Metástase cutânea de câncer de mama: relato de caso e

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DERMATOLOGIA
Silvio Alencar Marques
Silvely Akemi Shibata
Denise dos Santos Martins
Hélio Amante Miot
Mariangela Esther
Alencar Marques
Metástase cutânea de câncer
de mama: relato de caso e
revisão da literatura
INTRODUÇÃO
Metástase cutânea a partir de neoplasia maligna
de órgão interno ou a partir de sarcoma de partes moles é
diagnóstico pouco comum na prática clínica.1 No entanto,
com o envelhecimento da população, expectativa de maior
número de casos de câncer e de maior sobrevida dos pacientes é de se esperar que as metástases cutâneas igualmente
aumentem de freqüência e de importância. Metástase é
processo complexo e dinâmico que movimenta células tumorais a partir da neoplasia primária para locais distantes,
através das etapas descritas como: I) invasão tecidual no
sítio primário, II) sobrevivência na corrente sangüínea,
interrupção da circulação da célula e extravasamento a
partir do vaso sangüíneo e III) implantação e colonização
metastática. Tais etapas envolvem mecanismos moleculares
e de adaptação ao novo microambiente cujo detalhamento
foge do escopo deste artigo.2
A metástase para a pele não é tão comum quando
comparada à freqüência de metástases para pulmões e
fígado, mas, quando presente, proporciona fácil acesso
ao diagnóstico precoce.3 Conceitualmente, a metástase
cutânea pode ocorrer por caminhos como disseminação
linfo-hematogênica de células tumorais, implantação por
contigüidade ou mesmo implantação direta quando de
procedimentos cirúrgicos relacionados ao câncer primário.3,4
Em estudos retrospectivos, a freqüência de metástases
cutâneas tem variado de 0,7% a 10,4% entre os pacientes
estudados. A discordância e a variabilidade numérica
observada decorrem da metodologia utilizada, pois, ora a
publicação inclui pacientes em acompanhamento ora utiliza
apenas dados de necropsias ora inclui casos de metástases
de melanoma ou de neoplasias linfoproliferativas ora não os
incluem, e ainda há controvérsias entre publicações quanto
à inclusão ou não de metástases por contigüidade ou por
implantação direta.3-9 As metástases cutâneas ocorrem, em
geral, de forma concomitante às metástases incidentes no
pulmão, fígado e linfonodos, mas podem ser o primeiro
alerta de disseminação metastática ou mesmo ser o primeiro
sinal a indicar a presença de neoplasia maligna subjacente
e oculta, possibilidade essa relatada em 0,6% a 12% dos
pacientes.3,4,8 No estudo que utiliza a maior casuística,
abrangendo 4.020 pacientes com câncer já metastático,
em 420 (10,4%) havia metástases cutâneas, sendo o melanoma o tumor de origem mais freqüente, seguido pelo
câncer de mama, dos seios paranasais e da laringe.4 Nessa
amostra, cânceres muito freqüentes como o de pulmão, do
cólon ou reto e da próstata concorreram com poucas ou
raras metástases para a pele.4 No sexo feminino, o câncer
de mama foi o mais freqüentemente associado à metástase
cutânea, com índices de até 70,7% do total de casos com
diagnóstico de metástase cutânea, lato senso.4 O padrão
clínico dermatológico da metástase oriunda do câncer de
mama é variável. Predominam as metástases de padrão
clínico pápulo-nodular, em grande número, indolores,
normocrômicas ou eritematovioláceas e de localização na
parede torácica.1,3
Os autores relatam caso clínico de metástase cutânea de
câncer da mama reveladora da evolução metastática, 10 anos
após diagnóstico e tratamento da neoplasia primária.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo feminino, de 60 anos de idade,
procurou o serviço de dermatologia por lesões presentes
há quatro meses no braço esquerdo. Ao exame, a paciente
apresentava-se em bom estado geral e com múltiplas lesões
papulosas eritematovioláceas, algumas minutas, sobre área
com aspecto discretamente eritematoso, inflamatório, com
calor local aumentado e indolores. As lesões estavam presentes na região supraclavicular, na face medial do braço e
parte do antebraço que, por sua vez, apresentava aumento
global de volume devido a linfedema crônico e aspecto
discreto de pele “em casca de laranja” (Figuras 1 e 2). A
parede torácica mostrava cicatriz linear, com bom aspecto
e em local correspondente a mastectomia total da mama
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Figura 1. Cicatriz linear correspondendo à mastectomia radical
à esquerda. Lesões papulosas múltiplas na face medial do
braço e raras no quadrante superior do tórax. Aumento do
volume do braço.
Figura 2. Em detalhe, as lesões papulosas sobre área de eritema e pele com aspecto discreto de “casca de laranja”.
esquerda, o mesmo se observou no cavo axilar ipsilateral. Não
apresentava gânglios superficiais regionais palpáveis.
Como antecedentes, a paciente referia câncer de
mama diagnosticado há 10 anos e tratado à época por
mastectomia total à esquerda e esvaziamento ganglionar do
mesmo lado. Como intercorrência, referia que, quatro anos
após o diagnóstico do câncer original, o aparecimento de
lesão cutânea na mama direita, tratada com quimioterapia
(sic), sem a comprovação histológica por biópsia.
No momento atual, com suspeita clínica de infiltração
neoplásica e diferencial para sarcoma de Stewart-Treves,
coletaram-se biópsia de lesão papulosa e de área infiltrada
inflamatória. O estudo anatomopatológico mostrou retificação e atrofia da epiderme e presença de adenocarcinoma
invadindo e ocupando toda a derme. A imunomarcação
foi positiva para citoqueratina CK7, E-caderina, C-erb B2
(HER2/neu) e para receptores de estrógenos e de progesterona, indicando se tratar de metástase de carcinoma ductal
da mama (Figura 3). Após encaminhamento para serviço de
mastologia, a investigação complementar não identificou
a presença de metástases sistêmicas e a paciente segue em
quimioterapia com fulvestranto, com pouca resposta.
Tabela 1. Estratégia de busca das informações sobre metástases cutâneas do câncer de mama
DISCUSSÃO
Acesso à base de dados Lilacs (Literatura Latinoamericana e do Caribe em Ciências da Saúde) utilizando
como palavra-chave “metástase cutânea” produziu 34 referências e, especificamente quando se utilizou “metástase
cutânea de câncer de mama”, obtiveram-se 11 referências,
das quais apenas quatro com ênfase em metástase cutânea a
partir do câncer da mama10 (Tabela 1). Quando pesquisada
a base de dados do Medline (Medical Literature Analysis
and Retrieval System Online), as palavras-chave “cutaneous
metastasis” e “breast cutaneous metastasis” produziram
3.431 e 278 referências, respectivamente11 (Tabela 1). Ao
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Base de dados
PubMed
Estratégia de busca
Breast [MeSH] AND
cutaneous metastasis
[MeSH]
Resultados
dois ensaios clínicos
três estudos de marcadores de diagnóstico/
prognóstico
uma metanálise (com
ou sem revisão sistemática? Metanálise de
estudo clínico aleatório?
31 relatos de caso/
série de casos
Lilacs (Literatura
Latino-americana
e do Caribe
em Ciências da
Saúde)
Metástase cutânea
[DeCS] AND câncer de
mama [DeCS]
quatro relatos de caso/
série de casos
Cochrane Library
Cutaneous AND metastasis
0 citações
MeSH = Medical Subject Headings; DeCS = Descritores em Ciências da
Saúde.
se escrutinizarem as 278 últimas, as que especificamente
diziam respeito à metástase cutânea do câncer de mama
reduziram-se a 36 referências,11 uma das quais indicava
metanálise de dados de metástases cutâneas.12 Nessa metanálise foram revistos sete estudos compreendendo 22.297
pacientes com câncer, dos quais foram retirados aqueles
cujo diagnóstico foi de melanoma, linfoma e leucemia,
resultando em 20.380 pacientes.12 Seis dos estudos incluíam dados de necrópsia, quatro informavam as metástases
cutâneas segundo o tumor de origem e três estudos informavam o sítio de localização cutânea das metástases.12 Os
dados finais mostraram incidência de 5,3% de metástases
cutâneas, sendo o câncer de mama a origem mais comum
e a pele do tórax o destino mais freqüente da metástase.12
Consulta à base de dados da Biblioteca Cochrane utilizando
“cutaneous metastasis” como palavra-chave resultou em
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Figura 3. Metástase de adenocarcinoma infiltrando a pele em toda espessura de derme. A. Hematoxilina-eosina 400 x. B. Positividade à imunoistoquímica para citoqueratina CK20. C. Positividade à imunoistoquímica para receptor de estrógeno (RE). D.
Positividade à imunoistoquímica para c-erb.
nove revisões sistemáticas completas informadas, porém
nenhuma com foco em metástase cutânea a partir de órgão
interno13 (Tabela 1).
Metástases a partir do câncer de mama ocorrem em
aproximadamente 10-15% das pacientes e, mais freqüentemente, dentro dos primeiros três anos do diagnóstico
primário, no entanto, metástases tardias, ocorrendo 10
anos ou mais após, não são raras.14 As metástases cutâneas
do câncer de mama obedecem, em geral, ao princípio de
localização segundo a região topográfica próxima ao órgão de origem. Isto é, as metástases cutâneas tendo como
origem a mama ou os pulmões tendem a se localizar na
parede torácica; as com origem nas vias digestivas superiores
tendem a se localizar na pele da cabeça e pescoço e aquelas
com origem no tubo digestivo e pelve, a se localizar na
parede abdominal, ou especificamente na cicatriz umbilical
(nódulo da Irmã Mary Joseph).15,16
O padrão dermatológico da lesão metastática do
câncer da mama é variável. Predominam as lesões sólidas
papulosas ou nodulares, em número variável, normocrômicas
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ou eritematovioláceas, e localizadas na parede torácica.3,4 Em
192 casos de metástases cutâneas de câncer de mama, 150
(78,1%) foram de padrão papulonodular e ocasionalmente
ulcerados.3,4 Em 10% as metástases foram referidas como de
padrão inflamatório, erisipelóide, e conseqüentes à obstrução
linfática por células neoplásicas.3,4 Mais rara é a metástase
cutânea denominada em couraça (en courasse), de localização
exclusivamente na parede torácica e que se caracteriza por
pele infiltrada, dura, esclerodermiforme.1,17,18 Aspecto semelhante, esclerodermiforme, pode ocorrer no couro cabeludo
sob a denominação de “alopecia neoplásica”.1,19,20 Histologicamente, nesses casos, as células tumorais se dispõem sob
a forma de “fila indiana” em meio aos feixes de colágeno
denso.1,20 Embora classicamente associado ao câncer de
mama, a metástase em couraça pode estar também associada
ao câncer de pulmão, do trato digestivo e do rim.17
No caso aqui relatado, o quadro dermatológico
apresentou-se com lesões papulosas e infiltrado inflamatório concomitante, com calor local e aspecto erisipelóide, acometendo área de linfedema crônico do membro
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superior esquerdo, circunstâncias essas que sugeriam o
angiosarcoma de Stewart-Treves como diagnóstico clínico
diferencial, embora este se manifeste classicamente como
placa infiltrada, sarcomatosa, eritematoviolácea, única e
de crescimento centrífugo.21
Estudo recente abordando prognóstico após o diagnóstico de metástase cutânea do câncer de mama observou
que, quando presente apenas metástase cutânea, a sobrevida
em um, três, cinco e dez anos foi de 79%, 51%, 37% e
11%, respectivamente, com mediana de 42,1 meses.14
Quando, além da metástase cutânea havia metástase visceral, o índice de sobrevida para um, três e cinco anos foi de
43%, 27% e 22%, respectivamente, e mediana de 12,08
meses.14 O tratamento com possibilidade de ser efetivo é
aquele preconizado para a neoplasia original recidivante.
A abordagem, especificamente, das metástases cutâneas
com cirurgia, radioterapia, criocirurgia ou imiquimod
deve levar em consideração a efetividade ou conveniência
do tratamento sistêmico e o possível papel paliativo que
a intervenção local possa oferecer.2,14,22
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Metástases cutâneas não são comuns, mas têm importância por sinalizar recidiva do câncer original ou por
alertar para existência de possível neoplasia oculta. O câncer
da mama é um dos que mais metastatizam para a pele e,
quando o faz é, no geral, para a parede torácica. O padrão
dermatológico das metástases cutâneas do câncer da mama
é o de lesões sólidas, papulonodulares, mas a infiltração
erisipelóide ou em couraça é também possível. Os autores
relatam infiltração metastática de carcinoma ductal da
mama em área de linfedema crônico do braço, ocorrendo
10 anos após o diagnóstico e tratamento original.
Silvio Alencar Marques. Professor livre-docente, Departamento de Dermatologia e Radioterapia, Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB), Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Silvely Akemi Shibata. Médica residente do terceiro ano, Departamento de Dermatologia e Radioterapia, Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB), Universidade Estadual
Paulista (Unesp).
Denise dos Santos Martins. Médica residente do terceiro ano, Departamento de
Dermatologia e Radioterapia, Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB), Universidade
Estadual Paulista (Unesp).
Hélio Amante Miot. Professor assistente-doutor, Departamento de Dermatologia e
Radioterapia, Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB), Universidade Estadual Paulista
(Unesp).
Mariangela Esther Alencar Marques. Professora livre-docente, Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB), Universidade Estadual Paulista (Unesp).
INFORMAÇÕES
Local onde foi produzido o manuscrito: Departamento de
Dermatologia e Radioterapia, Faculdade de Medicina de Botucatu
(FMB), Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Endereço para correspondência:
Departamento de Dermatologia e Radioterapia
Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB)
Distrito de Rubião Junior, s/no
Botucatu (SP) — CEP 18618-970
Tel. (14) 3882-4922.
E-mail: [email protected]
Fonte de fomento: nenhuma.
Conflito de interesse: nenhum.
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Data de entrada: 18/7/2008
Data da última modificação: 31/10/2008
Data de aceitação: 14/11/2008
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RESUMO
DIDÁTICO
• Metástase cutânea é evento clínico incomum, mas pode sinalizar a existência de neoplasia oculta subjacente.
• As metástases cutâneas têm origem na disseminação linfohematogênica, na implantação por contigüidade ou por implantação direta quando
de procedimentos cirúrgicos no tumor primário.
• No sexo feminino, o câncer de mama é a mais freqüente causa de metástase cutânea.
• A metástase cutânea do câncer de mama pode se expressar por lesões papulonodulares; por infiltração erisipelóide ou por infiltração esclerodermiforme, em couraça.
• O tempo entre o diagnóstico do câncer de mama e a metástase cutânea é variável, mas, em geral, ocorre dentro de três anos do diagnóstico.
• A localização preferencial da metástase do câncer de mama é a parede torácica.
• A metástase cutânea do câncer de mama sinaliza mau prognóstico, porém melhor quando isolada, sem se acompanhar de metástases sistêmicas.
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