A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO O LUGAR FAVELA – A PERCEPÇÃO DE ESTUDANTES DE 7º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL JÚLIA LUCIANA PEREIRA DAS DORES OKAMURA1 Resumo: Este trabalho refere-se às discussões abordadas na tese de doutorado, cujo tema central aborda o pertencimento ao lugar por parte dos moradores dos espaços urbanos segregados da cidade de Londrina-PR, levando em conta as abordagens fenomenológica e as representações sociais. Tem como objetivo analisar a percepção de alunos do 7º Ano do Ensino Fundamental sobre o lugar favela, apoiando-se na técnica de desenhos e conhecimentos prévios dos alunos para desenvolver as atividades em sala de aula, pois é fundamental a construção do conhecimento geográfico partindo desta vivência, desta experiência dos lugares percorridos e até imaginados, dos conhecimentos que os alunos têm sobre os locais de convivência, das observações, das descrições das áreas onde moram e circulam, para tornar o conteúdo de Geografia significativo para eles. Palavras-chave: Lugar; Favela; Ensino, Geografia, Fenomenologia Abstract: This work refers to the discussions approached in the doctoral thesis, whose central theme approaches the place belongness by the people of the segregated urban spaces in the city of Londrina-PR, accounting the phenomenological approach and the social representations. Aims to analyse the perception of 7th grade students of the elementary school about favela, the technique of drawings and previous knowledge of students to develop classroom activities, because it is vital to the construction of geographic knowledge starting from this experience This experience of the places traveled and even imagined, the knowledge that students have about the locations of conviviality, of the observations, descriptions of the areas where they live and roam, to make the contents of Geography meaningfull to them. Key-words: Place; Favela; Education, Geography, Phenomenology 1 - Doutoranda do curso de Pós-graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo - USP. E-mail de contato: [email protected] 5221 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 1 – Introdução O presente trabalho é parte integrante da tese de doutorado desenvolvida no Curso de Pós-graduação em Geografia Humana da USP, cujo tema aborda o pertencimento ao lugar por parte dos moradores de espaços urbanos segregados (favelas) da cidade de Londrina – PR, tendo como base teórica as abordagens fenomenológicas e das representações sociais. Tem com objetivo analisar a percepção de um grupo de alunos do 7º ano do Ensino Fundamental sobre o tema lugar favela. A escola da qual foram realizadas as atividades localiza-se na periferia da cidade de Londrina, próxima ao bairro área de estudo da tese de doutorado. Considerando que o lugar é parte fundamental na discussão da geografia humanística, optou-se por utiliza-lo como conceito chave para as atividades realizadas com estes alunos, por considerar que o lugar é o espaço vivido do aluno, onde ele desenvolve sua cotidianidade e suas relações com as demais pessoas da sociedade. Já a favela foi inserida por ser considerada um espaço urbano segregado e que faz parte da vivência direta ou indiretamente dos alunos, não ficando apenas nos conteúdos apresentados nos livros didáticos que enfatizam as favelas das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Assim, ao trabalhar o lugar e a favela, buscou proporcionar aos alunos que existem esses problemas urbanos em cidades como Londrina, e que as vezes fazem parte do seu dia-a-dia, ou por morarem numa, ou conhecer alguém que mora lá. Visando a valorização do conhecimento do aluno buscou utilizar nas atividades desenvolvidas a técnica de desenhos para analisar a representatividade do lugar e da favela para eles. 2 – O Lugar Favela Para discutir o tema lugar favela com os alunos era preciso saber quais os conhecimentos que os mesmo tinham sobre o assunto. Ao questiona-los sobre o que eram favelas, e o que é lugar, não se obteve respostas. Assim, pensou que era preciso estabelecer um novo método ou uma nova metodologia para que as respostas surgissem, sem que fossem passadas algumas informações e características destes espaços. 5222 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Foi quando, com base no trabalho de Dias (2010) sobre a percepção de crianças sobre a favela, optei por trabalhar com desenhos e opinião, escrita, dos alunos sobre lugar e favela, pois dessa forma posso contribuir para o processo de ensino aprendizagem, que atualmente apresenta-se de forma caótica, diante do desinteresse dos alunos com os conteúdos, com as aulas, com a Educação. Como professora da escola e da turma, estou sempre preocupada com o futuro desses alunos, buscando novas alternativas e metodologias para tornar as aulas mais atraentes fazendo com que os conteúdos sejam significativos para os alunos. Então, estou em constante busca de materiais, métodos, não somente na Geografia, mas em outras disciplinas e ciências, que possam contribuir para esse processo educacional. Como a maioria dos alunos não gostam de expressar o que sabem sobre um determinado tema, conteúdo, por vergonha, ou medo de errar, utilizei da escrita para que eles pudessem contar tudo que sabem sobre a favela enquanto lugar. O que é uma favela, quais são as suas características, entre outros. De acordo com STRAFORINI (2008) a categoria lugar possibilita o professor de Geografia trabalhar a realidade mais próxima dos alunos uma vez que estes espaços revelam a sua história. Para ele o lugar é “uma categoria que não menospreza o real, o vivido, pois seus fundamentos são exatamente a presença e a coexistência de tarefas comuns (...)”. (STRAFORINI, 2008, p. 94) Além disso, as aulas devem ser produtivas enquanto qualidade do conteúdo apreendido pelos alunos e não pela quantidade de informações que foram repassadas para eles. “Uma aula produtiva é aquela em que aluno trabalha além do tempo e do espaço da aula, porque foi desafiado a buscar soluções para problemas verdadeiros e a levar dúvidas para além dos muros da escola.” (AQUINO JUNIOR, 2007, p. 79) Trabalhar com os desenhos possibilitou ao aluno pensar no conteúdo abordado, a refletir sobre sua realidade, seu lugar, seu cotidiano, sua vivência e as experiências adquiridas e compreender melhor o espaço urbano de sua cidade, do seu bairro. Uma vez que o “lugar é a porção do espaço apropriável para a vida – apropriada através do corpo – dos sentidos – dos passos de seus moradores, é o bairro, é a praça, e a rua ....”. (TUAN, 2013, p.17) 5223 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Para Santos (2009) os desenhos são resultado de uma experiência vivida, e destaca que “quando lidamos com desenhos, estamos lidando com o aspecto visual do pensamento e da memória” (SANTOS, 2009, p. 195) Já Pontuschka enfatiza que Os desenhos, cartas mentais, croquis, maquetes, plantas e mapas podem ser englobados entre os textos gráficos, plásticos e cartográficos trabalhados no ensino e nas pesquisas da Geografia. Diferenciam-se dos demais textos alfabéticos epal dominância da figura, ou seja, de uma forma espacial. Linhas, formas, superfícies, distâncias, extensões, volumes e suas várias dimensões (comprimento, largura, altura) representam os espaços vividos e as práticas sociais.” (PONTUSCHKA, et al., 2007, p. 292) Temos que os desenhos realizados de forma espontânea pelos alunos, sem interferência teórica e prática do professor, revela-se para este um elemento de análise sobre a realidade vivenciada, imaginada ou representada pelo aluno. Com isso, verifica-se que (...) em diferentes faixas etárias e níveis socioeconômico-culturais, possibilitam identificar o desenvolvimento gráfico-espacial dos alunos como uma representação do mundo próximo e conhecer não só suas informações sobre os lugares, mas também seu imaginário sociocultural. Os desenhos de crianças oferecem dados aos professores sobre situações de vida, pensamentos, medos. É por meio do desenho, em atividade individual ou coletiva, que o não-dito se expressa nas formas, nas cores, na organização e na distribuição espacial. (PONTUSCHKA, et al., 2007, p. 293) Ao desenhar eles registram detalhes fundamentais dos lugares, expressam as representações sociais que eles tem de determinados espaços, revelam situações de medo, insegurança, como também de conforto, identificação com o lugar, entre outros fatores que podem tornar as aulas mais atrativas e os conteúdos mais significativos para eles. Para esta atividade escolheu uma turma de 7º ano que apresentam dificuldades múltiplas de aprendizagem, comportamento, carência afetiva, e que se encontram em situação de risco e vulnerabilidade social. Como professora da turma e buscando resgatar a autoestima e os diversos valores destes educandos, surgiu a ideia de trabalhar, de maneira participativa, a questão do lugar onde estes vivenciam seu cotidiano, considerando a favela como tema central das discussões dos conteúdos em sala de aula, pois são crianças que residem próximo a elas ou participam da vivência de parentes e amigos que moram em bairros segregados. 5224 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO A opção por essa turma também foi porque as crianças possuem uma enorme capacidade de perceber e expressar suas manifestações sobre as paisagens, lugares e sentimentos e possuem uma incrível sensibilidade para representar os lugares (como eles percebem) revelando-nos a grande quantidade de detalhes dessa porção do espaço vivido por eles ou que eles imaginam ser, como podem ser vistos nos desenhos e nos relatos dos alunos. Os alunos tinham que desenhar uma favela. E depois responder o questionamento: Para você, o que é favela?. Os alunos realizaram as estas atividades sem que fossem, anteriormente, discutidos com eles os conceitos de favela e mostrado qualquer imagem sobre estas áreas segregadas. Os resultados foram relevantes, pois a maioria dos alunos representaram nos desenhos as favelas cariocas, localizada em morros e com destaque para detalhes expressivos destes locais (armas, tráfico de drogas, ligações elétricas clandestinas, becos e outros). Foi possível também verificar nos desenhos, que inseridos a esta imagem carioca, existiam detalhes dos locais onde eles moravam (ao redor de favelas de Londrina). Para uma aluna (desenho apresentado na figura 01) as favelas são lugares onde moram “pessoas feias e tem casas feias e amontoadas e as vezes fede um pouco”. Essa percepção revela que ela já visitou uma favela ou experimentou desta realidade. Outro aluno coloca que nas favelas as casas são pequenas e apertadas conforme representou no desenho da figura 02. Figura 01: destaque para o amontoado de casas 5225 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Figura 02: Mostra detalhes de infraestrutura e condições das moradias Outros alunos relataram que as favelas caracterizam-se por ter barracos de madeira, ruas cheias de buraco, crianças sujas, casas de madeiras, morros e traficantes, sendo que nestes lugares “tem só bandidos e traficantes, mas também tem pessoas boas, trabalhadoras e honestas”. As favelas são em morros, tem mais escadas do que ruas. E destaca que depois das “6:00 da noite as pessoas tem que ficar dentro de casa porque anda muito bandido e traficante e as vezes troca tiros com a polícia e sai morte” como mostrado na figura 03. Figura 03: estrutura interna da favela A favela também aparece como sendo “um morro com casinhas pequenas, uma em cima da outra, ruas bem movimentadas, muita gente traficando, vendendo drogas, casas pichadas e maconheiros nas esquinas com facas e armas”. (Figura 04) 5226 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Figura 04: Estrutura de uma favela Por outro lado, alguns alunos registram que a favela “é um lugar alegre e divertido, com pessoas soltando pipa, andando de bicicleta, tem muito povo unido e humilde. Na favela tem bastante festa, mulher bonita e as vezes muito tiroteio”. (Figura 05) Figura 05: Infraestrutura e lazer na favela E por fim, relatam que a favela é uma vila onde bandidos andam armados. Eles matam porque as pessoas mexem com eles, mas também ajudam pessoas que passam fome, (Figuras 06 e 07) e que na favela moram pessoas de baixa renda, tem casas pequenas em morros, ruas apertadas, sendo um lugar isolado. 5227 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Figuras 06 e 07: referência à criminalidade Observa-se que os desenhos dos alunos revelam características bem visíveis das favelas de forma geral como destaca Ferreira (2001) geralmente são constituídas de casas construídas de restos de materiais de construção (madeira, latão de zinco, e em alguns casos de pedaços de tijolos); o chão quase sempre são possui nenhuma cobertura, sendo de “terra batida”; não possuem sistema de coleta de lixo; os barracos são construídos com muita proximidade uns dos outros; não existe traçado de ruas, iluminação pública, rede de esgoto, água e luz oara todos e o morador favelado considera-se dono do “barraco” (sub-habitação), mesmo sabendo da ilegalidade da ocupação.” (FERREIRA, 2001, p. 84) Diante disso, podemos destacar que os desenhos expressaram ideias de áreas violentas, precariedades, sendo possível identificar também momentos de lazer (futebol, brincadeiras de rua), referências a paisagens naturais e problemas ambientais. Dessa forma, conclui-se que é fundamental o professor trabalhar com o espaço vivido dos alunos, ou seja, o lugar. E construir em sala de aula o conhecimento geográfico partindo desta vivência, desta experiência dos lugares percorridos e até imaginados pelos alunos, dos conhecimentos que os alunos têm sobre os locais de convivência, das observações, das descrições das áreas onde moram e circulam, para tornar o conteúdo de Geografia significativo para eles. Callai (2005) ressalta que compreender o lugar em que se vive leva-nos a conhecer a história do lugar e a entender os processos que ocorrem neste espaço e isso deve ser levado em conta na sala de aula ao trabalhar os conteúdos de geografia. E Cavalcanti (2010) destaca que o ensino deve ser considerado um processo de conhecimento pelo aluno enfatizando as atividades que possibilitam 5228 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO essa construção, levando os alunos a pensar com autonomia e construir novas e ricas compreensões dos lugares. Para finalizar, concorda-se com Castellar (1999) quando esta destaca que na sala de aula o professor deve ter uma postura de mediador e atuar propondo questionamentos e problemas para que os alunos, por meio dos seus conhecimentos prévios possam compreender, analisar o lugar onde vivem e transformar o conhecimento do senso comum em conhecimento científico. 3 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AQUINO JUNIOR, José. O aluno, o professor e a escola. In: PASSINI, Elza Y. Práticas de ensino de geografia e estágio supervisionado. São Paulo: Contexto, 2007 CALLAI, Helena C. 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Petrópolis, RJ: Vozes, 2013 5229 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO DIAS, Juliana M. Crianças e favelas: percepções, mediações e sentidos. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2010 FERREIRA, Maria E. G. A saúde e o Ambiente no Assentamento Urbano Jardim União da Vitória – Londrina – PR. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2001 MARANDOLA JUNIOR, Eduardo; HOLZER, Werther; OLIVEIRA, Lívia de. (Orgs.). Qual o espaço do lugar?: geografia, epistemologia, fenomenologia. São Paulo: Perspectiva, 2012 PONTUSCHKA, Nídia N.; PAGANELLI, Tomoko I.; CACETE, Núria H. Para ensinar e aprender Geografia. São Paulo: Cortez, 2007 SANTOS, Clézio. O uso dos desenhos no ensino fundamental: imagens e conceitos. In: PONTUSCHKA, Nídia N.; OLIVEIRA, Ariovaldo U. de. Geografia em Perspectiva. São Paulo: Contexo, 2009 STRAFORINI, Rafael. Ensinar geografia - o desafio da totalidade mundo nas séries iniciais. São Paulo: Annablume, 2008 TUAN, Yi – Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. Londrina: Eduel, 2013 5230