Proteção Jurídica do Pantanal

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SILVANO CARMO DE SOUZA
PROTEÇÃO JURÍDICA DO PANTANAL: A CONSTRUÇÃO DO MARCO
REGULATÓRIO NO ESTADO DE MATO GROSSO.
Dissertação apresentada à Universidade do
Estado de Mato Grosso, para a obtenção do
Título de Mestre em Ciências Ambientais.
CÁCERES
Mato Grosso
2008
2
SILVANO CARMO DE SOUZA
PROTEÇÃO JURÍDICA DO PANTANAL: A CONSTRUÇÃO DO MARCO
REGULATÓRIO NO ESTADO DE MATO GROSSO.
Dissertação apresentada à Universidade do
Estado de Mato Grosso, para a obtenção do
Título de Mestre em Ciências Ambientais.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Teodoro José Hugueney Irigaray
CÁCERES
Mato Grosso
2008
3
FICHA CATALOGRÁFICA
Souza, Silvano Carmo de.
S729p
Proteção Jurídica do Pantanal: a construção do marco
regulatório no estado de Mato Grosso / Silvano Carmo de Souza. –
Cáceres, 2008.
205 f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais) –Universidade do
Estado de Mato Grosso, 2008.
Orientador: Carlos Teodoro José Hugueney Irigaray
1. Pantanal de Mato Grosso. 2. Legislação. 3.Educação 4. Gestão
Ambiental. I. Autor. II. Título.
CDU 342:33.7:504---
Bibliotecário Responsável: Walter Clayton De Oliveira
4
FOLHA DE APROVAÇÃO
SILVANO CARMO DE SOUZA
PROTEÇÃO JURÍDICA DO PANTANAL: A CONSTRUÇÃO DO MARCO
REGULATÓRIO NO ESTADO DE MATO GROSSO.
Esta Dissertação foi julgada e aprovada como requisito para a obtenção do título de
Mestre em Ciências Ambientais.
Cáceres, 15 de abril de 2008.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Prof. Dr. Carlos Teodoro José Hugueney Irigaray
Orientador – UNEMAT/UFMT
________________________________________
Prof. Drª Carolina Joana da Silva
Membro Interno - UNEMAT
________________________________________
Prof. Dr. Pierre Girard
Membro Externo – UFMT
5
DEDICATÓRIA
A Érika Patrícia, minha esposa, pela presença, carinho, e AMOR.
Aos meus pais Jorge Rodrigues de Souza e Adenilda Xavier do Carmo, pelo
carinho, dedicação e pelas orações que me impulsionaram a realização deste sonho.
Aos pantaneiros e pantaneiras que no ritmo das águas dos rios que banham este
patrimônio nacional, continuam cotidianamente lutando pela sua conservação.
A todos os pacientes dos hospitais especializados no tratamento do Câncer, que
lutam pelo que há de mais precioso, a VIDA.
6
AGRADECIMENTOS
A DEUS, autor e conservador da vida, por tudo que tem feito por mim e por
minha família. Aproveito para agradecer-Lhe pela cura do câncer em 2005 e por ter me
livrado da morte e me tirado da cadeira de rodas, agora nesta reta final do Mestrado.
Sou grato a Ele, pois tem me ensinado que na vida enfrentaremos desafios e
vicissitudes, em todos os aspectos, todavia Ele sempre estará conosco e colocará
pessoas maravilhosas e especiais para estarem ao nosso lado.
Aos meus familiares, que sempre me apoiaram e me acompanharam nas
andanças da vida acadêmica.
Ao professor Drº Carlos Teodoro J. H. Irigaray, pela orientação, amizade,
dedicação, respeito e compreensão. Sou grato a Deus por sua vida.
Aos professores Drº Elias Januário, Drº Pierre Girard, e Drª Carolina Joana da
Silva pelas enriquecedoras sugestões.
Aos professores Drª Eda Tassara, Drª Maria Stela, Drº Aumeri Bampi, pessoas
comprometidas com as transformações sociais, que têm demonstrado através de suas
vidas e prática universitária a importância de não nos conformarmos com o modo
autoritário e desrespeitoso de fazer ciência hodiernamente imposto pelo Capital, muito
bem representado nas universidades pelas oligarquias acadêmicas.
Aos companheiros Laudemir Zart, e Clovis Vailant, que me auxiliaram de
maneira muito especial a percorrer os caminhos da elaboração deste trabalho.
Aos colegas do Programa do Mestrado, em especial ao companheiro e amigo
Rogério Oliveira Costa, pela oportunidade de conviver diariamente com alguém que
acredita na humanidade e na solidariedade.
Aos funcionários da Universidade do Estado de Mato Grosso lotados na PRPPG
e no CELBE.
Aos oncologistas Drª Lenuce Aziz Ydy , Drº Gilmar Ferreira e Drº Marcelo Bumlai
por tudo que tem feito por mim e por minha família nos últimos anos.
Aos brasileiros e brasileiras que através da CAPES, financiaram meus estudos.
A todos que contribuíram para elaboração desse trabalho.
7
“Preste atenção filho, sê tá vendo esta planta que
agora de manhã tá florida, alegre, pois é, hoje à tarde, e principalmente à noite ela vai
tá bem murcha. Assim é a nossa vida, temos que aproveitá as
oportunidades pra faze as coisas boas pras pessoas, enquanto temos força e saúde,
por que na vida da gente tudo passa”.
Sebastião Xavier do Carmo (83 anos),
Meu avô, que eu amo e com quem tenho compartilhado meus sonhos.
8
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
Lista de Figuras
Lista de Tabelas
INTRODUÇÃO GERAL
Referência Bibliográfica Geral
11
12
13
14
15
20
CAPÍTULO I - O PANTANAL – UM ANFITEATRO NO CENTRO DA AMÉRICA DO
SUL.
21
Resumo
21
Abstract
21
Introdução.
22
1.1 - Aspéctos Históricos e Físicos do Pantanal Mato-grossense.
22
1.2 - Histórico da Formação, Ocupação e Reocupação (invasão)
do Pantanal.
28
1.2.1 - A Formação do Anfiteatro.
.
28
1.2.2 - A Ocupação - Os primeiros atores.
29
1.2.3 - A Reocupação – A Invasão da Arena.
31
Considerações Finais
34
Referência Bibliográfica
41
CAPÍTULO II - OS MARCOS REGULATÓRIOS NO BRASIL: UMA ABORDAGEM
HISTÓRICA CRÍTICA – A PROTEÇÃO JURÍDICA DO PANTANAL DE MATO
GROSSO.
45
Resumo
45
Abstract
45
Introdução.
46
2.1 - A Construção dos Marcos Regulatórios no Brasil: Um breve relato. 46
2.2 - Evolução da proteção jurídica do meio ambiente no Brasil.
51
2.3 - A Proteção Jurídica do Pantanal de Mato Grosso.
54
2.3.1 - Documentos internacionais aplicáveis à proteção do
Pantanal de Mato Grosso.
54
2.3.2 - A Proteção do Pantanal na legislação federal.
59
2.3.3 - Projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional
que dispõem sobre o Pantanal de Mato Grosso.
64
2.3.4 - Legislação do Estado do Mato Grosso
relativa ao Pantanal.
67
Considerações Finais
70
Referência Bibliográfica
72
9
CAPÍTULO III - A CONSTRUÇAO DE UMA LEI DE GESTÃO DO PANTANAL DE
MATO GROSSO. A EDUCAÇÃO PARA A GESTAO AMBIENTAL.
74
Resumo
74
Abstract
74
Introdução
75
3.1 Contextualização Histórica
76
3.2 – Da Proposta Inicial ao Projeto de Lei.
81
3.3 – A Atuação dos Stakeholders na elaboração das Leis
de Gestão e Redelimitação do Pantanal de Mato Grosso.
81
3.3.1 Aspectos Teóricos.
81
3.3.2 Mecanismos de Participação Popular: As Audiências
Públicas – Espaço de Legitimação da Ação Estado/Mercado.
87
3.3.3 - A Principal Finalidade da análise.
89
Considerações Finais
89
Referência Bibliográfica
91
CAPÍTULO IV - ATORES SOCIAIS ENVOLVIDOS NA ELABORAÇÃO DAS LEIS DE
GESTÃO E DE REDELIMITAÇÃO DO PANTANAL E SUA CATEGORIZAÇÃO:
APLICAÇÃO DA STAKEHOLDERS ANALISYS.
94
Resumo
94
Abstract
94
Introdução.
95
4.1 – A Análise dos Dados a partir da Stakeholders Analysis.
95
4.2 - Stakeholders apresentados na entrevista com a Gerência de
Políticas do Pantanal.
99
4.3 - Stakeholders apresentados na Ata da 7ª Reunião Ordinária do Conselho Estadual
de Meio Ambiente – CONSEMA, realizada dia 26/09/2006; Resolução 50/06 do
CONSEMA; e Oficio nº 558/2006 da FAMATO.
100
4.4 - Stakeholders apresentados na Comunicação Interna nº 085/2006 da
Superintendência de Biodiversidade – Gerência de Política do Pantanal de 29/11/2006
e seus anexos.
100
4.5 - Stakeholders apresentados nas Atas das Audiências Públicas realizadas pela
Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso.
101
4.6- A área de atuação política de cada Stakeholder.
109
4.7 - A investigação da Natureza dos Conflitos entre
os Stakeholders.
118
4.8 - As demandas de cada Stakeholders.
120
4.8.1 – Os Limites da Arena, a explicitação dos interesses.
125
4.8.2 – As demais demandas apresentadas pelos Stakeholders. 128
4.9 – A Lei Aprovada e a sua Relação com as Demandas dos
Stakeholders.
133
Considerações Finais
141
Referência Bibliográfica
144
10
CAPITULO V - COMENTÁRIOS À LEI DE GESTÃO DO PANTANAL DE MATO
GROSSO
146
Resumo
146
Abstract
146
Introdução
147
5.1 Os Princípios da Gestão do Pantanal em Mato Grosso.
148
5.2 Competências Institucionais para Gerir Parte de um Patrimônio
Nacional.
158
5.3 Áreas Protegidas
162
Considerações Finais
Referência Bibliográfica
170
174
Conclusão Geral
163
Bibliografia Gerl
176
Anexos
189
11
RESUMO
O Pantanal é uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta e está
localizado no centro da América do Sul, na Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai. Sua
área é de 138.183 km², com 65% de seu território no estado de Mato Grosso do Sul e
35% no Mato Grosso. O objetivo deste trabalho é contextualizar a participação pública
na elaboração de políticas públicas estatais no Brasil, a partir da elaboração das Leis
de Gestão e de redelimitação do Pantanal de Mato Grosso. Como Método para coleta
de dados foi utilizado o Estudo de Caso a partir do acompanhamento pessoal do
pesquisador nas Audiências Públicas e Grupos de Trabalhos, também através do
arrolamento de dados oriundos de documentos legais e do levantamento bibliográfico.
Para a Análise dos Dados foi utilizada a “Stakeholders Analisys” proposta por Grinble e
Cham (1995). A partir do levantamento de dados e respectiva análise, foram
identificadas três categorias de Stakeholders: Estado, Comunitário, e Mercado, que
participaram de algumas das fases de elaboração das propostas de Leis. Na categoria
Estado estiveram presentes agentes de mercado e agentes populares. A categoria
Comunitário foi representada, por exemplo, por representantes povos e comunidades
tradicionais, de trabalhadores rurais, organizações não governamentais. Já a categoria
Mercado, foi representada majoritariamente por setores do agronegócio, em especial à
Federação da Agricultura do Estado de Mato Grosso – FAMATO. Após as discussões e
aprovação no poder legislativo, o chefe do executivo do Estado de Mato Grosso, vetou
a Lei que propunha a redelimitação do Pantanal de Mato Grosso, porém sancionou a
Lei 8830 de 21/01/08, que estipula, pelo menos em sua epígrafe, a gestão da Bacia do
Alto Paraguai. Apesar dos avanços conquistados pela categoria Comunitário, referentes
à inserção de dispositivos referentes à implementação da Política Nacional de Povos e
Comunidades Tradicionais, e a regulamentação das Áreas Protegidas, a lei sancionada
atendeu, na maioria absoluta de seus dispositivos os pleitos da Categoria Mercado.
Não obstante o grande número de dispositivos legais, oriundos da Constituição Federal
hodierna; das convenções internacionais; das resoluções e deliberações provenientes
de comissões e conselhos federais; das decisões dos tribunais; da legislação federal e
estadual, verifica-se que este aparato não é suficiente para proteger este patrimônio
nacional, para tanto uma legislação federal específica do Pantanal, que valorize e
atenda as demandas das camadas populares da sociedade, daria maior efetividade e
aplicabilidade ao dispositivo constitucional que reconhece o Pantanal Mato-Grossense
como “Patrimônio Nacional”.
Palavras-Chave: Pantanal de Mato Grosso, Legislação, Educação e Gestão Ambiental
12
ABSTRACT
The Pantanal is one of the largest stretches of continuous wet planet and is located in
the center of South America, in the Upper Paraguay River Basin. Its area is 138,183 km
², with 65% of its territory in the state of Mato Grosso do Sul and 35% in Mato Grosso.
The objective of this work is to contextualize public participation in policy-making state
government in Brazil, from the drafting of the Laws of Management and re-delimitation
the Pantanal of Mato Grosso. As a method for collecting data was used the Case Study
from the monitoring staff of the researcher in the Public Hearings Groups of Jobs, also
through the sequestration of data from legal documents and the bibliographic survey.
For the analysis of data was used to "Stakeholders Analisys" proposed by Grinble and
Cham (1995). From the survey data and their analysis have identified three categories of
Stakeholders: State, Community and Market, which participated in some of the stages of
drafting the laws. In the category State agents market and popular actors were present.
The category Community was represented, for example, by representatives peoples and
traditional communities of rural workers, non-governmental organisations. Already the
category Market, was represented mostly by the agribusiness sectors, in particular the
Federation of Agriculture of the State of Mato Grosso - FAMATO. After the discussion
and approval in the legislature, the chief executive of Mato Grosso State, vetoed the
law, which proposed the re-delimitation the Pantanal of Mato Grosso, but endorsed the
Law 8830, 21/01/08, which requires at least in its title, the management of the Upper
Paraguay Basin. Despite the advances achieved by the Community category, relating to
the insertion of devices related to the implementation of the National Policy of Peoples
and Traditional Communities, and the regulation of Protected Areas, the sanctioned law
included, in the absolute majority of its devices , the litigation of Category Market.
Despite the large number of legal devices, from the Federal Constitution current;
international conventions, the resolutions and deliberations from federal commissions
and councils; of court decisions, federal and state legislation, it appears that this
apparatus is not enough to protect this national heritage , for both a specific federal
legislation of the Pantanal, which values and meets the demands of the working classes
of society, would give greater effectiveness and applicability to the constitutional device
that recognizes the Pantanal, Mato Grossense as "National Patrimony".
Key words: Pantanal of Mato Grosso, Legislation, Education and Environmental
Management.
13
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 - Distribuição Total dos Stakeholders que Participaram
das Audiências Públicas.
103
Figura 02 - Stakeholders que participaram da Audiência Pública
de Póconé – MT.
103
Figura 03 - Stakeholders que participaram da Audiência Pública
de Cáceres – MT.
104
Figura 04 - Stakeholders que participaram da Audiência Pública de Barão de Melgaço –
MT.
104
14
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 - Estudos relacionados com a delimitação fisiográfica
do Pantanal.
25
Tabela 02 - Marcos Legais de Proteção do meio ambiente no Brasil.
53
Tabela 03 - Resoluções do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (CONAMA), referentes ao Pantanal.
62
Tabela 04 - Resoluções e Deliberações da Comissão de
Biodiversidade (CONABIO), referentes ao Pantanal.
63
Tabela 05 - Legislação Estadual Mato Grosso que dispõe sobre
o Pantanal.
68
Tabela 06- Diretrizes para análise de Stakeholders.
98
Tabela 07 - Categorias de Stakeholders encontrados na análise dos
dados e os critérios utilizados para sua classificação.
102
Tabela 08 - Stakeholders presentes nas Audiências Públicas de
Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço.
105
Tabela 09 - Área de Atuação dos Stakeholders.
110
Tabela 10 - Demandas apresentadas Pelos Stakeholders da
Categoria Estado.
121
Tabela 11 - Demandas da Categoria Comunitário.
123
Tabela 12 - Demandas da Categoria Mercado.
124
Tabela 13 - Demandas dos agentes populares na categoria Estado e
seu reflexo na Lei.
134
Tabela 14 - Demandas dos agentes de mercado na categoria Estado
e seu reflexo na Lei.
136
Tabela 15 - Demandas da Categoria Comunitário e seu reflexo na Lei.
137
Tabela 16 - Demandas da Categoria Mercado e seu reflexo na Lei
140
15
INTRODUÇÃO GERAL
“Não há justiça que paire acima dos conflitos,
só há justiça comprometida com os conflitos,
ou no sentido de manutenção, ou no sentido de transformação”.
Roberto A. R. de Aguiar (1987).
Acreditar na possibilidade de mudança de paradigmas, e lutar para que isso
ocorra, é uma virtude daqueles que sonham com um mundo mais justo. Essa crença
passa pelo descontentamento com o statu quo, em relação à forma como os grupos
hegemônicos têm se relacionado com os demais setores da sociedade e com o
ambiente. Essa relação tem se demonstrado desequilibrada, desumana, escravocrata,
espoliadora, e imperialista.
Durante o período que escrevemos esta dissertação convivemos com três
grupos de pessoas, as que não enxergam as contradições sociais existentes na
sociedade, e é claro que muitas delas têm essa percepção de mundo por opção, por
acreditarem fervorosamente que poderão tirar proveitos pessoais de tal situação.
Outros que apesar de notarem as contradições, não acreditam mais na possibilidade de
mudança. Elas já entregaram os “pontos” já penduraram as “chuteiras”, dizem que o
mundo é assim mesmo e que tudo está indo de mal a pior, e o que nos resta é
simplesmente “sobrevivermos”. Por outro lado, apareceram pessoas indignadas com o
sistema, inconformadas como o modelo de sociedade emplacado pelo capitalismo
financeiro. Estas, apesar deste terrível cenário, continuam esperançosas, acreditando
na possibilidade de mudanças estruturais. Não se trata de uma crença ingênua, mas
sim de um sentimento solidário, fraterno, que têm suas bases na materialidade
histórica, expressada na luta diária por um mundo mais justo e humanitário.
Foram estes últimos, os companheiros e companheiras, que impulsionaram a
escrever este trabalho, foram eles o combustível que acendia a chama da esperança de
poder, através destas linhas, explicitar as contradições existentes nas propostas de Lei,
que versam sobre a Gestão e Redelimitação do Pantanal de Mato Grosso.
16
Para tanto, é necessário comentar qual a compreensão de meio ambiente e de
natureza presentes neste trabalho. Para isso é imperioso lançar mão dos ensinamentos
de Vincent (1995), o autor afirma que o meio ambiente é um sistema que inclui todas as
coisas vivas e ainda o ar, a água e o solo que constituem seu hábitat e, portanto, a
espécie humana é parte de uma estrutura extremamente complexa, diversificada e
inter-relacionada da qual não é possível se divorciar. O autor considera que a natureza
é uma categoria social, produzida pela história, ele cita ainda Michael Redclift, para
quem grande parte do ambiente e da natureza (inclusive a natureza humana) tem uma
relação causal com a pobreza, a doença, o trabalho alienante , e simplesmente a
necessidade de sobreviver em um sistema opressivo.
Após estas considerações importa enfatizar que o Pantanal é uma das maiores
maravilhas do patrimônio natural brasileiro: considerada a área alagável de maior
extensão e biodiversidade do mundo. A região também é importante, especialmente
para o suprimento de água, a estabilização do clima, e para a sobrevivência dos povos
e comunidades tradicionais pantaneiros.
Tendo em vista sua importância global, o Pantanal foi considerado: “Sitio
Ransar”, “Patrimônio Mundial da Unesco” e “Reserva da Biosfera”. Títulos que
pressupõem uma gestão participativa, integrada, e sustentável, que englobe os
aspectos sociais, ambientais, econômicos e culturais da região.
As Ciências Ambientais, área do conhecimento sobre a qual este trabalho se
debruça para estudar a participação popular na elaboração do Marco Regulatório do
Pantanal de Mato Grosso, são interdisciplinares, e têm como marco teórico o
materialismo histórico dialético, suas bases epistemológicas são transformadoras e
emancipadoras. As abordagens de estudo são complexas e exigem que o pesquisador
tenha sensibilidade para apreender os significados de cada etapa do trabalho. Nesse
sentido esta dissertação procura demonstrar a íntima relação existente entre a
participação popular na elaboração de políticas públicas, como elemento educativo
indispensável à gestão ambiental.
17
Nesse sentido, a Conferência de Tbilisi, realizada pela Unesco em 1977 é
considerada como um marco referencial para o estabelecimento de importantes
diretrizes na educação ambiental. O documento oriundo desse evento postula que o
processo da Educação ambiental deve proporcionar, entre outras coisas, a construção
de valores e aquisição de conhecimentos, atitudes e habilidades voltadas “para a
participação responsável na gestão ambiental”. Tanner (1978) considera que ela busca
ensinar os educandos a serem “cidadãos ativos numa democracia”. Já Leonardi (1977)
esclarece que de fato, em vários e importantes documentos internacionais enfatiza-se a
importância da educação ambiental, entre outros motivos, “pela sua relação com o
exercício da cidadania, o que demonstra seu compromisso original com a formação da
cultura democrática”. Destarte, a abordagem que fazemos aqui é a da educação para a
gestão ambiental.
A partir dessa ótica capilarizada de gestão ambiental, é que se pretende analisar
a participação pública na elaboração de uma proposta governamental de gestão do
Pantanal de Mato Grosso. Para isso serão utilizados o Estudo de Caso como
metodologia central para coleta de dados e da “Stakeholders Analysis” (GRIMBLE e
CHAN M, 1995) para sua respectiva análise.
O objetivo geral dessa dissertação é o de contextualizar a participação pública na
elaboração de políticas públicas estatais no Brasil, a partir de um Estudo de Caso. Os
objetivos específicos foram: apresentar a partir da materialidade histórica como foram
elaborados os marcos regulatórios no Brasil, em especial os regulamentos ambientais;
e a partir do estudo de caso: Identificar quais os grupos de interesse atuaram na
elaboração das Leis de Gestão e de Redelimitação do Pantanal; em qual fase cada
grupo atuou; quais as demandas por eles apresentadas; e quais foram contempladas.
No capítulo um é feita uma contextualização crítica sobre a história de formação;
ocupação; reocupação “invasão”; e a configuração atual do Pantanal Mato-grossense.
A Bacia do Alto Paraguai foi considerada um Coliseu, e a área alagável do Pantanal
sua arena. Dois foram os motivos que impulsionaram a fazer essa consideração, o
18
primeiro diz respeito aos conflitos existentes nessa região, serão verificados a partir das
demandas apresentadas por cada grupo que os conflitos, ora identificados, são sócioambientais e refletem o modo de ocupação desse território; o segundo diz respeito à
forma física da Bacia do Alto Paraguai, onde a área alagável do pantanal representa
sua arena. Este capítulo apresenta a área de estudo a partir de uma visão
multidisciplinar, evidenciando a importância da elaboração de Políticas Públicas, e
neste caso as Leis de Gestão e de redelimitação que verdadeiramente representem os
anseios das maiorias populares.
O capítulo dois traz uma narração histórica da construção dos Marcos
Regulatórios no Brasil, apresenta também os principais aspectos sobre a história da
construção da legislação ambiental pátria, essa retrospectiva busca comentar como a
população brasileira não foi oportunizada, diferentemente de outras civilizações, a
participar efetivamente da elaboração de suas leis; após isso faz um resgate da
legislação aplicada à tutela, internacional, nacional e estadual do Pantanal de Mato
Grosso.
O capítulo três retrata a participação popular na elaboração das Leis de Gestão e
de redelimitação do Pantanal, como elemento educativo na formação da democracia
participativa. Aborda os aspectos teóricos, relacionados aos Stakeholders, às Políticas
Públicas, e aos conflitos sócio-ambientais. Também introduz a discussão relativa aos
mecanismos de participação popular, em especial às audiências públicas, discutindo
sua função enquanto espaço de legitimação dos interesses do Estado/Mercado.
O quarto capítulo narra como ocorreu à participação de diversos grupos na
construção das minutas de Lei que tramitaram na Assembléia Legislativa do Estado de
Mato Grosso. Retrata a partir da “Stakeholder Analysis” os Grupos de Interesse que
estiveram envolvidos na elaboração das Leis, em comento. Abordando cada uma das
etapas propostas para a análise dos dados coletados no Estudo de Caso,
demonstrando também a partir da Lei sancionada pelo executivo estadual quais foram
as demandas contempladas.
19
No capitulo cinco é feita uma análise doutrinária da Lei Estadual 8.830 de 21 de
janeiro 2008. Além de contextualizá-la dentro do ordenamento jurídico pátrio, apresenta
de forma sistemática o entendimento do magistério jurídico pátrio sobre os institutos,
princípios, diretrizes, etc. apresentados na legislação ora sancionada pelo Governador
Blairo Maggi.
20
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA GERAL
AGUIAR, R.A.R. O que é Justiça. Uma abordagem dialética. 2ª ed. Editora Alfa –
Omega. São Paulo, 1987.
GRIMBLE, R. J.; CHAN, M-K. Stakeholder analysis for natural resource management in
developing countries. Natural Resources Forum, v.19, n.2, p.113-124, mai. 1995.
_____________. ; CHAN, M-K.; AGLIONOBY, J.; QUAN, J. Trees and trade-offs: a
stakeholder approach to natural resource management. London: International Institute for
Environment and Developmet, 1995. (IIED Gatekeeper Series 52).
LEONARDI, M.L.A. Educação ambiental e teorias econômicas: primeiras
aproximações. In: ROMEIRO, A. R.; REUDON, B. Ph. e LEONARDI, M.L. (orgs.)
Economia do Meio Ambiete: Teoria, políticas e a gestão de espaços regionais.
Campinas: Embrapa/Unicamp, 1997.
TANNER, R.T. Educação Ambiental. São Paulo: Summus/ Edusp, 1978.
VINCENT, A. Ideologias políticas modernas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
21
I O PANTANAL – UM ANFITEATRO NO CENTRO DA AMÉRICA DO SUL
Que é mesmo a minha neutralidade se não a maneira
cômoda talvez, mas hipócrita, de esconder
minha opção ou meu medo de acusar a injustiça?
Paulo Freire (1996)
Resumo: O Bioma Pantaneiro constitui a maior extensão de áreas úmidas contínuas do planeta
e está localizado no centro da América do Sul, na Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai. Sua área
é de 138.183 km², com 65% de seu território no Estado de Mato Grosso do Sul e 35% no Mato
Grosso. Constituído por várias unidades de paisagem que compõem um conjunto de habitats,
com funções múltiplas e complexas. Por sua importância, enquanto santuário ecológico, o
pantanal foi alçado à categoria de patrimônio nacional, pela Constituição de 1988, que
estabeleceu a necessidade de leis específicas para proteção dessas áreas e garantia de que a
utilização das mesmas assegure a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos
recursos naturais (art. 225 § 4º). A partir do Levantamento documental e da pesquisa
Bibliográfica propôs-se nesse capítulo apresentar a área de estudo, a partir de uma perspectiva
multidisciplinar, abordando os aspectos de sua formação, ocupação e reocupação “invasão”, e
um relato da configuração atual da região. È evidente a histórica forma espoliadora com que
grandes grupos econômicos expulsaram os primeiros moradores da região, é possível observar
também a partir do magistério consultado que este Bioma precisa urgentemente ser tutelado
pelo Estado, a partir de um Marco Regulatório que contemple as demandas dos diversos
grupos residentes neste região, não de uma minoria que ocupa o poder estatal.
Palavras Chave: Pantanal Mato-grossense, Formação, Ocupação “Invasão”, Configuração
Atual.
Abstract: The Pantanal – An Amphitheatre In The Centre Of The South America. The
Pantaneiro Biomass constitutes the biggest extension of wet continuous areas of the planet and
is located in the centre of the South America, in the Hydrological basin of Alto Paraguai. Its area
is 138.183 km ², with 65 % of its territory in the State of Mato Grosso of the South and 35 % in
the Mato Grosso. Constituted by several unities of scenery that compose a set of habitats, with
multiple and complex functions. For its importance, while ecological sanctuary, the Pantanal was
lifted to the category of national inheritage, by the Constitution of 1988, which established the
necessity of special laws for protection of these areas and guarantee of that the use of same
secures the preservation of the environment, even as for the use of the natural resources (art.
225 § 4º). From the documentary Lifting and of the Bibliographical inquiry it was proposed in this
chapter to present the area of study, from a multidisciplinal perspective, boarding the aspects of
its formation, occupation and reoccupation “ invasion “, and a report of the current configuration
of the region. It is obvious the historical spoiler form with which great economical groups
expelled the first residents of the region, it is possible to observe also from the teaching
consulted that this Bioma needs urgently to be protected by the State, from a Regulator
Landmark that contemplates the demands of several resident groups in this region, not of a
minority that occupies the state-owned power.
Key words: Pantanal of Mato Grosso, Formation, Occupation “ Invasion “, Current
Configuration.
22
Introdução.
Este capítulo tem como objetivo apresentar a área de estudo, a partir de uma
perspectiva multidisciplinar, abordando os aspectos de sua formação, ocupação e
reocupação “invasão”, e um relato da configuração atual da região.
Como esta dissertação se debruça sobre a análise de um conflito sócioambiental, é importante entender os aspectos políticos-sociais, geográficos e históricos,
que circundam a região.
1.1 Aspectos Históricos e Físicos do Pantanal Mato-grossense
A área de estudo conhecida hodiernamente como Pantanal, durante séculos
chamado de lagoa de Xarayes1, é uma região de onde emana beleza e diversidade.
Nas palavras de Costa (1999) essa imensa planície inundável foi espaço privilegiado
para sonhos concebidos sobre uma realidade desconhecida, sendo descrita durante
séculos, como a Fabulosa laguna de los Xarayes, lugar onde derramavam águas do
grande rio Paraguai. Este mito geográfico resistiu até meados do século XVIII. Durante
este tempo, Xarayes foi uma imagem constante nos relatos dos mapas dos europeus.
A autora afirma que:
"No horizonte histórico, portanto, o Pantanal aparece como uma invenção luso brasileira tendo sua origem em meados do século XVIII. Sua primeira definição
foi encontrada num texto de 1727: "Pantanal chamam os Cuiabanos a umas
vargens muito dilatadas, que começando no meio do Taquari, vão acabar quase
junto ao mesmo rio Cuiabá". Trata-se, portanto, de uma denominação dada pelos
mamelucos paulistas que durante o século XVIII percorriam a região com suas
Monções. Estes, ao dominarem o espaço, dominaram também sua imagem
constitutiva.
Pontua ainda que:
“Durante alguns anos, a castelhana Laguna de los Xarayes convive com o lusobrasileiro Pantanal. Porém, pouco a pouco, essas imagens acoplam-se, e os
1
Os Xarayes eram um povo indígena que habitavam as margens do rio Paraguai.
23
campos alagados pantaneiros se sobrepõem à secular e fabulosa lagoa. Em
seguida, o mistério é desfeito. Em meados do século XVIII, os demarcadores de
limites, com seus saberes ilustrados, despiram-na das maravilhas quinhentistas e
a dimensionaram como espaço geograficamente determinado. A famosa lagoa
passou então a ser nada mais que o rio Paraguai espraiado. “Este rio, não
podendo conter todas estas águas no seu leito, as estende de um lado a outro,
porque o país é horizontal”, resumiu o demarcador Félix de Azara”.
Por que a metáfora do Anfiteatro? Os anfiteatros são arenas ovais ou circulares
rodeadas de degraus a céu aberto. Na Roma Antiga foram adaptados dos teatros
gregos para servirem aos combates de gladiadores, de animais selvagens e demais
diversões públicas. Podiam ser até cheios d’água (alguns deles) para espetáculos de
combates navais2. O mais conhecido e maior deles é o Coliseu Romano. Afastando
pelo menos neste capítulo, qualquer conotação beligerante o conceito de Anfiteatro
aplicado ao Pantanal, evoca apenas sua disposição geográfica e geomorfológica.
Esta arena está circundada ao norte pelas Serras dos Parecis, Azul e do
Roncador (chapadas mato-grossenses); a leste, no Planalto Central (Planalto
Brasileiro), com a Serra de Maracajú, ao sul pela Serra de Bodoquena e, a oeste, pelos
chacos paraguaio e boliviano.
O Pantanal é constituído por várias fitofisionomias (unidades de paisagem) que
compõem um conjunto de hábitats. Dentro deste conjunto de hábitats, existem vários
tipos que embora
de tamanho reduzido, constituem ambientes chaves para a
manutenção biológica do sistema, tais como capões (ilhas circulares de matas mais
elevada que a planície inundável), cordilheiras (cordões arenosos com altura de 1 a 3 m
acima da planície alagável, coberta por vegetação de cerrado, cerradão e mata), lagoas
permanentes (baías), corixos, vazantes, ninhais, etc. As funções destes hábitats são
múltiplas e complexas (JUNK e DA SILVA, 1997).
A literatura traz diversas propostas de delimitação da área do Pantanal, entre
elas estão: Silva e Abdom (1998) propõem que os estudos fisiográficos do Pantanal
2
O’ Reilly A. J. Os Mártires do Coliseu. Casa Publicadora das Assembléias de Deus (CPAD),2005.
24
podem ser separados em dois grupos: um, de acordo com Sanchez (1977), Brasil
(1979) e Adámoli (1982), associados ao Estudo de Desenvolvimento Integrado da Bacia
do Alto Paraguai (EDIBAP); e outro, de acordo com Franco & Pinheiro (1982), et al.
(1982, 1984) e Amaral Filho (1986), associados ao Projeto RADAMBRASIL. Os autores
discutem que as delimitações adotadas por esses autores são as mais consistentes, por
usarem diferentes parâmetros físicos e bióticos de grande importância no Pantanal,
como feições de relevo, drenagem, solos e vegetação, por meio de produtos de
sensoriamento remoto de grande potencialidade, conforme a Tabela 01.
Os autores também ponderam que a consistência e o detalhamento do
mapeamento é proporcional à importância e ao número de fatores utilizados na
delimitação, uma vez que o simples fato de atribuir importância maior ou menor a
determinado critério ou, ainda, a um único elemento fisiográfico provoca alterações nos
níveis de detalhes e contornos obtidos.
O Projeto Radambrasil (1982), dada a enorme região abrangida, dividiu o
Pantanal em 10 pantanais. São eles: Pantanal do Corixo Grande Jauru – Paraguai;
Pantanal do Cuiabá – Bento Gomes – Paraguaizinho; Pantanal do Itiquira – São
Lourenço – Cuiabá; Pantanal de Paraguai; Pantanal do Taquari; Pantanal do negro;
Pantanal do Miranda – Aquidauana; Pantanal do Jacaligo – Nabileque; Pantanal do
Tarumã-Jibóia, do Aquidabã e do Brando-Amonniquijá e Pantanal do Apa.
Silva e Abdon (1998) organizaram todos os trabalhos que versam sobre o tema
em uma tabela que resume as propostas de delimitação da região, (Tabela 01).
25
Tabela 01 - Estudos relacionados com a delimitação fisiográfica do Pantanal.
Autor
Critérios adotados
Material utilizado
Stefan
(1964)
Não especificado
Não especificado
Brasil
(1974)
Curvas de níveis(200
m) e Aspectos
geomorfológicos
Geomorfológico,
hidrológico e
fluviomorfológico
Geomorfológico,
hidrológico
e fluviomorfológico
Sanchez
(1977)
Brasil
(1979)
Franco &
Pinheiro
(1982),
Alvarenga
et al.
(1982)
Adámoli
(1982)
Geomorfológico,
fatores
morfogenéticos e
cartas topográficas
(altimetria relativa,
litologia e pedologia)
Fitogeográfico e
hidrológico
Alvarenga
et al.
(1984)
Geomorfológico e
aspectos
estruturais
topográficos,
hidrológicos,
morfológicos,
pedológicos e de
estrutura vegetal
Amaral
Filho
(1986)
Pedológico e
hidrológico
SILVA e
ABDON
(1998)*
Inundação, relevo, solo
e vegetação.
Nº de
subregiões
Não
analisado
Área
(km2)
Cartas topográficas na escala
de 1:250.000 e fotografias
aéreas
1:250.000 e cartas
topográficas
na escala de 1:100.000
Imagens de Radar na escala
de 1:250.000 e cartas
topográficas
na escala de 1:100.000
Imagens de Radar na escala
de 1:250.000
Não
analisado
168.000
17
15
Não
quantifica
da
139.111
13
136.738
Estudos anteriores EDIBAP.
Imagens do LANDSAT-MSS
nas escalas de 1:250.000 e
1:1.000.000
Imagens de Radar na escala
de 1:250.000. Imagens de
LANDSAT-MSS nas escalas
de 1:500.000 e 1:1.000.000
10
139.111
12
133.465
Estudos anteriores
(RADAMBRASIL) e imagens
de Radar na escala de
1:250.000
Estudos anteriores, GPS,
mapas municipais estatísticos,
cartas topográficas e imagens
coloridas do satélite Landsat 5
TM, ambos na escala de
1:250.000, apoiados em
trabalhos de campo.
6 regimes
de
inundação
153.000
11
138.183
156.298
Fonte: Silva e Abdom (1998).
* Esta citação foi acrescentada na Tabela, tendo em vista ser a proposta de delimitação dos autores.
26
A diversidade de estudos reflete a dificuldade de se delimitar a área do Pantanal,
o que tem sido objeto de discussão dos grupos de interesses na elaboração da Lei de
uma lei de gestão para o Pantanal de Mato Grosso, que ora propõe-se contextualizar a
participação dos grupos sociais em sua elaboração.
A bacia hidrográfica do rio Paraguai abrange uma área de 1.095.000 km²,
estando 34% no Brasil e o restante no Paraguai, na Bolívia e na Argentina. O rio
desenvolve-se por 2.550 km, desde a nascente, no Brasil, até a foz, na Argentina.
Silva e Abdom consideram que a Bacia do Alto Paraguai (BAP) no Brasil ocupa
uma área de 361.666 km² e o Pantanal no Brasil, uma área de 138.183 km². Neste
sentido também Junk e Da Silva e Diegues (1996) estipulam que o Pantanal é uma das
maiores áreas alagáveis do Mundo com cerca de 140.000 km².
Conforme observado, as estimativas mais recentes da área alagável variam de
acordo com os critérios adotados pelos diferentes autores, dentro dos limites de
133.000 e 168.000 quilômetros quadrados.
No contexto dos domínios morfoclimáticos sul-americanos, o Pantanal pode ser
considerado como uma região de transição entre os domínios do Cerrado, da
Amazônia, do Chaco e da Floresta Atlântica (AB’SABER, 1983).
O Pantanal está submetido a variabilidades climáticas interanual, com
alternância de estações chuvosa e de seca, no período anual, e plurianual
com
alternância de ciclos de anos muitos chuvosos ou relativamente secos (ADÁMOLI,
1986). Ressaltada essa característica o clima pode ser classificado como tropical semiúmido com temperatura média anual de 25°C e precipitação anual média de 1100 mm
concentrados durante a estação chuvosa de Outubro a Março (ALHO et al. 1988). O
alagamento atinge aproximadamente 70% da planície pantaneira e, dependendo da
localização e elevação, se encerra entre 3 e 9 meses (WADE, 1996).
27
No pantanal as inundações periódicas resultam em mudanças drásticas das
condições ambientais dos hábitats. Da Silva e Junk (1999) afirmam que durante um
ciclo hidrológico, o mesmo local pode passar de uma área seca sujeita a estresse por
falta de água para uma área úmida com solo encharcado, para um lago raso e até
mesmo para um lago de alguns metros de profundidade. Os autores afirmam ainda que
no pantanal o pulso de inundação é relativamente previsível e corresponde a um ciclo
hidrológico anual. Neste bioma as plantas e animais são adaptados às enchentes e
secas anuais.
Além da inundação, outros fatores como a complexa rede de drenagem,
contribuem com a diversidade de habitats no pantanal, resultando em diferentes
Pantanais. A região do Pantanal contém características de quatro tipos de vegetações
preliminares: a floresta amazônica, o cerrado do Planalto Central brasileiro, a vegetação
árida do chaco boliviano e argentino e a mata atlântica (ADÁMOLI, 1981). Um
levantamento aéreo realizado sobre o Pantanal brasileiro identificou 16 fisionomias
vegetais diferentes, sendo as mais abundantes: campos (31%), cerradão (22%),
cerrado (14%), pântano (7%), floresta semidecidual (4%), mata de galeria e vegetação
flutuante (2 e 4% cada), (SILVA et al. 2000).
Sabe-se que são poucas as espécies endêmicas do Pantanal, no entanto as
suas terras inundáveis são essenciais para a reprodução de algumas espécies
ameaçadas de extinção.
As práticas sociais e a economia do Pantanal estão condicionadas, pelo menos
em sua maioria, a este sistema de inundações, sendo que animais e seres humanos
dependem direta ou indiretamente da estabilidade deste sistema; por isso mesmo as
políticas, planos, programas e projetos, que se pretendem implementar nessa região
devem considerar esta particularidade do Complexo do Pantanal.
28
Barros Netto (1979), afirma que a característica de desenvolvimento do Pantanal
sempre esteve limitada pelas condições de viabilidade do meio e não por causa da
incapacidade ou do desinteresse dos pantaneiros. O autor pontua que:
“O desenvolvimento dessa região deve ser baseado em tecnologias criadas no
próprio Pantanal, o que nós chamamos de modelo endógeno de apropriação dos
bens naturais, exemplifica ainda que alguns fazendeiros tiveram fracassos ao
tentar utilizar tecnologias que não levaram em conta as condições ecológicas
locais”.
Esse anfiteatro cercado por um grande complexo de serras, além de seus
aspectos físicos, também é lar de uma grande variedade de peixes, aves, répteis,
mamíferos, entre outras espécies, desse modo é um ambiente de pluralidades, de
representações, onde todos, desde as rochas, são moldados pelos movimentos das
águas.
1.2 Histórico da Formação, Ocupação e Re-ocupação (Invasão) do Pantanal.
1.2.1 A Formação do Anfiteatro
O objetivo do texto nesse ponto é o de contextualizar a ocupação inicial da
região pantaneira, demonstrando a partir do recorte teórico proposto por Ab Saber
(1988) além de sua formação e como se deu o povoamento, contextualizando também
como se deu a invasão realizada pelos bandeirantes.
Oliveira (1996) contextualizando Ab Saber (1988) afirma que ao discutir a teoria
dos refúgios aplicada ao contexto ambiental do Pantanal, o autor apresenta aportes
significativos para o conhecimento da história quaternária das sociedades indígenas
que ocuparam a região pantaneira, especialmente durante o período anterior à
conquista ibérica da bacia platina.
29
A teoria dos refúgios proposta em 1969 pelo alemão Jürgen Haffer, foi
primeiramente empregada no caso brasileiro pelos professores Aziz Ab’Sáber e Paulo
Vanzolini.
A luz desse aporte teórico, no período mais frio e seco entre 2 milhões e 10 mil
anos atrás (no período geológico Pleistoceno), a floresta amazônica teria encolhido,
deixando apenas um agrupamento de manchas de mata cerrada, os refúgios,
separadas por extensas áreas de vegetação mais rala, como cerrados ou savanas.
Em um amplo trabalho sobre a origem do Pantanal Mato-grossense Ab Saber
(1988), desenvolveu a idéia de que o que hoje é uma depressão teria sido no passado
uma vasta abóbada de escudo, que funcionava como área de fornecimento detrítico
para as bacias sedimentares do Grupo Bauru (Alto Paraná) e Parecis.
Com respeito à história de formação dessa região Godói Filho (1986) afirma que
sua evolução pretérita, atual e futura está submetida às condições das áreas elevadas
que o rodeiam, pois estas constituem sua fonte de água e sedimentos.
1.2.2 A Ocupação - Os primeiros atores.
A configuração do espaço organizado na região da bacia do Alto Paraguai
materializa formas espaciais que são resultados de vários momentos históricos
referidos ao processo de ocupação e invasão da região. O inicio de seu povoamento
remonta ao século XVI e continua até os dias atuais.
Estudos contemporâneos indicam que no século XVI a população indígena em
território brasileiro estivesse entre 2 e 4 milhões de pessoas pertencentes a mais de
1.000 povos diferentes3. Outras estimativas indicam que nesse mesmo período cerca
de 1.200 línguas eram faladas no Brasil. Atualmente a população remanescente em
3
Dados retirados do sitio do Instituto Sócio Ambiental (ISA): www. http://www.socioambiental.org/ em
junho de 2007.
30
áreas indígenas é estimada entre 350.000 e 500.000 pessoas, distribuídas em diversos
grupos.
Contextualizando a gênese da ocupação do Pantanal Costa (1999) comenta que
a imensa planície inundável situada no interior da América do Sul, hoje denominada
Pantanal, foi transformada em terras pertencentes à coroa espanhola pelo Tratado de
Tordesilhas, no final do Século XV, todavia originalmente era território de diversas
nações e povos indígenas, entre outros, dos Guarani, Payaguá, Guaxarapos e Xarayes.
Os primeiros grupos humanos (populações acerâmicas) que chegaram à região
ocuparam terraços, diques lacustres, diques fluviais e planícies lacustres próximas a
morrarias, entre 8.000 e 3.000 anos A. P4. Oliveira (1998) enfatiza que:
“Logo após, talvez em função de um aumento demográfico associado a
mudanças ecológicas e a um maior conhecimento dos ecossistemas que
ocorrem no Pantanal, estes povos ocuparam com maior intensidade áreas de
topografia bastante plana que sofrem um maior grau de inundação, como a subregião do Abobral. Isso provavelmente aconteceu a partir de 3.000 anos A. P.
quando já dominavam a tecnologia de fabricação de recipientes cerâmicos”.
Para maior aprofundamento do tema o autor sugere a consulta de vários outros
estudos de caráter etnológico e etnoistórico que também auxiliam a compreender a
complexidade que envolve a ocupação indígena do Pantanal, são elas: Carvalho
(1992), Kersten (1968), Métraux (1963), Nimuendajú (1981), Susnik (1972 e 1978) e
Schuch (1995); mencionando também que existem diversos outros autores que
apontam que em tempos coloniais o Pantanal foi fortemente ocupado por populações
lingüisticamente Arawak, Guaicuru, Macro-Jê (e Jê), Tupi-Guarani e Zamuco.
4
"AP" equivale à sigla inglesa "BP", "before present". Está sendo utilizada neste texto, pois é a forma de
datação do autor consultado.
31
1.2.3 A Reocupação – A Invasão da Arena.
O processo de colonização das Américas foi marcado pelo derramamento de
sangue de muitas etnias indígenas, pela destruição da cultura de muitos povos.
Siqueira (2002) afirma que:
“Tanto o processo de colonização português quanto espanhol teve por base a
conquista, nesse sentido, para se apossarem dos territórios americanos, os
europeus utilizaram muita violência, decorrendo uma dizimação em massa dos
habitantes indígenas”.
A autora continua, demonstrando que o massacre teve início no litoral brasileiro,
parte habitada primeiramente pelos colonizadores. Mais tarde, com os avanços
bandeirantes para o Oeste e Norte, foram encontradas as etnias indígenas que
habitavam os territórios que compõem os atuais Estados de Minas Gerais, Goiás, Mato
Grosso, Pará, Maranhão e Amazonas.
Com respeito à região pantaneira, os primeiros homens brancos chegaram em
1524, quando ocorreu a primeira expedição de reconhecimento da região. Subindo o rio
Paraguai, chegaram até a barra do rio Miranda, no atual estado de Mato Grosso do Sul.
Pelo Tratado de Tordesilhas, o Pantanal pertencia aos espanhóis. Estes se depararam
com um território alagado e ocupado por sociedades indígenas, Guarani em sua
maioria. Contudo, com as descobertas das minas de ouro e prata no Peru e no México,
a colonização da região pantaneira não foi prioridade naquele instante.
Oliveira (1996) afirma que na primeira metade do século XVI, o Pantanal
representava uma importante área no contexto cultural da América do Sul,
configurando-se com verdadeiro Mosaico étnico-linguistico-cultural no centro do
continente, o autor considera que:
“Muitos Grupos estavam estabelecidos na região, cada qual em seu ambiente
distinto: as áreas inundáveis eram os domínios dos canoeiros, como os guatós; e
as áreas mais elevadas, como é o caso do maciço do Urucum, estavam
ocupadas por grupos de horticultores, entre eles os guaranis”.
32
Para Costa (1999) e Por et al. (2003) A ocupação do Pantanal foi realizada pelos
bandeirantes paulistas em busca de pedras, metais preciosos e indígenas. Entre os
nomes de alguns navegadores destacam-se Juan de Solis e Sebastian Caboto. Costa
afirma que muitos nobres e aventureiros montaram expedições e lançaram à busca de
lugares fabulosos, dando início à conquista desta parte sul das Índias castelhanas.
Poeticamente a autora afirma que:
“Guerras, fome e sonhos misturaram-se, compondo o cotidiano dos homens
envolvidos nessa empresa. Cidades foram nascendo. De Assunção passaram a
sair os conquistadores, sempre pelo rio Paraguai acima, à procura das contadas
riqueza. Nessas entradas começaram a descobrir um lugar intensamente
aquático, nomeando lagos, rios, baias, montes e portos. Em sua procura
encontraram Xarayes, lugar de grandes águas entrecortadas por muitos rios e
habitado por milhares de índios, (...) Sonhos de riquezas marcam desde o inicio a
conquista da região da bacia do alto Paraguai. Certezas de riqueza marcam a
presença dos primeiros viajantes. Sonhos e certezas levaram a morte muitos
deles; riquezas e mortes alternaram-se nas entradas das terras aquáticas do
Pantanal”.
O inicio do século XVIII, com a descoberta de ouro em Cuiabá, foi um período de
grande atração populacional para a região. No entorno das minas estabeleceram-se
engenhos de cana, lavoura e pecuária, que contribuíram para a ocupação do território.
Além de atrair um contingente populacional, esse período marcou o início de um
período de sangrentos conflitos entre bandeirantes e os povos tradicionais da região: as
comunidades Bororo, Paiaguá (os índios canoeiros, hoje já extintos), Guató (atualmente
ocupantes da Ilha Insua, Mato Grosso do Sul), Guaikuru (ascendentes dos Kadiweo),
entre outros.
Estas comunidades resistiram à invasão de seus territórios, (a Leste a pressão
lusitana, a Oeste, a espanhola), constituindo um sério entrave à colonização; algumas
sociedades foram levadas à extinção e outras, empurradas para regiões mais interiores,
rumo às áreas de menor interesse econômico. Por fim as minas se esgotaram no
século XIX e a região ficou abandonada por longo tempo. (POR et. al. 2003)
33
Já quanto às atividades industriais pioneiras que se instalaram no Pantanal,
estavam relacionadas à pecuária. Em meados do século XIX instalou-se na Fazenda
Descalvados, às margens do rio Paraguai, em Cáceres, uma fábrica de extrato e caldo
de carne, utilizando-se, inclusive, a mão-de-obra indígena. Na Fazenda Barranco
Vermelho, na mesma cidade e às margens do rio Paraguai, existiu um curtume e uma
fábrica de beneficiamento de chifres para a fabricação de guampas. Não obstante ser
uma área onde predominavam os latifúndios voltados ora para a pecuária, ora para a
cana-de-açúcar, existiam no pantanal, espaços ocupados por pequenas comunidades
camponesas, quilombolas e indígenas, as quais podiam ali desenvolver a lavoura, a
caça e a pesca artesanal, além da fabricação da rapadura e da farinha.
A concessão das sesmarias5, e a conseqüente ocupação do espaço garantiram o
alargamento das fronteiras do império português. Correa Filho (1946), afirma que as
grandes quantidades de terras concedidas na região pantaneira tinham sua extensão
relativamente diminuída em virtude do alagamento periódico de grande parte das
propriedades. Para Castro (2001) as terras de sesmarias não deram origem somente a
latifúndios, mas também se constituíram em terras de usufruto comum, com regras de
acesso ligadas a relações de parentesco, inseridas em uma lógica econômica com
códigos costumeiros bem definidos.
Dessa forma, grande parte das terras do pantanal foram distribuídas com o
parcelamento das antigas sesmarias em virtude das partilhas hereditárias e com a
incorporação da região aos grandes projetos de desenvolvimento, a propriedade rural
foi super valorizada. Conseqüentemente ocorreu um aumento dos conflitos fundiários,
com a expulsão das comunidades humanas tradicionais para as áreas ribeirinhas. Este
processo redundou na ampliação dos latifúndios no Pantanal, reduzindo as alternativas
5
A Sesmaria é um instituto jurídico português, a primeira Lei Sesmarial data de 26 de junho de 1375,
durante o reinado do português D. Fernando. No Brasil as sesmarias eram propriedades que variavam
muito em medida, podendo atingir de 3 a mais de 100 léguas de extensão. Considerando a abundância
de terras na colônia brasileira, o rei de Portugal era bastante benevolente em suas concessões. O
sistema sesmarial perdurou no Brasil até 17 de julho de 1822, quando a Resolução 76, atribuída a José
Bonifácio de Andrade e Silva, pôs termo a esse regime de apropriação de terras. A partir daí a posse
passou a campear livremente no país, estendendo-se essa situação até a promulgação da lei de terras,
que reconheceu as sesmarias antigas, ratificou formalmente o regime das posses, e instituiu a compra
como a única forma de obtenção de terras.
34
de subsistência dessa população, trazendo o empobrecimento e a dependência da
pesca para a sobrevivência.
Galeano (1990) analisando as conseqüências da expansão do latifúndio na
América Latina afirma que em vez de absorver mão de obra, o latifúndio a expulsou e a
expulsa: em quarenta anos, a proporção de trabalhadores do campo na América Latina
caiu de 63% para 40%. Citando Maza Zavala, o autor enfatiza que o latifúndio multiplica
os famintos, mas não os pães, assinalando que nunca faltarão burocratas dispostos a
afirmar, aplicando mecanicamente receitas feitas, que isto é um índice de progresso: a
urbanização
acelerada,
a
migração
maciça
da
população
camponesa.
Os
desempregados, que o sistema vomita sem parar, afluem, de fato, para as cidades e
ampliam seus subúrbios.
Considerações Finais
A perda das raízes e da identidade é muito ligada à perda
de uma relação com o meio Ambiente.
Jean Pierre Leroy.
O pantaneiro representa uma grande porção da população brasileira, carinhosa,
receptiva, acanhada, pacífica. Entre outras estas são algumas das características do
pantaneiro que encontramos no cotidiano do mover das águas no pantanal.
O pantaneiro assimilou hábitos indígenas, paraguaios, bolivianos e de outros
povos que lá se estabeleceram, e da fusão de vários costumes e da convivência direta
com a natureza, surgiu uma cultura típica, que se evidencia nas práticas econômicas,
no folclore e na própria filosofia de vida do pantaneiro (MAGALHÃES, 1992).
Compreendem os pescadores, vaqueiros, peões, capatazes, índios, garimpeiros,
donos de fazendas. Diegues (2000) afirma que são fruto da miscigenação das tribos
indígenas, colonizadores vindos do sudeste, e dos escravos negros. As atividades
desses homens e mulheres são marcadas pelo contraste entre os períodos de estiagem
e das cheias. Dentro deste trabalho consideraremos como Pantaneiro todo esse
35
conjunto de homens e mulheres que vivem no pantanal, porém, sem pretender esgotar
as características possíveis, Pantaneiro Tradicional, para nós é somente aquele que
tem seu modo de vida diferente do modo de vida imposto pelo mercado, que não lança
mão da exploração da mão de obra alheia, que reconhece a importância da
conservação da biodiversidade pantaneira, e que utiliza os modos sustentáveis de
utilização dos bens ambiental.
As comunidades tradicionais ribeirinhas da Bacia do Alto Paraguai vivem em um
ambiente que é moldado pelo movimento das águas. Cada fase deste movimento –
enchente, cheia, vazante e estiagem – tem suas características próprias e traz para
aqueles que lá vivem um modo de pensar, sentir, olhar e agir único que, portanto,
devem ser considerados quando políticas de manejo e conservação desta bacia são
propostas (DA SILVA & SILVA, 1995).
O pantaneiro considera o Pantanal o seu lar, seu espaço de descanso, de
sobrevivência, por fim seu território, sendo o território entendido como o espaço de
reprodução econômica das relações sociais, e também o locus das representações
mentais e do imaginário mitológico dessas sociedades (DIEGUES e ARRUDA, 2001).
Nessa acepção, os autores consideram que a íntima relação do homem com o meio e
sua dependência maior com o mundo natural, comparada à do homem urbanoindustrial, faz que ciclos da natureza (a sazonalidade de recursos, a abundância nas
rochas) sejam associados às explicações míticas ou religiosas. As representações
simbólicas que essas populações fazem dos diversos habitats em que vivem, também
dependem de um maior ou menor controle que dispõe sobre o meio físico.
Dessa forma, a cultura pantaneira, chamada por Diegues (2002) de “cultura
tradicional pantaneira”, se expressa através de diversos grupos locais, como peões de
gado, os fazendeiros, os coureiros, os pescadores, os garimpeiros e os machadeiros.
36
Cabe assinalar que parte significativa dos povos que ocupam o Pantanal integra
as comunidades tradicionais6. Nesse sentido Diegues (2000), comentando sobre os
sistemas tradicionais de manejo praticados pelas comunidades tradicionais, exemplo
das quais estão inseridos parte dos povos pantaneiros, não são somente formas de
exploração econômica dos recursos naturais, mas revelam a existência de um
complexo de conhecimentos adquiridos pela tradição herdada dos mais velhos, de
mitos e símbolos que levam à manutenção e ao uso sustentado dos ecossistemas
naturais.
Destarte, essas comunidades desenvolveram um modelo de apropriação dos
bens naturais diferente do modelo imposto hodiernamente pelo mercado. Eles
desenvolveram
técnicas
de
obtenção
de
alimentos
e
atendimento
demais
necessidades, de modo que a natureza não perca sua capacidade de resiliência 7. Leme
da Silva & Begossi (2004) afirmam que algumas práticas baseadas no conhecimento
ecológico tradicional são muito sofisticadas, manejam e respondem aos distúrbios,
construindo a resiliência social e econômica da comunidade.
Os povos e comunidades tradicionais vêm sendo estudados ao longo dos anos
por pesquisadores das universidades presentes no estado. Estes estudos têm sido
desenvolvidos desde a divulgação dos trabalhos de Da Silva & Silva (1995) analisando
as estratégias de vida de pescadores e criadores de gado, no contexto do pulso de
inundação. Verifica-se também no rio Cuiabá e no Pantanal, estudos de natureza
etnobiológica contemplam ainda: relações ambientais e educativas no cotidiano da
Comunidade Ribeirinha de Porto Brandão, Pantanal de Barão de Melgaço – MT (REIS,
1996); estudos com os pescadores tradicionais da comunidade de Estirão Comprido
(PORTO, 1999); estudos etnoecológicos sobre a fauna e flora na Comunidade de
6
Ver a propósito, características dos Povos e Comunidades tradicionais, nas propostas de Diegues, nas
seguintes obras: Ecologia Humana e Planejamento Costeiros 2 ed. (NUPAUB, 2001), Etnoconservação:
novos rumos para a conservação da Natureza, organizador (NUPAUB e Hucitec, 2000), A Imagem das
Águas, organizador (NUPAUB, 2000), Comunidades Tradicionais e Manejo dos Recursos naturais da
Mata Atlântica, organizados em conjunto com o Prof. Virgílio Viana (NUPAUB , 2000) e em especial O
Mito Moderno da Natureza Intocada, 3 ed. (NUPAUB e Hucitec, 2000).
7
Berkes et al (2000) conceituam resiliência como a capacidade de se reestruturar depois de um distúrbio;
absorver o stress, internalizá-lo e transcendê-lo.
37
Miguel Velho – Santo Antônio de Leverger – MT (SILVA, 2001); percepção das
mudanças naturais e antrópicas no sistema hídrico do Rio Cuiabá na comunidade de
Sitio Santa Rita (SIMONI, 2004); análise de Stakeholder no Sistema de Baías
Chacororé-Sía Mariana, caracterizando e identificando os principais grupos de interesse
que operam neste sistema (SIMONI, 2004); e o estudo do Conhecimento Ecológico
Tradicional da Pesca pela Comunidade Cuiabá Mirim – Barão de Melgaço, Pantanal
Matogrossense, Mato Grosso (MORAIS, 2006).
A região compreende de maneira direta treze municípios, estando quatro
localizados no estado de Mato Grosso e nove localizados no Mato Grosso do Sul. Em
1980, a taxa média de urbanização dos treze municípios da região era de 60,4%
passando a 73% no ano 2000. Nota-se que ocorreu uma duplicação da população entre
os anos de 1980 e 2000, passando de 288.000 para 410.000 habitantes.
Em 2000, ocorreu um deslocamento para áreas urbanas em quase todos os
municípios. Somente Barão de Melgaço (MT) e Santo Antonio de Leverger (MT) contam
com 52,7% e 64% de sua população residindo na área rural.
Atualmente a base da economia esta alicerçada sobre cinco atividades: a pesca,
agropecuária, Extrativismo e Caça, Industria, Mineração, Turismo.
A atividade pesqueira no pantanal representa para a população local importante
papel como fonte de renda e nutrição, embora sua participação média no valor bruto da
produção agropecuária seja baixa. As estratégias de pesca variam de acordo com as
espécies, período. Quanto ao conhecimento ecológico tradicional das estratégias de
pesca, Morais (2006) estudando a Comunidade pantaneira de Cuiabá Mirim, identificou
21 estratégias de pesca no domínio cultural, no conhecimento dos pescadores da
comunidade.
Em uma abordagem da situação atual e perspectiva da pesca no Pantanal
Catella (2004), enfatiza que a pesca é a atividade econômica mais importante para 81%
38
dos pescadores profissionais artesanais, os quais, em sua grande maioria aprenderam
a pescar com o pai ou são de uma família de pescadores. Porém, o mesmo autor
aborda que retratando a desilusão com a profissão, 48% dos pescadores gostariam de
desenvolver outra atividade no lugar da pesca, alegando vários motivos como ganhar
mais, poder ficar mais tempo perto de casa ou porque “a pesca está ruim”. Por outro
lado, aproximadamente 42% dos pescadores preferem continuar na profissional,
alegando que gostam de pescar, e que essa é uma tradição familiar.
Diegues (2002) propõe que para o desenvolvimento da pesca no Mato Grosso,
aponta-se o direcionamento no sentido de promover o fortalecimento da pesca
artesanal, juntamente com a necessidade da melhoria da fiscalização na utilização dos
recursos pesqueiros.
Com respeito à agropecuária, a pecuária de corte é uma atividade que
acompanhou o homem colonizador na ocupação do território, sendo a bovinocultura a
mais importante, seguida pela suinocultura e a criação, em caráter experimental, de
bubalinos em Diamantino e Corumbá. O regime de criação se dá em sua maioria, nas
pastagens naturais na modalidade extensiva, sendo este o uso tradicional da região.
Em geral, a pecuária nessa região não apresenta tratos culturais específicos,
ocasionando degradação do solo, principalmente erosão e compactação, além de
incêndios, queimadas e desmatamentos para estabelecimento de pastagens. Na
agricultura, apesar do pequeno número de cultivos, devido principalmente às enchentes
periódicas e aos solos pouco férteis, predomina o arroz, seguido do milho, que é
produzido isolado ou associado ao feijão.
O extrativismo incide sobre algumas espécies de maior interesse, destacando-se
a cerejeira, o angico e a piuva ou castel. Quanto à caça, os órgãos ambientais
estaduais e federais do meio ambiente e organizações não governamentais, estão
envolvidos no processo de legalização, licenciamento e controle da fauna. A
fiscalização precária associada ao desconhecimento da legislação e à falta de
sensibilização sobre a valor ambiental da região, permitem que atividades predatórias
39
como a pesca e a caça ilegais sejam uma ameaça, exercendo grande pressão sobre a
fauna, principalmente nos períodos reprodutivos.
Quanto às atividades mineradoras, a descoberta do ouro marcou o inicio das
atividades deste setor; além de gerarem forte impacto visual, causam assoreamento e
modificam a trajetória dos corpos d’água, contaminando as bacias com dejetos de
diferentes
origens
e
intensificando
processos
erosivos,
com
conseqüente
descaracterização da paisagem. Diegues (2002) afirma que nos últimos anos, a
mineração tem se tornado um fator sério de ameaças às áreas úmidas brasileiras. O
autor afirma que o garimpo do ouro (associado muitas vezes ao do diamante), é ainda
comum no norte do Pantanal e tem temíveis conseqüências tanto ao ser humano
quanto as pastagens.
A indústria do turismo, atividade crescente tanto no Pantanal como também em
toda a Bacia do Alto Paraguai (BAP), apesar da grande potencialidade como fonte de
trabalho e renda, ainda não possui infra-estrutura adequada para oferecer um serviço
de qualidade, com segurança aos visitantes e conservação da biodiversidade
pantaneira.
Dados da EMBRAPA Pantanal demonstram que a remoção da vegetação,
principalmente nos planaltos onde se situam as nascentes dos rios que formam o
Pantanal, tem acelerado a destruição dos habitats, sendo a principal causa do
assoreamento dos rios na planície e da intensificação das inundações. O clima da
região sofre alterações, ocasionando o êxodo rural das populações residentes nas
áreas mais afetadas.
No que tange à diversidade da Biota pantaneira8 estima-se que existem pelo
menos 3.500 espécies de plantas, 463 de aves, 124 de mamíferos, 177 de répteis, 41
de anfíbios e 325 espécies de peixes de água doce. Esses dados refletem apenas uma
8
Dados extraídos da Conservação Internacional do Brasil, http://www.conservation.org.br/onde/pantanal/
em 02/01/2008.
40
visão geral da biodiversidade ainda pouco estudada deste patrimônio natural, que sem
dúvida nenhuma agrega além de riquezas cênicas e ecológicas, possui também um
colossal e importante banco de dados para a industria farmacêutica do Brasil.
Como se demonstrará no próximo capítulo o Pantanal tem recebido títulos dos
organismos internacionais, tendo em vista sua singularidade ecológica e sócioambiental. No que tange a riqueza da biodiversidade, a conservação deste bioma
depende da efetivação de políticas públicas que surjam a partir das aspirações locais.
Importa salientar também que a presença efetiva do Estado através do comando e
controle e por intermédio de políticas públicas sociais e educacionais, sem dúvida
resultará na efetiva proteção da região.
41
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45
II - OS MARCOS REGULATÓRIOS NO BRASIL: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA
CRÍTICA – A PROTEÇÃO JURÍDICA DO PANTANAL DE MATO GROSSO.
Uma democracia do povo, a fim de ser do
povo, começa por criar condições para que os
bens essenciais (...) possam chegar às mãos dessa
9
maioria. Roberto A. R. de Aguiar .
Resumo: O objetivo deste trabalho é contextualizar de forma panorâmica, as fases em que o
direito pátrio foi erigido, assim como demonstrar a evolução da legislação protetiva do meio
ambiente, em especial a aplicada à Proteção e Gestão do Pantanal de Mato Grosso. O
Pantanal é uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta e está localizado no
centro da América do Sul, na bacia hidrográfica do Alto Paraguai. Sua área é de 138.183 km²,
com 65% de seu território no estado de Mato Grosso do Sul e 35% no Mato Grosso. O texto foi
elaborado com base no arrolamento de dados oriundos de documentos legais e do
levantamento bibliográfico. Foi observado que apesar da grande número de dispositivos legais,
oriundos da Constituição Federal hodierna; das convenções internacionais; das resoluções e
deliberações provenientes de comissões e conselhos federais; das decisões dos tribunais; da
legislação federal e estadual, pode ser verificado que este aparato não é suficiente para
proteger este patrimônio nacional. Verifica-se ainda que além da necessidade imediata da
implementação da Legislação Estadual aprovada no Legislativo Estadual, Lei 8830 de 21/01/08,
uma legislação federal específica do Pantanal daria maior efetividade e aplicabilidade ao
dispositivo constitucional que reconhece o Pantanal Mato-Grossense como “patrimônio
nacional”.
Palavras-chave: Pantanal de Mato Grosso; Legislação Ambiental; patrimônio natural.
Abstract: The objective of this work is to contextualise in a panoramic form, the phases where
the native right was erected, as well as demonstrating the evolution of the environmental
protective legislation, in special the legislation applied to the Protection and Management of the
Pantanal of Mato Grosso. The Pantanal is one of the biggest continuous humid extensions of the
planet and is located in the center of the South America, in the hydrographic basin of Alto
Paraguai. Its area is of 138.183 km², with 65% of its territory in the state of Mato Grosso do Sul
and 35% in the Mato Grosso. The text was elaborated from the enrollment of secondary data of
legal documents and a bibliographical survey. It was observed that in spite of the great number
of legal devices, deriving of the current Federal Constitution; the international conventions; of the
resolutions and deliberations proceeding from federal commissions and advice; of the decisions
of the courts; of the federal and state legislation, it can be verified that this apparatus is not
enough to protect this natural inheritage. It is still verified that beyond the immediate necessity of
the implementation of the State legislation that was approved in Legislative the State, The Law
8830 of 21/01/08, a specific federal legislation of the Pantanal would give to greater
effectiveness and applicability to the constitutional device that recognizes the Pantanal MatoGrossense as "natural inheritage".
Key words: Pantanal of Mato Grosso; Environmental Legislation, natural inheritage.
9
AGUIAR, A. R. R. O que é Justiça. Uma abordagem Dialética. 2ª ed. Ed. Alfa-Omega, São Paulo,
1987.
46
Introdução
Tendo em vista a importância social, ecológica, e econômica o Pantanal tem
recebido importantes títulos da comunidade internacional. Neste sentido a necessidade
da regulamentação das atividades a serem empreendidas na região se acentua à
medida que o avanço do agronegócio estimula a ocupação indiscriminada tanto da área
alagável quando das áreas do entorno do Bioma.
Para tanto, só é possível compreender sensatamente os motivos pelos quais as
estruturas de Mercado influenciam diretamente implementação das Políticas Públicas
nacionais, a partir de uma revisão histórica de como os marcos regulatórios foram
instituídos no Brasil. E é com esse objetivo que este texto apresenta de forma
panorâmica, as fases em que o direito pátrio foi erigido, assim como o processo de
evolução da legislação protetiva do meio ambiente.
Neste capítulo também são apresentados os aspectos jurídicos relativos à
proteção internacional do Pantanal de Mato Grosso bem como as principais normas
federais (em vigor e em tramitação) além das leis mato-grossenses voltadas para a
gestão e proteção do Pantanal em Mato Grosso.
2.1 - A Construção dos Marcos Regulatórios no Brasil: Um breve relato.
Para compreender a construção dos marcos regulatórios do Brasil, a partir de
uma perspectiva crítica10, faz-se necessário primeiramente ter presentes as grandes
fases da história pátria, que Montoro (2000) assim a divide: a) aproximadamente
trezentos anos de Colônia de Portugal (1500 a 1815) e pouco mais de seis anos de
10
Para Zart (2004) a teoria crítica penetra nas entranhas das contradições sociais existentes tirando
delas os projetos que se caracterizam pelas configurações e formações sociais e econômicas distintas.
Dentro dessa perspectiva, temos a afirmação, da necessidade e possibilidade de transformação dos
processos, estruturas e relações que englobam o conhecimento e a sociedade. Referindo-se a educação
ambiental o autor continua pontuando que a abordagem critica é uma proposição cultural, filosófica e
educacional que tem como horizonte a contínua e constante transformação e superação dos modelos e
dos paradigmas existentes.
47
Reino Unido de Portugal, do Brasil e dos Algarves; b) setenta e sete anos de Monarquia
Constitucional Parlamentarista (1822-1889); c) quarenta anos de República Federativa
e Presidencialista, de inspiração liberal (1891 – 1930); d) mais de cinqüenta anos de
experiências revolucionárias e constitucionais com marchas e contramarchas,
marcadas pela tomada de consciência do desenvolvimento nacional.
Dentro desta abordagem histórica, a expressão “descobrimento” do Brasil não é
utilizada, tendo em vista estar carregada de eurocentrismo, além de desconsiderar a
existência dos índios antes da chegada dos portugueses. Assim sendo, parece ser mais
sensato considerar que o que ocorreu foi a “invasão” dos portugueses nas terras
brasileiras. Este fato, pelo menos oficialmente, ocorreu em 22 de abril de 1500, data
que inaugura a fase pré-colonial. Neste sentido, além dos Índios que já estavam aqui,
também contribuíram com a formação da identidade nacional os negros brutalmente
trazidos para serem escravos nas fazendas e engenhos.
Tanto índios11, brancos e negros12 e tiveram sua contribuição na formação da
cultura13 brasileira, refletindo-se isso na instituição do direito pátrio, todavia é importante
ressaltar que foram os brancos portugueses que impuseram, em especial no período
colonial, seu arcabouço jurídico. Destarte, Cristiani (2002) afirma que os elementos
formadores da cultura em geral, e do direito especificamente, no Brasil Colonial, tiveram
origem em três etnias ou raças distintas.
O autor continua afirmando que é evidente que essa formação não foi uma
justaposição em que as condições particulares de cada raça tenha sido respeitadas.
Antes, foi uma imposição dos padrões dos portugueses brancos aos índios e aos
negros.
11
Para saber mais, consultar COLAÇO, Thais Luzia. O direito indígena pré-colonial. In Wolkmer,
Antonio Carlos. Direito e Justiça na América Indígena, da conquista a colonização. Porto Alegre: Liv. do
advogado, 1998, pg. 111 – 142.
12
Verificar WOLKMER, Antonio Carlos. O direito na época do Brasil colonial. In História do Direito no
Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2000. pg. 34-91.
13
GEERTZ (1989) afirma que a cultura é pensada como sistema simbólico, claramente possível pelo
isolamento histórico de grupos humanos, expressa as relações próprias da comunidade, passando por
gerações, até caracterizar-se por um sistema integrado de ações conjuntas, identificadas por sua
ideologia, crenças, expressões, formas de ser e estar.
48
Para o jushistoriador pátrio Martins Junior (1941) os três grupos que
compuseram inicialmente nacionalidade brasileira foram – os portugueses, os negros e
os indígenas – apenas os primeiros, possuidores de uma legislação ampla e codificada,
trouxeram, nas palavras do autor “contribuição positiva para nosso direito”.
Cabe enfatizar que existiu um direito indígena pré-colonial. Apesar das
divergências doutrinárias, as comunidades aqui encontradas pelos portugueses
possuíam um direito consuetudinário de regulação do convívio social. Sobre a
divergência doutrinária Colaço (1998) assinala que a questão da existência ou não de
um ordenamento jurídico nos chamados povos ágrafos foi uma discussão que se
estendeu a este século. Associava-se sempre o Direito à figura do Estado e da sua
codificação escrita. A autora afirma que era muito difícil, à maioria dos juristas conceber
outras formas de direito, senão aquela já consagrada pelo modelo ocidental.
É importante notar que desde a época do descobrimento da América, partindo-se
de uma visão etnocêntrica, não se admitia qualquer manifestação religiosa, regras de
convívio social e liderança entre índios americanos. A crença na superioridade e na
onipotência do modelo da sociedade cristã ocidental não permitia aos europeus
perceber outra verdade.
Defendendo a idéia da existência de um direito entre as sociedades sem escrita,
Wolkmer (1996) afirma que:
“Toda cultura tem um aspecto normativo, cabendo-lhe delimitar a
existencialidade de padrões, regras e valores que institucionalizam modelos de
conduta (...), o autor afirma que na maioria das sociedades remotas, a lei é
considerada como parte nuclear de controle social, elemento material para
prevenir, remediar ou castigar os desvios das regras prescritas. A lei expressa a
presença de um direito ordenado na tradição e nas práticas costumeiras que
mantém a coesão do grupo social”.
A construção dos Marcos Regulatórios no Brasil representa uma importante parte
da narração da história do país, tendo em vista revelar como os processos de exclusão
49
são remotos e que desde cedo foram institucionalizados. E essa afirmação também se
aplica aos regulamentos ambientais.
Diferentemente de outras civilizações, a brasileira não foi oportunizada a
construir seu próprio delineamento jurídico. Machado Neto (1979) afirma que o direito
como cultura brasileira, em seu conjunto, não foi obra da evolução gradual e milenária
de uma experiência grupal, como ocorre com o direito dos povos antigos, tais como o
grego, o assírio, o germânico, o celta e o eslavo. Safatle e Pardine (2005) enfatizam
que a sociedade Brasileira está acostumada a crescer sem assimilar o “pessoal de
baixo”.
O fato de o país ter sido invadido não oportunizou aos pátrios construírem a
partir de cotidiano e da práxis as primeiras leis, como bem enfatiza Cristiani (2002) com
a devida precaução, salvo exceções que confirmam a regra, foi uma vontade monolítica
imposta que formou as bases culturais e jurídicas do Brasil colonial.
Assim, do ponto de vista constitucional, é correto afirmar que os contextos
econômicos, ideológicos, sociais e políticos das classes dominantes do Brasil de cada
época, estão refletidos nas linhas e entrelinhas das cartas magnas.
Nesse sentido a primeira constituição foi marcada pela arbitrariedade, sendo
outorgada, ou seja, imposta verticalmente, para atender os interesses do partido
português, que desde o início do processo de independência política, parecia destinado
ao desaparecimento. Ela representava não só os interesses do imperador, mas
também, como pontua Lucas (1959) os interesses dos grandes proprietários de terras,
dos senhores de engenho e dos latifundiários, que receberam o novo Direito como uma
dádiva, sem qualquer sacrifício de sua parte para conquistá-lo.
Outra característica desta constituição foi à exclusão das camadas populares do
texto legal, todavia isto justifica- se pelo estreito relacionamento entre a propriedade
privada e o poder político e econômico, uma vez que, elaborada e discutida somente no
interior da classe política dominante, da qual faziam parte, os latifundiários de então.
50
Com a proclamação da República, os interesses dos latifundiários continuaram
resguardados; assim, a constituição de 1891 embora garantisse alguns avanços
políticos, também apresentava algumas limitações pois seguia representando os
interesses das elites agrárias do país.
Nesse diapasão, contextualizando as bases da formação do pensamento jurídico
brasileiro e conseqüentemente o Constitucionalismo, Wolkmer (2007) afirma que em
sua primeira fase política (representado pelas constituições de 1824 e 1891), quer em
sua etapa social posterior (Constituição de 1934), o Constitucionalismo expressou muito
mais os intentos de regulamentação das elites agrárias locais do que propriamente a
autenticidade de movimento nascido das lutas populares por cidadania. Pontua ainda
que as demais constituições brasileiras (as autoritárias de 1937, 1967 e 1969, como a
liberal burguesa, com certos matizes mais sociais de 1946) representavam sempre um
Constitucionalismo de base não democrática (no sentido popular), sem a plenitude da
participação do povo, utilizado muito mais como instrumental retórico oficializante de
uma legalidade individualista, formalista e programática.
A nova Constituição brasileira, de 1988 ampliou a afirmação dos direitos
fundamentais e os meios para sua defesa. A par disso estabeleceu novas
possibilidades de participação política do povo, o que poderá ser de muita importância
se o povo for sensibilizado para a efetiva utilização dos novos mecanismos de
interferência e controle políticos.
Por fim a evolução do Direito Público, caracterizado, nessa incursão,
basicamente pela produção jurídica engendrada pelas constituições do Brasil, foi
marcada ideologicamente por uma perspectiva de nítido perfil liberal-conservador, que
no ensinamento de Wolkmer: Sempre foi calcada numa lógica de ação atravessada por
temas muitos relevantes para as elites hegemônicas (...), para este autor:
“O processo histórico nacional evidencia que as instâncias do Direito Público
jamais foram resultantes de uma sociedade democrática e de uma cidadania
participativa, pois a evolução destas foi fragmentária, ambígua e
51
individualistas(...) o Constitucionalismo brasileiro nunca deixou de ser, na
trajetória de nosso republicanismo, ocontinuo produto da conciliação compromisso entre patrimonialismo autoritário modernizante e o liberalismo
burguês conservador”.
2.2 Evolução da proteção jurídica do meio ambiente no Brasil.
Ann Helen Wainer (1999) discorre sobre a evolução histórica da legislação
ambiental, assinalando as primeiras formulações legislativas disciplinadoras do meio
ambiente vão ser encontradas na legislação portuguesa (Ordenações Afonsinas).
Milaré (2004) considera que:
“Essas ordenações constituíram o primeiro Código Legal Europeu, e nelas já se
encontravam algumas referencias que denotavam a preocupação com o meio
ambiente, como a tipificação do corte de arvores de fruto como crime de injuria
ao rei”.
É importante notar que, acima dos interesses ambientais, propriamente ditos,
havia maior preocupação com a propriedade da nobreza e da Coroa.
Já a partir das Ordenações Manoelinas, proibiu-se a caça de certos animais
(perdizes, lebres e coelhos) com instrumentos capazes de causar-lhes a morte com dor
e sofrimento; coíbe-se a comercialização de colméias sem a preservação da vida das
abelhas e se mantém tipificado como crime o corte de arvores frutíferas, agora punindo
o infrator com o degredo para o Brasil quando a arvore abatida tivesse valor superior a
trinta cruzados.
Nas Ordenações Filipinas, surge o conceito de poluição, vedando a qualquer
pessoa jogar material que pudesse matar os peixes e sua criação ou sujar as águas
dos rios e das lagoas. A tipificação do corte de arvores de fruto como crime é reiterada,
prevendo-se para o infrator o cumprimento de pena de degredo definitivo para o Brasil.
Também nas Ordenações Filipinas constava à proibição da pesca com determinados
instrumentos em certos locais e épocas estipuladas.
Milaré (2003) considera que toda essa legislação, antiga, complexa, esparsa e
inadequada, deixava imune (se é que não o incentivava) o esbulho do patrimônio
52
natural, despojado do seu caráter de bem comum e tratado ignominiosamente como
propriedade privada, gerido e explorado sem escrúpulos, com discricionariedade acima
de qualquer legislação coerente, de qualquer interesse maior.
Em 12 de dezembro de 1605, foi editada a primeira lei protecionista florestal
brasileira, o “Regimento sobre o Pau Brasil”, sendo que a partir de então, a
preocupação com o desmatamento é uma constante, e, mesmo no curto período de
domínio holandês, se produziu farta legislação ambiental, a exemplo da proibição do
corte do cajueiro, questões relativas à poluição, caça, etc.
Wainer afirma que os holandeses, quando de posse do poder realizaram uma
vasta contribuição na esfera jurídica ambiental. Se preocuparam com a monocultura,
com a fome que assolava o Nordeste. Houve a proibição do lançamento do bagaço da
cana-de-açúcar no leito dos rios e lagos, da pesca e caça predatória. Legislaram sobre
a proteção da água e a implementação do plantio da mandioca.
Contudo, a idéia de proteção ao bem público surge apenas no século XVII
através do Regulamento datado de 23-01-1677, que estabelecia que as terras
improdutivas poderiam ser despojadas de seu detentor, a fim de evitar o dano ao bem
público.
Observa-se que a preocupação com a extração de madeira e o desmatamento
intensificou-se a partir do século XVIII. Em 1802, com a instituição do Reino, foi editado
um alvará que transferia e concentrava no Intendente Geral das Minas Gerais a
administração das matas e bosques da Colônia. Em meados do mesmo ano houve a
primeira instrução para reflorestamento da costa brasileira pelo Intendente Geral da
Colônia, José Bonifácio de Andrada e Silva.
Na realidade toda essa legislação historicamente construída no sentido de
“proteger” os recursos naturais visava pura e simplesmente garantir a soberania da
metrópole sobre a colônia e posteriormente, os interesses da família real e da elite
agrária do novo país. Para tanto, só eram punidos os delitos que atingissem a Coroa ou
53
os interesses fundiários das classes dominantes. A defesa do patrimônio comum, como
conhecemos hoje, era inimaginável. Também Freitas (1998) enfatiza que:
“No período colonial e durante o Império (1500/1889), a legislação aplicada ao
Brasil pela corte Portuguesa e pela Monarquia não teve a preocupação da
conservação, pois as cartas régias, alvarás e atos similares visavam a defender
apenas os interesses econômicos do governo, como foi, o caso do pau-brasil”.
O mencionado autor destaca que após a Proclamação da República a proteção
jurídica do meio ambiente no Brasil apresenta três períodos bem delimitados: a) período
da evolução do Direito Ambiental, de 1889 a 1981; b) Período de consolidação do
Direito Ambiental, de 1981 a 1988; c) Período de aperfeiçoamento de Direito Ambiental,
a partir de 1988, com o advento da Constituição Federal.
Cotidianamente podem ser verificados pelo menos quatro marcos importantes da
história recente do ordenamento jurídico na busca de respostas ao clamor social pela
imperiosa tutela do ambiente. Os quais estão demonstrados na Tabela 02.
Tabela 02 – Marcos Legais de Proteção do meio ambiente no Brasil14
MARCOS REFENRÊNCIAIS
Lei 6.938 – 31/08/1981 – Lei
da Política Nacional do Meio
Ambiente.
COMENTÁRIOS
Instituiu o Sistema Nacional de Meio Ambiente; trouxe
para o mundo do Direito o conceito de Meio Ambiente
como objeto específico de proteção em seus múltiplos
aspectos; estabeleceu a obrigação do poluidor de
reparar os danos causados, de acordo com a
responsabilidade objetiva.
Lei 7.347 de 24/07/1985 - Disciplinou a Ação Civil Pública como instrumento
Lei da Ação Civil Publica.
processual específico para a defesa do ambiente e de
outros interesses difusos e coletivos.
Constituição
Federal
de Dedicou um capítulo próprio para ao Meio ambiente; na
1988.
esteira da Carta magna, vieram as constituições
estaduais e também as leis orgânicas municipais.
Lei 9.605 de 12/02/1988 – Dispõe sobre as sanções penais e administrativas
Lei dos Crimes Ambientais.
aplicáveis á condutas e atividades lesivas ao meio
ambiente; Inclui a pessoa jurídica como sujeito ativo do
crime ambiental.
14
MILARÉ, E. Direito do ambiente. 3 ed. Ver. Atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003
54
2.3 - A Proteção Jurídica do Pantanal de Mato Grosso.
Dada a singularidade e importância do Pantanal de Mato Grosso e sua proteção
jurídica tem sido buscada tanto no plano internacional, como também internamente
(Esfera Federal) incluindo o aparato na esfera estadual.
A partir deste ponto do trabalho estão relacionados os principais documentos
internacionais relacionados com a proteção do Pantanal mato-grossense, bem como as
normas federais pertinentes e a legislação do Estado de Mato Grosso que avançou na
tutela desse patrimônio nacional.
2.3.1 Documentos internacionais aplicáveis à proteção do Pantanal de Mato
Grosso.
A perspectiva de tutela internacional dos bens ambientais torna-se a cada dia
uma frente crescente de estudos. A transnacionalidade dos bens ambientais
fundamenta a necessidade emergente de proteção dos biomas mundiais. Essa visão
deve ser embasada no pensamento holístico15 onde as inter-relações, sejam entre
povos ou Estados, orientem um horizonte capilarizado de busca do saber, a partir de
onde devem surgir os marcos regulatórios ambientais.
No que diz respeito ao direito ambiental internacional Morais (2001) enfatiza que
o tema Meio Ambiente (da mesma forma como aconteceu com as Ciências Ambientais,
que são eminentemente interdisciplinares) contribuiu para a globalização do Direito
Internacional, ao permitir-lhe, como raríssimas vezes antes se tinham observado na
história, uma intrusão na esfera dos assuntos tradicionalmente reservados, com
exclusividade, à regulamentação interna dos Estados.
15
Para Capra (2002) o termo "holístico", do grego "holos", "totalidade", refere-se a uma compreensão da
realidade em função de totalidades integradas cujas propriedades não podem ser reduzidas a unidades
menores.
55
Por sua própria natureza, o meio ambiente é um tema de tende a desprezar
fronteiras jurídica-política dos Estados; assim, as normas internas dos Estados tendem
a conformar-se com exigências e padrões internacionais.
Portanto, a comunidade internacional deve sem sombra de dúvidas, ter as
matérias ambientais, como tema transversal que permeie todas as discussões, sejam
elas locais ou multilaterais, econômicas, sociais, políticas. Estados Nacionais, em
especial os subdesenvolvidos devem urgentemente, legislar sobre o Meio Ambiente, e
buscar implementar ações junto à comunidade internacional no sentido de conservarem
sua biodiversidade doméstica.
Dentro deste contexto Milaré (2003) afirma que a questão ambiental tem um
papel de relevo não apenas pela necessidade de preservar o Planeta, mas também
pela sua característica global, já que os efeitos provocados pela degradação do meio
ambiente extravasam os limites territoriais de um único país, alcançando dimensões
regionais, internacionais ou até mesmo planetárias.
O Professor Geraldo E. do Nascimento Silva no preâmbulo de sua obra 16 afirma
que é difícil identificar quais os principais acontecimentos que influíram no direito
internacional. No entanto, o autor afirma que embora alguns tenham sido mais
espetaculares quando apreciados sob um prisma político internacional “cabe aqui tentar
pôr em relevo os que tenham, de uma maneira ou de outra, influenciado efetivamente a
matéria” assinalando:
“Parece-nos que é novamente no campo ambiental e dos direitos humanos que
encontraremos fatores que exerceram esse papel. A proteção do meio ambiente
passou a ser uma das grandes preocupações da comunidade internacional, não
só na área governamental, mas também entre todos os habitantes da Terra. A
Conferência do Rio de Janeiro de 1992 exerceu essa salutar influência, e
multiplicam-se os tratados sobre todos os aspectos ambientais, tanto assim que
se calculam em mais de mil os tratados internacionais assinados”.
16
Manual de Direito Internacional Público, 14ª edição, Editora Saraiva 2000.
56
A preocupação global que tem acentuado as discussões ambientais planetárias
vem impondo no entendimento de Vieira (2002) a negociação política entre países
desenvolvidos17 e em desenvolvimento, com necessidades diferentes que devem ser
compatibilizadas, no interesse da sobrevivência de uma verdadeira Sociedade
Internacional.
No que se refere à temática ambiental cabe destacar a divulgação, no início da
década de setenta, do relatório The Limits of Growth 18 (Os Limites do Crescimento)
elaborado por estudiosos do Machachussets Institute of Tecnology – MIT, e que
constituiu o primeiro grande alerta a cerca do estado do Planeta e dos terríveis
prognósticos para o futuro, chamando a atenção de toda a comunidade internacional
sobre a necessidade real de proteção dos bens ambientais.
A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Humano (Conferência
de Estocolmo, 1972), foi à primeira conferência temática que resultou na “Declaração
sobre o Meio Ambiente Humano”, contendo uma série de princípios de comportamento
e responsabilidade, e no “Plano de Ação”, convocando os stakeholders internacionais
(Estados, iniciativa privada e organizações não governamentais) a cooperarem na
busca de soluções para os problemas ambientais. A partir desta Conferência, diversos
países criaram agências responsáveis pela administração da questão ambiental e
17
Os países desenvolvidos ao longo da história têm escravizado as nações em desenvolvimento, sua
confiança de que a tecnologia sempre trará respostas, e soluções a seus problemas, parece ser a faceta
mais terrível da pós-modernidade. Para Capra (2002) a manifestação suprema dessa obsessão pela alta
tecnologia é a fantasia amplamente alimentada de que os problemas atuais podem ser resolvidos pela
criação de habitais artificiais no espaço exterior. “Não exclue a possibilidade de que tais colônias
espaciais possam vir a ser construídas um dia, se bem que, pelo que tenho visto dos planos existentes e
da mentalidade que os inspira, eu certamente não gostaria de viver lá. Entretanto, a falácia básica dessa
idéia não é tecnológica; é a crença ingênua de que a tecnologia espacial pode resolver a crise social e
cultural neste planeta”. Ainda José Graziano da Silva, apud Safatle e Pardine (2005) pontua que se a
tecnologia mais moderna utilizada hoje, fosse disseminada para todas as regiões produtoras do País, a
demanda de força de trabalho agrícola sofreria redução de 70%.
18
Veja: MEADOWS, D. L. et. al. (1972). Limites do Crescimento – Um relatório para o Projeto do Clube
de Roma sobre o dilema da humanidade. São Paulo, Perspectiva.
Para conhecer as também as criticas ao Clube de Roma verificar:
SOLOW, R, M. “Is the end of the world at hand?” Challenge, 16, March-april, pp. 39-50. 1973.
__________”The economics of recurces or tue resources of economics” American Economic Review, 64,
May, pp. 1-14.
57
implementação de um arcabouço legal e normativo (MCCORMICK, 1992). A
Conferência de Estocolmo incluiu em seu extenso temário o crescimento populacional,
a
necessidade
de
crescimento
econômico,
principalmente
das
nações
em
desenvolvimento, e a conservação do meio ambiente, trazendo uma nova percepção
sobre os recursos naturais.
Já em 1974 houve a Declaração de Cocoyok, resultado de uma reunião da
UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio-Desenvolvimento) e do
UNEP (Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas) afirmando ser a pobreza a
causa da explosão demográfica, a qual também gerava a destruição dos recursos
naturais. Além disso, afirmava que os países industrializados engendram os problemas
do subdesenvolvimento pelo nível exagerado de consumo.
Já em 1975 a ONU participa da elaboração de outro relatório o de DagHammarskjöld, complementando o de Cocoyok, afirmava que as potências coloniais
concentraram as melhores terras das colônias nas mãos de uma minoria, forçando a
população pobre a usar outros solos, promovendo a devastação ambiental.
Em continuidade, foi lançado em 1987 o relatório “Nosso Futuro Comum”
também denominado Relatório Brundtland que trouxe consigo o conceito de
desenvolvimento sustentável e uma nova abordagem para o meio ambiente. Para
Assad & Perreira (1998), este relatório deslocou as discussões para uma abordagem
mais sistêmica. Esse incluiu discussões sobre perda da biodiversidade, valoração
econômica dos recursos naturais, índices de poluição e seus impactos além das
fronteiras nacionais, diminuição da camada de ozônio, e contaminação do meio
ambiente. Também é importante pontuarmos que foi ano de 1987 o estabelecimento do
Protocolo de Montreal para a proteção da camada de ozônio. Nobre (1999) afirma que
este foi o primeiro protocolo ambiental de caráter inteiramente “global”.
Em junho de 1992 reuniam-se no Rio de Janeiro mais de 35 mil pessoas, entre
elas 106 chefes governos, para participar da conferência da ONU sobre o Meio
58
Ambiente e desenvolvimento (UNCED). A ECO-92, Rio-92, Cúpula ou Cimeira da Terra
ocorreu entre 03 e 14 de junho de 1992. O seu objetivo principal era buscar meios de
conciliar o desenvolvimento sócio-econômico com a conservação e proteção dos
ecossistemas da Terra.
Como produto dessa Conferência foram assinados 05 documentos: Declaração
do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Agenda 21, os Princípios para a
Administração Sustentável das Florestas, a Convenção da Biodiversidade e a
Convenção sobre Mudança do Clima, que se somam aos tratados anteriormente
assinados e que guardam também relação com o Pantanal de Mato Grosso.
Entre as convenções e os títulos internacionais, é importante destacar os que
estão diretamente relacionadas ao Pantanal.
A Convenção sobre Zonas Úmidas – conhecida como “Convenção de Ramsar”,
devido à cidade onde foi adotada em 1971, no Irã – é um tratado intergovernamental
que busca a cooperação para a conservação e o uso racional das zonas úmidas. Os
maiores objetivos da Convenção são evitar a perda das zonas úmidas e promover a
sua conservação, reconhecendo suas funções ecológicas fundamentais e seu valor
econômico, cultural, científico e recreativo.
O Brasil é considerado o 4º país do mundo em superfície na Lista Ramsar, com
oito Zonas Úmidas consideradas Sítios de Importância Internacional (Sítios Ramsar)
com área de 6.456.896 ha19. Além disso, o Pantanal, recebeu dois títulos da UNESCO:
o de Reserva da Biosfera e o de Patrimônio Natural da Humanidade.
O Programa da UNESCO “Homem e a Biosfera”- MAB reconhece as áreas
protegidas como um componente importante no desenho e no manejo das Reservas da
Biosfera e também como uma importante ferramenta para a difusão de alternativas de
desenvolvimento sustentável. Por meio da implementação do conceito de Reservas da
19
Site do Ministério do Meio Ambiente – consultado em 20/01/2008.
59
Biosfera, o programa fornece uma estrutura internacional para: (a) conservar a
diversidade natural e cultural; (b) promover modelos de uso do solo e abordagens de
desenvolvimento sustentável; (c) aperfeiçoar o conhecimento e a interação entre as
áreas humanas e das ciências por meio da pesquisa, monitoramento, educação e
treinamento. No Brasil são consideradas Reservas da Biosfera: a Reserva da Biosfera
do Cinturão Verde de São Paulo, da Mata Atlântica, do Cerrado, do Pantanal, da
Caatinga, da Amazônia Central e da Serra do Espinhaço.
A atribuição do título de Patrimônio Natural da Humanidade é importante para
estimular a preservação dos 135 mil hectares do Parque Nacional do Pantanal, o qual
foi criado em 27 de setembro de 1981. Ao mesmo tempo, objetiva, pelo menos
teoricamente facilitar o acesso a linhas de crédito oferecidas por programas
internacionais.
Apesar dos importantes esforços empreendidos em torno das questões
ambientais, a nível internacional, em especial no que tange a proteção do Pantanal, na
prática, o que se observa é que os países subdesenvolvidos, detentores da maior parte
da biodiversidade planetária, têm estado à mercê das deliberações arbitrárias das
organizações internacionais, que unilateralmente tomam decisões locais sem a
participação de seus pátrios.
Parece pertinente lançar mão da argumentação do professor Wolkmer (2002),
que insiste em afirmar que o direito assim como se apresenta não é o resultado da
vontade nacional, e sim daqueles que dominam material e ideologicamente a
sociedade.
2.3.2 A Proteção do Pantanal na legislação federal
A legislação pátria não possui um marco regulatório específico sobre a
conservação do Pantanal. O que existe são dispositivos legais federais esparsos que
regulamentam atividades no Bioma.
60
Reza a Constituição Federal de 1998: Art. 225, § 4º.
“A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal
Matogrossense e a Zona Costeira são Patrimônio Nacional, e sua utilização farse-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do
meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”.
A falta de interesse político da Bancada que representa os Estados em que o
Pantanal está presente e a força política no Congresso Nacional dos representes das
outras regiões (Sul e Sudeste) possivelmente sejam os dois principais motivos que
fundamentam a ausência do marco regulatório Federal específico sobre o Pantanal.
No que toca ao dispositivo constitucional supra citado, não há entre os
doutrinadores um aprofundamento sobre o alcance da expressão “patrimônio nacional”,
e suas conseqüências jurídicas. Para alguns doutrinadores a proteção judicial das
áreas de patrimônio nacional deve se dar necessariamente na esfera da justiça federal.
A guiza de exemplo ao apreciar recurso de apelação em processo judicial relativo à
Mata Atlântica, o Tribunal Regional Federal da 3 a Região, em São Paulo, reconheceu
que o fato da Mata Atlântica ser considerada, pela Constituição Federal, como
“patrimônio nacional”, determina a competência da Justiça Federal para julgar tais
processos, conforme consignado na ementa:
Ementa (parcial)20:
Compete ao Tribunal Regional Federal o julgamento do presente recurso, tendo
em vista a evidente lesão à bem e interesse da União, tendo em vista que o
município de Miracatu, onde estava sendo transportado o palmito, situa-se na
região do Vale do Ribeira, em meio à Mata Atlântica, a qual constitui
patrimônio nacional, nos termos do §4º do art. 225 da Constituição Federal.
De toda sorte esse entendimento está longe de se consolidar e possui suas
limitações, mesmo porque a competência da Justiça Federal decorre necessariamente
do interesse específico da União o que nem sempre se manifesta na tutela das áreas
20
Relator: Juiz Oliveira Lima: ACR - Apelação Criminal – 11248, data do julgamento 26/03/2002 Data da
Publicação D.J.U: 18/04/2002 p: 363.
61
de patrimônio nacional, do contrário, toda e qualquer ação proposta para a proteção de
bens ambientais na Amazônia deveria ser julgada pela Justiça Federal, o que seria um
contra-senso.
Ao considerar o pantanal mato-grossense como um patrimônio nacional a
Constituição Federal reconheceu a relevância dessa área úmida e estabeleceu a
exigência de critérios a serem definidos através de lei, para a utilização de seus
recursos naturais.
Novamente é importante frizar que em que pese à determinação constitucional
citada, inexiste na esfera federal uma lei que discipline de forma específica à proteção
jurídica do Pantanal de Mato Grosso enquanto patrimônio nacional.
Ante o vazio de regulamentos o Conselho Nacional do Meio Ambiente –
CONAMA21, órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do meio Ambiente
aprovou algumas resoluções visando proteger o Pantanal mato-grossense, elencadas
na Tabela 03.
21
O CONAMA foi instituído pela Lei 6938/81, esta lei dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
regulamentada pelo Decreto 99.274/90.
62
Tabela 03 – Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA),
referentes ao Pantanal.
Nº e DATA
ASSUNTO
001 de 05/03/1985
Determina que a Secretaria Especial do Meio Ambiente22 e os órgãos
estaduais do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul, responsáveis pelo
meio ambiente, suspendam a concessão de licença para a implantação
de novas destilarias de álcool nas bacias hidrográficas localizadas no
Pantanal Mato-grossense
003 de 18/09/1985
Cria uma Comissão Especial com o objetivo de apresentar um projeto
de Resolução com vistas a propor o zoneamento da Bacia Hidrográfica
do Rio Paraguai, e definir critérios quanto ao uso do solo, e, em
particular, quanto à instalação de atividades potencialmente poluidoras
no Pantanal mato-grossense. Esta resolução foi alterada pela resolução
012/86.
007 de 10/10/1995
Cria Câmara Técnica Temporária para Assuntos de Pantanal. A
Câmara teria observadores que participariam das reuniões com direito
a voz e voto, e que seriam indicados pela Câmara dos Deputados e
Senado Federal. Seu objetivo seria discutir e propor Anteprojeto de Lei
regulamentando a utilização dos recursos naturais do Pantanal
matogrossense, e seu prazo de duração seria de 1 (um) ano.
Altera o item II, da Resolução CONAMA nº 03/85, modificando a
composição da Comissão Especial que foi criada com o objetivo de
apresentar um projeto de Resolução estabelecendo o zoneamento da
Bacia Hidrográfica do Rio Paraguai
Considerando a complexidade dos estudos exigidos para a realização
do Zoneamento Ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio Paraguai,
referido na Resolução CONAMA nº 05/85, resolve solicitar ao Ministro
do Meio Ambiente a criação de um Grupo de Trabalho Multidisciplinar e
Multinstitucional, coordenado pela (hoje extinta) Secretaria Especial do
Meio Ambiente – SEMA, com o objetivo de elaborar um termo de
referência que especifique a natureza do trabalho a ser desenvolvido e
os recursos humanos e financeiros necessários. Estabelece o prazo de
90 (noventa) dias, após a constituição do Grupo de Trabalho, para
apresentação do termo de referência à Comissão Especial criada pela
Resolução/CONAMA/Nº 3, de 18 de setembro de 1985. Prorroga ainda
o prazo de duração da Comissão Especial para acompanhar o
desenvolvimento das atividades do Grupo de Trabalho, até a sua
destinação final.
Regulamenta os casos excepcionais, de utilidade pública, interesse
social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou
supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente-APP. A
resolução abrange todo o território nacional conseqüentemente o
pantanal. Conforme art. 11, VI.
012 de 18/03/1986
016 de 18/03/1986
369 de 28/03/2006
22
É a extinta SEMA, cujas atribuições foram assumidas pelo Ministério do Meio Ambiente.
63
Estas resoluções estão limitadas a casos específicos de gestão do Pantanal de
Mato Grosso, todavia têm sido amplamente utilizadas para dirimir conflitos e orientar a
tomada de decisão por parte dos órgãos públicos.
Além do CONAMA cabe relacionar, também na esfera federal, as resoluções e
Deliberações da Comissão Nacional de Biodiversidade (CONABIO) tem um papel
fundamental na implementação da Política Nacional de Biodiversidade, e na
implementação da CDB (Convenção da Diversidade Biológica).
As Resoluções e deliberações da CONABIO que tratam especificamente sobre o
Pantanal Mato-grossense estão listadas na Tabela 04.
Tabela 04 – Resoluções
e Deliberações da Comissão de Biodiversidade
(CONABIO), referentes ao Pantanal.
Número e DATA
ASSUNTO
D: nº 33 – 29/06/2005
Estabelece recomendações aos órgãos e organizações da
sociedade civil, integrantes da CONABIO a realização de uma
oficina sobre boas práticas ambientais nos biomas Cerrado e
Pantanal.
Dispõe sobre a aprovação da metodologia para revisão das Áreas
Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e
Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira.
D: nº 39 – 14/12/2005
D: nº 31 – 29/06/2005
Dispõe sobre solicitação aos Órgãos do Governo com ações em
educação ambiental que potencializem suas atividades nos
biomas Cerrado e Pantanal.
D: nº 30 – 20/06/2005
Dispõe sobre a solicitação de informações, estudos e
recomendações sobre Reservas Legais e Áreas de Preservação
Permanente. Solicita que o Ministério do Meio Ambiente, por meio
do Fundo Nacional do Meio Ambiente, realize um edital de
demanda induzida voltado para a implantação de viveiros
comunitários especialmente nas Áreas Prioritárias para
Conservação, Utilização Sustentável e Repartição dos Benefícios
da Biodiversidade reconhecidas pelo Decreto no 5.092, de 21 de
maio de 2004, e pela Portaria no 126, de 27 de maio de 2004,
com o objetivo de estimular a recuperação de Áreas de
Preservação Permanente e de Reservas Legais do Cerrado e
Pantanal.
64
Continuação Tabela 04
D: nº 29 – 29/06/2005
D: nº 26 – 26/10/2004
D: nº 21 – 01/07/2004
R: nº 02 – 29/06/2005
R: nº 01 – 29/06/2005
Recomenda a realização de oficina para identificação de
prioridades de pesquisa sobre o manejo de espécies utilizadas
para fins energéticos, a promoção de manuais técnicos e a
intensificação da fiscalização de desmatamentos ilegais nos
biomas Cerrado e Pantanal.
Amplia o prazo de duração e define forma de trabalho da Câmara
Técnica do Cerrado e Pantanal. Estendeu por mais seis meses o
prazo de duração da Câmara Técnica Temporária Cerrado e
Pantanal, instituída pela Deliberação CONABIO no. 21, de 1 de
julho de 2004.
Instituiu a Câmara Técnica Temporária do Cerrado e Pantanal
(CTT).
Regulamentou a adoção do Programa de Trabalho para Áreas
Áridas e Sub-úmidas da Convenção sobre Diversidade Biológica
para os biomas Caatinga, Cerrado, Pantanal e Pampas.
Dispõe sobre a utilização de diretrizes para incorporar os aspectos
da diversidade biológica na legislação e ou nos processos de
Avaliação de Impacto Ambiental e Avaliação Ambiental
Estratégica nos biomas Cerrado e Pantanal
Legenda: D: Deliberação, e R: Resolução.
A CONABIO tem desempenhado um importante papel na implementação tanto
da Política Nacional de Biodiversidade, e da Convenção da Diversidade sobre Biológica
(CDB) implementando a participação da sociedade civil, nas discussões relativas a
estes temas, através de debates e consultas públicas visando alcançar seu principal
objetivo, que é a promoção da efetiva conservação da biodiversidade brasileira, o que
inclui necessariamente, discutir estratégias de conservação do Pantanal de Mato
Grosso.
2.3.3 - Projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que dispõem sobre o
Pantanal de Mato Grosso.
O Congresso Nacional tem sido ao longo dos últimos anos palco de discussões
ambientais que versaram sobre todos os biomas pátrios, no que tange ao Pantanal de
Mato Grosso não é diferente. Apesar do país não possuir uma legislação federal
específica, que verse sobre a gestão deste bioma, diversos projetos de Lei estão
tramitando na esfera federal.
65
O Projeto de Lei nº 2.546-B, de 1992 (Do Senado Federal – PLS nº 325/91), de
autoria do Senador Márcio Lacerda (PMDB/MT). A ementa altera a redação do § 2º do
art. 5º da Lei 7.797, de 10/07/89, que cria o Fundo Nacional de Meio Ambiente. O
projeto equipara o Pantanal à Amazônia para fins de prioridade na aplicação dos
recursos financeiros do Fundo Nacional de Meio Ambiente.
De acordo com o art. 5º da Lei 7.797/89, os recursos financeiros do Fundo
Nacional de Meio Ambiente serão prioritariamente aplicados em projetos nas seguintes
áreas: I – unidade de conservação; II – pesquisa e desenvolvimento tecnológico; III –
educação ambiental; IV – manejo e extensão florestal; V – desenvolvimento
institucional; VI – controle ambiental; VII – aproveitamento econômico racional e
sustentável da flora e fauna nativas.
O Projeto de Lei nº 2.515/96 (Câmara dos Deputados), de autoria dos deputados:
Deputado Adão Pretto (PT-RS), Alcides Modesto (PT-BA), Jaques Wagner (PT-BA),
Domingos Dutra (PT-MA), Paulo Rocha (PT-PA), José Fritsch (PT-SC), João Coser
(PT-ES), Padre Roque (PT-PR) e Waldomiro Fioravante (PT-RS). A ementa dá nova
redação à Lei 8.847, de 28/01/94, que dispõe sobre o Imposto sobre a Propriedade
Territorial Rural – ITR.
O projeto de lei visa alterar a atual legislação que regula a incidência do Imposto
Territorial Rural, tributo este que tem como fato gerador à propriedade, o domínio útil ou
a posse de imóvel rural. Segundo a justificativa do projeto, seu objetivo seria fortalecer
o ITR como “instrumento complementar de apoio aos processos de democratização da
propriedade da terra e de preservação ambiental”.
O projeto estabelece que, para fins de isenção do ITR, são entendidas como
pequenas glebas rurais àquelas com as seguintes dimensões: até 60 ha, se localizadas
nos municípios compreendidos nas regiões do semi-árido do Nordeste e da Amazônia
Oriental e até 100 ha, se localizadas nos municípios compreendidos na Amazônia
Ocidental e no Pantanal mato-grossense e sul mato-grossense.
66
O projeto estabelece ainda, em seu art. 5º, § único, que, a critério da Secretaria
da Receita Federal, poderá ser dispensada a aplicação dos índices de produtividade
para os imóveis com área inferior a 1.000 ha, quando localizados na Amazônia
Ocidental, no Pantanal mato-grossense e sul mato-grossense, 500 ha, quando
localizados no semi-árido do Nordeste e na Amazônia oriental, e de até 200 ha nas
demais regiões.
O Projeto de Lei nº 3.503, de 1997 (Do Senado Federal – PLS nº 80/96), de
autoria do Senador Júlio Campos (PFL-MT), a ementa regulamenta o §.4º do art. 225
da Constituição Federal, no que diz respeito ao Pantanal Mato Grosso. O projeto de lei
Determina também a instituição do Plano de Gerenciamento do Pantanal de Mato
Grosso, a ser implementado na área compreendida pela Bacia Hidrográfica do Rio
Paraguai, situada em território brasileiro23.
O projeto de lei estabelece os objetivos (art. 4º) do Plano de Gerenciamento do
Pantanal Mato-Grossense, suas metas e diretrizes (arts. 5º e 6º) e os instrumentos de
gerenciamento: - o zoneamento ecológico-econômico (com o objetivo de “identificar e
selecionar unidades territoriais que, por suas características físicas, biológicas e sócioeconômicas devam ser objeto de disciplina especial, com vistas ao desenvolvimento de
ações para conduzir ao aproveitamento e manutenção ou recuperação de sua
qualidade ambiental e do seu potencial produtivo”) e – os Planos de Ação e Gestão.
Segundo o projeto de lei, o zoneamento ecológico-econômico definirá normas e
metas ambientais e sócio-econômicas a serem alcançadas por meio dos Planos de
Ação e Gestão, sendo que tais Planos deverão conter: - área e limites de atuação; objetivos; - metas; - prazos de execução; - mecanismos de participação social na sua
elaboração e implementação; - fontes de recursos; - formas de aplicação de recursos; mecanismos de controle e monitoramento.
23
O CONSEMA de Mato Grosso, através da Resolução nº 051/98, criou Comissão Especial com a
finalidade de analisar o Projeto de Lei nº 3.503, de 1997, referido acima. Em 30/03/99, o CONSEMA
encaminhou ao Congresso Nacional um texto com análise e sugestões de alterações e acréscimos ao
projeto de lei.
67
2.3.4 - Legislação do Estado do Mato Grosso relativa ao Pantanal.
A Constituição Federal estabelece, em seu art. 23, ser da competência comum
(administrativa) da União, Estados, Distrito Federal e Municípios “proteger o meio
ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”, bem como “preservar as
florestas, a fauna e a flora”, e, por outro lado, estabelece, em seu art. 24, ser da
competência da União, dos Estados e do DF, “legislar concorrentemente sobre
florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos
naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição, bem como sobre
responsabilidade por dano ao meio ambiente”.
Já a competência legislativa concorrente significa que a União deve limitar-se a
estabelecer normas gerais, e os Estados devem legislar de forma suplementar.
Portanto, uma lei, aprovada pelo Congresso Nacional, de eficácia nacional, deve
disciplinar também as competências institucionais em relação à proteção ambiental do
Pantanal.
A constituição do Estado de Mato Grosso, relativamente ao Pantanal, estabelece:
Art. 273 - O Pantanal, o Cerrado e a Floresta Amazônica Mato-grossense
constituirão pólos prioritários da proteção ambiental e sua utilização far-se-á, na
forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio
ambiente, inclusive
quanto ao uso dos recursos naturais.
Parágrafo único - O Estado criará e manterá mecanismos de ação conjunta com
o Estado de Mato Grosso do Sul, com o objetivo de preservar o Pantanal Matogrossense e seus recursos naturais.
Art. 274 - Chapada dos Guimarães e as porções situadas em território matogrossense das bacias hidrográficas dos rios Paraguai, Araguaia e Guaporé são
patrimônio estadual e a sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de
68
condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao
uso de seus recursos naturais.
Regulamentando os preceitos constitucionais, algumas normas foram editadas
no Estado conforme relação constante da Tabela 05.
Tabela 05 – Legislação Estadual Mato Grosso que dispõe sobre o Pantanal.
Número e Data
Assunto
L.C.
10/01/95
6.621 Dispõe sobre a criação do Programa de Desenvolvimento do Pantanal,
tendo como área de abrangência a Bacia do Alto Paraguai.
Lei
21/03/96
6.758 Declara de interesse ecológico as áreas alagáveis localizadas na planície
do Pantanal Mato-Grossense. De acordo essa lei, tais áreas interesse
ecológico, destinam-se a abrigar exemplares da fauna e flora ameaçados de
extinção e a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou
histórico.
L.C. nº 38
21/11/9524
Dispõe de poucos dispositivos que fazem alusão expressa ao Pantanal,
neste sentido de maneira explicita o Art. 65 e os §§ 1º e 2º regulamenta a
limpeza de pastagem na planície alagável do Pantanal. Todavia ao
regulamentar a política estadual do meio ambiente, e dispor sobre vários
temas ambientais, se aplique ao mesmo.
Lei 6.672
22/10/95
Dispõe sobre a pesca, estabelecendo medidas de proteção a ictiofauna. Do
mesmo modo não diz respeito especificamente ao Pantanal, mas como não
existe uma regulamentação – seja no âmbito estadual ou federal – própria
para a pesca no Pantanal, tal legislação genérica se aplica também a este.
Lei
05/11/1997
6.945 Dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos e institui o Sistema
Estadual de Recursos Hídricos. Foi inspirada na Lei Federal – 9.433/97, que
regula a Política Nacional e o Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos.
Dc
04/11/1997
1.795 Dispõe sobre o Sistema Estadual de Unidades de Conservação – SEUC –
estabelecendo normas para a criação, implantação e gestão dos espaços
territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos
24
Lei Complementar nº 38, de 21 de novembro de 1995, com alterações introduzidas pela LC nº 232 de
2005.
69
Continuação
Tabela 05
Dc 8.150
27/09/2006
Regulamenta a limpeza de pastagens no Pantanal do Mato Grosso.
Lei 7.160
23/08/1999
Dispõe sobre os limites do Pantanal no Estado de MT.
Lei 4.909
171085
Estabelece normas para edificações turísticas na área do Pantanal Matogrossense.
Lei 8.830
21/01/2008
Dispõe sobre a Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto
Paraguai no Estado de Mato Grosso e dá outras providências.
Lei 5.950
03/04/92
Declara ave símbolo do Pantanal Mato-grossense o Tuiuiu e dá outras
providências.
Lei 4.560
17/06/83
Cria a Fundação de Desenvolvimento do Pantanal do Estado de Mato
Grosso - FUNDEPAN, e dá outras providências.
Observa-se, do mesmo modo que na esfera Federal, a inexistência de leis que
disciplinem a utilização e conservação dos recursos naturais do Pantanal de forma
sistêmica e integrada, e que contemplem as especificidades da Bacia do Alto Paraguai
(BAP). Os textos legais referidos acima disciplinam aspectos pontuais/específicos da
proteção ambiental ao Pantanal (como a proibição da instalação de destilaria de álcool,
de extração mineral ou de instalação de campings na região) ou são normas legais de
aplicação geral.
O Governo do Estado de Mato Grosso, vetou no inicio do ano de 2008 o projeto
de Lei aprovado na Assembléia Legislativa que versava sobre a redefinição dos Limites
do Pantanal, mas sancionou a Lei 8.930 de 21/01/ 2008, que dispõe sobre a Política
Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso.
70
Considerações Finais
A partir da abordagem histórica crítica da elaboração dos marcos regulatórios
no Brasil, nota-se que desde o Brasil colônia, passando pelos outros períodos da
história nacional, grande parte dos marcos regulatórios, privilegiaram as oligarquias
rurais, implementaram os latifúndios, a monocultura, favorecendo a degradação
ambiental e o trabalho escravo.
Nesta análise verifica-se que a cultura e o direito nativo não foram
considerados pelos “colonizadores”, que trouxeram para o Brasil um direito alienígena
que
privilegiou
as
classes
hegemônicas
detentoras
do
poder
econômico,
representantes do capitalismo colonial que se instalava no Brasil, limitando as
possibilidades de inclusão e consideração das práticas consuetudinárias nativas.
Constata-se também que os primeiros marcos regulatórios ambientais, não tinham
como objetivo tutelar o meio ambiente, buscavam sim manter o statu quo. A legislação
ambiental, estava a serviço e era comprometida com a estrutura social elitista de então,
marcada pelo modelo antidemocrático agrário-mercantil.
Nesse sentido, no que diz respeito à discussão relativa à tutela jurídica do
Pantanal de Mato Grosso. Apesar da grande quantidade de dispositivos legais,
oriundos da própria Carta Magna de 1988; dos tratados; das resoluções e deliberações
oriundas de comissões e conselhos federais; das parcas decisões dos tribunais; da
legislação ordinária federal e estadual, verifica-se que este aparato não está sendo
suficiente para proteger este patrimônio nacional. O desmatamento nas cabeceiras, o
assoreamento dos rios, a contaminação por agrotóxicos e produtos dos garimpos, a
falta de saneamento básico das grandes cidades, a instalação de hidrelétricas,
carvoarias, o plantio de gramíneas exóticas, o transporte hidroviário dentro do Pantanal,
o transporte de transgênicos, etc. têm sido os principais problemas da região.
Importante notar que apesar desse arcabouço jurídico ventilar sobre alguns destes
71
aspectos, muito pouco, ou quase nada tem sido efetivamente feito e implementado,
através das políticas públicas estatais, em prol da conservação do bioma pantaneiro.
Por outro lado, as normas federais em vigor se limitam a disciplinar aspectos
específicos do Pantanal, como proteção a espécies da fauna e aos seus recursos
pesqueiros, sem que exista qualquer
legislação federal que estabeleça, de forma
sistêmica e integrada, normas para a utilização sustentável e para a conservação dos
recursos naturais da Bacia do Alto Paraguai, considerada como uma unidade físicoterritorial.
Nesse contexto, além da necessidade da implementação da legislação
Estadual recentemente aprovada no legislativo estadual e sancionada pelo governo do
estado de Mato Grosso (Lei 8930 de 21/01/ 2008), faz-se necessária uma legislação
federal específica do Pantanal, tendo em vista que esta daria maior efetividade e
aplicabilidade ao dispositivo constitucional que reconhece o Pantanal Mato-Grossense
como “patrimônio nacional”.
72
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74
III - A CONSTRUÇAO DE UMA LEI DE GESTÃO DO PANTANAL DE MATO
GROSSO. A EDUCAÇÃO PARA A GESTAO AMBIENTAL.
“A nossa geração não lamenta tanto os crimes dos
perversos, quanto o estarrecedor silêncio dos bondosos”.
Mather Luther King (1963).
Resumo: O objetivo deste capítulo é demonstrar historicamente como se deu a participação
dos Stakeholders na elaboração da Lei de Gestão do Pantanal de Mato Grosso. Os métodos de
coletas de dados utilizados foram o Levantamento documental e bibliográfico e a entrevista com
Informante Chave. O recorte teórico proposto para as análises surge a partir da perspectiva da
Educação para a Gestão ambiental relacionando-a com a teoria dos conflitos sócio-ambientais,
partindo da premissa de que no processo de transformação do meio ambiente são criados e
recriados modos de relacionamento da sociedade entre si e com a natureza, compreendendo
que grande parte dos interesses são conflitantes que as políticas públicas têm privilegiado
grupos detentores de maior cotas de poder.
Palavras chave: Pantanal de Mato Grosso, Educação para a Gestão Ambiental, Stakeholders.
Abstract: The Construction of a Management Law of The Pantanal of Mato Grosso. The
Education for The Environmental Management. The purpose of this chapter is to demonstrate
how historically made Stakeholders' participation in drafting the Management Law of the
Pantanal of Mato Grosso. The methods of collection of data used were the documentary and
bibliographical survey and the interviews with Key Informante. The theoretical cut proposed for
the analysis comes from the perspective of Education for the Environmental Management linking
it to the theory of socio-environmental conflicts, based on the premise that in the process of
transformation of the environment are created and recreated the modes of relationship of society
among themselves and with nature, realizing that many of the interests are conflicting and that
the public policies have privileged groups holders of greater dimensions of power.
Key words: Pantanal of Mato Grosso, Education for The Environmental Management,
Stakeholders.
75
Introdução.
Neste capítulo é apresentado um breve relato histórico sobre a elaboração da
legislação voltada para a proteção do Pantanal de Mato Grosso, apontando o
referencial teórico adotado para discutir a participação social e o conflito sócioambiental.
A educação para a gestão ambiental foi formulada em âmbito governamental no
Brasil por José da Silva Quintas e Maria José Gualda, educadores da Divisão de
Educação Ambiental do Ibama. Quintas e Gualda (1995) definem meio ambiente como
o fruto do trabalho dos seres humanos, conectando o meio natural ao social. Para os
autores no processo de transformação do meio ambiente são criados e recriados
modos de relacionamento da sociedade entre si e com a natureza. Destaca- se que
esta ação, por ser realizada por sujeitos sociais diferentes, está condicionada `a
existência de interesses individuais e coletivos que muitas vezes podem até ser
opostos.
A partir dessa compreensão dos modos de relacionamento do ser humano com a
natureza25 como sendo modos complementares e às vezes diversos, Layrargues (2006)
afirma que é ai que entra a gestão ambiental, entendida essencialmente como um
processo de mediação de conflitos de interesses. Além da diversidade de atores sociais
envolvidos em conflitos sócio-ambientais, Quintas e Gualda, reconhecem também a
existência da assimetria de poder político e econômico presente no interior da
sociedade, onde nem sempre o grupo dominante leva em consideração os interesses
de terceiros nas suas decisões.
25
Neste trabalho fora adotado o conceito de Natureza proposto por Layrargues (2006) para quem a
natureza não é só a terra ou um mero recurso natural como um substrato ou matéria prima da produção
humana – uma mercadoria - , como a visão econômica tradicional a concebe, mas é também um tipo de
mão de obra que desempenha uma força de trabalho específica. Para o autor a intervenção do ser
humano na natureza também pode ser entendida, num sentido figurado como a apropriação e uso de sua
força de trabalho, da mesma forma que o empreendedor capitalista se apropria da força de trabalho do
trabalhador.
76
Sendo assim, Quintas e Gualda, demonstram o papel da educação no processo
de gestão ambiental: diante do desafio da criação de condições para a participação
política dos diferentes seguimentos sociais, tanto na formulação de políticas públicas
como na sua aplicação, o educador deve estar qualificado também para agir em
conjunto com a sociedade civil organizada, sobretudo com os movimentos sociais,
numa visão da educação ambiental como processo instituinte de novas relações entre
si e deles com a natureza. Layrargues (2006) considera que a educação para a gestão
prepara o terreno da decantada fórmula do exercício da cidadania, instrumentando a
sociedade civil à participação da vida política.
Deste modo, sobre a importância da participação popular na elaboração de
políticas públicas e o papel da educação como catalisadora desse processo Reigota
(1997) confirma que a maior contribuição da educação ambiental brasileira ao debate
internacional diz respeito à priorização de conceitos políticos, filosóficos e culturais
como autonomia, cidadania, justiça social, participação e democracia.
3.1 Contextualização histórica.
Para essa contextualização histórica da elaboração das leis de Gestão do
Pantanal e de suas Delimitação, são utilizados o Levantamento Documental, e a
Entrevista realizada com a Gerente de Política do Pantanal da Secretaria Estadual de
Meio Ambiente.
A partir da crescente demanda de solicitações para renovação de licenças para
as Pousadas no Pantanal Mato-grossense é que se deflagrou o processo de
elaboração da Lei de Gestão do Pantanal. A Gerente de Políticas para o Pantanal da
Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA) afirma que: “inicialmente a SEMA tinha
uma Demanda muito grande de licença de pousadas no Pantanal (...) essas licenças
espiraram e precisavam ser renovadas. Nesse processo de renovação a equipe técnica
começou com o passar do tempo, a não ter segurança para emitir as licenças na área
77
do Pantanal, porque se você coloca o que está na legislação o Pantanal todo é uma
APP. Precisamos saber que tipo de uso vamos permitir no Pantanal.”
Deste modo, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, criou através da Gerência
de Políticas do Pantanal, no ano de 2005, um grupo de trabalho para a elaboração de
uma proposta de minuta para a Gestão do Pantanal. Fizeram parte deste grupo
funcionários de diversos setores da SEMA. Com respeito a esse grupo de trabalho da
SEMA, a Gerente disse que: “Nós realizamos um grupo interno aqui na SEMA, tivemos
representantes de todos os setores da SEMA, esse grupo se reuniu umas oito vezes,
oito reuniões, em dois meses de trabalho, (...) apesar de ter representantes de vários
setores da Sema, ele foi composto por pessoas recém concursadas basicamente, os
mais antigos não se envolveram tanto com esse trabalho”.
Os dados levantados pela gerência, oriundos de reuniões com técnicos do
Centro de Pesquisa do Pantanal (CPP); reuniões com a Federação das Indústrias de
Mato Grosso (FIEMT); EMBRAPA - Pantanal; e Sindicatos rurais, foram encaminhados
à Procuradoria do Meio Ambiente do Estado para que fosse sistematizada a Minuta de
Lei.
A minuta foi apresentada à sociedade em 05 de maio de 2006 no Forest. Este
evento é um congresso bienal, é referência mundial para as áreas Florestal e
Ambiental, que tem como finalidade o intercâmbio científico e a reunião de
especialistas no assunto.
Depois de apresentada à comunidade a Minuta ficou a disposição da sociedade
para que recebesse sugestões no site da secretaria. A gerente afirmou que a SEMA
recebeu poucas sugestões “palpáveis” via Internet: “às vezes uma frase, uma
palavra,(...) recebemos muitos comentários pela Internet, de coisas palpáveis mesma
foram poucas”.
78
Em 22 de setembro de 2006 a Universidade do Estado de Mato Grosso através
de um seminário realizado pelo Programa de Mestrado em Ciências Ambientais no
Centro de Pesquisa de Limnologia e Etnoecologia do Pantanal (CELBE), criou um
grupo de trabalho que sistematizou os dados oriundos do Seminário apresentando
sugestões para o aprimoramento da minuta do Projeto.
O projeto discutido e proposto pela Universidade do Estado de Mato Grosso
trazia em seu bojo aspectos relacionados à valorização dos povos e comunidades
tradicionais a partir das diretrizes lançadas a partir da Política Nacional de Povos e
Comunidades Tradicionais - Decreto nº 6.040, de 07 de fevereiro de 2007, que instituiu
a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais.
A proposta elaborada pela UNEMAT abordou também temas relacionados à área
de abrangência da Lei de Gestão, ora aprovada, defendendo que esta Lei versa-se
sobre a gestão de toda a Bacia do Alto Paraguai (BAP), e não somente sobre a área
alagável. Propôs também a proibição do plantio e transporte dos transgênicos na BAP;
também o impedimento da instalação de empreendimentos altamente impactantes na
região (carvoarias, hidrelétricas, usinas de álcool, etc.); criação de um fundo para o
financiamento de empreendimentos que fortaleçam a cadeia produtiva local a partir do
modelo endógeno de produção; a regularização da atividade turística no Pantanal de
Mato Grosso; a proibição da limpeza da pastagem; a proibição da supressão de
espécies nativas; entre outros. De maneira geral a proposta elaborada pela UNEMAT,
atendia a vontade popular e contemplava as indicações técnicas dos estudos feitos pela
instituição.
O Conselho Estadual de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso criou então
uma Comissão Especial, que teve como finalidade analisar e apresentar propostas ao
Projeto de lei referente à Política Estadual de Gestão do Pantanal. A comissão foi
composta pelos representantes dos seguintes órgãos e entidades: Federação da
Agricultura do Estado de Mato Grosso - FAMATO; Secretaria de Estado de Indústria,
79
Comércio e Minas e Energia - SICME; Federação das Indústrias do Estado de Mato
Grosso -
FIEMT;
Instituto Ecológico Sócio-Cultural da Bacia Platina - IESCBAP;
Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/MT; Secretaria de Estado de Desenvolvimento
Rural - SEDER; Secretaria de Estado de Desenvolvimento de Turismo - SEDTUR e
Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, sob a presidência do representante da
FAMATO, (Anexo I).
As reuniões da Comissão Especial foram realizadas no auditório da FAMATO em
Cuiabá, conforme afirmações feitas pelo representante da Ordem dos Advogados do
Brasil, na Audiência Publica de Poconé.
“Então, ficamos, para encerrar, muito envaidecidos, em nome do Conselho
Estadual do Meio Ambiente, falo aqui em nome do Vicente Falcão, onde
disponibilizou, Deputado Homero Pereira, o Auditório da FAMATO, para as
nossas reuniões.”26
A Comissão Especial encaminhou a proposta ao presidente do CONSEMA em
24 de outubro de 2006 através do oficio nº 558/2006-FAMATO (Anexo II). Em seguida
este documento, foi dirigido ao Chefe do Executivo Estadual que, de pronto, o
encaminhou à Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso (AL), conforme as
afirmações do Secretário do Meio Ambiente na Audiência Pública de Poconé:
“O Governador analisou e resolveu apresentar essa Minuta, inclusive para dar
uma valorização ao Conselho Estadual de Meio Ambiente, e apresentou essa
Minuta como Mensagem do Governo para a Política de Gestão do Pantanal”27
É importante pontuar que as mensagens encaminhadas pelo grupo de trabalho
presidido pela FAMATO, tramitaram sem apreciação do conselho pleno do CONSEMA.
Mesmo diante de solicitações feitas por seus membros, vejamos:
Representante da Ordem dos Advogados do Brasil:
26
Ata da Audiência Pública de Poconé Pg 34.
27
Ata da Audiência Pública de Poconé Pg 5
80
“Presidente que as propostas reformuladas da Política do Pantanal voltassem à
discussão no conselho antes de serem encaminhadas à Assembléia Legislativa
para votação. Esclareceu ainda que recebeu várias solicitações de advogados
que gostariam de fazer sustentação oral no plenário”.28
E também a representante do Instituto Floresta de Pesquisa e Desenvolvimento
Sustentável – IFPDS.
“Com a palavra a representante da IFPDS, cobrou da Comissão formada por
Membros do Pleno sobre a discussão das Políticas para a Gestão do Pantanal,
informações sobre o andamento, pois tinha a informação que já estaria sendo
discutido pela Assembléia Legislativa de Mato Grosso e que não mais o assunto
seria discutido pelo conselho”.29
Depois de receber as Mensagens30 do Poder Executivo a Assembléia Legislativa
realizou três audiências Públicas nos municípios de Poconé, Cáceres e Barão de
Melgaço respectivamente. Após a realização das audiências a Assembléia Legislativa
criou também um Grupo de Trabalho, presidido pela responsável pelo Núcleo
Ambiental.
O Grupo de trabalho se reuniu diversas vezes na Assembléia Legislativa,
contando com a presença de representantes de vários setores. Os debates eram
mediados pela responsável pelo setor. Este grupo de trabalho foi criado para
sistematizar as sugestões oriundas das Audiências Públicas, todavia é importante frizar
que estas atas, apesar de diversas solicitações, nunca foram utilizadas nas reuniões do
Grupo de Trabalho. Outro ponto importante a ser destacado é que apesar do esforço da
coordenação dos trabalhos no grupo as discussões só ocorreram até o art. 4º da Lei de
Gestão do Pantanal, lembrando que a lei contém vinte artigos. A coordenação do Grupo
informou que os debates encerraram tendo em vista o início da Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI) instaurada na Assembléia Legislativa para investigação da Secretaria
Estadual de Meio Ambiente.
28
Ata da 1ª Reunião Ordinária do Conselho Estadual do Meio ambiente (CONSEMA), realizada dia
06/02/2007, linhas: 237 – 241.
29
Ata da 2ª Reunião Ordinária do Conselho Estadual do Meio ambiente (CONSEMA), realizada dia
20/03/2007, linhas: linhas:326-330.
30
As mensagens encaminhadas pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo do Estado de Mato Grosso,
estão disponíveis na Secretaria da Assembléia Legislativa.
81
Os projetos de Lei tramitaram na Assembléia Legislativa e foram aprovados e
encaminhados ao Executivo estadual para sanção, todavia o projeto de re-delimitação
do Pantanal foi vetado pelo Governador Blairo Maggi e o projeto de Gestão foi
sancionado, Lei 8.930 de 21/01/ 2008
3.2 – Da Proposta Inicial ao Projeto de Lei.
Neste trabalho considera-se como proposta inicial, dada sua maior abrangência,
a minuta do projeto de lei elaborado no âmbito da Sema e submetido à apreciação do
CONSEMA, uma vez que esse contém aspectos técnicos resultantes das contribuições
recolhidas no Centro de Pesquisas do Pantanal (CPP) e Centro de Pesquisa de
Limnologia e Etnoecologia do Pantanal (CELBE).
A partir da construção da proposta inicial, sua modificação no âmbito do
CONSEMA e sua discussão em Audiências Públicas, é possível identificar os conflitos
de interesse que permeiam o processo de regulamentação da política de gestão do
Pantanal de Mato Grosso, analisados no capítulo seguinte.
3.3 – A Atuação dos Stakeholders na elaboração das Leis de Gestão e
Redelimitação do Pantanal de Mato Grosso.
A Cidadania plena é um dique
contra o Capital Pleno.
Milton Santos (2000)
3.3.1 Aspectos Teóricos
Os stakeholders são todos aqueles que afetam, e/ou são afetados pelas
políticas, decisões, programas e ações. Nesse trabalho são assim considerados os
grupos que estão influenciando a elaboração das Leis de Gestão e de redelimitação do
Pantanal de Mato Grosso.31
31
Os stakeholders (literalmente partes interessadas) podem ser indivíduos, comunidades, grupos sociais
ou instituições de qualquer tamanho, classes ou níveis sociais. (GRIMBLE & CHUAN, 1995).
82
Ao referir-se a políticas públicas, é necessário que se entenda que são ações
estruturadas em geral pelo Estado - mas não somente por ele, para atingir um dado
objetivo. Nesse sentido Castro (2006) considera que:
"Podem ser políticas de desenvolvimento nacional, com ênfase econômica ou
ambiental, mas também políticas de âmbito local ou regional, políticas
econômicas de caráter setorial (agrícola, de energia, de comunicação, industrial
entre outras) ou políticas sociais nas áreas, por exemplo, da educação, da
saúde, meio ambiente, da geração de emprego e renda”.
Importa salientar que quando essas políticas são formuladas e aplicadas pelo
Estado podem ser nomeadas por um termo mais preciso, conhecido como políticas
estatais, todavia outros organismos da sociedade, podem também formular e aplicar
políticas de interesse público. Para isso é imprescindível que os grupos estejam
mobilizados, organizados, e sensibilizados no sentido levarem a cabo seus interesses.
Sobre os conflitos, Jacques Poujol (2005) adverte que eles são uma parte
inerente das relações interpessoais.
O autor afirma que “os conflitos recobrem
praticamente toda a realidade humana e constituem um fenômeno essencial e
onipresente na sociedade”. É impossível pensar sobre comunicação, o amor, política,
meio ambiente, cultura, economia, sem considerá-los.
As questões ambientais não podem ser abordadas isoladamente, tendo em vista
sua complexidade, elas estão intimamente relacionadas às demandas econômicas
culturais e sociais; para tanto importa compreender como os grupos de interesse atuam
em um conflito e as relações de poder que são explicitadas.
Os conflitos representam, por isso mesmo, um dos temas mais estudados pela
humanidade, sob vários aspectos e em diversos níveis: intrapessoais, interpessoais,
organizativos, sociais ou internacionais.
83
Sobre a abrangência dos conflitos Andrade (2000) considera que:
“Seja dentro de um mesmo mundo ou a partir da confrontação de diferentes
mundos. No primeiro caso, em função da existência de princípios superiores
comuns, a construção de um arranjo de negociação parece ser, com freqüência
mais simples. No segundo, a resolução pode ser obtida através de três diferentes
formas: a partir da imposição dos princípios do mundo dominante, se houver
algum, sobre o dominado; a partir da construção de arranjos circunstanciais,
provisórios e sujeitos a mudanças; ou através da extração de um compromisso
duradouro e sustentável entre as partes, que estabeleça um acerta dose de
equilíbrio e cooperação entre atores pertencentes a mundos em conflitos”.
No que toca a definição, Chifuco (2001) afirma que apesar de existir um
consenso na literatura científica, no entanto existem dois pontos essenciais. Para que o
conflito exista, deve haver divergência ou uma aparente divergência, dos pontos de
vista sobre um determinado assunto em questão. A incompatibilidade entre os pontos
de vista gera o conflito, uma vez que as vitórias de um lado são obtidas em função das
derrotas das outras partes. Para tanto neste trabalho serão verificados quais são os
pontos de vista de diversos Stakeholders sobre o modo de apropriação dos bens
ambientais.
Destarte, o conflito social pode ser definido como o reconhecimento coletivo de
interesses que congregam ou agregam grupos mais ou menos homogêneos e que
parecem diferenciá-los de outros agrupamentos. Esses interesses não podem ser
definidos apenas pela somatória de interesses individuais, e sim pelo reconhecimento
de interesses de ordem coletiva (FERREIRA, 1999).
Os conflitos podem ser culturais, sociais, ambientais, econômicos, familiares, etc.
Neste trabalho verifica-se a existência de conflitos que ora são denominados “sócioambientais” pois revelam à relação conflituosa existente entre diversos grupos de
interesse no que diz respeito à política de gestão do Pantanal de Mato Grosso.
Exemplo desta relação no Pantanal de Mato Grosso foi identificado por Silveira e
Da Silva (2000), estudando a relação existente entre diversos grupos de interesse
(stakeholders) e entre estes e o Sistema de baias Chacororé e Sinhá Mariana,
84
identificou quatro níveis de abordagens institucionais na tipologia dos “stakeholders”,
Nível Global e internacional; Nacional; Nível Regional; e nível local, este subdividido em
dois grupos de “stakeholders” que atuam diretamente no sistema: os de fora (“off-site”)
e os de dentro (“on-site”). O autor identificou diferentes interesses ambientais em cada
um desses níveis, e afirma que os conflitos ficaram mais evidenciados a partir do
momento da intervenção do Estado, em realizar obras, as quais pareceu, a alguns dos
entrevistados, privilegiar a poucos grupos de interesse no sistema.
Para Jacobi (1995), a questão ambiental “é um dilema para a construção
democrática”, pois a concepção de meio ambiente muda de indivíduo para indivíduo.
Diante disso, é necessário que se entenda o que é um conflito sócio-ambiental.
A evolução histórica do Brasil tem revelado que, apesar da grande discrepância
existente entre as “cotas de poder”
32
existente entre os diferentes grupos de interesse,
a participação das minorias de direito, na elaboração de políticas públicas tem
aumentado.
Nesse sentido Bursztyn (2001), considera que:
“A história dos conflitos sócio-ambientais no Brasil é rica em experiências, e no
decorrer dos anos tem mostrado uma evolução em seus mecanismos de
negociação no que se refere ao envolvimento dos diferentes atores sociais”.
O antropólogo Paul Little (2001) define conflitos sócio-ambientais como:
“Disputas entre grupos sociais derivados dos distintos tipos de relação que eles
mantêm com seu meio natural. O conceito sócio-ambiental engloba três
dimensões básicas: o mundo biofísico e seus múltiplos ciclos naturais, o mundo
humano e suas estruturas sociais, e o relacionamento dinâmico e
interdependente entre esses dois mundos”.
32
Este é um termo cunhado por Little (2004). Consideramos que é importante conhecer as “cotas de
poder” de um determinado grupo ao avaliar um conflito socioambiental, tendo em vista revelar a
capacidade de intervenção que aquele grupo tem para implementar seus interesses.
85
Em alguns casos existem conflitos entre grupos que compartilham o mesmo
sistema produtivo. Porém, em geral, os conflitos sócio-ambientais mais difíceis tendem
a acontecer onde há um choque entre diferentes sistemas produtivos.
O autor citado continua afirmando que geralmente, os conflitos relacionados aos
recursos naturais são sobre as terras que contêm tais recursos e, portanto, entre os
grupos humanos que reivindicam essas terras como seu território de moradia e
vivência, tendo dimensões políticas, sociais e jurídicas. Cada ator social tem sua forma
de adaptação, ideologia e modo de vida que entra em choque com as formas dos
outros grupos, dando assim a dimensão social e cultural do conflito sócio-ambiental.
No Brasil, entre outros, destacam-se como atores dos conflitos sócio-ambientais,
os atingidos por barragem, seringueiros que lutam pela implantação de reservas
extrativistas na Amazônia, os índios que lutam pela demarcação de suas terras,
pantaneiros que lutam pela permanência em suas áreas, fazendeiros, latifundiários,
trabalhadores e trabalhadoras rurais, etc.
Ainda Gomes (2002) estudando os conflitos de interesse em áreas protegidas
avalia que exemplo como os dos atingidos por barragem, seringueiros têm, em comum,
a luta de classes ou a representatividade dessas em função das necessidades que tais
grupos têm de possuir e explorar os recursos naturais como estratégia de
sobrevivência. A autora continua dizendo que por outro lado, existe o aspecto que
envolve a problemática dos conflitos ambientais, decorrentes da ocupação territorial e
exploração desordenada do recurso.
Cabe distinguir, com respeito aos vários tipos de conflitos envolvendo a
exploração dos bens ambientais, então o que distingue um conflito ambiental de outro
qualquer? Para Ribeiro (1995), é que o conflito ambiental envolve características como
a existência de impacto direto ou indireto de determinadas atividades socioeconômicas,
levando à degradação e ao desequilíbrio – ou à ameaça de áreas físicas, bens
coletivos, recursos naturais escassos ou extinção de espécies.
86
Layrargues (2006) considera que compreender os conflitos sócio-ambientais é de
fundamental importância, pois permite entender o problema ambiental não apenas pela
sua face ecológica, mas também pelo critério do conflito de interesse existente entre os
diversos atores sociais em questão. O autor considera que eles são:
“Conflitos sociais que têm elementos da natureza como objeto e que expressam
relações de tensão entre interesses coletivos/espaços públicos X Interesses
privados/tentativas de apropriação de espaços públicos” .
Para
Acselrad
(2004)
os
conflitos
ambientais
devem
ser
analisados
simultaneamente nos espaços de apropriação material e simbólica dos recursos do
território. Nesse sentido Castrillon (2006) explica que no espaço de apropriação
material, desenvolvem-se lutas sociais, econômicas e políticas pela apropriação de
diferentes tipos de capital, como, por exemplo, no meio ambiente, disputas por
apropriação dos rios entre populações ribeirinhas e grandes projetos hidroelétricos,
confrontos entre seringueiros e latifundiários pelo controle de seringais, etc. No campo
simbólico a luta é para impor categorias que legitimam ou não, a distribuição de poder
sobres os distintos tipos de capital.
É imperioso que se faça essa abordagem das questões ambientais tendo em
vista que esta perspectiva de análise de conflito demonstra quais são os interesses de
cada ator social envolvido.
À guisa de exemplo, Carvalho (1995) explica que:
“Deslocar o eixo da análise do problema ambiental para o conflito sócioambiental, significa transpor a evidência da questão da sustentabilidade
física dos recursos para a questão da sustentabilidade política. Ou seja permite
pensar que para além dos efeitos da degradação ambiental sobre a base
material da vida, existem efeitos das lutas pelo acesso e uso do meio ambiente
sobre o conjunto das forças sociais. Layrargues (2006) considera que este
deslocamento proporciona o entendimento das possibilidades de enfrentamento
da questão ambiental não apenas sob o ângulo técnico, mas sim sob o ângulo
político”.
.
87
A teoria supra elencada aplica-se perfeitamente na atuação dos stakeholders nas
discussões referentes às Leis de Gestão e de redelimitação do Pantanal. A participação
de diversos grupos foi intensa.
Trata-se um conflito sócio-ambiental, onde grupos
pertencentes a diversas frentes ideológicas se manifestaram, defendendo seus
respectivos interesses, e propondo suas demandas.
3.3.2 Mecanismos de Participação Popular: As Audiências Públicas – Espaço de
Legitimação da Ação Estado/Mercado.
Buscar a verdade é uma virtude daqueles
que amam a justiça.
Pr Benedito da Silva
Em sentido amplo, participar significa intervir num processo decisório qualquer
(MORÓN, 1980 e DUARTE, 1996). A participação pressupõe diálogo e democratização
das instâncias deliberativas (IRIGARAY, 2003). É nessa perspectiva que pretendemos
contextualizar a importância dos mecanismos de participação pública, em especial à
Audiência Pública Destarte. Habermas (1983) considera a participação política como
“um elemento propulsionante do difícil e incerto caminho da humanidade em direção a
sua própria emancipação”.
Para tanto, a Audiência pública é um instrumento que leva a uma decisão política
ou legal com legitimidade e transparência. Cuida-se de uma instância no processo de
tomada da decisão administrativa ou legislativa, através da qual a autoridade
competente abre espaço para que todas as pessoas que possam sofrer os reflexos
dessa decisão tenham oportunidade de se manifestar antes do desfecho do processo.
É através dela que o responsável pela decisão pode ter acesso, simultaneamente e em
condições de igualdade, às mais variadas opiniões sobre a matéria debatida, em
contato direto com os interessados. Tais opiniões não vinculam a decisão, visto que têm
caráter consultivo, e a autoridade, embora não esteja obrigada a segui-las, deve
analisá-las segundo seus critérios, acolhendo-as ou rejeitando-as33
33
PODER CIUDADANO. Manejando conflitos y mejorando la transparencia a través de la
participación ciudadana: El caso del Puente La Serna en Argentina. Disponível na Internet em
<http://www.poderciudadano.org.ar. Acessado em 01 de outubro de 2007.
88
O Poder Legislativo, tal qual o Poder Judiciário, quando meramente no
desempenho da função administrativa, realizará audiências públicas nos moldes da Lei
nº 9.784/1999. Como prevê seu art. 1º, §1º.
“Os preceitos desta Lei também se aplicam aos órgãos dos Poderes Legislativo e
Judiciário da União, quando no desempenho de função administrativa”.
Com efeito, a realização de audiências públicas decorre de comando
constitucional (art. 58, §2º, II, da Carta de 1988), cumprindo sua implementação às
comissões do Congresso Nacional e de suas Casas. Decorre também dos dispositivos
da Constituição Estadual de Mato Grosso (Art. 36. § 2º, II, ainda o 263 §único, §3º 4º).
Bastos (1995) considera que o referido dispositivo constitucional tem o "sentido
de integrar representantes e representados através de audiências". Diz ainda que "as
audiências públicas com entidades da sociedade civil são realizadas quando questões
de interesse social ou mesmo de segmentos específicos da sociedade forem
suscitadas". E conclui dizendo que
"tais audiências, portanto, configuram espaços
voltados ao debate coletivo".
Para Milaré (2000), na questão ambiental, audiência pública constitui um:
"Procedimento de consulta à sociedade, ou a grupos sociais interessados em
determinado problema ambiental ou potencialmente afetado por um projeto, a
respeito de seus interesses específicos e da qualidade ambiental por eles
preconizada".
Sua realização deve seguir requisitos regulamentares pertinentes à forma de
convocação, condições e prazos para informação prévia sobre o assunto a ser
debatido, inscrições para participação, ordem dos debates, aproveitamento das
opiniões expedidas pelos participantes.
Oportuno assinalar que a audiência pública não se restringe à modalidade
prevista na resolução do CONAMA 06/86, mas tem sido utilizada como instrumento de
democratização das discussões sócio-ambientais tanto dos Poderes Executivo,
Legislativo e judiciário. Neste sentido Oliveira (1997) afirma que:
89
“Sempre que direitos coletivos estiverem em jogo, haverá espaço para a
realização de audiências públicas.”
Como já aludido, no âmbito do processo administrativo, a audiência pública, tem
previsão na Lei nº 9.784/1999, como mecanismo de instrução do processo
administrativo federal, objetivando o desempenho da função administrativa pelos entes
da Administração Pública Direta e Indireta, dos três Poderes da União. É contemplada,
também, para exercício dessa função, em leis específicas que regem o meio ambiente,
natural e o artificial regulamentado no Estatuto da Cidade, a concessão e permissão de
serviços públicos, os serviços de telecomunicações e as agências reguladoras, e as
licitações e contratos administrativos.
A audiência pública é um procedimento de consulta à sociedade ou a
stakeholders em uma determinada questão. Para que efetivamente ela não seja pura e
simplesmente um espaço de legitimação das ações do Estado, a participação precisa
ser efetiva e continuada, e os atores sociais precisam acompanhar a tramitação das
decisões arroladas em plenário, a fim de que realmente sejam implementadas.
3.3.3 Contextualizando a Finalidade da análise
O objetivo geral desta análise é o de contextualizar a participação pública na
elaboração de políticas públicas estatais, a partir de um Estudo de Caso. Os objetivos
específicos são: Identificar quais os grupos de interesse atuaram na elaboração das
Leis de Gestão e de redelimitação do Pantanal; em qual fase cada grupo atuou; e quais
as demandas apresentadas por cada grupo.
Considerações Finais
Para compreender as interações existentes entre os stakeholders, vítimas da
democracia de mercado, ora identificada neste trabalho, é imperioso considerar as
análises de Milton Santos (1994), o autor ensina que na democracia de mercado, o
território é o suporte de redes que transportam regras e normas utilitárias, parciais,
parcializadas, egoístas (do ponto de vista dos atores hegemônicos), as verticalidades,
90
enquanto as horizontalidades hoje enfraquecidas são obrigadas, com suas forças
limitadas, a levar em conta a totalidade dos atores. As horizontalidades, consideradas
pelo autor são os modos sustentáveis de apropriação dos bens ambientais (agricultura
praticada pelas comunidades tradicionais, pesca de subsistência, economia solidária).
Como já fora definido o sistema social em análise reflete um conflito sócioambiental, onde diversos stakeholders estão pleiteando modos diferenciados de
apropriação dos bens ambientais.
Um exemplo dessa situação conflituosa no Pantanal de Mato Grosso,foi
identificado na construção das Usinas Hidrelétrica de Manso. Irigaray (2003) afirma que
as pressões pela construção da barragem no rio Manso iniciaram-se na década de
setenta, mobilizando políticos e empresários da região, o autor considera que a
construção dessa usina representa os inúmeros conflitos decorrentes da gestão
centralizada e tecnocrática de um corpo hídrico.
Sobre a audiência pública realizada para discutir o Estudo de Impacto Ambiental
do empreendimento o autor argumenta que lideranças políticas e setores interessados
na construção da barragem articularam-se, trazendo a Cuiabá alguns ônibus com
“torcida organizada” para abafar, no auditório, os protestos dos ambientalistas,
transformando em uma farsa o que poderia ser uma discussão dos impactos
ambientais.
Verifica-se então que o pantanal é uma arena, onde se opõem o mercado e a
sociedade civil, lembrando que agentes de mercado têm ocupado as estruturas
estatais, no intuito de fazer prevalecer seus interesses. O Estado, deste modo, vem
impondo uma “democracia de mercado”, seja pela implementação de empreendimentos
altamente impactantes, a exemplo da Usina de Manso, ou pela ausência de políticas
públicas básicas previstas no art. 5º da Constituição de 1988, que tem destruído os
modos tradicionais de ocupação territorial do Pantanal e imposto uma acelerada
destruição da cultura pantaneira.
91
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94
IV ATORES SOCIAIS ENVOLVIDOS NA ELABORAÇÃO DAS LEIS DE GESTÃO E
DE REDELIMITAÇÃO DO PANTANAL E SUA CATEGORIZAÇÃO: APLICAÇÃO DA
STAKEHOLDERS ANALYSIS.
Ai dos que ajuntam casa a casa, reúnem campo a campo,
até que não haja mais lugar, e ficam como únicos moradores no meio da terra!
Profeta Isaías 5.8
Resumo: O objetivo deste capitulo é o de identificar quais foram os grupos de interesse que
atuaram na elaboração das Leis de Gestão e redelimitação do Pantanal de Mato Grosso. Para
tanto foi utilizada a Stakeholders Analysis e a Observação Participante Ativa. Os stakeholders
são todos aqueles que afetam, e/ou são afetados pelas políticas, decisões, programas e ações
estatais. A Stakeholders Analysis, possibilitou a identificação detalhada de quais foram os
grupos de interesse que atuaram na elaboração das Leis em comento e respectivas demandas.
Os grupos foram categorizados em Estado, Comunitário, e Mercado. Observando que dentro da
categoria Estado, foram encontrados agentes de Mercado e agentes Populares. A partir da
explicitação dos interesses de cada grupo e de quais destes interesses foram contemplados na
Lei Estadual nº 8.830, de 21 de janeiro de 2008, sancionada pelo Governador Blairo Maggi, fica
evidente o “Poder de Interferência” que o Agronegócio Mato-grossense tem exercido sobre as
tomadas de decisão e implementação de políticas públicas, em especial nas questões
ambientais, no Estado de Mato Grosso.
Palavras Chave: Pantanal de Mato Grosso, Stakeholders Analysis, Conflitos Sócio-ambientais,
Legislação Ambiental.
Abstract: Social Actors Involved In Preparation of Laws of Management And Redelimitation of
The Pantanal and Its Categorisation: Implementation of Stakeholders Analysis. O purpose of
this chapter is to identify which were the interest groups that acted in the drafting of the Laws of
Management and redelimitation of the Pantanal of Mato Grosso. For this was used to
Stakeholders Analysis and the Active Participant Observation, from a Case Study. The
stakeholders are those that affect and / or are affected by the policies, decisions, programs and
state actions. The Stakeholders Analysis, enabled the identification details of which were the
interest groups that acted in the drafting of Laws in comment and their demands. The groups
were categorized in State, Community and Market. Noting that in the State category were found
Market agents and Popular agents. From the explanation of the interests of each group and
what these interests were reflected in the State Law No 8830, January 21, 2008, sanctioned by
the Governor Blairo Maggi, it is clear the "Power of interference" that the Mato-grossense
Agribusiness has exercised over the decision-making and implementation of public policies,
especially in environmental issues, in Mato Grosso State.
Key words: Pantanal of Mato Grosso, Stakeholders Analysis, Social Environmental Conflicts,
Environmental Law.
95
Introdução.
Em seu magistério Little (2004) afirma que a identificação e análise dos principais
atores sociais envolvidos é um elemento fundamental para o estudo de conflitos sócioambientais, já que tenta explicitar os interesses específicos em jogo no conflito, seguido
por um levantamento das interações entre cada um desses atores sociais. O Autor
considera que:
“Para perceber um conflito na sua totalidade, o pesquisador tem a obrigação de
entender as intenções e posições de todos os atores sociais envolvidos, mesmo
que tenha preferência por um dos grupos envolvidos”.
Para a identificação dos Stakeholders que atuaram na elaboração das Leis de
Gestão do Pantanal, fora utilizada a entrevista concedida pela Gerente de Políticas do
Pantanal da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso; Ata da 7ª
Reunião Ordinária do Conselho Estadual de Meio Ambiente – CONSEMA, realizada dia
26/09/2006; Resolução 50/06 do CONSEMA; Oficio nº 558/2006 – FAMATO; a
Comunicação Interna nº 085/2006 da Superintendência de Biodiversidade – Gerência
de Política do Pantanal de 29/11/2006 e seus anexos; e as Atas das Audiências
Públicas realizadas pela Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso nos
Municípios de Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço.
4.1 – A análise dos dados a partir da “Stakeholders analysis”.
A Stakeholders Analysis, para a gestão de recursos naturais surgiu nos anos 90
em resposta a inadequação dos métodos convencionais de analise econômica para a
avaliação ambiental. A Stakeholders Analysis é considerada como um complemento
dos métodos convencionais, como a análise de custo-e-beneficio da gestão em geral.
Seixas (2005) considera que no entanto ela dá maior atenção aos custos e benefícios
privados, tais como são percebidos por aqueles que tomam decisões em diversos
níveis.
Grimble e Chan (1995) consideram que a Stakeholders Analysis pode ser
utilizada para diagnósticos a priori de planos de gestão de recursos, para a avaliação a
96
posteriori dos mesmos, para a pesquisa de sistemas de gestão de recursos naturais, e
também como uma ferramenta de apoio aos processos de resolução de problemas.
Esta metodologia de análise foi utilizada porque apresenta a possibilidade de
que sejam identificarmos os interesses dos Stakeholders na elaboração de políticas
públicas. Como se averiguará, através desta Metodologia todos as proposições
identificadas nos materiais consultados são explicitados, na apresentação dos dados.
A guisa de esclarecimento, o que foi considerado de maior importância para a
escolha deste método alicerça-se nas declarações de Grimble e Chan (1995) e
Chevallier (2001) os autores afirmam que “este método assegura que os interesses dos
grupos marginalizados e sem poder sejam levados em conta durante a tomada de
decisão”. Continuam dizendo que esta metodologia busca identificar os Stakeholders e
fazer um diagnóstico das suas preocupações e interesses relativamente ao sistema em
operação.
Esse sistema permite identificar a sustentabilidade do sistema de análise, para
isso Chevalier (2001) propõe que para assegurar a sustentabilidade de um dado
sistema de gestão torna-se necessário:
a) identificar os stakeholders envolvidos na competição para a utilização do recurso;
b) considerar seus valores e visões, além dos seus interesses e objetivos com relação
ao recurso;
c) identificar os conflitos existentes e potenciais antes deles surgirem, assim como as
relações sociais existentes entre os diversos grupos de stakeholders;
d) considerar como os recursos, as influências, a autoridade e o poder de cada
stakeholder podem contribuir para a gestão do recurso em questão;
e) abordar os impactos sociais e econômicos (de distribuição) de um plano de gestão, e
a viabilidade do mesmo;
97
f) considerar o tipo ou adequação da participação dos vários stakeholders nas diversas
fases de um dada experiência de gestão de recursos Naturais; e
g) identificar possíveis coalizões entre stakeholders na busca de estratégias de
subsistência mais eficientes, eqüitativas e sustentáveis (i.e., investigar a relação entre
os objetivos públicos e os interesses privados divergentes).
A Stakeholders analysis é útil para permitir tomadas de decisão baseadas num
entendimento real de como diferentes stakeholders podem se beneficiar ou ser
prejudicados por um dado plano de gestão (Grimble e Chan, 1995). Esses autores
consideram que devem estar presentes alguns requisitos para lançarmos mão deste
método:
a) existir relações complexas e interdependentes entre diferentes grupos usando
recursos comuns;
b) os recursos mobilizam diferentes sistemas administrativos, sociais, políticos e
econômicos, nos diversos níveis de governo;
c) existem problemas de externalidades (do ponto de vista econômico);
d) os sistemas de apropriação de recursos não são definidos claramente ou são de
livre-acesso;
e) existem diferentes níveis de stakeholders com agendas e interesses distintos ;
f) ocorre uma representação insuficiente dos stakeholders nas tomadas de decisões; e
g) há a necessidade de se fazer trade-offs e análises de custo de oportunidades sobre
o uso e gestão dos recursos em termos políticos.
Para tanto, consideramos que pelo menos parte, dos requisitos acima estão
presentes em nosso estudo, tendo em vista estarmos tratando da participação de
98
diversos grupos de interesse que estão atuando na elaboração das Leis que
regulamentação a Gestão e a delimitação do Pantanal Mato-grossense.
Nesse sentido seguiremos algumas das diretrizes propostas por Grimble e Chan
(1995) expostas na Tabela 06.
Tabela 06 – Diretrizes para análise de stakeholders segundo Grinble e Chan
(1995).
Diretrizes
Questões e/ou Comentários
1) Identificar a principal finalidade da Qual o problema a ser abordado? Quais
análise.
os objetivos e resultados esperados da
análise? Quais são as decisões? Como os
resultados serão utilizados?
2) Buscar compreender o sistema, suas
interações hierárquicas e as decisões.
3) identificar os principais stakeholders.
É importante considerar aqui mais de um
critério para decidir quais os stakeholders
devem ser incluídos ou excluídos da
análise. (...) Para a identificação dos
stakeholders, três técnicas são sugeridas:
o uso de informante-chave, o uso de
grupos focais e o uso de dados
demográficos.
4) Identificar os padrões e contextos de Isto pode ser feito ao se discutir casos
interações entre stakeholders, isto é, a reais de conflitos ou ações cooperativas
natureza dos conflitos e das ações de que já ocorreram no passado.
cooperação.
5) investigar os interesses, circunstâncias Este passo deve incluir questões-chave
e características dos stakeholders.
para os stakeholders locais sobre o uso e
gestão dos recursos.
6) Administrar conflitos entre stakeholders. Este passo diz mais respeito a técnicas
de resolução de conflitos do que ao
diagnóstico
dos
stakeholders.
A
Stakeholders Analysis é somente uma
ferramenta de apoio para este fim.
* Este trabalho se limitará à parte das etapas 01, 02, 03, 04 e 05 da proposta dos autores.
99
4.2 Stakeholders apresentados na entrevista com a Gerência de Políticas do
Pantanal.
A “Entrevista com Informante Chave” foi realizada no dia 15 de agosto de 2007,
na Gerência de Políticas do Pantanal. A Gerente de Política do Pantanal da SEMA,
afirmou que o que desencadeou o interesse em elaborar uma Lei de Gestão para o
Pantanal foi o “aumento da demanda por renovação de licenças das pousadas no
pantanal”, a gerente afirmou que os técnicos da SEMA, não estavam mais sentido
segurança em emitir das renovações a partir da legislação em vigor pois “ se fossem
levar ao pé da letra tudo no Pantanal era área de preservação permanente”.
Com respeito aos grupos que atuaram na elaboração da Minuta de Lei que foi
apresentada no Forest em 05 de maio de 2006, a gerente citou a Secretaria de Meio
Ambiente do Estado de Mato Grosso (SEMA); Centro de Pesquisa do Pantanal (CPP);
a Embrapa Pantanal e a Procuradoria Geral do Estado Mato Grosso.
“A partir do 1º Fórum Estadual de Meio Ambiente (...), que era subdividido por
temas, por biomas, e esse fórum tinha um grupo de trabalho de políticas para o
Pantanal, desse fórum saíram várias contribuições, de diversos seguimentos,
considerando todas as questões que precisávamos resolver, e esse evento (...) e
os outros que nós havíamos participado.(...) Nós pegamos então todo os
materiais do Fórum do meio ambiente, pegamos os estudos do GEF, PCBAP,
Técnicos da SEMA e um representante da embrapa Pantanal nós elaboramos o
que nós entendíamos que poderia ser permitido no pantanal (...)”.
De acordo com a gerente, no período em que a Minuta esteve no site da
Secretaria para discussão o Grupo de Trabalho da SEMA recebeu propostas de
Minutas da UNEMAT; REMTEA; CONSEMA, e CPP.
No que tange à participação da sociedade a entrevistada avaliou que a
sociedade, não entendeu inicialmente a proposta.
“Primeiro tem que relatar que a sociedade não entendeu muito bem esse
processo, muitos entenderam que era uma minuta já pronta que já estava
resolvido, e que mais uma vez era uma Lei sendo imposta de cima para baixo,
nós tivemos todo um trabalho de informar às pessoas que não era essa a
intenção, a proposta podia estar errada, mas o que agente queria era receber
contribuições (...)”.
100
A gênese da proposta de Lei está vinculada a interesses fiscalizatórios,
diferentemente do que uma perspectiva participativa e democrática exige, a proposta de
Lei surgiu para implementar as atividades técnicas de fiscalização do Estado e não
como política pública oriunda dos interesses das camadas populares da sociedade
pantaneira.
4.3 Stakeholders apresentados na Ata da 7ª Reunião Ordinária do Conselho
Estadual de Meio Ambiente – CONSEMA, realizada dia 26/09/2006; Resolução
50/06 do CONSEMA; e Ofício nº 558/2006 da FAMATO.
O primeiro item da pauta da 7ª Reunião ordinária de 2006 do CONSEMA era a
discussão sobre o Projeto de Lei - Política Estadual de Gestão e Proteção do Pantanal
(Anexo III). A reunião ocorreu na Sala de Reuniões da OAB-MT (Plenarinho), foi
presidida pelo presidente do CONSEMA.
Consta da ata que fora deliberado que comporiam a comissão especial do
CONSEMA, FAMATO, SICME, FIENT, IESCBAP, OAB/MT, SEDER, SEDTUR, UFMT
e o IBAMA (Anexo IV). A Resolução 50/06 do CONSEMA, definiu a composição da
comissão, nomeando como participantes os órgãos e entidades definidos pelo
CONSEMA. Apesar da deliberação do Pleno do CONSEMA o IBAMA não foi arrolado
nessa resolução (Anexos I e IV).
4.4 Stakeholders apresentados na Comunicação Interna nº 085/2006 da
Superintendência de Biodiversidade – Gerência de Política do Pantanal de
29/11/2006 e seus anexos.
A Comunicação Interna foi um encaminhamento da Gerência de Política do Pantanal
para a Coordenadoria de Ecossistemas (CECO)
e traz diversas sugestões do
Governador do Estado de Mato Grosso Blairo Maggi.34
34
Comunicação Interna nº 085/2006 da Superintendência de Biodiversidade – Gerência de Política do
Pantanal de 29/11/2006 (Anexo V), este documento em inteiro teor está disponível na Secretaria
Estadual do Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso.
101
Em 17/11/2006 foi realizada uma reunião na Casa Civil onde estiveram
presentes representantes da SEMA e o Governador do Estado de Mato Grosso. A partir
dos dados sugeridos nessa reunião fora elaborada uma tabela, a qual segue como
anexo da Comunicação Interna. Em sua primeira coluna está disposta a versão da
Minuta com contribuições acatadas pela Gerência de Políticas do Pantanal da
Superintendência de Biodiversidade da SEMA; na segunda coluna as decisões
realizadas pelo Governador; e na terceira as Sugestões do CONSEMA, não acatadas
pelo Grupo de Trabalho (Anexo V).
4.5 Stakeholders apresentados nas Atas das Audiências Públicas realizadas pela
Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso.
As Audiências Públicas ocorreram nos Municípios de Poconé em 26 de março de
2007; Cáceres em 13 de abril de 2007; e Barão de Melgaço em 16 de abril de 2007.
Tiveram como objetivo discutir as Mensagens nº 02/07, que dispõe sobre a Política
Estadual de Gestão do Pantanal de Mato Grosso; e nº 03/07, que dispõe sobre os
limites do Pantanal no estado de Mato Grosso.
Para a categorização dos Stakeholders que participaram das Audiências
Públicas foram propostas a partir deste trabalho três categorias: Estado, Comunitário e
Mercado. E os critérios formulados, a partir de então para incluí-los em cada categoria
estão dispostos na Tabela 07, os Stakeholders estão distribuídos na Tabela 08.
102
Tabela 07 – Categorias de Stakeholders encontrados na análise dos dados e os
critérios utilizados para sua classificação.
Critérios objetivos de classificação.
Executivo (Federal, Estadual e Municipal)
Estado
Judiciário (Federal e Estadual)
ONG’s (Organização não Governamental)
CATEGORIAS
DE
Legislativo (Federal, Estadual e Municipal)
Ministério Público (Federal e Estadual)
Comunitário
Órgão de representação de Trabalhadores
Representantes de Comunidades Tradicionais.
STAKEHOLDERS
Órgãos de representação dos setores produtivos.
Mercado
Órgãos de representação de profissionais liberais.
Retratando o aspecto teórico das Audiências Públicas, Antunes (2002) considera
que audiência pública ambiental funciona como o "instrumento de garantia mais
importante para o efetivo exercício" do princípio da publicidade e do princípio da
participação pública ou comunitária consagrados entre os fundamentais pela
Constituição da República.
No entanto, o autor pondera que não obstante o objetivo legal da audiência
pública seja "assegurar o cumprimento dos princípios democráticos que informam o
Direito Ambiental", com a troca de informações entre os particulares e a Administração
Pública, "a pouca tradição democrática de nossa sociedade faz com que a audiência
pública seja, de longe, o mais criticado dos institutos jurídicos posto à defesa do meio
ambiente".
103
Nesse sentido Irigaray (2003) enfatiza que:
“Qualquer que seja a modalidade de participação, os stakeholders devem
encontrar no sistema um espaço para a defesa de seus interesses e a segurança
de que sua participação não é meramente retórica, indo além da legitimação de
decisões técnico-científicas tomadas em gabinetes, estabelecendo-se vínculos
de credibilidade”.
Destarte, a partir de então serão verificados quais foram os Stakeholders que
participaram das Audiências Públicas. A partir da Tabela 08, foram registradas as
presenças de 57 Stakeholders, que participaram das Audiências Públicas de Poconé,
Cáceres e Barão de Melgaço. Sendo 29 da Categoria Estado; 15 Comunitário; e 13
Mercado, Figura 01.
.
23%
51%
Estado
Comunitário
Mercado
26%
Figura 01 - Distribuição Total dos Stakeholders que
Participaram das Audiências Públicas.
Analisando a presença dos grupos a partir de cada Audiência Pública, pode ser
verificado que em Poconé, foram registradas as presenças de 26 Stakeholders sendo
15 na categoria Estado, 02 Comunitário, e 09 mercado, Figura 02.
35%
57%
Estado
Comunitário
Mercado
8%
Figura 02 – Stakeholders que participaram da
Audiência Pública de Póconé – MT
104
Em Cáceres foram registradas as presenças de 44 Stakeholders, sendo 19 na
categoria Estado, 15 Comunitário, e 10 mercado, Figura 03.
23%
43%
Estado
Comunitário
Mercado
34%
Figura 03 – Stakeholders que participaram da
Audiência Pública de Cáceres – MT
Em
Barão de Melgaço foram registradas as presenças de 22 Stakeholders,
sendo 14 na categoria Estado, 02 Comunitário, e 06 de Mercado, Figura 04.
27%
64%
Estado
Comunitário
9%
Mercado
Figura 04 – Stakeholders que participaram da
Audiência Pública de Barão de Melgaço – MT
105
Tabela 08 – Stakeholders presentes nas Audiências Públicas de Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço.
Categorias
ESTADO
Stakeholder
Executivo Federal:
a) Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária)
b) MMA (Ministério do Meio Ambiente)
Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis.)
Programa Pantanal.
c) SEAP – Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da
Presidência da República.
d) MEC (Ministério da Educação)
UFMT (Universidade Federal do Estado de Mato Grosso)
Audiência Pública
Audiência Pública de Cáceres
Audiência Pública de Cáceres
Audiência Pública de Cáceres
Audiência Pública de Poconé
Audiências Públicas de Poconé,
Cáceres e Barão de Melgaço.
Audiência Pública de Cáceres.
EAFC - Escola Agrotécnica Federal de Cáceres.
Executivo Estadual:
a) SEDTUR (Secretaria de Estado e Desenvolvimento de Audiência Pública de Poconé, Cáceres
Turismo);
e Barão de Melgaço – Membro da
Comissão do CONSEMA, (Anexo I)
b) Casa Civil.
Secretário Chefe da Casa Civil
Audiência Pública de Poconé
d) SICME (Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e Minas e Audiência Pública de Poconé, Cáceres
Energia).
e Barão de Melgaço – Membro da
Comissão do CONSEMA, (Anexo I)
e) SEDER (Secretaria de Estado de Desenvolvimento Rural).
Audiência Pública de Poconé, Cáceres
e Barão de Melgaço – Membro da
Comissão do CONSEMA, (Anexo I)
f) SEMA (Secretaria Estadual de Meio Ambiente)
Audiência Pública de Cáceres, Poconé
e Barão de Melgaço.
106
Continuação da Tabela 08.
g) EMPAER (Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Audiência
Assistência e Extensão Rural).
Melgaço.
h) SECITEC (Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia)
UNEMAT (Universidade do Estado de Mato Grosso)
Pública
de
Barão
de
Audiências Públicas de Poconé,
Cáceres e Barão de Melgaço.
i) SEDUC (Secretaria de Educação do Estado de Mato
Grosso)
ESTADO
CEOM (Escola Estadual Onze de Março)
CEFAPRO (Centro de Formação)
Executivo Municipal:
a) Chefe do Executivo de Poconé
b) Secretaria de Turismo de e Meio Ambiente de Poconé
c) Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário de Poconé.
d) Secretaria de Finanças do Município de Poconé.
Audiência Pública de Cáceres.
Audiência Pública de Cáceres.
Audiência Pública de Poconé e Barão
de Melgaço.
Audiência Pública de Poconé
Audiência Pública de Barão
Melgaço.
Audiência Pública de Poconé
de
e) Chefe do Executivo de Barão de Melgaço
Audiência Pública de Poconé e Barão
de Melgaço.
f) Secretaria Municipal de Educação de Barão de Melgaço
Audiência Pública de Barão de Melgaço
e) Secretaria Municipal de Administração de Barão de Audiência Pública de Barão de
melgaço.
Melgaço.
d) Chefe do Executivo de Cáceres.
Audiência Pública de Cáceres.
e) Secretário de Governo de Cáceres
Poder Legislativo:
a) Legislativo Federal
Audiência Pública de Cáceres.
Audiência
Cáceres.
Publica
de
Poconé
e
107
Continuação da Tabela 08.
b) Legislativo Estadual;
c) Legislativo Municipal
Audiência Pública de Poconé,
Cáceres e Barão de Melgaço.
Audiência Pública de Poconé, Cáceres
e Barão de Melgaço.
ESTADO
Ministério Público:
a) Ministério Público Estadual.
Poder Judiciário:
a) Poder Judiciário Estadual.
a) ONG’s (Organizações Não Governamentais):
FLEC – Fórum de lutas das entidades de Cáceres.
Grupo ambiental – Guerreiro da Natureza;
ABENE– Associação Beneficente Evangélica;
JOEA – Juventude Organizada em Educação e Ação.
Rede Pantanal.
Paróquia Santíssima Trindade
IESCBAP – Instituto Ecológico Sócio-Cultural da Bacia Platina
COMUNITÁRIO
ARPA – Associação Regional de Produtores Agroecológicos
REMTEA - Rede mato-grossense de Educação Ambiental
FORMAD – Fórum mato-grossense de desenvolvimento.
b) Órgãos de representação dos trabalhadores:
Federação de Pescadores do Estado de Mato Grosso
Sindicato dos Trabalhadores Rurais.
Fórum Estadual de Economia Solidária.
c) Representantes de Comunidades Tradicionais:
Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais
Chiquitano
Audiência Pública de Cáceres
Audiência Pública de Cáceres.
Audiência Pública de Cáceres
Audiência Pública de Cáceres
Audiência Pública de Cáceres
Audiência Pública de Cáceres
Audiência Pública de Cáceres
Audiência Pública de Cáceres
Audiência Pública de Poconé, Cáceres
e Barão de Melgaço, Participou da
Comissão Especial do CONSEMA,
(Anexo I)
Audiência Pública de Cáceres
Audiência Pública de Cáceres
Audiência Pública de Cáceres
Audiência Pública de Poconé, Cáceres
e Barão de Melgaço.
Audiência Pública de Cáceres
Audiência Pública de Cáceres
Audiência Pública de Cáceres
Audiência Pública de Cáceres
108
Continuação da Tabela 08.
a) Órgãos de representação dos setores “produtivos”:
FAMATO – Federação da Agricultura e da Pecuária do Estado
de Mato Grosso
MERCADO
Audiências Públicas de Poconé,
Cáceres e Barão de Melgaço,
Participou da Comissão Especial do
CONSEMA, (Anexo I)
Sindicatos Rurais.
Audiências Públicas de Poconé,
Cáceres e Barão de Melgaço.
Pecuaristas
Audiências Públicas de Poconé,
Cáceres e Barão de Melgaço.
FIENT – Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso.
Audiências Públicas de Poconé,
Cáceres e Barão de Melgaço,
Participou da Comissão Especial do
CONSEMA, (Anexo I)
Comissão Pró – Cáceres
Audiência Pública de Cáceres.
ACRIMAT – Associação de Criadores de Mato Grosso.
Audiência Pública de Poconé.
Associação Comercial e Empresarial de Cáceres.
Audiência Pública de Cáceres.
Associação Brasileira de Criadores de Cavalos Pantaneiros de Audiência Pública de Poconé e
Poconé.
Cáceres.
Cooperativa de Criadores de Jacarés.
Sindicato de Tributação de Cáceres.
COOPER (Cooperativa de Desenvolvimento Mineral de Poconé)
b) Órgãos de representação de profissionais liberais:
OAB - Ordem dos Advogados do Brasil.
SOMATOVET (Sociedade Mato-grossense de Medicina
VeterináriA)
Audiência Pública de Poconé e
Cáceres.
Audiência Pública de Cáceres.
Audiência Pública de Poconé.
Audiências Públicas de Poconé,
Cáceres e Barão de Melgaço,
Participou da Comissão Especial do
CONSEMA, (Anexo I)
Audiência Pública de Barão de
Melgaço
109
4.6 A área de atuação política de cada Stakeholder.
Depois de identificados quais são os Stakeholders, importa investigar qual é a
área de atuação política de cada um deles. Estes dados estão descritos na Tabela 09.
Sistematizando o campo de atuação política, a partir das categorias dos
Stakeholders encontrados verificou-se que os representantes da categoria Estado
foram: Gestores de Políticas Públicas Estatais relacionadas às áreas ambiental, agrária,
educacional, pesca, turismo e agropecuário; Legisladores dos âmbitos Federal,
Estadual e Municipal; Representantes do Sistema Educacional – Ensino, Pesquisa,
Extensão e Formação técnica; Ministério Público; e o Poder Judiciário.
Quanto aos representantes da categoria Comunitário, foram: organizações não
governamentais
educação
com
ambiental;
militância
ambiental,
organizações
social,
religiosas;
educacional,
órgãos
de
agro-ecológica,
representação
de
trabalhadores;
Na Categoria Mercado foram: representantes do agronegócio; do setor industrial;
das ZPE`s; da Hidrovia Paraguai Paraná; do setor empresarial e comercial; e
profissionais liberais.
Os dados demonstraram que a gestão do Pantanal de Mato Grosso é um tema
de grande interesse, setores de áreas teoricamente distintas se interessaram em
participar da elaboração das Leis, apresentando suas demandas nas diversas etapas.
110
Tabela 09 – Área de Atuação dos Stakeholders
ESTADO
Stakeholders
Área de Atuação Política
Poder Executivo
Executivo Federal
a)MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário).
Gestão do segmento rural constituído pelos agricultores familiares; e
reforma agrária. Atua também na identificação, reconhecimento,
delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos
remanescentes das comunidades dos quilombos.
Incra (Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária)
Implementa a política de reforma agrária nacional e realiza o
ordenamento fundiário nacional.
b) MMA (Ministério do Meio Ambiente)
Gestão da Política Nacional de Meio Ambiente.
IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis.)
Execução da Política Nacional do Meio Ambiente no âmbito federal.
Programa Pantanal.
Promove o desenvolvimento sustentável da Bacia do Alto Paraguai,
através do gerenciamento e da conservação de seus recursos
naturais, incentivando atividades econômicas ambientalmente
compatíveis com os ecossistemas e provendo melhores condições de
vida à população da região
c) SEAP – Secretaria de Aqüicultura e Pesca da
Presidência da República.
Gestão da Política de Aqüicultura e Pesca do Governo Federal
d) MEC (Ministério da Educação)
Gestão da Política Nacional de Educação.
UFMT (Universidade Federal do Estado de Mato
Grosso)
Ensino, Pesquisa e Extensão.
EAFC - Escola Agrotécnica Federal de Cáceres.
Formação técnica profissional agropecuária.
111
Continuação da tabela - 09.
Executivo Estadual
a) Governador do Estado de Mato Grosso
Dirigente do Executivo Estadual
b)
SEDTUR (Secretaria de
Desenvolvimento de Turismo);
c) Casa Civil.
Estado
Executor das Políticas Públicas Estatais no Estado de Mato Grosso.
e
d) SICME (Secretaria de Estado de Indústria,
Comércio e Minas e Energia).
e)
SEDER
(Secretaria
Desenvolvimento Rural).
de
Estado
de
f) SEMA (Secretaria Estadual de Meio Ambiente)
g) EMPAER (Empresa Mato-grossense de
Pesquisa, Assistência e Extensão Rural)
h) SECITEC ( Secretaria Estadual de Ciência e
Tecnologia)
UNEMAT (Universidade do Estado de Mato
Grosso)
i) SEDUC (Secretaria de Educação do Estado de
Mato Grosso)
Gestão das Políticas Públicas Estatais do Turismo no Estado de Mato
Grosso.
Compete exercer as funções entre o Governo e os demais Órgãos,
executa e transmite decisões governamentais, coordena o expediente
do Governador.
Promover a descentralização industrial como forma de prevenção de
disparidades regionais, harmonizando e integrando as iniciativas
públicas e particulares entre outras atividades.
Coordena as ações do Sistema Agrícola Estadual, implementando
medidas que buscam a sustentabilidade da cadeia agroprodutiva,
permitindo assegurar a expansão, a qualidade e a competitividade do
agronegócio mato-grossense.
Gestão das Políticas Públicas Estatais do Meio Ambiente no Estado de
Mato Grosso.
Assistência Técnica, Pesquisa e Extensão Rural no Estado de Mato
Grosso.
Gestão das Políticas de Ciência e Tecnologia do Estado de Mato
Grosso.
Ensino, Pesquisa e Extensão.
Gestão das Políticas de Educação do Estado de Mato Grosso.
112
Continuação da tabela - 09.
CEOM (Escola Estadual Onze de Março)
CEFAPRO (Centro de Formação)
Ensino em Cáceres.
Aperfeiçoamento e Capacitação de docentes.
Executivo Municipal
Dirigente do Executivo Municipal
Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço.
Executores das Políticas Públicas Estatais municipais.
Secretaria Municipal de Educação.
Gestão da Política Municipal de Educação.
Educadores
tradicionais.
que
atuam
em
Comunidades
Ensino em comunidades tradicionais.
Secretaria de Meio Ambiente e Turismo
Gestão da Política Municipal de Meio Ambiente e Turismo
Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário
Gestão da Política agropecuária do Município.
Secretaria de Administração
Administração Municipal.
Secretaria de Governo
Exercer as funções entre o Prefeito e os demais Órgãos, executa e
transmite decisões governamentais, coordena o expediente do prefeito.
Poder Legislativo
Poder Legislativo Federal.
Elaborar Leis, Fiscalizar as ações do Executivo, no âmbito Federal.
Poder Legislativo Estadual
Elaborar Leis, fiscalizar as ações do Executivo, no âmbito estadual
Poder Legislativo Municipal
Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço.
Elaborar Leis, fiscalizar o Executivo, no Âmbito Municipal.
Ministério Público
Ministério Público Estadual.
Nos termos do art. 127 da Constituição Federal, o Ministério Público é
uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e
dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
113
Continuação da tabela - 09.
Poder judiciário
Poder Judiciário Estadual
As atividades do Poder Judiciário são regulamentadas
Constituição Federal nos seus artigos 92 a 126.
pela
COMUNITÁRIO
Stakeholders
Área de Atuação Política
a) ONG’s (Organizações Não Governamentais)
FLEC – Fórum de lutas das entidades de
Cáceres.
Militância Ambiental, Social , Educacional e cultural.
Grupo ambiental – Guerreiro da Natureza;
Militância Agroecológica e Ambiental.
ABENE– Associação Beneficente Evangélica;
Ações Sócio-beneficentes, Educacional, Saúde e ambiental.
JOEA – Juventude Organizada em Educação e
Ação.
Ambiental, Educacional.
Rede Pantanal.
Militância ambiental através da elaboração de políticas públicas
ambientais.
Paróquia Santíssima Trindade
Ações religiosas e sociais.
IESCBAP – Instituto Ecológico Sócio-Cultural da
Bacia Platina
Militância Ambiental, Educacional e cultural.
114
Continuação da tabela - 09.
ARPA – Associação Regional de Produtores
Agroecológicos
REMTEA - Rede mato-grossense de Educação
Ambiental
FORMAD – Fórum mato-grossense de
desenvolvimento.
b) Órgãos de representação dos trabalhadores:
Federação de Pescadores do Estado de Mato
Grosso
Sindicato dos Trabalhadores Rurais.
FASE - Federação de Órgãos para Assistência
Social e Educacional.
Fórum Estadual de Economia Solidária.
Militância Sócio-ambiental através de ações de divulgação dos
métodos de produção agroecológicos.
Militância ambiental, através da difusão da Educação ambiental.
Integra organizações dos diversos segmentos da sociedade civil para
discussões e definição de ações coletivas em relação às políticas
públicas e privadas, que dizem respeito ao meio ambiente e a vida
humana.
Representa os Pescadores no Estado de Mato Grosso, propondo
políticas públicas para a classe.
Representa os trabalhadores e as trabalhadoras rurais em Cáceres.
Atua na construção de uma sociedade democrática através de uma
alternativa de desenvolvimento que contemple a inclusão social com
justiça, a sustentabilidade do meio ambiente e a universalização dos
direitos sociais, econômicos, culturais, ambientais, civis e políticos.
Age na defesa dos trabalhadores e trabalhadoras e atua contra a
exploração do trabalho humano e como alternativa ao modo capitalista
de organizar as relações sociais dos seres humanos entre si e destes
com a natureza.
c) Representantes de Comunidades Tradicionais:
Comissão Nacional de Povos e Comunidades
Tradicionais
Coordena a elaboração e acompanha a implementação da Política
Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais
115
Continuação da tabela - 09.
Chiquitano
Stakeholders
a) Órgãos de representação dos setores “produtivos”:
FAMATO – Federação da Agricultura e da
Pecuária do Estado de Mato Grosso
Sindicatos Rurais.
Pecuaristas
FIENT – Federação das Indústrias do Estado de
Mato Grosso.
Comissão Pró – Cáceres
ACRIMAT – Associação de Criadores de Mato
Grosso.
Associação Comercial e Empresarial de Cáceres
Associação Brasileira de Criadores de Cavalos
Pantaneiros de Poconé.
Cooperativa de Criadores de Jacarés
COOPER (Cooperativa de Desenvolvimento
Mineral de Poconé)
b) Órgãos de representação de profissionais
liberais:
OAB - Ordem dos Advogados do Brasil.
SOMATOVET (Sociedade Mato-grossense de
Medicina Veterinária).
Representação da Comunidade.
MERCADO
Área de atuação Política.
Atua na defesa dos direitos do empresário rural mato-grossense e tem
como objetivos: coordenar, defender, proteger e representar legalmente
a categoria.
Representam o setor patronal da agropecuária.
Representação da Classe.
Defende os interesses gerais das indústrias e as representa perante os
poderes públicos.
Atua na defesa da geração de emprego em Cáceres através de
diversas ações entre elas: ZPE; Hidrovia Paraguai- Paraná.
Representa os criadores do Estado de Mato Grosso, tem por finalidade
à criação, preservação seleção e intercâmbio de bovinos de raça de
qualquer origem.
Representa o comercio e o empresariado cacerense.
Representa os criadores de cavalos pantaneiros na cidade de Poconé.
Representa os cooperados em ações que dizem respeito à cadeia
produtiva do Jacaré.
Atua na implementação das atividades de mineração no município de
Poconé.
Representação dos Advogados do Brasil.
Representação dos Veterinários no Estado de Mato Grosso.
116
É importante compreender que vários representantes do Estado que ora foram
identificados nesta categoria, são agentes de Mercado, latifundiários que ocuparam
espaço no Poder Público a fim de implementarem seus interesses. Exemplo dessa
realidade é o Governador do Estado de Mato Grosso, presidente do grupo Amaggi,
conhecido como o "rei da soja", Blairo Maggi (PR), reeleito em Mato Grosso. Sua
declaração de bens enviada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aponta o valor de R$
33.444.394,07. A declaração de Maggi tem 78 itens, entre aplicações financeiras,
veículos, imóveis rurais e urbanos, participação em empresas, cotas de clubes etc 35. O
grupo Amaggi é o maior produtor e exportador de soja do país, além de ter negócios em
outras áreas, como logística de transportes, pecuária e produção de energia elétrica. O
Grupo possui 15 fazendas no estado do Mato Grosso com área total de 177.445 ha.
Também arrenda outras duas fazendas com área total de 49.805 ha 36.
Outro exemplo é o Deputado Federal Homero Pereira (PR), eleito da última
eleição com mais de cem mil votos, atual presidente da FAMATO, Homero representa
no Legislativo Federal o setor Agropecuário do Estado de Mato Grosso.
Em menor número e conseqüentemente menor “cota de poder”37 de intervenção
nas políticas públicas estatais, também foram identificados representantes comunitários
na categoria Estado. Esse é o caso do representante do INCRA em Cáceres, e do
representante da Escola Agrotécnica Federal de Cáceres, ambos são oriundos dos
movimentos de base no município de Cáceres e estão ocupando cargos diretivos em
órgãos estatais.
35
GUTIERRES M., MORAIS L., e GUIMARÃES L. Um terço dos governadores eleitos são
milionários, novembro de 2006, disponível em http://www.fetraconspar.org.br, consultado 02/01/2008.
36
Grupo Amaggi: Projeto de Expansão - Programa de Consulta e Divulgação Pública (PCDP), junho
de 2004. Disponível em http://www.ifc.org/, consultado em 05/01/2008.
37
Este é um termo cunhado por Little (2004). Neste trabalho é importante conhecer as “cotas de poder”
de um determinado grupo ao avaliar um conflito socioambiental, tendo em vista revelar a capacidade de
intervenção que aquele grupo tem para implementar seus interesses junto às estruturas estatais.
117
A divergência entre as opiniões desses representantes de Estado podem ser
observadas nas proposições abaixo e estão listadas na transcrição do Corpus38 de
análise das Atas das Audiências Públicas.
Governador do Estado de Mato Grosso.
Defende que a Lei verse sobre a Gestão do Pantanal e não sobre toda a
Bacia do Alto Paraguai; Defende a inserção de Organismos Geneticamente
modificados na Bacia do Alto Paraguai; Defende também o transporte de
sementes transgênicas. Solicitou a exclusão da proposta que estabelecia que a
SEMA, realizaria um plano de manejo para as Unidades de Conservação
Estaduais existentes na Bacia do Alto Paraguai em um prazo de dois anos39.
Deputado Federal Homero Pereira
“Nessa questão ambiental, o Deputado Riva colocou bem, sempre que alguém
tenta fazer uma lei sem ouvir as partes interessadas, se dá mal. Aconteceu
assim com a MP 2.166. Ao invés de ser uma lei que veio para harmonizar a
relação do homem com o meio ambiente na floresta, ela só veio tencionar ainda
mais tanto é que até hoje ainda esta sendo questionada essa 2.166 sobre se
estão obedecendo aos 80%, se não estão, e assim por diante”40
“Se aqui está muito bem definido nesse projeto que o Governador mandou
para a Assembléia Legislativa, o que é o Pantanal, que é importante saber o
conceito do Pantanal, Está logo no art. 1º, parágrafo único: “Para efeitos desta
lei, os limites geográficos do Pantanal de Mato Grosso compreendem somente a
planície alagável, conforme definidos em lei específicas”.
Representante da Escola Agrotécnica Federal de Cáceres.
“Eu gostaria, entre as propostas, que ficasse registrado que o Pantanal não fosse
decidido, contemplado, apenas a área alagada, mas que a planície também fosse
contemplada (...)”
“(...) que a canjiquinha seja retirada desse processo para limpeza de pastos”
“(...) que os transgênicos não cheguem ao Pantanal”.41
38
Denominação utilizada por Bardin (1977) como sendo um conjunto de materiais submetidos à análise
de conteúdo. Estas Atas estão à disposição
39
Comunicação Interna nº 085/2006 da Superintendência de Biodiversidade – Gerência de Política do
Pantanal de 29/11/2006 e seus anexos.
40
Ata da Audiência Pública de Poconé – Pg 20.
41
Ata da Audiência Pública de Cáceres – Pg. 33.
118
Chefe do Incra em Cáceres.
“Com relação à limitação, eu acho que o companheiro James já tinha falado
isso, de não realizar assentamento rural na área do pantanal. Isso nós vemos
com bastante cuidado, porque, ao mesmo tempo em que não esta querendo ter
limite na exploração do Pantanal, está querendo ter limite para pessoas ter
acesso ao Pantanal. (...)Você não vai ter limites para explorar, mas você vai ter
limites para que só alguns tenham acesso.(...) se a lei puder reconhecer aquelas
pessoas que estão acampadas, se a utilização for sustentáveis e se nós tivermos
políticas públicas para aquelas pessoas, ótimo”42.
Conhecer a área de atuação política de cada stakeholder permite que seja
compreendida a complexa rede de interesses que se forma em torno de um tema. Outro
ponto importante dessa explicitação é a de que a movimentação dos stakeholders no
intuito de ocuparem o Estado representa a possibilidade de viabilizarem a efetiva
consolidação de suas demandas nos órgãos estatais.
Destarte, os principais representantes do Estado de Mato Grosso, e os
representantes de Mercado, são filiados e empreendedores da agricultura empresarial.
Sua área de atuação política, quando estão infiltrados nas estruturas estatais, é a de
viabilizar o avanço do agronegócio.43
4.7 A investigação da Natureza dos Conflitos entre os Stakeholders.
Partindo-se da problemática que considera o conflito sócio-ambiental como um
tipo de conflito social entre interesses individuais e coletivos, envolvendo a relação
42
43
Ata da Audiência Pública de Cáceres – Pg. 35.
Considera-se aqui que o termo agronegócio é utilizado para modernizar a imagem do
latifúndio, não esconde que, por onde a atividade avança, crescem a degradação ambiental e a
concentração fundiária. O agronegócio também é insustentável do ponto de vista social porque
expulsa os pequenos agricultores do local e depende da exploração de grandes extensões de terra.
Para Safatle e Pardine (2005) o agronegócio mistura modernidade técnica com o atraso das
relações sociais, as autoras enfatizam que o balanço de perdas e ganhos do agronegócio brasileiro
é negativo à sociedade brasileira principalmente porque seu modelo reforça a estrutura de
dominação das elites brasileiras, além disso gera pouco emprego e causa o êxodo rural que os
centros urbanos não são capazes de absorver com dignidade; permite a existência de latifúndios
improdutivos e especulação fundiárias.
119
natureza-sociedade. O conflito em análise diz respeito a um conflito sócio-ambiental,
oriundo da resistência dos movimentos sócio-ambientais frente ao avanço ululante do
agronegócio no estado de Mato Grosso. A natureza do conflito em estudo é sócioeconômica e ideológica, onde são verificados patamares diferenciados de “cotas de
poder” dos stakeholders envolvidos.
A categorização utilizada para a identificação dos grupos é auto-explicativa,
partindo dos critérios objetivos que foram criados para identificar os stakeholders. O que
existe na realidade é uma luta entre o sistema capitalista e os modelos alternativos de
ocupação dos meios de produção.
É possível verificar claramente de um lado o Mercado, representado pela elite
agrária, e do outro lado o setor Comunitário, representado por ONG’s que representam
os setores populares e os de trabalhadores e trabalhadoras rurais. Ambos na arena do
Coliseu Pantaneiro, pleiteando a efetivação de políticas públicas que atendam seus
interesses. A relação existente entre os grupos não é harmoniosa, diga-se de
passagem, que a estratégia de mostrar que existe harmonia entre os grupos, parece
ser mais uma das falácias do Capital, que usa este argumento para legitimar suas
ações. Com muita propriedade Loureiro (2006) ensina que:
”Ignorar a existência de conflitos na busca de consensos é definir uma posição
ideológica de defesa do diálogo para a resolução dos riscos, sem considerar as
desigualdades que marcam necessidades radicalmente distintas em uma
sociedade de classe”.
Esse antagonismo apresentado, não é tão facilmente percebido, enquanto não
observado cautelosamente, em especial no que toca a quais foram às reivindicações de
cada grupo. A partir do momento em que as demandas são reveladas e que são
averiguadas às conseqüências de suas implementações, fica patente que as
proposições são dissonantes e que resultarão em políticas públicas extremamente
diferentes.
120
4.8 As demandas de cada Stakeholder.
As demandas de cada setor a foram identificadas a partir dos documentos já
citados e das Atas das Audiências Públicas de Poconé, Cáceres, e Barão de Melgaço,
e estão listadas nas Tabelas 10, 11, e 12. Estas reivindicações são dados oriundos da
manifestação dos Stakeholders ora fazendo pronunciamentos ou encaminhando
documentos à presidência da Audiência ou aos setores responsáveis pela elaboração
da Lei na SEMA.
Os stakeholders fizeram propostas no sentido da implementação dos
empreendimentos peculiares a sua área de atuação; sugeriram também a alocação de
recursos ora para atividades solidárias ora para o financiamento do agronegócio;
criação de um fundo, para financiamento de atividades no pantanal; regularização das
propriedades; que a lei vincula-se a obrigatoriedade do Saneamento Básico nos
grandes municípios poluidores; a discussão da permanência do Mato Grosso na
Amazônia Legal; a fiscalização
das Hidrelétricas; a compensação pecuniária dos
municípios que possuem grande parte de seu território em área alagável, etc.
A fim de demonstrar que se trata de um conflito sócio-ambiental serão abordados
dois temas presentes nas demandas que retratam os interesses presentes nos grupos
de stakeholders, as propostas de redelimitação e as demais demandas feitas pelos
pelos grupos.
Conforme já citado, Layrargues, considera que compreender os conflitos sócioambientais é de fundamental importância, por permite entender o problema ambiental
não apenas pela sua face ecológica, mas também pelo critério do conflito de interesse
existente entre os diversos atores sociais em questão. O autor afirma que eles são, em
síntese, conflitos sociais que tem elementos da natureza como objeto e que expressam
relações de tensão entre interesses coletivos/espaços públicos X Interesses
privados/tentativas de apropriação de espaços públicos.
121
Tabela 10 – Demandas apresentadas pelos Stakeholders da Categoria Estado .
DEMANDAS DA CATEGORIA ESTADO
Agentes Populares na categoria Estado
Agentes de Mercado na categoria Estado
Defende
o
transporte
de Transgênicos nos rios do Pantanal.
Defende que a Lei de gestão verse sobre a
Bacia do Alto Paraguai, regulamentando as
atividades a serem desenvolvidas em toda a
BAP. (95% dos representantes dos movimentos
populares que estão ocupando espaço no
aparelho estatal fizeram esta reivindicação).
Defende Assentamentos no Pantanal
Defende a regulamentação
Protegidos no Pantanal.
Sugere a proibição de assentamentos no Pantanal.
dos Espaços Defende a regularização dos Assentamentos já existentes no Pantanal.
Sugere que a Lei contenha sanções.
Defende a construção de aterros no Pantanal.
Regulamentação das Hidrelétricas.
Contra a regulação das embarcações turísticas, através desta Lei.
Contra o Transporte dos Transgênicos nos rios
do Pantanal.
Compensação para os municípios que tem sua área no Pantanal.
Contra o Plantio dos Transgênicos na área de
entorno da área alagável.
Defende a diminuição das Áreas de Preservação Permanente
São contra a Limpeza de pastagem (espécies Sugere a regularização das Ong’s .
de Pombeiro (Combretum lanceolatum e
Combretum laxum), Canjiqueira (Byrsonima
orbignyana), Pateiro (Couepia uiti), Pimenteira
(Licania
parvifolia),
Cambará
(Vochisia
divergens), Algodoeiro (Ipomoea fistulosa);
122
Continuação da Tabela 10.
Defende a regulamentação do Saneamento
Básico.
Alocação de recursos para o financiamento de
atividades sustentáveis.
Contra a instalação de carvoarias na área
alagável e na BAP.
Defende o Agroextrativismo
Sugere a regularização do manejo de espécies
nativas para o desenvolvimento das atividades
sustentáveis.
Defende a construção de aterros pelas
comunidades ribeirinhas.
Defende maior participação das instituições de
ensino, pesquisa e extensão, na elaboração na
elaboração de políticas públicas estatais
referentes ao Pantanal de Mato Grosso.
Sugere a ampliação da ação da Policia
Ambiental.
Defende a maior participação dos povos e
comunidades tradicionais na Elaboração das
propostas.
Contra a Hidrovia Paraguai-Paraná.
Solicita a proibição da instalação da industria
do Álcool, tanto na Área alagável, quanto no
entorno.
Defende a atividade garimpeira.
Defende a ampliação das atividades relacionadas à indústria do
biodiesel na região da BAP.
Sugere a ampliação das atividades vinculadas à indústria da borracha.
Solicita a exclusão da proposta que versava sobre a obrigatoriedade da
SEMA de promover em um ano a identificação das barragens, diques e
aterros existente no Pantanal de Mato Grosso, a qual solicitava aos
responsáveis a remoção ou a adequação;
Solicita a exclusão da proposta que estabelecia que a SEMA, realizaria
um plano de manejo para as Unidades de Conservação Estaduais
existentes na Bacia do Alto Paraguai em um prazo de dois anos.
Solicita a exclusão do texto que exigia que todas as pessoas
físicas,jurídicas, públicas ou privadas e que possuam, em sua área,
barragens, diques e aterros deverão no prazo de 120 dias, requerer a
SEMA vistoria técnica
Defende a implementação da Hidrovia Paraguai-Paraná.
Defende a criação dos Portos na Região.
Defende o transporte de Transgênicos nos rios do Pantanal.
Sugere a proibição de assentamentos no Pantanal.
Defendem a regularização dos Assentamentos já existentes no Pantanal.
123
Tabela 11 – Demandas da Categoria Comunitário.
DEMANDAS CATEGORIA COMUNITÁRIO
95% dos representantes desta categoria solicitaram para que a Lei de Gestão
versa-se sobre toda a Bacia do Alto Paraguai.
*Defende que a Lei contemple os demais paises que pertençam ao Pantanal
É contra a ampliação do Agronegócio no Pantanal.
Defende os assentamentos de comunidades ribeirinhas.
É contra a Limpeza de pastagem (espécies de Pombeiro (Combretum lanceolatum
e Combretum laxum), Canjiqueira (Byrsonima orbignyana), Pateiro (Couepia uiti),
Pimenteira (Licania parvifolia), Cambará (Vochisia divergens), Algodoeiro (Ipomoea
fistulosa);
Solicita a implementação da Lei de Economia Solidária no Pantanal.
Defende o cooperativismo para a região.
Sugere a ampliação dos empreendimentos agroecológicos.
É contra a implantação dos portos na região.
Exige a inclusão dos princípios que orientam a Política Nacional dos Povos e
Comunidades Tradicionais.
Propõe a criação de um fundo para o subsidio de atividades sustentáveis.
Que a Lei regulamente as questões relativas ao Saneamento Básico.
Contra o Plantio e transporte de Transgênicos.
Sugere a regulamentação das Hidrelétricas.
Defende a permanência do Estado de Mato Grosso na Amazônia Legal.
Solicita a regulamentação da Piscicultura.
Critica a extinção da Policia Ambiental, defende a ampliação das suas atividades
Contra o avanço do Agronegócio na BAP.
Maior parceria entre os governos de MT e MS, para a implementação da Lei.
Sugere que a Lei regulamente a gestão dos resíduos sólidos da Região.
Defende que a Lei regulamente a atividade turística no Pantanal.
Sugere que a Lei regulamente a pesquisa no Pantanal.
Defende a ampliação das Áreas de Preservação Permanente.
Sugere maior presença do Estado na fiscalização do Agronegócio na BAP.
Defende a realização de Audiências públicas em todos os municípios que fazem
parte do Pantanal.
Sugere a regulamentação das Reservas no Pantanal.
124
Tabela 12 – Demandas da Categoria Mercado.
Demandas da Categoria Mercado.
90% dos representantes pleitearam que a Lei de Gestão fosse limitada somente à
área alagável da Bacia do Alto Paraguai.
Sugeriu para que não ocorressem mais Audiências Públicas além de Poconé.
Defende a Limpeza de Pastagem como supressão das seguintes espécies:
Pombeiro (Combretum lanceolatum e Combretum laxum), Canjiqueira (Byrsonima
orbignyana), Pateiro (Couepia uiti), Pimenteira (Licania parvifolia), Cambará
(Vochisia divergens), Algodoeiro (Ipomoea fistulosa).
Defende a construção das Usinas de Álcool na região.
Sugere que o Estado de Mato Grosso não têm competência para legislar sobre o
Pantanal.
Solicita a implementação da Hidrovia Paraguai-Paraná.
Defende a construção dos Portos no Pantanal.
o Transporte de transgênicos nos rios do Pantanal.
Defende a inserção de Organismos Geneticamente modificados na Bacia do Alto
Paraguai;
Exige mais financiamento para agronegócio da região.
Defende a instalação de Hidrelétricas na região
Sugere a maior participação do setor produtivo nas discussões relativas à gestão
do Pantanal.
Exige a regularização das ONG’s que atuam na região.
Defende a proposta de Lei encaminhada pela Grupo de Trabalho do CONSEMA,
presidido pela FAMATO.
125
4.8.1 Os Limites da Arena, a explicitação dos interesses.
As duas mensagens encaminhadas para discussão nas Audiências Públicas
foram a Lei de Gestão e de Redelimitação do Pantanal de Mato Grosso. Como pouco
se discutiu, sobre onde de fato cruzavam os limites da nova lei de Delimitação, os
maiores questionamentos sobre esta mensagem trataram da exclusão das cidades de
Cuiabá e Várzea Grande da área compreendida no Pantanal, por exemplo:
Representante do JOEA – Juventude Organizada em Educação e Ação
“Também quanto à questão da delimitação da área do Pantanal, eu acho muito
complicada essa questão de delimitar, criar fronteiras (...) Cuiabá e Várzea
Grande podem não ser alagáveis, mas têm uma influência muito grande na vida
do Pantanal”44.
Já considerando a discussão sobre a área de abrangência da Lei de Gestão,
basicamente duas foram às proposições apresentadas pelos stakeholders, os que
defendiam que a Lei de Gestão deveria se limitar à Área Alagável e os que
consideravam que a Lei deveria tratar de toda a Bacia do Alto Paraguai.
A partir da categorização proposta, 90% das demandas apresentadas pelos
representantes de Mercado tiveram como propositura a gestão reduzida somente à
Área Alagável, Tabela 12. E foi de 95% as proposições dos agentes de mercado que
ocupam espaço na categoria Estado, que pleitearam a gestão reduzida à Área
Alagável, Tabela 10.
Para tanto basta observar a proposta de Minuta encaminhada ao Poder
Executivo Estadual, elaborada pela Comissão Especial do CONSEMA, presidida pela
FAMATO, órgão máximo de representação do agronegócio no Estado de Mato Grosso.
44
Ata da Audiência Pública de Cáceres – Pg. 32.
126
A proposta traz como epígrafe da Lei os seguintes termos “Dispõe sobre a
Política Estadual de Gestão do Pantanal de Mato Grosso e dá outras providências”. A
guiza de exemplo importa observar também pronunciamento do Deputado José Riva:
Deputado José Riva
“...tenho muito medo de vir com essa história de entorno do Pantanal, Jorge
Pires, para querer arrumar mais uma forma de travar o desenvolvimento do
nosso Estado. Isso é muito comum”.45
Já, quanto às demandas apresentadas pelos representantes da categoria
Comunitário, 95% foram no sentido de que a Lei deveria versar sobre a gestão da Bacia
do Alto Paraguai, Tabela 11. Fora também de 95% às demandas dos agentes
populares que ocupam espaço na categoria Estado que pleitearam à gestão sobre toda
a Bacia do Alto Paraguai. Eis infra arrolados exemplos de pronunciamentos de
representantes da categoria Comunitário:
Grito de Ordem, durante a Audiência Pública de Cáceres.
“Pantanal por Inteiro e não pela metade”. 46
Representante da Colônia de pescadores Z2.
“(...) caso o veto não seja possível, que vamos pedir pelo menos, que se trate do
Pantanal por inteiro, desde as nascentes dos rios formadores do Pantanal. Não
dá para nós discutirmos o Pantanal sem tratar inicialmente, primeiramente, das
nascentes desses rios formadores do Pantanal”.47
Representante da FASE
“Se observarmos o Pantanal somente como Planície Alagável, não vai levar em
consideração a carga de agrotóxicos que nós recebemos(...)”.48
45
Ata da Audiência Pública de Poconé – Pg. 10.
Grito de Ordem realizado na Audiência Pública de Cáceres.
47
Ata da Audiência Pública de Barão de Melgaço – Pg 42.
48
Ata da Audiência Publica de Cáceres – Pg 18.
46
127
Formad - Fórum Matogrossense de Desenvolvimento
“sua parte Mais frágil está na condicionante da aprovação de outro Projeto de
Lei, que propõe uma nova delimitação ao Pantanal, restrita à sua área alagável,
desconsiderando o Planalto, as nascentes dos rios que compõe a Bacia (...)”.49
No que diz respeito
aos representantes da categoria Estado, agentes de
mercado que pleitearam a gestão, limitada a área alagável e outros que demandaram a
gestão de toda a Bacia do Alto Paraguai. Os primeiros são explicitamente os
representantes do agronegócio, a exemplo o próprio Governador do Estado de Mato
Grosso Blairo Maggi;
o Deputado Federal Homero Pereira, atual presidente da
FAMATO; e o Presidente do Sindicato Rural de Poconé. O outro grupo é oriundo dos
movimentos populares, como os abaixo arrolados:
Representante do CEFAPRO.
“Não podemos pensar em Pantanal somente como área alagável. O entorno faz
parte do Pantanal Mato-grossense. E tudo que é sofrível na área alagável
resultado, é conseqüência da conectividade ambiental que nos temos desse
entorno”.50
Representante da UFMT.
“Quantos aqui conhecem rios e córregos importantes que nascem dentro do
Pantanal? Que eu saiba nenhum. É na cabeceira alta, é na bacia alta, (...) é que
nós temos, exatamente, a determinação e sustentação de sobrevivência ou não
do Pantanal”.51
O principal argumento utilizado pelo grupo que defende que a Lei verse somente
sobre a área alagável é o de que para as áreas de planalto já existe legislação,
afirmam que é desnecessário que o Estado legisle sobre algo que já está tutelado pela
legislação federal. Já o grupo, do qual comunga-se este trabalho, defende que a Lei
deve abordar toda a Bacia do Alto Paraguai, afirma que esta é uma grande
49
Ata da Audiência Publica de Cáceres – Pg. 25.
Ata da Audiência Pública de Cáceres – Pg. 31.
51
Ata da Audiência Pública de Barão de Melgaço – Pg. 42.
50
128
oportunidade que o Estado tem estabelecer uma política pública que venha frear o
rápido avanço do agronegócio sobre os bens ambientais ainda conservados em Mato
Grosso.
Discutir a delimitação do Pantanal é discutir o Território pantaneiro, nesse
sentido, Souza (2001) define território como sendo um espaço definido e delimitado por
e a partir de relações de poder, e que o poder não se restringe ao Estado e não se
confunde com violência e dominação. Assim, o conceito de território deve abarcar mais
que o território do Estado-Nação. Nas palavras do autor, “todo espaço definido e
delimitado por e a partir de relações de poder é um território, do quarteirão aterrorizado
por uma gangue de jovens até o bloco constituído pelos países membros da OTAN”.
Continua dizendo que “em qualquer circunstância, o território encena a materialidade
que constitui o fundamento mais imediato de sustento econômico e de identificação
cultural de um grupo”.
Em um amplo estudo sobre as abordagens teóricas relativas ao Território. Bordo
et. al. (2004) conclui que “a idéia de relação de poder aparece, direta ou indiretamente,
nos ensinamentos de todos os autores apresentados neste ensaio para a
caracterização do território. (...), as idéias de poder, de mecanismos de controle e
dominação perpassaram pelos demais autores aqui estudados como fundamentais para
a caracterização do território”.
Essas remissões teóricas, correlacionando o Território ao Poder, são importantes
porque esclarecem o real significado do interesse dos grandes grupos econômicos, das
oligarquias rurais, do estado de Mato Grosso em limitarem a Lei de Gestão somente à
área alagável.
4.8.2 As demais demandas apresentadas pelos Stakeholders.
A questão das demandas apresentadas por cada categoria de Stakeholders sem
dúvida alguma reflete o modo de apropriação dos bens naturais, por eles idealizados.
129
Para tanto importa, lembrar que na categoria Estado, novamente serão
identificados os agentes de mercado que pleiteiam modos insustentáveis de
apropriação dos bens ambientais e também agentes oriundos dos movimentos
populares que defendem modelos endógenos de produção. Quanto aos primeiros as
principais referendados foram: A inserção de organismos geneticamente modificados; o
transporte de transgênicos; a mineração; a implantação de destilarias no pantanal; a
criação de carvoarias; atividades ligadas ao biodiesel, Tabela 10. Como exemplo
desses pleitos, observe infra citadas algumas explanações, lembrando que elas estão
listadas no Corpus de análise, as atas das Audiências Públicas.
Governador do Estado de Mato Grosso
“Defende a inserção de Organismos Geneticamente modificados na Bacia do
Alto Paraguai; e o transporte de sementes transgênicas”.52
Legislativo de Poconé.
“Temos partes aqui que diz que as atividades econômicas não vão ser abolidas,
nos dá segurança de que a nossa mineração vai permanecer; nos dá segurança
que os nossos pecuaristas vão poder criar seu gado extensivamente; nos dá
segurança que não vai ter prejuízo nenhum”.53
Legislativo de Poconé
“Temos através do Sr Airton e do pessoal da Borracha, a iniciativa do biodiesel e
tantas outras. Será que essas e tantas outras iniciativas não serão sobrestadas
com a aprovação desta Lei?”.54
Já os representantes dos movimentos populares, presentes na categoria Estado,
reivindicaram ações por parte do poder público que representavam os modelos
endógenos de apropriação dos bens naturais, Tabela 10. Eis alguns exemplos:
52
Comunicação Interna nº 085/2006 da Superintendência de Biodiversidade – Gerência de Política do
Pantanal de 29/11/2006 e seus anexos (Anexo V).
53
54
Ata da Audiência Pública de Poconé – Pg. 31.
Ata da Audiência Pública de Barão de Melgaço – Pg. 23.
130
Grupo de Estudo de Agroecologia do Pantanal - UNEMAT.
“É certeza que a intenção é diminuir a área do Pantanal exatamente para isso,
para implementar aqui carvoarias e indústrias de álcool”.
Que ajam mais incentivos para o agroextrativismo. A canjiquinha é símbolo de
Cerrado. Vamos cortar? Não, gente! Tem forma de usar economicamente e
sustentavelmente também”.
“Também vamos ressaltar o não aos transgênicos na navegação. Não ao
transporte dos transgênicos (...) Todos sabem que não têm estudos que
liberam as conseqüências que isso pode ter”.55
Escola Agrotécnica Federal de Cáceres.
“(...) que os transgênicos não cheguem ao Pantanal”.56
As demandas apresentadas, pelos representantes da categoria Comunitário,
Tabela 11, são modos de produção que valorizam os povos tradicionais pantaneiros,
que permitem seu desenvolvimento pleno a partir dos modelos alternativos ao imposto
pelo capital, outro ponto importante verificado nas sugestões é a critica ao modelo
hegemônico de exploração ambiental em Mato Grosso, tendo em vista ser ele
alicerçado no latifúndio, e conseqüentemente excludente, excravagista, concentrador, e
altamente impactante do ponto de vista ecológico.
Rede Pantanal.
“Mas vamos ter que continuar pagando com o fim dos povos tradicionais, com o
fim das populações tradicionais (...) porque eles querem a hidrovia aqui. Eles
precisam se aliar a CARGILL, a MONSANTO, aos latifundiários para fazer uma
hidrovia que vai destruir o Pantanal”.57
55
Ata da Audiência Pública de Cáceres – Pg. 43.
Ata da Audiência Pública de Cáceres – Pg. 33.
57
Ata da Audiência Publica de Cáceres – Pg. 23. A oradora é a atual coordenadora do Programa
Pantanal do Ministério do Meio Ambiente.
56
131
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cáceres.
“(...) é preciso também que nós trabalhadores rurais, agricultores familiares,
campesinos fiquemos adequados a esse sistema de produção alternativo”.58
FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional.
“Nós temos no Estado, pelo menos, dois ou três proposições de
desenvolvimento, que estão postas em confronto neste momento. Os interesses
dos que estão no Planalto, do agronegócio, altamente agressivo contra o meio
ambiente, altamente excludente do ponto de vista social. E do ponto de vista
econômico, favorece grupos minoritários e, principalmente, empresas
estrangeiras, não incluindo a maioria brasileira. Esse projeto tem grandes
interesses. É isso que está se discutindo aqui. E o que preocupa é que eles têm
maioria na Assembléia Legislativa”.59
De maneira geral os empreendimentos defendidos pelos representantes da
categoria
Comunitário,
exaltam
um
modo
de
apropriação
que
valoriza
o
desenvolvimento endógeno, que oportuniza as comunidades locais ampliarem suas
técnicas de utilização dos bens ambientais, que oportuniza o protagonismo de
diferentes grupos.
Dentro desta ótica De Paula (2006) aventa que:
“Existe um conceito muito usado por vários autores que é o do desenvolvimento
endógeno, que surge de dentro para fora, emerge da própria comunidade. Não é
um modelo que vem de fora, mas os próprios atores locais planejam e gerenciam
o ritmo de avanços”.
Por fim, as demandas sugeridas pelos representes da categoria Mercado, Tabela
12. Os empreendimentos ora solicitados são notadamente espoliadoras, explotistas e
insustentáveis do ponto de vista sócio-ambiental, a título de exemplo: as Carvoarias; a
implantação de usinas de álcool; a limpeza da pastagem com a supressão das espécies
de Pombeiro (Combretum lanceolatum e Combretum laxum), Canjiqueira (Byrsonima
orbignyana), Pateiro (Couepia uiti), Pimenteira (Licania parvifolia), Cambará (Vochisia
58
59
Ata da Audiência Pública de Cáceres – Pg. 39.
Ata da Audiência Pública de Cáceres – Pg. 53.
132
divergens), Algodoeiro (Ipomoea fistulosa); a construção de açudes; a implementação
de hidrelétricas; e o avanço agronegócio na Bacia do Alto Paraguai através da
Monocultura.
Além desses empreendimentos, basta observar quais foram às atividades
vedadas pela Comissão Especial do CONSEMA, presidida pela FAMATO, para verificar
que a maioria das atividades degradadoras que ora ocorrem no pantanal não foram
listadas. Uma fala representativa das reivindicações dos representantes dessa
categoria na Audiência Pública de Barão de Melgaço.
Pecuarista
“Essa Lei (...) diz textualmente (...) que fica proibido construir usina no Pantanal.
Nós queremos destacar - e voltando aqui para Santo Antonio – a questão de 40
quilômetros, vemos a chaminé da Usina Itaici, que foi construída nos anos de
1920 e que funcionou até 1950,(...) não existe registro de contaminação. Então
se não for liberado para produzir cana no Pantanal, não pode ser proibido”.60
Poliany (2000), considera que permitir que o mecanismo de mercado seja o
único dirigente do destino dos seres humanos e do seu ambiente natural, e até mesmo
o árbitro da quantidade e do uso do poder de compra, resultaria no “desmoronamento
da sociedade”.
Pontua ainda que:
“A natureza seria reduzida a seus elementos mínimos, conspurcadas as
paisagens e os arredores, poluídos os rios, a segurança militar ameaçada e
destruído o poder de produzir alimentos e matérias-primas.”
Diante da realidade pretendida pelos agentes de Mercado, pode-se corroborar
com o autor, e acredita-se que permitir que “o mecanismo de mercado” seja o dirigente
do futuro do Pantanal de Mato Grosso e dos que nele vivem, resultaria na destruição
desse Patrimônio Nacional.
60
Ata da Audiência Publica de Barão de Melgaço – Pg. 20
133
4.9 – A Lei Aprovada e a sua Relação com as Demandas dos Stakeholders.
Após todo o período de discussão e tramitação na Assembléia Legislativa o
Governador do Estado de Mato Grosso sancionou a Lei 8.830 de 21/01/ 2008 (Anexo
VII) e vetou o projeto que estabelecia os novos limites para o Pantanal de Mato Grosso.
Sobre o veto o Governador argumenta que, “trata-se de um erro material”, já que
a delimitação proposta traria inúmeras conseqüências negativas. O Governador afirma
que “O Pantanal Mato-grossense é uma realidade, independente da delimitação que lhe
for dada”. Nas motivações do o governador afirma que “não é o fato de não estabelecer
em lei estadual os seus exatos limites que deixaria o ecossistema desprotegido”.
No que diz respeito à Lei 8.830 de 21/01/2008, que dispõe sobre a “Política
Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso”. A
Lei aprovada tem a finalidade de promover a preservação e conservação dos bens
ambientais, a melhoria e recuperação da qualidade ambiental pelo bem-estar da
população envolvida. O projeto propõe a ordenação de atividades econômicas e o
apoio às já existente.
Como já fora esclarecido na categoria Estado estavam presentes agentes
populares e também agentes de mercado. As Tabelas 13 e 14 demonstram quais foram
às demandas feitas por cada grupo e retrata se estes pleitos foram ou não
contempladas na Lei 8.830 de 21/01/2008.
A Tabela 15 demonstra quais demandas da Categoria Comunitário foram
contemplados e a Tabela 16 retrata as demandas Categoria Mercado que foram
atendidas na Lei de Gestão da Bacia do Alto Paraguai.
134
TABELA 13 – Demandas dos agentes populares na categoria Estado e seu reflexo na Lei.
Demandas dos agentes populares na categoria Estado.
Situação das demandas na Lei aprovada.
Defende que a Lei de gestão verse sobre a Bacia do Alto
Paraguai, regulamentando as atividades a serem desenvolvidas
em toda a BAP. (95% dos agentes populares na categoria Estado,
fizeram esta reivindicação)
Não atendido, pois a Lei trouxe em sua epígrafe o texto “Política
Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no
Estado de Mato Grosso”, mas na realidade não regulamentou
atividades a serem desenvolvidas em toda a BAP, e trouxe no art.
14, a atribuição de regulamentar estas atividades ao “O
Zoneamento Sócio Econômico de Mato Grosso – ZSEE/MT”.
Não atendida, pois a lei vetou os assentamentos no Pantanal, art.
9º IV.
Defende Assentamento no Pantanal
Defende a regulamentação dos Espaços Protegidos no Pantanal.
Atendido, os arts 7º e 8º da Lei tratam especificamente sobre os
Espaços Territoriais Especialmente Protegidos.
Sugere que a Lei contenha sanções.
Não atendido, a Lei não versou sobre este tema.
Defende a regulamentação das Hidrelétricas.
Não atendido, todavia o art. 9º que trata das “restrições de uso”
reza no inciso III a vedação da construção de diques, barragens
ou obras que causam alterações dos cursos d’água.
Não atendida, pois a Lei não vetou esta atividade em seu art. 9º
que trata das “restrições de uso”.
É contra o Transporte dos Transgênicos nos rios do Pantanal.
Contra o Plantio dos Transgênicos na área de entorno da área
alagável.
Não atendida, pois a Lei não regulamentou as atividades a serem
desenvolvidas nas áreas de entorno do área alagável, art. 14.
São contra a Limpeza de pastagem (espécies de Pombeiro
(Combretum lanceolatum e Combretum laxum), Canjiqueira
(Byrsonima orbignyana), Pateiro (Couepia uiti), Pimenteira
(Licania parvifolia), Cambará (Vochisia divergens), Algodoeiro
(Ipomoea fistulosa);
Defende a regulamentação do Saneamento Básico.
Não atendida, pois a Lei permitiu a Limpeza de pastagem e além
da supressão destas espécies inseriu outras, Amoroso (Hydrolea
spinosa), Arrebenta laço (Sphinctanthus micropyllus), conforme
art. 11 §§ 1º, 2º.
Não atendida, todavia elencou no art. 5º XI como atribuição do
Poder Público a promoção, no prazo de 05 (cinco) ações
relacionadas aos sistemas de esgotos e a deposição dos resíduos
sólidos na BAP.
135
Continuação da Tabela 13.
Alocação de recursos para o financiamento de atividades Atendida, tendo em vista listar entre as diretrizes o estimulo a
sustentáveis.
instalação de atividades sustentáveis, art. 4º VII, VIII, IX.
Contra a instalação de carvoarias na área alagável e na BAP.
Não atendida, a Lei só vetou a instalação de carvoarias na Área
Alagável, art. 9º V.
Solicita a proibição da instalação da industria do Álcool, tanto na Não atendida, pois a Lei só vetou a instalação deste tipo de
Área alagável, quanto no entorno.
empreendimento na Área alagável, art. 9º V.
Defendem o Agroextrativismo
Atendido, Atendida, tendo em vista listar entre as diretrizes o
estimulo a instalação de atividades sustentáveis, art. 4º VII, VIII,
IX.
Sugere a regularização do manejo de espécies nativas para o Atendido, o art. 6º V, reza que é atribuição da SEMA fomentar
desenvolvimento das atividades sustentáveis.
ações visando o manejo sustentável dos recursos vetais nativos;
também o art. 5º VII, afirma ser atribuição do Poder Público
incentivar ações para o manejo dos recursos pesqueiros.
Defende a construção de aterros pelas comunidades ribeirinhas.
Não atendido, todavia o art. 15 estabelece que a SEMA
promoverá, dentro de 05 (cinco) anos a identificação das
barragens, diques e aterros existentes na planície alagável.
Defende maior participação das instituições de ensino, pesquisa Atendida, o art. 4º e incisos I, V, prevêem como diretriz a
e extensão, na elaboração na elaboração de políticas públicas articulação entre diversos setores para a implementação de
estatais referentes ao Pantanal de Mato Grosso.
políticas voltadas ao Pantanal de Mato Grosso.
Solicita a criação de um fundo para a o financiamento de Não atendida, a Lei não versou sobre este tema.
atividades vinculadas à cadeia produtiva dos produtos produzidos
pelos povos e comunidades tradicionais do Pantanal “
Sugerem a ampliação da ação da Policia Ambiental.
Não atendida, a Lei não versou sobre este tema.
Defende a maior participação dos povos e comunidades
tradicionais na Elaboração das propostas.
Atendida, art. 2º XXII; 3º XII; 4º III, IV, IX. Versam sobre este
tema e ratificam a Política Nacional de Povos e Comunidades
Tradicionais.
Contra a Hidrovia Paraguai-Paraná.
Não atendida, pois a Lei não proibiu a navegação de grande porte
nos Rios do Pantanal, todavia é importante frizar que o art. 13
veta o “transporte de produtos perigosos”.
136
TABELA 14 – Demandas dos agentes de mercado na categoria Estado e seu reflexo na Lei.
Demandas dos Agentes de Mercado na categoria Estado. Situação das demandas na Lei aprovada.
Defende que a Lei de gestão verse somente sobre a área alagável Atendido, pois a Lei trouxe em sua epígrafe o texto “Política
da Bacia do Alto Paraguai. (95% dos atentes de mercado fizeram Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no
esta reivindicação).
Estado de Mato Grosso”, mas na realidade não regulamentou
atividades a serem desenvolvidas em toda a BAP, e rezou no
art. 14, a atribuição de regulamentar estas atividades ao “O
Zoneamento Sócio Econômico de Mato Grosso – ZSEE/MT”.
Defende o transporte de Transgênicos nos rios do Pantanal.
Atendido, a Lei não vetou no art. 9º o transporte de transgênicos
no Pantanal.
Sugerem a proibição de assentamentos no Pantanal.
Atendido a Lei vetou no art. 9 IV a implantação de
assentamentos no Pantanal.
Defende a regularização dos Assentamentos já existentes no Não atendido, porém a lei estipula em seu art. 4º VI que é uma
Pantanal.
de suas diretrizes a ordenação da ocupação territorial da Bacia
do Alto Paraguai, com ênfase na Planície Alagável.
Defende a construção de aterros no Pantanal.
Não atendido, todavia o art. 15 estabelece que a SEMA
promoverá, dentro de 05 (cinco) anos a identificação das
barragens, diques e aterros existentes na planície alagável.
Contra a regulação das embarcações turísticas, através desta Lei. Atendido, a lei não regulamentou este tema de modo específico.
No entanto estabeleceu no art. 13 que a navegação deve ser
compatível com a realidade dos rios do Pantanal.
Compensação para os municípios que tem sua área no Pantanal.
Defende a diminuição das Áreas de Preservação Permanente
Não atendido, a lei não tratou deste tema.
Não atendido, regulamenta nos arts 7º e 8º especificamente os
Espaços Territoriais Especialmente Protegidos.
Sugerem a regularização das Ong’s .
Não atendida, porém a Lei estabelece no art. 4º I e V, a como
sua diretriz a busca de parcerias no sentido de implementar
políticas públicas para o Bioma.
Atendido, a Lei não vetou expressamente no art. 9º esta
atividade na área alagável, no entanto o inciso V, deste artigo
veda a implantação de empreendimentos que causem “alto grau
de poluição ou degradação".
Defende a atividade garimpeira.
137
Continuação da Tabela 14.
Defende a ampliação das atividades relacionadas à indústria do Atendido, a Lei não vetou no art. 9º as atividades vinculadas a
biodiesel na região da BAP.
este tipo de empreendimento na área de entorno da área
alagável.
Sugere a ampliação das atividades vinculadas à indústria da Atendido, a Lei não vetou expressamente no Artigo 9º a
borracha.
realização desta atividade na área alagável, no entanto o inciso
V, deste artigo veda a implantação de empreendimentos que
causem “alto grau de poluição ou degradação".
Solicita a exclusão da proposta que versava sobre a Atendido, o art. 15 estabelece que a Secretaria irá realizar este
obrigatoriedade da SEMA de promover em um ano a identificação trabalho no prazo de 05 (cinco) anos
das barragens, diques e aterros existente no Pantanal de Mato
Grosso, a qual solicitava aos responsáveis a remoção ou a
adequação;
Solicita a exclusão da proposta que estabelecia que a SEMA,
realizaria um plano de manejo para as Unidades de Conservação
Estaduais existentes na Bacia do Alto Paraguai em um prazo de
dois anos.
Solicita a exclusão do texto que exigia que todas as pessoas
físicas,jurídicas, públicas ou privadas e que possuam, em sua
área, barragens, diques e aterros deverão no prazo de 120 dias,
requerer a SEMA vistoria técnica
Defende a implementação da Hidrovia Paraguai-Paraná.
Defende a criação dos Portos na Região.
Atendido, o art. 16 reza que a Secretaria irá realizar este
trabalho no prazo de 05 (cinco) anos.
Atendido, o art. 17 retirou o prazo de 120, deixando em aberto o
lapso temporal para que os empreendimentos sejam
vistoriados.
Atendido, pois a lei não vetou a navegação comercial nos rios
do Pantanal, todavia estabeleceu em seu art. 13 que as
embarcações terão de respeitar ás peculiaridades da região, e
vetou “o transporte de produtos potencialmente perigosos”.
Atendido, pois a Lei não vetou no art. 9º a implementação de
Portos no Pantanal de Mato Grosso.
138
TABELA 15 - Demandas da Categoria Comunitário e seu reflexo na Lei.
Demandas Categoria Comunitário
Situação das Demandas na Lei Aprovada
Defendem que a Lei de gestão verse sobre a Bacia do Alto
Paraguai, regulamentando as atividades a serem desenvolvidas em
toda a BAP. (95% dos representantes desta categoria fizeram esta
reivindicação)
Não atendido, pois a Lei trouxe em sua epígrafe o texto
“Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto
Paraguai no Estado de Mato Grosso”, mas na realidade não
regulamentou atividades a serem desenvolvidas em toda a
BAP, e trouxe no art. 14, a atribuição de regulamentar estas
atividades ao “O Zoneamento Sócio Econômico de Mato
Grosso – ZSEE/MT”.
Não atendida a legislação não fez referência a essa
modalidade de Espaço Territorial Protegido.
Não atendida, todavia os arts. 4º V e art. 5º I, incumbem ao
Poder público a obrigação de articular-se nacionalmente e
internacionalmente com o objetivo de estabelecer parcerias
que busquem a conservação do Bioma.
Não atendida, pois a legislação não regulamentou as
atividades a serem desenvolvidas na BAP.
Não atendida, pois a lei vetou os assentamentos no Pantanal,
art. 9º IV.
Não atendida, pois a Lei permitiu a Limpeza de pastagem e
além da supressão destas espécies inseriu outras, Amoroso
(Hydrolea
spinosa),
Arrebenta
laço
(Sphinctanthus
micropyllus), conforme art. 11 §§ 1º, 2º.
Atendida, tendo em vista listar entre as diretrizes o estimulo a
instalação de atividades sustentáveis, art. 4º VII, VIII, IX.
Atendida, tendo em vista listar entre as diretrizes o estimulo a
instalação de atividades sustentáveis, art. 4º VII, VIII, IX.
Atendida, tendo em vista listar entre as diretrizes o estimulo a
instalação de atividades sustentáveis, art. 4º VII, VIII, IX.
Não atendida, pois a Lei não vetou a implantação de portos
na região.
Atendida, art. 2º XXII; 3º XII; 4º III, IV, IX.
Regulamentação das Reservas no Pantanal.
Defendem que a Lei contemple os demais paises que pertençam ao
Pantanal.
São contra a ampliação do Agronegócio no Pantanal e na BAP
Defendem os assentamentos no pantanal.
Contra a Limpeza de pastagem (espécies de Pombeiro (Combretum
lanceolatum e Combretum laxum), Canjiqueira (Byrsonima
orbignyana), Pateiro (Couepia uiti), Pimenteira (Licania parvifolia),
Cambará (Vochisia divergens), Algodoeiro (Ipomoea fistulosa).
Defendem a implementação da Lei de Economia Solidária no
Pantanal.
Defendem o cooperativismo para a região.
Sugerem a ampliação dos empreendimentos agroecológicos.
São contra a implantação dos portos na região.
Defendem a inclusão dos princípios que orientam a Política
Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais.
139
Continuação da Tabela 15.
Fundo para o subsidio de atividades sustentáveis.
Não atendida, pois a Lei não dispôs sobre este tema. Todavia
incluiu como sua diretriz o estímulo e apoio a atividades
econômicas sustentais, art. 4º VII, VIII, e IX; e fomento à
certificação de atividades sustentáveis desenvolvidas por
povos e comunidades tradicionais, art. 5º II.
Que a Lei regulamente as questões relativas ao Saneamento Não atendida, todavia elencou no art. 5º XI como atribuição
Básico.
do Poder Público a promoção, no prazo de 05 (cinco) ações
relacionadas aos sistemas de esgotos e a deposição dos
resíduos sólidos na BAP.
Contra o Plantio e transporte de Transgênicos.
Não atendida, pois a Lei não vetou esta atividade em seu art.
9º que trata das “restrições de uso”.
Defendem a regulamentação das Hidrelétricas.
Não atendido, todavia o art. 9º que trata das “restrições de
uso” reza no inciso III a vedação da construção de diques,
barragens ou obras que causam alterações dos cursos
d’água.
Defendem a permanência do Estado de Mato Grosso na Amazônia Não atendida, pois a Lei não fez menção a este tema.
Legal.
Defendem a regulamentação da Piscicultura.
Não atendida, mas a Lei trouxe o conceito de Pesca de
subsistência, art. 2º XXIII; também arrolou diversos assuntos
relacionados nos arts. 5º VII, IX; 5º IV, VI; 9º I, III; 12.
Defendem a atuação da Policia Ambiental no Pantanal.
Não atendida, a Lei não fez menção sobre este tema.
Defende maior parceria entre os governos de MT e MS, para a Atendida, a Lei prevê no art. 5º I, a articulação entre estes
implementação da Lei.
estados para a implementação de uma política integrada.
Sugerem que a Lei regulamente a gestão dos resíduos sólidos da Não atendida, todavia a Lei prevê, art. 5º XI, que no prazo de
Região.
(05) anos o Estado desenvolverá ações no sentido de dar a
disposição adequada aos resíduos sólidos.
Defendem que a Lei regulamente a atividade turística no Pantanal.
Não atendida, no entanto os arts. 4º XI; 5º IV; 8º §1º rezam
sobre aspectos relacionados a esta atividade.
Sugerem que a Lei regulamente a pesquisa no Pantanal.
Não atendida, todavia os art. 5º VIII, reza ser uma das
atribuições do Poder Público a promoção de pesquisas
científicas; também o art. 6º IV, estabelece como competência
da SEMA fomentar estudos relacionados à pesca.
Defendem a regulamentação dos Espaços Protegidos no Pantanal. Atendido, os arts 7º e 8º da Lei tratam especificamente sobre
os Espaços Territoriais Especialmente Protegidos.
140
TABELA 16 – Demandas da Categoria Mercado e seu reflexo na Lei.
Demandas da Categoria Mercado.
Situação das Demandas na Lei Aprovada
Defende que a Lei de gestão verse somente sobre a área alagável. Atendido, pois a Lei trouxe em sua epígrafe o texto “Política
(90% dos representantes desta categoria fizeram esta Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no
reivindicação)
Estado de Mato Grosso”, e não regulamentou atividades a
serem desenvolvidas em toda a BAP, e rezou no art. 14, a
atribuição de regulamentar estas atividades ao “O Zoneamento
Sócio Econômico de Mato Grosso – ZSEE/MT”.
Sugeriu para que não ocorressem mais Audiências Públicas além
de Poconé.
Não atendido, pois ocorreram as Audiências Públicas de
Cáceres, Poconé, Barão de Melgaço, e Cuiabá.
Defende a Limpeza de Pastagem como supressão das seguintes
espécies: Pombeiro (Combretum lanceolatum e Combretum laxum),
Canjiqueira (Byrsonima orbignyana), Pateiro (Couepia uiti),
Pimenteira (Licania parvifolia), Cambará (Vochisia divergens),
Algodoeiro (Ipomoea fistulosa);
Atendida, pois a legislação permitiu a Limpeza de pastagem, e
além da supressão destas espécies inseriu outras, Amoroso
(Hydrolea
spinosa),
Arrebenta
laço
(Sphinctanthus
micropyllus), conforme art. 11 §§ 1º, 2º.
Defende a construção das Usinas de Álcool na região da BAP
Atendida, pois a legislação só vetou a construção de Usinas de
Álcool na Área Alagável. Conforme art. 9º V.
Sugere que o Estado de Mato Grosso não têm competência para Não atendida, pois o Estado sancionou a lei em questão.
legislar sobre o Pantanal.
Defende a implementação da Hidrovia Paraguai-Paraná.
Atendida, pois a Lei não proibiu a navegação de grande porte
nos Rios do Pantanal, todavia é importante frizar que o art. 13
veta o “transporte de produtos perigosos”.
Defende a construção dos Portos no Pantanal.
Atendida, pois a Lei não vetou a implementação dos portos no
Pantanal.
Defende o Transporte de transgênicos nos rios do Pantanal.
Atendida, pois a Lei não listou no art. 9º que trata das
restrições de uso o transporte de transgênicos.
Defende o Plantio de transgênicos na BAP.
Atendida, pois a Lei não listou no art. 9º que trata das
restrições de uso o transporte de transgênicos.
141
Considerações Finais
Em termos gerais, a participação dos membros da categoria Estado foi maior que
a soma das participações das demais categorias (Poconé e Barão de Melgaço), Figura
01. Algumas Hipóteses podem ser levantadas para responder esta questão. A primeira
diz respeito á origem da proposta de Lei, as pessoas não se sentiram parte do
processo; a outra é a de que além de não se sentirem parte do processo, não acreditam
mais nesse ambiente de participação, e estão se articulando em outros espaços; a
audiência pública foi mal divulgada; ou à comunidade não se interessa por essas
discussões.
A informação que mais preocupa é a pequena participação dos representantes
da categoria Comunitário, tanto em Poconé como em Barão de Melgaço, apenas dois
representantes desta categoria estiveram presentes nestas audiências, revelando o
motivo pelo qual alguns representantes da categoria Mercado solicitavam que não
ocorresse mais audiências públicas, tendo em vista que a proposta que ora era
discutida agradava sua categoria e não encontrava resistência popular.
Já em Cáceres, a participação, foi mais paritária, todavia o dado mais importante
a ser analisado nesse momento é a participação da categoria Comunitário. Foram 15
ou seja 34 % dos participantes, Figura 03. Ainda, vários representantes da categoria
Estado são oriundos dos movimentos populares.
O diálogo existente os entre movimentos populares e a Universidade do Estado
de Mato Grosso, a histórica militância destes movimentos no que tange às discussões
sócio-ambientais, a exemplo da mobilização contrária à hidrovia Paraguai-Paraná, a
construção do Porto de Morrinhos, e a realização do Festival Ecológico e Cultural das
Águas de Mato Grosso, realizado pela UNEMAT em parceria com os movimentos
sociais, resultou nessa articulação que levou à audiência pública de Cáceres um grupo
disposto a discutir a proposta de Lei, que se manifestou contrário ao seu conteúdo e a
142
forma como havia sido elaborada, e também por entender que ela atendia somente aos
interesses das elites agrárias mato-grossenses.
Analisando o fenômeno da “participação”, nota-se que ele é complexo e não
pode ser abordado dentro de uma ótica reducionista, ou seja não pode ser comprimido
a um simples ato de estar presente ou não em uma audiência pública, posto que não é
um ato episódico, individual, atomizado, mesmo que possa ter efeito aparentemente
decisório. O representante da Fase, expressou bem esta verdade ao dizer que “O que
me preocupa – e aí eu concordo com o Promotor – é, exatamente, a ausência de
grandes interessados nas Audiências Públicas, porque eles têm outros meios de
influenciar o Governo, o Poder Legislativo e até o Poder Judiciário (...)”61. Ainda Teixeira
(1997) afirma que:
“A participação é um processo contraditório, que envolve uma relação
multifacetada de poder entre atores diferenciados por suas identidades,
interesses, valores que se expressam por várias formas, conforme suas
capacidades e condições objetivas do regime político em que estão inseridos”.
O mesmo autor continua, pontuando que a dimensão de controle da participação
cidadã torna-se estratégica tendo em vista à dominação do Estado, por grupos de
interesses, no sentido de inverter prioridades das políticas públicas para corrigir
desigualdades sociais, superar as exclusões. O controle social traduz-se na exigência
de claridade das decisões e atos dos agentes públicos e na conseqüente
responsabilização segundo parâmetros definidos democraticamente nos espaços
públicos autônomos. Isto posto, implica construir alternativas, propor políticas a serem
operacionalizadas pelo Estado.
Nesse sentido todos os Stakeholders devem estar envolvidos, em todos os
processos de elaboração de Políticas Públicas. A participação, em fim, deve ser um
processo continuo e retro alimentado, para tanto os representantes dos setores
populares precisam se organizar, articular, mobilizar, com objetivo de criarem uma
agenda própria dos movimentos de base, para que possam acompanhar a
61
Ata da Audiência Pública de Cáceres – pg 53.
143
implementação de suas reivindicações. Exemplo dessa necessidade, pode ser extraído
desse estudo de Caso. Fora criado um Grupo de trabalho na Assembléia Legislativa
para analisar as demandas de todos os Stakeholders, que participaram das Audiências
Públicas em comento, todavia as atas contendo tais solicitações nunca foram colocadas
à disposição dos participantes, mesmo diante de diversas solicitações.
144
Referência Bibliográfica.
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146
5 - COMENTÁRIOS À LEI DE GESTÃO DO PANTANAL DE MATO GROSSO
Os opressores, além de acabrunhar os oprimidos,
tentam sagazmente contaminá-los com sua
infelicidade, a solidariedade sem dúvida nenhuma
é uma importante arma contra este mal.
Silvano Souza
Resumo: O Bioma Pantaneiro constitui a maior extensão de áreas úmidas contínuas do planeta
e está localizado no centro da América do Sul, na Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai. Sua área
é de 138.183 km², com 65% de seu território no Estado de Mato Grosso do Sul e 35% no Mato
Grosso. Constituído por várias unidades de paisagem que compõem um conjunto de hábitats,
com funções múltiplas e complexas. Por sua importância, enquanto santuário ecológico, o
pantanal foi alçado à categoria de patrimônio nacional, pela Constituição de 1988, que
estabeleceu a necessidade de leis específicas para proteção dessas áreas e garantia de que a
utilização das mesmas assegure a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos
recursos naturais (art. 225 § 4º). A partir do Levantamento Documental e Bibliográfico propôs-se
neste artigo comentar à luz do magistério da doutrina pátria os dispositivos legais oriundos da
Lei Estadual nº 8.830, de 21 de janeiro de 2008. Observou-se que a Lei em comento atende em
especial as demandas apresentadas pelos ruralistas do estado, todavia supre uma omissão
relevante e abre perspectivas para uma gestão integrada e capilarizada do Pantanal. Esse
bioma, que constitui verdadeiro santuário ecológico reclama a ausência de legislação federal
específica que possa dar maior efetividade e aplicabilidade ao reconhecimento constitucional do
Pantanal Mato-Grossense como “patrimônio nacional”.
Palavras-Chave: Legislação Ambiental, Pantanal de Mato Grosso, Gestão e Educação
Ambiental.
Abstract: Comments On Management Of Law In Mato Grosso Pantanal. The Pantanal biome
is the largest continuous stretch of wetlands on the planet and is located in the center of South
America, in the Alto Paraguay River Basin. Its area is 138,183 square km, with 65% of its
territory in Mato Grosso do Sul and 35% in Mato Grosso. It consists of several units of
landscape that make a range of habitats, with multiple and complex functions. For their
importance, as an ecological sanctuary, the Pantanal was considered a national patrimony, the
Constitution of 1988, which established the need for specific laws to protect these areas and
guarantee that the use of them ensures the preservation of the environment, including on the
use of natural resources (Article 225 Paragraph 4). From the Documentary and Bibiographical
Survey proposed to comment in this article before the teaching of legal doctrine the devices from
the State Law No 8830, January 21, 2008. It was observed that the law serves in particular on
the demands made by farmers from the state, however it supplies an important omission and
opens prospects for an integrated management in the Pantanal. This biome, which is a true
ecological sanctuary calls the absence of specific federal legislation that would give greater
effectiveness and applicability to the constitutional recognition of the Pantanal Mato-Grossense
as a national patrimony.
Key words: Environmental Law, Pantanal of Mato Grosso, Management and Environmental
Education.
147
Introdução
Por sua importância, enquanto santuário ecológico, o pantanal foi alçado à
categoria de patrimônio nacional, pela Constituição de 1988, que estabeleceu a
necessidade de leis específicas para proteção dessas áreas e garantia de que a
utilização das mesmas assegure a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao
uso dos recursos naturais (art. 225 § 4º).
Contudo, a esperada lei federal para estabelecer os princípios de gestão e
proteção do Pantanal Mato-grossense parece longe de se concretizar, enquanto isso, a
despeito de sua decantada beleza e excepcional diversidade biológica, o Pantanal
enfrenta sérios problemas ambientais dentre os quais cita-se a expansão das
monoculturas e o uso abusivo de agrotóxicos no planalto circundante que integra a
Bacia do Alto Paraguai, o assoreamento dos rios que sofrem também com a falta de
saneamento nos municípios da região, além da pesca predatória, entre outros
problemas que colocam em risco a incolumidade desse santuário ameaçado.
Embora uma norma federal possa proteger de forma integrada o Pantanal
em ambos os Estados que o compartilham, a ausência dessa lei não impede que os
Estados regulamentem a gestão e conservação desse relevante bioma em seus
territórios.
Exatamente com esse propósito, no vazio decorrente da omissão do
legislador federal, o executivo estadual, através de sua Secretaria de Meio Ambiente do
Estado de Mato Grosso (SEMA-MT) submeteu à Assembléia Legislativa um projeto de
lei de gestão para o Pantanal de Mato Grosso.
Após a realização de diversas audiências públicas, de seminários, e da
criação de um grupo de trabalho dentro da assembléia legislativa estadual, o
148
mencionado projeto foi convertido na Lei nº 8.830, de 21 de janeiro de 2008, que segue
comentada neste artigo.
Oportuno esclarecer que a mencionada lei estadual dispõe sobre a gestão
do Pantanal de Mato Grosso e não do Pantanal Mato-grossense, que abrange ambos
os Estados (MT e MS), posto que a ausência da norma federal específica sobre esse
bioma, permite que o Estado normatize amplamente sua proteção, nos limites de seu
território, nos termos do art. 24, VI, VII e § 3º da Constituição Federal.
5.1 Os Princípios da Gestão do Pantanal em Mato Grosso.
A lei estadual tem seu fundamento maior no Art. 225, § 4°, da Constituição
Federal, e visa estabelecer a Política Estadual de Gestão do Pantanal de Mato Grosso,
definindo seus princípios e atribuições do poder público para manutenção da
sustentabilidade ambiental, econômica e social desse importante bioma.
Uma primeira questão, enfrentada pelo legislador diz respeito à
delimitação da área de alcance da norma proposta. Embora a lei faça referência, em
sua ementa, à proteção à Bacia do Alto Paraguai 62, prevaleceu o esforço dos ruralistas
de delimitar a aplicação da lei à planície alagável do Pantanal em Mato Grosso, o que é
lamentável, na medida em que os problemas que afetam o entorno do Pantanal
repercutem diretamente sobre a planície alagável; como exemplo emblemático, cita-se
a degradação do rio Taquari provocado pela expansão da monocultura no planalto que
circunda a planície pantaneira e responsável pelo carreamento de toneladas de areia e
agrotóxicos para o coração do Pantanal.
Perdeu-se com isso a oportunidade de
assegurar a gestão tendo como referência a bacia hidrográfica enquanto unidade
62
Definida no art. 1°, § 1° como a unidade geográfica composta pelo sistema de drenagem estabelecidos nos estudos
do Programa de Conservação do Alto Paraguai (PCBAP,1997) contemplados pelo Zoneamento Sócio-E superficial
que concentra suas águas no Rio Paraguai, , conforme os limites geográficos estabelecidos nos estudos do Programa
de Conservação do Alto Paraguai (PCBAP,1997).
149
territorial para implementação de uma política que integre a conservação desse bioma e
a manutenção da qualidade dos corpos hídricos que o formam.63
A Lei estadual inicia-se com a inclusão de um glossário com as definições
de termos técnicos nela empregados, o que tem sido uma tradição no Direito brasileiro,
embora no caso da Lei do Pantanal por uma impropriedade técnica foram arrolados
inúmeros conceitos sem nenhuma relação com a norma proposta. Tais conceitos estão
definidos no art 2º, sendo transcritos apenas aqueles que retratam a peculiaridade do
bioma em referência e que estão referidos em outros pontos deste artigo. São eles:
a)Planície alagável: corresponde a área inundável da Bacia do Alto
Paraguai – BAP, área relativamente plana, sujeita à inundações sazonais, causadas por
transbordamentos
de
rios
ou
pela
concentração
pluviométrica
associada
à
impermeabilidade do solo (inciso II).
b) Corixos: cursos d´água natural permanente, intermitente e/ou efêmero,
com fluxo que se alterna em função da sazonalidade climática e ciclo hidrológico, que
interliga mananciais (baías, lagoas, córregos e rios) na planície alagável, com função
hídrica de enchê-la e esvaziá-la. Entre outras, realiza também, a função ecológica
essencial como, por exemplo, o repositório de biota para colonização dos biótipos
aquáticos (inciso III);
c) Pulso de inundação: inundação sazonal característica da Planície
Alagável da Bacia do Alto Paraguai, com os níveis de enchente, cheia, vazante e seca,
influenciando a produtividade e diversidade vegetal e animal para a região (inciso IV);
d) Capão: elevações do terreno de forma circular ou elíptica, onde cresce
63
Como recomendado pela Lei de Política Nacional de Recursos hídricos.
150
vegetação arbórea, normalmente rodeada por campos associados à inundação ou ao
encharcamento sazonal dos solos (inciso VI);
e) Cordilheira: são elevações que apresentam formas sinuosas, alongadas
e extensas, de origem relacionada à deposição aluvial, com predominância de
vegetação arbórea, normalmente rodeada por campos associados à inundação ou ao
encharcamento sazonal dos solos (inciso VIII);
f) Baía: corpo d’água perene ou temporário, isolado ou conectado a um
curso d’água, com vegetação arraigada nas bordas e eventualmente flutuantes (inciso
XI);
g) Dique Marginal Natural: É a porção de terra mais elevada na margem
dos mananciais (rios, córregos e corixos), proveniente do transporte pelas águas
durante as cheias, do material em suspensão que ali se deposita. É de pequena
extensão e a sua altura decresce no sentido transversal ao curso d’água. É ocupado ao
longo do tempo pela comunidade pantaneira, rebeirinhos, fazendeiros e atualmente
pousadas (inciso XV);
h) Meandro: É um trecho da calha de um rio, com duas curvaturas
consecutivas e alternadas. É fruto da interação entre as vazões líquidas e sólidas
impostas e a erosividade de suas margens. Nos leitos aluvionares, esta conformação
apresenta geralmente uma seqüência de curvas separadas por trechos retilíneos curtos
(inciso XX), e
i) Murundum: É um tipo de microrrelevo em forma de pequenas elavações
ou montículos ou cocurutos, geralmente arredondados, com altura entre 0,1 a 1,5 m e
diâmetro de até 20 m, temporariamente inundável nas partes mais baixa durante o
151
período chuvoso, formado em solos hidromórficos com deficiência em drenagem,
contendo comumente no perfil concreções ferruginosas, apresentando grande
importância ecológica por controlar o fluxo de água, a deposição de nutrientes, a
conservação de água de superfície e a biodiversidade (inciso XXI).
Além desses conceitos, a Lei do Pantanal estabelece os objetivos e
princípios que devem reger a Política Estadual de Gestão e Proteção do pantanal em
Mato Grosso, assinalando que essa política visa promover a preservação e
conservação dos bens ambientais, a melhoria e recuperação da qualidade ambiental,
visando assegurar a manutenção da sustentabilidade e o bem-estar da população
envolvida (art. 3º), atendidos um elenco de princípios, alguns de ordem geral, outros
específicos.
Oportuno destacar a importância dos princípios na aplicação das normas
em geral e, sobretudo, das leis ambientais, consoante o magistério de Rehbender 64,
para quem os princípios guardam a capacidade, quando compreendidos como
princípios gerais, de influenciar a interpretação e a composição de aspectos cinzentos
do direito ambiental." Neste sentido, os princípios ora arrolados são à base da
legislação em comento, que visam auxiliar seu entendimento e, sobretudo, orientam a
aplicação dos dispositivos legais, relativos à conservação do Pantanal de Mato Grosso.
Também Canotilho65 considera que a utilidade dos mesmos reside: 1) em
serem um padrão que permite aferir a validade das leis, tornando inconstitucionais ou
ilegais as disposições legais ou regulamentadoras ou atos que os contrariem; 2) no seu
potencial como auxiliares da interpretação de outras normas jurídicas; e 3) na sua
capacidade de integração de lacunas.
64
65
Apud DERANI, 1997, p. 156.
Apud MORATO LEITE, 2000, p. 47
152
Entre os princípios que são inerentes à proteção do meio ambiente
arrolados na lei estadual cita-se exemplificativamente o princípio da precaução, o
princípio do poluidor-pagador, o princípio do usuário-pagador, o princípio da prevenção;
o princípio da participação e descentralização, princípio do desenvolvimento sustentável
e o princípio do limite. São também arrolados, de forma equivocada, o “princípio da
bacia hidrográfica” e o “princípio do direito humano fundamental”.66
Inicialmente quanto ao princípio da Precaução, Derani (1997) traz um
conceito clássico, ponderando inicialmente que “Precaução é cuidado". Este princípio
se relaciona aos conceitos de afastamento de perigo e segurança das gerações futuras,
como também de sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Também é a
tradução da busca da proteção da existência humana, seja pela proteção de seu
ambiente como pelo asseguramento da integridade da vida humana. A partir desta
premissa, deve-se também considerar não só o risco eminente de uma determinada
atividade, como também os riscos futuros decorrentes de empreendimentos humanos,
os quais nossa compreensão e o atual estágio de desenvolvimento da ciência jamais
conseguem captar em toda densidade (...)67.
Já
o
princípio
da
Prevenção,
pressupõe
o
conhecimento
das
conseqüências nocivas ao meio ambiente que podem ser eliminadas, mitigadas ou
compensadas. Segundo Milaré68:
O principio da prevenção é basilar para o Direito Ambiental, concernindo à
prioridade de que deve ser dada à medida que evitem o nascimento de
atentados ao ambiente, molde a reduzir ou eliminar as causas de ações
suscetíveis de alterar a sua qualidade.
66
Provavelmente o legislador pretendia referir-se ao princípio da bacia hidrográfica como unidade territorial para
implementação da Política de Gestão do Pantanal e o princípio do direito ao meio ambiente enquanto direito
fundamental.
67
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997.
68
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente : doutrina, pratica, jurisprudência, glossário. 2. ed. rev. atual. e ampl. –
São Paulo : Editora Revista dos Tribunais,2003.
153
Neste sentido, as possíveis ações danosas ao meio ambiente devem ser
identificadas e eliminadas antes de se concretizarem, em proteção às gerações
presentes e futuras.
Outro princípio arrolado na lei é do poluidor-pagador-PPP. Por força
desse princípio, devem estar, a cargo do poluidor os custos das medidas da
prevenção, controle e remediação da poluição, como forma de induzir que tais custos
estejam refletidos nos custos dos bens e serviços que causam poluição, evitando-se
com isso os subsídios que provocam distorções no comércio.
Embora comumente confundido doutrinariamente com o princípio da
responsabilização, o PPP tem conotação econômica e algumas peculiaridades que
marcam essa distinção. Assinala, a propósito, Paulo de Bessa Antunes:
O elemento que diferencia o PPP da responsabilidade tradicional é que ele
busca afastar o ônus do custo econômico das costas da coletividade e dirigi-lo
diretamente ao utilizador dos recursos ambientais. Logo ele não está fundado no
princípio da responsabilidade, mas, isto sim, na solidariedade social e na
prevenção mediante a imposição da carga pelos custos ambientais nos
produtores e consumidores.69
Também Paulo Afonso Leme Machado70 aponta outra característica
diferencial, ressaltando que o pagamento pela poluição independe da caracterização
de qualquer infração ambiental, bastando ao órgão ambiental constatar a ocorrência
da poluição; dessa forma, ainda que o poluidor esteja regularmente autorizado a
69
ANTUNES, P. de B. Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA: Comentários à Lei 6.938, de 31 de agosto
de 1981. p. 41.
70
MACHADO, P. A. L. Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. p. 54.
154
emitir poluentes em observância aos padrões regularmente estabelecidos, deve
arcar, sobretudo com os custos da prevenção.
Como uma extensão do princípio do poluidor-pagador no domínio da
gestão dos recursos naturais, o Princípio do usuário-pagador corresponde ao
princípio econômico da "verdade dos preços" ou da "recuperação integral dos
custos" ("full cost recovery" ou "full cost pricing") e objetiva fazer com que os custos
ligados aos recursos não sejam suportados nem pelos poderes públicos, nem por
terceiros, mas pelos utilizadores e somente por eles. Ambos os princípios decorrem,
portanto, da mesma lógica econômica de internalização dos custos ambientais, na
medida em que buscam igualmente fazer com que os usuários dos recursos
ambientais arquem com o custo integral de sua utilização e pratiquem preços reais
que reflitam tais custos.
Conforme salienta Henri Smets71, o princípio usuário-pagador (PUP)
visa pôr a cargo dos utilizadores dos recursos o conjunto dos custos de produção,
distribuição e utilização destes recursos incluindo os efeitos externos associados.
Consta também da lei estadual o princípio do Desenvolvimento
Sustentável. Sobre este princípio Veiga Rios72 considera que o desenvolvimento
sustentável (DS) não é o propriamente um principio de direito ambiental, como
expressão de uma diretriz, um comportamento, como ocorre com o principio da
precaução
ou
do
poluidor-pagador.
Neste
sentido,
o
autor
afirma
que
o
desenvolvimento sustentável:
71
SMETS, H. Le Principe Utilisateur-Payeur et son application dans la gestion de l’eau. Lusiada – Revista de
Ciência e Cultura. Nº 1 e 2. Porto: CEUL, 2000, pp. 423 (Traduzido livremente pelo autor).
72
VEIGA RIOS, A. V. e DERANI, C. Princípios Gerais do Direito Internacional Ambiental. In VEIGA RIOS,
A. V. e IRIGARAY, C. T. J. H. (Orgs). O Direito e o Desenvolvimento sustentável – Curso de Direito ambiental.
Brasília: IEB, 2005, pg 89.
155
Traduz um conjunto de valores ancorados em condutas relacionadas à
produção, para que o resultado seja a compatibilizarão da apropriação dos
recursos naturais com a sua manutenção e construção de um bem-estar (nos
dizeres da Constituição brasileira “da sadia qualidade de vida”).
Já o principio do Limite, é voltado para a Administração Pública, este
princípio tem como dever fixar parâmetros mínimos a serem observados em casos
como emissões de partículas, ruídos, sons, destinação final de resíduos sólidos,
hospitalares e líquidos, dentre outros, visando sempre promover o desenvolvimento
sustentável. De acordo com Irigaray73, à luz deste principio a administração pública
deve estabelecer padrões de qualidade ambiental limitando a emissão de poluentes,
sem o que sua intervenção e controle sobre os administrados estaria ferindo o princípio
da legalidade. Ainda ensina Antunes74, que a manifestação mais palpável da aplicação
do princípio do limite ocorre com o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental
concretizados na forma de limites de emissões de partículas, de limites aceitáveis de
presença de determinadas substâncias na água etc.
O princípio da participação descentralizada assegura ao cidadão o direito
à participação na elaboração das políticas públicas ambientais, de forma que a ele deve
ser assegurado os mecanismos judiciais, legislativos e administrativos que efetivam o
princípio. Esse princípio está calcado o caput do artigo 225 da CF de 1988.
Oportuno assinalar que a tarefa de tomar parte na gestão ambiental e
integrar-se a uma política pública nesse sentido pode se efetivar de inúmeras maneiras;
ou seja, existem formas diferenciadas de participação. Como bem observa Caubet:
73
IRIGARAY, C.T.J.H. Controle de Poluição. In VEIGA RIOS, A. V. e IRIGARAY, C. T. J. H. (Orgs) O Direito e
o Desenvolvimento sustentável – Curso de Direito ambiental. Brasília: IEB, 2005, pg 277.
74
ANTUNES, Paulo de Bessa. Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA: Comentários à Lei 6.938, de 31 de
agosto de 1981. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 34.
156
A participação depende, em primeiro lugar de determinadas condições objetivas:
nem tudo o que é chamado de participação, representa efetivamente uma
oportunidade de tomar decisão, em pé de igualdade ou com condições mínimas
de influenciar de alguma maneira no resultado final.75
Proclamar que a gestão será descentralizada e participativa constitui mero
exercício de retórica, se a proclamação não estiver acompanhada de medidas
concretas para viabilizar tal participação.
Outro princípio de ordem geral citado na lei estadual é o princípio da
Ubiqüidade. Fiorillo76 enfatiza que este princípio vem demonstrar que o objeto de
proteção do meio ambiente, localizado no “epicentro dos direitos humanos”, deve ser
levado em consideração toda vez que uma política, atuação, legislação sobre qualquer
tema, atividade, obra, etc. tiver que ser criada e desenvolvida. O autor considera que
“não há como pensar no meio ambiente dissociado dos demais aspectos da sociedade,
de modo que ele exige uma atuação globalizada e solidária, até mesmo porque
fenômenos como a poluição e a degradação ambiental não encontram fronteiras e não
esbarram em limites territoriais”.
Como princípios específicos à lei estadual inserem: a proteção do
Pantanal Mato-grossense enquanto Patrimônio Nacional, Sítio Ramsar e Reserva da
Biosfera; o reconhecimento dos saberes tradicionais como contribuição para o
desenvolvimento e gestão das potencialidades da região; o respeito e valorização às
formas de uso e gestão dos bens ambientais utilizados por povos e comunidades
tradicionais; o respeito à diversidade biológica e aos valores ecológicos, genéticos,
sociais, econômicos, científicos, educacionais, culturais, religiosos, recreativos e
estéticos associados (incisos XI a XV do art. 3º).
75
76
CAUBET, C. G. A nova legislação dos recursos hídricos no Brasil (...). Op. cit., p. 262.
FIORILLO, C. A. P. Curso de Direito Ambiental, 2003. p. 42, 43.
157
A lei estabelece, no art. 4°, as diretrizes básicas da Política Estadual de
Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso, que incluem:
a) ação governamental de articulação dos órgãos estaduais com os órgãos
federais e municipais de meio ambiente, desenvolvimento rural, indústria,
comércio, turismo e da sociedade civil organizada;
b) integração da gestão ambiental com a gestão dos recursos hídricos e com a
gestão do uso do solo;
c) promoção dos meios necessários para a efetiva participação dos povos e
comunidades tradicionais nas instancias de controle social e nos processos
decisórios relacionados aos seus direitos e interesses;
d) assegurar os direitos individuais e coletivos concernentes aos povos e
comunidades tradicionais à auto-determinação na construção de políticas de
gestão em território tradicional;
e) consolidar e ampliar as parcerias: internacional, nacional, estadual,
interestadual e setorial, para o intercambio de informações e integração de
políticas públicas articuladas e aplicáveis no bioma Pantanal;
f) ordenar a ocupação territorial da Bacia do Alto Rio Paraguai, com ênfase na
Planície Alagável na forma da lei;
g) estimular a instalação de atividades econômicas sustentáveis, apoiar as já
existentes subsidiando atividades sustentáveis desenvolvidas por povos e
comunidades tradicionais;
h) incentivar ações que se coadunam com os objetivos da Convenção sobre a
Diversidade Biológica e estabelecer restrições para as contrárias aos objetivos da
Convenção, e
i) incentivar atividades de ecoturismo como forma de gerar emprego e renda e de
fiscalizar, proteger e divulgar o ambiente pantaneiro.
As diretrizes fixadas pela lei estadual ressaltam desde a importância do
estabelecimento de parcerias entre os entes estatais para a real proteção do Bioma até
o incentivo racional e sustentado de atividades que respeitem a biota local coadunando
com as convenções que o Brasil é signatário.
É indiscutível a importância da
elaboração de diretrizes que orientem a implementação de políticas públicas para a
bacia do Alto Paraguaia, no entanto a concretização desses princípios depende de um
diálogo efetivo e permanente entre o Poder público e a sociedade civil organizada
visando criar uma agenda positiva de ações conservacionistas para o Bioma.
158
5.2 Competências Institucionais para Gerir Parte de um Patrimônio
Nacional.
Nos termos da Constituição Federal a competência legislativa para
proteger ao meio ambiente é concorrente, cabendo à União definir normas gerais que
podem ser suplementadas pelos Estados competindo a esses legislarem plenamente
na ausência dessas normas federais.
No caso do pantanal, inexistindo lei federal específica, os Estados podem
exercer sua competência legislativa plena, para atender suas peculiaridades (CRB: art.
24 § 3º).
Nestes termos, a legislação estadual analisada atende à ressalva
constitucional e, sobretudo o interesse do Estado de Mato Grosso que abriga cerca de
35% do Pantanal Mato-grossense. Nesse sentido, é um bem ambiental cuja proteção, a
despeito de integrar um patrimônio nacional, incumbe ao Estado de Mato Grosso, sem
prejuízo da competência federal para assegurar sua integridade.
A lei estadual fixa entre as atribuições do Poder Público articular-se com o
Estado de Mato Grosso do Sul e com a União, visando uma política integrada para a
Bacia do Alto Paraguai, promover, ações com a finalidade de se implantar sistemas de
esgoto nas cidades e indústrias que fazem parte da Bacia do Alto Paraguai, bem como
a coleta e disposição final adequada dos resíduos sólidos (lixo) e definir, através do
Zoneamento Sócio Econômico Ecológico de Mato Grosso, diretrizes de uso e manejo
dos recursos naturais da área de entorno da Planície Alagável da Bacia do Alto
Paraguai. Tratam-se de atribuições específicas do Poder Público estadual, embora
outras atribuições relacionadas na lei digam respeito também ao Poder Público
municipal, como o incentivo à recuperação de áreas degradadas, o fomento à
certificação ambiental das atividades sustentáveis desenvolvidas na região,
o
159
ordenamento do turismo, o combate à biopirataria e ao tráfico de animais silvestres,
entre outras.
Tendo em vista as competências institucionais da Secretaria de Estado do
Meio Ambiente – SEMA, definidas na Lei Complementar n° 114/2005, a lei define como
atribuições específicas do órgão estadual do meio ambiente:
a) incentivar a manutenção e conservação de áreas naturais, através do
incentivo à criação de Unidades de Conservação na Bacia do Alto Paraguai;
b) desenvolver programas de monitoramento da fauna, flora e de controle de
espécies exóticas na Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai.
c) realizar diagnóstico e monitoramento dos impactos ambientais na Planície
Alagável e propor programas que visem a minimização destes impactos, com a
participação das empresas e produtores rurais que contribuam para melhoria da
gestão ambiental e permitam o aperfeiçoamento de acompanhamento e controle;
d) implantar um sistema de monitoramento, controle e fiscalização da pesca,
fomentando estudos estatísticos quantitativos e qualitativos, como estoque e
produção das áreas naturais utilizadas para esta atividade comercial e artesanal
e controlando a extração, transporte e comércio de iscas vivas;
e) fomentar ações visando o manejo sustentável dos recursos vegetais nativos, e
ordenar as atividades poluidoras e/ou degradadoras (de baixo impacto) do meio
ambiente, implantadas e a serem implantadas na região da Planície Alagável da
Bacia do Alto Paraguai;
Algumas das atribuições expressamente conferidas à SEMA dispensariam
a referencia legal, por serem obviedades, inserindo-se no cotidiano da gestão ambiental
a cargo do Poder Público.
Todavia, malgrado a expressa determinação ações que são básicas na
160
gestão ambiental, nem sempre o Poder Público as executa e aí, nesse caso, a
determinação legal não faz a menor diferença, se falta vontade política.
Um exemplo é a atribuição prevista na Lei para que a SEMA promova,
dentro de 05 (cinco) anos, a identificação das barragens, diques e aterros existentes na
Planície Alagável da BAP de Mato Grosso fixando, aos responsáveis, pessoas físicas
ou jurídicas, públicas ou privadas, prazo para remoção ou adequação se ficar
constatado que causam significativos danos ao ecossistema do Pantanal (art. 15)
Idêntica atribuição, com prazo de um ano, já constava das Disposições Transitórias do
Código Estadual do Meio Ambiente (Lei Complementar 38/85).
A regra é óbvia e exige uma ação aparentemente simples e fácil de
executar, já que esses diques podem ser identificados em imagens de satélite, contudo,
o que se fez até agora foi proclamar legalmente a dilação desse prazo.
Parece um paradoxo: o Executivo encaminhou à Assembléia, em 1995,
um Projeto de Lei que lhe fixava prazo de um ano para execução, de uma ação
elementar quando se trata de gestão de área úmida. Decorridos dezoito anos, o
Executivo encaminha nova proposição à Assembléia, ampliando esse prazo para mais
cinco anos. Quem viver verá.
A Lei determina também que a SEMA promova a realização de plano de
manejo para as Unidades de Conservação Estaduais existentes na Bacia do Alto
Paraguai de Mato Grosso, no prazo de 05 (cinco) anos (art. 16), e ainda que vistorie os
acampamentos, pousadas, hotéis e demais estabelecimentos do gênero em atividade
ou em fase de instalação na Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai de Mato
Grosso, bem como, qualquer outra atividade considerada efetiva ou potencialmente
poluidora e/ou degradadora do meio ambiente, para que seja realizada análise
ambiental específica e determinadas as medidas cabíveis (art. 17). Determina também
161
que a SEMA vistorie previamente, antes da emissão de parecer técnico conclusivo do
processo de licenciamento, qualquer empreendimento ou atividade localizado na
Planície Alagável da BAP e em faixa marginal de dez quilômetros (art. 10).
Tanto os dispositivos que regulamentam as atribuições do Poder Público
(lato sensu) quanto os que regulam as atividades específicas da Secretaria Estadual de
Meio Ambiente já estão de certa forma presentes na legislação ambiental estadual,
Código Ambiental77, Lei de Pesca78, Lei de recursos hídricos79. O avanço da lei
estadual reside principalmente na sistematização dessas regras em um único
arcabouço normativo específico para a gestão da área alagável do Pantanal de Mato
Grosso, que a partir de então disponibiliza ao gestor público e aos administrados um
conjunto sincronizado de dispositivos legais que orientarão às políticas públicas
estatais.
Dentro deste contexto de atribuições do Poder Público, note que as
diretrizes para a gestão propriamente dita, das “áreas de entorno” da área alagável, não
estão listadas nestes dispositivos, pois o legislador não regulamentou as atividades
para esta região.
A abrangência da Lei de Gestão foi amplamente debatida durante o
processo de elaboração da Lei, os ruralistas pleitearam que ela deveria versar somente
sobre a área alagável e os representantes dos setores comunitários (Populações
tradicionais, Universidades, Centros de Pesquisa) defenderam que ela deveria
regulamentar as atividades em toda a Bacia do Alto Paraguai. A Lei sancionada trouxe
em sua epígrafe o título que atendia à demanda destes últimos, no entanto isso só
ocorre em sua epígrafe, porque o que se encontra no seu bojo na realidade são artigos,
que em sua maioria regulamentam somente atividades na área alagável.
77
Lei Complementar n° 232, de 21 de dezembro de 2005.
Lei N º 7881 de 30 de dezembro de 2002.
79
Lei Nº 6945 de05 de novembro de 1997.
78
162
O Legislador se eximiu da responsabilidade de regulamentar as diretrizes
que orientarão o uso e manejo na região de entorno da área alagável, transferindo este
encargo ao Zoneamento Sócio-Econômico e Ecológico- ZSEE/MT.
5.3 Áreas Protegidas
Dentre as tarefas constitucionalmente atribuídas ao Poder Público, com
vistas à concretização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, inserese a definição de espaços territoriais e seus componentes, a serem especialmente
protegidos.
O preceito que estabelece essa atribuição (CF: Art. 225 § 1º, III) determina
também que a alteração e a supressão dessas áreas somente serão permitidas
mediante lei, vedando ainda, qualquer utilização que comprometa a integridade dos
atributos que justifiquem sua proteção.
Desse dispositivo constitucional podemos extrair algumas conseqüências:
1) o Poder Público (federal, estadual e municipal) deve definir espaços territoriais
e seus componentes a serem especialmente protegidos;
2) somente uma lei pode autorizar a alteração ou supressão desses bens
protegidos;
3) o Poder Público tem o dever de impedir qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos inerentes a esses bens.
Observe-se ainda, que a referência constitucional aos espaços territoriais
protegidos abrange inúmeras categorias de proteção legal e limitações administrativas
163
que não se cingem às conhecidas unidades de conservação. Pondera, a propósito,
José Afonso da Silva80:
Nem todo espaço territorial especialmente protegido se confunde com unidade
de conservação, mas estas são também espaços especialmente protegidos. Não
é fácil, porém, diante da legislação em vigor, dizer quando um espaço territorial
especialmente protegido deve ser considerado unidade de conservação. O
máximo que se pode dizer é que um espaço territorial se converte numa unidade
de conservação, quando assim declarado expressamente, para lhe atribuir um
regime jurídico mais restritivo e mais determinado.
Cumpre ressaltar que o Pantanal Mato-grossense enquanto patrimônio
nacional constitui, por força de mandamento constitucional uma área protegida, embora
a extensão dessa proteção esteja a depender de lei federal ainda não editada. Além
dessa proteção “genérica” de pouca efetividade, nesse importante bioma inserem-se
algumas modalidades de áreas protegidas, como as APPs, Reserva Legal e Unidades
de Conservação, entre outras.
No que se refere às áreas de preservação permanente, o legislador matogrossense deu um tratamento diferenciado a essa categoria, tendo em vista as
peculiaridades regionais.
Ocorre que no Pantanal, durante as cheias, geralmente ficam sob as
águas a quase totalidade da planície alagável, não se justificando estender as
limitações inerentes às APPs a todas as áreas inundáveis.
Desse modo, o legislador estabeleceu que as faixas marginais de
80
SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Ambiental. p. 161.
164
preservação permanente terão como referencial o nível mais alto dos rios e demais
cursos d’água, ressalvando que a delimitação de Área de Preservação Permanente na
Planície Alagável, será efetuada durante o período sazonal de seca (art. 7º §§ 1° e 2°).
Acresceu também o legislador, considerando de preservação permanente
as florestas e demais formas de vegetação situadas:
a) as margens dos cursos d’água, perenes, intermitentes e/ou efêmeros,
inclusive nos corixos, conforme limites estabelecidos no Código Ambiental do
Estado de Mato Grosso;
b) no entorno de baías, lagos e lagoas, em faixa marginal de 100 metros;
c) no interior das ilhas;
d) nas veredas e nos brejos;
e) nos topos e encostas de morros isolados, com inclinação igual ou superior a
45°;
f) no entorno dos meandros, conectados ou não com rios.
Outra inovação, da Lei estadual, refere-se à criação de uma nova
categoria de área protegida no pantanal mato-grossense: as Áreas de Conservação
Permanente, que abrange as áreas inundáveis da Planície Alagável da Bacia do Alto
Paraguai em Mato Grosso, caracterizadas, como unidades de paisagem que funcionam
como refúgios, habitats e corredores para a fauna, e conectividade de populações de
espécie associadas a ambientes aquáticos e de aves migratórias.
Essas áreas doravante denominadas de conservação permanente são
consideradas essenciais para a distribuição de nutrientes na Planície Alagável e para a
manutenção do ciclo produtivo de pastagens nativas, não podendo ser alteradas ou
utilizadas de forma intensiva ou em larga escala. Estabelece, a propósito, a lei estadual:
Art. 8º Consideram-se Áreas de Conservação Permanente, na Planície Alagável
da Bacia do Alto Paraguai - BAP de Mato Grosso:
165
I - os campos inundáveis;
II – os corixos;
III – os meandros de rios;
IV – as baías e lagoas marginais;
V – as cordilheiras;
VI – os diques marginais naturais;
VII – Nos capões de mato e murunduns;
Nos campos inundáveis a lei faculta o acesso e uso para a pecuária extensiva e
nos diques marginais naturais são permitidas as atividades turísticas, habitação dos
ribeirinhos, sede e retiros de fazendas, vedadas às intervenções que impeçam o fluxo
da água.
A lei estabelece também que nessas áreas a supressão parcial da
vegetação nativa, visando sua substituição, poderá ser realizada por meio de prévio
licenciamento junto à SEMA. Oportuno salientar que, de conformidade com o Código
Estadual de Meio Ambiente (Lei Complementar nº 38/1995), subsiste a restrição ao
desmatamento na planície alagável do Pantanal nos termos seguintes:
Art. 65 Na planície alagável do Pantanal não será permitido nenhum tipo de
desmatamento nas áreas de cordilheiras, capão de mato, murunduns, landis e
similares, com exceção daqueles feitos para agricultura de subsistência e
limpeza de pastagens nativas e plantadas ou instalação de empreendimentos de
baixo impacto ambiental definidos no regulamento.
§ 1º Para os efeitos do caput deste artigo, entende-se por limpeza de
pastagens, a supressão manual ou mecânica de vegetação considerada
invasora, herbácea ou arbustiva, para manutenção da atividade pecuária,
mediante autorização disciplinada no regulamento.
(...).
166
Na nova lei a limpeza de pastagem fica permitida para as espécies Pombeiro
(Combretum lanceolatum e Combretum laxum) e Canjiqueira (Byrsonima orbignyana),
Pateiro (Couepia uiti), Pimenteira (Licania parvifolia), Cambará (Vochisia divergens),
Algodoeiro (Ipomoea fistulosa), Mata-pasto-amerelo (Cássia aculeata), Amoroso
(Hydrolea spinosa), e Arrebenta laço (sphinctanthus micropyllus), conforme estabelece
o art. 11. A limpeza de pastagens ficara condicionada, quando tratar-se do cambará
(Vochisia divergens) ao estabelecimento do diâmetro mínimo da espécie citada, a ser
definido no regulamento.
Oportuno também salientar que a limpeza de pastagem somente poderá
ser autorizada para propriedades devidamente licenciadas, já que a exigência do
Licenciamento ambiental de propriedades rurais encontra-se também previsto no
Código Estadual do Meio Ambiente, o que se aplica às propriedades localizadas na
baixada pantaneira.
A lei de Gestão do Pantanal estabelece ainda que nas Áreas de
Conservação Permanente será permitido a construção de estradas para acesso as
propriedades rurais desde que não impeçam o fluxo de água.
Acresça-se que em função das restrições associadas a essas áreas
especialmente protegidas a Lei do Pantanal estabelece as seguintes vedações nos
limites da Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai de Mato Grosso (art. 9°):
a) o licenciamento de criatórios de espécies da fauna que não sejam autóctones
da bacia hidrográfica, de assentamentos rurais e de projetos agrícolas,
excetuada a atividade agrícola de subsistência e a pecuária extensiva. Veda
também o licenciamento de atividades de médio e alto grau de poluição e/ou
degradação ambiental na Planície Alagável, tais como: plantio de cana,
implantação de usinas de álcool e açúcar, carvoarias, abatedouros e outras
atividades de médio e alto grau de poluição e ou degradação; permite, contudo, o
licenciamento das atividades de piscicultura e criação de animais da fauna
167
silvestre, desde que as espécies sejam de ocorrência natural na Bacia do Alto
Paraguai (art. 12).
b) a construção de diques, barragens ou obras de alterações dos cursos d’água,
exceto açudes, tanques para piscicultura e pecuária extensiva, estabelecidos fora
das linhas de drenagens, bem como para recuperação ambiental, a construção
de estradas para acesso as propriedades rurais e empreendimentos hoteleiros
dentro dos limites da Planície Alagável, desde que não impeçam o fluxo natural
da água. A lei estabelece, também, que no uso e construção de estradas na
Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai de Mato Grosso deverá ser
observada a dinâmica hidrológica, visando a minimização dos impactos de
represamento (art. 18). Se as estradas de acesso de alguma forma interferirem
no fluxo das águas, estas deverão ser construídas com pontes, manilhas e outros
mecanismos que possibilitem o fluxo das águas.
Relativamente à navegação, o legislador estabeleceu que a navegação
comercial nos rios da Bacia do Alto Paraguai deve ser compatibilizada com a
conservação e preservação do meio ambiente, buscando a manutenção da diversidade
biológica e recursos hídricos, adaptando-se as embarcações aos rios, vetado o
transporte de produtos potencialmente perigosos (art. 13), o que constitui em avanço
relevante, na medida em que o incremento do transporte hidroviário na região tem
acarretado alguns acidentes, com afundamento de barcaças. Não é difícil imaginar o
desastre que seria o afundamento de uma barcaça com toneladas de agrotóxico ou
combustível, no coração do pantanal.
De maneira geral a Lei aprovada é muito semelhante à proposta
encaminhada pelos representantes do setor ruralista do Estado de Mato Grosso ao
legislativo estadual. Ocorreram alguns avanços no decorrer do processo de discussão,
que podem ser observados a partir da inserção de conceitos, princípios e diretrizes que
orientarão de modo capilarizado e participativo as políticas públicas a serem
168
implementadas na região, desde que os movimentos populares da sociedade civil se
mobilizem.
No que diz respeito à gestão propriamente dita das “áreas de entorno” da
área alagável, nenhum avanço pode ser apontado, o que é lamentável, pois a grande
maioria dos problemas que afetam o pantanal ocorre em seu entorno, onde estão
instaladas extensas lavouras de grão, em solo frágil, onde são depositadas grande
quantidade de fertilizantes e pesticidas que acabam carreados, juntamente com os
bancos de areiam que estão aterrando aos poucos a bacia pantaneira.
É importante considerar que foram inseridos diversos conceitos e
definições na legislação que legitimarão a ação dos movimentos populares da
sociedade, no intuito de pleitearem ações junto ao poder público. Para tanto basta
observar o art. 2º XXII que trata da definição de Povos e Comunidades Tradicionais.
A título de exemplo, este inciso atendeu uma reivindicação das
comunidades ribeirinhas do Pantanal, fortalecendo no Estado a Política Nacional de
Povos e Comunidades Tradicionais.
Nessa mesma linha, também como princípio da Lei está contemplado o
reconhecimento dos saberes tradicionais como contribuição para o desenvolvimento e
gestão das potencialidades da região, e o respeito e valorização às formas de uso e
gestão dos bens ambientais utilizados por povos e comunidades tradicionais (art. 3º e
inciso XII e XIII); e ainda como uma diretriz, visando “assegurar os direitos individuais e
coletivos concernentes aos povos e comunidades tradicionais à auto-determinação na
construção de políticas de gestão em território tradicional”.
169
Embora a lei não contemple como princípio o reconhecimento da autodeterminação é sem dúvida um avanço significativo nas discussões referentes à
emancipação das comunidades tradicionais da região, tendo em vista que está diretriz
reconhece e garante
às comunidades o direito de participarem diretamente das
discussões relativas às políticas estatais propostas para a localidade.
Além disso, observe-se que o Código de Ética e normas práticas da
Sociedade Internacional de Etnobiologia tem como seu princípio número um o da AutoDeterminação. No texto do Código de ética este princípio reconhece que populações
indígenas têm direitos à Auto-determinação (ou determinação local para comunidades
locais ou tradicionais) e que os pesquisadores devem ter uma conduta apropriada,
reconhecendo e respeitando seus direitos.
Não se pode ignorar que cultura e linguagem estão intrinsecamente
conectados a terra e território, e a diversidade cultural e lingüistica são diretamente
ligadas à diversidade biológica. Além disso, este princípio inclui: (i) o direito ao controle
da terra e território; (ii) o direito aos lugares sagrados; (iii) o direito ao próprio
(determinação do uso do / autorização, proteção e compensação para o) conhecimento;
(iv) o direito de acesso ao recurso tradicional; (v) o direito de preservar e proteger a
língua local, simbolismos e modos de expressão; (vi) e o direito à auto-definição.
Além desses aspectos, de grande relevância, a lei estadual avança
também na definição das áreas protegidas, o que inclui a novel categoria de áreas de
conservação permanente. Sobre este tema a legislação fez um alinhamento com a
realidade do Pantanal de Mato Grosso estabelecendo conceitos efetivamente aplicáveis
no aparato legal, fazendo alusão a aspectos específicos da região, quando regulamenta
a proteção de ecossistemas presentes no Bioma Pantaneiro a exemplo dos corixos,
veredas, campos inundáveis, brejos, meandros de rios, capões de mato e murunduns.
170
A lei estadual supre uma omissão relevante e abre perspectivas para uma
gestão integrada e capilarizada do Pantanal, contudo, esse bioma, que constitui
verdadeiro santuário ecológico reclama a ausência de legislação federal específica que
possa dar maior efetividade e aplicabilidade ao reconhecimento constitucional do
Pantanal Mato-grossense como “patrimônio nacional”.
Considerações Finais
De maneira geral a Lei aprovada é muito semelhante à proposta
encaminhada pelos representantes do setor ruralista do Estado de Mato Grosso ao
legislativo estadual. Ocorreram alguns avanços no decorrer do processo de discussão,
que podem ser observados a partir da inserção de conceitos, princípios e diretrizes que
orientarão de modo capilarizado e participativo as políticas públicas a serem
implementadas na região, desde que os movimentos populares da sociedade civil se
mobilizem.
No que diz respeito à gestão propriamente dita das “áreas de entorno” da
área alagável, nenhum avanço pode ser apontado, o que é lamentável, pois a grande
maioria dos problemas que afetam o pantanal ocorre em seu entorno, onde estão
instaladas extensas lavouras de grão, em solo frágil, onde são depositadas grande
quantidade de fertilizantes e pesticidas que acabam carreados, juntamente com os
bancos de areiam que estão aterrando aos poucos a bacia pantaneira.
É
importante
considerar que foram inseridos diversos conceitos e definições na legislação que
legitimarão a ação dos movimentos populares da sociedade, no intuito de pleitearem
ações junto ao poder público. Para tanto basta observar o art. 2º XXII que trata da
definição de Povos e Comunidades Tradicionais.
171
A título de exemplo, este inciso atendeu uma reivindicação das
comunidades ribeirinhas do Pantanal, fortalecendo no Estado a Política Nacional de
Povos e Comunidades Tradicionais.
Nessa mesma linha, também como princípio da Lei está contemplado o
reconhecimento dos saberes tradicionais como contribuição para o desenvolvimento e
gestão das potencialidades da região, e o respeito e valorização às formas de uso e
gestão dos bens ambientais utilizados por povos e comunidades tradicionais (art. 3º e
inciso XII e XIII); e ainda como uma diretriz, visando “assegurar os direitos individuais e
coletivos concernentes aos povos e comunidades tradicionais à auto-determinação na
construção de políticas de gestão em território tradicional”.
Embora a lei não contemple como princípio o reconhecimento da autodeterminação é sem dúvida um avanço significativo nas discussões referentes à
emancipação das comunidades tradicionais da região, tendo em vista que está diretriz
reconhece e garante
às comunidades o direito de participarem diretamente das
discussões relativas às políticas estatais propostas para a localidade.
Além disso, observe-se que o Código de Ética e normas práticas da
Sociedade Internacional de Etnobiologia tem como seu princípio número um o da AutoDeterminação. No texto do Código de ética este princípio reconhece que populações
indígenas têm direitos à Auto-determinação (ou determinação local para comunidades
locais ou tradicionais) e que os pesquisadores devem ter uma conduta apropriada,
reconhecendo e respeitando seus direitos.
Não se pode ignorar que cultura e linguagem estão intrinsecamente
conectados a terra e território, e a diversidade cultural e lingüistica são diretamente
ligadas à diversidade biológica. Além disso, este princípio inclui: (i) o direito ao controle
da terra e território; (ii) o direito aos lugares sagrados; (iii) o direito ao próprio
172
(determinação do uso do / autorização, proteção e compensação para o) conhecimento;
(iv) o direito de acesso ao recurso tradicional; (v) o direito de preservar e proteger a
língua local, simbolismos e modos de expressão; (vi) e o direito à auto-definição.
Além desses aspectos, de grande relevância, a lei estadual avança
também na definição das áreas protegidas, o que inclui a novel categoria de áreas de
conservação permanente. Sobre este tema a legislação fez um alinhamento com a
realidade do Pantanal de Mato Grosso estabelecendo conceitos efetivamente aplicáveis
no aparato legal, fazendo alusão a aspectos específicos da região, quando regulamenta
a proteção de ecossistemas presentes no Bioma Pantaneiro a exemplo dos corixos,
veredas, campos inundáveis, brejos, meandros de rios, capões de mato e murunduns.
A lei estadual supre uma omissão relevante e abre perspectivas para uma
gestão integrada e capilarizada do Pantanal, contudo, esse bioma, que constitui
verdadeiro santuário ecológico reclama a ausência de legislação federal específica que
possa dar maior efetividade e aplicabilidade ao reconhecimento constitucional do
Pantanal Mato-Grossense como “patrimônio nacional”.
173
Referência Bibliográfica
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Comentáriosà Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005,
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Benjamin ( coord.). São Paulo: Ed. RT, 1993.
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FIORILLO, C. A. P. Curso de Direito Ambiental, 4ª ed. ampliada. São Paulo, Saraiva
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MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente : doutrina, pratica, jurisprudência, glossário. 2. ed.
rev. atual. e ampl. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais,2003.
MORATO LEITE, José Rubens (Org.). Inovações em direito ambiental. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2000.
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VEIGA RIOS, A. V. e IRIGARAY, C. T. J. H. (Orgs) O Direito e o Desenvolvimento
sustentável – Curso de Direito ambiental. Brasília: IEB, 2005, pg 277.
174
CONCLUSÃO GERAL
Desde o início deste trabalho, já existia a consciência pessoal e coletiva, por
parte das pessoas responsáveis por sua confecção da complexidade do tema, do
emaranhado de dados que surgiriam para ser analisados, e do contato diário com
pessoas de diversas ideologias, todavia aceitado o desafio, conscientes de que se
tratava de um trabalho que traria a oportunidade de expor as contradições sociais
existentes no Estudo de Caso aventado. A partir da clareza sobre os aspectos
relacionados à complexidade do assunto, importa esclarecer que o saber ambiental é
por si complexo, e está disposto em redes, por isso não admite
“pontos finais”.
Destarte, implica lançar mão de duas abstrações propostas por Leff (2001), a fim de
que esclarecer que, a discussão teórica que ora foi deflagrada deve ser continuada e
reavaliada.
A primeira diz respeito afirmação do autor de que “é na construção
da
racionalidade ambiental, desconstrutora da racionalidade capitalista que se forma
o saber ambiental”. Nesse sentido o saber ambiental está sendo construído a partir da
materialidade histórica, dentro da relação dialética existente entre os Stakeholders
identificados neste trabalho, e que não seria em uma dissertação de mestrado, limitada
a alguns meses de pesquisa que seriam esgotadas as possibilidades de imersão
hermenêutica do assunto.
Segundo, o autor sabiamente define o ambiente como sendo “uma visão das
relações complexas e sinérgicas gerada pela articulação dos processos de ordem
física, biológica, termodinâmica, econômica, política e cultural”. Dessa forma, esta
dimensão de ambiente adotada por ele possibilita, afirmar que discutir a participação
popular na elaboração dos Marcos Regulatórios e a conseqüente implementação das
políticas, deve ser um processo continuo e cotidianamente retro-alimentado. Nesse
diapasão, não se pretende dar por encerradas as idéias oriundas deste ensaio, é
forçoso sim, explicitar, ainda que embrionárias, algumas das considerações possíveis.
175
Para tanto, é importante relembrar qual foi à hipótese de pesquisa e os objetivos:
A hipótese era a de que diversos Marcos Regulatórios pátrios privilegiaram, ao longo da
história, as oligarquias Rurais, e que o mesmo estava por ocorrer no Estado de Mato
Grosso, através das Leis de Gestão e de Redelimitação do Pantanal mato-grossense.
O objetivo geral dessa dissertação foi contextualizar a participação pública na
elaboração de políticas públicas estatais no Brasil, a partir de um Estudo de Caso. Os
objetivos específicos foram: apresentar a partir da materialidade histórica como foram
elaborados os marcos regulatórios no Brasil, em especial os regulamentos ambientais;
e a partir do estudo de caso: Identificar quais os grupos de interesse atuaram na
elaboração das Leis de Gestão e de Redelimitação do Pantanal; em qual fase cada
grupo atuou; quais as demandas por eles apresentadas; e quais foram contempladas
de cada grupo;
Assim sendo, foi utilizado como Método para coleta de dados o Estudo de Caso,
pois considerou-se que ele forneceria elementos substantivos, na coleta de dados. E
isso aconteceu, as informações revelaram a real situação do quadro político do Estado
de Mato Grosso, no que tange às discussões relativas à proteção do Pantanal de Mato
Grosso. A interpretação dos documentos demonstrou que as questões sócio-ambientais
não estão na pauta dos gestores públicos estaduais. O que existe na realidade é uma
dissimulação, eles se escondem atrás do discurso do “desenvolvimento sustentável”, e
defendem a implementação de atividades altamente impactantes tanto nas áreas de
entorno quanto diretamente na região. Observe, desde já, o exemplo do Governador
Blairo Maggi, que tem ocupado as páginas dos jornais de circulação nacional e
internacional defendendo o meio ambiente, mas que na realidade propôs, para as Leis
em comento a limitação da gestão à área alagável e defende incisivamente “a
implantação e o transporte de organismos geneticamente modificados no Pantanal”.
Outro exemplo é o do Deputado Federal Homero Pereira, o representante do Estado de
Mato Grosso no Congresso Nacional tem feito enérgicos discursos sobre a importância
da preservação ambiental, mas na realidade, no que diz respeito a essas Leis, defende
veementemente que ela verse somente sobre a gestão da área alagável.
176
O Pantanal como um anfiteatro localizado no centro da América do Sul. Além de
retratar a forma física desse patrimônio nacional, esta metáfora faz alusão à arena de
conflitos existente nessa região. Os conflitos de interesses puderam ser verificados a
partir da revisão bibliográfica relativa à invasão européia à região. Diversos povos foram
expulsos de seus habitats e realocados na região dando lugar a exploradores de
minérios e ao latifúndio. Esses grupos, que outrora foram expulsos, precisam participar
na elaboração e implantação das políticas públicas, tendo em vista serem parte
interessada no processo de gestão e por serem detentores do conhecimento tradicional
que valoriza, pelo menos em sua maioria, o modelo endógeno de apropriação dos bens
naturais. Também foi possível observar os conflitos através da explicitação das
demandas dos Stakeholders que atuaram na elaboração das Leis em comento.
A partir da abordagem histórica crítica da elaboração dos marcos regulatórios no
Brasil, desde o Brasil colônia, passando pelos outros períodos da história nacional,
grande parte dos Marcos Regulatórios, privilegiou as oligarquias rurais, implementou os
latifúndios, a monocultura, o trabalho escravo. Prevalece neste ponto o entendimento
de Wolkmer (2007), ao tratar da importância dos estudos históricos no âmbito do direito,
como foi aventado neste trabalho, o autor afirma que ao aceitar a politização das idéias
e das instituições jurídicas significa superar todo e qualquer viés metodológico
representado pelo historicismo legal de cunho formalista erudito e elitista.
Isto posto, a abordagem crítica da história de formação dos Marcos Regulatórios
pátrios possibilitou averiguar que a cultura e o direito nativo não foram considerados
pelos “colonizadores”, que trouxeram para o Brasil um direito alienígena que privilegiou
as classes hegemônicas detentoras do poder econômico, representantes do capitalismo
colonial que se instalava no Brasil, atravancando qualquer chance de
inclusão e
consideração das práticas consuetudinárias nativas. Constata-se também que os
primeiros marcos regulatórios ambientais, não tinham como objetivo tutelar o meio
ambiente, buscavam sim manter o statu quo. A legislação ambiental, estava a serviço e
era comprometida com a estrutura social elitista de então, marcada pelo modelo
antidemocrático agrário-mercantil.
177
A participação das minorias de direito, índios e negros,
na elaboração das
políticas públicas nacionais não ocorreu, desencadeando no Brasil, a elaboração de um
arcabouço jurídico que beneficiou as elites rurais. Fato hoje vivenciado no Estado de
Mato Grosso, a partir da sanção da Lei em discussão.
Para tanto importa adentrar na discussão relativa à tutela jurídica do Pantanal de
Mato Grosso. Apesar da grande quantidade de dispositivos legais, oriundos da própria
Carta Magna de 1988; dos tratados; das resoluções e deliberações oriundas de
comissões e conselhos federais; das parcas decisões dos tribunais; da legislação
ordinária federal e estadual, este aparato não está sendo suficiente para proteger este
patrimônio nacional. O desmatamento nas cabeceiras, o assoreamento dos rios, a
contaminação por agrotóxicos e produtos dos garimpos, a falta de saneamento básico
das grandes cidades, a instalação de hidrelétricas, carvoarias, o plantio de gramíneas
exóticas, etc. têm sido os principais problemas da região, importante notar que apesar
do arcabouço jurídico supra, ventilar sobre estes aspectos, muito pouco, ou quase nada
tem sido efetivamente feito e implementado através das políticas públicas estatais.
Além da necessidade da legislação Estadual que ora foi aprovada no legislativo
estadual e sancionada pelo executivo, uma legislação federal específica para o
Pantanal daria maior efetividade e aplicabilidade ao dispositivo constitucional que
reconhece o Pantanal Mato-Grossense como “patrimônio nacional”. As normas federais
em vigor se limitam a disciplinar aspectos específicos do bioma, como proteção a
espécies da fauna e aos seus recursos pesqueiros, sem que exista qualquer legislação
federal que estabeleça, de forma sistêmica e integrada, normas para a utilização
sustentável e para a conservação dos recursos naturais da Bacia do Alto Paraguai,
considerada como uma unidade físico-territorial.
Outro ponto a ser considerado no que diz respeito à inexistência de uma Lei
federal específica sobre o Pantanal de Mato Grosso, são as indefinições e dúvidas em
relação à própria divisão de competências – legislativa e administrativa – entre a União,
Estados e Municípios, em relação à sua proteção.
178
Destarte, a Secretaria do Estado de Mato Grosso, através da Gerência de
Políticas do Pantanal, propôs a elaboração das Leis de Gestão e de Redelimitação do
Pantanal Mato-Grosso. E a partir da “Stakeholders Analysis” fora estudada a
participação dos diversos grupos na elaboração destes marcos regulatórios.
Para tanto, os Stakeholders foram categorizados em três grupos: Estado,
Comunitário, e Mercado. Os grupos foram enquadrados em cada categoria a partir de
critérios objetivos de classificação. O primeiro dado observado a partir da análise é a
explicitação de quais Stakeholders participaram de algumas das fases de elaboração
das Leis em comento: para isso, foi utilizada a entrevista concedida pela Gerente de
Políticas do Pantanal; a Ata da 7ª Reunião Ordinária do Conselho Estadual de Meio
Ambiente – CONSEMA, realizada dia 26/09/2006; a Resolução 50/06 do CONSEMA;
Oficio
nº
558/2006
–
FAMATO;
a
Comunicação
Interna
nº
085/2006
da
Superintendência de Biodiversidade – Gerência de Política do Pantanal de 29/11/2006
e seus anexos; e as Atas das Audiências Públicas realizadas pela Assembléia
Legislativa do Estado de Mato Grosso nos Municípios de Poconé, Cáceres e Barão de
melgaço, lembrando que ocorreu a audiência pública de Cuiabá, todavia devido ao
período em que ela ocorreu, as notas taquigráficas desta audiência não foram objeto
de análise desta dissertação.
A entrevista revelou que a gênese da proposta de Lei de gestão está vinculada a
interesses meramente fiscalizatórios, muito aquém, do que uma perspectiva
democrática exige, a proposta de Lei surgiu para implementar as atividades técnicas de
fiscalização do Estado e não como política pública oriunda dos interesses das camadas
populares da sociedade pantaneira (Valorização dos modelos endógenos de produção,
implementação de atividades de baixo impacto ambiental, ativação da cadeia produtiva
de produtos provenientes de modos sustentáveis de apropriação dos bens ambientais,
etc.).
É importante salientar que nenhum Stakeholder da categoria Comunitário foi
consultado neste período, a entrevista demonstrou que só participaram da primeira fase
da elaboração da proposta de Lei de Gestão, a Secretaria de Meio Ambiente do Estado
179
de Mato Grosso (SEMA); Centro de Pesquisa do Pantanal (CPP); a Embrapa Pantanal;
e a Procuradoria Geral do Estado Mato Grosso. Ainda fora identificado que as
propostas de Lei foram colocadas à disposição da comunidade para receber sugestões
na Internet no Site da SEMA. Se não fosse trágico, foi ridículo, que a SEMA, tenha
disponibilizado uma proposta de Lei que trate de questões relativas à gestão do
Pantanal de Mato Grosso para consulta popular somente na Internet, quando na
realidade grande parte das comunidades ribeirinhas pantaneiras (a exemplo Cuiabá
Mirim, Estirão Cumprido) não tem acesso a esse meio de comunicação. O fato é que a
Secretaria recebeu pouquíssimas contribuições pela Internet, conforme afirmou a
Gerente de Políticas do Pantanal.
A análise feita dos dados provenientes da Resolução 50/06 do CONSEMA
demonstram que dos 08 (oito) Stakeholders que participaram Comissão Especial criada
pelo CONSEMA somente 01 (um) deles era representante da categoria Comunitário.
Importante frizarmos que esta comissão foi presidida pela FAMATO, a Federação que
representa o Agronegócio no Estado de Mato Grosso. A manifestação de poder da
Federação na discussão deste projeto de Lei está explicita, tanto que as reuniões da
Comissão ocorreram no auditório da Federação, quando na realidade para o louvor da
ética, deveria ter ocorrido em alguns dos auditórios da SEMA.
Em estudo recente sobre a atuação da Bancada Ruralista no Congresso
Nacional Viana (2007) identificou que uma característica marcante deles, que se
estende às bancadas estaduais,
é a ocupação de postos-chave. O autor afirma
também que essa mesma característica se transfere para os cargos da máquina estatal.
A ocupação desses postos, tanto no Legislativo como no Executivo, é a origem da fonte
do poder político da bancada. Para Viana a bancada ruralista tem ocupado certos
nichos do aparelho do Estado, de onde exerce o seu poder de mando. O poder, no
caso da bancada ruralista, é exercido de forma qualitativamente diferente de um partido
político. A ascensão dos ruralistas não visa ao cargo segundo uma estratégica política
de governo, mas para obter mais recursos orçamentários para o grande setor
agropecuarista de exportação.
180
Deste modo, ocupar a presidência da Comissão Especial do CONSEMA, foi
estratégico, no sentido de poder estabelecer nos projetos em comento, os interesses
inerentes à categoria, como por exemplo Limitar a área de Gestão somente a área
alagável, é bom que se lembre que o projeto encaminhado pela comissão Especial do
CONSEMA, apesar das solicitações não voltou ao Pleno no conselho, ele foi
encaminhado ao Executivo, que prontamente o encaminhou para o Legislativo.
Nas Audiências Públicas, como analisado, a participação dos membros da
categoria Estado, foi maior que a soma das participações das demais categorias
(Poconé e Barão de Melgaço). Para explicar este fato, estão postas algumas hipóteses.
A primeira diz respeito á origem da proposta de Lei; as pessoas não se sentiram parte
do processo; a outra é a de que além de não se sentirem parte do processo, não
acreditam mais nesse ambiente de participação, e estão se articulando em outros
espaços; a audiência pública foi mal divulgada; ou à comunidade não se interessa por
discussões concernentes a este tema. A informação que mais preocupa é a pequena
participação dos representantes da categoria Comunitário, somente 02 (dois) tanto em
poconé como em Barão de Melgaço, revelando o motivo pelo qual alguns
representantes da categoria Mercado solicitavam que não ocorresse mais audiências
públicas, tendo em vista que a proposta que ora era discutida agradava sua categoria e
não encontrava resistência popular.
Já em Cáceres, a participação, foi mais paritária, e o dado mais importante a ser
analisado nesse momento é a participação da categoria Comunitário. Foram 15
Stakeholders ou seja 34 % dos participantes. Ainda, vários representantes da categoria
Estado, presentes na Audiência de Cáceres são oriundos dos movimentos populares.
Este acontecimento pode ser creditado ao diálogo existente os entre movimentos
populares e a Universidade do Estado de Mato Grosso, a histórica militância destes
movimentos no que tange às discussões sócio-ambientais, a exemplo da mobilização
contrária à hidrovia Paraguai-Paraná, a construção do Porto de Morrinhos, e a
realização do Festival Ecológico e Cultural das Águas de Mato Grosso, realizado pela
UNEMAT em parceria com os movimentos sociais, levou à audiência pública em
181
Cáceres um povo disposto a discutir a proposta de Lei, que se manifestou contrário ao
seu conteúdo e a forma como havia sido elaborada, e também por entender que ela
atendia somente aos interesses do agronegócio mato-grossense.
Como discutido, a atuação dos Stakeholders, nos debates relativos à elaboração
destas Leis, demonstrou que se trata de um conflito sócio-ambiental, tendo como atores
deste conflito os integrantes das categorias Estado, Comunitário, e Mercado.
A
categoria Estado é ocupada por agentes de Mercado e também agentes populares. No
entanto, as cotas de poder, dos primeiros são maiores que a dos representantes das
camadas populares, fazendo com que os interesses do agronegócio
sejam
implementados através das Políticas Públicas Estatais. Viana (2007) afirma que desde
que respeitem os princípios constitucionais e a legislação vigente, a defesa de
interesses não é ilegal, nem politicamente incorreta. Assim, nada pode impedir - seria
ingênuo imaginar o contrário - que os ruralistas continuem a definir suas estratégias.
Porto-Gonçalves (2007) assiná-la que:
“Não devemos subestimar a capacidade dessas oligarquias de fazerem valer
seus interesses históricos e de regionalizar o território. As Capitanias
Hereditárias foram fruto do primeiro Ordenamento Territorial sobre a terra
brasilis. E mais, são oligarquias que sempre foram modernas, bastando observar
que não havia no século XVI nada de tão moderno tecnologicamente no mundo
como os engenhos desses” senhores da terra e da guerra “.
É imprescindível que os setores populares da sociedade se mobilizem, e se
organizem, a exemplo do Movimento dos Trabalhadores Rurais (MST), Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB), a fim de barrarem o avanço do agronegócio no Estado
e colocarem na pauta do executivo e do legislativo suas reivindicações.
A natureza do conflito em estudo é sócio-econômica e ideológica, onde são
verificados patamares diferenciados de “cotas de poder” dos stakeholders envolvidos. A
fim de demonstrar que se trata de um conflito sócio-ambiental, foram abordados dois
temas presentes nas demandas que retratam os interesses presentes nos grupos de
stakeholders: 01) as propostas relativas à área de abrangência da Lei de gestão, se
182
limitada à área alagável ou a toda a Bacia do Alto Paraguai, e 02) as demais demandas
defendidas pelos grupos.
A maioria dos representantes da Categoria Mercado e os agentes de mercado
que estão presentes na categoria Estado, defenderam que a Lei de Gestão fosse
limitada somente à área alagável do Pantanal, esta reivindicação foi contemplada. A Lei
trouxe em sua epígrafe o texto “Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto
Paraguai no Estado de Mato Grosso”, mas na realidade não regulamentou atividades a
serem desenvolvidas em toda a BAP, e trouxe no art. 14, a atribuição de regulamentar
estas atividades ao “O Zoneamento Sócio Econômico de Mato Grosso – ZSEE/MT.
Defenderam a instalação de empreendimentos altamente impactantes para a
região: carvoarias, usinas de álcool, o avanço das monoculturas na BAP, implantação e
transporte de transgênicos, limpeza de pastagens com a supressão de espécies
nativas, além da implementação de hidrelétricas. Grande parte destas solicitações foi
atendida, seja de maneira explicita, a exemplo da limpeza de pastagens, ou de maneira
tácita, tendo em vista não terem sido arroladas no art. 9º que tratou das proibições de
uso para a área alagável.
Já os representantes da categoria Comunitário propuseram que a Lei versa-se
também sobre toda a BAP. Como já foi dito esta demanda não foi atendida, pois o
legislador se furtou da oportunidade e responsabilidade de regulamentar as atividades
para toda esta região. Os empreendimentos propostos, são modos de produção que
valorizam, os povos tradicionais pantaneiros, que permitem seu desenvolvimento pleno
a partir dos modelos alternativos ao imposto pelo capital.
De maneira geral o que se observa no texto aprovado, são artigos e incisos
indicando ao poder público a obrigação de “incentivar”, “estimular”, “apoiar”, as
atividades sustentáveis desenvolvidas no Bioma. São dispositivos legais que não geram
obrigações imediatas para o Estado. Como seria, caso a propositura que solicitava a
criação de um “fundo para a o financiamento de atividades vinculadas à cadeia
183
produtiva dos produtos produzidos pelos povos e comunidades tradicionais do
Pantanal”, tivesse sido contemplada.
Outro ponto importante verificado nos discursos desta categoria é a critica ao
modelo hegemônico de exploração ambiental em Mato Grosso, tendo em vista ser ele
alicerçado no latifúndio, e conseqüentemente excludente, escravagista, concentrador, e
altamente impactante do ponto de vista ecológico. Dentro desta perspectiva de análise,
Florêncio (2006) ensina que:
“O objetivo de todo projeto voltado à população excluída é de emancipar, superar
as condições de produção e reprodução da pobreza, possibilitar a construção de
sujeitos sociais efetivos e multiplicar resultados. Em outras palavras construir
forças políticas para tornar grupos sociais autônomos (...)”.
Isto posto, os reflexos das demandas contempladas na Lei 8.830 21/01/2008,
demonstra
que
pelo
menos
três
cenários
se
formam
quando
discutida
a
sustentabilidade a luz das demandas propostas e atendidas. Estes cenários são a
propósito justamente os propostos por Boff (2002): O Conservador, que é dominante e
representa o aprofundamento do modelo atual; é o cenário das elites do agronegócio,
industriais e financeiras mundiais, que não despertaram ainda para o alarma ecológico.
Parte da idéia de que os recursos são ilimitados e de que a Terra tem capacidade de
regeneração, e de que o processo da tecnociência, que exige muita energia e exaustão
e utilização massiva dos recursos naturais pode continuar. Nesse grupo estiveram
presentes os representantes da categoria Mercado e os agentes de mercado que tem
ocupado o Estado. Suas proposições visam primordialmente implementar as atividades
que mantém o statu quo.
O Reformista tem consciência do déficit da Terra, mas confia ainda na sua
capacidade de regeneração. O autor considera que este grupo Inventou o
desenvolvimento sustentável, falácia do sistema do capital, para incorporar o discurso
ecológico dentro de um tipo de desenvolvimento linear, predador e criador de
desigualdades, que contradiz e anula o sentido originário de sustentabilidade que visa
sempre ao equilíbrio de todos os fatores. Neste grupo também foram identificados os
184
representantes da categoria Mercado e os agentes de mercado que ocuparam o
Estado. Na realidade são aqueles que utilizam os argumentos no desenvolvimento
sustentável, mas não questionam a estrutura, a lógica do tipo de desenvolvimento, que
é consumista e concentrador.
O terceiro, chamado de Libertador, apresenta uma real alternativa que nega e
propõe mudanças ao statu quo. Parte do caráter global da crise. Afirma que o nível de
interdependência é tal que “ou nos salvamos todos ou todos pereceremos”, essa
perspectiva solidária foi identificada nas demandas e inquietações da categoria
Comunitário. Grande parte das sugestões dessa categoria tinham como objetivo
valorizar os modelos sustentáveis de produção e a efetiva criação e implementação de
projetos coletivos alternativos. Defende uma outra forma de apropriação dos bens
ambientais que passa pela solidariedade, emancipação dos povos e comunidades
tradicionais, auto-gestão.
Além dos cenários propostos por Boff, podem ser verificados ainda em Leis e
Viola (1995) que nessa discussão se incluem múltiplas dimensões de sustentabilidade.
“Essas dimensões são na realidade de difícil articulação científica (natural, social,
econômica, etc.), assim como essas dimensões se encontram permeadas por
diferentes valores ético-sociais. Para isso os autores afirmam que podemos
classificar as dimensões de desenvolvimento sustentável em três categorias:
Estatista, Mercado, e Comunitária”.
A dimensão Estatista, afirma que a qualidade ambiental é um bem público que
somente pode ser protegido eficientemente através de uma incisiva intervenção
normativa, reguladora e promotora do Estado.
Os autores afirmam que “O setor tradicional dos aderentes a esse enfoque
confia exclusivamente nos mecanismos de comando e controle”. Um setor
crescentemente representativo dos aderentes a esse enfoque questiona a eficiência da
utilização massiva do comando e controle, e enfatiza a necessidade de sua restrição e
utilização complementar de “mecanismos de Mercado como licenças de poluição
comercializáveis, taxas de depleção de recursos naturais e tarifas”.
185
A dimensão do Mercado afirma que através da lógica intrínseca do mercado,
com significativa apropriação privada dos recursos naturais e da qualidade ambiental e
expansão dos consumidores verdes, pode-se avançar eficientemente na direção de
uma sociedade sustentável (LOOVINS, 1978; ANDERSON e LEAL, 1990). Esta
abordagem considera necessária a existência de mecanismos estatais reguladores e a
atuação educativa das ONG’s, “ambas numa posição subordinada aos mecanismos de
mercado”.
Os representantes dessa abordagem criticam severamente, e consideram
ineficiente, o sistema de regulação estatal adotado no mundo ocidental nas últimas
duas décadas. Os autores afirmam que “esse enfoque, à diferença do estatista e do
comunitário, considera como legítima a apropriação privada dos bens ambientais,
sendo que os produtores protegerão o meio ambiente desde que isso seja demandado
pelos consumidores. O enfoque de mercado prioriza o principio da eficiência alocativa
por sobre a equidade social”. Essa dimensão é cada vez mais presente no mundo
empresarial (onde o desenvolvimento econômico, sem considerar o meio ambiente,
está em decadência) e está ganhando certa força entre os economistas ambientais.
A dimensão Comunitária, considera que as organizações de base da sociedade
(grupos comunitários e ONG’s) devem ter um papel predominante na transição na
direção de uma sociedade sustentável (Henderson, 1983; Sachs, 1982; Redclift, 1989).
Esta, não confia no Estado e no Mercado como alocadores de recursos e
articuladores de políticas públicas, sendo que ambos deveriam preencher um papel
subordinado ao poder da sociedade civil. Esse enfoque valoriza as possibilidades de
avanços em nível local e regional, nos lugares em que as mudanças nos valores da
população tenham sido mais significativos. Os autores afirmam que “Tal enfoque
prioriza claramente o princípio da equidade social por sobre a eficiência alocativa, o que
lhe dá um componente utopista, aproximando-se em algumas dimensões da minoria
186
revolucionária”. Esse enfoque está presente com muita força nos movimentos populares
e de representação de base.
Sem dúvida nenhuma essa a dimensão possibilitará o desenvolvimento de uma
cidadania planetária, embasada na igualdade, fraternidade, no respeito à diversidade
seja ela cultural, étnica, biológica ou ideológica. O enfoque comunitário representa a
aspiração máxima das maiorias, chamadas de minorias, por serem minorias em direito,
historicamente excluídas dos processos produtivos do Brasil, em especial nas três
ultimas décadas no Estado de Mato Grosso.
Deste modo, as perspectivas ambiental, social, econômica e institucional devem
ser observadas com critérios que levem em conta a dinâmica regional. A biodiversidade
pantaneira é impar, quando comparada com as demais regiões do País. Nesse sentido
essa arena serve de palco para a apresentação de uma realidade capilarizada, não
obstante estar presente em todos os pantanais e ao mesmo tempo ser única e pontual,
pois é resultado de uma vivência cotidiana do pantaneiro. Sua gente tem uma cultura
única, no que tange à adaptação ao ritmo das águas. Para tanto, as Políticas Públicas
Estatais, devem considerar os aspectos físicos dessa região, tendo em vista suas
peculiaridades, e associá-las à realidade sócio-ambiental dos pantaneiros. Deste modo
os empreendimentos de gestão que não considerarem estes fatores não lograrão êxito,
e continuarão destruindo, ou legitimando a devastação deste Patrimônio Nacional.
187
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189
Anexo I
RESOLUÇÃO CONSEMA – 50/06
Cuiabá, 26 de setembro de 2006.
7ª Reunião Ordinária
O Conselho Estadual do Meio Ambiente – CONSEMA, no exercício de sua competência
prevista no art. 3º da Lei Complementar nº 38, de 21 de novembro de 1995, alterada
pela Lei Complementar nº 232, de 21 de dezembro de 2005;
Considerando o que determina o art. 41 do Regimento Interno do Conselho Estadual do
Meio Ambiente;
Considerando a decisão, por maioria, do Pleno do Conselho Estadual do Meio
Ambiente – CONSEMA:
RESOLVE:
Art. 1º - Criar a Comissão Especial, com a finalidade de analisar e apresentar propostas
ao Projeto de Lei referente à Política Estadual de Gestão do Pantanal de Mato Grosso.
Art 2º - A Comissão será composta pelos representantes dos seguintes órgãos e
entidades: Federação da Agricultura do Estado de Mato Grosso - FAMATO; Secretaria
de Estado de Indústria, Comércio e Minas e Energia - SICME; Federação das Indústrias
do Estado de Mato Grosso - FIEMT; Instituto Ecológico Sócio-Cultural da Bacia Platina
- IESCBAP; Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/MT; Secretaria de Estado de
Desenvolvimento Rural - SEDER; Secretaria de Estado de Desenvolvimento de Turismo
- SEDTUR e Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, sob a presidência do
representante da FAMATO.
Art. 3º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
LUÍS HENRIQUE CHAVES DALDEGAN
Presidente do CONSEMA
Em Substituição
190
Anexo II
191
Anexo III
192
Anexo IV
193
Anexo V
194
Anexo VI
Roteiro da Entrevista
1) Quais foram os acontecimentos que deflagraram as discussões relativas à
elaboração de uma Lei para a gestão do Pantanal de Mato Grosso?
2) Quais foram os setores da sociedade civil organizada que participaram do inicio
desta discussão?
3) Em qual etapa da elaboração dos projetos de Lei cada grupo atuou?
4) Quais foram os meios utilizados pela SEMA para divulgar a elaboração das Leis?
5) Quais as contribuições apresentadas por cada setor?
195
Anexo VII
LEI Nº 8.830, DE 21 DE JANEIRO DE 2008 - D.O. 21.01.08.
Autor: Lideranças Partidárias
Dispõe sobre a Política Estadual de
Gestão e Proteção à Bacia do Alto
Paraguai no Estado de Mato Grosso e dá
outras providências.
A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MATO GROSSO,
tendo em vista o que dispõe o Art. 42 da Constituição Estadual, aprova e o Governador
do Estado sanciona a seguinte lei complementar:
CAPÍTULO I
Dos Princípios Fundamentais
Seção I
Das Definições e Conceitos
Art. 1º Esta lei com fundamento no Art. 225, § 4°, da Constituição
Federal, estabelece a Política Estadual de Gestão e Proteção da Bacia do Alto
Paraguai no Estado de Mato Grosso, definindo seus princípios e atribuições do poder
público para manutenção da sustentabilidade ambiental, econômica e social.
§ 1° Entende-se por Bacia do Alto Paraguai a unidade geográfica
composta pelo sistema de drenagem superficial que concentra suas águas no Rio
Paraguai, conforme os limites geográficos estabelecidos nos estudos do Programa de
Conservação do Alto Paraguai (PCBAP,1997) contemplados pelo Zoneamento SócioEconômico Ecológico no Estado de Mato Grosso.
§ 2° Os limites do Pantanal em Mato Grosso devem ser
entendidos nesse caso como delimitadores de ações específicas na Planície Alagável
da Bacia do Alto Paraguai - BAP.
Art. 2° Para efeitos dessa Lei, entende-se:
I – Sustentabilidade Ambiental: manutenção da capacidade de
sustentação dos ecossistemas, o que implica na capacidade de absorção e
recomposição dos ecossistemas em face das interferências antrópicas;
196
II – Planície alagável: corresponde a área inundável da Bacia do
Alto Paraguai – Bap, área relativamente plana, sujeita à inundações sazonais,
causadas por transbordamentos de rios ou pela concentração pluviométrica associada
à impermeabilidade do solo.
III – Corixos: cursos d´água natural permanente, intermitente
e/ou efêmero, com fluxo que se alterna em função da sazonalidade climática e ciclo
hidrológico, que interliga mananciais (baías, lagoas, córregos e rios) na planície
alagável, com função hídrica de enche-la e esvaziá-la. Entre outras, realiza também, a
função ecológica essencial como, por exemplo, o repositório de biota para colonização
dos biótipos aquáticos;
IV – Pulso de inundação: inundação sazonal característica da
Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai, com os níveis de enchente, cheia, vazante
e seca, influenciando a produtividade e diversidade vegetal e animal para a região;
V – Vereda: denominação utilizada no Brasil Central para definir
áreas que contenham nascentes ou cabeceiras de um curso d’água da rede de
drenagem, onde ocorram solos hidromórficos com renques de buriti (Maurittiela
flexuosa), buritirana (Mauritia aculeata) e outras formas de vegetações típicas;
VI – Capão: elevações do terreno de forma circular ou elíptica,
onde cresce vegetação arbórea, normalmente rodeada por campos associados à
inundação ou ao encharcamento sazonal dos solos;
VII - Mata ciliar: formação florestal das margens dos rios e
cursos d’água perenes ou intermitentes e/ou efêmero;
VIII – Cordilheira: são elevações que apresentam formas
sinuosas, alongadas e extensas, de origem relacionada à deposição aluvial, com
predominância de vegetação arbórea, normalmente rodeada por campos associados à
inundação ou ao encharcamento sazonal dos solos;
IX - Várzea: são áreas geomorfológicas, vales ou lugares
baixos, parcialmente alagados, geralmente de formação arredondada com pequena
variação de queda de relevo, afloramento sazonal do lençol freático, predominância
de gramíneas e sofrem alagamentos periódicos;
X - Vazante: área deprimida (rebaixada) em relação aos
terrenos contíguos ou planície, levemente inclinada, periodicamente inundada pelo
refluxo lateral de rios e lagos e/ou pela precipitação direta, contribuindo para a
drenagem das águas sazonais;
197
XI – Baía: corpo d’agua perene ou temporário, isolado ou
conectado a um curso d’agua, com vegetação arraigada nas bordas e eventualmente
flutuantes;
XII – Estrada Dique: aterro utilizado como via para tráfego, que
impede o fluxo natural da água interferindo na dinâmica natural da Planície Alagável;
XIII – Estrada no Pantanal: obras sem ou com aterro construído
com obra de artes (pontes e bueiros) de acordo com estudo hidrológico, para a
passagem de veículo, procurando não interferir no fluxo, ou seja, não provocando
remanso significativo da água na planície alagável da BAP.
XIV – Estrada Dique no Pantanal: é aterro construído com
obras de artes (pontes e bueiros) para a passagem de veículo, interferindo o mínimo
possível no fluxo de água, ou seja, não provocando remanso significativo da água na
planície alagável da BAP;
XV – Dique Marginal Natural: É a porção de terra mais elevada
na margem dos mananciais (rios, córregos e corixos), proveniente do transporte pelas
águas durante as cheias, do material em suspensão que ali se deposita. É de pequena
extensão e a sua altura decresce no sentido transversal ao curso d’água.É ocupado ao
longo do tempo pela comunidade pantaneira, rebeirinhos, fazendeiros e atualmente
pousadas;
XVI – Dique Artificial: aterro levantado com objetivo de impedir
ou controlar a entrada ou saída de água;
XVII – Aterro: são áreas, com níveis mais altos, construídos
pelas comunidades tradicionais e população indígenas para a construção de casas e
plantações de lavouras de subsidências;
XVIII – Brejo em áreas de planície: área inundada coberta por
vegetação natural própria com predominância de arbustos, trepadeiras e herbáceas,
caracterizando-se pela presença de uma vegetação hidrófila, podendo secar em anos
excepcionais;
XIX – Brejo em áreas de planalto: área inundada onde há
nascentes, olhos d’agua, cacimbas, coberta com vegetação natural própria com
predominância de arbustos, trepadeiras e herbáceas, caracterizando-se pela presença
de uma vegetação hidrófila, podendo secar em anos excepcionais;
XX - Meandro: É um trecho da calha de um rio, com duas
curvaturas consecutivas e alternadas. É fruto da interação entre as vazões líquidas e
sólidas impostas e a erosividade de suas margens. Nos leitos aluvionares, esta
198
conformação apresenta geralmente uma seqüencia de curvas separadas por trechos
retilíneos curtos;
XXI – Murundum: É um tipo de microrrelevo em forma de
pequenas elavações ou montículos ou cocurutos, geralmente arredondados, com altura
entre 0,1 a 1,5 m e diâmetro de até 20 m, temporáriamente inundável nas partes mais
baixa durante o período chuvoso, formado em solos hidromórficos com deficiência em
drenagem, contendo comumente no perfil concreções ferruginosas, apresentando
grande importância ecológica por controlar o fluxo de água, a deposição de nutrientes,
a conservação de água de superfície e a biodiversidade;
XXII – Povos e Comunidades Tradicionais: grupos
culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas
próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como
condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica,
utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição;
XXIII – Pesca de Subsistência: é a pesca artesanal praticada
por populações ribeirinhas, tradicionais e/ou pantaneiras, sem fins comerciais, para
complementar a alimentação familiar, inclusive do pescador profissional artesanal no
período da piracema;
XXIV – Atividades Econômicas Sustentáveis: são atividades
que promovem a inclusão social, o bem estar econômico e conservação dos bens
ambientais;
XXV – Modelos Endógenos de Produção: é o modelo de
produção associado a populações e bens ambientais locais;
XXVI – Área de Conservação Permanente: categoria de área
protegida nos termos desta lei abrangendo as áreas inundáveis da Planície Alagável da
Bacia do Alto Paraguai em Mato Grosso, caracterizadas, como unidades de paisagem
que funcionam como refúgios, habitats e corredores para a fauna, e conectividade de
populações de espécie associadas a ambientes aquáticos e de aves migratórias. Essas
áreas são consideradas essenciais para a distribuição de nutrientes na Planície
Alagável e para a manutenção do ciclo produtivo de pastagens nativas, não podendo
ser alteradas ou utilizadas de forma intensiva ou em larga escala;
XXVII – Bacia do Alto Paraguai: unidade geográfica composta
pelo sistema de drenagem superficial que concentra suas águas no rio Paraguai,
conforme os limites geográficos estabelecidos nos estudos do Programa de
Conservação do Alto Paraguai (PCBAP,1997).
Seção II
Do Objetivo e Princípios
199
Art. 3º A Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto
Paraguai no Estado de Mato Grosso tem por objetivo promover a preservação e
conservação dos bens ambientais, a melhoria e recuperação da qualidade ambiental,
visando assegurar a manutenção da sustentabilidade e o bem-estar da população
envolvida, atendidos os seguintes princípios:
I – princípio da precaução;
II – princípio do poluidor-pagador;
III - princípio do usuário-pagador;
IV - princípio da prevenção;
V – princípio da participação e descentralização;
VI – princípio da ubiqüidade;
VII – princípio da bacia hidrográfica;
VIII – princípio do direito humano fundamental;
IX - princípio do desenvolvimento sustentável;
X – princípio do limite;
XI – proteção do Pantanal Mato-grossense enquanto Patrimônio
Nacional, Sítio Ramsar e Reserva da Biosfera;
XII – reconhecimento dos saberes tradicionais como contribuição
para o desenvolvimento e gestão das potencialidades da região;
XIII – respeito e valorização às formas de uso e gestão dos bens
ambientais utilizados por povos e comunidades tradicionais;
XIV - respeito à diversidade biológica e aos valores ecológicos,
genéticos, sociais, econômicos, científicos, educacionais, culturais, religiosos,
recreativos e estéticos associados;
Seção III
Das Diretrizes
Art. 4º São diretrizes básicas da Política Estadual de Gestão e
Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso:
I - ação governamental de articulação dos órgãos estaduais com
os órgãos federais e municipais de meio ambiente, desenvolvimento rural, indústria,
comércio, turismo e da sociedade civil organizada;
II - integração da gestão ambiental com a gestão dos recursos
hídricos e com a gestão do uso do solo;
III – promoção dos meios necessários para a efetiva participação
dos povos e comunidades tradicionais nas instancias de controle social e nos
processos decisórios relacionados aos seus direitos e interesses;
IV - assegurar os direitos individuais e coletivos concernentes
aos povos e comunidades tradicionais à auto - determinação na construção de políticas
de gestão em território tradicional;
200
V - consolidar e ampliar as parcerias: internacional, nacional,
estadual, interestadual e setorial, para o intercambio de informações e integração de
políticas públicas articuladas e aplicáveis no bioma Pantanal;
VI – ordenar a ocupação territorial da Bacia do Alto Rio Paraguai,
com ênfase na Planície Alagável na forma da lei;
VII - estimular a instalação de atividades econômicas
sustentáveis;
VIII - apoiar as atividades econômicas sustentáveis existentes;
IX – reconhecer, implementar e subsidiar atividades sustentáveis
desenvolvidas por povos e comunidades tradicionais;
X – incentivar ações que se coadunam com os objetivos da
Convenção sobre a Diversidade Biológica e estabelecer restrições para as contrárias
aos objetivos da Convenção;
XI – incentivar atividades de ecoturismo como forma de gerar
emprego e renda e de fiscalizar, proteger e divulgar o ambiente pantaneiro.
Seção IV
Das Atribuições
Art. 5º Incumbe ao Poder Público:
I - articular-se com o Estado de Mato Grosso do Sul e com a
União, visando uma política integrada para a Bacia do Alto Paraguai;
II - fomentar a certificação ambiental das atividades sustentáveis
desenvolvidas na região da Bacia do Alto Paraguai;
III - incentivar a recuperação de áreas degradadas;
IV - promover o ordenamento do turismo na Bacia do Alto
Paraguai, em especial o ecoturismo, em conjunto com ações de educação ambiental;
V - criar e implementar mecanismos de prevenção e combate à
biopirataria e ao tráfico de animais silvestres;
VI - promover a criação de mecanismos econômicos de incentivo
às atividades de preservação/conservação ambiental;
201
VII - incentivar ações que contribuam para o manejo sustentável
dos recursos pesqueiros e da fauna silvestre, típica da Planície Alagável da Bacia do
Alto Paraguai, mediante plano de manejo;
VIII - promover pesquisas científicas, de relações sociais e
econômicas, visando à implementação de novas unidades de conservação e corredores
ecológicos na Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai de Mato Grosso;
IX – incentivar as ações de manutenção dos estoques
pesqueiros, agregando valor ao pescado capturado pelos pescadores artesanais,
através do desenvolvimento das cadeias produtivas da carne e do couro do peixe;
X - estimular formas ambientalmente corretas de produção
agropecuária, manejo florestal, silvicultura e geração de energia na Planície Alagável
da Bacia do Alto Paraguai de Mato Grosso.
XI – promover, em um prazo máximo de 05 (cinco) anos,
ações com a finalidade de se implantar sistemas de esgoto nas cidades e indústrias
que fazem parte da Bacia do Alto Paraguai, bem como a coleta e disposição final
adequada dos resíduos sólidos (lixo).
Art. 6º Compete à Secretaria de Estado do Meio Ambiente - SEMA:
I - incentivar a manutenção e conservação de áreas naturais,
através do incentivo à criação de Unidades de Conservação na Bacia do Alto Paraguai;
II - desenvolver programas de monitoramento da fauna, flora e de
controle de espécies exóticas na Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai;
III - realizar diagnóstico e monitoramento dos impactos
ambientais na Planície Alagável e propor programas que visem a minimização destes
impactos, com a participação das empresas e produtores rurais que contribuam para
melhoria da gestão ambiental e permitam o aperfeiçoamento de acompanhamento e
controle;
IV - implantar um sistema de monitoramento, controle e
fiscalização da pesca, fomentando estudos estatísticos quantitativos e qualitativos,
como estoque e produção das áreas naturais utilizadas para esta atividade comercial e
artesanal;
V - fomentar ações visando o manejo sustentável dos recursos
vegetais nativos, utilizando-se de ferramentas como o plano de manejo de áreas na
Planície Alagável;
VI – controlar e fiscalizar a extração, transporte e comércio de
iscas vivas;
202
VII - ordenar as atividades poluidoras e/ou degradadoras (de
baixo impacto) do meio ambiente, implantadas e a serem implantadas na região da
Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai.
CAPÍTULO II
Das Áreas Protegidas
Seção I
Das Áreas de Preservação Permanente
Art. 7° São consideradas áreas de preservação permanente na Planície
Alagável da Bacia do Alto Paraguai de Mato Grosso, sem prejuízo da proteção
assegurada na legislação federal e estadual:
I - as florestas e demais formas de vegetação situadas:
a) as margens dos cursos d’água, perenes, intermitentes
e/ou efêmeros, inclusive nos corixos, conforme limites estabelecidos no Código
Ambiental do Estado de Mato Grosso;
b) no entorno de baías, lagos e lagoas, em faixa marginal de
100 metros;
c) no interior das ilhas;
d) nas veredas e nos brejos;
e) nos topos e encostas de morros isolados, com inclinação
igual ou superior a 45°;
f) no entorno dos meandros, conectados ou não com rios,
considerando os limites estabelecidos na alínea “a” deste artigo.
§ 1° As faixas marginais de preservação permanente terão como
referencial o nível mais alto dos rios e demais cursos d’água, conforme estabelecidos
na legislação estadual.
§ 2° A definição do nível mais alto dos rios e demais cursos
d’água, para fins de delimitação de Área de Preservação Permanente na Planície
Alagável, será efetuada durante o período sazonal de seca.
Seção II
Das Áreas de Conservação Permanente
Art. 8º Consideram-se Áreas de Conservação Permanente, na Planície
Alagável da Bacia do Alto Paraguai - BAP de Mato Grosso:
I - os campos inundáveis;
II – os corixos;
III – os meandros de rios;
IV – as baías e lagoas marginais;
203
V – as cordilheiras;
VI – os diques marginais naturais;
VII – Nos capões de mato e murunduns;
§ 1º Nas Áreas de Conservação Permanente relacionadas no
inciso I deste artigo será permitido o acesso e uso para a pecuária extensiva e no inciso
VI e VII as atividades turísticas, habitação dos ribeirinhos, sede e retiros de fazendas,
vedadas às intervenções que impeçam o fluxo da água.
§ 2º A supressão parcial da vegetação nativa, visando sua
substituição, nas Áreas de Conservação Permanente, poderá ser realizada por meio de
prévio licenciamento junto à SEMA na forma do regulamento.
§ 3º Nas Áreas de Conservação Permanente será permitido a
construção de estradas para acesso as propriedades rurais desde que não impeçam o
fluxo de água.
CAPÍTULO III
Das Restrições de Uso
Art. 9º Ficam vedadas, nos limites da Planície Alagável da Bacia do
Alto Paraguai de Mato Grosso:
I – o licenciamento de criatórios de espécies da fauna que não
sejam autóctones da bacia hidrográfica;
II – a implantação de projetos agrícolas, exceto a atividade
agrícola de subsistência e a pecuária extensiva;
III – a construção de diques, barragens ou obras de alterações
dos cursos d’água, exceto açudes, tanques para piscicultura e pecuária extensiva,
estabelecidos fora das linhas de drenagens, bem como para recuperação ambiental, a
construção de estradas para acesso as propriedades rurais e empreendimentos
hoteleiros dentro dos limites da Planície Alagável, desde que não impeçam o fluxo
natural da água;
IV – a implantação de assentamento rural.
V – a instalação e funcionamento de atividades de médio e alto
grau de poluição e/ou degradação ambiental na Planície Alagável, tais como: plantio de
cana, implantação de usinas de álcool e açúcar, carvoarias, abatedouros e outras
atividades de médio e alto grau de poluição e ou degradação.
Parágrafo único Se as estradas de acesso mencionadas no
inciso III de alguma forma interferirem no fluxo das águas, estas deverão ser
204
construídas com pontes, manilhas e outros mecanismos que possibilitem o fluxo das
águas.
CAPÍTULO IV
Do Licenciamento Ambiental na Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai em
Mato Grosso
Art. 10 Qualquer empreendimento ou atividade localizado na Planície
Alagável da BAP e em faixa marginal de dez quilômetros (10 km), deverão,
obrigatoriamente, ser previamente vistoriados pelo órgão ambiental, antes da emissão
de parecer técnico conclusivo do processo de licenciamento.
Art. 11 A limpeza de pastagem, para fins da pecuária extensiva, fica
permitida para as espécies Pombeiro (Combretum lanceolatum e Combretum laxum) e
Canjiqueira (Byrsonima orbignyana), Pateiro (Couepia uiti), Pimenteira (Licania
parvifolia), Cambará (Vochisia divergens), Algodoeiro (Ipomoea fistulosa), Mata-pastoamerelo (Cássia aculeata), Amoroso (Hydrolea spinosa), e Arrebenta laço
(sphinctanthus micropyllus) na forma do regulamento.
§ 1° Fica vedada a limpeza de pastagem nos capões,
cordilheiras, diques marginais naturais e matas ciliares.
§ 2° A limpeza de pastagens ficara condicionada, quando tratar-se
do cambará (Vochisia divergens) ao estabelecimento do diâmetro mínimo da espécie
citada, na forma do regulamento.
Art. 12 Serão licenciadas as atividades de piscicultura e criação de
animais da fauna silvestre, desde que as espécies sejam de ocorrência natural na Bacia
do Alto Paraguai.
Art. 13 A navegação comercial nos rios da Bacia do Alto Paraguai deve
ser compatibilizada com a conservação e preservação do meio ambiente, buscando a
manutenção da diversidade biológica e recursos hídricos, adaptando-se as
embarcações aos rios, vetado o transporte de produtos potencialmente perigosos.
CAPÍTULO V
Das Disposições Transitórias
Art. 14 O Zoneamento Sócio Econômico Ecológico de Mato Grosso ZSEE/MT definirá diretrizes de uso e manejo dos recursos naturais da área de entorno
da Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai.
205
§ 1° A área de entorno a que se refere o caput deste artigo
constitui área limítrofe aos limites estabelecidos por lei para a Planície alagável da BAP,
caracterizada pela transição ente as áreas da Planície Alagável da BAP e as áreas do
Planalto da BAP
§ 2° As diretrizes de uso a que se refere o caput deste artigo,
promoverão o ordenamento do espaço geográfico da área de entorno, descrita no
parágrafo primeiro, de forma promover o disciplinamento do uso e proteção dos bens
ambientais e salvaguardando dessa forma o Pantanal Mato – grossense como um todo.
§ 3° Para atendimento das exigências do caput deste artigo e seus
parágrafos, o ZSEE/MT definirá as diretrizes de uso em um prazo de um (01) ano.
Art. 15 A SEMA promoverá, dentro de 05 (cinco) anos, a identificação
das barragens, diques e aterros existentes na Planície Alagável da BAP de Mato
Grosso fixando, aos responsáveis, pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas,
prazo para remoção ou adequação se ficar constatado que causam significativos danos
ao ecossistema do Pantanal.
Art. 16 A SEMA promoverá a realização de plano de manejo para as
Unidades de Conservação Estaduais existentes na Bacia do Alto Paraguai de Mato
Grosso, no prazo de 05 (cinco) anos.
Art. 17 Os acampamentos, pousadas, hotéis e demais
estabelecimentos do gênero em atividade ou em fase de instalação na Planície
Alagável da Bacia do Alto Paraguai de Mato Grosso, bem como, qualquer outra
atividade considerada efetiva ou potencialmente poluidora e/ou degradadora do meio
ambiente, a contar da publicação desta lei, deverão ser vistoriados pela SEMA para que
seja realizada análise ambiental específica e determinadas as medidas cabíveis.
Art. 18 No uso e construção de estradas na Planície Alagável da Bacia
do Alto Paraguai de Mato Grosso deverá ser observada a dinâmica hidrológica, visando
a minimização dos impactos de represamento.
Art. 19 Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Palácio Paiaguás, em Cuiabá, 21 de janeiro de 2008.
BLAIRO BORGES MAGGI
Governador do Estado
Esta cópia não substitui a publicada no diário oficial.
206
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