logística militar. RESULTADOS PRELIMINARES: Prosseguindo para uma análise relacionada com distribuição da população nacional, Golbery deu grande importância à distribuição de comunicações terrestres e aquáticas, fator que sempre configurou-se como um indicador direto e alicerce fundamental do desenvolvimento regional. Desde logo, o autor ressalta o notável adensamento demográfico em torno do eixo Rio – São Paulo – Belo Horizonte, tal como um privilegiado sistema de comunicações ferroviárias e rodoviárias. Este eixo pode ser denominado como o núcleo central do Brasil, acumulador da maior quantidade de riquezas e responsável por abrigar a maior parte dos brasileiros. A região é Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 2 sede para as mais importantes indústrias de base, centro de maior intensidade de fluxos, onde o dinamismo é mais intenso e enérgico. Ao Nordeste, observamos a presença do segundo ecúmeno brasileiro, composto pela junção do recôncavo baiano, Fortaleza e Recife. Ainda inferior em termos de integração quando comparada ao núcleo central, esta região é bem provida de uma apreciável malha de ferrovias e rodovias. Golbery denomina esta região de Península NE. Similar, porém no outro extremo vertical do país, notamos uma comparável aglomeração de fluxos e comunicação, bem como adensamento demográfico, do Paraná e Santa Catarina, prolongando-se até o rio Grande do Sul. É a Península S. Por fim, ao centro-oeste, Campo Grande e o sul de Mato Grosso, Goiânia e o Sul de Goiás, se integram em vasta área ainda não ecumênica, mas já articulada ao núcleo central ainda que forma delimitada e de fraca densidade. É a Península Centro-Oeste. Em seu livro “Geopolítica do Brasil” (1967), Golbery dissecou o espaço brasileiro em cinco grandes elementos: O Núcleo-Central, coração do país e motor propulsor do desenvolvimento econômico nacional, ecúmeno principal e responsável pela maior densidade demográfica ; As três penínsulas, frente de desenvolvimento regional, vanguardas da ocupação local, porém subordinadas à autoridade do Núcleo-Central ; A Ilha Amazônica, a hiléia ainda indomada e praticamente vazia de forças desenvolvedoras. Adiciono uma curiosa observação: note como Golbery entitula elementos de sua análise através de metáforas de acidentes geográficos. Penínsulas, espaços originados pela extensão do núcleo central. Braços prolongados das forças de progresso originadas do núcleo, cercados por um extenso oceano de baixo desenvolvimento. Ilha, a comparação metafórica que associa a hiléia amazônica, isolada e deserta, à imagem de uma terra exótica e inacessível, cercada por um oceano inibidor de população. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 3 Constantemente, o território brasileiro sofre, em sua análise, a comparação com um vasto arquipélago, ressaltando a pobreza das nossas comunicações interiores e a situação dependente que nos encontramos dos transportes marinhos. A análise de Golbery nos leva a distinguir melhor, partindo do núcleo central do país até três grandes penínsulas, situadas no Nordeste, Sul e Centro-Oeste , ligadas apenas por precários sistemas de transporte e (esta totalmente isolada) a ilha amazônica. Mas Golbery era um planejador e, como tal, viu nesta configuração uma estratégia para o saneamento do nosso problema. : “A primeira tarefa, pois, visando à integração e valorização do território nacional, há de ser forçosamente a de vitalizar esses três istmos de circulação, de maneira a, de um lado, articular solidamente de norte a sul nossa atual base ecumênica e, de outro lado, consolidar o avanço já esboçado para noroeste, a partir do núcleo central que, geográfica e históricamente, é a verdadeira plataforma para penetração e conquista do interior. Somente a seguir, depois de nos havermos debruçado sobre a Hiléia amazônica, poderemos pensar em conquistar a grande ilha brasileira de noroeste por uma manobra concêntrica que combine o avanço do sul para o norte, ao longo dos afluentes da margem direita do grande rio, com penetração pela embocadura do Amazonas e sucessivamente a montante de seus tributários de uma e outra margem – seguindo os mesmos rumos que, em épocas já distantes, com meios muito mais rudimentares e propósitos bem diversos, bandeirantes e missionários esboçaram em seu admirável desbravamento daquele deserto verde.” (COUTO E SILVA, 1967: p. 47) Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 4 Podemos resumir a manobra de Golbery, que tem como objetivo a integração nacional, em três principais passos: 1. Ligar o Nordeste e o Sul ao núcleo central do país, firmando solidamente uma base ecumênica de projeção continental, assegurando a inviolabilidade do nosso extenso território despovoado pelo tamponamento das possíveis vias de penetração. 2. Impulsionar o avanço colonizador para o noroeste, integrando a península centro-oeste no todo ecumênico brasileiro. 3. Finalmente, povoar a hiléia amazônica e domar os nódulos fronteiriços que a circundam, partindo de uma base avançada no Centro-Oeste, em ação coordenada com a progressão de Leste para Oeste, pelo eixo do amazonas. Em 1970, três anos após a primeira edição do livro “Geopolítica do Brasil” de Golbery ser publicada, o governo ditatorial, sob o comando do presidente Emiliano Garrastazu Médici, pôs em prática um conjunto elaborado de metas e planos necessárias para suprir um antigo objetivo e desafio dos governantes brasileiros: A integração nacional. Ocorre então a concepção do primeiro Plano de Integração Nacional – PIN, através do decreto-lei nº 1106, de 16 de julho de 1970. Chamo a atenção para o artigo nº 2 do PIN: Art 2º A primeira etapa do Programa de Integração Nacional será constituída pela construção imediata das rodovias Transamazônica e Cuiabá-Santarém. § 1º Será reservada, para colonização e reforma agrária, faixa de terra de até dez quilômetros à esquerda e à direita das novas rodovias para, com os recursos do Programa de Integração Nacional, se executar a ocupação da terra e adequada e produtiva exploração econômica. § 2º Inclui-se também na primeira etapa do Programa de Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 5 Integração Nacional a primeira fase do plano de irrigação do Nordeste. Brasília, 16 de junho de 1970; 149º da Independência e 82º da República. EMíLIO G. MÉDICI Antônio Delfim Netto Mário David Andreazza L. F Cirne Lima Marcus Vinicius Pratini de Moraes João Paulo dos Reis Velloso José Costa Cavalcanti” (Fonte: http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/125994/decreto-lei-1106-70 Consultado em: Novembro, 2009.) Percebe-se então, a importância dada à construção de estradas (com a citação explícita da necessidade da Transamazônica e da Cuiabá-Santarém) pelo governo de Emílio Garrastazu Médici no objetivo de integrar o território nacional. A seguir, serão apresentadas as quatro estradas mencionadas anteriormente no trabalho, cujos traçados correspondem ao objetivo proposto pelo PIN e por Golbery: integrar a amazônia e o centro-oeste à população. Transamazônica (BR-230) Criação: A Rodovia Transamazônica (BR-230) foi projetada em 1972, durante o governo do Presidente Emílio Garrastazu Médici. Limites: O limite leste da rodovia é a cidade de Cabedelo, na Paraíba, e o limite oeste é Lábrea, no Amazonas. Ao longo de seu percurso, a Transamazônica define o princípio de colonização da Amazônia, penetrando a extensão horizontal do Norte e a ligando ao Nordeste. Extensão: Pela grandeza física de seus 4 mil quilômetros de extensão, é considerada Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 6 uma das “obras faraônicas” do presidente Médici e é a terceira maior rodovia do Brasil. Cuiabá-Santarém (BR-163) Criação: A BR-163 foi criada em 1973, um ano após a Transamazônica. Limites: A rodovia se extende pelo seu eixo sul na cidade de Itapiranga em Santa Catarina até Santarém, no Pará. Cuiabá-Santarém é o trecho no interior da BR-163 liga a capital do Mato Grosso, Cuiabá, a Santarém, no Pará. A estrada atravessa uma das regiões mais ricas do País em recursos naturais e potencial econômico, sendo marcada pela presença de importantes biomas brasileiros, como a Floresta Amazônica e o Cerrado e áreas de transição entre eles, além de bacias hidrográficas importantes, como a do Amazonas, do Xingu e Teles Pires-Tapajós. Extensão: Diferente da Transamazônica, a BR-163 é uma rodovia longitudinal, mas possui a mesma característica de uma grande extensão, evidenciada pelos seus 1.780 quilometros. Perimetral Norte (BR-210) Criação: A Perimetral Norte (BR-210), é uma outra rodovia que foi planejada durante o auge do programa de desenvolvimento nacional, em 1973. Limites: Sua origem fica situada no Amapá, a partir da onde se extende até o a fronteira colombiana do Amazonas. Extensão: A perimetral norte é uma rodovia de grandes dimensões, conta com 2.454 quilômetros de extensão. Manaus-Porto Velho (BR-319) Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 7 Criação: A BR-319, assim como as anteriores, foi criada em 1973. Limites: É uma rodovia longitudinal que liga as cidades de Manaus, no Amazonas, até Porto Velho, na Rondônia. Extensão: A BR-319 é consideravelmente menor do que as três rodovias acima, com 804 quilômetros de extensão. Cito novamente a importância da geopolítica no Brasil com ênfase em seu quarto período de relevância, como já citado por Shiguenoli Miyamoto na página 14 : “[...]O quarto período é caracterizado pela ascenção do estamento militar ao comando do aparelho de Estado, e quando os estudos estão voltados não apenas para o binômio segurança e desenvolvimento, como também para a preocupação de tentar mostrar que o país se encontra em vias de se tornar uma grande potência[...]”. Durante este período de ditadura militar, o sonho de um “Brasil Potência” aliado à ideologia anti-comunista conferiram à geopolítica um grande papel nas diretrizes nacionais. Na vanguarda desta fase, Golbery do Couto e Silva ascendeu como geopolítico de maior importância. Seus trabalhos influenciaram diretamente a maneira como o governo militar atuou sobre o território brasileiro e o modificou para melhor atender aos seus objetivos. A construção de quatro grandes estradas durante o Programa de Integração Nacional na década de 70 (BR-230, BR-163, BR-210 e BR-319) em concordância com o modelo de integração proposto por Golbery em seu livro três anos antes, reafirma uma íntima ligação do general com o PIN. Demonstra também como seus trabalhos geopolíticos foram bastante relevantes durante um período político brasileiro em que o território foi usado como um instrumento de manutenção do poder, tornando necessário o uso da geopolítica. O território é um importante instrumento para atender as necessidades políticas do governo vigente e, para configurá-lo de forma eficiente para este fim, a geopolítica é um conhecimento chave. Décadas depois, embora as condições destas estradas não correspondam mais com a grandiosidade de seus projetos, podemos ver como Golbery do Couto e Silva Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 8 influenciou diretamente a espaço brasileiro que temos hoje em dia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil: 1964-1984. 1.ed. São Paulo: Edusc, 2005. BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. 11.ed. Brasilia: UnB, 2000. BOBBIO, Norberto. Direita e Esquerda: Razões e significados de uma distinção política. 2.ed. São Paulo: Unesp, 2001. BOMFIM. Paulo Roberto de Albuquerque. A Ostentação Estatística: Um projeto geopolítico para o território nacional: estado e planejamento no período pós-64. Dissertação (Doutorado em Geografia Humana) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007. BESSA, Vagner de Carvalho ; FILHO, Luis Lopes Diniz. 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