Empreendes tu, empreendo eu ou empreendemos todos?

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26-11-2016 | Economia
A história cor de rosa do empreendedorismo não foi confirmada
no terreno. A alegada “oportunidade” revelou ser um pesadelo
Empreendes tu, empreendo
eu ou empreendemos todos?
Gonçalo Rodrigues Brás
E
m contraste com medidas avulso de fomento ao empreendedorismo (por necessidade) num
passado recente, louve-se o lançamento da Estratégia Nacional para
o Empreendedorismo. Per si, o simples
facto de existir, é um sinal positivo de
quem define uma orientação ou um
caminho a trilhar neste domínio, em
claro antagonismo com a mera tentativa de maquilhar a elevada taxa de
desemprego por via da armadilha do
empreendedorismo. Muitos foram os
programas de empreendedorismo destinados a pessoas que caíram no infortúnio do desemprego e que, à falta de
uma outra alternativa de subsistência,
viram como último refúgio a criação do
seu próprio emprego. Neste contexto e
relativamente à necessidade premente
de algumas pessoas na condição referida, havia quem chamasse ao desemprego, com todas as letras, o-p-o-r-t-u-n-i-d-a-d-e. Infelizmente para
muitos de nós, a história cor de rosa do
empreendedorismo que se vende por
aí não foi confirmada no terreno. Seja
pela conjuntura económica e financeira adversa, pelo desconhecimento
efetivo do mercado, pela manifesta
impreparação e/ou falta de auxílio na
implementação de um novo negócio, o
que é facto é que, em inúmeros casos,
a “oportunidade” revelou ser um pesadelo. Com efeito, cumulativamente
com a política de desinvestimento em
educação e em I&D em anos recentes,
o fomento do empreendedorismo por
subsistência em Portugal, numa clara
demarcação das responsabilidades sociais, legais e económicas do Estado,
dificilmente poderia conduzir a uma
dinâmica empresarial efetiva. Entre
2007 e 2015, de acordo com a Direção-Geral Política de Justiça, o número de
falências de sociedades unipessoais
mais do que triplicou (passagem de cerca de 18.000 falências/ano para perto
de 62.000 falências/ano), sendo que
um relatório recente da Moody’s, no
qual é referido que Portugal apresenta
a menor taxa de sobrevivência de PME
da Europa, apesar de preocupante, não
encerra grande novidade. Poderíamos
até considerar outro horizonte temporal recente e acenar com outros dados
no domínio da demografia de empresas
no nosso país que a evidência seria a
mesma, ou seja, a constatação de uma
turbulência empresarial assinalável na
economia portuguesa, particularmente
nos últimos 15 anos. Isto é o que se
sabe da economia registada, porém,
no que respeita à economia paralela
(não registada ou informal), a dinâmica
empresarial carece de mensuração.
Contudo, se pensarmos que os empreendedores que agem por necessidade
são usualmente referidos como agentes que contribuem para proliferação
da economia paralela, existe certamente uma grande parcela do empreendedorismo que não conhecemos em
Portugal, a qual poderia conduzir a
uma taxa de sobrevivência (formal)
de PME ainda menor. Em síntese, os
resultados do apelo desregrado ao autoemprego, numa ótica de liberalismo igualitário — pululam frases como
“está ao teu alcance”, “só depende de
ti” — e numa perspetiva meramente individual do fator trabalho, manifestam
ser prejudiciais a diferentes níveis. Mas
será que o empreendedorismo não terá
predicados úteis? Numa ótica de cres-
O apelo desregrado
ao autoemprego,
numa ótica de liberalismo
igualitário — “está ao teu
alcance”, “só depende
de ti” — manifestou
ser prejudicial
cimento endógeno, assente em dois
pilares fundamentais (valor humano e
tecnologia), o empreendedorismo por
oportunidade e o ‘intraempreendedorismo’ (empreendedorismo no seio da
empresa) poderão contribuir de forma
efetiva, enquanto indutores de inovação, para o crescimento económico
e, subsequentemente, para a criação
de emprego. A complementaridade
entre os fatores que compõem o pilar
‘valor humano’, de que são exemplo a
valorização do trabalho, a aposta na
educação e o investimento em I&D,
e o apetrechamento tecnológico inerente ao segundo pilar constituem a
raiz para que o empreendedorismo
germine de forma salutar, isto é, pela
via da inovação. Além de potenciar o
crescimento económico numa lógica
schumpeteriana, a inovação contínua
permitirá retroalimentar os dois pilares referidos e, por inerência, fomentar
a regeneração sistémica do empreendedorismo (por oportunidade e o
‘intraempreendedorismo’). É neste
ecossistema que emerge o papel crítico
das incubadoras de empresas no que
toca à sustentabilidade das startups.
Caso contrário, não obstante o esforço
e a utilidade destas organizações naquele domínio, irão continuar a proliferar entre nós projetos empresariais
nados-mortos, com as consequências
nefastas que daí decorrem para a economia portuguesa. Dito isto, apesar da
existência de vicissitudes várias para
operar uma mudança do paradigma
empreendedor em Portugal, apenas a
via diferenciadora, por intermédio da
inovação, permitirá tornar a economia
nacional efetivamente mais competitiva. Ao abrigo da atual Estratégia
Nacional para o Empreendedorismo,
faço votos para que sejam dados passos
importantes para uma reconfiguração
estrutural da economia portuguesa
que nos permita vislumbrar um futuro
melhor. E todos seremos poucos no ato
empreendedor de verificar se a estratégia funcionará, ou não, em benefício da
economia nacional.
Economista e bolseiro de investigação
na FEUC ao abrigo do projeto “FEUC/IE —
FEUC/Incubadoras de Empresas”
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