SILVANO CARMO DE SOUZA PROTEÇÃO JURÍDICA DO PANTANAL: A CONSTRUÇÃO DO MARCO REGULATÓRIO NO ESTADO DE MATO GROSSO. Dissertação apresentada à Universidade do Estado de Mato Grosso, para a obtenção do Título de Mestre em Ciências Ambientais. CÁCERES Mato Grosso 2008 2 SILVANO CARMO DE SOUZA PROTEÇÃO JURÍDICA DO PANTANAL: A CONSTRUÇÃO DO MARCO REGULATÓRIO NO ESTADO DE MATO GROSSO. Dissertação apresentada à Universidade do Estado de Mato Grosso, para a obtenção do Título de Mestre em Ciências Ambientais. Orientador: Prof. Dr. Carlos Teodoro José Hugueney Irigaray CÁCERES Mato Grosso 2008 3 FICHA CATALOGRÁFICA Souza, Silvano Carmo de. S729p Proteção Jurídica do Pantanal: a construção do marco regulatório no estado de Mato Grosso / Silvano Carmo de Souza. – Cáceres, 2008. 205 f. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais) –Universidade do Estado de Mato Grosso, 2008. Orientador: Carlos Teodoro José Hugueney Irigaray 1. Pantanal de Mato Grosso. 2. Legislação. 3.Educação 4. Gestão Ambiental. I. Autor. II. Título. CDU 342:33.7:504--- Bibliotecário Responsável: Walter Clayton De Oliveira 4 FOLHA DE APROVAÇÃO SILVANO CARMO DE SOUZA PROTEÇÃO JURÍDICA DO PANTANAL: A CONSTRUÇÃO DO MARCO REGULATÓRIO NO ESTADO DE MATO GROSSO. Esta Dissertação foi julgada e aprovada como requisito para a obtenção do título de Mestre em Ciências Ambientais. Cáceres, 15 de abril de 2008. BANCA EXAMINADORA ________________________________________ Prof. Dr. Carlos Teodoro José Hugueney Irigaray Orientador – UNEMAT/UFMT ________________________________________ Prof. Drª Carolina Joana da Silva Membro Interno - UNEMAT ________________________________________ Prof. Dr. Pierre Girard Membro Externo – UFMT 5 DEDICATÓRIA A Érika Patrícia, minha esposa, pela presença, carinho, e AMOR. Aos meus pais Jorge Rodrigues de Souza e Adenilda Xavier do Carmo, pelo carinho, dedicação e pelas orações que me impulsionaram a realização deste sonho. Aos pantaneiros e pantaneiras que no ritmo das águas dos rios que banham este patrimônio nacional, continuam cotidianamente lutando pela sua conservação. A todos os pacientes dos hospitais especializados no tratamento do Câncer, que lutam pelo que há de mais precioso, a VIDA. 6 AGRADECIMENTOS A DEUS, autor e conservador da vida, por tudo que tem feito por mim e por minha família. Aproveito para agradecer-Lhe pela cura do câncer em 2005 e por ter me livrado da morte e me tirado da cadeira de rodas, agora nesta reta final do Mestrado. Sou grato a Ele, pois tem me ensinado que na vida enfrentaremos desafios e vicissitudes, em todos os aspectos, todavia Ele sempre estará conosco e colocará pessoas maravilhosas e especiais para estarem ao nosso lado. Aos meus familiares, que sempre me apoiaram e me acompanharam nas andanças da vida acadêmica. Ao professor Drº Carlos Teodoro J. H. Irigaray, pela orientação, amizade, dedicação, respeito e compreensão. Sou grato a Deus por sua vida. Aos professores Drº Elias Januário, Drº Pierre Girard, e Drª Carolina Joana da Silva pelas enriquecedoras sugestões. Aos professores Drª Eda Tassara, Drª Maria Stela, Drº Aumeri Bampi, pessoas comprometidas com as transformações sociais, que têm demonstrado através de suas vidas e prática universitária a importância de não nos conformarmos com o modo autoritário e desrespeitoso de fazer ciência hodiernamente imposto pelo Capital, muito bem representado nas universidades pelas oligarquias acadêmicas. Aos companheiros Laudemir Zart, e Clovis Vailant, que me auxiliaram de maneira muito especial a percorrer os caminhos da elaboração deste trabalho. Aos colegas do Programa do Mestrado, em especial ao companheiro e amigo Rogério Oliveira Costa, pela oportunidade de conviver diariamente com alguém que acredita na humanidade e na solidariedade. Aos funcionários da Universidade do Estado de Mato Grosso lotados na PRPPG e no CELBE. Aos oncologistas Drª Lenuce Aziz Ydy , Drº Gilmar Ferreira e Drº Marcelo Bumlai por tudo que tem feito por mim e por minha família nos últimos anos. Aos brasileiros e brasileiras que através da CAPES, financiaram meus estudos. A todos que contribuíram para elaboração desse trabalho. 7 “Preste atenção filho, sê tá vendo esta planta que agora de manhã tá florida, alegre, pois é, hoje à tarde, e principalmente à noite ela vai tá bem murcha. Assim é a nossa vida, temos que aproveitá as oportunidades pra faze as coisas boas pras pessoas, enquanto temos força e saúde, por que na vida da gente tudo passa”. Sebastião Xavier do Carmo (83 anos), Meu avô, que eu amo e com quem tenho compartilhado meus sonhos. 8 SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT Lista de Figuras Lista de Tabelas INTRODUÇÃO GERAL Referência Bibliográfica Geral 11 12 13 14 15 20 CAPÍTULO I - O PANTANAL – UM ANFITEATRO NO CENTRO DA AMÉRICA DO SUL. 21 Resumo 21 Abstract 21 Introdução. 22 1.1 - Aspéctos Históricos e Físicos do Pantanal Mato-grossense. 22 1.2 - Histórico da Formação, Ocupação e Reocupação (invasão) do Pantanal. 28 1.2.1 - A Formação do Anfiteatro. . 28 1.2.2 - A Ocupação - Os primeiros atores. 29 1.2.3 - A Reocupação – A Invasão da Arena. 31 Considerações Finais 34 Referência Bibliográfica 41 CAPÍTULO II - OS MARCOS REGULATÓRIOS NO BRASIL: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA CRÍTICA – A PROTEÇÃO JURÍDICA DO PANTANAL DE MATO GROSSO. 45 Resumo 45 Abstract 45 Introdução. 46 2.1 - A Construção dos Marcos Regulatórios no Brasil: Um breve relato. 46 2.2 - Evolução da proteção jurídica do meio ambiente no Brasil. 51 2.3 - A Proteção Jurídica do Pantanal de Mato Grosso. 54 2.3.1 - Documentos internacionais aplicáveis à proteção do Pantanal de Mato Grosso. 54 2.3.2 - A Proteção do Pantanal na legislação federal. 59 2.3.3 - Projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que dispõem sobre o Pantanal de Mato Grosso. 64 2.3.4 - Legislação do Estado do Mato Grosso relativa ao Pantanal. 67 Considerações Finais 70 Referência Bibliográfica 72 9 CAPÍTULO III - A CONSTRUÇAO DE UMA LEI DE GESTÃO DO PANTANAL DE MATO GROSSO. A EDUCAÇÃO PARA A GESTAO AMBIENTAL. 74 Resumo 74 Abstract 74 Introdução 75 3.1 Contextualização Histórica 76 3.2 – Da Proposta Inicial ao Projeto de Lei. 81 3.3 – A Atuação dos Stakeholders na elaboração das Leis de Gestão e Redelimitação do Pantanal de Mato Grosso. 81 3.3.1 Aspectos Teóricos. 81 3.3.2 Mecanismos de Participação Popular: As Audiências Públicas – Espaço de Legitimação da Ação Estado/Mercado. 87 3.3.3 - A Principal Finalidade da análise. 89 Considerações Finais 89 Referência Bibliográfica 91 CAPÍTULO IV - ATORES SOCIAIS ENVOLVIDOS NA ELABORAÇÃO DAS LEIS DE GESTÃO E DE REDELIMITAÇÃO DO PANTANAL E SUA CATEGORIZAÇÃO: APLICAÇÃO DA STAKEHOLDERS ANALISYS. 94 Resumo 94 Abstract 94 Introdução. 95 4.1 – A Análise dos Dados a partir da Stakeholders Analysis. 95 4.2 - Stakeholders apresentados na entrevista com a Gerência de Políticas do Pantanal. 99 4.3 - Stakeholders apresentados na Ata da 7ª Reunião Ordinária do Conselho Estadual de Meio Ambiente – CONSEMA, realizada dia 26/09/2006; Resolução 50/06 do CONSEMA; e Oficio nº 558/2006 da FAMATO. 100 4.4 - Stakeholders apresentados na Comunicação Interna nº 085/2006 da Superintendência de Biodiversidade – Gerência de Política do Pantanal de 29/11/2006 e seus anexos. 100 4.5 - Stakeholders apresentados nas Atas das Audiências Públicas realizadas pela Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso. 101 4.6- A área de atuação política de cada Stakeholder. 109 4.7 - A investigação da Natureza dos Conflitos entre os Stakeholders. 118 4.8 - As demandas de cada Stakeholders. 120 4.8.1 – Os Limites da Arena, a explicitação dos interesses. 125 4.8.2 – As demais demandas apresentadas pelos Stakeholders. 128 4.9 – A Lei Aprovada e a sua Relação com as Demandas dos Stakeholders. 133 Considerações Finais 141 Referência Bibliográfica 144 10 CAPITULO V - COMENTÁRIOS À LEI DE GESTÃO DO PANTANAL DE MATO GROSSO 146 Resumo 146 Abstract 146 Introdução 147 5.1 Os Princípios da Gestão do Pantanal em Mato Grosso. 148 5.2 Competências Institucionais para Gerir Parte de um Patrimônio Nacional. 158 5.3 Áreas Protegidas 162 Considerações Finais Referência Bibliográfica 170 174 Conclusão Geral 163 Bibliografia Gerl 176 Anexos 189 11 RESUMO O Pantanal é uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta e está localizado no centro da América do Sul, na Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai. Sua área é de 138.183 km², com 65% de seu território no estado de Mato Grosso do Sul e 35% no Mato Grosso. O objetivo deste trabalho é contextualizar a participação pública na elaboração de políticas públicas estatais no Brasil, a partir da elaboração das Leis de Gestão e de redelimitação do Pantanal de Mato Grosso. Como Método para coleta de dados foi utilizado o Estudo de Caso a partir do acompanhamento pessoal do pesquisador nas Audiências Públicas e Grupos de Trabalhos, também através do arrolamento de dados oriundos de documentos legais e do levantamento bibliográfico. Para a Análise dos Dados foi utilizada a “Stakeholders Analisys” proposta por Grinble e Cham (1995). A partir do levantamento de dados e respectiva análise, foram identificadas três categorias de Stakeholders: Estado, Comunitário, e Mercado, que participaram de algumas das fases de elaboração das propostas de Leis. Na categoria Estado estiveram presentes agentes de mercado e agentes populares. A categoria Comunitário foi representada, por exemplo, por representantes povos e comunidades tradicionais, de trabalhadores rurais, organizações não governamentais. Já a categoria Mercado, foi representada majoritariamente por setores do agronegócio, em especial à Federação da Agricultura do Estado de Mato Grosso – FAMATO. Após as discussões e aprovação no poder legislativo, o chefe do executivo do Estado de Mato Grosso, vetou a Lei que propunha a redelimitação do Pantanal de Mato Grosso, porém sancionou a Lei 8830 de 21/01/08, que estipula, pelo menos em sua epígrafe, a gestão da Bacia do Alto Paraguai. Apesar dos avanços conquistados pela categoria Comunitário, referentes à inserção de dispositivos referentes à implementação da Política Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, e a regulamentação das Áreas Protegidas, a lei sancionada atendeu, na maioria absoluta de seus dispositivos os pleitos da Categoria Mercado. Não obstante o grande número de dispositivos legais, oriundos da Constituição Federal hodierna; das convenções internacionais; das resoluções e deliberações provenientes de comissões e conselhos federais; das decisões dos tribunais; da legislação federal e estadual, verifica-se que este aparato não é suficiente para proteger este patrimônio nacional, para tanto uma legislação federal específica do Pantanal, que valorize e atenda as demandas das camadas populares da sociedade, daria maior efetividade e aplicabilidade ao dispositivo constitucional que reconhece o Pantanal Mato-Grossense como “Patrimônio Nacional”. Palavras-Chave: Pantanal de Mato Grosso, Legislação, Educação e Gestão Ambiental 12 ABSTRACT The Pantanal is one of the largest stretches of continuous wet planet and is located in the center of South America, in the Upper Paraguay River Basin. Its area is 138,183 km ², with 65% of its territory in the state of Mato Grosso do Sul and 35% in Mato Grosso. The objective of this work is to contextualize public participation in policy-making state government in Brazil, from the drafting of the Laws of Management and re-delimitation the Pantanal of Mato Grosso. As a method for collecting data was used the Case Study from the monitoring staff of the researcher in the Public Hearings Groups of Jobs, also through the sequestration of data from legal documents and the bibliographic survey. For the analysis of data was used to "Stakeholders Analisys" proposed by Grinble and Cham (1995). From the survey data and their analysis have identified three categories of Stakeholders: State, Community and Market, which participated in some of the stages of drafting the laws. In the category State agents market and popular actors were present. The category Community was represented, for example, by representatives peoples and traditional communities of rural workers, non-governmental organisations. Already the category Market, was represented mostly by the agribusiness sectors, in particular the Federation of Agriculture of the State of Mato Grosso - FAMATO. After the discussion and approval in the legislature, the chief executive of Mato Grosso State, vetoed the law, which proposed the re-delimitation the Pantanal of Mato Grosso, but endorsed the Law 8830, 21/01/08, which requires at least in its title, the management of the Upper Paraguay Basin. Despite the advances achieved by the Community category, relating to the insertion of devices related to the implementation of the National Policy of Peoples and Traditional Communities, and the regulation of Protected Areas, the sanctioned law included, in the absolute majority of its devices , the litigation of Category Market. Despite the large number of legal devices, from the Federal Constitution current; international conventions, the resolutions and deliberations from federal commissions and councils; of court decisions, federal and state legislation, it appears that this apparatus is not enough to protect this national heritage , for both a specific federal legislation of the Pantanal, which values and meets the demands of the working classes of society, would give greater effectiveness and applicability to the constitutional device that recognizes the Pantanal, Mato Grossense as "National Patrimony". Key words: Pantanal of Mato Grosso, Legislation, Education and Environmental Management. 13 LISTA DE FIGURAS Figura 01 - Distribuição Total dos Stakeholders que Participaram das Audiências Públicas. 103 Figura 02 - Stakeholders que participaram da Audiência Pública de Póconé – MT. 103 Figura 03 - Stakeholders que participaram da Audiência Pública de Cáceres – MT. 104 Figura 04 - Stakeholders que participaram da Audiência Pública de Barão de Melgaço – MT. 104 14 LISTA DE TABELAS Tabela 01 - Estudos relacionados com a delimitação fisiográfica do Pantanal. 25 Tabela 02 - Marcos Legais de Proteção do meio ambiente no Brasil. 53 Tabela 03 - Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), referentes ao Pantanal. 62 Tabela 04 - Resoluções e Deliberações da Comissão de Biodiversidade (CONABIO), referentes ao Pantanal. 63 Tabela 05 - Legislação Estadual Mato Grosso que dispõe sobre o Pantanal. 68 Tabela 06- Diretrizes para análise de Stakeholders. 98 Tabela 07 - Categorias de Stakeholders encontrados na análise dos dados e os critérios utilizados para sua classificação. 102 Tabela 08 - Stakeholders presentes nas Audiências Públicas de Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço. 105 Tabela 09 - Área de Atuação dos Stakeholders. 110 Tabela 10 - Demandas apresentadas Pelos Stakeholders da Categoria Estado. 121 Tabela 11 - Demandas da Categoria Comunitário. 123 Tabela 12 - Demandas da Categoria Mercado. 124 Tabela 13 - Demandas dos agentes populares na categoria Estado e seu reflexo na Lei. 134 Tabela 14 - Demandas dos agentes de mercado na categoria Estado e seu reflexo na Lei. 136 Tabela 15 - Demandas da Categoria Comunitário e seu reflexo na Lei. 137 Tabela 16 - Demandas da Categoria Mercado e seu reflexo na Lei 140 15 INTRODUÇÃO GERAL “Não há justiça que paire acima dos conflitos, só há justiça comprometida com os conflitos, ou no sentido de manutenção, ou no sentido de transformação”. Roberto A. R. de Aguiar (1987). Acreditar na possibilidade de mudança de paradigmas, e lutar para que isso ocorra, é uma virtude daqueles que sonham com um mundo mais justo. Essa crença passa pelo descontentamento com o statu quo, em relação à forma como os grupos hegemônicos têm se relacionado com os demais setores da sociedade e com o ambiente. Essa relação tem se demonstrado desequilibrada, desumana, escravocrata, espoliadora, e imperialista. Durante o período que escrevemos esta dissertação convivemos com três grupos de pessoas, as que não enxergam as contradições sociais existentes na sociedade, e é claro que muitas delas têm essa percepção de mundo por opção, por acreditarem fervorosamente que poderão tirar proveitos pessoais de tal situação. Outros que apesar de notarem as contradições, não acreditam mais na possibilidade de mudança. Elas já entregaram os “pontos” já penduraram as “chuteiras”, dizem que o mundo é assim mesmo e que tudo está indo de mal a pior, e o que nos resta é simplesmente “sobrevivermos”. Por outro lado, apareceram pessoas indignadas com o sistema, inconformadas como o modelo de sociedade emplacado pelo capitalismo financeiro. Estas, apesar deste terrível cenário, continuam esperançosas, acreditando na possibilidade de mudanças estruturais. Não se trata de uma crença ingênua, mas sim de um sentimento solidário, fraterno, que têm suas bases na materialidade histórica, expressada na luta diária por um mundo mais justo e humanitário. Foram estes últimos, os companheiros e companheiras, que impulsionaram a escrever este trabalho, foram eles o combustível que acendia a chama da esperança de poder, através destas linhas, explicitar as contradições existentes nas propostas de Lei, que versam sobre a Gestão e Redelimitação do Pantanal de Mato Grosso. 16 Para tanto, é necessário comentar qual a compreensão de meio ambiente e de natureza presentes neste trabalho. Para isso é imperioso lançar mão dos ensinamentos de Vincent (1995), o autor afirma que o meio ambiente é um sistema que inclui todas as coisas vivas e ainda o ar, a água e o solo que constituem seu hábitat e, portanto, a espécie humana é parte de uma estrutura extremamente complexa, diversificada e inter-relacionada da qual não é possível se divorciar. O autor considera que a natureza é uma categoria social, produzida pela história, ele cita ainda Michael Redclift, para quem grande parte do ambiente e da natureza (inclusive a natureza humana) tem uma relação causal com a pobreza, a doença, o trabalho alienante , e simplesmente a necessidade de sobreviver em um sistema opressivo. Após estas considerações importa enfatizar que o Pantanal é uma das maiores maravilhas do patrimônio natural brasileiro: considerada a área alagável de maior extensão e biodiversidade do mundo. A região também é importante, especialmente para o suprimento de água, a estabilização do clima, e para a sobrevivência dos povos e comunidades tradicionais pantaneiros. Tendo em vista sua importância global, o Pantanal foi considerado: “Sitio Ransar”, “Patrimônio Mundial da Unesco” e “Reserva da Biosfera”. Títulos que pressupõem uma gestão participativa, integrada, e sustentável, que englobe os aspectos sociais, ambientais, econômicos e culturais da região. As Ciências Ambientais, área do conhecimento sobre a qual este trabalho se debruça para estudar a participação popular na elaboração do Marco Regulatório do Pantanal de Mato Grosso, são interdisciplinares, e têm como marco teórico o materialismo histórico dialético, suas bases epistemológicas são transformadoras e emancipadoras. As abordagens de estudo são complexas e exigem que o pesquisador tenha sensibilidade para apreender os significados de cada etapa do trabalho. Nesse sentido esta dissertação procura demonstrar a íntima relação existente entre a participação popular na elaboração de políticas públicas, como elemento educativo indispensável à gestão ambiental. 17 Nesse sentido, a Conferência de Tbilisi, realizada pela Unesco em 1977 é considerada como um marco referencial para o estabelecimento de importantes diretrizes na educação ambiental. O documento oriundo desse evento postula que o processo da Educação ambiental deve proporcionar, entre outras coisas, a construção de valores e aquisição de conhecimentos, atitudes e habilidades voltadas “para a participação responsável na gestão ambiental”. Tanner (1978) considera que ela busca ensinar os educandos a serem “cidadãos ativos numa democracia”. Já Leonardi (1977) esclarece que de fato, em vários e importantes documentos internacionais enfatiza-se a importância da educação ambiental, entre outros motivos, “pela sua relação com o exercício da cidadania, o que demonstra seu compromisso original com a formação da cultura democrática”. Destarte, a abordagem que fazemos aqui é a da educação para a gestão ambiental. A partir dessa ótica capilarizada de gestão ambiental, é que se pretende analisar a participação pública na elaboração de uma proposta governamental de gestão do Pantanal de Mato Grosso. Para isso serão utilizados o Estudo de Caso como metodologia central para coleta de dados e da “Stakeholders Analysis” (GRIMBLE e CHAN M, 1995) para sua respectiva análise. O objetivo geral dessa dissertação é o de contextualizar a participação pública na elaboração de políticas públicas estatais no Brasil, a partir de um Estudo de Caso. Os objetivos específicos foram: apresentar a partir da materialidade histórica como foram elaborados os marcos regulatórios no Brasil, em especial os regulamentos ambientais; e a partir do estudo de caso: Identificar quais os grupos de interesse atuaram na elaboração das Leis de Gestão e de Redelimitação do Pantanal; em qual fase cada grupo atuou; quais as demandas por eles apresentadas; e quais foram contempladas. No capítulo um é feita uma contextualização crítica sobre a história de formação; ocupação; reocupação “invasão”; e a configuração atual do Pantanal Mato-grossense. A Bacia do Alto Paraguai foi considerada um Coliseu, e a área alagável do Pantanal sua arena. Dois foram os motivos que impulsionaram a fazer essa consideração, o 18 primeiro diz respeito aos conflitos existentes nessa região, serão verificados a partir das demandas apresentadas por cada grupo que os conflitos, ora identificados, são sócioambientais e refletem o modo de ocupação desse território; o segundo diz respeito à forma física da Bacia do Alto Paraguai, onde a área alagável do pantanal representa sua arena. Este capítulo apresenta a área de estudo a partir de uma visão multidisciplinar, evidenciando a importância da elaboração de Políticas Públicas, e neste caso as Leis de Gestão e de redelimitação que verdadeiramente representem os anseios das maiorias populares. O capítulo dois traz uma narração histórica da construção dos Marcos Regulatórios no Brasil, apresenta também os principais aspectos sobre a história da construção da legislação ambiental pátria, essa retrospectiva busca comentar como a população brasileira não foi oportunizada, diferentemente de outras civilizações, a participar efetivamente da elaboração de suas leis; após isso faz um resgate da legislação aplicada à tutela, internacional, nacional e estadual do Pantanal de Mato Grosso. O capítulo três retrata a participação popular na elaboração das Leis de Gestão e de redelimitação do Pantanal, como elemento educativo na formação da democracia participativa. Aborda os aspectos teóricos, relacionados aos Stakeholders, às Políticas Públicas, e aos conflitos sócio-ambientais. Também introduz a discussão relativa aos mecanismos de participação popular, em especial às audiências públicas, discutindo sua função enquanto espaço de legitimação dos interesses do Estado/Mercado. O quarto capítulo narra como ocorreu à participação de diversos grupos na construção das minutas de Lei que tramitaram na Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso. Retrata a partir da “Stakeholder Analysis” os Grupos de Interesse que estiveram envolvidos na elaboração das Leis, em comento. Abordando cada uma das etapas propostas para a análise dos dados coletados no Estudo de Caso, demonstrando também a partir da Lei sancionada pelo executivo estadual quais foram as demandas contempladas. 19 No capitulo cinco é feita uma análise doutrinária da Lei Estadual 8.830 de 21 de janeiro 2008. Além de contextualizá-la dentro do ordenamento jurídico pátrio, apresenta de forma sistemática o entendimento do magistério jurídico pátrio sobre os institutos, princípios, diretrizes, etc. apresentados na legislação ora sancionada pelo Governador Blairo Maggi. 20 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA GERAL AGUIAR, R.A.R. O que é Justiça. Uma abordagem dialética. 2ª ed. Editora Alfa – Omega. São Paulo, 1987. GRIMBLE, R. J.; CHAN, M-K. Stakeholder analysis for natural resource management in developing countries. Natural Resources Forum, v.19, n.2, p.113-124, mai. 1995. _____________. ; CHAN, M-K.; AGLIONOBY, J.; QUAN, J. Trees and trade-offs: a stakeholder approach to natural resource management. London: International Institute for Environment and Developmet, 1995. (IIED Gatekeeper Series 52). LEONARDI, M.L.A. Educação ambiental e teorias econômicas: primeiras aproximações. In: ROMEIRO, A. R.; REUDON, B. Ph. e LEONARDI, M.L. (orgs.) Economia do Meio Ambiete: Teoria, políticas e a gestão de espaços regionais. Campinas: Embrapa/Unicamp, 1997. TANNER, R.T. Educação Ambiental. São Paulo: Summus/ Edusp, 1978. VINCENT, A. Ideologias políticas modernas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. 21 I O PANTANAL – UM ANFITEATRO NO CENTRO DA AMÉRICA DO SUL Que é mesmo a minha neutralidade se não a maneira cômoda talvez, mas hipócrita, de esconder minha opção ou meu medo de acusar a injustiça? Paulo Freire (1996) Resumo: O Bioma Pantaneiro constitui a maior extensão de áreas úmidas contínuas do planeta e está localizado no centro da América do Sul, na Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai. Sua área é de 138.183 km², com 65% de seu território no Estado de Mato Grosso do Sul e 35% no Mato Grosso. Constituído por várias unidades de paisagem que compõem um conjunto de habitats, com funções múltiplas e complexas. Por sua importância, enquanto santuário ecológico, o pantanal foi alçado à categoria de patrimônio nacional, pela Constituição de 1988, que estabeleceu a necessidade de leis específicas para proteção dessas áreas e garantia de que a utilização das mesmas assegure a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais (art. 225 § 4º). A partir do Levantamento documental e da pesquisa Bibliográfica propôs-se nesse capítulo apresentar a área de estudo, a partir de uma perspectiva multidisciplinar, abordando os aspectos de sua formação, ocupação e reocupação “invasão”, e um relato da configuração atual da região. È evidente a histórica forma espoliadora com que grandes grupos econômicos expulsaram os primeiros moradores da região, é possível observar também a partir do magistério consultado que este Bioma precisa urgentemente ser tutelado pelo Estado, a partir de um Marco Regulatório que contemple as demandas dos diversos grupos residentes neste região, não de uma minoria que ocupa o poder estatal. Palavras Chave: Pantanal Mato-grossense, Formação, Ocupação “Invasão”, Configuração Atual. Abstract: The Pantanal – An Amphitheatre In The Centre Of The South America. The Pantaneiro Biomass constitutes the biggest extension of wet continuous areas of the planet and is located in the centre of the South America, in the Hydrological basin of Alto Paraguai. Its area is 138.183 km ², with 65 % of its territory in the State of Mato Grosso of the South and 35 % in the Mato Grosso. Constituted by several unities of scenery that compose a set of habitats, with multiple and complex functions. For its importance, while ecological sanctuary, the Pantanal was lifted to the category of national inheritage, by the Constitution of 1988, which established the necessity of special laws for protection of these areas and guarantee of that the use of same secures the preservation of the environment, even as for the use of the natural resources (art. 225 § 4º). From the documentary Lifting and of the Bibliographical inquiry it was proposed in this chapter to present the area of study, from a multidisciplinal perspective, boarding the aspects of its formation, occupation and reoccupation “ invasion “, and a report of the current configuration of the region. It is obvious the historical spoiler form with which great economical groups expelled the first residents of the region, it is possible to observe also from the teaching consulted that this Bioma needs urgently to be protected by the State, from a Regulator Landmark that contemplates the demands of several resident groups in this region, not of a minority that occupies the state-owned power. Key words: Pantanal of Mato Grosso, Formation, Occupation “ Invasion “, Current Configuration. 22 Introdução. Este capítulo tem como objetivo apresentar a área de estudo, a partir de uma perspectiva multidisciplinar, abordando os aspectos de sua formação, ocupação e reocupação “invasão”, e um relato da configuração atual da região. Como esta dissertação se debruça sobre a análise de um conflito sócioambiental, é importante entender os aspectos políticos-sociais, geográficos e históricos, que circundam a região. 1.1 Aspectos Históricos e Físicos do Pantanal Mato-grossense A área de estudo conhecida hodiernamente como Pantanal, durante séculos chamado de lagoa de Xarayes1, é uma região de onde emana beleza e diversidade. Nas palavras de Costa (1999) essa imensa planície inundável foi espaço privilegiado para sonhos concebidos sobre uma realidade desconhecida, sendo descrita durante séculos, como a Fabulosa laguna de los Xarayes, lugar onde derramavam águas do grande rio Paraguai. Este mito geográfico resistiu até meados do século XVIII. Durante este tempo, Xarayes foi uma imagem constante nos relatos dos mapas dos europeus. A autora afirma que: "No horizonte histórico, portanto, o Pantanal aparece como uma invenção luso brasileira tendo sua origem em meados do século XVIII. Sua primeira definição foi encontrada num texto de 1727: "Pantanal chamam os Cuiabanos a umas vargens muito dilatadas, que começando no meio do Taquari, vão acabar quase junto ao mesmo rio Cuiabá". Trata-se, portanto, de uma denominação dada pelos mamelucos paulistas que durante o século XVIII percorriam a região com suas Monções. Estes, ao dominarem o espaço, dominaram também sua imagem constitutiva. Pontua ainda que: “Durante alguns anos, a castelhana Laguna de los Xarayes convive com o lusobrasileiro Pantanal. Porém, pouco a pouco, essas imagens acoplam-se, e os 1 Os Xarayes eram um povo indígena que habitavam as margens do rio Paraguai. 23 campos alagados pantaneiros se sobrepõem à secular e fabulosa lagoa. Em seguida, o mistério é desfeito. Em meados do século XVIII, os demarcadores de limites, com seus saberes ilustrados, despiram-na das maravilhas quinhentistas e a dimensionaram como espaço geograficamente determinado. A famosa lagoa passou então a ser nada mais que o rio Paraguai espraiado. “Este rio, não podendo conter todas estas águas no seu leito, as estende de um lado a outro, porque o país é horizontal”, resumiu o demarcador Félix de Azara”. Por que a metáfora do Anfiteatro? Os anfiteatros são arenas ovais ou circulares rodeadas de degraus a céu aberto. Na Roma Antiga foram adaptados dos teatros gregos para servirem aos combates de gladiadores, de animais selvagens e demais diversões públicas. Podiam ser até cheios d’água (alguns deles) para espetáculos de combates navais2. O mais conhecido e maior deles é o Coliseu Romano. Afastando pelo menos neste capítulo, qualquer conotação beligerante o conceito de Anfiteatro aplicado ao Pantanal, evoca apenas sua disposição geográfica e geomorfológica. Esta arena está circundada ao norte pelas Serras dos Parecis, Azul e do Roncador (chapadas mato-grossenses); a leste, no Planalto Central (Planalto Brasileiro), com a Serra de Maracajú, ao sul pela Serra de Bodoquena e, a oeste, pelos chacos paraguaio e boliviano. O Pantanal é constituído por várias fitofisionomias (unidades de paisagem) que compõem um conjunto de hábitats. Dentro deste conjunto de hábitats, existem vários tipos que embora de tamanho reduzido, constituem ambientes chaves para a manutenção biológica do sistema, tais como capões (ilhas circulares de matas mais elevada que a planície inundável), cordilheiras (cordões arenosos com altura de 1 a 3 m acima da planície alagável, coberta por vegetação de cerrado, cerradão e mata), lagoas permanentes (baías), corixos, vazantes, ninhais, etc. As funções destes hábitats são múltiplas e complexas (JUNK e DA SILVA, 1997). A literatura traz diversas propostas de delimitação da área do Pantanal, entre elas estão: Silva e Abdom (1998) propõem que os estudos fisiográficos do Pantanal 2 O’ Reilly A. J. Os Mártires do Coliseu. Casa Publicadora das Assembléias de Deus (CPAD),2005. 24 podem ser separados em dois grupos: um, de acordo com Sanchez (1977), Brasil (1979) e Adámoli (1982), associados ao Estudo de Desenvolvimento Integrado da Bacia do Alto Paraguai (EDIBAP); e outro, de acordo com Franco & Pinheiro (1982), et al. (1982, 1984) e Amaral Filho (1986), associados ao Projeto RADAMBRASIL. Os autores discutem que as delimitações adotadas por esses autores são as mais consistentes, por usarem diferentes parâmetros físicos e bióticos de grande importância no Pantanal, como feições de relevo, drenagem, solos e vegetação, por meio de produtos de sensoriamento remoto de grande potencialidade, conforme a Tabela 01. Os autores também ponderam que a consistência e o detalhamento do mapeamento é proporcional à importância e ao número de fatores utilizados na delimitação, uma vez que o simples fato de atribuir importância maior ou menor a determinado critério ou, ainda, a um único elemento fisiográfico provoca alterações nos níveis de detalhes e contornos obtidos. O Projeto Radambrasil (1982), dada a enorme região abrangida, dividiu o Pantanal em 10 pantanais. São eles: Pantanal do Corixo Grande Jauru – Paraguai; Pantanal do Cuiabá – Bento Gomes – Paraguaizinho; Pantanal do Itiquira – São Lourenço – Cuiabá; Pantanal de Paraguai; Pantanal do Taquari; Pantanal do negro; Pantanal do Miranda – Aquidauana; Pantanal do Jacaligo – Nabileque; Pantanal do Tarumã-Jibóia, do Aquidabã e do Brando-Amonniquijá e Pantanal do Apa. Silva e Abdon (1998) organizaram todos os trabalhos que versam sobre o tema em uma tabela que resume as propostas de delimitação da região, (Tabela 01). 25 Tabela 01 - Estudos relacionados com a delimitação fisiográfica do Pantanal. Autor Critérios adotados Material utilizado Stefan (1964) Não especificado Não especificado Brasil (1974) Curvas de níveis(200 m) e Aspectos geomorfológicos Geomorfológico, hidrológico e fluviomorfológico Geomorfológico, hidrológico e fluviomorfológico Sanchez (1977) Brasil (1979) Franco & Pinheiro (1982), Alvarenga et al. (1982) Adámoli (1982) Geomorfológico, fatores morfogenéticos e cartas topográficas (altimetria relativa, litologia e pedologia) Fitogeográfico e hidrológico Alvarenga et al. (1984) Geomorfológico e aspectos estruturais topográficos, hidrológicos, morfológicos, pedológicos e de estrutura vegetal Amaral Filho (1986) Pedológico e hidrológico SILVA e ABDON (1998)* Inundação, relevo, solo e vegetação. Nº de subregiões Não analisado Área (km2) Cartas topográficas na escala de 1:250.000 e fotografias aéreas 1:250.000 e cartas topográficas na escala de 1:100.000 Imagens de Radar na escala de 1:250.000 e cartas topográficas na escala de 1:100.000 Imagens de Radar na escala de 1:250.000 Não analisado 168.000 17 15 Não quantifica da 139.111 13 136.738 Estudos anteriores EDIBAP. Imagens do LANDSAT-MSS nas escalas de 1:250.000 e 1:1.000.000 Imagens de Radar na escala de 1:250.000. Imagens de LANDSAT-MSS nas escalas de 1:500.000 e 1:1.000.000 10 139.111 12 133.465 Estudos anteriores (RADAMBRASIL) e imagens de Radar na escala de 1:250.000 Estudos anteriores, GPS, mapas municipais estatísticos, cartas topográficas e imagens coloridas do satélite Landsat 5 TM, ambos na escala de 1:250.000, apoiados em trabalhos de campo. 6 regimes de inundação 153.000 11 138.183 156.298 Fonte: Silva e Abdom (1998). * Esta citação foi acrescentada na Tabela, tendo em vista ser a proposta de delimitação dos autores. 26 A diversidade de estudos reflete a dificuldade de se delimitar a área do Pantanal, o que tem sido objeto de discussão dos grupos de interesses na elaboração da Lei de uma lei de gestão para o Pantanal de Mato Grosso, que ora propõe-se contextualizar a participação dos grupos sociais em sua elaboração. A bacia hidrográfica do rio Paraguai abrange uma área de 1.095.000 km², estando 34% no Brasil e o restante no Paraguai, na Bolívia e na Argentina. O rio desenvolve-se por 2.550 km, desde a nascente, no Brasil, até a foz, na Argentina. Silva e Abdom consideram que a Bacia do Alto Paraguai (BAP) no Brasil ocupa uma área de 361.666 km² e o Pantanal no Brasil, uma área de 138.183 km². Neste sentido também Junk e Da Silva e Diegues (1996) estipulam que o Pantanal é uma das maiores áreas alagáveis do Mundo com cerca de 140.000 km². Conforme observado, as estimativas mais recentes da área alagável variam de acordo com os critérios adotados pelos diferentes autores, dentro dos limites de 133.000 e 168.000 quilômetros quadrados. No contexto dos domínios morfoclimáticos sul-americanos, o Pantanal pode ser considerado como uma região de transição entre os domínios do Cerrado, da Amazônia, do Chaco e da Floresta Atlântica (AB’SABER, 1983). O Pantanal está submetido a variabilidades climáticas interanual, com alternância de estações chuvosa e de seca, no período anual, e plurianual com alternância de ciclos de anos muitos chuvosos ou relativamente secos (ADÁMOLI, 1986). Ressaltada essa característica o clima pode ser classificado como tropical semiúmido com temperatura média anual de 25°C e precipitação anual média de 1100 mm concentrados durante a estação chuvosa de Outubro a Março (ALHO et al. 1988). O alagamento atinge aproximadamente 70% da planície pantaneira e, dependendo da localização e elevação, se encerra entre 3 e 9 meses (WADE, 1996). 27 No pantanal as inundações periódicas resultam em mudanças drásticas das condições ambientais dos hábitats. Da Silva e Junk (1999) afirmam que durante um ciclo hidrológico, o mesmo local pode passar de uma área seca sujeita a estresse por falta de água para uma área úmida com solo encharcado, para um lago raso e até mesmo para um lago de alguns metros de profundidade. Os autores afirmam ainda que no pantanal o pulso de inundação é relativamente previsível e corresponde a um ciclo hidrológico anual. Neste bioma as plantas e animais são adaptados às enchentes e secas anuais. Além da inundação, outros fatores como a complexa rede de drenagem, contribuem com a diversidade de habitats no pantanal, resultando em diferentes Pantanais. A região do Pantanal contém características de quatro tipos de vegetações preliminares: a floresta amazônica, o cerrado do Planalto Central brasileiro, a vegetação árida do chaco boliviano e argentino e a mata atlântica (ADÁMOLI, 1981). Um levantamento aéreo realizado sobre o Pantanal brasileiro identificou 16 fisionomias vegetais diferentes, sendo as mais abundantes: campos (31%), cerradão (22%), cerrado (14%), pântano (7%), floresta semidecidual (4%), mata de galeria e vegetação flutuante (2 e 4% cada), (SILVA et al. 2000). Sabe-se que são poucas as espécies endêmicas do Pantanal, no entanto as suas terras inundáveis são essenciais para a reprodução de algumas espécies ameaçadas de extinção. As práticas sociais e a economia do Pantanal estão condicionadas, pelo menos em sua maioria, a este sistema de inundações, sendo que animais e seres humanos dependem direta ou indiretamente da estabilidade deste sistema; por isso mesmo as políticas, planos, programas e projetos, que se pretendem implementar nessa região devem considerar esta particularidade do Complexo do Pantanal. 28 Barros Netto (1979), afirma que a característica de desenvolvimento do Pantanal sempre esteve limitada pelas condições de viabilidade do meio e não por causa da incapacidade ou do desinteresse dos pantaneiros. O autor pontua que: “O desenvolvimento dessa região deve ser baseado em tecnologias criadas no próprio Pantanal, o que nós chamamos de modelo endógeno de apropriação dos bens naturais, exemplifica ainda que alguns fazendeiros tiveram fracassos ao tentar utilizar tecnologias que não levaram em conta as condições ecológicas locais”. Esse anfiteatro cercado por um grande complexo de serras, além de seus aspectos físicos, também é lar de uma grande variedade de peixes, aves, répteis, mamíferos, entre outras espécies, desse modo é um ambiente de pluralidades, de representações, onde todos, desde as rochas, são moldados pelos movimentos das águas. 1.2 Histórico da Formação, Ocupação e Re-ocupação (Invasão) do Pantanal. 1.2.1 A Formação do Anfiteatro O objetivo do texto nesse ponto é o de contextualizar a ocupação inicial da região pantaneira, demonstrando a partir do recorte teórico proposto por Ab Saber (1988) além de sua formação e como se deu o povoamento, contextualizando também como se deu a invasão realizada pelos bandeirantes. Oliveira (1996) contextualizando Ab Saber (1988) afirma que ao discutir a teoria dos refúgios aplicada ao contexto ambiental do Pantanal, o autor apresenta aportes significativos para o conhecimento da história quaternária das sociedades indígenas que ocuparam a região pantaneira, especialmente durante o período anterior à conquista ibérica da bacia platina. 29 A teoria dos refúgios proposta em 1969 pelo alemão Jürgen Haffer, foi primeiramente empregada no caso brasileiro pelos professores Aziz Ab’Sáber e Paulo Vanzolini. A luz desse aporte teórico, no período mais frio e seco entre 2 milhões e 10 mil anos atrás (no período geológico Pleistoceno), a floresta amazônica teria encolhido, deixando apenas um agrupamento de manchas de mata cerrada, os refúgios, separadas por extensas áreas de vegetação mais rala, como cerrados ou savanas. Em um amplo trabalho sobre a origem do Pantanal Mato-grossense Ab Saber (1988), desenvolveu a idéia de que o que hoje é uma depressão teria sido no passado uma vasta abóbada de escudo, que funcionava como área de fornecimento detrítico para as bacias sedimentares do Grupo Bauru (Alto Paraná) e Parecis. Com respeito à história de formação dessa região Godói Filho (1986) afirma que sua evolução pretérita, atual e futura está submetida às condições das áreas elevadas que o rodeiam, pois estas constituem sua fonte de água e sedimentos. 1.2.2 A Ocupação - Os primeiros atores. A configuração do espaço organizado na região da bacia do Alto Paraguai materializa formas espaciais que são resultados de vários momentos históricos referidos ao processo de ocupação e invasão da região. O inicio de seu povoamento remonta ao século XVI e continua até os dias atuais. Estudos contemporâneos indicam que no século XVI a população indígena em território brasileiro estivesse entre 2 e 4 milhões de pessoas pertencentes a mais de 1.000 povos diferentes3. Outras estimativas indicam que nesse mesmo período cerca de 1.200 línguas eram faladas no Brasil. Atualmente a população remanescente em 3 Dados retirados do sitio do Instituto Sócio Ambiental (ISA): www. http://www.socioambiental.org/ em junho de 2007. 30 áreas indígenas é estimada entre 350.000 e 500.000 pessoas, distribuídas em diversos grupos. Contextualizando a gênese da ocupação do Pantanal Costa (1999) comenta que a imensa planície inundável situada no interior da América do Sul, hoje denominada Pantanal, foi transformada em terras pertencentes à coroa espanhola pelo Tratado de Tordesilhas, no final do Século XV, todavia originalmente era território de diversas nações e povos indígenas, entre outros, dos Guarani, Payaguá, Guaxarapos e Xarayes. Os primeiros grupos humanos (populações acerâmicas) que chegaram à região ocuparam terraços, diques lacustres, diques fluviais e planícies lacustres próximas a morrarias, entre 8.000 e 3.000 anos A. P4. Oliveira (1998) enfatiza que: “Logo após, talvez em função de um aumento demográfico associado a mudanças ecológicas e a um maior conhecimento dos ecossistemas que ocorrem no Pantanal, estes povos ocuparam com maior intensidade áreas de topografia bastante plana que sofrem um maior grau de inundação, como a subregião do Abobral. Isso provavelmente aconteceu a partir de 3.000 anos A. P. quando já dominavam a tecnologia de fabricação de recipientes cerâmicos”. Para maior aprofundamento do tema o autor sugere a consulta de vários outros estudos de caráter etnológico e etnoistórico que também auxiliam a compreender a complexidade que envolve a ocupação indígena do Pantanal, são elas: Carvalho (1992), Kersten (1968), Métraux (1963), Nimuendajú (1981), Susnik (1972 e 1978) e Schuch (1995); mencionando também que existem diversos outros autores que apontam que em tempos coloniais o Pantanal foi fortemente ocupado por populações lingüisticamente Arawak, Guaicuru, Macro-Jê (e Jê), Tupi-Guarani e Zamuco. 4 "AP" equivale à sigla inglesa "BP", "before present". Está sendo utilizada neste texto, pois é a forma de datação do autor consultado. 31 1.2.3 A Reocupação – A Invasão da Arena. O processo de colonização das Américas foi marcado pelo derramamento de sangue de muitas etnias indígenas, pela destruição da cultura de muitos povos. Siqueira (2002) afirma que: “Tanto o processo de colonização português quanto espanhol teve por base a conquista, nesse sentido, para se apossarem dos territórios americanos, os europeus utilizaram muita violência, decorrendo uma dizimação em massa dos habitantes indígenas”. A autora continua, demonstrando que o massacre teve início no litoral brasileiro, parte habitada primeiramente pelos colonizadores. Mais tarde, com os avanços bandeirantes para o Oeste e Norte, foram encontradas as etnias indígenas que habitavam os territórios que compõem os atuais Estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Pará, Maranhão e Amazonas. Com respeito à região pantaneira, os primeiros homens brancos chegaram em 1524, quando ocorreu a primeira expedição de reconhecimento da região. Subindo o rio Paraguai, chegaram até a barra do rio Miranda, no atual estado de Mato Grosso do Sul. Pelo Tratado de Tordesilhas, o Pantanal pertencia aos espanhóis. Estes se depararam com um território alagado e ocupado por sociedades indígenas, Guarani em sua maioria. Contudo, com as descobertas das minas de ouro e prata no Peru e no México, a colonização da região pantaneira não foi prioridade naquele instante. Oliveira (1996) afirma que na primeira metade do século XVI, o Pantanal representava uma importante área no contexto cultural da América do Sul, configurando-se com verdadeiro Mosaico étnico-linguistico-cultural no centro do continente, o autor considera que: “Muitos Grupos estavam estabelecidos na região, cada qual em seu ambiente distinto: as áreas inundáveis eram os domínios dos canoeiros, como os guatós; e as áreas mais elevadas, como é o caso do maciço do Urucum, estavam ocupadas por grupos de horticultores, entre eles os guaranis”. 32 Para Costa (1999) e Por et al. (2003) A ocupação do Pantanal foi realizada pelos bandeirantes paulistas em busca de pedras, metais preciosos e indígenas. Entre os nomes de alguns navegadores destacam-se Juan de Solis e Sebastian Caboto. Costa afirma que muitos nobres e aventureiros montaram expedições e lançaram à busca de lugares fabulosos, dando início à conquista desta parte sul das Índias castelhanas. Poeticamente a autora afirma que: “Guerras, fome e sonhos misturaram-se, compondo o cotidiano dos homens envolvidos nessa empresa. Cidades foram nascendo. De Assunção passaram a sair os conquistadores, sempre pelo rio Paraguai acima, à procura das contadas riqueza. Nessas entradas começaram a descobrir um lugar intensamente aquático, nomeando lagos, rios, baias, montes e portos. Em sua procura encontraram Xarayes, lugar de grandes águas entrecortadas por muitos rios e habitado por milhares de índios, (...) Sonhos de riquezas marcam desde o inicio a conquista da região da bacia do alto Paraguai. Certezas de riqueza marcam a presença dos primeiros viajantes. Sonhos e certezas levaram a morte muitos deles; riquezas e mortes alternaram-se nas entradas das terras aquáticas do Pantanal”. O inicio do século XVIII, com a descoberta de ouro em Cuiabá, foi um período de grande atração populacional para a região. No entorno das minas estabeleceram-se engenhos de cana, lavoura e pecuária, que contribuíram para a ocupação do território. Além de atrair um contingente populacional, esse período marcou o início de um período de sangrentos conflitos entre bandeirantes e os povos tradicionais da região: as comunidades Bororo, Paiaguá (os índios canoeiros, hoje já extintos), Guató (atualmente ocupantes da Ilha Insua, Mato Grosso do Sul), Guaikuru (ascendentes dos Kadiweo), entre outros. Estas comunidades resistiram à invasão de seus territórios, (a Leste a pressão lusitana, a Oeste, a espanhola), constituindo um sério entrave à colonização; algumas sociedades foram levadas à extinção e outras, empurradas para regiões mais interiores, rumo às áreas de menor interesse econômico. Por fim as minas se esgotaram no século XIX e a região ficou abandonada por longo tempo. (POR et. al. 2003) 33 Já quanto às atividades industriais pioneiras que se instalaram no Pantanal, estavam relacionadas à pecuária. Em meados do século XIX instalou-se na Fazenda Descalvados, às margens do rio Paraguai, em Cáceres, uma fábrica de extrato e caldo de carne, utilizando-se, inclusive, a mão-de-obra indígena. Na Fazenda Barranco Vermelho, na mesma cidade e às margens do rio Paraguai, existiu um curtume e uma fábrica de beneficiamento de chifres para a fabricação de guampas. Não obstante ser uma área onde predominavam os latifúndios voltados ora para a pecuária, ora para a cana-de-açúcar, existiam no pantanal, espaços ocupados por pequenas comunidades camponesas, quilombolas e indígenas, as quais podiam ali desenvolver a lavoura, a caça e a pesca artesanal, além da fabricação da rapadura e da farinha. A concessão das sesmarias5, e a conseqüente ocupação do espaço garantiram o alargamento das fronteiras do império português. Correa Filho (1946), afirma que as grandes quantidades de terras concedidas na região pantaneira tinham sua extensão relativamente diminuída em virtude do alagamento periódico de grande parte das propriedades. Para Castro (2001) as terras de sesmarias não deram origem somente a latifúndios, mas também se constituíram em terras de usufruto comum, com regras de acesso ligadas a relações de parentesco, inseridas em uma lógica econômica com códigos costumeiros bem definidos. Dessa forma, grande parte das terras do pantanal foram distribuídas com o parcelamento das antigas sesmarias em virtude das partilhas hereditárias e com a incorporação da região aos grandes projetos de desenvolvimento, a propriedade rural foi super valorizada. Conseqüentemente ocorreu um aumento dos conflitos fundiários, com a expulsão das comunidades humanas tradicionais para as áreas ribeirinhas. Este processo redundou na ampliação dos latifúndios no Pantanal, reduzindo as alternativas 5 A Sesmaria é um instituto jurídico português, a primeira Lei Sesmarial data de 26 de junho de 1375, durante o reinado do português D. Fernando. No Brasil as sesmarias eram propriedades que variavam muito em medida, podendo atingir de 3 a mais de 100 léguas de extensão. Considerando a abundância de terras na colônia brasileira, o rei de Portugal era bastante benevolente em suas concessões. O sistema sesmarial perdurou no Brasil até 17 de julho de 1822, quando a Resolução 76, atribuída a José Bonifácio de Andrade e Silva, pôs termo a esse regime de apropriação de terras. A partir daí a posse passou a campear livremente no país, estendendo-se essa situação até a promulgação da lei de terras, que reconheceu as sesmarias antigas, ratificou formalmente o regime das posses, e instituiu a compra como a única forma de obtenção de terras. 34 de subsistência dessa população, trazendo o empobrecimento e a dependência da pesca para a sobrevivência. Galeano (1990) analisando as conseqüências da expansão do latifúndio na América Latina afirma que em vez de absorver mão de obra, o latifúndio a expulsou e a expulsa: em quarenta anos, a proporção de trabalhadores do campo na América Latina caiu de 63% para 40%. Citando Maza Zavala, o autor enfatiza que o latifúndio multiplica os famintos, mas não os pães, assinalando que nunca faltarão burocratas dispostos a afirmar, aplicando mecanicamente receitas feitas, que isto é um índice de progresso: a urbanização acelerada, a migração maciça da população camponesa. Os desempregados, que o sistema vomita sem parar, afluem, de fato, para as cidades e ampliam seus subúrbios. Considerações Finais A perda das raízes e da identidade é muito ligada à perda de uma relação com o meio Ambiente. Jean Pierre Leroy. O pantaneiro representa uma grande porção da população brasileira, carinhosa, receptiva, acanhada, pacífica. Entre outras estas são algumas das características do pantaneiro que encontramos no cotidiano do mover das águas no pantanal. O pantaneiro assimilou hábitos indígenas, paraguaios, bolivianos e de outros povos que lá se estabeleceram, e da fusão de vários costumes e da convivência direta com a natureza, surgiu uma cultura típica, que se evidencia nas práticas econômicas, no folclore e na própria filosofia de vida do pantaneiro (MAGALHÃES, 1992). Compreendem os pescadores, vaqueiros, peões, capatazes, índios, garimpeiros, donos de fazendas. Diegues (2000) afirma que são fruto da miscigenação das tribos indígenas, colonizadores vindos do sudeste, e dos escravos negros. As atividades desses homens e mulheres são marcadas pelo contraste entre os períodos de estiagem e das cheias. Dentro deste trabalho consideraremos como Pantaneiro todo esse 35 conjunto de homens e mulheres que vivem no pantanal, porém, sem pretender esgotar as características possíveis, Pantaneiro Tradicional, para nós é somente aquele que tem seu modo de vida diferente do modo de vida imposto pelo mercado, que não lança mão da exploração da mão de obra alheia, que reconhece a importância da conservação da biodiversidade pantaneira, e que utiliza os modos sustentáveis de utilização dos bens ambiental. As comunidades tradicionais ribeirinhas da Bacia do Alto Paraguai vivem em um ambiente que é moldado pelo movimento das águas. Cada fase deste movimento – enchente, cheia, vazante e estiagem – tem suas características próprias e traz para aqueles que lá vivem um modo de pensar, sentir, olhar e agir único que, portanto, devem ser considerados quando políticas de manejo e conservação desta bacia são propostas (DA SILVA & SILVA, 1995). O pantaneiro considera o Pantanal o seu lar, seu espaço de descanso, de sobrevivência, por fim seu território, sendo o território entendido como o espaço de reprodução econômica das relações sociais, e também o locus das representações mentais e do imaginário mitológico dessas sociedades (DIEGUES e ARRUDA, 2001). Nessa acepção, os autores consideram que a íntima relação do homem com o meio e sua dependência maior com o mundo natural, comparada à do homem urbanoindustrial, faz que ciclos da natureza (a sazonalidade de recursos, a abundância nas rochas) sejam associados às explicações míticas ou religiosas. As representações simbólicas que essas populações fazem dos diversos habitats em que vivem, também dependem de um maior ou menor controle que dispõe sobre o meio físico. Dessa forma, a cultura pantaneira, chamada por Diegues (2002) de “cultura tradicional pantaneira”, se expressa através de diversos grupos locais, como peões de gado, os fazendeiros, os coureiros, os pescadores, os garimpeiros e os machadeiros. 36 Cabe assinalar que parte significativa dos povos que ocupam o Pantanal integra as comunidades tradicionais6. Nesse sentido Diegues (2000), comentando sobre os sistemas tradicionais de manejo praticados pelas comunidades tradicionais, exemplo das quais estão inseridos parte dos povos pantaneiros, não são somente formas de exploração econômica dos recursos naturais, mas revelam a existência de um complexo de conhecimentos adquiridos pela tradição herdada dos mais velhos, de mitos e símbolos que levam à manutenção e ao uso sustentado dos ecossistemas naturais. Destarte, essas comunidades desenvolveram um modelo de apropriação dos bens naturais diferente do modelo imposto hodiernamente pelo mercado. Eles desenvolveram técnicas de obtenção de alimentos e atendimento demais necessidades, de modo que a natureza não perca sua capacidade de resiliência 7. Leme da Silva & Begossi (2004) afirmam que algumas práticas baseadas no conhecimento ecológico tradicional são muito sofisticadas, manejam e respondem aos distúrbios, construindo a resiliência social e econômica da comunidade. Os povos e comunidades tradicionais vêm sendo estudados ao longo dos anos por pesquisadores das universidades presentes no estado. Estes estudos têm sido desenvolvidos desde a divulgação dos trabalhos de Da Silva & Silva (1995) analisando as estratégias de vida de pescadores e criadores de gado, no contexto do pulso de inundação. Verifica-se também no rio Cuiabá e no Pantanal, estudos de natureza etnobiológica contemplam ainda: relações ambientais e educativas no cotidiano da Comunidade Ribeirinha de Porto Brandão, Pantanal de Barão de Melgaço – MT (REIS, 1996); estudos com os pescadores tradicionais da comunidade de Estirão Comprido (PORTO, 1999); estudos etnoecológicos sobre a fauna e flora na Comunidade de 6 Ver a propósito, características dos Povos e Comunidades tradicionais, nas propostas de Diegues, nas seguintes obras: Ecologia Humana e Planejamento Costeiros 2 ed. (NUPAUB, 2001), Etnoconservação: novos rumos para a conservação da Natureza, organizador (NUPAUB e Hucitec, 2000), A Imagem das Águas, organizador (NUPAUB, 2000), Comunidades Tradicionais e Manejo dos Recursos naturais da Mata Atlântica, organizados em conjunto com o Prof. Virgílio Viana (NUPAUB , 2000) e em especial O Mito Moderno da Natureza Intocada, 3 ed. (NUPAUB e Hucitec, 2000). 7 Berkes et al (2000) conceituam resiliência como a capacidade de se reestruturar depois de um distúrbio; absorver o stress, internalizá-lo e transcendê-lo. 37 Miguel Velho – Santo Antônio de Leverger – MT (SILVA, 2001); percepção das mudanças naturais e antrópicas no sistema hídrico do Rio Cuiabá na comunidade de Sitio Santa Rita (SIMONI, 2004); análise de Stakeholder no Sistema de Baías Chacororé-Sía Mariana, caracterizando e identificando os principais grupos de interesse que operam neste sistema (SIMONI, 2004); e o estudo do Conhecimento Ecológico Tradicional da Pesca pela Comunidade Cuiabá Mirim – Barão de Melgaço, Pantanal Matogrossense, Mato Grosso (MORAIS, 2006). A região compreende de maneira direta treze municípios, estando quatro localizados no estado de Mato Grosso e nove localizados no Mato Grosso do Sul. Em 1980, a taxa média de urbanização dos treze municípios da região era de 60,4% passando a 73% no ano 2000. Nota-se que ocorreu uma duplicação da população entre os anos de 1980 e 2000, passando de 288.000 para 410.000 habitantes. Em 2000, ocorreu um deslocamento para áreas urbanas em quase todos os municípios. Somente Barão de Melgaço (MT) e Santo Antonio de Leverger (MT) contam com 52,7% e 64% de sua população residindo na área rural. Atualmente a base da economia esta alicerçada sobre cinco atividades: a pesca, agropecuária, Extrativismo e Caça, Industria, Mineração, Turismo. A atividade pesqueira no pantanal representa para a população local importante papel como fonte de renda e nutrição, embora sua participação média no valor bruto da produção agropecuária seja baixa. As estratégias de pesca variam de acordo com as espécies, período. Quanto ao conhecimento ecológico tradicional das estratégias de pesca, Morais (2006) estudando a Comunidade pantaneira de Cuiabá Mirim, identificou 21 estratégias de pesca no domínio cultural, no conhecimento dos pescadores da comunidade. Em uma abordagem da situação atual e perspectiva da pesca no Pantanal Catella (2004), enfatiza que a pesca é a atividade econômica mais importante para 81% 38 dos pescadores profissionais artesanais, os quais, em sua grande maioria aprenderam a pescar com o pai ou são de uma família de pescadores. Porém, o mesmo autor aborda que retratando a desilusão com a profissão, 48% dos pescadores gostariam de desenvolver outra atividade no lugar da pesca, alegando vários motivos como ganhar mais, poder ficar mais tempo perto de casa ou porque “a pesca está ruim”. Por outro lado, aproximadamente 42% dos pescadores preferem continuar na profissional, alegando que gostam de pescar, e que essa é uma tradição familiar. Diegues (2002) propõe que para o desenvolvimento da pesca no Mato Grosso, aponta-se o direcionamento no sentido de promover o fortalecimento da pesca artesanal, juntamente com a necessidade da melhoria da fiscalização na utilização dos recursos pesqueiros. Com respeito à agropecuária, a pecuária de corte é uma atividade que acompanhou o homem colonizador na ocupação do território, sendo a bovinocultura a mais importante, seguida pela suinocultura e a criação, em caráter experimental, de bubalinos em Diamantino e Corumbá. O regime de criação se dá em sua maioria, nas pastagens naturais na modalidade extensiva, sendo este o uso tradicional da região. Em geral, a pecuária nessa região não apresenta tratos culturais específicos, ocasionando degradação do solo, principalmente erosão e compactação, além de incêndios, queimadas e desmatamentos para estabelecimento de pastagens. Na agricultura, apesar do pequeno número de cultivos, devido principalmente às enchentes periódicas e aos solos pouco férteis, predomina o arroz, seguido do milho, que é produzido isolado ou associado ao feijão. O extrativismo incide sobre algumas espécies de maior interesse, destacando-se a cerejeira, o angico e a piuva ou castel. Quanto à caça, os órgãos ambientais estaduais e federais do meio ambiente e organizações não governamentais, estão envolvidos no processo de legalização, licenciamento e controle da fauna. A fiscalização precária associada ao desconhecimento da legislação e à falta de sensibilização sobre a valor ambiental da região, permitem que atividades predatórias 39 como a pesca e a caça ilegais sejam uma ameaça, exercendo grande pressão sobre a fauna, principalmente nos períodos reprodutivos. Quanto às atividades mineradoras, a descoberta do ouro marcou o inicio das atividades deste setor; além de gerarem forte impacto visual, causam assoreamento e modificam a trajetória dos corpos d’água, contaminando as bacias com dejetos de diferentes origens e intensificando processos erosivos, com conseqüente descaracterização da paisagem. Diegues (2002) afirma que nos últimos anos, a mineração tem se tornado um fator sério de ameaças às áreas úmidas brasileiras. O autor afirma que o garimpo do ouro (associado muitas vezes ao do diamante), é ainda comum no norte do Pantanal e tem temíveis conseqüências tanto ao ser humano quanto as pastagens. A indústria do turismo, atividade crescente tanto no Pantanal como também em toda a Bacia do Alto Paraguai (BAP), apesar da grande potencialidade como fonte de trabalho e renda, ainda não possui infra-estrutura adequada para oferecer um serviço de qualidade, com segurança aos visitantes e conservação da biodiversidade pantaneira. Dados da EMBRAPA Pantanal demonstram que a remoção da vegetação, principalmente nos planaltos onde se situam as nascentes dos rios que formam o Pantanal, tem acelerado a destruição dos habitats, sendo a principal causa do assoreamento dos rios na planície e da intensificação das inundações. O clima da região sofre alterações, ocasionando o êxodo rural das populações residentes nas áreas mais afetadas. No que tange à diversidade da Biota pantaneira8 estima-se que existem pelo menos 3.500 espécies de plantas, 463 de aves, 124 de mamíferos, 177 de répteis, 41 de anfíbios e 325 espécies de peixes de água doce. Esses dados refletem apenas uma 8 Dados extraídos da Conservação Internacional do Brasil, http://www.conservation.org.br/onde/pantanal/ em 02/01/2008. 40 visão geral da biodiversidade ainda pouco estudada deste patrimônio natural, que sem dúvida nenhuma agrega além de riquezas cênicas e ecológicas, possui também um colossal e importante banco de dados para a industria farmacêutica do Brasil. Como se demonstrará no próximo capítulo o Pantanal tem recebido títulos dos organismos internacionais, tendo em vista sua singularidade ecológica e sócioambiental. No que tange a riqueza da biodiversidade, a conservação deste bioma depende da efetivação de políticas públicas que surjam a partir das aspirações locais. Importa salientar também que a presença efetiva do Estado através do comando e controle e por intermédio de políticas públicas sociais e educacionais, sem dúvida resultará na efetiva proteção da região. 41 Referência Bibliográfica AB’SABER, A. O domínio dos cerrados: introdução ao conhecimento. Brasília: Revista do Serv. Público, n.111, p.41-55. 1983. ___________, O pantanal mato-grossense e a teoria dos refúgios. Rio de Janeiro: Revista Brasileira de Geografia, , v. 50, n. esp., p. 9-57, 1988. ADÁMOLI, J O Pantanal e suas relações fitogeográficas com os cerrados: discussão sobre o conceito “Complexo do Pantanal”. In: CONGRESSO NACIONAL DE BOTÂNICA, 32., 1981, Teresina. Anais... Teresina: Sociedade Botânica do Brasil, 1982. p.109-119. ADÁMOLI, J. A dinâmica das inundações no Pantanal . In: Simpósio Sobre Recursos Naturais e Sócio-Econômicos do PantanaL,1., 1984, Corumbá, MS Anais Brasília: EMBRAPA-DDT, 1986 a. p .51-61. (EMBRAPA-CPAP. Documentos, 5). ALHO, C.J.R. LACHER, T.E. 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Resumo: O objetivo deste trabalho é contextualizar de forma panorâmica, as fases em que o direito pátrio foi erigido, assim como demonstrar a evolução da legislação protetiva do meio ambiente, em especial a aplicada à Proteção e Gestão do Pantanal de Mato Grosso. O Pantanal é uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta e está localizado no centro da América do Sul, na bacia hidrográfica do Alto Paraguai. Sua área é de 138.183 km², com 65% de seu território no estado de Mato Grosso do Sul e 35% no Mato Grosso. O texto foi elaborado com base no arrolamento de dados oriundos de documentos legais e do levantamento bibliográfico. Foi observado que apesar da grande número de dispositivos legais, oriundos da Constituição Federal hodierna; das convenções internacionais; das resoluções e deliberações provenientes de comissões e conselhos federais; das decisões dos tribunais; da legislação federal e estadual, pode ser verificado que este aparato não é suficiente para proteger este patrimônio nacional. Verifica-se ainda que além da necessidade imediata da implementação da Legislação Estadual aprovada no Legislativo Estadual, Lei 8830 de 21/01/08, uma legislação federal específica do Pantanal daria maior efetividade e aplicabilidade ao dispositivo constitucional que reconhece o Pantanal Mato-Grossense como “patrimônio nacional”. Palavras-chave: Pantanal de Mato Grosso; Legislação Ambiental; patrimônio natural. Abstract: The objective of this work is to contextualise in a panoramic form, the phases where the native right was erected, as well as demonstrating the evolution of the environmental protective legislation, in special the legislation applied to the Protection and Management of the Pantanal of Mato Grosso. The Pantanal is one of the biggest continuous humid extensions of the planet and is located in the center of the South America, in the hydrographic basin of Alto Paraguai. Its area is of 138.183 km², with 65% of its territory in the state of Mato Grosso do Sul and 35% in the Mato Grosso. The text was elaborated from the enrollment of secondary data of legal documents and a bibliographical survey. It was observed that in spite of the great number of legal devices, deriving of the current Federal Constitution; the international conventions; of the resolutions and deliberations proceeding from federal commissions and advice; of the decisions of the courts; of the federal and state legislation, it can be verified that this apparatus is not enough to protect this natural inheritage. It is still verified that beyond the immediate necessity of the implementation of the State legislation that was approved in Legislative the State, The Law 8830 of 21/01/08, a specific federal legislation of the Pantanal would give to greater effectiveness and applicability to the constitutional device that recognizes the Pantanal MatoGrossense as "natural inheritage". Key words: Pantanal of Mato Grosso; Environmental Legislation, natural inheritage. 9 AGUIAR, A. R. R. O que é Justiça. Uma abordagem Dialética. 2ª ed. Ed. Alfa-Omega, São Paulo, 1987. 46 Introdução Tendo em vista a importância social, ecológica, e econômica o Pantanal tem recebido importantes títulos da comunidade internacional. Neste sentido a necessidade da regulamentação das atividades a serem empreendidas na região se acentua à medida que o avanço do agronegócio estimula a ocupação indiscriminada tanto da área alagável quando das áreas do entorno do Bioma. Para tanto, só é possível compreender sensatamente os motivos pelos quais as estruturas de Mercado influenciam diretamente implementação das Políticas Públicas nacionais, a partir de uma revisão histórica de como os marcos regulatórios foram instituídos no Brasil. E é com esse objetivo que este texto apresenta de forma panorâmica, as fases em que o direito pátrio foi erigido, assim como o processo de evolução da legislação protetiva do meio ambiente. Neste capítulo também são apresentados os aspectos jurídicos relativos à proteção internacional do Pantanal de Mato Grosso bem como as principais normas federais (em vigor e em tramitação) além das leis mato-grossenses voltadas para a gestão e proteção do Pantanal em Mato Grosso. 2.1 - A Construção dos Marcos Regulatórios no Brasil: Um breve relato. Para compreender a construção dos marcos regulatórios do Brasil, a partir de uma perspectiva crítica10, faz-se necessário primeiramente ter presentes as grandes fases da história pátria, que Montoro (2000) assim a divide: a) aproximadamente trezentos anos de Colônia de Portugal (1500 a 1815) e pouco mais de seis anos de 10 Para Zart (2004) a teoria crítica penetra nas entranhas das contradições sociais existentes tirando delas os projetos que se caracterizam pelas configurações e formações sociais e econômicas distintas. Dentro dessa perspectiva, temos a afirmação, da necessidade e possibilidade de transformação dos processos, estruturas e relações que englobam o conhecimento e a sociedade. Referindo-se a educação ambiental o autor continua pontuando que a abordagem critica é uma proposição cultural, filosófica e educacional que tem como horizonte a contínua e constante transformação e superação dos modelos e dos paradigmas existentes. 47 Reino Unido de Portugal, do Brasil e dos Algarves; b) setenta e sete anos de Monarquia Constitucional Parlamentarista (1822-1889); c) quarenta anos de República Federativa e Presidencialista, de inspiração liberal (1891 – 1930); d) mais de cinqüenta anos de experiências revolucionárias e constitucionais com marchas e contramarchas, marcadas pela tomada de consciência do desenvolvimento nacional. Dentro desta abordagem histórica, a expressão “descobrimento” do Brasil não é utilizada, tendo em vista estar carregada de eurocentrismo, além de desconsiderar a existência dos índios antes da chegada dos portugueses. Assim sendo, parece ser mais sensato considerar que o que ocorreu foi a “invasão” dos portugueses nas terras brasileiras. Este fato, pelo menos oficialmente, ocorreu em 22 de abril de 1500, data que inaugura a fase pré-colonial. Neste sentido, além dos Índios que já estavam aqui, também contribuíram com a formação da identidade nacional os negros brutalmente trazidos para serem escravos nas fazendas e engenhos. Tanto índios11, brancos e negros12 e tiveram sua contribuição na formação da cultura13 brasileira, refletindo-se isso na instituição do direito pátrio, todavia é importante ressaltar que foram os brancos portugueses que impuseram, em especial no período colonial, seu arcabouço jurídico. Destarte, Cristiani (2002) afirma que os elementos formadores da cultura em geral, e do direito especificamente, no Brasil Colonial, tiveram origem em três etnias ou raças distintas. O autor continua afirmando que é evidente que essa formação não foi uma justaposição em que as condições particulares de cada raça tenha sido respeitadas. Antes, foi uma imposição dos padrões dos portugueses brancos aos índios e aos negros. 11 Para saber mais, consultar COLAÇO, Thais Luzia. O direito indígena pré-colonial. In Wolkmer, Antonio Carlos. Direito e Justiça na América Indígena, da conquista a colonização. Porto Alegre: Liv. do advogado, 1998, pg. 111 – 142. 12 Verificar WOLKMER, Antonio Carlos. O direito na época do Brasil colonial. In História do Direito no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2000. pg. 34-91. 13 GEERTZ (1989) afirma que a cultura é pensada como sistema simbólico, claramente possível pelo isolamento histórico de grupos humanos, expressa as relações próprias da comunidade, passando por gerações, até caracterizar-se por um sistema integrado de ações conjuntas, identificadas por sua ideologia, crenças, expressões, formas de ser e estar. 48 Para o jushistoriador pátrio Martins Junior (1941) os três grupos que compuseram inicialmente nacionalidade brasileira foram – os portugueses, os negros e os indígenas – apenas os primeiros, possuidores de uma legislação ampla e codificada, trouxeram, nas palavras do autor “contribuição positiva para nosso direito”. Cabe enfatizar que existiu um direito indígena pré-colonial. Apesar das divergências doutrinárias, as comunidades aqui encontradas pelos portugueses possuíam um direito consuetudinário de regulação do convívio social. Sobre a divergência doutrinária Colaço (1998) assinala que a questão da existência ou não de um ordenamento jurídico nos chamados povos ágrafos foi uma discussão que se estendeu a este século. Associava-se sempre o Direito à figura do Estado e da sua codificação escrita. A autora afirma que era muito difícil, à maioria dos juristas conceber outras formas de direito, senão aquela já consagrada pelo modelo ocidental. É importante notar que desde a época do descobrimento da América, partindo-se de uma visão etnocêntrica, não se admitia qualquer manifestação religiosa, regras de convívio social e liderança entre índios americanos. A crença na superioridade e na onipotência do modelo da sociedade cristã ocidental não permitia aos europeus perceber outra verdade. Defendendo a idéia da existência de um direito entre as sociedades sem escrita, Wolkmer (1996) afirma que: “Toda cultura tem um aspecto normativo, cabendo-lhe delimitar a existencialidade de padrões, regras e valores que institucionalizam modelos de conduta (...), o autor afirma que na maioria das sociedades remotas, a lei é considerada como parte nuclear de controle social, elemento material para prevenir, remediar ou castigar os desvios das regras prescritas. A lei expressa a presença de um direito ordenado na tradição e nas práticas costumeiras que mantém a coesão do grupo social”. A construção dos Marcos Regulatórios no Brasil representa uma importante parte da narração da história do país, tendo em vista revelar como os processos de exclusão 49 são remotos e que desde cedo foram institucionalizados. E essa afirmação também se aplica aos regulamentos ambientais. Diferentemente de outras civilizações, a brasileira não foi oportunizada a construir seu próprio delineamento jurídico. Machado Neto (1979) afirma que o direito como cultura brasileira, em seu conjunto, não foi obra da evolução gradual e milenária de uma experiência grupal, como ocorre com o direito dos povos antigos, tais como o grego, o assírio, o germânico, o celta e o eslavo. Safatle e Pardine (2005) enfatizam que a sociedade Brasileira está acostumada a crescer sem assimilar o “pessoal de baixo”. O fato de o país ter sido invadido não oportunizou aos pátrios construírem a partir de cotidiano e da práxis as primeiras leis, como bem enfatiza Cristiani (2002) com a devida precaução, salvo exceções que confirmam a regra, foi uma vontade monolítica imposta que formou as bases culturais e jurídicas do Brasil colonial. Assim, do ponto de vista constitucional, é correto afirmar que os contextos econômicos, ideológicos, sociais e políticos das classes dominantes do Brasil de cada época, estão refletidos nas linhas e entrelinhas das cartas magnas. Nesse sentido a primeira constituição foi marcada pela arbitrariedade, sendo outorgada, ou seja, imposta verticalmente, para atender os interesses do partido português, que desde o início do processo de independência política, parecia destinado ao desaparecimento. Ela representava não só os interesses do imperador, mas também, como pontua Lucas (1959) os interesses dos grandes proprietários de terras, dos senhores de engenho e dos latifundiários, que receberam o novo Direito como uma dádiva, sem qualquer sacrifício de sua parte para conquistá-lo. Outra característica desta constituição foi à exclusão das camadas populares do texto legal, todavia isto justifica- se pelo estreito relacionamento entre a propriedade privada e o poder político e econômico, uma vez que, elaborada e discutida somente no interior da classe política dominante, da qual faziam parte, os latifundiários de então. 50 Com a proclamação da República, os interesses dos latifundiários continuaram resguardados; assim, a constituição de 1891 embora garantisse alguns avanços políticos, também apresentava algumas limitações pois seguia representando os interesses das elites agrárias do país. Nesse diapasão, contextualizando as bases da formação do pensamento jurídico brasileiro e conseqüentemente o Constitucionalismo, Wolkmer (2007) afirma que em sua primeira fase política (representado pelas constituições de 1824 e 1891), quer em sua etapa social posterior (Constituição de 1934), o Constitucionalismo expressou muito mais os intentos de regulamentação das elites agrárias locais do que propriamente a autenticidade de movimento nascido das lutas populares por cidadania. Pontua ainda que as demais constituições brasileiras (as autoritárias de 1937, 1967 e 1969, como a liberal burguesa, com certos matizes mais sociais de 1946) representavam sempre um Constitucionalismo de base não democrática (no sentido popular), sem a plenitude da participação do povo, utilizado muito mais como instrumental retórico oficializante de uma legalidade individualista, formalista e programática. A nova Constituição brasileira, de 1988 ampliou a afirmação dos direitos fundamentais e os meios para sua defesa. A par disso estabeleceu novas possibilidades de participação política do povo, o que poderá ser de muita importância se o povo for sensibilizado para a efetiva utilização dos novos mecanismos de interferência e controle políticos. Por fim a evolução do Direito Público, caracterizado, nessa incursão, basicamente pela produção jurídica engendrada pelas constituições do Brasil, foi marcada ideologicamente por uma perspectiva de nítido perfil liberal-conservador, que no ensinamento de Wolkmer: Sempre foi calcada numa lógica de ação atravessada por temas muitos relevantes para as elites hegemônicas (...), para este autor: “O processo histórico nacional evidencia que as instâncias do Direito Público jamais foram resultantes de uma sociedade democrática e de uma cidadania participativa, pois a evolução destas foi fragmentária, ambígua e 51 individualistas(...) o Constitucionalismo brasileiro nunca deixou de ser, na trajetória de nosso republicanismo, ocontinuo produto da conciliação compromisso entre patrimonialismo autoritário modernizante e o liberalismo burguês conservador”. 2.2 Evolução da proteção jurídica do meio ambiente no Brasil. Ann Helen Wainer (1999) discorre sobre a evolução histórica da legislação ambiental, assinalando as primeiras formulações legislativas disciplinadoras do meio ambiente vão ser encontradas na legislação portuguesa (Ordenações Afonsinas). Milaré (2004) considera que: “Essas ordenações constituíram o primeiro Código Legal Europeu, e nelas já se encontravam algumas referencias que denotavam a preocupação com o meio ambiente, como a tipificação do corte de arvores de fruto como crime de injuria ao rei”. É importante notar que, acima dos interesses ambientais, propriamente ditos, havia maior preocupação com a propriedade da nobreza e da Coroa. Já a partir das Ordenações Manoelinas, proibiu-se a caça de certos animais (perdizes, lebres e coelhos) com instrumentos capazes de causar-lhes a morte com dor e sofrimento; coíbe-se a comercialização de colméias sem a preservação da vida das abelhas e se mantém tipificado como crime o corte de arvores frutíferas, agora punindo o infrator com o degredo para o Brasil quando a arvore abatida tivesse valor superior a trinta cruzados. Nas Ordenações Filipinas, surge o conceito de poluição, vedando a qualquer pessoa jogar material que pudesse matar os peixes e sua criação ou sujar as águas dos rios e das lagoas. A tipificação do corte de arvores de fruto como crime é reiterada, prevendo-se para o infrator o cumprimento de pena de degredo definitivo para o Brasil. Também nas Ordenações Filipinas constava à proibição da pesca com determinados instrumentos em certos locais e épocas estipuladas. Milaré (2003) considera que toda essa legislação, antiga, complexa, esparsa e inadequada, deixava imune (se é que não o incentivava) o esbulho do patrimônio 52 natural, despojado do seu caráter de bem comum e tratado ignominiosamente como propriedade privada, gerido e explorado sem escrúpulos, com discricionariedade acima de qualquer legislação coerente, de qualquer interesse maior. Em 12 de dezembro de 1605, foi editada a primeira lei protecionista florestal brasileira, o “Regimento sobre o Pau Brasil”, sendo que a partir de então, a preocupação com o desmatamento é uma constante, e, mesmo no curto período de domínio holandês, se produziu farta legislação ambiental, a exemplo da proibição do corte do cajueiro, questões relativas à poluição, caça, etc. Wainer afirma que os holandeses, quando de posse do poder realizaram uma vasta contribuição na esfera jurídica ambiental. Se preocuparam com a monocultura, com a fome que assolava o Nordeste. Houve a proibição do lançamento do bagaço da cana-de-açúcar no leito dos rios e lagos, da pesca e caça predatória. Legislaram sobre a proteção da água e a implementação do plantio da mandioca. Contudo, a idéia de proteção ao bem público surge apenas no século XVII através do Regulamento datado de 23-01-1677, que estabelecia que as terras improdutivas poderiam ser despojadas de seu detentor, a fim de evitar o dano ao bem público. Observa-se que a preocupação com a extração de madeira e o desmatamento intensificou-se a partir do século XVIII. Em 1802, com a instituição do Reino, foi editado um alvará que transferia e concentrava no Intendente Geral das Minas Gerais a administração das matas e bosques da Colônia. Em meados do mesmo ano houve a primeira instrução para reflorestamento da costa brasileira pelo Intendente Geral da Colônia, José Bonifácio de Andrada e Silva. Na realidade toda essa legislação historicamente construída no sentido de “proteger” os recursos naturais visava pura e simplesmente garantir a soberania da metrópole sobre a colônia e posteriormente, os interesses da família real e da elite agrária do novo país. Para tanto, só eram punidos os delitos que atingissem a Coroa ou 53 os interesses fundiários das classes dominantes. A defesa do patrimônio comum, como conhecemos hoje, era inimaginável. Também Freitas (1998) enfatiza que: “No período colonial e durante o Império (1500/1889), a legislação aplicada ao Brasil pela corte Portuguesa e pela Monarquia não teve a preocupação da conservação, pois as cartas régias, alvarás e atos similares visavam a defender apenas os interesses econômicos do governo, como foi, o caso do pau-brasil”. O mencionado autor destaca que após a Proclamação da República a proteção jurídica do meio ambiente no Brasil apresenta três períodos bem delimitados: a) período da evolução do Direito Ambiental, de 1889 a 1981; b) Período de consolidação do Direito Ambiental, de 1981 a 1988; c) Período de aperfeiçoamento de Direito Ambiental, a partir de 1988, com o advento da Constituição Federal. Cotidianamente podem ser verificados pelo menos quatro marcos importantes da história recente do ordenamento jurídico na busca de respostas ao clamor social pela imperiosa tutela do ambiente. Os quais estão demonstrados na Tabela 02. Tabela 02 – Marcos Legais de Proteção do meio ambiente no Brasil14 MARCOS REFENRÊNCIAIS Lei 6.938 – 31/08/1981 – Lei da Política Nacional do Meio Ambiente. COMENTÁRIOS Instituiu o Sistema Nacional de Meio Ambiente; trouxe para o mundo do Direito o conceito de Meio Ambiente como objeto específico de proteção em seus múltiplos aspectos; estabeleceu a obrigação do poluidor de reparar os danos causados, de acordo com a responsabilidade objetiva. Lei 7.347 de 24/07/1985 - Disciplinou a Ação Civil Pública como instrumento Lei da Ação Civil Publica. processual específico para a defesa do ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Constituição Federal de Dedicou um capítulo próprio para ao Meio ambiente; na 1988. esteira da Carta magna, vieram as constituições estaduais e também as leis orgânicas municipais. Lei 9.605 de 12/02/1988 – Dispõe sobre as sanções penais e administrativas Lei dos Crimes Ambientais. aplicáveis á condutas e atividades lesivas ao meio ambiente; Inclui a pessoa jurídica como sujeito ativo do crime ambiental. 14 MILARÉ, E. Direito do ambiente. 3 ed. Ver. Atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003 54 2.3 - A Proteção Jurídica do Pantanal de Mato Grosso. Dada a singularidade e importância do Pantanal de Mato Grosso e sua proteção jurídica tem sido buscada tanto no plano internacional, como também internamente (Esfera Federal) incluindo o aparato na esfera estadual. A partir deste ponto do trabalho estão relacionados os principais documentos internacionais relacionados com a proteção do Pantanal mato-grossense, bem como as normas federais pertinentes e a legislação do Estado de Mato Grosso que avançou na tutela desse patrimônio nacional. 2.3.1 Documentos internacionais aplicáveis à proteção do Pantanal de Mato Grosso. A perspectiva de tutela internacional dos bens ambientais torna-se a cada dia uma frente crescente de estudos. A transnacionalidade dos bens ambientais fundamenta a necessidade emergente de proteção dos biomas mundiais. Essa visão deve ser embasada no pensamento holístico15 onde as inter-relações, sejam entre povos ou Estados, orientem um horizonte capilarizado de busca do saber, a partir de onde devem surgir os marcos regulatórios ambientais. No que diz respeito ao direito ambiental internacional Morais (2001) enfatiza que o tema Meio Ambiente (da mesma forma como aconteceu com as Ciências Ambientais, que são eminentemente interdisciplinares) contribuiu para a globalização do Direito Internacional, ao permitir-lhe, como raríssimas vezes antes se tinham observado na história, uma intrusão na esfera dos assuntos tradicionalmente reservados, com exclusividade, à regulamentação interna dos Estados. 15 Para Capra (2002) o termo "holístico", do grego "holos", "totalidade", refere-se a uma compreensão da realidade em função de totalidades integradas cujas propriedades não podem ser reduzidas a unidades menores. 55 Por sua própria natureza, o meio ambiente é um tema de tende a desprezar fronteiras jurídica-política dos Estados; assim, as normas internas dos Estados tendem a conformar-se com exigências e padrões internacionais. Portanto, a comunidade internacional deve sem sombra de dúvidas, ter as matérias ambientais, como tema transversal que permeie todas as discussões, sejam elas locais ou multilaterais, econômicas, sociais, políticas. Estados Nacionais, em especial os subdesenvolvidos devem urgentemente, legislar sobre o Meio Ambiente, e buscar implementar ações junto à comunidade internacional no sentido de conservarem sua biodiversidade doméstica. Dentro deste contexto Milaré (2003) afirma que a questão ambiental tem um papel de relevo não apenas pela necessidade de preservar o Planeta, mas também pela sua característica global, já que os efeitos provocados pela degradação do meio ambiente extravasam os limites territoriais de um único país, alcançando dimensões regionais, internacionais ou até mesmo planetárias. O Professor Geraldo E. do Nascimento Silva no preâmbulo de sua obra 16 afirma que é difícil identificar quais os principais acontecimentos que influíram no direito internacional. No entanto, o autor afirma que embora alguns tenham sido mais espetaculares quando apreciados sob um prisma político internacional “cabe aqui tentar pôr em relevo os que tenham, de uma maneira ou de outra, influenciado efetivamente a matéria” assinalando: “Parece-nos que é novamente no campo ambiental e dos direitos humanos que encontraremos fatores que exerceram esse papel. A proteção do meio ambiente passou a ser uma das grandes preocupações da comunidade internacional, não só na área governamental, mas também entre todos os habitantes da Terra. A Conferência do Rio de Janeiro de 1992 exerceu essa salutar influência, e multiplicam-se os tratados sobre todos os aspectos ambientais, tanto assim que se calculam em mais de mil os tratados internacionais assinados”. 16 Manual de Direito Internacional Público, 14ª edição, Editora Saraiva 2000. 56 A preocupação global que tem acentuado as discussões ambientais planetárias vem impondo no entendimento de Vieira (2002) a negociação política entre países desenvolvidos17 e em desenvolvimento, com necessidades diferentes que devem ser compatibilizadas, no interesse da sobrevivência de uma verdadeira Sociedade Internacional. No que se refere à temática ambiental cabe destacar a divulgação, no início da década de setenta, do relatório The Limits of Growth 18 (Os Limites do Crescimento) elaborado por estudiosos do Machachussets Institute of Tecnology – MIT, e que constituiu o primeiro grande alerta a cerca do estado do Planeta e dos terríveis prognósticos para o futuro, chamando a atenção de toda a comunidade internacional sobre a necessidade real de proteção dos bens ambientais. A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Humano (Conferência de Estocolmo, 1972), foi à primeira conferência temática que resultou na “Declaração sobre o Meio Ambiente Humano”, contendo uma série de princípios de comportamento e responsabilidade, e no “Plano de Ação”, convocando os stakeholders internacionais (Estados, iniciativa privada e organizações não governamentais) a cooperarem na busca de soluções para os problemas ambientais. A partir desta Conferência, diversos países criaram agências responsáveis pela administração da questão ambiental e 17 Os países desenvolvidos ao longo da história têm escravizado as nações em desenvolvimento, sua confiança de que a tecnologia sempre trará respostas, e soluções a seus problemas, parece ser a faceta mais terrível da pós-modernidade. Para Capra (2002) a manifestação suprema dessa obsessão pela alta tecnologia é a fantasia amplamente alimentada de que os problemas atuais podem ser resolvidos pela criação de habitais artificiais no espaço exterior. “Não exclue a possibilidade de que tais colônias espaciais possam vir a ser construídas um dia, se bem que, pelo que tenho visto dos planos existentes e da mentalidade que os inspira, eu certamente não gostaria de viver lá. Entretanto, a falácia básica dessa idéia não é tecnológica; é a crença ingênua de que a tecnologia espacial pode resolver a crise social e cultural neste planeta”. Ainda José Graziano da Silva, apud Safatle e Pardine (2005) pontua que se a tecnologia mais moderna utilizada hoje, fosse disseminada para todas as regiões produtoras do País, a demanda de força de trabalho agrícola sofreria redução de 70%. 18 Veja: MEADOWS, D. L. et. al. (1972). Limites do Crescimento – Um relatório para o Projeto do Clube de Roma sobre o dilema da humanidade. São Paulo, Perspectiva. Para conhecer as também as criticas ao Clube de Roma verificar: SOLOW, R, M. “Is the end of the world at hand?” Challenge, 16, March-april, pp. 39-50. 1973. __________”The economics of recurces or tue resources of economics” American Economic Review, 64, May, pp. 1-14. 57 implementação de um arcabouço legal e normativo (MCCORMICK, 1992). A Conferência de Estocolmo incluiu em seu extenso temário o crescimento populacional, a necessidade de crescimento econômico, principalmente das nações em desenvolvimento, e a conservação do meio ambiente, trazendo uma nova percepção sobre os recursos naturais. Já em 1974 houve a Declaração de Cocoyok, resultado de uma reunião da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio-Desenvolvimento) e do UNEP (Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas) afirmando ser a pobreza a causa da explosão demográfica, a qual também gerava a destruição dos recursos naturais. Além disso, afirmava que os países industrializados engendram os problemas do subdesenvolvimento pelo nível exagerado de consumo. Já em 1975 a ONU participa da elaboração de outro relatório o de DagHammarskjöld, complementando o de Cocoyok, afirmava que as potências coloniais concentraram as melhores terras das colônias nas mãos de uma minoria, forçando a população pobre a usar outros solos, promovendo a devastação ambiental. Em continuidade, foi lançado em 1987 o relatório “Nosso Futuro Comum” também denominado Relatório Brundtland que trouxe consigo o conceito de desenvolvimento sustentável e uma nova abordagem para o meio ambiente. Para Assad & Perreira (1998), este relatório deslocou as discussões para uma abordagem mais sistêmica. Esse incluiu discussões sobre perda da biodiversidade, valoração econômica dos recursos naturais, índices de poluição e seus impactos além das fronteiras nacionais, diminuição da camada de ozônio, e contaminação do meio ambiente. Também é importante pontuarmos que foi ano de 1987 o estabelecimento do Protocolo de Montreal para a proteção da camada de ozônio. Nobre (1999) afirma que este foi o primeiro protocolo ambiental de caráter inteiramente “global”. Em junho de 1992 reuniam-se no Rio de Janeiro mais de 35 mil pessoas, entre elas 106 chefes governos, para participar da conferência da ONU sobre o Meio 58 Ambiente e desenvolvimento (UNCED). A ECO-92, Rio-92, Cúpula ou Cimeira da Terra ocorreu entre 03 e 14 de junho de 1992. O seu objetivo principal era buscar meios de conciliar o desenvolvimento sócio-econômico com a conservação e proteção dos ecossistemas da Terra. Como produto dessa Conferência foram assinados 05 documentos: Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Agenda 21, os Princípios para a Administração Sustentável das Florestas, a Convenção da Biodiversidade e a Convenção sobre Mudança do Clima, que se somam aos tratados anteriormente assinados e que guardam também relação com o Pantanal de Mato Grosso. Entre as convenções e os títulos internacionais, é importante destacar os que estão diretamente relacionadas ao Pantanal. A Convenção sobre Zonas Úmidas – conhecida como “Convenção de Ramsar”, devido à cidade onde foi adotada em 1971, no Irã – é um tratado intergovernamental que busca a cooperação para a conservação e o uso racional das zonas úmidas. Os maiores objetivos da Convenção são evitar a perda das zonas úmidas e promover a sua conservação, reconhecendo suas funções ecológicas fundamentais e seu valor econômico, cultural, científico e recreativo. O Brasil é considerado o 4º país do mundo em superfície na Lista Ramsar, com oito Zonas Úmidas consideradas Sítios de Importância Internacional (Sítios Ramsar) com área de 6.456.896 ha19. Além disso, o Pantanal, recebeu dois títulos da UNESCO: o de Reserva da Biosfera e o de Patrimônio Natural da Humanidade. O Programa da UNESCO “Homem e a Biosfera”- MAB reconhece as áreas protegidas como um componente importante no desenho e no manejo das Reservas da Biosfera e também como uma importante ferramenta para a difusão de alternativas de desenvolvimento sustentável. Por meio da implementação do conceito de Reservas da 19 Site do Ministério do Meio Ambiente – consultado em 20/01/2008. 59 Biosfera, o programa fornece uma estrutura internacional para: (a) conservar a diversidade natural e cultural; (b) promover modelos de uso do solo e abordagens de desenvolvimento sustentável; (c) aperfeiçoar o conhecimento e a interação entre as áreas humanas e das ciências por meio da pesquisa, monitoramento, educação e treinamento. No Brasil são consideradas Reservas da Biosfera: a Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo, da Mata Atlântica, do Cerrado, do Pantanal, da Caatinga, da Amazônia Central e da Serra do Espinhaço. A atribuição do título de Patrimônio Natural da Humanidade é importante para estimular a preservação dos 135 mil hectares do Parque Nacional do Pantanal, o qual foi criado em 27 de setembro de 1981. Ao mesmo tempo, objetiva, pelo menos teoricamente facilitar o acesso a linhas de crédito oferecidas por programas internacionais. Apesar dos importantes esforços empreendidos em torno das questões ambientais, a nível internacional, em especial no que tange a proteção do Pantanal, na prática, o que se observa é que os países subdesenvolvidos, detentores da maior parte da biodiversidade planetária, têm estado à mercê das deliberações arbitrárias das organizações internacionais, que unilateralmente tomam decisões locais sem a participação de seus pátrios. Parece pertinente lançar mão da argumentação do professor Wolkmer (2002), que insiste em afirmar que o direito assim como se apresenta não é o resultado da vontade nacional, e sim daqueles que dominam material e ideologicamente a sociedade. 2.3.2 A Proteção do Pantanal na legislação federal A legislação pátria não possui um marco regulatório específico sobre a conservação do Pantanal. O que existe são dispositivos legais federais esparsos que regulamentam atividades no Bioma. 60 Reza a Constituição Federal de 1998: Art. 225, § 4º. “A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Matogrossense e a Zona Costeira são Patrimônio Nacional, e sua utilização farse-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”. A falta de interesse político da Bancada que representa os Estados em que o Pantanal está presente e a força política no Congresso Nacional dos representes das outras regiões (Sul e Sudeste) possivelmente sejam os dois principais motivos que fundamentam a ausência do marco regulatório Federal específico sobre o Pantanal. No que toca ao dispositivo constitucional supra citado, não há entre os doutrinadores um aprofundamento sobre o alcance da expressão “patrimônio nacional”, e suas conseqüências jurídicas. Para alguns doutrinadores a proteção judicial das áreas de patrimônio nacional deve se dar necessariamente na esfera da justiça federal. A guiza de exemplo ao apreciar recurso de apelação em processo judicial relativo à Mata Atlântica, o Tribunal Regional Federal da 3 a Região, em São Paulo, reconheceu que o fato da Mata Atlântica ser considerada, pela Constituição Federal, como “patrimônio nacional”, determina a competência da Justiça Federal para julgar tais processos, conforme consignado na ementa: Ementa (parcial)20: Compete ao Tribunal Regional Federal o julgamento do presente recurso, tendo em vista a evidente lesão à bem e interesse da União, tendo em vista que o município de Miracatu, onde estava sendo transportado o palmito, situa-se na região do Vale do Ribeira, em meio à Mata Atlântica, a qual constitui patrimônio nacional, nos termos do §4º do art. 225 da Constituição Federal. De toda sorte esse entendimento está longe de se consolidar e possui suas limitações, mesmo porque a competência da Justiça Federal decorre necessariamente do interesse específico da União o que nem sempre se manifesta na tutela das áreas 20 Relator: Juiz Oliveira Lima: ACR - Apelação Criminal – 11248, data do julgamento 26/03/2002 Data da Publicação D.J.U: 18/04/2002 p: 363. 61 de patrimônio nacional, do contrário, toda e qualquer ação proposta para a proteção de bens ambientais na Amazônia deveria ser julgada pela Justiça Federal, o que seria um contra-senso. Ao considerar o pantanal mato-grossense como um patrimônio nacional a Constituição Federal reconheceu a relevância dessa área úmida e estabeleceu a exigência de critérios a serem definidos através de lei, para a utilização de seus recursos naturais. Novamente é importante frizar que em que pese à determinação constitucional citada, inexiste na esfera federal uma lei que discipline de forma específica à proteção jurídica do Pantanal de Mato Grosso enquanto patrimônio nacional. Ante o vazio de regulamentos o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA21, órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do meio Ambiente aprovou algumas resoluções visando proteger o Pantanal mato-grossense, elencadas na Tabela 03. 21 O CONAMA foi instituído pela Lei 6938/81, esta lei dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, regulamentada pelo Decreto 99.274/90. 62 Tabela 03 – Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), referentes ao Pantanal. Nº e DATA ASSUNTO 001 de 05/03/1985 Determina que a Secretaria Especial do Meio Ambiente22 e os órgãos estaduais do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul, responsáveis pelo meio ambiente, suspendam a concessão de licença para a implantação de novas destilarias de álcool nas bacias hidrográficas localizadas no Pantanal Mato-grossense 003 de 18/09/1985 Cria uma Comissão Especial com o objetivo de apresentar um projeto de Resolução com vistas a propor o zoneamento da Bacia Hidrográfica do Rio Paraguai, e definir critérios quanto ao uso do solo, e, em particular, quanto à instalação de atividades potencialmente poluidoras no Pantanal mato-grossense. Esta resolução foi alterada pela resolução 012/86. 007 de 10/10/1995 Cria Câmara Técnica Temporária para Assuntos de Pantanal. A Câmara teria observadores que participariam das reuniões com direito a voz e voto, e que seriam indicados pela Câmara dos Deputados e Senado Federal. Seu objetivo seria discutir e propor Anteprojeto de Lei regulamentando a utilização dos recursos naturais do Pantanal matogrossense, e seu prazo de duração seria de 1 (um) ano. Altera o item II, da Resolução CONAMA nº 03/85, modificando a composição da Comissão Especial que foi criada com o objetivo de apresentar um projeto de Resolução estabelecendo o zoneamento da Bacia Hidrográfica do Rio Paraguai Considerando a complexidade dos estudos exigidos para a realização do Zoneamento Ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio Paraguai, referido na Resolução CONAMA nº 05/85, resolve solicitar ao Ministro do Meio Ambiente a criação de um Grupo de Trabalho Multidisciplinar e Multinstitucional, coordenado pela (hoje extinta) Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA, com o objetivo de elaborar um termo de referência que especifique a natureza do trabalho a ser desenvolvido e os recursos humanos e financeiros necessários. Estabelece o prazo de 90 (noventa) dias, após a constituição do Grupo de Trabalho, para apresentação do termo de referência à Comissão Especial criada pela Resolução/CONAMA/Nº 3, de 18 de setembro de 1985. Prorroga ainda o prazo de duração da Comissão Especial para acompanhar o desenvolvimento das atividades do Grupo de Trabalho, até a sua destinação final. Regulamenta os casos excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente-APP. A resolução abrange todo o território nacional conseqüentemente o pantanal. Conforme art. 11, VI. 012 de 18/03/1986 016 de 18/03/1986 369 de 28/03/2006 22 É a extinta SEMA, cujas atribuições foram assumidas pelo Ministério do Meio Ambiente. 63 Estas resoluções estão limitadas a casos específicos de gestão do Pantanal de Mato Grosso, todavia têm sido amplamente utilizadas para dirimir conflitos e orientar a tomada de decisão por parte dos órgãos públicos. Além do CONAMA cabe relacionar, também na esfera federal, as resoluções e Deliberações da Comissão Nacional de Biodiversidade (CONABIO) tem um papel fundamental na implementação da Política Nacional de Biodiversidade, e na implementação da CDB (Convenção da Diversidade Biológica). As Resoluções e deliberações da CONABIO que tratam especificamente sobre o Pantanal Mato-grossense estão listadas na Tabela 04. Tabela 04 – Resoluções e Deliberações da Comissão de Biodiversidade (CONABIO), referentes ao Pantanal. Número e DATA ASSUNTO D: nº 33 – 29/06/2005 Estabelece recomendações aos órgãos e organizações da sociedade civil, integrantes da CONABIO a realização de uma oficina sobre boas práticas ambientais nos biomas Cerrado e Pantanal. Dispõe sobre a aprovação da metodologia para revisão das Áreas Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira. D: nº 39 – 14/12/2005 D: nº 31 – 29/06/2005 Dispõe sobre solicitação aos Órgãos do Governo com ações em educação ambiental que potencializem suas atividades nos biomas Cerrado e Pantanal. D: nº 30 – 20/06/2005 Dispõe sobre a solicitação de informações, estudos e recomendações sobre Reservas Legais e Áreas de Preservação Permanente. Solicita que o Ministério do Meio Ambiente, por meio do Fundo Nacional do Meio Ambiente, realize um edital de demanda induzida voltado para a implantação de viveiros comunitários especialmente nas Áreas Prioritárias para Conservação, Utilização Sustentável e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade reconhecidas pelo Decreto no 5.092, de 21 de maio de 2004, e pela Portaria no 126, de 27 de maio de 2004, com o objetivo de estimular a recuperação de Áreas de Preservação Permanente e de Reservas Legais do Cerrado e Pantanal. 64 Continuação Tabela 04 D: nº 29 – 29/06/2005 D: nº 26 – 26/10/2004 D: nº 21 – 01/07/2004 R: nº 02 – 29/06/2005 R: nº 01 – 29/06/2005 Recomenda a realização de oficina para identificação de prioridades de pesquisa sobre o manejo de espécies utilizadas para fins energéticos, a promoção de manuais técnicos e a intensificação da fiscalização de desmatamentos ilegais nos biomas Cerrado e Pantanal. Amplia o prazo de duração e define forma de trabalho da Câmara Técnica do Cerrado e Pantanal. Estendeu por mais seis meses o prazo de duração da Câmara Técnica Temporária Cerrado e Pantanal, instituída pela Deliberação CONABIO no. 21, de 1 de julho de 2004. Instituiu a Câmara Técnica Temporária do Cerrado e Pantanal (CTT). Regulamentou a adoção do Programa de Trabalho para Áreas Áridas e Sub-úmidas da Convenção sobre Diversidade Biológica para os biomas Caatinga, Cerrado, Pantanal e Pampas. Dispõe sobre a utilização de diretrizes para incorporar os aspectos da diversidade biológica na legislação e ou nos processos de Avaliação de Impacto Ambiental e Avaliação Ambiental Estratégica nos biomas Cerrado e Pantanal Legenda: D: Deliberação, e R: Resolução. A CONABIO tem desempenhado um importante papel na implementação tanto da Política Nacional de Biodiversidade, e da Convenção da Diversidade sobre Biológica (CDB) implementando a participação da sociedade civil, nas discussões relativas a estes temas, através de debates e consultas públicas visando alcançar seu principal objetivo, que é a promoção da efetiva conservação da biodiversidade brasileira, o que inclui necessariamente, discutir estratégias de conservação do Pantanal de Mato Grosso. 2.3.3 - Projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que dispõem sobre o Pantanal de Mato Grosso. O Congresso Nacional tem sido ao longo dos últimos anos palco de discussões ambientais que versaram sobre todos os biomas pátrios, no que tange ao Pantanal de Mato Grosso não é diferente. Apesar do país não possuir uma legislação federal específica, que verse sobre a gestão deste bioma, diversos projetos de Lei estão tramitando na esfera federal. 65 O Projeto de Lei nº 2.546-B, de 1992 (Do Senado Federal – PLS nº 325/91), de autoria do Senador Márcio Lacerda (PMDB/MT). A ementa altera a redação do § 2º do art. 5º da Lei 7.797, de 10/07/89, que cria o Fundo Nacional de Meio Ambiente. O projeto equipara o Pantanal à Amazônia para fins de prioridade na aplicação dos recursos financeiros do Fundo Nacional de Meio Ambiente. De acordo com o art. 5º da Lei 7.797/89, os recursos financeiros do Fundo Nacional de Meio Ambiente serão prioritariamente aplicados em projetos nas seguintes áreas: I – unidade de conservação; II – pesquisa e desenvolvimento tecnológico; III – educação ambiental; IV – manejo e extensão florestal; V – desenvolvimento institucional; VI – controle ambiental; VII – aproveitamento econômico racional e sustentável da flora e fauna nativas. O Projeto de Lei nº 2.515/96 (Câmara dos Deputados), de autoria dos deputados: Deputado Adão Pretto (PT-RS), Alcides Modesto (PT-BA), Jaques Wagner (PT-BA), Domingos Dutra (PT-MA), Paulo Rocha (PT-PA), José Fritsch (PT-SC), João Coser (PT-ES), Padre Roque (PT-PR) e Waldomiro Fioravante (PT-RS). A ementa dá nova redação à Lei 8.847, de 28/01/94, que dispõe sobre o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR. O projeto de lei visa alterar a atual legislação que regula a incidência do Imposto Territorial Rural, tributo este que tem como fato gerador à propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel rural. Segundo a justificativa do projeto, seu objetivo seria fortalecer o ITR como “instrumento complementar de apoio aos processos de democratização da propriedade da terra e de preservação ambiental”. O projeto estabelece que, para fins de isenção do ITR, são entendidas como pequenas glebas rurais àquelas com as seguintes dimensões: até 60 ha, se localizadas nos municípios compreendidos nas regiões do semi-árido do Nordeste e da Amazônia Oriental e até 100 ha, se localizadas nos municípios compreendidos na Amazônia Ocidental e no Pantanal mato-grossense e sul mato-grossense. 66 O projeto estabelece ainda, em seu art. 5º, § único, que, a critério da Secretaria da Receita Federal, poderá ser dispensada a aplicação dos índices de produtividade para os imóveis com área inferior a 1.000 ha, quando localizados na Amazônia Ocidental, no Pantanal mato-grossense e sul mato-grossense, 500 ha, quando localizados no semi-árido do Nordeste e na Amazônia oriental, e de até 200 ha nas demais regiões. O Projeto de Lei nº 3.503, de 1997 (Do Senado Federal – PLS nº 80/96), de autoria do Senador Júlio Campos (PFL-MT), a ementa regulamenta o §.4º do art. 225 da Constituição Federal, no que diz respeito ao Pantanal Mato Grosso. O projeto de lei Determina também a instituição do Plano de Gerenciamento do Pantanal de Mato Grosso, a ser implementado na área compreendida pela Bacia Hidrográfica do Rio Paraguai, situada em território brasileiro23. O projeto de lei estabelece os objetivos (art. 4º) do Plano de Gerenciamento do Pantanal Mato-Grossense, suas metas e diretrizes (arts. 5º e 6º) e os instrumentos de gerenciamento: - o zoneamento ecológico-econômico (com o objetivo de “identificar e selecionar unidades territoriais que, por suas características físicas, biológicas e sócioeconômicas devam ser objeto de disciplina especial, com vistas ao desenvolvimento de ações para conduzir ao aproveitamento e manutenção ou recuperação de sua qualidade ambiental e do seu potencial produtivo”) e – os Planos de Ação e Gestão. Segundo o projeto de lei, o zoneamento ecológico-econômico definirá normas e metas ambientais e sócio-econômicas a serem alcançadas por meio dos Planos de Ação e Gestão, sendo que tais Planos deverão conter: - área e limites de atuação; objetivos; - metas; - prazos de execução; - mecanismos de participação social na sua elaboração e implementação; - fontes de recursos; - formas de aplicação de recursos; mecanismos de controle e monitoramento. 23 O CONSEMA de Mato Grosso, através da Resolução nº 051/98, criou Comissão Especial com a finalidade de analisar o Projeto de Lei nº 3.503, de 1997, referido acima. Em 30/03/99, o CONSEMA encaminhou ao Congresso Nacional um texto com análise e sugestões de alterações e acréscimos ao projeto de lei. 67 2.3.4 - Legislação do Estado do Mato Grosso relativa ao Pantanal. A Constituição Federal estabelece, em seu art. 23, ser da competência comum (administrativa) da União, Estados, Distrito Federal e Municípios “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”, bem como “preservar as florestas, a fauna e a flora”, e, por outro lado, estabelece, em seu art. 24, ser da competência da União, dos Estados e do DF, “legislar concorrentemente sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição, bem como sobre responsabilidade por dano ao meio ambiente”. Já a competência legislativa concorrente significa que a União deve limitar-se a estabelecer normas gerais, e os Estados devem legislar de forma suplementar. Portanto, uma lei, aprovada pelo Congresso Nacional, de eficácia nacional, deve disciplinar também as competências institucionais em relação à proteção ambiental do Pantanal. A constituição do Estado de Mato Grosso, relativamente ao Pantanal, estabelece: Art. 273 - O Pantanal, o Cerrado e a Floresta Amazônica Mato-grossense constituirão pólos prioritários da proteção ambiental e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. Parágrafo único - O Estado criará e manterá mecanismos de ação conjunta com o Estado de Mato Grosso do Sul, com o objetivo de preservar o Pantanal Matogrossense e seus recursos naturais. Art. 274 - Chapada dos Guimarães e as porções situadas em território matogrossense das bacias hidrográficas dos rios Paraguai, Araguaia e Guaporé são patrimônio estadual e a sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de 68 condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso de seus recursos naturais. Regulamentando os preceitos constitucionais, algumas normas foram editadas no Estado conforme relação constante da Tabela 05. Tabela 05 – Legislação Estadual Mato Grosso que dispõe sobre o Pantanal. Número e Data Assunto L.C. 10/01/95 6.621 Dispõe sobre a criação do Programa de Desenvolvimento do Pantanal, tendo como área de abrangência a Bacia do Alto Paraguai. Lei 21/03/96 6.758 Declara de interesse ecológico as áreas alagáveis localizadas na planície do Pantanal Mato-Grossense. De acordo essa lei, tais áreas interesse ecológico, destinam-se a abrigar exemplares da fauna e flora ameaçados de extinção e a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico. L.C. nº 38 21/11/9524 Dispõe de poucos dispositivos que fazem alusão expressa ao Pantanal, neste sentido de maneira explicita o Art. 65 e os §§ 1º e 2º regulamenta a limpeza de pastagem na planície alagável do Pantanal. Todavia ao regulamentar a política estadual do meio ambiente, e dispor sobre vários temas ambientais, se aplique ao mesmo. Lei 6.672 22/10/95 Dispõe sobre a pesca, estabelecendo medidas de proteção a ictiofauna. Do mesmo modo não diz respeito especificamente ao Pantanal, mas como não existe uma regulamentação – seja no âmbito estadual ou federal – própria para a pesca no Pantanal, tal legislação genérica se aplica também a este. Lei 05/11/1997 6.945 Dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos e institui o Sistema Estadual de Recursos Hídricos. Foi inspirada na Lei Federal – 9.433/97, que regula a Política Nacional e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Dc 04/11/1997 1.795 Dispõe sobre o Sistema Estadual de Unidades de Conservação – SEUC – estabelecendo normas para a criação, implantação e gestão dos espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos 24 Lei Complementar nº 38, de 21 de novembro de 1995, com alterações introduzidas pela LC nº 232 de 2005. 69 Continuação Tabela 05 Dc 8.150 27/09/2006 Regulamenta a limpeza de pastagens no Pantanal do Mato Grosso. Lei 7.160 23/08/1999 Dispõe sobre os limites do Pantanal no Estado de MT. Lei 4.909 171085 Estabelece normas para edificações turísticas na área do Pantanal Matogrossense. Lei 8.830 21/01/2008 Dispõe sobre a Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso e dá outras providências. Lei 5.950 03/04/92 Declara ave símbolo do Pantanal Mato-grossense o Tuiuiu e dá outras providências. Lei 4.560 17/06/83 Cria a Fundação de Desenvolvimento do Pantanal do Estado de Mato Grosso - FUNDEPAN, e dá outras providências. Observa-se, do mesmo modo que na esfera Federal, a inexistência de leis que disciplinem a utilização e conservação dos recursos naturais do Pantanal de forma sistêmica e integrada, e que contemplem as especificidades da Bacia do Alto Paraguai (BAP). Os textos legais referidos acima disciplinam aspectos pontuais/específicos da proteção ambiental ao Pantanal (como a proibição da instalação de destilaria de álcool, de extração mineral ou de instalação de campings na região) ou são normas legais de aplicação geral. O Governo do Estado de Mato Grosso, vetou no inicio do ano de 2008 o projeto de Lei aprovado na Assembléia Legislativa que versava sobre a redefinição dos Limites do Pantanal, mas sancionou a Lei 8.930 de 21/01/ 2008, que dispõe sobre a Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso. 70 Considerações Finais A partir da abordagem histórica crítica da elaboração dos marcos regulatórios no Brasil, nota-se que desde o Brasil colônia, passando pelos outros períodos da história nacional, grande parte dos marcos regulatórios, privilegiaram as oligarquias rurais, implementaram os latifúndios, a monocultura, favorecendo a degradação ambiental e o trabalho escravo. Nesta análise verifica-se que a cultura e o direito nativo não foram considerados pelos “colonizadores”, que trouxeram para o Brasil um direito alienígena que privilegiou as classes hegemônicas detentoras do poder econômico, representantes do capitalismo colonial que se instalava no Brasil, limitando as possibilidades de inclusão e consideração das práticas consuetudinárias nativas. Constata-se também que os primeiros marcos regulatórios ambientais, não tinham como objetivo tutelar o meio ambiente, buscavam sim manter o statu quo. A legislação ambiental, estava a serviço e era comprometida com a estrutura social elitista de então, marcada pelo modelo antidemocrático agrário-mercantil. Nesse sentido, no que diz respeito à discussão relativa à tutela jurídica do Pantanal de Mato Grosso. Apesar da grande quantidade de dispositivos legais, oriundos da própria Carta Magna de 1988; dos tratados; das resoluções e deliberações oriundas de comissões e conselhos federais; das parcas decisões dos tribunais; da legislação ordinária federal e estadual, verifica-se que este aparato não está sendo suficiente para proteger este patrimônio nacional. O desmatamento nas cabeceiras, o assoreamento dos rios, a contaminação por agrotóxicos e produtos dos garimpos, a falta de saneamento básico das grandes cidades, a instalação de hidrelétricas, carvoarias, o plantio de gramíneas exóticas, o transporte hidroviário dentro do Pantanal, o transporte de transgênicos, etc. têm sido os principais problemas da região. Importante notar que apesar desse arcabouço jurídico ventilar sobre alguns destes 71 aspectos, muito pouco, ou quase nada tem sido efetivamente feito e implementado, através das políticas públicas estatais, em prol da conservação do bioma pantaneiro. Por outro lado, as normas federais em vigor se limitam a disciplinar aspectos específicos do Pantanal, como proteção a espécies da fauna e aos seus recursos pesqueiros, sem que exista qualquer legislação federal que estabeleça, de forma sistêmica e integrada, normas para a utilização sustentável e para a conservação dos recursos naturais da Bacia do Alto Paraguai, considerada como uma unidade físicoterritorial. Nesse contexto, além da necessidade da implementação da legislação Estadual recentemente aprovada no legislativo estadual e sancionada pelo governo do estado de Mato Grosso (Lei 8930 de 21/01/ 2008), faz-se necessária uma legislação federal específica do Pantanal, tendo em vista que esta daria maior efetividade e aplicabilidade ao dispositivo constitucional que reconhece o Pantanal Mato-Grossense como “patrimônio nacional”. 72 Referência Bibliográfica ASSAD, A.L. PEREIRA, N.M. Meio ambiente e a Convenção sobre Diversidade Biológica: algumas considerações sobre questões regulatórias. In Seminário Ciência e Desenvolvimento Sustentável. São Paulo, USP/Instituto de Estudos Avançados. pp. 326-334. 1998 CAPRA F . O Ponto de Mutação. São Paulo: Cultrix, 2002 COLAÇO, T. L. O direito indígena pré-colonial. In Wolkmer, A. C. Direito e Justiça na América Indígena, da conquista a colonização. Porto Alegre: Liv. do advogado, 1998, pg. 111 – 142. CRISTIANI. C. V. O Direito no Brasil Colonial. In: WOLKMER. A. C. (org.) Fundamentos de História do Direito. 2ª ed. Ver. e Amp. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996. _________. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. _________. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. FREITAS, V. P. (org.) Direito ambiental em evolução. Curitiba: Juruá, 1998. GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989 LUCAS, F. 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Os métodos de coletas de dados utilizados foram o Levantamento documental e bibliográfico e a entrevista com Informante Chave. O recorte teórico proposto para as análises surge a partir da perspectiva da Educação para a Gestão ambiental relacionando-a com a teoria dos conflitos sócio-ambientais, partindo da premissa de que no processo de transformação do meio ambiente são criados e recriados modos de relacionamento da sociedade entre si e com a natureza, compreendendo que grande parte dos interesses são conflitantes que as políticas públicas têm privilegiado grupos detentores de maior cotas de poder. Palavras chave: Pantanal de Mato Grosso, Educação para a Gestão Ambiental, Stakeholders. Abstract: The Construction of a Management Law of The Pantanal of Mato Grosso. The Education for The Environmental Management. The purpose of this chapter is to demonstrate how historically made Stakeholders' participation in drafting the Management Law of the Pantanal of Mato Grosso. The methods of collection of data used were the documentary and bibliographical survey and the interviews with Key Informante. The theoretical cut proposed for the analysis comes from the perspective of Education for the Environmental Management linking it to the theory of socio-environmental conflicts, based on the premise that in the process of transformation of the environment are created and recreated the modes of relationship of society among themselves and with nature, realizing that many of the interests are conflicting and that the public policies have privileged groups holders of greater dimensions of power. Key words: Pantanal of Mato Grosso, Education for The Environmental Management, Stakeholders. 75 Introdução. Neste capítulo é apresentado um breve relato histórico sobre a elaboração da legislação voltada para a proteção do Pantanal de Mato Grosso, apontando o referencial teórico adotado para discutir a participação social e o conflito sócioambiental. A educação para a gestão ambiental foi formulada em âmbito governamental no Brasil por José da Silva Quintas e Maria José Gualda, educadores da Divisão de Educação Ambiental do Ibama. Quintas e Gualda (1995) definem meio ambiente como o fruto do trabalho dos seres humanos, conectando o meio natural ao social. Para os autores no processo de transformação do meio ambiente são criados e recriados modos de relacionamento da sociedade entre si e com a natureza. Destaca- se que esta ação, por ser realizada por sujeitos sociais diferentes, está condicionada `a existência de interesses individuais e coletivos que muitas vezes podem até ser opostos. A partir dessa compreensão dos modos de relacionamento do ser humano com a natureza25 como sendo modos complementares e às vezes diversos, Layrargues (2006) afirma que é ai que entra a gestão ambiental, entendida essencialmente como um processo de mediação de conflitos de interesses. Além da diversidade de atores sociais envolvidos em conflitos sócio-ambientais, Quintas e Gualda, reconhecem também a existência da assimetria de poder político e econômico presente no interior da sociedade, onde nem sempre o grupo dominante leva em consideração os interesses de terceiros nas suas decisões. 25 Neste trabalho fora adotado o conceito de Natureza proposto por Layrargues (2006) para quem a natureza não é só a terra ou um mero recurso natural como um substrato ou matéria prima da produção humana – uma mercadoria - , como a visão econômica tradicional a concebe, mas é também um tipo de mão de obra que desempenha uma força de trabalho específica. Para o autor a intervenção do ser humano na natureza também pode ser entendida, num sentido figurado como a apropriação e uso de sua força de trabalho, da mesma forma que o empreendedor capitalista se apropria da força de trabalho do trabalhador. 76 Sendo assim, Quintas e Gualda, demonstram o papel da educação no processo de gestão ambiental: diante do desafio da criação de condições para a participação política dos diferentes seguimentos sociais, tanto na formulação de políticas públicas como na sua aplicação, o educador deve estar qualificado também para agir em conjunto com a sociedade civil organizada, sobretudo com os movimentos sociais, numa visão da educação ambiental como processo instituinte de novas relações entre si e deles com a natureza. Layrargues (2006) considera que a educação para a gestão prepara o terreno da decantada fórmula do exercício da cidadania, instrumentando a sociedade civil à participação da vida política. Deste modo, sobre a importância da participação popular na elaboração de políticas públicas e o papel da educação como catalisadora desse processo Reigota (1997) confirma que a maior contribuição da educação ambiental brasileira ao debate internacional diz respeito à priorização de conceitos políticos, filosóficos e culturais como autonomia, cidadania, justiça social, participação e democracia. 3.1 Contextualização histórica. Para essa contextualização histórica da elaboração das leis de Gestão do Pantanal e de suas Delimitação, são utilizados o Levantamento Documental, e a Entrevista realizada com a Gerente de Política do Pantanal da Secretaria Estadual de Meio Ambiente. A partir da crescente demanda de solicitações para renovação de licenças para as Pousadas no Pantanal Mato-grossense é que se deflagrou o processo de elaboração da Lei de Gestão do Pantanal. A Gerente de Políticas para o Pantanal da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA) afirma que: “inicialmente a SEMA tinha uma Demanda muito grande de licença de pousadas no Pantanal (...) essas licenças espiraram e precisavam ser renovadas. Nesse processo de renovação a equipe técnica começou com o passar do tempo, a não ter segurança para emitir as licenças na área 77 do Pantanal, porque se você coloca o que está na legislação o Pantanal todo é uma APP. Precisamos saber que tipo de uso vamos permitir no Pantanal.” Deste modo, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, criou através da Gerência de Políticas do Pantanal, no ano de 2005, um grupo de trabalho para a elaboração de uma proposta de minuta para a Gestão do Pantanal. Fizeram parte deste grupo funcionários de diversos setores da SEMA. Com respeito a esse grupo de trabalho da SEMA, a Gerente disse que: “Nós realizamos um grupo interno aqui na SEMA, tivemos representantes de todos os setores da SEMA, esse grupo se reuniu umas oito vezes, oito reuniões, em dois meses de trabalho, (...) apesar de ter representantes de vários setores da Sema, ele foi composto por pessoas recém concursadas basicamente, os mais antigos não se envolveram tanto com esse trabalho”. Os dados levantados pela gerência, oriundos de reuniões com técnicos do Centro de Pesquisa do Pantanal (CPP); reuniões com a Federação das Indústrias de Mato Grosso (FIEMT); EMBRAPA - Pantanal; e Sindicatos rurais, foram encaminhados à Procuradoria do Meio Ambiente do Estado para que fosse sistematizada a Minuta de Lei. A minuta foi apresentada à sociedade em 05 de maio de 2006 no Forest. Este evento é um congresso bienal, é referência mundial para as áreas Florestal e Ambiental, que tem como finalidade o intercâmbio científico e a reunião de especialistas no assunto. Depois de apresentada à comunidade a Minuta ficou a disposição da sociedade para que recebesse sugestões no site da secretaria. A gerente afirmou que a SEMA recebeu poucas sugestões “palpáveis” via Internet: “às vezes uma frase, uma palavra,(...) recebemos muitos comentários pela Internet, de coisas palpáveis mesma foram poucas”. 78 Em 22 de setembro de 2006 a Universidade do Estado de Mato Grosso através de um seminário realizado pelo Programa de Mestrado em Ciências Ambientais no Centro de Pesquisa de Limnologia e Etnoecologia do Pantanal (CELBE), criou um grupo de trabalho que sistematizou os dados oriundos do Seminário apresentando sugestões para o aprimoramento da minuta do Projeto. O projeto discutido e proposto pela Universidade do Estado de Mato Grosso trazia em seu bojo aspectos relacionados à valorização dos povos e comunidades tradicionais a partir das diretrizes lançadas a partir da Política Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais - Decreto nº 6.040, de 07 de fevereiro de 2007, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. A proposta elaborada pela UNEMAT abordou também temas relacionados à área de abrangência da Lei de Gestão, ora aprovada, defendendo que esta Lei versa-se sobre a gestão de toda a Bacia do Alto Paraguai (BAP), e não somente sobre a área alagável. Propôs também a proibição do plantio e transporte dos transgênicos na BAP; também o impedimento da instalação de empreendimentos altamente impactantes na região (carvoarias, hidrelétricas, usinas de álcool, etc.); criação de um fundo para o financiamento de empreendimentos que fortaleçam a cadeia produtiva local a partir do modelo endógeno de produção; a regularização da atividade turística no Pantanal de Mato Grosso; a proibição da limpeza da pastagem; a proibição da supressão de espécies nativas; entre outros. De maneira geral a proposta elaborada pela UNEMAT, atendia a vontade popular e contemplava as indicações técnicas dos estudos feitos pela instituição. O Conselho Estadual de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso criou então uma Comissão Especial, que teve como finalidade analisar e apresentar propostas ao Projeto de lei referente à Política Estadual de Gestão do Pantanal. A comissão foi composta pelos representantes dos seguintes órgãos e entidades: Federação da Agricultura do Estado de Mato Grosso - FAMATO; Secretaria de Estado de Indústria, 79 Comércio e Minas e Energia - SICME; Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso - FIEMT; Instituto Ecológico Sócio-Cultural da Bacia Platina - IESCBAP; Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/MT; Secretaria de Estado de Desenvolvimento Rural - SEDER; Secretaria de Estado de Desenvolvimento de Turismo - SEDTUR e Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, sob a presidência do representante da FAMATO, (Anexo I). As reuniões da Comissão Especial foram realizadas no auditório da FAMATO em Cuiabá, conforme afirmações feitas pelo representante da Ordem dos Advogados do Brasil, na Audiência Publica de Poconé. “Então, ficamos, para encerrar, muito envaidecidos, em nome do Conselho Estadual do Meio Ambiente, falo aqui em nome do Vicente Falcão, onde disponibilizou, Deputado Homero Pereira, o Auditório da FAMATO, para as nossas reuniões.”26 A Comissão Especial encaminhou a proposta ao presidente do CONSEMA em 24 de outubro de 2006 através do oficio nº 558/2006-FAMATO (Anexo II). Em seguida este documento, foi dirigido ao Chefe do Executivo Estadual que, de pronto, o encaminhou à Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso (AL), conforme as afirmações do Secretário do Meio Ambiente na Audiência Pública de Poconé: “O Governador analisou e resolveu apresentar essa Minuta, inclusive para dar uma valorização ao Conselho Estadual de Meio Ambiente, e apresentou essa Minuta como Mensagem do Governo para a Política de Gestão do Pantanal”27 É importante pontuar que as mensagens encaminhadas pelo grupo de trabalho presidido pela FAMATO, tramitaram sem apreciação do conselho pleno do CONSEMA. Mesmo diante de solicitações feitas por seus membros, vejamos: Representante da Ordem dos Advogados do Brasil: 26 Ata da Audiência Pública de Poconé Pg 34. 27 Ata da Audiência Pública de Poconé Pg 5 80 “Presidente que as propostas reformuladas da Política do Pantanal voltassem à discussão no conselho antes de serem encaminhadas à Assembléia Legislativa para votação. Esclareceu ainda que recebeu várias solicitações de advogados que gostariam de fazer sustentação oral no plenário”.28 E também a representante do Instituto Floresta de Pesquisa e Desenvolvimento Sustentável – IFPDS. “Com a palavra a representante da IFPDS, cobrou da Comissão formada por Membros do Pleno sobre a discussão das Políticas para a Gestão do Pantanal, informações sobre o andamento, pois tinha a informação que já estaria sendo discutido pela Assembléia Legislativa de Mato Grosso e que não mais o assunto seria discutido pelo conselho”.29 Depois de receber as Mensagens30 do Poder Executivo a Assembléia Legislativa realizou três audiências Públicas nos municípios de Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço respectivamente. Após a realização das audiências a Assembléia Legislativa criou também um Grupo de Trabalho, presidido pela responsável pelo Núcleo Ambiental. O Grupo de trabalho se reuniu diversas vezes na Assembléia Legislativa, contando com a presença de representantes de vários setores. Os debates eram mediados pela responsável pelo setor. Este grupo de trabalho foi criado para sistematizar as sugestões oriundas das Audiências Públicas, todavia é importante frizar que estas atas, apesar de diversas solicitações, nunca foram utilizadas nas reuniões do Grupo de Trabalho. Outro ponto importante a ser destacado é que apesar do esforço da coordenação dos trabalhos no grupo as discussões só ocorreram até o art. 4º da Lei de Gestão do Pantanal, lembrando que a lei contém vinte artigos. A coordenação do Grupo informou que os debates encerraram tendo em vista o início da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada na Assembléia Legislativa para investigação da Secretaria Estadual de Meio Ambiente. 28 Ata da 1ª Reunião Ordinária do Conselho Estadual do Meio ambiente (CONSEMA), realizada dia 06/02/2007, linhas: 237 – 241. 29 Ata da 2ª Reunião Ordinária do Conselho Estadual do Meio ambiente (CONSEMA), realizada dia 20/03/2007, linhas: linhas:326-330. 30 As mensagens encaminhadas pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo do Estado de Mato Grosso, estão disponíveis na Secretaria da Assembléia Legislativa. 81 Os projetos de Lei tramitaram na Assembléia Legislativa e foram aprovados e encaminhados ao Executivo estadual para sanção, todavia o projeto de re-delimitação do Pantanal foi vetado pelo Governador Blairo Maggi e o projeto de Gestão foi sancionado, Lei 8.930 de 21/01/ 2008 3.2 – Da Proposta Inicial ao Projeto de Lei. Neste trabalho considera-se como proposta inicial, dada sua maior abrangência, a minuta do projeto de lei elaborado no âmbito da Sema e submetido à apreciação do CONSEMA, uma vez que esse contém aspectos técnicos resultantes das contribuições recolhidas no Centro de Pesquisas do Pantanal (CPP) e Centro de Pesquisa de Limnologia e Etnoecologia do Pantanal (CELBE). A partir da construção da proposta inicial, sua modificação no âmbito do CONSEMA e sua discussão em Audiências Públicas, é possível identificar os conflitos de interesse que permeiam o processo de regulamentação da política de gestão do Pantanal de Mato Grosso, analisados no capítulo seguinte. 3.3 – A Atuação dos Stakeholders na elaboração das Leis de Gestão e Redelimitação do Pantanal de Mato Grosso. A Cidadania plena é um dique contra o Capital Pleno. Milton Santos (2000) 3.3.1 Aspectos Teóricos Os stakeholders são todos aqueles que afetam, e/ou são afetados pelas políticas, decisões, programas e ações. Nesse trabalho são assim considerados os grupos que estão influenciando a elaboração das Leis de Gestão e de redelimitação do Pantanal de Mato Grosso.31 31 Os stakeholders (literalmente partes interessadas) podem ser indivíduos, comunidades, grupos sociais ou instituições de qualquer tamanho, classes ou níveis sociais. (GRIMBLE & CHUAN, 1995). 82 Ao referir-se a políticas públicas, é necessário que se entenda que são ações estruturadas em geral pelo Estado - mas não somente por ele, para atingir um dado objetivo. Nesse sentido Castro (2006) considera que: "Podem ser políticas de desenvolvimento nacional, com ênfase econômica ou ambiental, mas também políticas de âmbito local ou regional, políticas econômicas de caráter setorial (agrícola, de energia, de comunicação, industrial entre outras) ou políticas sociais nas áreas, por exemplo, da educação, da saúde, meio ambiente, da geração de emprego e renda”. Importa salientar que quando essas políticas são formuladas e aplicadas pelo Estado podem ser nomeadas por um termo mais preciso, conhecido como políticas estatais, todavia outros organismos da sociedade, podem também formular e aplicar políticas de interesse público. Para isso é imprescindível que os grupos estejam mobilizados, organizados, e sensibilizados no sentido levarem a cabo seus interesses. Sobre os conflitos, Jacques Poujol (2005) adverte que eles são uma parte inerente das relações interpessoais. O autor afirma que “os conflitos recobrem praticamente toda a realidade humana e constituem um fenômeno essencial e onipresente na sociedade”. É impossível pensar sobre comunicação, o amor, política, meio ambiente, cultura, economia, sem considerá-los. As questões ambientais não podem ser abordadas isoladamente, tendo em vista sua complexidade, elas estão intimamente relacionadas às demandas econômicas culturais e sociais; para tanto importa compreender como os grupos de interesse atuam em um conflito e as relações de poder que são explicitadas. Os conflitos representam, por isso mesmo, um dos temas mais estudados pela humanidade, sob vários aspectos e em diversos níveis: intrapessoais, interpessoais, organizativos, sociais ou internacionais. 83 Sobre a abrangência dos conflitos Andrade (2000) considera que: “Seja dentro de um mesmo mundo ou a partir da confrontação de diferentes mundos. No primeiro caso, em função da existência de princípios superiores comuns, a construção de um arranjo de negociação parece ser, com freqüência mais simples. No segundo, a resolução pode ser obtida através de três diferentes formas: a partir da imposição dos princípios do mundo dominante, se houver algum, sobre o dominado; a partir da construção de arranjos circunstanciais, provisórios e sujeitos a mudanças; ou através da extração de um compromisso duradouro e sustentável entre as partes, que estabeleça um acerta dose de equilíbrio e cooperação entre atores pertencentes a mundos em conflitos”. No que toca a definição, Chifuco (2001) afirma que apesar de existir um consenso na literatura científica, no entanto existem dois pontos essenciais. Para que o conflito exista, deve haver divergência ou uma aparente divergência, dos pontos de vista sobre um determinado assunto em questão. A incompatibilidade entre os pontos de vista gera o conflito, uma vez que as vitórias de um lado são obtidas em função das derrotas das outras partes. Para tanto neste trabalho serão verificados quais são os pontos de vista de diversos Stakeholders sobre o modo de apropriação dos bens ambientais. Destarte, o conflito social pode ser definido como o reconhecimento coletivo de interesses que congregam ou agregam grupos mais ou menos homogêneos e que parecem diferenciá-los de outros agrupamentos. Esses interesses não podem ser definidos apenas pela somatória de interesses individuais, e sim pelo reconhecimento de interesses de ordem coletiva (FERREIRA, 1999). Os conflitos podem ser culturais, sociais, ambientais, econômicos, familiares, etc. Neste trabalho verifica-se a existência de conflitos que ora são denominados “sócioambientais” pois revelam à relação conflituosa existente entre diversos grupos de interesse no que diz respeito à política de gestão do Pantanal de Mato Grosso. Exemplo desta relação no Pantanal de Mato Grosso foi identificado por Silveira e Da Silva (2000), estudando a relação existente entre diversos grupos de interesse (stakeholders) e entre estes e o Sistema de baias Chacororé e Sinhá Mariana, 84 identificou quatro níveis de abordagens institucionais na tipologia dos “stakeholders”, Nível Global e internacional; Nacional; Nível Regional; e nível local, este subdividido em dois grupos de “stakeholders” que atuam diretamente no sistema: os de fora (“off-site”) e os de dentro (“on-site”). O autor identificou diferentes interesses ambientais em cada um desses níveis, e afirma que os conflitos ficaram mais evidenciados a partir do momento da intervenção do Estado, em realizar obras, as quais pareceu, a alguns dos entrevistados, privilegiar a poucos grupos de interesse no sistema. Para Jacobi (1995), a questão ambiental “é um dilema para a construção democrática”, pois a concepção de meio ambiente muda de indivíduo para indivíduo. Diante disso, é necessário que se entenda o que é um conflito sócio-ambiental. A evolução histórica do Brasil tem revelado que, apesar da grande discrepância existente entre as “cotas de poder” 32 existente entre os diferentes grupos de interesse, a participação das minorias de direito, na elaboração de políticas públicas tem aumentado. Nesse sentido Bursztyn (2001), considera que: “A história dos conflitos sócio-ambientais no Brasil é rica em experiências, e no decorrer dos anos tem mostrado uma evolução em seus mecanismos de negociação no que se refere ao envolvimento dos diferentes atores sociais”. O antropólogo Paul Little (2001) define conflitos sócio-ambientais como: “Disputas entre grupos sociais derivados dos distintos tipos de relação que eles mantêm com seu meio natural. O conceito sócio-ambiental engloba três dimensões básicas: o mundo biofísico e seus múltiplos ciclos naturais, o mundo humano e suas estruturas sociais, e o relacionamento dinâmico e interdependente entre esses dois mundos”. 32 Este é um termo cunhado por Little (2004). Consideramos que é importante conhecer as “cotas de poder” de um determinado grupo ao avaliar um conflito socioambiental, tendo em vista revelar a capacidade de intervenção que aquele grupo tem para implementar seus interesses. 85 Em alguns casos existem conflitos entre grupos que compartilham o mesmo sistema produtivo. Porém, em geral, os conflitos sócio-ambientais mais difíceis tendem a acontecer onde há um choque entre diferentes sistemas produtivos. O autor citado continua afirmando que geralmente, os conflitos relacionados aos recursos naturais são sobre as terras que contêm tais recursos e, portanto, entre os grupos humanos que reivindicam essas terras como seu território de moradia e vivência, tendo dimensões políticas, sociais e jurídicas. Cada ator social tem sua forma de adaptação, ideologia e modo de vida que entra em choque com as formas dos outros grupos, dando assim a dimensão social e cultural do conflito sócio-ambiental. No Brasil, entre outros, destacam-se como atores dos conflitos sócio-ambientais, os atingidos por barragem, seringueiros que lutam pela implantação de reservas extrativistas na Amazônia, os índios que lutam pela demarcação de suas terras, pantaneiros que lutam pela permanência em suas áreas, fazendeiros, latifundiários, trabalhadores e trabalhadoras rurais, etc. Ainda Gomes (2002) estudando os conflitos de interesse em áreas protegidas avalia que exemplo como os dos atingidos por barragem, seringueiros têm, em comum, a luta de classes ou a representatividade dessas em função das necessidades que tais grupos têm de possuir e explorar os recursos naturais como estratégia de sobrevivência. A autora continua dizendo que por outro lado, existe o aspecto que envolve a problemática dos conflitos ambientais, decorrentes da ocupação territorial e exploração desordenada do recurso. Cabe distinguir, com respeito aos vários tipos de conflitos envolvendo a exploração dos bens ambientais, então o que distingue um conflito ambiental de outro qualquer? Para Ribeiro (1995), é que o conflito ambiental envolve características como a existência de impacto direto ou indireto de determinadas atividades socioeconômicas, levando à degradação e ao desequilíbrio – ou à ameaça de áreas físicas, bens coletivos, recursos naturais escassos ou extinção de espécies. 86 Layrargues (2006) considera que compreender os conflitos sócio-ambientais é de fundamental importância, pois permite entender o problema ambiental não apenas pela sua face ecológica, mas também pelo critério do conflito de interesse existente entre os diversos atores sociais em questão. O autor considera que eles são: “Conflitos sociais que têm elementos da natureza como objeto e que expressam relações de tensão entre interesses coletivos/espaços públicos X Interesses privados/tentativas de apropriação de espaços públicos” . Para Acselrad (2004) os conflitos ambientais devem ser analisados simultaneamente nos espaços de apropriação material e simbólica dos recursos do território. Nesse sentido Castrillon (2006) explica que no espaço de apropriação material, desenvolvem-se lutas sociais, econômicas e políticas pela apropriação de diferentes tipos de capital, como, por exemplo, no meio ambiente, disputas por apropriação dos rios entre populações ribeirinhas e grandes projetos hidroelétricos, confrontos entre seringueiros e latifundiários pelo controle de seringais, etc. No campo simbólico a luta é para impor categorias que legitimam ou não, a distribuição de poder sobres os distintos tipos de capital. É imperioso que se faça essa abordagem das questões ambientais tendo em vista que esta perspectiva de análise de conflito demonstra quais são os interesses de cada ator social envolvido. À guisa de exemplo, Carvalho (1995) explica que: “Deslocar o eixo da análise do problema ambiental para o conflito sócioambiental, significa transpor a evidência da questão da sustentabilidade física dos recursos para a questão da sustentabilidade política. Ou seja permite pensar que para além dos efeitos da degradação ambiental sobre a base material da vida, existem efeitos das lutas pelo acesso e uso do meio ambiente sobre o conjunto das forças sociais. Layrargues (2006) considera que este deslocamento proporciona o entendimento das possibilidades de enfrentamento da questão ambiental não apenas sob o ângulo técnico, mas sim sob o ângulo político”. . 87 A teoria supra elencada aplica-se perfeitamente na atuação dos stakeholders nas discussões referentes às Leis de Gestão e de redelimitação do Pantanal. A participação de diversos grupos foi intensa. Trata-se um conflito sócio-ambiental, onde grupos pertencentes a diversas frentes ideológicas se manifestaram, defendendo seus respectivos interesses, e propondo suas demandas. 3.3.2 Mecanismos de Participação Popular: As Audiências Públicas – Espaço de Legitimação da Ação Estado/Mercado. Buscar a verdade é uma virtude daqueles que amam a justiça. Pr Benedito da Silva Em sentido amplo, participar significa intervir num processo decisório qualquer (MORÓN, 1980 e DUARTE, 1996). A participação pressupõe diálogo e democratização das instâncias deliberativas (IRIGARAY, 2003). É nessa perspectiva que pretendemos contextualizar a importância dos mecanismos de participação pública, em especial à Audiência Pública Destarte. Habermas (1983) considera a participação política como “um elemento propulsionante do difícil e incerto caminho da humanidade em direção a sua própria emancipação”. Para tanto, a Audiência pública é um instrumento que leva a uma decisão política ou legal com legitimidade e transparência. Cuida-se de uma instância no processo de tomada da decisão administrativa ou legislativa, através da qual a autoridade competente abre espaço para que todas as pessoas que possam sofrer os reflexos dessa decisão tenham oportunidade de se manifestar antes do desfecho do processo. É através dela que o responsável pela decisão pode ter acesso, simultaneamente e em condições de igualdade, às mais variadas opiniões sobre a matéria debatida, em contato direto com os interessados. Tais opiniões não vinculam a decisão, visto que têm caráter consultivo, e a autoridade, embora não esteja obrigada a segui-las, deve analisá-las segundo seus critérios, acolhendo-as ou rejeitando-as33 33 PODER CIUDADANO. Manejando conflitos y mejorando la transparencia a través de la participación ciudadana: El caso del Puente La Serna en Argentina. Disponível na Internet em <http://www.poderciudadano.org.ar. Acessado em 01 de outubro de 2007. 88 O Poder Legislativo, tal qual o Poder Judiciário, quando meramente no desempenho da função administrativa, realizará audiências públicas nos moldes da Lei nº 9.784/1999. Como prevê seu art. 1º, §1º. “Os preceitos desta Lei também se aplicam aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, quando no desempenho de função administrativa”. Com efeito, a realização de audiências públicas decorre de comando constitucional (art. 58, §2º, II, da Carta de 1988), cumprindo sua implementação às comissões do Congresso Nacional e de suas Casas. Decorre também dos dispositivos da Constituição Estadual de Mato Grosso (Art. 36. § 2º, II, ainda o 263 §único, §3º 4º). Bastos (1995) considera que o referido dispositivo constitucional tem o "sentido de integrar representantes e representados através de audiências". Diz ainda que "as audiências públicas com entidades da sociedade civil são realizadas quando questões de interesse social ou mesmo de segmentos específicos da sociedade forem suscitadas". E conclui dizendo que "tais audiências, portanto, configuram espaços voltados ao debate coletivo". Para Milaré (2000), na questão ambiental, audiência pública constitui um: "Procedimento de consulta à sociedade, ou a grupos sociais interessados em determinado problema ambiental ou potencialmente afetado por um projeto, a respeito de seus interesses específicos e da qualidade ambiental por eles preconizada". Sua realização deve seguir requisitos regulamentares pertinentes à forma de convocação, condições e prazos para informação prévia sobre o assunto a ser debatido, inscrições para participação, ordem dos debates, aproveitamento das opiniões expedidas pelos participantes. Oportuno assinalar que a audiência pública não se restringe à modalidade prevista na resolução do CONAMA 06/86, mas tem sido utilizada como instrumento de democratização das discussões sócio-ambientais tanto dos Poderes Executivo, Legislativo e judiciário. Neste sentido Oliveira (1997) afirma que: 89 “Sempre que direitos coletivos estiverem em jogo, haverá espaço para a realização de audiências públicas.” Como já aludido, no âmbito do processo administrativo, a audiência pública, tem previsão na Lei nº 9.784/1999, como mecanismo de instrução do processo administrativo federal, objetivando o desempenho da função administrativa pelos entes da Administração Pública Direta e Indireta, dos três Poderes da União. É contemplada, também, para exercício dessa função, em leis específicas que regem o meio ambiente, natural e o artificial regulamentado no Estatuto da Cidade, a concessão e permissão de serviços públicos, os serviços de telecomunicações e as agências reguladoras, e as licitações e contratos administrativos. A audiência pública é um procedimento de consulta à sociedade ou a stakeholders em uma determinada questão. Para que efetivamente ela não seja pura e simplesmente um espaço de legitimação das ações do Estado, a participação precisa ser efetiva e continuada, e os atores sociais precisam acompanhar a tramitação das decisões arroladas em plenário, a fim de que realmente sejam implementadas. 3.3.3 Contextualizando a Finalidade da análise O objetivo geral desta análise é o de contextualizar a participação pública na elaboração de políticas públicas estatais, a partir de um Estudo de Caso. Os objetivos específicos são: Identificar quais os grupos de interesse atuaram na elaboração das Leis de Gestão e de redelimitação do Pantanal; em qual fase cada grupo atuou; e quais as demandas apresentadas por cada grupo. Considerações Finais Para compreender as interações existentes entre os stakeholders, vítimas da democracia de mercado, ora identificada neste trabalho, é imperioso considerar as análises de Milton Santos (1994), o autor ensina que na democracia de mercado, o território é o suporte de redes que transportam regras e normas utilitárias, parciais, parcializadas, egoístas (do ponto de vista dos atores hegemônicos), as verticalidades, 90 enquanto as horizontalidades hoje enfraquecidas são obrigadas, com suas forças limitadas, a levar em conta a totalidade dos atores. As horizontalidades, consideradas pelo autor são os modos sustentáveis de apropriação dos bens ambientais (agricultura praticada pelas comunidades tradicionais, pesca de subsistência, economia solidária). Como já fora definido o sistema social em análise reflete um conflito sócioambiental, onde diversos stakeholders estão pleiteando modos diferenciados de apropriação dos bens ambientais. Um exemplo dessa situação conflituosa no Pantanal de Mato Grosso,foi identificado na construção das Usinas Hidrelétrica de Manso. Irigaray (2003) afirma que as pressões pela construção da barragem no rio Manso iniciaram-se na década de setenta, mobilizando políticos e empresários da região, o autor considera que a construção dessa usina representa os inúmeros conflitos decorrentes da gestão centralizada e tecnocrática de um corpo hídrico. Sobre a audiência pública realizada para discutir o Estudo de Impacto Ambiental do empreendimento o autor argumenta que lideranças políticas e setores interessados na construção da barragem articularam-se, trazendo a Cuiabá alguns ônibus com “torcida organizada” para abafar, no auditório, os protestos dos ambientalistas, transformando em uma farsa o que poderia ser uma discussão dos impactos ambientais. Verifica-se então que o pantanal é uma arena, onde se opõem o mercado e a sociedade civil, lembrando que agentes de mercado têm ocupado as estruturas estatais, no intuito de fazer prevalecer seus interesses. O Estado, deste modo, vem impondo uma “democracia de mercado”, seja pela implementação de empreendimentos altamente impactantes, a exemplo da Usina de Manso, ou pela ausência de políticas públicas básicas previstas no art. 5º da Constituição de 1988, que tem destruído os modos tradicionais de ocupação territorial do Pantanal e imposto uma acelerada destruição da cultura pantaneira. 91 Referência Bibliográfica ACSELRAD, H. As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In: Conflitos Ambientais no Brasil, Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2004. ANDRADE, J.C.S Conflito, cooperação e convenções: a dimensão políticoinstitucional das estratégias sócio-ambientais da Aracruz celulose (1990-1999). Salvador. Tese (Doutorado em Administração) – Núcleo de Pós – Graduação em Administração, Universidade Federal da Bahia, 2000. AYRES BRITTO, Carlos. 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Profeta Isaías 5.8 Resumo: O objetivo deste capitulo é o de identificar quais foram os grupos de interesse que atuaram na elaboração das Leis de Gestão e redelimitação do Pantanal de Mato Grosso. Para tanto foi utilizada a Stakeholders Analysis e a Observação Participante Ativa. Os stakeholders são todos aqueles que afetam, e/ou são afetados pelas políticas, decisões, programas e ações estatais. A Stakeholders Analysis, possibilitou a identificação detalhada de quais foram os grupos de interesse que atuaram na elaboração das Leis em comento e respectivas demandas. Os grupos foram categorizados em Estado, Comunitário, e Mercado. Observando que dentro da categoria Estado, foram encontrados agentes de Mercado e agentes Populares. A partir da explicitação dos interesses de cada grupo e de quais destes interesses foram contemplados na Lei Estadual nº 8.830, de 21 de janeiro de 2008, sancionada pelo Governador Blairo Maggi, fica evidente o “Poder de Interferência” que o Agronegócio Mato-grossense tem exercido sobre as tomadas de decisão e implementação de políticas públicas, em especial nas questões ambientais, no Estado de Mato Grosso. Palavras Chave: Pantanal de Mato Grosso, Stakeholders Analysis, Conflitos Sócio-ambientais, Legislação Ambiental. Abstract: Social Actors Involved In Preparation of Laws of Management And Redelimitation of The Pantanal and Its Categorisation: Implementation of Stakeholders Analysis. O purpose of this chapter is to identify which were the interest groups that acted in the drafting of the Laws of Management and redelimitation of the Pantanal of Mato Grosso. For this was used to Stakeholders Analysis and the Active Participant Observation, from a Case Study. The stakeholders are those that affect and / or are affected by the policies, decisions, programs and state actions. The Stakeholders Analysis, enabled the identification details of which were the interest groups that acted in the drafting of Laws in comment and their demands. The groups were categorized in State, Community and Market. Noting that in the State category were found Market agents and Popular agents. From the explanation of the interests of each group and what these interests were reflected in the State Law No 8830, January 21, 2008, sanctioned by the Governor Blairo Maggi, it is clear the "Power of interference" that the Mato-grossense Agribusiness has exercised over the decision-making and implementation of public policies, especially in environmental issues, in Mato Grosso State. Key words: Pantanal of Mato Grosso, Stakeholders Analysis, Social Environmental Conflicts, Environmental Law. 95 Introdução. Em seu magistério Little (2004) afirma que a identificação e análise dos principais atores sociais envolvidos é um elemento fundamental para o estudo de conflitos sócioambientais, já que tenta explicitar os interesses específicos em jogo no conflito, seguido por um levantamento das interações entre cada um desses atores sociais. O Autor considera que: “Para perceber um conflito na sua totalidade, o pesquisador tem a obrigação de entender as intenções e posições de todos os atores sociais envolvidos, mesmo que tenha preferência por um dos grupos envolvidos”. Para a identificação dos Stakeholders que atuaram na elaboração das Leis de Gestão do Pantanal, fora utilizada a entrevista concedida pela Gerente de Políticas do Pantanal da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso; Ata da 7ª Reunião Ordinária do Conselho Estadual de Meio Ambiente – CONSEMA, realizada dia 26/09/2006; Resolução 50/06 do CONSEMA; Oficio nº 558/2006 – FAMATO; a Comunicação Interna nº 085/2006 da Superintendência de Biodiversidade – Gerência de Política do Pantanal de 29/11/2006 e seus anexos; e as Atas das Audiências Públicas realizadas pela Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso nos Municípios de Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço. 4.1 – A análise dos dados a partir da “Stakeholders analysis”. A Stakeholders Analysis, para a gestão de recursos naturais surgiu nos anos 90 em resposta a inadequação dos métodos convencionais de analise econômica para a avaliação ambiental. A Stakeholders Analysis é considerada como um complemento dos métodos convencionais, como a análise de custo-e-beneficio da gestão em geral. Seixas (2005) considera que no entanto ela dá maior atenção aos custos e benefícios privados, tais como são percebidos por aqueles que tomam decisões em diversos níveis. Grimble e Chan (1995) consideram que a Stakeholders Analysis pode ser utilizada para diagnósticos a priori de planos de gestão de recursos, para a avaliação a 96 posteriori dos mesmos, para a pesquisa de sistemas de gestão de recursos naturais, e também como uma ferramenta de apoio aos processos de resolução de problemas. Esta metodologia de análise foi utilizada porque apresenta a possibilidade de que sejam identificarmos os interesses dos Stakeholders na elaboração de políticas públicas. Como se averiguará, através desta Metodologia todos as proposições identificadas nos materiais consultados são explicitados, na apresentação dos dados. A guisa de esclarecimento, o que foi considerado de maior importância para a escolha deste método alicerça-se nas declarações de Grimble e Chan (1995) e Chevallier (2001) os autores afirmam que “este método assegura que os interesses dos grupos marginalizados e sem poder sejam levados em conta durante a tomada de decisão”. Continuam dizendo que esta metodologia busca identificar os Stakeholders e fazer um diagnóstico das suas preocupações e interesses relativamente ao sistema em operação. Esse sistema permite identificar a sustentabilidade do sistema de análise, para isso Chevalier (2001) propõe que para assegurar a sustentabilidade de um dado sistema de gestão torna-se necessário: a) identificar os stakeholders envolvidos na competição para a utilização do recurso; b) considerar seus valores e visões, além dos seus interesses e objetivos com relação ao recurso; c) identificar os conflitos existentes e potenciais antes deles surgirem, assim como as relações sociais existentes entre os diversos grupos de stakeholders; d) considerar como os recursos, as influências, a autoridade e o poder de cada stakeholder podem contribuir para a gestão do recurso em questão; e) abordar os impactos sociais e econômicos (de distribuição) de um plano de gestão, e a viabilidade do mesmo; 97 f) considerar o tipo ou adequação da participação dos vários stakeholders nas diversas fases de um dada experiência de gestão de recursos Naturais; e g) identificar possíveis coalizões entre stakeholders na busca de estratégias de subsistência mais eficientes, eqüitativas e sustentáveis (i.e., investigar a relação entre os objetivos públicos e os interesses privados divergentes). A Stakeholders analysis é útil para permitir tomadas de decisão baseadas num entendimento real de como diferentes stakeholders podem se beneficiar ou ser prejudicados por um dado plano de gestão (Grimble e Chan, 1995). Esses autores consideram que devem estar presentes alguns requisitos para lançarmos mão deste método: a) existir relações complexas e interdependentes entre diferentes grupos usando recursos comuns; b) os recursos mobilizam diferentes sistemas administrativos, sociais, políticos e econômicos, nos diversos níveis de governo; c) existem problemas de externalidades (do ponto de vista econômico); d) os sistemas de apropriação de recursos não são definidos claramente ou são de livre-acesso; e) existem diferentes níveis de stakeholders com agendas e interesses distintos ; f) ocorre uma representação insuficiente dos stakeholders nas tomadas de decisões; e g) há a necessidade de se fazer trade-offs e análises de custo de oportunidades sobre o uso e gestão dos recursos em termos políticos. Para tanto, consideramos que pelo menos parte, dos requisitos acima estão presentes em nosso estudo, tendo em vista estarmos tratando da participação de 98 diversos grupos de interesse que estão atuando na elaboração das Leis que regulamentação a Gestão e a delimitação do Pantanal Mato-grossense. Nesse sentido seguiremos algumas das diretrizes propostas por Grimble e Chan (1995) expostas na Tabela 06. Tabela 06 – Diretrizes para análise de stakeholders segundo Grinble e Chan (1995). Diretrizes Questões e/ou Comentários 1) Identificar a principal finalidade da Qual o problema a ser abordado? Quais análise. os objetivos e resultados esperados da análise? Quais são as decisões? Como os resultados serão utilizados? 2) Buscar compreender o sistema, suas interações hierárquicas e as decisões. 3) identificar os principais stakeholders. É importante considerar aqui mais de um critério para decidir quais os stakeholders devem ser incluídos ou excluídos da análise. (...) Para a identificação dos stakeholders, três técnicas são sugeridas: o uso de informante-chave, o uso de grupos focais e o uso de dados demográficos. 4) Identificar os padrões e contextos de Isto pode ser feito ao se discutir casos interações entre stakeholders, isto é, a reais de conflitos ou ações cooperativas natureza dos conflitos e das ações de que já ocorreram no passado. cooperação. 5) investigar os interesses, circunstâncias Este passo deve incluir questões-chave e características dos stakeholders. para os stakeholders locais sobre o uso e gestão dos recursos. 6) Administrar conflitos entre stakeholders. Este passo diz mais respeito a técnicas de resolução de conflitos do que ao diagnóstico dos stakeholders. A Stakeholders Analysis é somente uma ferramenta de apoio para este fim. * Este trabalho se limitará à parte das etapas 01, 02, 03, 04 e 05 da proposta dos autores. 99 4.2 Stakeholders apresentados na entrevista com a Gerência de Políticas do Pantanal. A “Entrevista com Informante Chave” foi realizada no dia 15 de agosto de 2007, na Gerência de Políticas do Pantanal. A Gerente de Política do Pantanal da SEMA, afirmou que o que desencadeou o interesse em elaborar uma Lei de Gestão para o Pantanal foi o “aumento da demanda por renovação de licenças das pousadas no pantanal”, a gerente afirmou que os técnicos da SEMA, não estavam mais sentido segurança em emitir das renovações a partir da legislação em vigor pois “ se fossem levar ao pé da letra tudo no Pantanal era área de preservação permanente”. Com respeito aos grupos que atuaram na elaboração da Minuta de Lei que foi apresentada no Forest em 05 de maio de 2006, a gerente citou a Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso (SEMA); Centro de Pesquisa do Pantanal (CPP); a Embrapa Pantanal e a Procuradoria Geral do Estado Mato Grosso. “A partir do 1º Fórum Estadual de Meio Ambiente (...), que era subdividido por temas, por biomas, e esse fórum tinha um grupo de trabalho de políticas para o Pantanal, desse fórum saíram várias contribuições, de diversos seguimentos, considerando todas as questões que precisávamos resolver, e esse evento (...) e os outros que nós havíamos participado.(...) Nós pegamos então todo os materiais do Fórum do meio ambiente, pegamos os estudos do GEF, PCBAP, Técnicos da SEMA e um representante da embrapa Pantanal nós elaboramos o que nós entendíamos que poderia ser permitido no pantanal (...)”. De acordo com a gerente, no período em que a Minuta esteve no site da Secretaria para discussão o Grupo de Trabalho da SEMA recebeu propostas de Minutas da UNEMAT; REMTEA; CONSEMA, e CPP. No que tange à participação da sociedade a entrevistada avaliou que a sociedade, não entendeu inicialmente a proposta. “Primeiro tem que relatar que a sociedade não entendeu muito bem esse processo, muitos entenderam que era uma minuta já pronta que já estava resolvido, e que mais uma vez era uma Lei sendo imposta de cima para baixo, nós tivemos todo um trabalho de informar às pessoas que não era essa a intenção, a proposta podia estar errada, mas o que agente queria era receber contribuições (...)”. 100 A gênese da proposta de Lei está vinculada a interesses fiscalizatórios, diferentemente do que uma perspectiva participativa e democrática exige, a proposta de Lei surgiu para implementar as atividades técnicas de fiscalização do Estado e não como política pública oriunda dos interesses das camadas populares da sociedade pantaneira. 4.3 Stakeholders apresentados na Ata da 7ª Reunião Ordinária do Conselho Estadual de Meio Ambiente – CONSEMA, realizada dia 26/09/2006; Resolução 50/06 do CONSEMA; e Ofício nº 558/2006 da FAMATO. O primeiro item da pauta da 7ª Reunião ordinária de 2006 do CONSEMA era a discussão sobre o Projeto de Lei - Política Estadual de Gestão e Proteção do Pantanal (Anexo III). A reunião ocorreu na Sala de Reuniões da OAB-MT (Plenarinho), foi presidida pelo presidente do CONSEMA. Consta da ata que fora deliberado que comporiam a comissão especial do CONSEMA, FAMATO, SICME, FIENT, IESCBAP, OAB/MT, SEDER, SEDTUR, UFMT e o IBAMA (Anexo IV). A Resolução 50/06 do CONSEMA, definiu a composição da comissão, nomeando como participantes os órgãos e entidades definidos pelo CONSEMA. Apesar da deliberação do Pleno do CONSEMA o IBAMA não foi arrolado nessa resolução (Anexos I e IV). 4.4 Stakeholders apresentados na Comunicação Interna nº 085/2006 da Superintendência de Biodiversidade – Gerência de Política do Pantanal de 29/11/2006 e seus anexos. A Comunicação Interna foi um encaminhamento da Gerência de Política do Pantanal para a Coordenadoria de Ecossistemas (CECO) e traz diversas sugestões do Governador do Estado de Mato Grosso Blairo Maggi.34 34 Comunicação Interna nº 085/2006 da Superintendência de Biodiversidade – Gerência de Política do Pantanal de 29/11/2006 (Anexo V), este documento em inteiro teor está disponível na Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso. 101 Em 17/11/2006 foi realizada uma reunião na Casa Civil onde estiveram presentes representantes da SEMA e o Governador do Estado de Mato Grosso. A partir dos dados sugeridos nessa reunião fora elaborada uma tabela, a qual segue como anexo da Comunicação Interna. Em sua primeira coluna está disposta a versão da Minuta com contribuições acatadas pela Gerência de Políticas do Pantanal da Superintendência de Biodiversidade da SEMA; na segunda coluna as decisões realizadas pelo Governador; e na terceira as Sugestões do CONSEMA, não acatadas pelo Grupo de Trabalho (Anexo V). 4.5 Stakeholders apresentados nas Atas das Audiências Públicas realizadas pela Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso. As Audiências Públicas ocorreram nos Municípios de Poconé em 26 de março de 2007; Cáceres em 13 de abril de 2007; e Barão de Melgaço em 16 de abril de 2007. Tiveram como objetivo discutir as Mensagens nº 02/07, que dispõe sobre a Política Estadual de Gestão do Pantanal de Mato Grosso; e nº 03/07, que dispõe sobre os limites do Pantanal no estado de Mato Grosso. Para a categorização dos Stakeholders que participaram das Audiências Públicas foram propostas a partir deste trabalho três categorias: Estado, Comunitário e Mercado. E os critérios formulados, a partir de então para incluí-los em cada categoria estão dispostos na Tabela 07, os Stakeholders estão distribuídos na Tabela 08. 102 Tabela 07 – Categorias de Stakeholders encontrados na análise dos dados e os critérios utilizados para sua classificação. Critérios objetivos de classificação. Executivo (Federal, Estadual e Municipal) Estado Judiciário (Federal e Estadual) ONG’s (Organização não Governamental) CATEGORIAS DE Legislativo (Federal, Estadual e Municipal) Ministério Público (Federal e Estadual) Comunitário Órgão de representação de Trabalhadores Representantes de Comunidades Tradicionais. STAKEHOLDERS Órgãos de representação dos setores produtivos. Mercado Órgãos de representação de profissionais liberais. Retratando o aspecto teórico das Audiências Públicas, Antunes (2002) considera que audiência pública ambiental funciona como o "instrumento de garantia mais importante para o efetivo exercício" do princípio da publicidade e do princípio da participação pública ou comunitária consagrados entre os fundamentais pela Constituição da República. No entanto, o autor pondera que não obstante o objetivo legal da audiência pública seja "assegurar o cumprimento dos princípios democráticos que informam o Direito Ambiental", com a troca de informações entre os particulares e a Administração Pública, "a pouca tradição democrática de nossa sociedade faz com que a audiência pública seja, de longe, o mais criticado dos institutos jurídicos posto à defesa do meio ambiente". 103 Nesse sentido Irigaray (2003) enfatiza que: “Qualquer que seja a modalidade de participação, os stakeholders devem encontrar no sistema um espaço para a defesa de seus interesses e a segurança de que sua participação não é meramente retórica, indo além da legitimação de decisões técnico-científicas tomadas em gabinetes, estabelecendo-se vínculos de credibilidade”. Destarte, a partir de então serão verificados quais foram os Stakeholders que participaram das Audiências Públicas. A partir da Tabela 08, foram registradas as presenças de 57 Stakeholders, que participaram das Audiências Públicas de Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço. Sendo 29 da Categoria Estado; 15 Comunitário; e 13 Mercado, Figura 01. . 23% 51% Estado Comunitário Mercado 26% Figura 01 - Distribuição Total dos Stakeholders que Participaram das Audiências Públicas. Analisando a presença dos grupos a partir de cada Audiência Pública, pode ser verificado que em Poconé, foram registradas as presenças de 26 Stakeholders sendo 15 na categoria Estado, 02 Comunitário, e 09 mercado, Figura 02. 35% 57% Estado Comunitário Mercado 8% Figura 02 – Stakeholders que participaram da Audiência Pública de Póconé – MT 104 Em Cáceres foram registradas as presenças de 44 Stakeholders, sendo 19 na categoria Estado, 15 Comunitário, e 10 mercado, Figura 03. 23% 43% Estado Comunitário Mercado 34% Figura 03 – Stakeholders que participaram da Audiência Pública de Cáceres – MT Em Barão de Melgaço foram registradas as presenças de 22 Stakeholders, sendo 14 na categoria Estado, 02 Comunitário, e 06 de Mercado, Figura 04. 27% 64% Estado Comunitário 9% Mercado Figura 04 – Stakeholders que participaram da Audiência Pública de Barão de Melgaço – MT 105 Tabela 08 – Stakeholders presentes nas Audiências Públicas de Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço. Categorias ESTADO Stakeholder Executivo Federal: a) Ministério do Desenvolvimento Agrário. Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) b) MMA (Ministério do Meio Ambiente) Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.) Programa Pantanal. c) SEAP – Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República. d) MEC (Ministério da Educação) UFMT (Universidade Federal do Estado de Mato Grosso) Audiência Pública Audiência Pública de Cáceres Audiência Pública de Cáceres Audiência Pública de Cáceres Audiência Pública de Poconé Audiências Públicas de Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço. Audiência Pública de Cáceres. EAFC - Escola Agrotécnica Federal de Cáceres. Executivo Estadual: a) SEDTUR (Secretaria de Estado e Desenvolvimento de Audiência Pública de Poconé, Cáceres Turismo); e Barão de Melgaço – Membro da Comissão do CONSEMA, (Anexo I) b) Casa Civil. Secretário Chefe da Casa Civil Audiência Pública de Poconé d) SICME (Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e Minas e Audiência Pública de Poconé, Cáceres Energia). e Barão de Melgaço – Membro da Comissão do CONSEMA, (Anexo I) e) SEDER (Secretaria de Estado de Desenvolvimento Rural). Audiência Pública de Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço – Membro da Comissão do CONSEMA, (Anexo I) f) SEMA (Secretaria Estadual de Meio Ambiente) Audiência Pública de Cáceres, Poconé e Barão de Melgaço. 106 Continuação da Tabela 08. g) EMPAER (Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Audiência Assistência e Extensão Rural). Melgaço. h) SECITEC (Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia) UNEMAT (Universidade do Estado de Mato Grosso) Pública de Barão de Audiências Públicas de Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço. i) SEDUC (Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso) ESTADO CEOM (Escola Estadual Onze de Março) CEFAPRO (Centro de Formação) Executivo Municipal: a) Chefe do Executivo de Poconé b) Secretaria de Turismo de e Meio Ambiente de Poconé c) Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário de Poconé. d) Secretaria de Finanças do Município de Poconé. Audiência Pública de Cáceres. Audiência Pública de Cáceres. Audiência Pública de Poconé e Barão de Melgaço. Audiência Pública de Poconé Audiência Pública de Barão Melgaço. Audiência Pública de Poconé de e) Chefe do Executivo de Barão de Melgaço Audiência Pública de Poconé e Barão de Melgaço. f) Secretaria Municipal de Educação de Barão de Melgaço Audiência Pública de Barão de Melgaço e) Secretaria Municipal de Administração de Barão de Audiência Pública de Barão de melgaço. Melgaço. d) Chefe do Executivo de Cáceres. Audiência Pública de Cáceres. e) Secretário de Governo de Cáceres Poder Legislativo: a) Legislativo Federal Audiência Pública de Cáceres. Audiência Cáceres. Publica de Poconé e 107 Continuação da Tabela 08. b) Legislativo Estadual; c) Legislativo Municipal Audiência Pública de Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço. Audiência Pública de Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço. ESTADO Ministério Público: a) Ministério Público Estadual. Poder Judiciário: a) Poder Judiciário Estadual. a) ONG’s (Organizações Não Governamentais): FLEC – Fórum de lutas das entidades de Cáceres. Grupo ambiental – Guerreiro da Natureza; ABENE– Associação Beneficente Evangélica; JOEA – Juventude Organizada em Educação e Ação. Rede Pantanal. Paróquia Santíssima Trindade IESCBAP – Instituto Ecológico Sócio-Cultural da Bacia Platina COMUNITÁRIO ARPA – Associação Regional de Produtores Agroecológicos REMTEA - Rede mato-grossense de Educação Ambiental FORMAD – Fórum mato-grossense de desenvolvimento. b) Órgãos de representação dos trabalhadores: Federação de Pescadores do Estado de Mato Grosso Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Fórum Estadual de Economia Solidária. c) Representantes de Comunidades Tradicionais: Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais Chiquitano Audiência Pública de Cáceres Audiência Pública de Cáceres. Audiência Pública de Cáceres Audiência Pública de Cáceres Audiência Pública de Cáceres Audiência Pública de Cáceres Audiência Pública de Cáceres Audiência Pública de Cáceres Audiência Pública de Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço, Participou da Comissão Especial do CONSEMA, (Anexo I) Audiência Pública de Cáceres Audiência Pública de Cáceres Audiência Pública de Cáceres Audiência Pública de Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço. Audiência Pública de Cáceres Audiência Pública de Cáceres Audiência Pública de Cáceres Audiência Pública de Cáceres 108 Continuação da Tabela 08. a) Órgãos de representação dos setores “produtivos”: FAMATO – Federação da Agricultura e da Pecuária do Estado de Mato Grosso MERCADO Audiências Públicas de Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço, Participou da Comissão Especial do CONSEMA, (Anexo I) Sindicatos Rurais. Audiências Públicas de Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço. Pecuaristas Audiências Públicas de Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço. FIENT – Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso. Audiências Públicas de Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço, Participou da Comissão Especial do CONSEMA, (Anexo I) Comissão Pró – Cáceres Audiência Pública de Cáceres. ACRIMAT – Associação de Criadores de Mato Grosso. Audiência Pública de Poconé. Associação Comercial e Empresarial de Cáceres. Audiência Pública de Cáceres. Associação Brasileira de Criadores de Cavalos Pantaneiros de Audiência Pública de Poconé e Poconé. Cáceres. Cooperativa de Criadores de Jacarés. Sindicato de Tributação de Cáceres. COOPER (Cooperativa de Desenvolvimento Mineral de Poconé) b) Órgãos de representação de profissionais liberais: OAB - Ordem dos Advogados do Brasil. SOMATOVET (Sociedade Mato-grossense de Medicina VeterináriA) Audiência Pública de Poconé e Cáceres. Audiência Pública de Cáceres. Audiência Pública de Poconé. Audiências Públicas de Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço, Participou da Comissão Especial do CONSEMA, (Anexo I) Audiência Pública de Barão de Melgaço 109 4.6 A área de atuação política de cada Stakeholder. Depois de identificados quais são os Stakeholders, importa investigar qual é a área de atuação política de cada um deles. Estes dados estão descritos na Tabela 09. Sistematizando o campo de atuação política, a partir das categorias dos Stakeholders encontrados verificou-se que os representantes da categoria Estado foram: Gestores de Políticas Públicas Estatais relacionadas às áreas ambiental, agrária, educacional, pesca, turismo e agropecuário; Legisladores dos âmbitos Federal, Estadual e Municipal; Representantes do Sistema Educacional – Ensino, Pesquisa, Extensão e Formação técnica; Ministério Público; e o Poder Judiciário. Quanto aos representantes da categoria Comunitário, foram: organizações não governamentais educação com ambiental; militância ambiental, organizações social, religiosas; educacional, órgãos de agro-ecológica, representação de trabalhadores; Na Categoria Mercado foram: representantes do agronegócio; do setor industrial; das ZPE`s; da Hidrovia Paraguai Paraná; do setor empresarial e comercial; e profissionais liberais. Os dados demonstraram que a gestão do Pantanal de Mato Grosso é um tema de grande interesse, setores de áreas teoricamente distintas se interessaram em participar da elaboração das Leis, apresentando suas demandas nas diversas etapas. 110 Tabela 09 – Área de Atuação dos Stakeholders ESTADO Stakeholders Área de Atuação Política Poder Executivo Executivo Federal a)MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário). Gestão do segmento rural constituído pelos agricultores familiares; e reforma agrária. Atua também na identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos. Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) Implementa a política de reforma agrária nacional e realiza o ordenamento fundiário nacional. b) MMA (Ministério do Meio Ambiente) Gestão da Política Nacional de Meio Ambiente. IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.) Execução da Política Nacional do Meio Ambiente no âmbito federal. Programa Pantanal. Promove o desenvolvimento sustentável da Bacia do Alto Paraguai, através do gerenciamento e da conservação de seus recursos naturais, incentivando atividades econômicas ambientalmente compatíveis com os ecossistemas e provendo melhores condições de vida à população da região c) SEAP – Secretaria de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República. Gestão da Política de Aqüicultura e Pesca do Governo Federal d) MEC (Ministério da Educação) Gestão da Política Nacional de Educação. UFMT (Universidade Federal do Estado de Mato Grosso) Ensino, Pesquisa e Extensão. EAFC - Escola Agrotécnica Federal de Cáceres. Formação técnica profissional agropecuária. 111 Continuação da tabela - 09. Executivo Estadual a) Governador do Estado de Mato Grosso Dirigente do Executivo Estadual b) SEDTUR (Secretaria de Desenvolvimento de Turismo); c) Casa Civil. Estado Executor das Políticas Públicas Estatais no Estado de Mato Grosso. e d) SICME (Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e Minas e Energia). e) SEDER (Secretaria Desenvolvimento Rural). de Estado de f) SEMA (Secretaria Estadual de Meio Ambiente) g) EMPAER (Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural) h) SECITEC ( Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia) UNEMAT (Universidade do Estado de Mato Grosso) i) SEDUC (Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso) Gestão das Políticas Públicas Estatais do Turismo no Estado de Mato Grosso. Compete exercer as funções entre o Governo e os demais Órgãos, executa e transmite decisões governamentais, coordena o expediente do Governador. Promover a descentralização industrial como forma de prevenção de disparidades regionais, harmonizando e integrando as iniciativas públicas e particulares entre outras atividades. Coordena as ações do Sistema Agrícola Estadual, implementando medidas que buscam a sustentabilidade da cadeia agroprodutiva, permitindo assegurar a expansão, a qualidade e a competitividade do agronegócio mato-grossense. Gestão das Políticas Públicas Estatais do Meio Ambiente no Estado de Mato Grosso. Assistência Técnica, Pesquisa e Extensão Rural no Estado de Mato Grosso. Gestão das Políticas de Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso. Ensino, Pesquisa e Extensão. Gestão das Políticas de Educação do Estado de Mato Grosso. 112 Continuação da tabela - 09. CEOM (Escola Estadual Onze de Março) CEFAPRO (Centro de Formação) Ensino em Cáceres. Aperfeiçoamento e Capacitação de docentes. Executivo Municipal Dirigente do Executivo Municipal Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço. Executores das Políticas Públicas Estatais municipais. Secretaria Municipal de Educação. Gestão da Política Municipal de Educação. Educadores tradicionais. que atuam em Comunidades Ensino em comunidades tradicionais. Secretaria de Meio Ambiente e Turismo Gestão da Política Municipal de Meio Ambiente e Turismo Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário Gestão da Política agropecuária do Município. Secretaria de Administração Administração Municipal. Secretaria de Governo Exercer as funções entre o Prefeito e os demais Órgãos, executa e transmite decisões governamentais, coordena o expediente do prefeito. Poder Legislativo Poder Legislativo Federal. Elaborar Leis, Fiscalizar as ações do Executivo, no âmbito Federal. Poder Legislativo Estadual Elaborar Leis, fiscalizar as ações do Executivo, no âmbito estadual Poder Legislativo Municipal Poconé, Cáceres e Barão de Melgaço. Elaborar Leis, fiscalizar o Executivo, no Âmbito Municipal. Ministério Público Ministério Público Estadual. Nos termos do art. 127 da Constituição Federal, o Ministério Público é uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. 113 Continuação da tabela - 09. Poder judiciário Poder Judiciário Estadual As atividades do Poder Judiciário são regulamentadas Constituição Federal nos seus artigos 92 a 126. pela COMUNITÁRIO Stakeholders Área de Atuação Política a) ONG’s (Organizações Não Governamentais) FLEC – Fórum de lutas das entidades de Cáceres. Militância Ambiental, Social , Educacional e cultural. Grupo ambiental – Guerreiro da Natureza; Militância Agroecológica e Ambiental. ABENE– Associação Beneficente Evangélica; Ações Sócio-beneficentes, Educacional, Saúde e ambiental. JOEA – Juventude Organizada em Educação e Ação. Ambiental, Educacional. Rede Pantanal. Militância ambiental através da elaboração de políticas públicas ambientais. Paróquia Santíssima Trindade Ações religiosas e sociais. IESCBAP – Instituto Ecológico Sócio-Cultural da Bacia Platina Militância Ambiental, Educacional e cultural. 114 Continuação da tabela - 09. ARPA – Associação Regional de Produtores Agroecológicos REMTEA - Rede mato-grossense de Educação Ambiental FORMAD – Fórum mato-grossense de desenvolvimento. b) Órgãos de representação dos trabalhadores: Federação de Pescadores do Estado de Mato Grosso Sindicato dos Trabalhadores Rurais. FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional. Fórum Estadual de Economia Solidária. Militância Sócio-ambiental através de ações de divulgação dos métodos de produção agroecológicos. Militância ambiental, através da difusão da Educação ambiental. Integra organizações dos diversos segmentos da sociedade civil para discussões e definição de ações coletivas em relação às políticas públicas e privadas, que dizem respeito ao meio ambiente e a vida humana. Representa os Pescadores no Estado de Mato Grosso, propondo políticas públicas para a classe. Representa os trabalhadores e as trabalhadoras rurais em Cáceres. Atua na construção de uma sociedade democrática através de uma alternativa de desenvolvimento que contemple a inclusão social com justiça, a sustentabilidade do meio ambiente e a universalização dos direitos sociais, econômicos, culturais, ambientais, civis e políticos. Age na defesa dos trabalhadores e trabalhadoras e atua contra a exploração do trabalho humano e como alternativa ao modo capitalista de organizar as relações sociais dos seres humanos entre si e destes com a natureza. c) Representantes de Comunidades Tradicionais: Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais Coordena a elaboração e acompanha a implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais 115 Continuação da tabela - 09. Chiquitano Stakeholders a) Órgãos de representação dos setores “produtivos”: FAMATO – Federação da Agricultura e da Pecuária do Estado de Mato Grosso Sindicatos Rurais. Pecuaristas FIENT – Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso. Comissão Pró – Cáceres ACRIMAT – Associação de Criadores de Mato Grosso. Associação Comercial e Empresarial de Cáceres Associação Brasileira de Criadores de Cavalos Pantaneiros de Poconé. Cooperativa de Criadores de Jacarés COOPER (Cooperativa de Desenvolvimento Mineral de Poconé) b) Órgãos de representação de profissionais liberais: OAB - Ordem dos Advogados do Brasil. SOMATOVET (Sociedade Mato-grossense de Medicina Veterinária). Representação da Comunidade. MERCADO Área de atuação Política. Atua na defesa dos direitos do empresário rural mato-grossense e tem como objetivos: coordenar, defender, proteger e representar legalmente a categoria. Representam o setor patronal da agropecuária. Representação da Classe. Defende os interesses gerais das indústrias e as representa perante os poderes públicos. Atua na defesa da geração de emprego em Cáceres através de diversas ações entre elas: ZPE; Hidrovia Paraguai- Paraná. Representa os criadores do Estado de Mato Grosso, tem por finalidade à criação, preservação seleção e intercâmbio de bovinos de raça de qualquer origem. Representa o comercio e o empresariado cacerense. Representa os criadores de cavalos pantaneiros na cidade de Poconé. Representa os cooperados em ações que dizem respeito à cadeia produtiva do Jacaré. Atua na implementação das atividades de mineração no município de Poconé. Representação dos Advogados do Brasil. Representação dos Veterinários no Estado de Mato Grosso. 116 É importante compreender que vários representantes do Estado que ora foram identificados nesta categoria, são agentes de Mercado, latifundiários que ocuparam espaço no Poder Público a fim de implementarem seus interesses. Exemplo dessa realidade é o Governador do Estado de Mato Grosso, presidente do grupo Amaggi, conhecido como o "rei da soja", Blairo Maggi (PR), reeleito em Mato Grosso. Sua declaração de bens enviada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aponta o valor de R$ 33.444.394,07. A declaração de Maggi tem 78 itens, entre aplicações financeiras, veículos, imóveis rurais e urbanos, participação em empresas, cotas de clubes etc 35. O grupo Amaggi é o maior produtor e exportador de soja do país, além de ter negócios em outras áreas, como logística de transportes, pecuária e produção de energia elétrica. O Grupo possui 15 fazendas no estado do Mato Grosso com área total de 177.445 ha. Também arrenda outras duas fazendas com área total de 49.805 ha 36. Outro exemplo é o Deputado Federal Homero Pereira (PR), eleito da última eleição com mais de cem mil votos, atual presidente da FAMATO, Homero representa no Legislativo Federal o setor Agropecuário do Estado de Mato Grosso. Em menor número e conseqüentemente menor “cota de poder”37 de intervenção nas políticas públicas estatais, também foram identificados representantes comunitários na categoria Estado. Esse é o caso do representante do INCRA em Cáceres, e do representante da Escola Agrotécnica Federal de Cáceres, ambos são oriundos dos movimentos de base no município de Cáceres e estão ocupando cargos diretivos em órgãos estatais. 35 GUTIERRES M., MORAIS L., e GUIMARÃES L. Um terço dos governadores eleitos são milionários, novembro de 2006, disponível em http://www.fetraconspar.org.br, consultado 02/01/2008. 36 Grupo Amaggi: Projeto de Expansão - Programa de Consulta e Divulgação Pública (PCDP), junho de 2004. Disponível em http://www.ifc.org/, consultado em 05/01/2008. 37 Este é um termo cunhado por Little (2004). Neste trabalho é importante conhecer as “cotas de poder” de um determinado grupo ao avaliar um conflito socioambiental, tendo em vista revelar a capacidade de intervenção que aquele grupo tem para implementar seus interesses junto às estruturas estatais. 117 A divergência entre as opiniões desses representantes de Estado podem ser observadas nas proposições abaixo e estão listadas na transcrição do Corpus38 de análise das Atas das Audiências Públicas. Governador do Estado de Mato Grosso. Defende que a Lei verse sobre a Gestão do Pantanal e não sobre toda a Bacia do Alto Paraguai; Defende a inserção de Organismos Geneticamente modificados na Bacia do Alto Paraguai; Defende também o transporte de sementes transgênicas. Solicitou a exclusão da proposta que estabelecia que a SEMA, realizaria um plano de manejo para as Unidades de Conservação Estaduais existentes na Bacia do Alto Paraguai em um prazo de dois anos39. Deputado Federal Homero Pereira “Nessa questão ambiental, o Deputado Riva colocou bem, sempre que alguém tenta fazer uma lei sem ouvir as partes interessadas, se dá mal. Aconteceu assim com a MP 2.166. Ao invés de ser uma lei que veio para harmonizar a relação do homem com o meio ambiente na floresta, ela só veio tencionar ainda mais tanto é que até hoje ainda esta sendo questionada essa 2.166 sobre se estão obedecendo aos 80%, se não estão, e assim por diante”40 “Se aqui está muito bem definido nesse projeto que o Governador mandou para a Assembléia Legislativa, o que é o Pantanal, que é importante saber o conceito do Pantanal, Está logo no art. 1º, parágrafo único: “Para efeitos desta lei, os limites geográficos do Pantanal de Mato Grosso compreendem somente a planície alagável, conforme definidos em lei específicas”. Representante da Escola Agrotécnica Federal de Cáceres. “Eu gostaria, entre as propostas, que ficasse registrado que o Pantanal não fosse decidido, contemplado, apenas a área alagada, mas que a planície também fosse contemplada (...)” “(...) que a canjiquinha seja retirada desse processo para limpeza de pastos” “(...) que os transgênicos não cheguem ao Pantanal”.41 38 Denominação utilizada por Bardin (1977) como sendo um conjunto de materiais submetidos à análise de conteúdo. Estas Atas estão à disposição 39 Comunicação Interna nº 085/2006 da Superintendência de Biodiversidade – Gerência de Política do Pantanal de 29/11/2006 e seus anexos. 40 Ata da Audiência Pública de Poconé – Pg 20. 41 Ata da Audiência Pública de Cáceres – Pg. 33. 118 Chefe do Incra em Cáceres. “Com relação à limitação, eu acho que o companheiro James já tinha falado isso, de não realizar assentamento rural na área do pantanal. Isso nós vemos com bastante cuidado, porque, ao mesmo tempo em que não esta querendo ter limite na exploração do Pantanal, está querendo ter limite para pessoas ter acesso ao Pantanal. (...)Você não vai ter limites para explorar, mas você vai ter limites para que só alguns tenham acesso.(...) se a lei puder reconhecer aquelas pessoas que estão acampadas, se a utilização for sustentáveis e se nós tivermos políticas públicas para aquelas pessoas, ótimo”42. Conhecer a área de atuação política de cada stakeholder permite que seja compreendida a complexa rede de interesses que se forma em torno de um tema. Outro ponto importante dessa explicitação é a de que a movimentação dos stakeholders no intuito de ocuparem o Estado representa a possibilidade de viabilizarem a efetiva consolidação de suas demandas nos órgãos estatais. Destarte, os principais representantes do Estado de Mato Grosso, e os representantes de Mercado, são filiados e empreendedores da agricultura empresarial. Sua área de atuação política, quando estão infiltrados nas estruturas estatais, é a de viabilizar o avanço do agronegócio.43 4.7 A investigação da Natureza dos Conflitos entre os Stakeholders. Partindo-se da problemática que considera o conflito sócio-ambiental como um tipo de conflito social entre interesses individuais e coletivos, envolvendo a relação 42 43 Ata da Audiência Pública de Cáceres – Pg. 35. Considera-se aqui que o termo agronegócio é utilizado para modernizar a imagem do latifúndio, não esconde que, por onde a atividade avança, crescem a degradação ambiental e a concentração fundiária. O agronegócio também é insustentável do ponto de vista social porque expulsa os pequenos agricultores do local e depende da exploração de grandes extensões de terra. Para Safatle e Pardine (2005) o agronegócio mistura modernidade técnica com o atraso das relações sociais, as autoras enfatizam que o balanço de perdas e ganhos do agronegócio brasileiro é negativo à sociedade brasileira principalmente porque seu modelo reforça a estrutura de dominação das elites brasileiras, além disso gera pouco emprego e causa o êxodo rural que os centros urbanos não são capazes de absorver com dignidade; permite a existência de latifúndios improdutivos e especulação fundiárias. 119 natureza-sociedade. O conflito em análise diz respeito a um conflito sócio-ambiental, oriundo da resistência dos movimentos sócio-ambientais frente ao avanço ululante do agronegócio no estado de Mato Grosso. A natureza do conflito em estudo é sócioeconômica e ideológica, onde são verificados patamares diferenciados de “cotas de poder” dos stakeholders envolvidos. A categorização utilizada para a identificação dos grupos é auto-explicativa, partindo dos critérios objetivos que foram criados para identificar os stakeholders. O que existe na realidade é uma luta entre o sistema capitalista e os modelos alternativos de ocupação dos meios de produção. É possível verificar claramente de um lado o Mercado, representado pela elite agrária, e do outro lado o setor Comunitário, representado por ONG’s que representam os setores populares e os de trabalhadores e trabalhadoras rurais. Ambos na arena do Coliseu Pantaneiro, pleiteando a efetivação de políticas públicas que atendam seus interesses. A relação existente entre os grupos não é harmoniosa, diga-se de passagem, que a estratégia de mostrar que existe harmonia entre os grupos, parece ser mais uma das falácias do Capital, que usa este argumento para legitimar suas ações. Com muita propriedade Loureiro (2006) ensina que: ”Ignorar a existência de conflitos na busca de consensos é definir uma posição ideológica de defesa do diálogo para a resolução dos riscos, sem considerar as desigualdades que marcam necessidades radicalmente distintas em uma sociedade de classe”. Esse antagonismo apresentado, não é tão facilmente percebido, enquanto não observado cautelosamente, em especial no que toca a quais foram às reivindicações de cada grupo. A partir do momento em que as demandas são reveladas e que são averiguadas às conseqüências de suas implementações, fica patente que as proposições são dissonantes e que resultarão em políticas públicas extremamente diferentes. 120 4.8 As demandas de cada Stakeholder. As demandas de cada setor a foram identificadas a partir dos documentos já citados e das Atas das Audiências Públicas de Poconé, Cáceres, e Barão de Melgaço, e estão listadas nas Tabelas 10, 11, e 12. Estas reivindicações são dados oriundos da manifestação dos Stakeholders ora fazendo pronunciamentos ou encaminhando documentos à presidência da Audiência ou aos setores responsáveis pela elaboração da Lei na SEMA. Os stakeholders fizeram propostas no sentido da implementação dos empreendimentos peculiares a sua área de atuação; sugeriram também a alocação de recursos ora para atividades solidárias ora para o financiamento do agronegócio; criação de um fundo, para financiamento de atividades no pantanal; regularização das propriedades; que a lei vincula-se a obrigatoriedade do Saneamento Básico nos grandes municípios poluidores; a discussão da permanência do Mato Grosso na Amazônia Legal; a fiscalização das Hidrelétricas; a compensação pecuniária dos municípios que possuem grande parte de seu território em área alagável, etc. A fim de demonstrar que se trata de um conflito sócio-ambiental serão abordados dois temas presentes nas demandas que retratam os interesses presentes nos grupos de stakeholders, as propostas de redelimitação e as demais demandas feitas pelos pelos grupos. Conforme já citado, Layrargues, considera que compreender os conflitos sócioambientais é de fundamental importância, por permite entender o problema ambiental não apenas pela sua face ecológica, mas também pelo critério do conflito de interesse existente entre os diversos atores sociais em questão. O autor afirma que eles são, em síntese, conflitos sociais que tem elementos da natureza como objeto e que expressam relações de tensão entre interesses coletivos/espaços públicos X Interesses privados/tentativas de apropriação de espaços públicos. 121 Tabela 10 – Demandas apresentadas pelos Stakeholders da Categoria Estado . DEMANDAS DA CATEGORIA ESTADO Agentes Populares na categoria Estado Agentes de Mercado na categoria Estado Defende o transporte de Transgênicos nos rios do Pantanal. Defende que a Lei de gestão verse sobre a Bacia do Alto Paraguai, regulamentando as atividades a serem desenvolvidas em toda a BAP. (95% dos representantes dos movimentos populares que estão ocupando espaço no aparelho estatal fizeram esta reivindicação). Defende Assentamentos no Pantanal Defende a regulamentação Protegidos no Pantanal. Sugere a proibição de assentamentos no Pantanal. dos Espaços Defende a regularização dos Assentamentos já existentes no Pantanal. Sugere que a Lei contenha sanções. Defende a construção de aterros no Pantanal. Regulamentação das Hidrelétricas. Contra a regulação das embarcações turísticas, através desta Lei. Contra o Transporte dos Transgênicos nos rios do Pantanal. Compensação para os municípios que tem sua área no Pantanal. Contra o Plantio dos Transgênicos na área de entorno da área alagável. Defende a diminuição das Áreas de Preservação Permanente São contra a Limpeza de pastagem (espécies Sugere a regularização das Ong’s . de Pombeiro (Combretum lanceolatum e Combretum laxum), Canjiqueira (Byrsonima orbignyana), Pateiro (Couepia uiti), Pimenteira (Licania parvifolia), Cambará (Vochisia divergens), Algodoeiro (Ipomoea fistulosa); 122 Continuação da Tabela 10. Defende a regulamentação do Saneamento Básico. Alocação de recursos para o financiamento de atividades sustentáveis. Contra a instalação de carvoarias na área alagável e na BAP. Defende o Agroextrativismo Sugere a regularização do manejo de espécies nativas para o desenvolvimento das atividades sustentáveis. Defende a construção de aterros pelas comunidades ribeirinhas. Defende maior participação das instituições de ensino, pesquisa e extensão, na elaboração na elaboração de políticas públicas estatais referentes ao Pantanal de Mato Grosso. Sugere a ampliação da ação da Policia Ambiental. Defende a maior participação dos povos e comunidades tradicionais na Elaboração das propostas. Contra a Hidrovia Paraguai-Paraná. Solicita a proibição da instalação da industria do Álcool, tanto na Área alagável, quanto no entorno. Defende a atividade garimpeira. Defende a ampliação das atividades relacionadas à indústria do biodiesel na região da BAP. Sugere a ampliação das atividades vinculadas à indústria da borracha. Solicita a exclusão da proposta que versava sobre a obrigatoriedade da SEMA de promover em um ano a identificação das barragens, diques e aterros existente no Pantanal de Mato Grosso, a qual solicitava aos responsáveis a remoção ou a adequação; Solicita a exclusão da proposta que estabelecia que a SEMA, realizaria um plano de manejo para as Unidades de Conservação Estaduais existentes na Bacia do Alto Paraguai em um prazo de dois anos. Solicita a exclusão do texto que exigia que todas as pessoas físicas,jurídicas, públicas ou privadas e que possuam, em sua área, barragens, diques e aterros deverão no prazo de 120 dias, requerer a SEMA vistoria técnica Defende a implementação da Hidrovia Paraguai-Paraná. Defende a criação dos Portos na Região. Defende o transporte de Transgênicos nos rios do Pantanal. Sugere a proibição de assentamentos no Pantanal. Defendem a regularização dos Assentamentos já existentes no Pantanal. 123 Tabela 11 – Demandas da Categoria Comunitário. DEMANDAS CATEGORIA COMUNITÁRIO 95% dos representantes desta categoria solicitaram para que a Lei de Gestão versa-se sobre toda a Bacia do Alto Paraguai. *Defende que a Lei contemple os demais paises que pertençam ao Pantanal É contra a ampliação do Agronegócio no Pantanal. Defende os assentamentos de comunidades ribeirinhas. É contra a Limpeza de pastagem (espécies de Pombeiro (Combretum lanceolatum e Combretum laxum), Canjiqueira (Byrsonima orbignyana), Pateiro (Couepia uiti), Pimenteira (Licania parvifolia), Cambará (Vochisia divergens), Algodoeiro (Ipomoea fistulosa); Solicita a implementação da Lei de Economia Solidária no Pantanal. Defende o cooperativismo para a região. Sugere a ampliação dos empreendimentos agroecológicos. É contra a implantação dos portos na região. Exige a inclusão dos princípios que orientam a Política Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais. Propõe a criação de um fundo para o subsidio de atividades sustentáveis. Que a Lei regulamente as questões relativas ao Saneamento Básico. Contra o Plantio e transporte de Transgênicos. Sugere a regulamentação das Hidrelétricas. Defende a permanência do Estado de Mato Grosso na Amazônia Legal. Solicita a regulamentação da Piscicultura. Critica a extinção da Policia Ambiental, defende a ampliação das suas atividades Contra o avanço do Agronegócio na BAP. Maior parceria entre os governos de MT e MS, para a implementação da Lei. Sugere que a Lei regulamente a gestão dos resíduos sólidos da Região. Defende que a Lei regulamente a atividade turística no Pantanal. Sugere que a Lei regulamente a pesquisa no Pantanal. Defende a ampliação das Áreas de Preservação Permanente. Sugere maior presença do Estado na fiscalização do Agronegócio na BAP. Defende a realização de Audiências públicas em todos os municípios que fazem parte do Pantanal. Sugere a regulamentação das Reservas no Pantanal. 124 Tabela 12 – Demandas da Categoria Mercado. Demandas da Categoria Mercado. 90% dos representantes pleitearam que a Lei de Gestão fosse limitada somente à área alagável da Bacia do Alto Paraguai. Sugeriu para que não ocorressem mais Audiências Públicas além de Poconé. Defende a Limpeza de Pastagem como supressão das seguintes espécies: Pombeiro (Combretum lanceolatum e Combretum laxum), Canjiqueira (Byrsonima orbignyana), Pateiro (Couepia uiti), Pimenteira (Licania parvifolia), Cambará (Vochisia divergens), Algodoeiro (Ipomoea fistulosa). Defende a construção das Usinas de Álcool na região. Sugere que o Estado de Mato Grosso não têm competência para legislar sobre o Pantanal. Solicita a implementação da Hidrovia Paraguai-Paraná. Defende a construção dos Portos no Pantanal. o Transporte de transgênicos nos rios do Pantanal. Defende a inserção de Organismos Geneticamente modificados na Bacia do Alto Paraguai; Exige mais financiamento para agronegócio da região. Defende a instalação de Hidrelétricas na região Sugere a maior participação do setor produtivo nas discussões relativas à gestão do Pantanal. Exige a regularização das ONG’s que atuam na região. Defende a proposta de Lei encaminhada pela Grupo de Trabalho do CONSEMA, presidido pela FAMATO. 125 4.8.1 Os Limites da Arena, a explicitação dos interesses. As duas mensagens encaminhadas para discussão nas Audiências Públicas foram a Lei de Gestão e de Redelimitação do Pantanal de Mato Grosso. Como pouco se discutiu, sobre onde de fato cruzavam os limites da nova lei de Delimitação, os maiores questionamentos sobre esta mensagem trataram da exclusão das cidades de Cuiabá e Várzea Grande da área compreendida no Pantanal, por exemplo: Representante do JOEA – Juventude Organizada em Educação e Ação “Também quanto à questão da delimitação da área do Pantanal, eu acho muito complicada essa questão de delimitar, criar fronteiras (...) Cuiabá e Várzea Grande podem não ser alagáveis, mas têm uma influência muito grande na vida do Pantanal”44. Já considerando a discussão sobre a área de abrangência da Lei de Gestão, basicamente duas foram às proposições apresentadas pelos stakeholders, os que defendiam que a Lei de Gestão deveria se limitar à Área Alagável e os que consideravam que a Lei deveria tratar de toda a Bacia do Alto Paraguai. A partir da categorização proposta, 90% das demandas apresentadas pelos representantes de Mercado tiveram como propositura a gestão reduzida somente à Área Alagável, Tabela 12. E foi de 95% as proposições dos agentes de mercado que ocupam espaço na categoria Estado, que pleitearam a gestão reduzida à Área Alagável, Tabela 10. Para tanto basta observar a proposta de Minuta encaminhada ao Poder Executivo Estadual, elaborada pela Comissão Especial do CONSEMA, presidida pela FAMATO, órgão máximo de representação do agronegócio no Estado de Mato Grosso. 44 Ata da Audiência Pública de Cáceres – Pg. 32. 126 A proposta traz como epígrafe da Lei os seguintes termos “Dispõe sobre a Política Estadual de Gestão do Pantanal de Mato Grosso e dá outras providências”. A guiza de exemplo importa observar também pronunciamento do Deputado José Riva: Deputado José Riva “...tenho muito medo de vir com essa história de entorno do Pantanal, Jorge Pires, para querer arrumar mais uma forma de travar o desenvolvimento do nosso Estado. Isso é muito comum”.45 Já, quanto às demandas apresentadas pelos representantes da categoria Comunitário, 95% foram no sentido de que a Lei deveria versar sobre a gestão da Bacia do Alto Paraguai, Tabela 11. Fora também de 95% às demandas dos agentes populares que ocupam espaço na categoria Estado que pleitearam à gestão sobre toda a Bacia do Alto Paraguai. Eis infra arrolados exemplos de pronunciamentos de representantes da categoria Comunitário: Grito de Ordem, durante a Audiência Pública de Cáceres. “Pantanal por Inteiro e não pela metade”. 46 Representante da Colônia de pescadores Z2. “(...) caso o veto não seja possível, que vamos pedir pelo menos, que se trate do Pantanal por inteiro, desde as nascentes dos rios formadores do Pantanal. Não dá para nós discutirmos o Pantanal sem tratar inicialmente, primeiramente, das nascentes desses rios formadores do Pantanal”.47 Representante da FASE “Se observarmos o Pantanal somente como Planície Alagável, não vai levar em consideração a carga de agrotóxicos que nós recebemos(...)”.48 45 Ata da Audiência Pública de Poconé – Pg. 10. Grito de Ordem realizado na Audiência Pública de Cáceres. 47 Ata da Audiência Pública de Barão de Melgaço – Pg 42. 48 Ata da Audiência Publica de Cáceres – Pg 18. 46 127 Formad - Fórum Matogrossense de Desenvolvimento “sua parte Mais frágil está na condicionante da aprovação de outro Projeto de Lei, que propõe uma nova delimitação ao Pantanal, restrita à sua área alagável, desconsiderando o Planalto, as nascentes dos rios que compõe a Bacia (...)”.49 No que diz respeito aos representantes da categoria Estado, agentes de mercado que pleitearam a gestão, limitada a área alagável e outros que demandaram a gestão de toda a Bacia do Alto Paraguai. Os primeiros são explicitamente os representantes do agronegócio, a exemplo o próprio Governador do Estado de Mato Grosso Blairo Maggi; o Deputado Federal Homero Pereira, atual presidente da FAMATO; e o Presidente do Sindicato Rural de Poconé. O outro grupo é oriundo dos movimentos populares, como os abaixo arrolados: Representante do CEFAPRO. “Não podemos pensar em Pantanal somente como área alagável. O entorno faz parte do Pantanal Mato-grossense. E tudo que é sofrível na área alagável resultado, é conseqüência da conectividade ambiental que nos temos desse entorno”.50 Representante da UFMT. “Quantos aqui conhecem rios e córregos importantes que nascem dentro do Pantanal? Que eu saiba nenhum. É na cabeceira alta, é na bacia alta, (...) é que nós temos, exatamente, a determinação e sustentação de sobrevivência ou não do Pantanal”.51 O principal argumento utilizado pelo grupo que defende que a Lei verse somente sobre a área alagável é o de que para as áreas de planalto já existe legislação, afirmam que é desnecessário que o Estado legisle sobre algo que já está tutelado pela legislação federal. Já o grupo, do qual comunga-se este trabalho, defende que a Lei deve abordar toda a Bacia do Alto Paraguai, afirma que esta é uma grande 49 Ata da Audiência Publica de Cáceres – Pg. 25. Ata da Audiência Pública de Cáceres – Pg. 31. 51 Ata da Audiência Pública de Barão de Melgaço – Pg. 42. 50 128 oportunidade que o Estado tem estabelecer uma política pública que venha frear o rápido avanço do agronegócio sobre os bens ambientais ainda conservados em Mato Grosso. Discutir a delimitação do Pantanal é discutir o Território pantaneiro, nesse sentido, Souza (2001) define território como sendo um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder, e que o poder não se restringe ao Estado e não se confunde com violência e dominação. Assim, o conceito de território deve abarcar mais que o território do Estado-Nação. Nas palavras do autor, “todo espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder é um território, do quarteirão aterrorizado por uma gangue de jovens até o bloco constituído pelos países membros da OTAN”. Continua dizendo que “em qualquer circunstância, o território encena a materialidade que constitui o fundamento mais imediato de sustento econômico e de identificação cultural de um grupo”. Em um amplo estudo sobre as abordagens teóricas relativas ao Território. Bordo et. al. (2004) conclui que “a idéia de relação de poder aparece, direta ou indiretamente, nos ensinamentos de todos os autores apresentados neste ensaio para a caracterização do território. (...), as idéias de poder, de mecanismos de controle e dominação perpassaram pelos demais autores aqui estudados como fundamentais para a caracterização do território”. Essas remissões teóricas, correlacionando o Território ao Poder, são importantes porque esclarecem o real significado do interesse dos grandes grupos econômicos, das oligarquias rurais, do estado de Mato Grosso em limitarem a Lei de Gestão somente à área alagável. 4.8.2 As demais demandas apresentadas pelos Stakeholders. A questão das demandas apresentadas por cada categoria de Stakeholders sem dúvida alguma reflete o modo de apropriação dos bens naturais, por eles idealizados. 129 Para tanto importa, lembrar que na categoria Estado, novamente serão identificados os agentes de mercado que pleiteiam modos insustentáveis de apropriação dos bens ambientais e também agentes oriundos dos movimentos populares que defendem modelos endógenos de produção. Quanto aos primeiros as principais referendados foram: A inserção de organismos geneticamente modificados; o transporte de transgênicos; a mineração; a implantação de destilarias no pantanal; a criação de carvoarias; atividades ligadas ao biodiesel, Tabela 10. Como exemplo desses pleitos, observe infra citadas algumas explanações, lembrando que elas estão listadas no Corpus de análise, as atas das Audiências Públicas. Governador do Estado de Mato Grosso “Defende a inserção de Organismos Geneticamente modificados na Bacia do Alto Paraguai; e o transporte de sementes transgênicas”.52 Legislativo de Poconé. “Temos partes aqui que diz que as atividades econômicas não vão ser abolidas, nos dá segurança de que a nossa mineração vai permanecer; nos dá segurança que os nossos pecuaristas vão poder criar seu gado extensivamente; nos dá segurança que não vai ter prejuízo nenhum”.53 Legislativo de Poconé “Temos através do Sr Airton e do pessoal da Borracha, a iniciativa do biodiesel e tantas outras. Será que essas e tantas outras iniciativas não serão sobrestadas com a aprovação desta Lei?”.54 Já os representantes dos movimentos populares, presentes na categoria Estado, reivindicaram ações por parte do poder público que representavam os modelos endógenos de apropriação dos bens naturais, Tabela 10. Eis alguns exemplos: 52 Comunicação Interna nº 085/2006 da Superintendência de Biodiversidade – Gerência de Política do Pantanal de 29/11/2006 e seus anexos (Anexo V). 53 54 Ata da Audiência Pública de Poconé – Pg. 31. Ata da Audiência Pública de Barão de Melgaço – Pg. 23. 130 Grupo de Estudo de Agroecologia do Pantanal - UNEMAT. “É certeza que a intenção é diminuir a área do Pantanal exatamente para isso, para implementar aqui carvoarias e indústrias de álcool”. Que ajam mais incentivos para o agroextrativismo. A canjiquinha é símbolo de Cerrado. Vamos cortar? Não, gente! Tem forma de usar economicamente e sustentavelmente também”. “Também vamos ressaltar o não aos transgênicos na navegação. Não ao transporte dos transgênicos (...) Todos sabem que não têm estudos que liberam as conseqüências que isso pode ter”.55 Escola Agrotécnica Federal de Cáceres. “(...) que os transgênicos não cheguem ao Pantanal”.56 As demandas apresentadas, pelos representantes da categoria Comunitário, Tabela 11, são modos de produção que valorizam os povos tradicionais pantaneiros, que permitem seu desenvolvimento pleno a partir dos modelos alternativos ao imposto pelo capital, outro ponto importante verificado nas sugestões é a critica ao modelo hegemônico de exploração ambiental em Mato Grosso, tendo em vista ser ele alicerçado no latifúndio, e conseqüentemente excludente, excravagista, concentrador, e altamente impactante do ponto de vista ecológico. Rede Pantanal. “Mas vamos ter que continuar pagando com o fim dos povos tradicionais, com o fim das populações tradicionais (...) porque eles querem a hidrovia aqui. Eles precisam se aliar a CARGILL, a MONSANTO, aos latifundiários para fazer uma hidrovia que vai destruir o Pantanal”.57 55 Ata da Audiência Pública de Cáceres – Pg. 43. Ata da Audiência Pública de Cáceres – Pg. 33. 57 Ata da Audiência Publica de Cáceres – Pg. 23. A oradora é a atual coordenadora do Programa Pantanal do Ministério do Meio Ambiente. 56 131 Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cáceres. “(...) é preciso também que nós trabalhadores rurais, agricultores familiares, campesinos fiquemos adequados a esse sistema de produção alternativo”.58 FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional. “Nós temos no Estado, pelo menos, dois ou três proposições de desenvolvimento, que estão postas em confronto neste momento. Os interesses dos que estão no Planalto, do agronegócio, altamente agressivo contra o meio ambiente, altamente excludente do ponto de vista social. E do ponto de vista econômico, favorece grupos minoritários e, principalmente, empresas estrangeiras, não incluindo a maioria brasileira. Esse projeto tem grandes interesses. É isso que está se discutindo aqui. E o que preocupa é que eles têm maioria na Assembléia Legislativa”.59 De maneira geral os empreendimentos defendidos pelos representantes da categoria Comunitário, exaltam um modo de apropriação que valoriza o desenvolvimento endógeno, que oportuniza as comunidades locais ampliarem suas técnicas de utilização dos bens ambientais, que oportuniza o protagonismo de diferentes grupos. Dentro desta ótica De Paula (2006) aventa que: “Existe um conceito muito usado por vários autores que é o do desenvolvimento endógeno, que surge de dentro para fora, emerge da própria comunidade. Não é um modelo que vem de fora, mas os próprios atores locais planejam e gerenciam o ritmo de avanços”. Por fim, as demandas sugeridas pelos representes da categoria Mercado, Tabela 12. Os empreendimentos ora solicitados são notadamente espoliadoras, explotistas e insustentáveis do ponto de vista sócio-ambiental, a título de exemplo: as Carvoarias; a implantação de usinas de álcool; a limpeza da pastagem com a supressão das espécies de Pombeiro (Combretum lanceolatum e Combretum laxum), Canjiqueira (Byrsonima orbignyana), Pateiro (Couepia uiti), Pimenteira (Licania parvifolia), Cambará (Vochisia 58 59 Ata da Audiência Pública de Cáceres – Pg. 39. Ata da Audiência Pública de Cáceres – Pg. 53. 132 divergens), Algodoeiro (Ipomoea fistulosa); a construção de açudes; a implementação de hidrelétricas; e o avanço agronegócio na Bacia do Alto Paraguai através da Monocultura. Além desses empreendimentos, basta observar quais foram às atividades vedadas pela Comissão Especial do CONSEMA, presidida pela FAMATO, para verificar que a maioria das atividades degradadoras que ora ocorrem no pantanal não foram listadas. Uma fala representativa das reivindicações dos representantes dessa categoria na Audiência Pública de Barão de Melgaço. Pecuarista “Essa Lei (...) diz textualmente (...) que fica proibido construir usina no Pantanal. Nós queremos destacar - e voltando aqui para Santo Antonio – a questão de 40 quilômetros, vemos a chaminé da Usina Itaici, que foi construída nos anos de 1920 e que funcionou até 1950,(...) não existe registro de contaminação. Então se não for liberado para produzir cana no Pantanal, não pode ser proibido”.60 Poliany (2000), considera que permitir que o mecanismo de mercado seja o único dirigente do destino dos seres humanos e do seu ambiente natural, e até mesmo o árbitro da quantidade e do uso do poder de compra, resultaria no “desmoronamento da sociedade”. Pontua ainda que: “A natureza seria reduzida a seus elementos mínimos, conspurcadas as paisagens e os arredores, poluídos os rios, a segurança militar ameaçada e destruído o poder de produzir alimentos e matérias-primas.” Diante da realidade pretendida pelos agentes de Mercado, pode-se corroborar com o autor, e acredita-se que permitir que “o mecanismo de mercado” seja o dirigente do futuro do Pantanal de Mato Grosso e dos que nele vivem, resultaria na destruição desse Patrimônio Nacional. 60 Ata da Audiência Publica de Barão de Melgaço – Pg. 20 133 4.9 – A Lei Aprovada e a sua Relação com as Demandas dos Stakeholders. Após todo o período de discussão e tramitação na Assembléia Legislativa o Governador do Estado de Mato Grosso sancionou a Lei 8.830 de 21/01/ 2008 (Anexo VII) e vetou o projeto que estabelecia os novos limites para o Pantanal de Mato Grosso. Sobre o veto o Governador argumenta que, “trata-se de um erro material”, já que a delimitação proposta traria inúmeras conseqüências negativas. O Governador afirma que “O Pantanal Mato-grossense é uma realidade, independente da delimitação que lhe for dada”. Nas motivações do o governador afirma que “não é o fato de não estabelecer em lei estadual os seus exatos limites que deixaria o ecossistema desprotegido”. No que diz respeito à Lei 8.830 de 21/01/2008, que dispõe sobre a “Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso”. A Lei aprovada tem a finalidade de promover a preservação e conservação dos bens ambientais, a melhoria e recuperação da qualidade ambiental pelo bem-estar da população envolvida. O projeto propõe a ordenação de atividades econômicas e o apoio às já existente. Como já fora esclarecido na categoria Estado estavam presentes agentes populares e também agentes de mercado. As Tabelas 13 e 14 demonstram quais foram às demandas feitas por cada grupo e retrata se estes pleitos foram ou não contempladas na Lei 8.830 de 21/01/2008. A Tabela 15 demonstra quais demandas da Categoria Comunitário foram contemplados e a Tabela 16 retrata as demandas Categoria Mercado que foram atendidas na Lei de Gestão da Bacia do Alto Paraguai. 134 TABELA 13 – Demandas dos agentes populares na categoria Estado e seu reflexo na Lei. Demandas dos agentes populares na categoria Estado. Situação das demandas na Lei aprovada. Defende que a Lei de gestão verse sobre a Bacia do Alto Paraguai, regulamentando as atividades a serem desenvolvidas em toda a BAP. (95% dos agentes populares na categoria Estado, fizeram esta reivindicação) Não atendido, pois a Lei trouxe em sua epígrafe o texto “Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso”, mas na realidade não regulamentou atividades a serem desenvolvidas em toda a BAP, e trouxe no art. 14, a atribuição de regulamentar estas atividades ao “O Zoneamento Sócio Econômico de Mato Grosso – ZSEE/MT”. Não atendida, pois a lei vetou os assentamentos no Pantanal, art. 9º IV. Defende Assentamento no Pantanal Defende a regulamentação dos Espaços Protegidos no Pantanal. Atendido, os arts 7º e 8º da Lei tratam especificamente sobre os Espaços Territoriais Especialmente Protegidos. Sugere que a Lei contenha sanções. Não atendido, a Lei não versou sobre este tema. Defende a regulamentação das Hidrelétricas. Não atendido, todavia o art. 9º que trata das “restrições de uso” reza no inciso III a vedação da construção de diques, barragens ou obras que causam alterações dos cursos d’água. Não atendida, pois a Lei não vetou esta atividade em seu art. 9º que trata das “restrições de uso”. É contra o Transporte dos Transgênicos nos rios do Pantanal. Contra o Plantio dos Transgênicos na área de entorno da área alagável. Não atendida, pois a Lei não regulamentou as atividades a serem desenvolvidas nas áreas de entorno do área alagável, art. 14. São contra a Limpeza de pastagem (espécies de Pombeiro (Combretum lanceolatum e Combretum laxum), Canjiqueira (Byrsonima orbignyana), Pateiro (Couepia uiti), Pimenteira (Licania parvifolia), Cambará (Vochisia divergens), Algodoeiro (Ipomoea fistulosa); Defende a regulamentação do Saneamento Básico. Não atendida, pois a Lei permitiu a Limpeza de pastagem e além da supressão destas espécies inseriu outras, Amoroso (Hydrolea spinosa), Arrebenta laço (Sphinctanthus micropyllus), conforme art. 11 §§ 1º, 2º. Não atendida, todavia elencou no art. 5º XI como atribuição do Poder Público a promoção, no prazo de 05 (cinco) ações relacionadas aos sistemas de esgotos e a deposição dos resíduos sólidos na BAP. 135 Continuação da Tabela 13. Alocação de recursos para o financiamento de atividades Atendida, tendo em vista listar entre as diretrizes o estimulo a sustentáveis. instalação de atividades sustentáveis, art. 4º VII, VIII, IX. Contra a instalação de carvoarias na área alagável e na BAP. Não atendida, a Lei só vetou a instalação de carvoarias na Área Alagável, art. 9º V. Solicita a proibição da instalação da industria do Álcool, tanto na Não atendida, pois a Lei só vetou a instalação deste tipo de Área alagável, quanto no entorno. empreendimento na Área alagável, art. 9º V. Defendem o Agroextrativismo Atendido, Atendida, tendo em vista listar entre as diretrizes o estimulo a instalação de atividades sustentáveis, art. 4º VII, VIII, IX. Sugere a regularização do manejo de espécies nativas para o Atendido, o art. 6º V, reza que é atribuição da SEMA fomentar desenvolvimento das atividades sustentáveis. ações visando o manejo sustentável dos recursos vetais nativos; também o art. 5º VII, afirma ser atribuição do Poder Público incentivar ações para o manejo dos recursos pesqueiros. Defende a construção de aterros pelas comunidades ribeirinhas. Não atendido, todavia o art. 15 estabelece que a SEMA promoverá, dentro de 05 (cinco) anos a identificação das barragens, diques e aterros existentes na planície alagável. Defende maior participação das instituições de ensino, pesquisa Atendida, o art. 4º e incisos I, V, prevêem como diretriz a e extensão, na elaboração na elaboração de políticas públicas articulação entre diversos setores para a implementação de estatais referentes ao Pantanal de Mato Grosso. políticas voltadas ao Pantanal de Mato Grosso. Solicita a criação de um fundo para a o financiamento de Não atendida, a Lei não versou sobre este tema. atividades vinculadas à cadeia produtiva dos produtos produzidos pelos povos e comunidades tradicionais do Pantanal “ Sugerem a ampliação da ação da Policia Ambiental. Não atendida, a Lei não versou sobre este tema. Defende a maior participação dos povos e comunidades tradicionais na Elaboração das propostas. Atendida, art. 2º XXII; 3º XII; 4º III, IV, IX. Versam sobre este tema e ratificam a Política Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais. Contra a Hidrovia Paraguai-Paraná. Não atendida, pois a Lei não proibiu a navegação de grande porte nos Rios do Pantanal, todavia é importante frizar que o art. 13 veta o “transporte de produtos perigosos”. 136 TABELA 14 – Demandas dos agentes de mercado na categoria Estado e seu reflexo na Lei. Demandas dos Agentes de Mercado na categoria Estado. Situação das demandas na Lei aprovada. Defende que a Lei de gestão verse somente sobre a área alagável Atendido, pois a Lei trouxe em sua epígrafe o texto “Política da Bacia do Alto Paraguai. (95% dos atentes de mercado fizeram Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no esta reivindicação). Estado de Mato Grosso”, mas na realidade não regulamentou atividades a serem desenvolvidas em toda a BAP, e rezou no art. 14, a atribuição de regulamentar estas atividades ao “O Zoneamento Sócio Econômico de Mato Grosso – ZSEE/MT”. Defende o transporte de Transgênicos nos rios do Pantanal. Atendido, a Lei não vetou no art. 9º o transporte de transgênicos no Pantanal. Sugerem a proibição de assentamentos no Pantanal. Atendido a Lei vetou no art. 9 IV a implantação de assentamentos no Pantanal. Defende a regularização dos Assentamentos já existentes no Não atendido, porém a lei estipula em seu art. 4º VI que é uma Pantanal. de suas diretrizes a ordenação da ocupação territorial da Bacia do Alto Paraguai, com ênfase na Planície Alagável. Defende a construção de aterros no Pantanal. Não atendido, todavia o art. 15 estabelece que a SEMA promoverá, dentro de 05 (cinco) anos a identificação das barragens, diques e aterros existentes na planície alagável. Contra a regulação das embarcações turísticas, através desta Lei. Atendido, a lei não regulamentou este tema de modo específico. No entanto estabeleceu no art. 13 que a navegação deve ser compatível com a realidade dos rios do Pantanal. Compensação para os municípios que tem sua área no Pantanal. Defende a diminuição das Áreas de Preservação Permanente Não atendido, a lei não tratou deste tema. Não atendido, regulamenta nos arts 7º e 8º especificamente os Espaços Territoriais Especialmente Protegidos. Sugerem a regularização das Ong’s . Não atendida, porém a Lei estabelece no art. 4º I e V, a como sua diretriz a busca de parcerias no sentido de implementar políticas públicas para o Bioma. Atendido, a Lei não vetou expressamente no art. 9º esta atividade na área alagável, no entanto o inciso V, deste artigo veda a implantação de empreendimentos que causem “alto grau de poluição ou degradação". Defende a atividade garimpeira. 137 Continuação da Tabela 14. Defende a ampliação das atividades relacionadas à indústria do Atendido, a Lei não vetou no art. 9º as atividades vinculadas a biodiesel na região da BAP. este tipo de empreendimento na área de entorno da área alagável. Sugere a ampliação das atividades vinculadas à indústria da Atendido, a Lei não vetou expressamente no Artigo 9º a borracha. realização desta atividade na área alagável, no entanto o inciso V, deste artigo veda a implantação de empreendimentos que causem “alto grau de poluição ou degradação". Solicita a exclusão da proposta que versava sobre a Atendido, o art. 15 estabelece que a Secretaria irá realizar este obrigatoriedade da SEMA de promover em um ano a identificação trabalho no prazo de 05 (cinco) anos das barragens, diques e aterros existente no Pantanal de Mato Grosso, a qual solicitava aos responsáveis a remoção ou a adequação; Solicita a exclusão da proposta que estabelecia que a SEMA, realizaria um plano de manejo para as Unidades de Conservação Estaduais existentes na Bacia do Alto Paraguai em um prazo de dois anos. Solicita a exclusão do texto que exigia que todas as pessoas físicas,jurídicas, públicas ou privadas e que possuam, em sua área, barragens, diques e aterros deverão no prazo de 120 dias, requerer a SEMA vistoria técnica Defende a implementação da Hidrovia Paraguai-Paraná. Defende a criação dos Portos na Região. Atendido, o art. 16 reza que a Secretaria irá realizar este trabalho no prazo de 05 (cinco) anos. Atendido, o art. 17 retirou o prazo de 120, deixando em aberto o lapso temporal para que os empreendimentos sejam vistoriados. Atendido, pois a lei não vetou a navegação comercial nos rios do Pantanal, todavia estabeleceu em seu art. 13 que as embarcações terão de respeitar ás peculiaridades da região, e vetou “o transporte de produtos potencialmente perigosos”. Atendido, pois a Lei não vetou no art. 9º a implementação de Portos no Pantanal de Mato Grosso. 138 TABELA 15 - Demandas da Categoria Comunitário e seu reflexo na Lei. Demandas Categoria Comunitário Situação das Demandas na Lei Aprovada Defendem que a Lei de gestão verse sobre a Bacia do Alto Paraguai, regulamentando as atividades a serem desenvolvidas em toda a BAP. (95% dos representantes desta categoria fizeram esta reivindicação) Não atendido, pois a Lei trouxe em sua epígrafe o texto “Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso”, mas na realidade não regulamentou atividades a serem desenvolvidas em toda a BAP, e trouxe no art. 14, a atribuição de regulamentar estas atividades ao “O Zoneamento Sócio Econômico de Mato Grosso – ZSEE/MT”. Não atendida a legislação não fez referência a essa modalidade de Espaço Territorial Protegido. Não atendida, todavia os arts. 4º V e art. 5º I, incumbem ao Poder público a obrigação de articular-se nacionalmente e internacionalmente com o objetivo de estabelecer parcerias que busquem a conservação do Bioma. Não atendida, pois a legislação não regulamentou as atividades a serem desenvolvidas na BAP. Não atendida, pois a lei vetou os assentamentos no Pantanal, art. 9º IV. Não atendida, pois a Lei permitiu a Limpeza de pastagem e além da supressão destas espécies inseriu outras, Amoroso (Hydrolea spinosa), Arrebenta laço (Sphinctanthus micropyllus), conforme art. 11 §§ 1º, 2º. Atendida, tendo em vista listar entre as diretrizes o estimulo a instalação de atividades sustentáveis, art. 4º VII, VIII, IX. Atendida, tendo em vista listar entre as diretrizes o estimulo a instalação de atividades sustentáveis, art. 4º VII, VIII, IX. Atendida, tendo em vista listar entre as diretrizes o estimulo a instalação de atividades sustentáveis, art. 4º VII, VIII, IX. Não atendida, pois a Lei não vetou a implantação de portos na região. Atendida, art. 2º XXII; 3º XII; 4º III, IV, IX. Regulamentação das Reservas no Pantanal. Defendem que a Lei contemple os demais paises que pertençam ao Pantanal. São contra a ampliação do Agronegócio no Pantanal e na BAP Defendem os assentamentos no pantanal. Contra a Limpeza de pastagem (espécies de Pombeiro (Combretum lanceolatum e Combretum laxum), Canjiqueira (Byrsonima orbignyana), Pateiro (Couepia uiti), Pimenteira (Licania parvifolia), Cambará (Vochisia divergens), Algodoeiro (Ipomoea fistulosa). Defendem a implementação da Lei de Economia Solidária no Pantanal. Defendem o cooperativismo para a região. Sugerem a ampliação dos empreendimentos agroecológicos. São contra a implantação dos portos na região. Defendem a inclusão dos princípios que orientam a Política Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais. 139 Continuação da Tabela 15. Fundo para o subsidio de atividades sustentáveis. Não atendida, pois a Lei não dispôs sobre este tema. Todavia incluiu como sua diretriz o estímulo e apoio a atividades econômicas sustentais, art. 4º VII, VIII, e IX; e fomento à certificação de atividades sustentáveis desenvolvidas por povos e comunidades tradicionais, art. 5º II. Que a Lei regulamente as questões relativas ao Saneamento Não atendida, todavia elencou no art. 5º XI como atribuição Básico. do Poder Público a promoção, no prazo de 05 (cinco) ações relacionadas aos sistemas de esgotos e a deposição dos resíduos sólidos na BAP. Contra o Plantio e transporte de Transgênicos. Não atendida, pois a Lei não vetou esta atividade em seu art. 9º que trata das “restrições de uso”. Defendem a regulamentação das Hidrelétricas. Não atendido, todavia o art. 9º que trata das “restrições de uso” reza no inciso III a vedação da construção de diques, barragens ou obras que causam alterações dos cursos d’água. Defendem a permanência do Estado de Mato Grosso na Amazônia Não atendida, pois a Lei não fez menção a este tema. Legal. Defendem a regulamentação da Piscicultura. Não atendida, mas a Lei trouxe o conceito de Pesca de subsistência, art. 2º XXIII; também arrolou diversos assuntos relacionados nos arts. 5º VII, IX; 5º IV, VI; 9º I, III; 12. Defendem a atuação da Policia Ambiental no Pantanal. Não atendida, a Lei não fez menção sobre este tema. Defende maior parceria entre os governos de MT e MS, para a Atendida, a Lei prevê no art. 5º I, a articulação entre estes implementação da Lei. estados para a implementação de uma política integrada. Sugerem que a Lei regulamente a gestão dos resíduos sólidos da Não atendida, todavia a Lei prevê, art. 5º XI, que no prazo de Região. (05) anos o Estado desenvolverá ações no sentido de dar a disposição adequada aos resíduos sólidos. Defendem que a Lei regulamente a atividade turística no Pantanal. Não atendida, no entanto os arts. 4º XI; 5º IV; 8º §1º rezam sobre aspectos relacionados a esta atividade. Sugerem que a Lei regulamente a pesquisa no Pantanal. Não atendida, todavia os art. 5º VIII, reza ser uma das atribuições do Poder Público a promoção de pesquisas científicas; também o art. 6º IV, estabelece como competência da SEMA fomentar estudos relacionados à pesca. Defendem a regulamentação dos Espaços Protegidos no Pantanal. Atendido, os arts 7º e 8º da Lei tratam especificamente sobre os Espaços Territoriais Especialmente Protegidos. 140 TABELA 16 – Demandas da Categoria Mercado e seu reflexo na Lei. Demandas da Categoria Mercado. Situação das Demandas na Lei Aprovada Defende que a Lei de gestão verse somente sobre a área alagável. Atendido, pois a Lei trouxe em sua epígrafe o texto “Política (90% dos representantes desta categoria fizeram esta Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no reivindicação) Estado de Mato Grosso”, e não regulamentou atividades a serem desenvolvidas em toda a BAP, e rezou no art. 14, a atribuição de regulamentar estas atividades ao “O Zoneamento Sócio Econômico de Mato Grosso – ZSEE/MT”. Sugeriu para que não ocorressem mais Audiências Públicas além de Poconé. Não atendido, pois ocorreram as Audiências Públicas de Cáceres, Poconé, Barão de Melgaço, e Cuiabá. Defende a Limpeza de Pastagem como supressão das seguintes espécies: Pombeiro (Combretum lanceolatum e Combretum laxum), Canjiqueira (Byrsonima orbignyana), Pateiro (Couepia uiti), Pimenteira (Licania parvifolia), Cambará (Vochisia divergens), Algodoeiro (Ipomoea fistulosa); Atendida, pois a legislação permitiu a Limpeza de pastagem, e além da supressão destas espécies inseriu outras, Amoroso (Hydrolea spinosa), Arrebenta laço (Sphinctanthus micropyllus), conforme art. 11 §§ 1º, 2º. Defende a construção das Usinas de Álcool na região da BAP Atendida, pois a legislação só vetou a construção de Usinas de Álcool na Área Alagável. Conforme art. 9º V. Sugere que o Estado de Mato Grosso não têm competência para Não atendida, pois o Estado sancionou a lei em questão. legislar sobre o Pantanal. Defende a implementação da Hidrovia Paraguai-Paraná. Atendida, pois a Lei não proibiu a navegação de grande porte nos Rios do Pantanal, todavia é importante frizar que o art. 13 veta o “transporte de produtos perigosos”. Defende a construção dos Portos no Pantanal. Atendida, pois a Lei não vetou a implementação dos portos no Pantanal. Defende o Transporte de transgênicos nos rios do Pantanal. Atendida, pois a Lei não listou no art. 9º que trata das restrições de uso o transporte de transgênicos. Defende o Plantio de transgênicos na BAP. Atendida, pois a Lei não listou no art. 9º que trata das restrições de uso o transporte de transgênicos. 141 Considerações Finais Em termos gerais, a participação dos membros da categoria Estado foi maior que a soma das participações das demais categorias (Poconé e Barão de Melgaço), Figura 01. Algumas Hipóteses podem ser levantadas para responder esta questão. A primeira diz respeito á origem da proposta de Lei, as pessoas não se sentiram parte do processo; a outra é a de que além de não se sentirem parte do processo, não acreditam mais nesse ambiente de participação, e estão se articulando em outros espaços; a audiência pública foi mal divulgada; ou à comunidade não se interessa por essas discussões. A informação que mais preocupa é a pequena participação dos representantes da categoria Comunitário, tanto em Poconé como em Barão de Melgaço, apenas dois representantes desta categoria estiveram presentes nestas audiências, revelando o motivo pelo qual alguns representantes da categoria Mercado solicitavam que não ocorresse mais audiências públicas, tendo em vista que a proposta que ora era discutida agradava sua categoria e não encontrava resistência popular. Já em Cáceres, a participação, foi mais paritária, todavia o dado mais importante a ser analisado nesse momento é a participação da categoria Comunitário. Foram 15 ou seja 34 % dos participantes, Figura 03. Ainda, vários representantes da categoria Estado são oriundos dos movimentos populares. O diálogo existente os entre movimentos populares e a Universidade do Estado de Mato Grosso, a histórica militância destes movimentos no que tange às discussões sócio-ambientais, a exemplo da mobilização contrária à hidrovia Paraguai-Paraná, a construção do Porto de Morrinhos, e a realização do Festival Ecológico e Cultural das Águas de Mato Grosso, realizado pela UNEMAT em parceria com os movimentos sociais, resultou nessa articulação que levou à audiência pública de Cáceres um grupo disposto a discutir a proposta de Lei, que se manifestou contrário ao seu conteúdo e a 142 forma como havia sido elaborada, e também por entender que ela atendia somente aos interesses das elites agrárias mato-grossenses. Analisando o fenômeno da “participação”, nota-se que ele é complexo e não pode ser abordado dentro de uma ótica reducionista, ou seja não pode ser comprimido a um simples ato de estar presente ou não em uma audiência pública, posto que não é um ato episódico, individual, atomizado, mesmo que possa ter efeito aparentemente decisório. O representante da Fase, expressou bem esta verdade ao dizer que “O que me preocupa – e aí eu concordo com o Promotor – é, exatamente, a ausência de grandes interessados nas Audiências Públicas, porque eles têm outros meios de influenciar o Governo, o Poder Legislativo e até o Poder Judiciário (...)”61. Ainda Teixeira (1997) afirma que: “A participação é um processo contraditório, que envolve uma relação multifacetada de poder entre atores diferenciados por suas identidades, interesses, valores que se expressam por várias formas, conforme suas capacidades e condições objetivas do regime político em que estão inseridos”. O mesmo autor continua, pontuando que a dimensão de controle da participação cidadã torna-se estratégica tendo em vista à dominação do Estado, por grupos de interesses, no sentido de inverter prioridades das políticas públicas para corrigir desigualdades sociais, superar as exclusões. O controle social traduz-se na exigência de claridade das decisões e atos dos agentes públicos e na conseqüente responsabilização segundo parâmetros definidos democraticamente nos espaços públicos autônomos. Isto posto, implica construir alternativas, propor políticas a serem operacionalizadas pelo Estado. Nesse sentido todos os Stakeholders devem estar envolvidos, em todos os processos de elaboração de Políticas Públicas. A participação, em fim, deve ser um processo continuo e retro alimentado, para tanto os representantes dos setores populares precisam se organizar, articular, mobilizar, com objetivo de criarem uma agenda própria dos movimentos de base, para que possam acompanhar a 61 Ata da Audiência Pública de Cáceres – pg 53. 143 implementação de suas reivindicações. Exemplo dessa necessidade, pode ser extraído desse estudo de Caso. Fora criado um Grupo de trabalho na Assembléia Legislativa para analisar as demandas de todos os Stakeholders, que participaram das Audiências Públicas em comento, todavia as atas contendo tais solicitações nunca foram colocadas à disposição dos participantes, mesmo diante de diversas solicitações. 144 Referência Bibliográfica. ANTUNES, P. de B. Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA: Comentários à Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 34. ________________... Direito ambiental. 6. ed rev. ampl. atual. 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Direito do ambiente. 3 ed. Ver. Atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. _________., É. Direito do Ambiente: Doutrina – Prática – Jurisprudência – Glossário. 4.Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. SAFATLE, A. PARDINI, F. Grãos na Balança. Carta Capital. Nº 347.22 de junho de 2005. Disponível em www.cartacapital.com.br acesso em 20/07/2005. SEIXAS, C. S. Abordagens e Técnicas de Pesquisa Participativa em Gestão de Recursos Naturais. In: VIEIRA, P. F. BERKES. F. e SEIXAS. C.S. (orgs.) Gestão Integrada e Participativa de Recursos Naturais. Conceitos, Métodos e Experiências. Florianópolis: Secco, 2005. 146 5 - COMENTÁRIOS À LEI DE GESTÃO DO PANTANAL DE MATO GROSSO Os opressores, além de acabrunhar os oprimidos, tentam sagazmente contaminá-los com sua infelicidade, a solidariedade sem dúvida nenhuma é uma importante arma contra este mal. Silvano Souza Resumo: O Bioma Pantaneiro constitui a maior extensão de áreas úmidas contínuas do planeta e está localizado no centro da América do Sul, na Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai. Sua área é de 138.183 km², com 65% de seu território no Estado de Mato Grosso do Sul e 35% no Mato Grosso. Constituído por várias unidades de paisagem que compõem um conjunto de hábitats, com funções múltiplas e complexas. Por sua importância, enquanto santuário ecológico, o pantanal foi alçado à categoria de patrimônio nacional, pela Constituição de 1988, que estabeleceu a necessidade de leis específicas para proteção dessas áreas e garantia de que a utilização das mesmas assegure a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais (art. 225 § 4º). A partir do Levantamento Documental e Bibliográfico propôs-se neste artigo comentar à luz do magistério da doutrina pátria os dispositivos legais oriundos da Lei Estadual nº 8.830, de 21 de janeiro de 2008. Observou-se que a Lei em comento atende em especial as demandas apresentadas pelos ruralistas do estado, todavia supre uma omissão relevante e abre perspectivas para uma gestão integrada e capilarizada do Pantanal. Esse bioma, que constitui verdadeiro santuário ecológico reclama a ausência de legislação federal específica que possa dar maior efetividade e aplicabilidade ao reconhecimento constitucional do Pantanal Mato-Grossense como “patrimônio nacional”. Palavras-Chave: Legislação Ambiental, Pantanal de Mato Grosso, Gestão e Educação Ambiental. Abstract: Comments On Management Of Law In Mato Grosso Pantanal. The Pantanal biome is the largest continuous stretch of wetlands on the planet and is located in the center of South America, in the Alto Paraguay River Basin. Its area is 138,183 square km, with 65% of its territory in Mato Grosso do Sul and 35% in Mato Grosso. It consists of several units of landscape that make a range of habitats, with multiple and complex functions. For their importance, as an ecological sanctuary, the Pantanal was considered a national patrimony, the Constitution of 1988, which established the need for specific laws to protect these areas and guarantee that the use of them ensures the preservation of the environment, including on the use of natural resources (Article 225 Paragraph 4). From the Documentary and Bibiographical Survey proposed to comment in this article before the teaching of legal doctrine the devices from the State Law No 8830, January 21, 2008. It was observed that the law serves in particular on the demands made by farmers from the state, however it supplies an important omission and opens prospects for an integrated management in the Pantanal. This biome, which is a true ecological sanctuary calls the absence of specific federal legislation that would give greater effectiveness and applicability to the constitutional recognition of the Pantanal Mato-Grossense as a national patrimony. Key words: Environmental Law, Pantanal of Mato Grosso, Management and Environmental Education. 147 Introdução Por sua importância, enquanto santuário ecológico, o pantanal foi alçado à categoria de patrimônio nacional, pela Constituição de 1988, que estabeleceu a necessidade de leis específicas para proteção dessas áreas e garantia de que a utilização das mesmas assegure a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais (art. 225 § 4º). Contudo, a esperada lei federal para estabelecer os princípios de gestão e proteção do Pantanal Mato-grossense parece longe de se concretizar, enquanto isso, a despeito de sua decantada beleza e excepcional diversidade biológica, o Pantanal enfrenta sérios problemas ambientais dentre os quais cita-se a expansão das monoculturas e o uso abusivo de agrotóxicos no planalto circundante que integra a Bacia do Alto Paraguai, o assoreamento dos rios que sofrem também com a falta de saneamento nos municípios da região, além da pesca predatória, entre outros problemas que colocam em risco a incolumidade desse santuário ameaçado. Embora uma norma federal possa proteger de forma integrada o Pantanal em ambos os Estados que o compartilham, a ausência dessa lei não impede que os Estados regulamentem a gestão e conservação desse relevante bioma em seus territórios. Exatamente com esse propósito, no vazio decorrente da omissão do legislador federal, o executivo estadual, através de sua Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso (SEMA-MT) submeteu à Assembléia Legislativa um projeto de lei de gestão para o Pantanal de Mato Grosso. Após a realização de diversas audiências públicas, de seminários, e da criação de um grupo de trabalho dentro da assembléia legislativa estadual, o 148 mencionado projeto foi convertido na Lei nº 8.830, de 21 de janeiro de 2008, que segue comentada neste artigo. Oportuno esclarecer que a mencionada lei estadual dispõe sobre a gestão do Pantanal de Mato Grosso e não do Pantanal Mato-grossense, que abrange ambos os Estados (MT e MS), posto que a ausência da norma federal específica sobre esse bioma, permite que o Estado normatize amplamente sua proteção, nos limites de seu território, nos termos do art. 24, VI, VII e § 3º da Constituição Federal. 5.1 Os Princípios da Gestão do Pantanal em Mato Grosso. A lei estadual tem seu fundamento maior no Art. 225, § 4°, da Constituição Federal, e visa estabelecer a Política Estadual de Gestão do Pantanal de Mato Grosso, definindo seus princípios e atribuições do poder público para manutenção da sustentabilidade ambiental, econômica e social desse importante bioma. Uma primeira questão, enfrentada pelo legislador diz respeito à delimitação da área de alcance da norma proposta. Embora a lei faça referência, em sua ementa, à proteção à Bacia do Alto Paraguai 62, prevaleceu o esforço dos ruralistas de delimitar a aplicação da lei à planície alagável do Pantanal em Mato Grosso, o que é lamentável, na medida em que os problemas que afetam o entorno do Pantanal repercutem diretamente sobre a planície alagável; como exemplo emblemático, cita-se a degradação do rio Taquari provocado pela expansão da monocultura no planalto que circunda a planície pantaneira e responsável pelo carreamento de toneladas de areia e agrotóxicos para o coração do Pantanal. Perdeu-se com isso a oportunidade de assegurar a gestão tendo como referência a bacia hidrográfica enquanto unidade 62 Definida no art. 1°, § 1° como a unidade geográfica composta pelo sistema de drenagem estabelecidos nos estudos do Programa de Conservação do Alto Paraguai (PCBAP,1997) contemplados pelo Zoneamento Sócio-E superficial que concentra suas águas no Rio Paraguai, , conforme os limites geográficos estabelecidos nos estudos do Programa de Conservação do Alto Paraguai (PCBAP,1997). 149 territorial para implementação de uma política que integre a conservação desse bioma e a manutenção da qualidade dos corpos hídricos que o formam.63 A Lei estadual inicia-se com a inclusão de um glossário com as definições de termos técnicos nela empregados, o que tem sido uma tradição no Direito brasileiro, embora no caso da Lei do Pantanal por uma impropriedade técnica foram arrolados inúmeros conceitos sem nenhuma relação com a norma proposta. Tais conceitos estão definidos no art 2º, sendo transcritos apenas aqueles que retratam a peculiaridade do bioma em referência e que estão referidos em outros pontos deste artigo. São eles: a)Planície alagável: corresponde a área inundável da Bacia do Alto Paraguai – BAP, área relativamente plana, sujeita à inundações sazonais, causadas por transbordamentos de rios ou pela concentração pluviométrica associada à impermeabilidade do solo (inciso II). b) Corixos: cursos d´água natural permanente, intermitente e/ou efêmero, com fluxo que se alterna em função da sazonalidade climática e ciclo hidrológico, que interliga mananciais (baías, lagoas, córregos e rios) na planície alagável, com função hídrica de enchê-la e esvaziá-la. Entre outras, realiza também, a função ecológica essencial como, por exemplo, o repositório de biota para colonização dos biótipos aquáticos (inciso III); c) Pulso de inundação: inundação sazonal característica da Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai, com os níveis de enchente, cheia, vazante e seca, influenciando a produtividade e diversidade vegetal e animal para a região (inciso IV); d) Capão: elevações do terreno de forma circular ou elíptica, onde cresce 63 Como recomendado pela Lei de Política Nacional de Recursos hídricos. 150 vegetação arbórea, normalmente rodeada por campos associados à inundação ou ao encharcamento sazonal dos solos (inciso VI); e) Cordilheira: são elevações que apresentam formas sinuosas, alongadas e extensas, de origem relacionada à deposição aluvial, com predominância de vegetação arbórea, normalmente rodeada por campos associados à inundação ou ao encharcamento sazonal dos solos (inciso VIII); f) Baía: corpo d’água perene ou temporário, isolado ou conectado a um curso d’água, com vegetação arraigada nas bordas e eventualmente flutuantes (inciso XI); g) Dique Marginal Natural: É a porção de terra mais elevada na margem dos mananciais (rios, córregos e corixos), proveniente do transporte pelas águas durante as cheias, do material em suspensão que ali se deposita. É de pequena extensão e a sua altura decresce no sentido transversal ao curso d’água. É ocupado ao longo do tempo pela comunidade pantaneira, rebeirinhos, fazendeiros e atualmente pousadas (inciso XV); h) Meandro: É um trecho da calha de um rio, com duas curvaturas consecutivas e alternadas. É fruto da interação entre as vazões líquidas e sólidas impostas e a erosividade de suas margens. Nos leitos aluvionares, esta conformação apresenta geralmente uma seqüência de curvas separadas por trechos retilíneos curtos (inciso XX), e i) Murundum: É um tipo de microrrelevo em forma de pequenas elavações ou montículos ou cocurutos, geralmente arredondados, com altura entre 0,1 a 1,5 m e diâmetro de até 20 m, temporariamente inundável nas partes mais baixa durante o 151 período chuvoso, formado em solos hidromórficos com deficiência em drenagem, contendo comumente no perfil concreções ferruginosas, apresentando grande importância ecológica por controlar o fluxo de água, a deposição de nutrientes, a conservação de água de superfície e a biodiversidade (inciso XXI). Além desses conceitos, a Lei do Pantanal estabelece os objetivos e princípios que devem reger a Política Estadual de Gestão e Proteção do pantanal em Mato Grosso, assinalando que essa política visa promover a preservação e conservação dos bens ambientais, a melhoria e recuperação da qualidade ambiental, visando assegurar a manutenção da sustentabilidade e o bem-estar da população envolvida (art. 3º), atendidos um elenco de princípios, alguns de ordem geral, outros específicos. Oportuno destacar a importância dos princípios na aplicação das normas em geral e, sobretudo, das leis ambientais, consoante o magistério de Rehbender 64, para quem os princípios guardam a capacidade, quando compreendidos como princípios gerais, de influenciar a interpretação e a composição de aspectos cinzentos do direito ambiental." Neste sentido, os princípios ora arrolados são à base da legislação em comento, que visam auxiliar seu entendimento e, sobretudo, orientam a aplicação dos dispositivos legais, relativos à conservação do Pantanal de Mato Grosso. Também Canotilho65 considera que a utilidade dos mesmos reside: 1) em serem um padrão que permite aferir a validade das leis, tornando inconstitucionais ou ilegais as disposições legais ou regulamentadoras ou atos que os contrariem; 2) no seu potencial como auxiliares da interpretação de outras normas jurídicas; e 3) na sua capacidade de integração de lacunas. 64 65 Apud DERANI, 1997, p. 156. Apud MORATO LEITE, 2000, p. 47 152 Entre os princípios que são inerentes à proteção do meio ambiente arrolados na lei estadual cita-se exemplificativamente o princípio da precaução, o princípio do poluidor-pagador, o princípio do usuário-pagador, o princípio da prevenção; o princípio da participação e descentralização, princípio do desenvolvimento sustentável e o princípio do limite. São também arrolados, de forma equivocada, o “princípio da bacia hidrográfica” e o “princípio do direito humano fundamental”.66 Inicialmente quanto ao princípio da Precaução, Derani (1997) traz um conceito clássico, ponderando inicialmente que “Precaução é cuidado". Este princípio se relaciona aos conceitos de afastamento de perigo e segurança das gerações futuras, como também de sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Também é a tradução da busca da proteção da existência humana, seja pela proteção de seu ambiente como pelo asseguramento da integridade da vida humana. A partir desta premissa, deve-se também considerar não só o risco eminente de uma determinada atividade, como também os riscos futuros decorrentes de empreendimentos humanos, os quais nossa compreensão e o atual estágio de desenvolvimento da ciência jamais conseguem captar em toda densidade (...)67. Já o princípio da Prevenção, pressupõe o conhecimento das conseqüências nocivas ao meio ambiente que podem ser eliminadas, mitigadas ou compensadas. Segundo Milaré68: O principio da prevenção é basilar para o Direito Ambiental, concernindo à prioridade de que deve ser dada à medida que evitem o nascimento de atentados ao ambiente, molde a reduzir ou eliminar as causas de ações suscetíveis de alterar a sua qualidade. 66 Provavelmente o legislador pretendia referir-se ao princípio da bacia hidrográfica como unidade territorial para implementação da Política de Gestão do Pantanal e o princípio do direito ao meio ambiente enquanto direito fundamental. 67 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997. 68 MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente : doutrina, pratica, jurisprudência, glossário. 2. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais,2003. 153 Neste sentido, as possíveis ações danosas ao meio ambiente devem ser identificadas e eliminadas antes de se concretizarem, em proteção às gerações presentes e futuras. Outro princípio arrolado na lei é do poluidor-pagador-PPP. Por força desse princípio, devem estar, a cargo do poluidor os custos das medidas da prevenção, controle e remediação da poluição, como forma de induzir que tais custos estejam refletidos nos custos dos bens e serviços que causam poluição, evitando-se com isso os subsídios que provocam distorções no comércio. Embora comumente confundido doutrinariamente com o princípio da responsabilização, o PPP tem conotação econômica e algumas peculiaridades que marcam essa distinção. Assinala, a propósito, Paulo de Bessa Antunes: O elemento que diferencia o PPP da responsabilidade tradicional é que ele busca afastar o ônus do custo econômico das costas da coletividade e dirigi-lo diretamente ao utilizador dos recursos ambientais. Logo ele não está fundado no princípio da responsabilidade, mas, isto sim, na solidariedade social e na prevenção mediante a imposição da carga pelos custos ambientais nos produtores e consumidores.69 Também Paulo Afonso Leme Machado70 aponta outra característica diferencial, ressaltando que o pagamento pela poluição independe da caracterização de qualquer infração ambiental, bastando ao órgão ambiental constatar a ocorrência da poluição; dessa forma, ainda que o poluidor esteja regularmente autorizado a 69 ANTUNES, P. de B. Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA: Comentários à Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981. p. 41. 70 MACHADO, P. A. L. Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. p. 54. 154 emitir poluentes em observância aos padrões regularmente estabelecidos, deve arcar, sobretudo com os custos da prevenção. Como uma extensão do princípio do poluidor-pagador no domínio da gestão dos recursos naturais, o Princípio do usuário-pagador corresponde ao princípio econômico da "verdade dos preços" ou da "recuperação integral dos custos" ("full cost recovery" ou "full cost pricing") e objetiva fazer com que os custos ligados aos recursos não sejam suportados nem pelos poderes públicos, nem por terceiros, mas pelos utilizadores e somente por eles. Ambos os princípios decorrem, portanto, da mesma lógica econômica de internalização dos custos ambientais, na medida em que buscam igualmente fazer com que os usuários dos recursos ambientais arquem com o custo integral de sua utilização e pratiquem preços reais que reflitam tais custos. Conforme salienta Henri Smets71, o princípio usuário-pagador (PUP) visa pôr a cargo dos utilizadores dos recursos o conjunto dos custos de produção, distribuição e utilização destes recursos incluindo os efeitos externos associados. Consta também da lei estadual o princípio do Desenvolvimento Sustentável. Sobre este princípio Veiga Rios72 considera que o desenvolvimento sustentável (DS) não é o propriamente um principio de direito ambiental, como expressão de uma diretriz, um comportamento, como ocorre com o principio da precaução ou do poluidor-pagador. Neste sentido, o autor afirma que o desenvolvimento sustentável: 71 SMETS, H. Le Principe Utilisateur-Payeur et son application dans la gestion de l’eau. Lusiada – Revista de Ciência e Cultura. Nº 1 e 2. Porto: CEUL, 2000, pp. 423 (Traduzido livremente pelo autor). 72 VEIGA RIOS, A. V. e DERANI, C. Princípios Gerais do Direito Internacional Ambiental. In VEIGA RIOS, A. V. e IRIGARAY, C. T. J. H. (Orgs). O Direito e o Desenvolvimento sustentável – Curso de Direito ambiental. Brasília: IEB, 2005, pg 89. 155 Traduz um conjunto de valores ancorados em condutas relacionadas à produção, para que o resultado seja a compatibilizarão da apropriação dos recursos naturais com a sua manutenção e construção de um bem-estar (nos dizeres da Constituição brasileira “da sadia qualidade de vida”). Já o principio do Limite, é voltado para a Administração Pública, este princípio tem como dever fixar parâmetros mínimos a serem observados em casos como emissões de partículas, ruídos, sons, destinação final de resíduos sólidos, hospitalares e líquidos, dentre outros, visando sempre promover o desenvolvimento sustentável. De acordo com Irigaray73, à luz deste principio a administração pública deve estabelecer padrões de qualidade ambiental limitando a emissão de poluentes, sem o que sua intervenção e controle sobre os administrados estaria ferindo o princípio da legalidade. Ainda ensina Antunes74, que a manifestação mais palpável da aplicação do princípio do limite ocorre com o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental concretizados na forma de limites de emissões de partículas, de limites aceitáveis de presença de determinadas substâncias na água etc. O princípio da participação descentralizada assegura ao cidadão o direito à participação na elaboração das políticas públicas ambientais, de forma que a ele deve ser assegurado os mecanismos judiciais, legislativos e administrativos que efetivam o princípio. Esse princípio está calcado o caput do artigo 225 da CF de 1988. Oportuno assinalar que a tarefa de tomar parte na gestão ambiental e integrar-se a uma política pública nesse sentido pode se efetivar de inúmeras maneiras; ou seja, existem formas diferenciadas de participação. Como bem observa Caubet: 73 IRIGARAY, C.T.J.H. Controle de Poluição. In VEIGA RIOS, A. V. e IRIGARAY, C. T. J. H. (Orgs) O Direito e o Desenvolvimento sustentável – Curso de Direito ambiental. Brasília: IEB, 2005, pg 277. 74 ANTUNES, Paulo de Bessa. Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA: Comentários à Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 34. 156 A participação depende, em primeiro lugar de determinadas condições objetivas: nem tudo o que é chamado de participação, representa efetivamente uma oportunidade de tomar decisão, em pé de igualdade ou com condições mínimas de influenciar de alguma maneira no resultado final.75 Proclamar que a gestão será descentralizada e participativa constitui mero exercício de retórica, se a proclamação não estiver acompanhada de medidas concretas para viabilizar tal participação. Outro princípio de ordem geral citado na lei estadual é o princípio da Ubiqüidade. Fiorillo76 enfatiza que este princípio vem demonstrar que o objeto de proteção do meio ambiente, localizado no “epicentro dos direitos humanos”, deve ser levado em consideração toda vez que uma política, atuação, legislação sobre qualquer tema, atividade, obra, etc. tiver que ser criada e desenvolvida. O autor considera que “não há como pensar no meio ambiente dissociado dos demais aspectos da sociedade, de modo que ele exige uma atuação globalizada e solidária, até mesmo porque fenômenos como a poluição e a degradação ambiental não encontram fronteiras e não esbarram em limites territoriais”. Como princípios específicos à lei estadual inserem: a proteção do Pantanal Mato-grossense enquanto Patrimônio Nacional, Sítio Ramsar e Reserva da Biosfera; o reconhecimento dos saberes tradicionais como contribuição para o desenvolvimento e gestão das potencialidades da região; o respeito e valorização às formas de uso e gestão dos bens ambientais utilizados por povos e comunidades tradicionais; o respeito à diversidade biológica e aos valores ecológicos, genéticos, sociais, econômicos, científicos, educacionais, culturais, religiosos, recreativos e estéticos associados (incisos XI a XV do art. 3º). 75 76 CAUBET, C. G. A nova legislação dos recursos hídricos no Brasil (...). Op. cit., p. 262. FIORILLO, C. A. P. Curso de Direito Ambiental, 2003. p. 42, 43. 157 A lei estabelece, no art. 4°, as diretrizes básicas da Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso, que incluem: a) ação governamental de articulação dos órgãos estaduais com os órgãos federais e municipais de meio ambiente, desenvolvimento rural, indústria, comércio, turismo e da sociedade civil organizada; b) integração da gestão ambiental com a gestão dos recursos hídricos e com a gestão do uso do solo; c) promoção dos meios necessários para a efetiva participação dos povos e comunidades tradicionais nas instancias de controle social e nos processos decisórios relacionados aos seus direitos e interesses; d) assegurar os direitos individuais e coletivos concernentes aos povos e comunidades tradicionais à auto-determinação na construção de políticas de gestão em território tradicional; e) consolidar e ampliar as parcerias: internacional, nacional, estadual, interestadual e setorial, para o intercambio de informações e integração de políticas públicas articuladas e aplicáveis no bioma Pantanal; f) ordenar a ocupação territorial da Bacia do Alto Rio Paraguai, com ênfase na Planície Alagável na forma da lei; g) estimular a instalação de atividades econômicas sustentáveis, apoiar as já existentes subsidiando atividades sustentáveis desenvolvidas por povos e comunidades tradicionais; h) incentivar ações que se coadunam com os objetivos da Convenção sobre a Diversidade Biológica e estabelecer restrições para as contrárias aos objetivos da Convenção, e i) incentivar atividades de ecoturismo como forma de gerar emprego e renda e de fiscalizar, proteger e divulgar o ambiente pantaneiro. As diretrizes fixadas pela lei estadual ressaltam desde a importância do estabelecimento de parcerias entre os entes estatais para a real proteção do Bioma até o incentivo racional e sustentado de atividades que respeitem a biota local coadunando com as convenções que o Brasil é signatário. É indiscutível a importância da elaboração de diretrizes que orientem a implementação de políticas públicas para a bacia do Alto Paraguaia, no entanto a concretização desses princípios depende de um diálogo efetivo e permanente entre o Poder público e a sociedade civil organizada visando criar uma agenda positiva de ações conservacionistas para o Bioma. 158 5.2 Competências Institucionais para Gerir Parte de um Patrimônio Nacional. Nos termos da Constituição Federal a competência legislativa para proteger ao meio ambiente é concorrente, cabendo à União definir normas gerais que podem ser suplementadas pelos Estados competindo a esses legislarem plenamente na ausência dessas normas federais. No caso do pantanal, inexistindo lei federal específica, os Estados podem exercer sua competência legislativa plena, para atender suas peculiaridades (CRB: art. 24 § 3º). Nestes termos, a legislação estadual analisada atende à ressalva constitucional e, sobretudo o interesse do Estado de Mato Grosso que abriga cerca de 35% do Pantanal Mato-grossense. Nesse sentido, é um bem ambiental cuja proteção, a despeito de integrar um patrimônio nacional, incumbe ao Estado de Mato Grosso, sem prejuízo da competência federal para assegurar sua integridade. A lei estadual fixa entre as atribuições do Poder Público articular-se com o Estado de Mato Grosso do Sul e com a União, visando uma política integrada para a Bacia do Alto Paraguai, promover, ações com a finalidade de se implantar sistemas de esgoto nas cidades e indústrias que fazem parte da Bacia do Alto Paraguai, bem como a coleta e disposição final adequada dos resíduos sólidos (lixo) e definir, através do Zoneamento Sócio Econômico Ecológico de Mato Grosso, diretrizes de uso e manejo dos recursos naturais da área de entorno da Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai. Tratam-se de atribuições específicas do Poder Público estadual, embora outras atribuições relacionadas na lei digam respeito também ao Poder Público municipal, como o incentivo à recuperação de áreas degradadas, o fomento à certificação ambiental das atividades sustentáveis desenvolvidas na região, o 159 ordenamento do turismo, o combate à biopirataria e ao tráfico de animais silvestres, entre outras. Tendo em vista as competências institucionais da Secretaria de Estado do Meio Ambiente – SEMA, definidas na Lei Complementar n° 114/2005, a lei define como atribuições específicas do órgão estadual do meio ambiente: a) incentivar a manutenção e conservação de áreas naturais, através do incentivo à criação de Unidades de Conservação na Bacia do Alto Paraguai; b) desenvolver programas de monitoramento da fauna, flora e de controle de espécies exóticas na Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai. c) realizar diagnóstico e monitoramento dos impactos ambientais na Planície Alagável e propor programas que visem a minimização destes impactos, com a participação das empresas e produtores rurais que contribuam para melhoria da gestão ambiental e permitam o aperfeiçoamento de acompanhamento e controle; d) implantar um sistema de monitoramento, controle e fiscalização da pesca, fomentando estudos estatísticos quantitativos e qualitativos, como estoque e produção das áreas naturais utilizadas para esta atividade comercial e artesanal e controlando a extração, transporte e comércio de iscas vivas; e) fomentar ações visando o manejo sustentável dos recursos vegetais nativos, e ordenar as atividades poluidoras e/ou degradadoras (de baixo impacto) do meio ambiente, implantadas e a serem implantadas na região da Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai; Algumas das atribuições expressamente conferidas à SEMA dispensariam a referencia legal, por serem obviedades, inserindo-se no cotidiano da gestão ambiental a cargo do Poder Público. Todavia, malgrado a expressa determinação ações que são básicas na 160 gestão ambiental, nem sempre o Poder Público as executa e aí, nesse caso, a determinação legal não faz a menor diferença, se falta vontade política. Um exemplo é a atribuição prevista na Lei para que a SEMA promova, dentro de 05 (cinco) anos, a identificação das barragens, diques e aterros existentes na Planície Alagável da BAP de Mato Grosso fixando, aos responsáveis, pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, prazo para remoção ou adequação se ficar constatado que causam significativos danos ao ecossistema do Pantanal (art. 15) Idêntica atribuição, com prazo de um ano, já constava das Disposições Transitórias do Código Estadual do Meio Ambiente (Lei Complementar 38/85). A regra é óbvia e exige uma ação aparentemente simples e fácil de executar, já que esses diques podem ser identificados em imagens de satélite, contudo, o que se fez até agora foi proclamar legalmente a dilação desse prazo. Parece um paradoxo: o Executivo encaminhou à Assembléia, em 1995, um Projeto de Lei que lhe fixava prazo de um ano para execução, de uma ação elementar quando se trata de gestão de área úmida. Decorridos dezoito anos, o Executivo encaminha nova proposição à Assembléia, ampliando esse prazo para mais cinco anos. Quem viver verá. A Lei determina também que a SEMA promova a realização de plano de manejo para as Unidades de Conservação Estaduais existentes na Bacia do Alto Paraguai de Mato Grosso, no prazo de 05 (cinco) anos (art. 16), e ainda que vistorie os acampamentos, pousadas, hotéis e demais estabelecimentos do gênero em atividade ou em fase de instalação na Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai de Mato Grosso, bem como, qualquer outra atividade considerada efetiva ou potencialmente poluidora e/ou degradadora do meio ambiente, para que seja realizada análise ambiental específica e determinadas as medidas cabíveis (art. 17). Determina também 161 que a SEMA vistorie previamente, antes da emissão de parecer técnico conclusivo do processo de licenciamento, qualquer empreendimento ou atividade localizado na Planície Alagável da BAP e em faixa marginal de dez quilômetros (art. 10). Tanto os dispositivos que regulamentam as atribuições do Poder Público (lato sensu) quanto os que regulam as atividades específicas da Secretaria Estadual de Meio Ambiente já estão de certa forma presentes na legislação ambiental estadual, Código Ambiental77, Lei de Pesca78, Lei de recursos hídricos79. O avanço da lei estadual reside principalmente na sistematização dessas regras em um único arcabouço normativo específico para a gestão da área alagável do Pantanal de Mato Grosso, que a partir de então disponibiliza ao gestor público e aos administrados um conjunto sincronizado de dispositivos legais que orientarão às políticas públicas estatais. Dentro deste contexto de atribuições do Poder Público, note que as diretrizes para a gestão propriamente dita, das “áreas de entorno” da área alagável, não estão listadas nestes dispositivos, pois o legislador não regulamentou as atividades para esta região. A abrangência da Lei de Gestão foi amplamente debatida durante o processo de elaboração da Lei, os ruralistas pleitearam que ela deveria versar somente sobre a área alagável e os representantes dos setores comunitários (Populações tradicionais, Universidades, Centros de Pesquisa) defenderam que ela deveria regulamentar as atividades em toda a Bacia do Alto Paraguai. A Lei sancionada trouxe em sua epígrafe o título que atendia à demanda destes últimos, no entanto isso só ocorre em sua epígrafe, porque o que se encontra no seu bojo na realidade são artigos, que em sua maioria regulamentam somente atividades na área alagável. 77 Lei Complementar n° 232, de 21 de dezembro de 2005. Lei N º 7881 de 30 de dezembro de 2002. 79 Lei Nº 6945 de05 de novembro de 1997. 78 162 O Legislador se eximiu da responsabilidade de regulamentar as diretrizes que orientarão o uso e manejo na região de entorno da área alagável, transferindo este encargo ao Zoneamento Sócio-Econômico e Ecológico- ZSEE/MT. 5.3 Áreas Protegidas Dentre as tarefas constitucionalmente atribuídas ao Poder Público, com vistas à concretização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, inserese a definição de espaços territoriais e seus componentes, a serem especialmente protegidos. O preceito que estabelece essa atribuição (CF: Art. 225 § 1º, III) determina também que a alteração e a supressão dessas áreas somente serão permitidas mediante lei, vedando ainda, qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção. Desse dispositivo constitucional podemos extrair algumas conseqüências: 1) o Poder Público (federal, estadual e municipal) deve definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos; 2) somente uma lei pode autorizar a alteração ou supressão desses bens protegidos; 3) o Poder Público tem o dever de impedir qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos inerentes a esses bens. Observe-se ainda, que a referência constitucional aos espaços territoriais protegidos abrange inúmeras categorias de proteção legal e limitações administrativas 163 que não se cingem às conhecidas unidades de conservação. Pondera, a propósito, José Afonso da Silva80: Nem todo espaço territorial especialmente protegido se confunde com unidade de conservação, mas estas são também espaços especialmente protegidos. Não é fácil, porém, diante da legislação em vigor, dizer quando um espaço territorial especialmente protegido deve ser considerado unidade de conservação. O máximo que se pode dizer é que um espaço territorial se converte numa unidade de conservação, quando assim declarado expressamente, para lhe atribuir um regime jurídico mais restritivo e mais determinado. Cumpre ressaltar que o Pantanal Mato-grossense enquanto patrimônio nacional constitui, por força de mandamento constitucional uma área protegida, embora a extensão dessa proteção esteja a depender de lei federal ainda não editada. Além dessa proteção “genérica” de pouca efetividade, nesse importante bioma inserem-se algumas modalidades de áreas protegidas, como as APPs, Reserva Legal e Unidades de Conservação, entre outras. No que se refere às áreas de preservação permanente, o legislador matogrossense deu um tratamento diferenciado a essa categoria, tendo em vista as peculiaridades regionais. Ocorre que no Pantanal, durante as cheias, geralmente ficam sob as águas a quase totalidade da planície alagável, não se justificando estender as limitações inerentes às APPs a todas as áreas inundáveis. Desse modo, o legislador estabeleceu que as faixas marginais de 80 SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Ambiental. p. 161. 164 preservação permanente terão como referencial o nível mais alto dos rios e demais cursos d’água, ressalvando que a delimitação de Área de Preservação Permanente na Planície Alagável, será efetuada durante o período sazonal de seca (art. 7º §§ 1° e 2°). Acresceu também o legislador, considerando de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação situadas: a) as margens dos cursos d’água, perenes, intermitentes e/ou efêmeros, inclusive nos corixos, conforme limites estabelecidos no Código Ambiental do Estado de Mato Grosso; b) no entorno de baías, lagos e lagoas, em faixa marginal de 100 metros; c) no interior das ilhas; d) nas veredas e nos brejos; e) nos topos e encostas de morros isolados, com inclinação igual ou superior a 45°; f) no entorno dos meandros, conectados ou não com rios. Outra inovação, da Lei estadual, refere-se à criação de uma nova categoria de área protegida no pantanal mato-grossense: as Áreas de Conservação Permanente, que abrange as áreas inundáveis da Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai em Mato Grosso, caracterizadas, como unidades de paisagem que funcionam como refúgios, habitats e corredores para a fauna, e conectividade de populações de espécie associadas a ambientes aquáticos e de aves migratórias. Essas áreas doravante denominadas de conservação permanente são consideradas essenciais para a distribuição de nutrientes na Planície Alagável e para a manutenção do ciclo produtivo de pastagens nativas, não podendo ser alteradas ou utilizadas de forma intensiva ou em larga escala. Estabelece, a propósito, a lei estadual: Art. 8º Consideram-se Áreas de Conservação Permanente, na Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai - BAP de Mato Grosso: 165 I - os campos inundáveis; II – os corixos; III – os meandros de rios; IV – as baías e lagoas marginais; V – as cordilheiras; VI – os diques marginais naturais; VII – Nos capões de mato e murunduns; Nos campos inundáveis a lei faculta o acesso e uso para a pecuária extensiva e nos diques marginais naturais são permitidas as atividades turísticas, habitação dos ribeirinhos, sede e retiros de fazendas, vedadas às intervenções que impeçam o fluxo da água. A lei estabelece também que nessas áreas a supressão parcial da vegetação nativa, visando sua substituição, poderá ser realizada por meio de prévio licenciamento junto à SEMA. Oportuno salientar que, de conformidade com o Código Estadual de Meio Ambiente (Lei Complementar nº 38/1995), subsiste a restrição ao desmatamento na planície alagável do Pantanal nos termos seguintes: Art. 65 Na planície alagável do Pantanal não será permitido nenhum tipo de desmatamento nas áreas de cordilheiras, capão de mato, murunduns, landis e similares, com exceção daqueles feitos para agricultura de subsistência e limpeza de pastagens nativas e plantadas ou instalação de empreendimentos de baixo impacto ambiental definidos no regulamento. § 1º Para os efeitos do caput deste artigo, entende-se por limpeza de pastagens, a supressão manual ou mecânica de vegetação considerada invasora, herbácea ou arbustiva, para manutenção da atividade pecuária, mediante autorização disciplinada no regulamento. (...). 166 Na nova lei a limpeza de pastagem fica permitida para as espécies Pombeiro (Combretum lanceolatum e Combretum laxum) e Canjiqueira (Byrsonima orbignyana), Pateiro (Couepia uiti), Pimenteira (Licania parvifolia), Cambará (Vochisia divergens), Algodoeiro (Ipomoea fistulosa), Mata-pasto-amerelo (Cássia aculeata), Amoroso (Hydrolea spinosa), e Arrebenta laço (sphinctanthus micropyllus), conforme estabelece o art. 11. A limpeza de pastagens ficara condicionada, quando tratar-se do cambará (Vochisia divergens) ao estabelecimento do diâmetro mínimo da espécie citada, a ser definido no regulamento. Oportuno também salientar que a limpeza de pastagem somente poderá ser autorizada para propriedades devidamente licenciadas, já que a exigência do Licenciamento ambiental de propriedades rurais encontra-se também previsto no Código Estadual do Meio Ambiente, o que se aplica às propriedades localizadas na baixada pantaneira. A lei de Gestão do Pantanal estabelece ainda que nas Áreas de Conservação Permanente será permitido a construção de estradas para acesso as propriedades rurais desde que não impeçam o fluxo de água. Acresça-se que em função das restrições associadas a essas áreas especialmente protegidas a Lei do Pantanal estabelece as seguintes vedações nos limites da Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai de Mato Grosso (art. 9°): a) o licenciamento de criatórios de espécies da fauna que não sejam autóctones da bacia hidrográfica, de assentamentos rurais e de projetos agrícolas, excetuada a atividade agrícola de subsistência e a pecuária extensiva. Veda também o licenciamento de atividades de médio e alto grau de poluição e/ou degradação ambiental na Planície Alagável, tais como: plantio de cana, implantação de usinas de álcool e açúcar, carvoarias, abatedouros e outras atividades de médio e alto grau de poluição e ou degradação; permite, contudo, o licenciamento das atividades de piscicultura e criação de animais da fauna 167 silvestre, desde que as espécies sejam de ocorrência natural na Bacia do Alto Paraguai (art. 12). b) a construção de diques, barragens ou obras de alterações dos cursos d’água, exceto açudes, tanques para piscicultura e pecuária extensiva, estabelecidos fora das linhas de drenagens, bem como para recuperação ambiental, a construção de estradas para acesso as propriedades rurais e empreendimentos hoteleiros dentro dos limites da Planície Alagável, desde que não impeçam o fluxo natural da água. A lei estabelece, também, que no uso e construção de estradas na Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai de Mato Grosso deverá ser observada a dinâmica hidrológica, visando a minimização dos impactos de represamento (art. 18). Se as estradas de acesso de alguma forma interferirem no fluxo das águas, estas deverão ser construídas com pontes, manilhas e outros mecanismos que possibilitem o fluxo das águas. Relativamente à navegação, o legislador estabeleceu que a navegação comercial nos rios da Bacia do Alto Paraguai deve ser compatibilizada com a conservação e preservação do meio ambiente, buscando a manutenção da diversidade biológica e recursos hídricos, adaptando-se as embarcações aos rios, vetado o transporte de produtos potencialmente perigosos (art. 13), o que constitui em avanço relevante, na medida em que o incremento do transporte hidroviário na região tem acarretado alguns acidentes, com afundamento de barcaças. Não é difícil imaginar o desastre que seria o afundamento de uma barcaça com toneladas de agrotóxico ou combustível, no coração do pantanal. De maneira geral a Lei aprovada é muito semelhante à proposta encaminhada pelos representantes do setor ruralista do Estado de Mato Grosso ao legislativo estadual. Ocorreram alguns avanços no decorrer do processo de discussão, que podem ser observados a partir da inserção de conceitos, princípios e diretrizes que orientarão de modo capilarizado e participativo as políticas públicas a serem 168 implementadas na região, desde que os movimentos populares da sociedade civil se mobilizem. No que diz respeito à gestão propriamente dita das “áreas de entorno” da área alagável, nenhum avanço pode ser apontado, o que é lamentável, pois a grande maioria dos problemas que afetam o pantanal ocorre em seu entorno, onde estão instaladas extensas lavouras de grão, em solo frágil, onde são depositadas grande quantidade de fertilizantes e pesticidas que acabam carreados, juntamente com os bancos de areiam que estão aterrando aos poucos a bacia pantaneira. É importante considerar que foram inseridos diversos conceitos e definições na legislação que legitimarão a ação dos movimentos populares da sociedade, no intuito de pleitearem ações junto ao poder público. Para tanto basta observar o art. 2º XXII que trata da definição de Povos e Comunidades Tradicionais. A título de exemplo, este inciso atendeu uma reivindicação das comunidades ribeirinhas do Pantanal, fortalecendo no Estado a Política Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais. Nessa mesma linha, também como princípio da Lei está contemplado o reconhecimento dos saberes tradicionais como contribuição para o desenvolvimento e gestão das potencialidades da região, e o respeito e valorização às formas de uso e gestão dos bens ambientais utilizados por povos e comunidades tradicionais (art. 3º e inciso XII e XIII); e ainda como uma diretriz, visando “assegurar os direitos individuais e coletivos concernentes aos povos e comunidades tradicionais à auto-determinação na construção de políticas de gestão em território tradicional”. 169 Embora a lei não contemple como princípio o reconhecimento da autodeterminação é sem dúvida um avanço significativo nas discussões referentes à emancipação das comunidades tradicionais da região, tendo em vista que está diretriz reconhece e garante às comunidades o direito de participarem diretamente das discussões relativas às políticas estatais propostas para a localidade. Além disso, observe-se que o Código de Ética e normas práticas da Sociedade Internacional de Etnobiologia tem como seu princípio número um o da AutoDeterminação. No texto do Código de ética este princípio reconhece que populações indígenas têm direitos à Auto-determinação (ou determinação local para comunidades locais ou tradicionais) e que os pesquisadores devem ter uma conduta apropriada, reconhecendo e respeitando seus direitos. Não se pode ignorar que cultura e linguagem estão intrinsecamente conectados a terra e território, e a diversidade cultural e lingüistica são diretamente ligadas à diversidade biológica. Além disso, este princípio inclui: (i) o direito ao controle da terra e território; (ii) o direito aos lugares sagrados; (iii) o direito ao próprio (determinação do uso do / autorização, proteção e compensação para o) conhecimento; (iv) o direito de acesso ao recurso tradicional; (v) o direito de preservar e proteger a língua local, simbolismos e modos de expressão; (vi) e o direito à auto-definição. Além desses aspectos, de grande relevância, a lei estadual avança também na definição das áreas protegidas, o que inclui a novel categoria de áreas de conservação permanente. Sobre este tema a legislação fez um alinhamento com a realidade do Pantanal de Mato Grosso estabelecendo conceitos efetivamente aplicáveis no aparato legal, fazendo alusão a aspectos específicos da região, quando regulamenta a proteção de ecossistemas presentes no Bioma Pantaneiro a exemplo dos corixos, veredas, campos inundáveis, brejos, meandros de rios, capões de mato e murunduns. 170 A lei estadual supre uma omissão relevante e abre perspectivas para uma gestão integrada e capilarizada do Pantanal, contudo, esse bioma, que constitui verdadeiro santuário ecológico reclama a ausência de legislação federal específica que possa dar maior efetividade e aplicabilidade ao reconhecimento constitucional do Pantanal Mato-grossense como “patrimônio nacional”. Considerações Finais De maneira geral a Lei aprovada é muito semelhante à proposta encaminhada pelos representantes do setor ruralista do Estado de Mato Grosso ao legislativo estadual. Ocorreram alguns avanços no decorrer do processo de discussão, que podem ser observados a partir da inserção de conceitos, princípios e diretrizes que orientarão de modo capilarizado e participativo as políticas públicas a serem implementadas na região, desde que os movimentos populares da sociedade civil se mobilizem. No que diz respeito à gestão propriamente dita das “áreas de entorno” da área alagável, nenhum avanço pode ser apontado, o que é lamentável, pois a grande maioria dos problemas que afetam o pantanal ocorre em seu entorno, onde estão instaladas extensas lavouras de grão, em solo frágil, onde são depositadas grande quantidade de fertilizantes e pesticidas que acabam carreados, juntamente com os bancos de areiam que estão aterrando aos poucos a bacia pantaneira. É importante considerar que foram inseridos diversos conceitos e definições na legislação que legitimarão a ação dos movimentos populares da sociedade, no intuito de pleitearem ações junto ao poder público. Para tanto basta observar o art. 2º XXII que trata da definição de Povos e Comunidades Tradicionais. 171 A título de exemplo, este inciso atendeu uma reivindicação das comunidades ribeirinhas do Pantanal, fortalecendo no Estado a Política Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais. Nessa mesma linha, também como princípio da Lei está contemplado o reconhecimento dos saberes tradicionais como contribuição para o desenvolvimento e gestão das potencialidades da região, e o respeito e valorização às formas de uso e gestão dos bens ambientais utilizados por povos e comunidades tradicionais (art. 3º e inciso XII e XIII); e ainda como uma diretriz, visando “assegurar os direitos individuais e coletivos concernentes aos povos e comunidades tradicionais à auto-determinação na construção de políticas de gestão em território tradicional”. Embora a lei não contemple como princípio o reconhecimento da autodeterminação é sem dúvida um avanço significativo nas discussões referentes à emancipação das comunidades tradicionais da região, tendo em vista que está diretriz reconhece e garante às comunidades o direito de participarem diretamente das discussões relativas às políticas estatais propostas para a localidade. Além disso, observe-se que o Código de Ética e normas práticas da Sociedade Internacional de Etnobiologia tem como seu princípio número um o da AutoDeterminação. No texto do Código de ética este princípio reconhece que populações indígenas têm direitos à Auto-determinação (ou determinação local para comunidades locais ou tradicionais) e que os pesquisadores devem ter uma conduta apropriada, reconhecendo e respeitando seus direitos. Não se pode ignorar que cultura e linguagem estão intrinsecamente conectados a terra e território, e a diversidade cultural e lingüistica são diretamente ligadas à diversidade biológica. Além disso, este princípio inclui: (i) o direito ao controle da terra e território; (ii) o direito aos lugares sagrados; (iii) o direito ao próprio 172 (determinação do uso do / autorização, proteção e compensação para o) conhecimento; (iv) o direito de acesso ao recurso tradicional; (v) o direito de preservar e proteger a língua local, simbolismos e modos de expressão; (vi) e o direito à auto-definição. Além desses aspectos, de grande relevância, a lei estadual avança também na definição das áreas protegidas, o que inclui a novel categoria de áreas de conservação permanente. Sobre este tema a legislação fez um alinhamento com a realidade do Pantanal de Mato Grosso estabelecendo conceitos efetivamente aplicáveis no aparato legal, fazendo alusão a aspectos específicos da região, quando regulamenta a proteção de ecossistemas presentes no Bioma Pantaneiro a exemplo dos corixos, veredas, campos inundáveis, brejos, meandros de rios, capões de mato e murunduns. A lei estadual supre uma omissão relevante e abre perspectivas para uma gestão integrada e capilarizada do Pantanal, contudo, esse bioma, que constitui verdadeiro santuário ecológico reclama a ausência de legislação federal específica que possa dar maior efetividade e aplicabilidade ao reconhecimento constitucional do Pantanal Mato-Grossense como “patrimônio nacional”. 173 Referência Bibliográfica ANTUNES, Paulo de Bessa. Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA: Comentáriosà Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 34. BENJAMIN, Antônio Herman V. 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Destarte, implica lançar mão de duas abstrações propostas por Leff (2001), a fim de que esclarecer que, a discussão teórica que ora foi deflagrada deve ser continuada e reavaliada. A primeira diz respeito afirmação do autor de que “é na construção da racionalidade ambiental, desconstrutora da racionalidade capitalista que se forma o saber ambiental”. Nesse sentido o saber ambiental está sendo construído a partir da materialidade histórica, dentro da relação dialética existente entre os Stakeholders identificados neste trabalho, e que não seria em uma dissertação de mestrado, limitada a alguns meses de pesquisa que seriam esgotadas as possibilidades de imersão hermenêutica do assunto. Segundo, o autor sabiamente define o ambiente como sendo “uma visão das relações complexas e sinérgicas gerada pela articulação dos processos de ordem física, biológica, termodinâmica, econômica, política e cultural”. Dessa forma, esta dimensão de ambiente adotada por ele possibilita, afirmar que discutir a participação popular na elaboração dos Marcos Regulatórios e a conseqüente implementação das políticas, deve ser um processo continuo e cotidianamente retro-alimentado. Nesse diapasão, não se pretende dar por encerradas as idéias oriundas deste ensaio, é forçoso sim, explicitar, ainda que embrionárias, algumas das considerações possíveis. 175 Para tanto, é importante relembrar qual foi à hipótese de pesquisa e os objetivos: A hipótese era a de que diversos Marcos Regulatórios pátrios privilegiaram, ao longo da história, as oligarquias Rurais, e que o mesmo estava por ocorrer no Estado de Mato Grosso, através das Leis de Gestão e de Redelimitação do Pantanal mato-grossense. O objetivo geral dessa dissertação foi contextualizar a participação pública na elaboração de políticas públicas estatais no Brasil, a partir de um Estudo de Caso. Os objetivos específicos foram: apresentar a partir da materialidade histórica como foram elaborados os marcos regulatórios no Brasil, em especial os regulamentos ambientais; e a partir do estudo de caso: Identificar quais os grupos de interesse atuaram na elaboração das Leis de Gestão e de Redelimitação do Pantanal; em qual fase cada grupo atuou; quais as demandas por eles apresentadas; e quais foram contempladas de cada grupo; Assim sendo, foi utilizado como Método para coleta de dados o Estudo de Caso, pois considerou-se que ele forneceria elementos substantivos, na coleta de dados. E isso aconteceu, as informações revelaram a real situação do quadro político do Estado de Mato Grosso, no que tange às discussões relativas à proteção do Pantanal de Mato Grosso. A interpretação dos documentos demonstrou que as questões sócio-ambientais não estão na pauta dos gestores públicos estaduais. O que existe na realidade é uma dissimulação, eles se escondem atrás do discurso do “desenvolvimento sustentável”, e defendem a implementação de atividades altamente impactantes tanto nas áreas de entorno quanto diretamente na região. Observe, desde já, o exemplo do Governador Blairo Maggi, que tem ocupado as páginas dos jornais de circulação nacional e internacional defendendo o meio ambiente, mas que na realidade propôs, para as Leis em comento a limitação da gestão à área alagável e defende incisivamente “a implantação e o transporte de organismos geneticamente modificados no Pantanal”. Outro exemplo é o do Deputado Federal Homero Pereira, o representante do Estado de Mato Grosso no Congresso Nacional tem feito enérgicos discursos sobre a importância da preservação ambiental, mas na realidade, no que diz respeito a essas Leis, defende veementemente que ela verse somente sobre a gestão da área alagável. 176 O Pantanal como um anfiteatro localizado no centro da América do Sul. Além de retratar a forma física desse patrimônio nacional, esta metáfora faz alusão à arena de conflitos existente nessa região. Os conflitos de interesses puderam ser verificados a partir da revisão bibliográfica relativa à invasão européia à região. Diversos povos foram expulsos de seus habitats e realocados na região dando lugar a exploradores de minérios e ao latifúndio. Esses grupos, que outrora foram expulsos, precisam participar na elaboração e implantação das políticas públicas, tendo em vista serem parte interessada no processo de gestão e por serem detentores do conhecimento tradicional que valoriza, pelo menos em sua maioria, o modelo endógeno de apropriação dos bens naturais. Também foi possível observar os conflitos através da explicitação das demandas dos Stakeholders que atuaram na elaboração das Leis em comento. A partir da abordagem histórica crítica da elaboração dos marcos regulatórios no Brasil, desde o Brasil colônia, passando pelos outros períodos da história nacional, grande parte dos Marcos Regulatórios, privilegiou as oligarquias rurais, implementou os latifúndios, a monocultura, o trabalho escravo. Prevalece neste ponto o entendimento de Wolkmer (2007), ao tratar da importância dos estudos históricos no âmbito do direito, como foi aventado neste trabalho, o autor afirma que ao aceitar a politização das idéias e das instituições jurídicas significa superar todo e qualquer viés metodológico representado pelo historicismo legal de cunho formalista erudito e elitista. Isto posto, a abordagem crítica da história de formação dos Marcos Regulatórios pátrios possibilitou averiguar que a cultura e o direito nativo não foram considerados pelos “colonizadores”, que trouxeram para o Brasil um direito alienígena que privilegiou as classes hegemônicas detentoras do poder econômico, representantes do capitalismo colonial que se instalava no Brasil, atravancando qualquer chance de inclusão e consideração das práticas consuetudinárias nativas. Constata-se também que os primeiros marcos regulatórios ambientais, não tinham como objetivo tutelar o meio ambiente, buscavam sim manter o statu quo. A legislação ambiental, estava a serviço e era comprometida com a estrutura social elitista de então, marcada pelo modelo antidemocrático agrário-mercantil. 177 A participação das minorias de direito, índios e negros, na elaboração das políticas públicas nacionais não ocorreu, desencadeando no Brasil, a elaboração de um arcabouço jurídico que beneficiou as elites rurais. Fato hoje vivenciado no Estado de Mato Grosso, a partir da sanção da Lei em discussão. Para tanto importa adentrar na discussão relativa à tutela jurídica do Pantanal de Mato Grosso. Apesar da grande quantidade de dispositivos legais, oriundos da própria Carta Magna de 1988; dos tratados; das resoluções e deliberações oriundas de comissões e conselhos federais; das parcas decisões dos tribunais; da legislação ordinária federal e estadual, este aparato não está sendo suficiente para proteger este patrimônio nacional. O desmatamento nas cabeceiras, o assoreamento dos rios, a contaminação por agrotóxicos e produtos dos garimpos, a falta de saneamento básico das grandes cidades, a instalação de hidrelétricas, carvoarias, o plantio de gramíneas exóticas, etc. têm sido os principais problemas da região, importante notar que apesar do arcabouço jurídico supra, ventilar sobre estes aspectos, muito pouco, ou quase nada tem sido efetivamente feito e implementado através das políticas públicas estatais. Além da necessidade da legislação Estadual que ora foi aprovada no legislativo estadual e sancionada pelo executivo, uma legislação federal específica para o Pantanal daria maior efetividade e aplicabilidade ao dispositivo constitucional que reconhece o Pantanal Mato-Grossense como “patrimônio nacional”. As normas federais em vigor se limitam a disciplinar aspectos específicos do bioma, como proteção a espécies da fauna e aos seus recursos pesqueiros, sem que exista qualquer legislação federal que estabeleça, de forma sistêmica e integrada, normas para a utilização sustentável e para a conservação dos recursos naturais da Bacia do Alto Paraguai, considerada como uma unidade físico-territorial. Outro ponto a ser considerado no que diz respeito à inexistência de uma Lei federal específica sobre o Pantanal de Mato Grosso, são as indefinições e dúvidas em relação à própria divisão de competências – legislativa e administrativa – entre a União, Estados e Municípios, em relação à sua proteção. 178 Destarte, a Secretaria do Estado de Mato Grosso, através da Gerência de Políticas do Pantanal, propôs a elaboração das Leis de Gestão e de Redelimitação do Pantanal Mato-Grosso. E a partir da “Stakeholders Analysis” fora estudada a participação dos diversos grupos na elaboração destes marcos regulatórios. Para tanto, os Stakeholders foram categorizados em três grupos: Estado, Comunitário, e Mercado. Os grupos foram enquadrados em cada categoria a partir de critérios objetivos de classificação. O primeiro dado observado a partir da análise é a explicitação de quais Stakeholders participaram de algumas das fases de elaboração das Leis em comento: para isso, foi utilizada a entrevista concedida pela Gerente de Políticas do Pantanal; a Ata da 7ª Reunião Ordinária do Conselho Estadual de Meio Ambiente – CONSEMA, realizada dia 26/09/2006; a Resolução 50/06 do CONSEMA; Oficio nº 558/2006 – FAMATO; a Comunicação Interna nº 085/2006 da Superintendência de Biodiversidade – Gerência de Política do Pantanal de 29/11/2006 e seus anexos; e as Atas das Audiências Públicas realizadas pela Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso nos Municípios de Poconé, Cáceres e Barão de melgaço, lembrando que ocorreu a audiência pública de Cuiabá, todavia devido ao período em que ela ocorreu, as notas taquigráficas desta audiência não foram objeto de análise desta dissertação. A entrevista revelou que a gênese da proposta de Lei de gestão está vinculada a interesses meramente fiscalizatórios, muito aquém, do que uma perspectiva democrática exige, a proposta de Lei surgiu para implementar as atividades técnicas de fiscalização do Estado e não como política pública oriunda dos interesses das camadas populares da sociedade pantaneira (Valorização dos modelos endógenos de produção, implementação de atividades de baixo impacto ambiental, ativação da cadeia produtiva de produtos provenientes de modos sustentáveis de apropriação dos bens ambientais, etc.). É importante salientar que nenhum Stakeholder da categoria Comunitário foi consultado neste período, a entrevista demonstrou que só participaram da primeira fase da elaboração da proposta de Lei de Gestão, a Secretaria de Meio Ambiente do Estado 179 de Mato Grosso (SEMA); Centro de Pesquisa do Pantanal (CPP); a Embrapa Pantanal; e a Procuradoria Geral do Estado Mato Grosso. Ainda fora identificado que as propostas de Lei foram colocadas à disposição da comunidade para receber sugestões na Internet no Site da SEMA. Se não fosse trágico, foi ridículo, que a SEMA, tenha disponibilizado uma proposta de Lei que trate de questões relativas à gestão do Pantanal de Mato Grosso para consulta popular somente na Internet, quando na realidade grande parte das comunidades ribeirinhas pantaneiras (a exemplo Cuiabá Mirim, Estirão Cumprido) não tem acesso a esse meio de comunicação. O fato é que a Secretaria recebeu pouquíssimas contribuições pela Internet, conforme afirmou a Gerente de Políticas do Pantanal. A análise feita dos dados provenientes da Resolução 50/06 do CONSEMA demonstram que dos 08 (oito) Stakeholders que participaram Comissão Especial criada pelo CONSEMA somente 01 (um) deles era representante da categoria Comunitário. Importante frizarmos que esta comissão foi presidida pela FAMATO, a Federação que representa o Agronegócio no Estado de Mato Grosso. A manifestação de poder da Federação na discussão deste projeto de Lei está explicita, tanto que as reuniões da Comissão ocorreram no auditório da Federação, quando na realidade para o louvor da ética, deveria ter ocorrido em alguns dos auditórios da SEMA. Em estudo recente sobre a atuação da Bancada Ruralista no Congresso Nacional Viana (2007) identificou que uma característica marcante deles, que se estende às bancadas estaduais, é a ocupação de postos-chave. O autor afirma também que essa mesma característica se transfere para os cargos da máquina estatal. A ocupação desses postos, tanto no Legislativo como no Executivo, é a origem da fonte do poder político da bancada. Para Viana a bancada ruralista tem ocupado certos nichos do aparelho do Estado, de onde exerce o seu poder de mando. O poder, no caso da bancada ruralista, é exercido de forma qualitativamente diferente de um partido político. A ascensão dos ruralistas não visa ao cargo segundo uma estratégica política de governo, mas para obter mais recursos orçamentários para o grande setor agropecuarista de exportação. 180 Deste modo, ocupar a presidência da Comissão Especial do CONSEMA, foi estratégico, no sentido de poder estabelecer nos projetos em comento, os interesses inerentes à categoria, como por exemplo Limitar a área de Gestão somente a área alagável, é bom que se lembre que o projeto encaminhado pela comissão Especial do CONSEMA, apesar das solicitações não voltou ao Pleno no conselho, ele foi encaminhado ao Executivo, que prontamente o encaminhou para o Legislativo. Nas Audiências Públicas, como analisado, a participação dos membros da categoria Estado, foi maior que a soma das participações das demais categorias (Poconé e Barão de Melgaço). Para explicar este fato, estão postas algumas hipóteses. A primeira diz respeito á origem da proposta de Lei; as pessoas não se sentiram parte do processo; a outra é a de que além de não se sentirem parte do processo, não acreditam mais nesse ambiente de participação, e estão se articulando em outros espaços; a audiência pública foi mal divulgada; ou à comunidade não se interessa por discussões concernentes a este tema. A informação que mais preocupa é a pequena participação dos representantes da categoria Comunitário, somente 02 (dois) tanto em poconé como em Barão de Melgaço, revelando o motivo pelo qual alguns representantes da categoria Mercado solicitavam que não ocorresse mais audiências públicas, tendo em vista que a proposta que ora era discutida agradava sua categoria e não encontrava resistência popular. Já em Cáceres, a participação, foi mais paritária, e o dado mais importante a ser analisado nesse momento é a participação da categoria Comunitário. Foram 15 Stakeholders ou seja 34 % dos participantes. Ainda, vários representantes da categoria Estado, presentes na Audiência de Cáceres são oriundos dos movimentos populares. Este acontecimento pode ser creditado ao diálogo existente os entre movimentos populares e a Universidade do Estado de Mato Grosso, a histórica militância destes movimentos no que tange às discussões sócio-ambientais, a exemplo da mobilização contrária à hidrovia Paraguai-Paraná, a construção do Porto de Morrinhos, e a realização do Festival Ecológico e Cultural das Águas de Mato Grosso, realizado pela UNEMAT em parceria com os movimentos sociais, levou à audiência pública em 181 Cáceres um povo disposto a discutir a proposta de Lei, que se manifestou contrário ao seu conteúdo e a forma como havia sido elaborada, e também por entender que ela atendia somente aos interesses do agronegócio mato-grossense. Como discutido, a atuação dos Stakeholders, nos debates relativos à elaboração destas Leis, demonstrou que se trata de um conflito sócio-ambiental, tendo como atores deste conflito os integrantes das categorias Estado, Comunitário, e Mercado. A categoria Estado é ocupada por agentes de Mercado e também agentes populares. No entanto, as cotas de poder, dos primeiros são maiores que a dos representantes das camadas populares, fazendo com que os interesses do agronegócio sejam implementados através das Políticas Públicas Estatais. Viana (2007) afirma que desde que respeitem os princípios constitucionais e a legislação vigente, a defesa de interesses não é ilegal, nem politicamente incorreta. Assim, nada pode impedir - seria ingênuo imaginar o contrário - que os ruralistas continuem a definir suas estratégias. Porto-Gonçalves (2007) assiná-la que: “Não devemos subestimar a capacidade dessas oligarquias de fazerem valer seus interesses históricos e de regionalizar o território. As Capitanias Hereditárias foram fruto do primeiro Ordenamento Territorial sobre a terra brasilis. E mais, são oligarquias que sempre foram modernas, bastando observar que não havia no século XVI nada de tão moderno tecnologicamente no mundo como os engenhos desses” senhores da terra e da guerra “. É imprescindível que os setores populares da sociedade se mobilizem, e se organizem, a exemplo do Movimento dos Trabalhadores Rurais (MST), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a fim de barrarem o avanço do agronegócio no Estado e colocarem na pauta do executivo e do legislativo suas reivindicações. A natureza do conflito em estudo é sócio-econômica e ideológica, onde são verificados patamares diferenciados de “cotas de poder” dos stakeholders envolvidos. A fim de demonstrar que se trata de um conflito sócio-ambiental, foram abordados dois temas presentes nas demandas que retratam os interesses presentes nos grupos de stakeholders: 01) as propostas relativas à área de abrangência da Lei de gestão, se 182 limitada à área alagável ou a toda a Bacia do Alto Paraguai, e 02) as demais demandas defendidas pelos grupos. A maioria dos representantes da Categoria Mercado e os agentes de mercado que estão presentes na categoria Estado, defenderam que a Lei de Gestão fosse limitada somente à área alagável do Pantanal, esta reivindicação foi contemplada. A Lei trouxe em sua epígrafe o texto “Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso”, mas na realidade não regulamentou atividades a serem desenvolvidas em toda a BAP, e trouxe no art. 14, a atribuição de regulamentar estas atividades ao “O Zoneamento Sócio Econômico de Mato Grosso – ZSEE/MT. Defenderam a instalação de empreendimentos altamente impactantes para a região: carvoarias, usinas de álcool, o avanço das monoculturas na BAP, implantação e transporte de transgênicos, limpeza de pastagens com a supressão de espécies nativas, além da implementação de hidrelétricas. Grande parte destas solicitações foi atendida, seja de maneira explicita, a exemplo da limpeza de pastagens, ou de maneira tácita, tendo em vista não terem sido arroladas no art. 9º que tratou das proibições de uso para a área alagável. Já os representantes da categoria Comunitário propuseram que a Lei versa-se também sobre toda a BAP. Como já foi dito esta demanda não foi atendida, pois o legislador se furtou da oportunidade e responsabilidade de regulamentar as atividades para toda esta região. Os empreendimentos propostos, são modos de produção que valorizam, os povos tradicionais pantaneiros, que permitem seu desenvolvimento pleno a partir dos modelos alternativos ao imposto pelo capital. De maneira geral o que se observa no texto aprovado, são artigos e incisos indicando ao poder público a obrigação de “incentivar”, “estimular”, “apoiar”, as atividades sustentáveis desenvolvidas no Bioma. São dispositivos legais que não geram obrigações imediatas para o Estado. Como seria, caso a propositura que solicitava a criação de um “fundo para a o financiamento de atividades vinculadas à cadeia 183 produtiva dos produtos produzidos pelos povos e comunidades tradicionais do Pantanal”, tivesse sido contemplada. Outro ponto importante verificado nos discursos desta categoria é a critica ao modelo hegemônico de exploração ambiental em Mato Grosso, tendo em vista ser ele alicerçado no latifúndio, e conseqüentemente excludente, escravagista, concentrador, e altamente impactante do ponto de vista ecológico. Dentro desta perspectiva de análise, Florêncio (2006) ensina que: “O objetivo de todo projeto voltado à população excluída é de emancipar, superar as condições de produção e reprodução da pobreza, possibilitar a construção de sujeitos sociais efetivos e multiplicar resultados. Em outras palavras construir forças políticas para tornar grupos sociais autônomos (...)”. Isto posto, os reflexos das demandas contempladas na Lei 8.830 21/01/2008, demonstra que pelo menos três cenários se formam quando discutida a sustentabilidade a luz das demandas propostas e atendidas. Estes cenários são a propósito justamente os propostos por Boff (2002): O Conservador, que é dominante e representa o aprofundamento do modelo atual; é o cenário das elites do agronegócio, industriais e financeiras mundiais, que não despertaram ainda para o alarma ecológico. Parte da idéia de que os recursos são ilimitados e de que a Terra tem capacidade de regeneração, e de que o processo da tecnociência, que exige muita energia e exaustão e utilização massiva dos recursos naturais pode continuar. Nesse grupo estiveram presentes os representantes da categoria Mercado e os agentes de mercado que tem ocupado o Estado. Suas proposições visam primordialmente implementar as atividades que mantém o statu quo. O Reformista tem consciência do déficit da Terra, mas confia ainda na sua capacidade de regeneração. O autor considera que este grupo Inventou o desenvolvimento sustentável, falácia do sistema do capital, para incorporar o discurso ecológico dentro de um tipo de desenvolvimento linear, predador e criador de desigualdades, que contradiz e anula o sentido originário de sustentabilidade que visa sempre ao equilíbrio de todos os fatores. Neste grupo também foram identificados os 184 representantes da categoria Mercado e os agentes de mercado que ocuparam o Estado. Na realidade são aqueles que utilizam os argumentos no desenvolvimento sustentável, mas não questionam a estrutura, a lógica do tipo de desenvolvimento, que é consumista e concentrador. O terceiro, chamado de Libertador, apresenta uma real alternativa que nega e propõe mudanças ao statu quo. Parte do caráter global da crise. Afirma que o nível de interdependência é tal que “ou nos salvamos todos ou todos pereceremos”, essa perspectiva solidária foi identificada nas demandas e inquietações da categoria Comunitário. Grande parte das sugestões dessa categoria tinham como objetivo valorizar os modelos sustentáveis de produção e a efetiva criação e implementação de projetos coletivos alternativos. Defende uma outra forma de apropriação dos bens ambientais que passa pela solidariedade, emancipação dos povos e comunidades tradicionais, auto-gestão. Além dos cenários propostos por Boff, podem ser verificados ainda em Leis e Viola (1995) que nessa discussão se incluem múltiplas dimensões de sustentabilidade. “Essas dimensões são na realidade de difícil articulação científica (natural, social, econômica, etc.), assim como essas dimensões se encontram permeadas por diferentes valores ético-sociais. Para isso os autores afirmam que podemos classificar as dimensões de desenvolvimento sustentável em três categorias: Estatista, Mercado, e Comunitária”. A dimensão Estatista, afirma que a qualidade ambiental é um bem público que somente pode ser protegido eficientemente através de uma incisiva intervenção normativa, reguladora e promotora do Estado. Os autores afirmam que “O setor tradicional dos aderentes a esse enfoque confia exclusivamente nos mecanismos de comando e controle”. Um setor crescentemente representativo dos aderentes a esse enfoque questiona a eficiência da utilização massiva do comando e controle, e enfatiza a necessidade de sua restrição e utilização complementar de “mecanismos de Mercado como licenças de poluição comercializáveis, taxas de depleção de recursos naturais e tarifas”. 185 A dimensão do Mercado afirma que através da lógica intrínseca do mercado, com significativa apropriação privada dos recursos naturais e da qualidade ambiental e expansão dos consumidores verdes, pode-se avançar eficientemente na direção de uma sociedade sustentável (LOOVINS, 1978; ANDERSON e LEAL, 1990). Esta abordagem considera necessária a existência de mecanismos estatais reguladores e a atuação educativa das ONG’s, “ambas numa posição subordinada aos mecanismos de mercado”. Os representantes dessa abordagem criticam severamente, e consideram ineficiente, o sistema de regulação estatal adotado no mundo ocidental nas últimas duas décadas. Os autores afirmam que “esse enfoque, à diferença do estatista e do comunitário, considera como legítima a apropriação privada dos bens ambientais, sendo que os produtores protegerão o meio ambiente desde que isso seja demandado pelos consumidores. O enfoque de mercado prioriza o principio da eficiência alocativa por sobre a equidade social”. Essa dimensão é cada vez mais presente no mundo empresarial (onde o desenvolvimento econômico, sem considerar o meio ambiente, está em decadência) e está ganhando certa força entre os economistas ambientais. A dimensão Comunitária, considera que as organizações de base da sociedade (grupos comunitários e ONG’s) devem ter um papel predominante na transição na direção de uma sociedade sustentável (Henderson, 1983; Sachs, 1982; Redclift, 1989). Esta, não confia no Estado e no Mercado como alocadores de recursos e articuladores de políticas públicas, sendo que ambos deveriam preencher um papel subordinado ao poder da sociedade civil. Esse enfoque valoriza as possibilidades de avanços em nível local e regional, nos lugares em que as mudanças nos valores da população tenham sido mais significativos. Os autores afirmam que “Tal enfoque prioriza claramente o princípio da equidade social por sobre a eficiência alocativa, o que lhe dá um componente utopista, aproximando-se em algumas dimensões da minoria 186 revolucionária”. Esse enfoque está presente com muita força nos movimentos populares e de representação de base. Sem dúvida nenhuma essa a dimensão possibilitará o desenvolvimento de uma cidadania planetária, embasada na igualdade, fraternidade, no respeito à diversidade seja ela cultural, étnica, biológica ou ideológica. O enfoque comunitário representa a aspiração máxima das maiorias, chamadas de minorias, por serem minorias em direito, historicamente excluídas dos processos produtivos do Brasil, em especial nas três ultimas décadas no Estado de Mato Grosso. Deste modo, as perspectivas ambiental, social, econômica e institucional devem ser observadas com critérios que levem em conta a dinâmica regional. A biodiversidade pantaneira é impar, quando comparada com as demais regiões do País. Nesse sentido essa arena serve de palco para a apresentação de uma realidade capilarizada, não obstante estar presente em todos os pantanais e ao mesmo tempo ser única e pontual, pois é resultado de uma vivência cotidiana do pantaneiro. Sua gente tem uma cultura única, no que tange à adaptação ao ritmo das águas. Para tanto, as Políticas Públicas Estatais, devem considerar os aspectos físicos dessa região, tendo em vista suas peculiaridades, e associá-las à realidade sócio-ambiental dos pantaneiros. Deste modo os empreendimentos de gestão que não considerarem estes fatores não lograrão êxito, e continuarão destruindo, ou legitimando a devastação deste Patrimônio Nacional. 187 BIBLIOGRAFIA GERAL BOFF, L. Saber Cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. 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Cáceres-MT:Editora UNEMAT, 2004. 189 Anexo I RESOLUÇÃO CONSEMA – 50/06 Cuiabá, 26 de setembro de 2006. 7ª Reunião Ordinária O Conselho Estadual do Meio Ambiente – CONSEMA, no exercício de sua competência prevista no art. 3º da Lei Complementar nº 38, de 21 de novembro de 1995, alterada pela Lei Complementar nº 232, de 21 de dezembro de 2005; Considerando o que determina o art. 41 do Regimento Interno do Conselho Estadual do Meio Ambiente; Considerando a decisão, por maioria, do Pleno do Conselho Estadual do Meio Ambiente – CONSEMA: RESOLVE: Art. 1º - Criar a Comissão Especial, com a finalidade de analisar e apresentar propostas ao Projeto de Lei referente à Política Estadual de Gestão do Pantanal de Mato Grosso. Art 2º - A Comissão será composta pelos representantes dos seguintes órgãos e entidades: Federação da Agricultura do Estado de Mato Grosso - FAMATO; Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e Minas e Energia - SICME; Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso - FIEMT; Instituto Ecológico Sócio-Cultural da Bacia Platina - IESCBAP; Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/MT; Secretaria de Estado de Desenvolvimento Rural - SEDER; Secretaria de Estado de Desenvolvimento de Turismo - SEDTUR e Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, sob a presidência do representante da FAMATO. Art. 3º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação. LUÍS HENRIQUE CHAVES DALDEGAN Presidente do CONSEMA Em Substituição 190 Anexo II 191 Anexo III 192 Anexo IV 193 Anexo V 194 Anexo VI Roteiro da Entrevista 1) Quais foram os acontecimentos que deflagraram as discussões relativas à elaboração de uma Lei para a gestão do Pantanal de Mato Grosso? 2) Quais foram os setores da sociedade civil organizada que participaram do inicio desta discussão? 3) Em qual etapa da elaboração dos projetos de Lei cada grupo atuou? 4) Quais foram os meios utilizados pela SEMA para divulgar a elaboração das Leis? 5) Quais as contribuições apresentadas por cada setor? 195 Anexo VII LEI Nº 8.830, DE 21 DE JANEIRO DE 2008 - D.O. 21.01.08. Autor: Lideranças Partidárias Dispõe sobre a Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso e dá outras providências. A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MATO GROSSO, tendo em vista o que dispõe o Art. 42 da Constituição Estadual, aprova e o Governador do Estado sanciona a seguinte lei complementar: CAPÍTULO I Dos Princípios Fundamentais Seção I Das Definições e Conceitos Art. 1º Esta lei com fundamento no Art. 225, § 4°, da Constituição Federal, estabelece a Política Estadual de Gestão e Proteção da Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso, definindo seus princípios e atribuições do poder público para manutenção da sustentabilidade ambiental, econômica e social. § 1° Entende-se por Bacia do Alto Paraguai a unidade geográfica composta pelo sistema de drenagem superficial que concentra suas águas no Rio Paraguai, conforme os limites geográficos estabelecidos nos estudos do Programa de Conservação do Alto Paraguai (PCBAP,1997) contemplados pelo Zoneamento SócioEconômico Ecológico no Estado de Mato Grosso. § 2° Os limites do Pantanal em Mato Grosso devem ser entendidos nesse caso como delimitadores de ações específicas na Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai - BAP. Art. 2° Para efeitos dessa Lei, entende-se: I – Sustentabilidade Ambiental: manutenção da capacidade de sustentação dos ecossistemas, o que implica na capacidade de absorção e recomposição dos ecossistemas em face das interferências antrópicas; 196 II – Planície alagável: corresponde a área inundável da Bacia do Alto Paraguai – Bap, área relativamente plana, sujeita à inundações sazonais, causadas por transbordamentos de rios ou pela concentração pluviométrica associada à impermeabilidade do solo. III – Corixos: cursos d´água natural permanente, intermitente e/ou efêmero, com fluxo que se alterna em função da sazonalidade climática e ciclo hidrológico, que interliga mananciais (baías, lagoas, córregos e rios) na planície alagável, com função hídrica de enche-la e esvaziá-la. Entre outras, realiza também, a função ecológica essencial como, por exemplo, o repositório de biota para colonização dos biótipos aquáticos; IV – Pulso de inundação: inundação sazonal característica da Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai, com os níveis de enchente, cheia, vazante e seca, influenciando a produtividade e diversidade vegetal e animal para a região; V – Vereda: denominação utilizada no Brasil Central para definir áreas que contenham nascentes ou cabeceiras de um curso d’água da rede de drenagem, onde ocorram solos hidromórficos com renques de buriti (Maurittiela flexuosa), buritirana (Mauritia aculeata) e outras formas de vegetações típicas; VI – Capão: elevações do terreno de forma circular ou elíptica, onde cresce vegetação arbórea, normalmente rodeada por campos associados à inundação ou ao encharcamento sazonal dos solos; VII - Mata ciliar: formação florestal das margens dos rios e cursos d’água perenes ou intermitentes e/ou efêmero; VIII – Cordilheira: são elevações que apresentam formas sinuosas, alongadas e extensas, de origem relacionada à deposição aluvial, com predominância de vegetação arbórea, normalmente rodeada por campos associados à inundação ou ao encharcamento sazonal dos solos; IX - Várzea: são áreas geomorfológicas, vales ou lugares baixos, parcialmente alagados, geralmente de formação arredondada com pequena variação de queda de relevo, afloramento sazonal do lençol freático, predominância de gramíneas e sofrem alagamentos periódicos; X - Vazante: área deprimida (rebaixada) em relação aos terrenos contíguos ou planície, levemente inclinada, periodicamente inundada pelo refluxo lateral de rios e lagos e/ou pela precipitação direta, contribuindo para a drenagem das águas sazonais; 197 XI – Baía: corpo d’agua perene ou temporário, isolado ou conectado a um curso d’agua, com vegetação arraigada nas bordas e eventualmente flutuantes; XII – Estrada Dique: aterro utilizado como via para tráfego, que impede o fluxo natural da água interferindo na dinâmica natural da Planície Alagável; XIII – Estrada no Pantanal: obras sem ou com aterro construído com obra de artes (pontes e bueiros) de acordo com estudo hidrológico, para a passagem de veículo, procurando não interferir no fluxo, ou seja, não provocando remanso significativo da água na planície alagável da BAP. XIV – Estrada Dique no Pantanal: é aterro construído com obras de artes (pontes e bueiros) para a passagem de veículo, interferindo o mínimo possível no fluxo de água, ou seja, não provocando remanso significativo da água na planície alagável da BAP; XV – Dique Marginal Natural: É a porção de terra mais elevada na margem dos mananciais (rios, córregos e corixos), proveniente do transporte pelas águas durante as cheias, do material em suspensão que ali se deposita. É de pequena extensão e a sua altura decresce no sentido transversal ao curso d’água.É ocupado ao longo do tempo pela comunidade pantaneira, rebeirinhos, fazendeiros e atualmente pousadas; XVI – Dique Artificial: aterro levantado com objetivo de impedir ou controlar a entrada ou saída de água; XVII – Aterro: são áreas, com níveis mais altos, construídos pelas comunidades tradicionais e população indígenas para a construção de casas e plantações de lavouras de subsidências; XVIII – Brejo em áreas de planície: área inundada coberta por vegetação natural própria com predominância de arbustos, trepadeiras e herbáceas, caracterizando-se pela presença de uma vegetação hidrófila, podendo secar em anos excepcionais; XIX – Brejo em áreas de planalto: área inundada onde há nascentes, olhos d’agua, cacimbas, coberta com vegetação natural própria com predominância de arbustos, trepadeiras e herbáceas, caracterizando-se pela presença de uma vegetação hidrófila, podendo secar em anos excepcionais; XX - Meandro: É um trecho da calha de um rio, com duas curvaturas consecutivas e alternadas. É fruto da interação entre as vazões líquidas e sólidas impostas e a erosividade de suas margens. Nos leitos aluvionares, esta 198 conformação apresenta geralmente uma seqüencia de curvas separadas por trechos retilíneos curtos; XXI – Murundum: É um tipo de microrrelevo em forma de pequenas elavações ou montículos ou cocurutos, geralmente arredondados, com altura entre 0,1 a 1,5 m e diâmetro de até 20 m, temporáriamente inundável nas partes mais baixa durante o período chuvoso, formado em solos hidromórficos com deficiência em drenagem, contendo comumente no perfil concreções ferruginosas, apresentando grande importância ecológica por controlar o fluxo de água, a deposição de nutrientes, a conservação de água de superfície e a biodiversidade; XXII – Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição; XXIII – Pesca de Subsistência: é a pesca artesanal praticada por populações ribeirinhas, tradicionais e/ou pantaneiras, sem fins comerciais, para complementar a alimentação familiar, inclusive do pescador profissional artesanal no período da piracema; XXIV – Atividades Econômicas Sustentáveis: são atividades que promovem a inclusão social, o bem estar econômico e conservação dos bens ambientais; XXV – Modelos Endógenos de Produção: é o modelo de produção associado a populações e bens ambientais locais; XXVI – Área de Conservação Permanente: categoria de área protegida nos termos desta lei abrangendo as áreas inundáveis da Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai em Mato Grosso, caracterizadas, como unidades de paisagem que funcionam como refúgios, habitats e corredores para a fauna, e conectividade de populações de espécie associadas a ambientes aquáticos e de aves migratórias. Essas áreas são consideradas essenciais para a distribuição de nutrientes na Planície Alagável e para a manutenção do ciclo produtivo de pastagens nativas, não podendo ser alteradas ou utilizadas de forma intensiva ou em larga escala; XXVII – Bacia do Alto Paraguai: unidade geográfica composta pelo sistema de drenagem superficial que concentra suas águas no rio Paraguai, conforme os limites geográficos estabelecidos nos estudos do Programa de Conservação do Alto Paraguai (PCBAP,1997). Seção II Do Objetivo e Princípios 199 Art. 3º A Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso tem por objetivo promover a preservação e conservação dos bens ambientais, a melhoria e recuperação da qualidade ambiental, visando assegurar a manutenção da sustentabilidade e o bem-estar da população envolvida, atendidos os seguintes princípios: I – princípio da precaução; II – princípio do poluidor-pagador; III - princípio do usuário-pagador; IV - princípio da prevenção; V – princípio da participação e descentralização; VI – princípio da ubiqüidade; VII – princípio da bacia hidrográfica; VIII – princípio do direito humano fundamental; IX - princípio do desenvolvimento sustentável; X – princípio do limite; XI – proteção do Pantanal Mato-grossense enquanto Patrimônio Nacional, Sítio Ramsar e Reserva da Biosfera; XII – reconhecimento dos saberes tradicionais como contribuição para o desenvolvimento e gestão das potencialidades da região; XIII – respeito e valorização às formas de uso e gestão dos bens ambientais utilizados por povos e comunidades tradicionais; XIV - respeito à diversidade biológica e aos valores ecológicos, genéticos, sociais, econômicos, científicos, educacionais, culturais, religiosos, recreativos e estéticos associados; Seção III Das Diretrizes Art. 4º São diretrizes básicas da Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso: I - ação governamental de articulação dos órgãos estaduais com os órgãos federais e municipais de meio ambiente, desenvolvimento rural, indústria, comércio, turismo e da sociedade civil organizada; II - integração da gestão ambiental com a gestão dos recursos hídricos e com a gestão do uso do solo; III – promoção dos meios necessários para a efetiva participação dos povos e comunidades tradicionais nas instancias de controle social e nos processos decisórios relacionados aos seus direitos e interesses; IV - assegurar os direitos individuais e coletivos concernentes aos povos e comunidades tradicionais à auto - determinação na construção de políticas de gestão em território tradicional; 200 V - consolidar e ampliar as parcerias: internacional, nacional, estadual, interestadual e setorial, para o intercambio de informações e integração de políticas públicas articuladas e aplicáveis no bioma Pantanal; VI – ordenar a ocupação territorial da Bacia do Alto Rio Paraguai, com ênfase na Planície Alagável na forma da lei; VII - estimular a instalação de atividades econômicas sustentáveis; VIII - apoiar as atividades econômicas sustentáveis existentes; IX – reconhecer, implementar e subsidiar atividades sustentáveis desenvolvidas por povos e comunidades tradicionais; X – incentivar ações que se coadunam com os objetivos da Convenção sobre a Diversidade Biológica e estabelecer restrições para as contrárias aos objetivos da Convenção; XI – incentivar atividades de ecoturismo como forma de gerar emprego e renda e de fiscalizar, proteger e divulgar o ambiente pantaneiro. Seção IV Das Atribuições Art. 5º Incumbe ao Poder Público: I - articular-se com o Estado de Mato Grosso do Sul e com a União, visando uma política integrada para a Bacia do Alto Paraguai; II - fomentar a certificação ambiental das atividades sustentáveis desenvolvidas na região da Bacia do Alto Paraguai; III - incentivar a recuperação de áreas degradadas; IV - promover o ordenamento do turismo na Bacia do Alto Paraguai, em especial o ecoturismo, em conjunto com ações de educação ambiental; V - criar e implementar mecanismos de prevenção e combate à biopirataria e ao tráfico de animais silvestres; VI - promover a criação de mecanismos econômicos de incentivo às atividades de preservação/conservação ambiental; 201 VII - incentivar ações que contribuam para o manejo sustentável dos recursos pesqueiros e da fauna silvestre, típica da Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai, mediante plano de manejo; VIII - promover pesquisas científicas, de relações sociais e econômicas, visando à implementação de novas unidades de conservação e corredores ecológicos na Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai de Mato Grosso; IX – incentivar as ações de manutenção dos estoques pesqueiros, agregando valor ao pescado capturado pelos pescadores artesanais, através do desenvolvimento das cadeias produtivas da carne e do couro do peixe; X - estimular formas ambientalmente corretas de produção agropecuária, manejo florestal, silvicultura e geração de energia na Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai de Mato Grosso. XI – promover, em um prazo máximo de 05 (cinco) anos, ações com a finalidade de se implantar sistemas de esgoto nas cidades e indústrias que fazem parte da Bacia do Alto Paraguai, bem como a coleta e disposição final adequada dos resíduos sólidos (lixo). Art. 6º Compete à Secretaria de Estado do Meio Ambiente - SEMA: I - incentivar a manutenção e conservação de áreas naturais, através do incentivo à criação de Unidades de Conservação na Bacia do Alto Paraguai; II - desenvolver programas de monitoramento da fauna, flora e de controle de espécies exóticas na Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai; III - realizar diagnóstico e monitoramento dos impactos ambientais na Planície Alagável e propor programas que visem a minimização destes impactos, com a participação das empresas e produtores rurais que contribuam para melhoria da gestão ambiental e permitam o aperfeiçoamento de acompanhamento e controle; IV - implantar um sistema de monitoramento, controle e fiscalização da pesca, fomentando estudos estatísticos quantitativos e qualitativos, como estoque e produção das áreas naturais utilizadas para esta atividade comercial e artesanal; V - fomentar ações visando o manejo sustentável dos recursos vegetais nativos, utilizando-se de ferramentas como o plano de manejo de áreas na Planície Alagável; VI – controlar e fiscalizar a extração, transporte e comércio de iscas vivas; 202 VII - ordenar as atividades poluidoras e/ou degradadoras (de baixo impacto) do meio ambiente, implantadas e a serem implantadas na região da Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai. CAPÍTULO II Das Áreas Protegidas Seção I Das Áreas de Preservação Permanente Art. 7° São consideradas áreas de preservação permanente na Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai de Mato Grosso, sem prejuízo da proteção assegurada na legislação federal e estadual: I - as florestas e demais formas de vegetação situadas: a) as margens dos cursos d’água, perenes, intermitentes e/ou efêmeros, inclusive nos corixos, conforme limites estabelecidos no Código Ambiental do Estado de Mato Grosso; b) no entorno de baías, lagos e lagoas, em faixa marginal de 100 metros; c) no interior das ilhas; d) nas veredas e nos brejos; e) nos topos e encostas de morros isolados, com inclinação igual ou superior a 45°; f) no entorno dos meandros, conectados ou não com rios, considerando os limites estabelecidos na alínea “a” deste artigo. § 1° As faixas marginais de preservação permanente terão como referencial o nível mais alto dos rios e demais cursos d’água, conforme estabelecidos na legislação estadual. § 2° A definição do nível mais alto dos rios e demais cursos d’água, para fins de delimitação de Área de Preservação Permanente na Planície Alagável, será efetuada durante o período sazonal de seca. Seção II Das Áreas de Conservação Permanente Art. 8º Consideram-se Áreas de Conservação Permanente, na Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai - BAP de Mato Grosso: I - os campos inundáveis; II – os corixos; III – os meandros de rios; IV – as baías e lagoas marginais; 203 V – as cordilheiras; VI – os diques marginais naturais; VII – Nos capões de mato e murunduns; § 1º Nas Áreas de Conservação Permanente relacionadas no inciso I deste artigo será permitido o acesso e uso para a pecuária extensiva e no inciso VI e VII as atividades turísticas, habitação dos ribeirinhos, sede e retiros de fazendas, vedadas às intervenções que impeçam o fluxo da água. § 2º A supressão parcial da vegetação nativa, visando sua substituição, nas Áreas de Conservação Permanente, poderá ser realizada por meio de prévio licenciamento junto à SEMA na forma do regulamento. § 3º Nas Áreas de Conservação Permanente será permitido a construção de estradas para acesso as propriedades rurais desde que não impeçam o fluxo de água. CAPÍTULO III Das Restrições de Uso Art. 9º Ficam vedadas, nos limites da Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai de Mato Grosso: I – o licenciamento de criatórios de espécies da fauna que não sejam autóctones da bacia hidrográfica; II – a implantação de projetos agrícolas, exceto a atividade agrícola de subsistência e a pecuária extensiva; III – a construção de diques, barragens ou obras de alterações dos cursos d’água, exceto açudes, tanques para piscicultura e pecuária extensiva, estabelecidos fora das linhas de drenagens, bem como para recuperação ambiental, a construção de estradas para acesso as propriedades rurais e empreendimentos hoteleiros dentro dos limites da Planície Alagável, desde que não impeçam o fluxo natural da água; IV – a implantação de assentamento rural. V – a instalação e funcionamento de atividades de médio e alto grau de poluição e/ou degradação ambiental na Planície Alagável, tais como: plantio de cana, implantação de usinas de álcool e açúcar, carvoarias, abatedouros e outras atividades de médio e alto grau de poluição e ou degradação. Parágrafo único Se as estradas de acesso mencionadas no inciso III de alguma forma interferirem no fluxo das águas, estas deverão ser 204 construídas com pontes, manilhas e outros mecanismos que possibilitem o fluxo das águas. CAPÍTULO IV Do Licenciamento Ambiental na Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai em Mato Grosso Art. 10 Qualquer empreendimento ou atividade localizado na Planície Alagável da BAP e em faixa marginal de dez quilômetros (10 km), deverão, obrigatoriamente, ser previamente vistoriados pelo órgão ambiental, antes da emissão de parecer técnico conclusivo do processo de licenciamento. Art. 11 A limpeza de pastagem, para fins da pecuária extensiva, fica permitida para as espécies Pombeiro (Combretum lanceolatum e Combretum laxum) e Canjiqueira (Byrsonima orbignyana), Pateiro (Couepia uiti), Pimenteira (Licania parvifolia), Cambará (Vochisia divergens), Algodoeiro (Ipomoea fistulosa), Mata-pastoamerelo (Cássia aculeata), Amoroso (Hydrolea spinosa), e Arrebenta laço (sphinctanthus micropyllus) na forma do regulamento. § 1° Fica vedada a limpeza de pastagem nos capões, cordilheiras, diques marginais naturais e matas ciliares. § 2° A limpeza de pastagens ficara condicionada, quando tratar-se do cambará (Vochisia divergens) ao estabelecimento do diâmetro mínimo da espécie citada, na forma do regulamento. Art. 12 Serão licenciadas as atividades de piscicultura e criação de animais da fauna silvestre, desde que as espécies sejam de ocorrência natural na Bacia do Alto Paraguai. Art. 13 A navegação comercial nos rios da Bacia do Alto Paraguai deve ser compatibilizada com a conservação e preservação do meio ambiente, buscando a manutenção da diversidade biológica e recursos hídricos, adaptando-se as embarcações aos rios, vetado o transporte de produtos potencialmente perigosos. CAPÍTULO V Das Disposições Transitórias Art. 14 O Zoneamento Sócio Econômico Ecológico de Mato Grosso ZSEE/MT definirá diretrizes de uso e manejo dos recursos naturais da área de entorno da Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai. 205 § 1° A área de entorno a que se refere o caput deste artigo constitui área limítrofe aos limites estabelecidos por lei para a Planície alagável da BAP, caracterizada pela transição ente as áreas da Planície Alagável da BAP e as áreas do Planalto da BAP § 2° As diretrizes de uso a que se refere o caput deste artigo, promoverão o ordenamento do espaço geográfico da área de entorno, descrita no parágrafo primeiro, de forma promover o disciplinamento do uso e proteção dos bens ambientais e salvaguardando dessa forma o Pantanal Mato – grossense como um todo. § 3° Para atendimento das exigências do caput deste artigo e seus parágrafos, o ZSEE/MT definirá as diretrizes de uso em um prazo de um (01) ano. Art. 15 A SEMA promoverá, dentro de 05 (cinco) anos, a identificação das barragens, diques e aterros existentes na Planície Alagável da BAP de Mato Grosso fixando, aos responsáveis, pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, prazo para remoção ou adequação se ficar constatado que causam significativos danos ao ecossistema do Pantanal. Art. 16 A SEMA promoverá a realização de plano de manejo para as Unidades de Conservação Estaduais existentes na Bacia do Alto Paraguai de Mato Grosso, no prazo de 05 (cinco) anos. Art. 17 Os acampamentos, pousadas, hotéis e demais estabelecimentos do gênero em atividade ou em fase de instalação na Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai de Mato Grosso, bem como, qualquer outra atividade considerada efetiva ou potencialmente poluidora e/ou degradadora do meio ambiente, a contar da publicação desta lei, deverão ser vistoriados pela SEMA para que seja realizada análise ambiental específica e determinadas as medidas cabíveis. Art. 18 No uso e construção de estradas na Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai de Mato Grosso deverá ser observada a dinâmica hidrológica, visando a minimização dos impactos de represamento. Art. 19 Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Palácio Paiaguás, em Cuiabá, 21 de janeiro de 2008. BLAIRO BORGES MAGGI Governador do Estado Esta cópia não substitui a publicada no diário oficial. 206