1 Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Lato Sensu em Psicopatologia e Psicodiagnóstico TESTES PROJETIVOS E PACIENTES COM LESÕES NEUROLÓGICAS Autor: Janete Fátima Balestrini Orientador: Drª Claudia Cristina Fukuda Brasília - DF 2014 2 JANETE FATIMA BALESTRINI TESTES PROJETIVOS E PACIENTES COM LESÕES NEUROLÓGICAS Estudo apresentado ao curso de Pós Graduação em Psicopatologia e Psicodiagnóstico da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção de Titulo de Especialista em Psicopatologia e Psicodiagnóstico. Orientadora: Profª. Doutora Cláudia Cristina Fukuda Brasília/DF, 2014. 3 TESTES PROJETIVOS E PACIENTES COM LESÕES NEUROLÓGICAS Janete Fátima Balestrini1 Cláudia Cristina Fukuda2 RESUMO Este estudo exploratório discorre sobre o uso dos testes projetivos em pacientes lesionados neurológicos, as principais abordagens teóricas no âmbito da saúde/doença mental, lesão cerebral e suas interseções com a psicologia. Tem como objetivo identificar a contribuição do uso de testes projetivos como elementos de suporte para um adequado diagnóstico de possíveis alterações no comportamento, identificados através dos desenhos na forma de projeção. O estudo considerou as dificuldades cognitivas e afetivas, bem como possíveis alterações no comportamento e nas emoções, experimentadas por uma paciente com traumatismo craniano. Também avalia, por meio do psicodiagnóstico, as relações entre o transtorno orgânico de personalidade e comportamento e suas possíveis sequelas. O resultado percebido utilizando-se de técnicas projetivas (HTP e Rorschach), as quais são consideradas próprias para descrever e ou caracterizar os aspectos da personalidade de pacientes com lesão cerebral, não evidenciou elementos definitivos sobre o processo de avaliação psicológica da examinanda, uma vez que a paciente não produziu respostas favoráveis, talvez pelo quadro e extensão das lesões cerebrais, visto que ela não conseguiu se projetar nos testes, situação evidenciada nas respostas do protocolo e nos desenhos realizados, os quais materializaram fortes aspectos de infantilidade e regressão. O HTP se destaca por ser um meio de investigação psicológica que avalia muito bem a imagem corporal e como técnica de avaliação da personalidade, revelando a síntese pessoal. Através do grafismo pode representar e registrar suas emoções e sentimentos. Entretanto não apresentou indícios claros de Traumatismo Crânio Encefálico e levou a hipótese de Psicopatologia. A técnica de Rorschach é particularmente mais sensível no diagnóstico dos casos de organicidade com alterações de atenção, memória e falta de controle emocional, como acontece com as lesões corticais difusas. É uma prova essencialmente perceptiva, e o que se pede ao examinando é uma interpretação das manchas de tinta, que exige um esforço no sentido de integrar o complexo sensorial com os engramas préexistentes. Palavras-Chave: Testes projetivos; Lesão cerebral; Psicodiagnóstico 1 Janete Fátima Balestrini – Psicóloga pela UCB- Universidade Católica de Brasília - DF, Pós-Graduação em Psicopatologia e Psicodiagnostico. 2 Cláudia Cristina Fukuda - Psicóloga Doutora pela UnB- Universidade Católica de Brasília - DF. 4 INTRODUÇÃO Lesões cerebrais decorrentes de acidentes são as principais causadoras de alterações cognitivas e comportamentais incapacitantes que comprometem o comportamento e a personalidade dos acidentados (Andrade & Santos, 2004). Essa situação é considerada um problema relevante na sociedade atual, com consequências significativas, dadas as suas implicações sociais e econômicas (Nitrini & Bacheschi, 2005). Pacientes com Traumatismo Crânio Encefálico (TCE) costumam apresentar alterações cognitivas e comportamentais incapacitantes que podem ser consideradas a principal causa de uma ou mais comorbidades (Gouveia, Prade, Lacerda, Boschetti & Andreoli, 2009). O TCE constitui-se de uma lesão ao tecido cerebral causada por uma força externa. É caracterizada por déficits de consciência, amnésia pós-traumática, fratura de crânio e alterações durante a avaliação do estado mental e físico (Hanks et al., 2003). O mesmo autor define a lesão cerebral como qualquer trauma que provoque lesão do crânio ou do cérebro, quando ocorre um trauma súbito e este causa dano ao cérebro. Os TCEs podem ser classificados em três tipos, de acordo com a natureza do ferimento do crânio: traumatismo craniano fechado, fratura com afundamento do crânio, e fratura exposta do crânio (Carvalho Et Al., 2007; Andrade Et Al., 2009). Para Cerqueira Neto (2006) o TCE fechado caracteriza-se por ausência de ferimentos no crânio, mas a massa encefálica sofre golpes inesperados. Quando não há lesão estrutural macroscópica do encéfalo, o TCE fechado é chamado de concussão. Contusão, laceração, hemorragias e edema (inchaço) podem acontecer nos TCEs fechados com lesão do parênquima cerebral. Os TCEs com fraturas com afundamento caracterizam-se pela presença de fragmento ósseo fraturado afundado, comprimindo lesando o tecido cerebral adjacente. Cerqueira Neto (2006) salienta que o prognóstico depende do grau da lesão provocada no tecido encefálico. Nos TCEs abertos, com fratura exposta do crânio, ocorre laceração dos tecidos pericranianos e comunicação direta do couro cabeludo com a massa encefálica através de fragmentos ósseos afundados ou estilhaçados. Pode haver ou não perda de massa encefálica). Em função dessas lesões, sequelas motoras, sensoriais e alterações na fala podem ser encontradas em pacientes pós TCE, e podem permanecer por dias, semanas, meses ou por toda a vida. Esses pacientes também podem desenvolver problemas psíquicos ou inabilidades de difícil tratamento, causando quadros muitas vezes 5 irreversíveis (Mattos, Saboya & Araújo, 2002). Os mesmos autores alertam para o risco de uma avaliação errada em relação à preservação das funções cognitivas no paciente. A gravidade do TCE e o tipo de lesão causada (focal ou difusa) são determinantes na presença ou não de sequelas significativas (Gouveia, & Fabrício, 2004). A sequela mais comum de TCE está relacionada com as funções do lobo frontal, as assim chamadas funções executivas, e incluem os problemas de atenção, memória e novo aprendizado, solução de problemas e planejamento de ações, iniciação, impulsividade, autorregulação do humor e autoconsciência (Sohlberg, & Mateer, 2010). O correto diagnóstico da real extensão da desorganização cerebral em razão das sequelas causadas por lesões neurológicas e, a partir dele, se desenvolver tratamento adequado, é uma das grandes dificuldades da área de saúde mental. Nem sempre se possui informações ou observações completas sobre o evento traumático e procedimentos adotados (exames complementares, por exemplo). Diversos problemas biológicos e psicológicos podem contribuir para a manifestação de sintomas similares apresentados por pessoas com TCE, como a perda de consciência, uma vez que as sintomatologias se confundem com outras patologias. Outro ponto importante é procurar saber sobre a causa do traumatismo, a intensidade do impacto, a presença de sintomas neurológicos, convulsões, alteração da linguagem, pensamento (Mattos, Saboya & Araújo, 2002). Na Psicologia o processo de diagnóstico sobre a desorganização cerebral causada por lesões neurológicas, segundo a Resolução nº 07/2003, do Conselho Federal de Psicologia (CFP), a avaliação psicológica, é entendida como o processo técnicocientífico de coleta de dados, estudos e interpretação de informações a respeito dos fenômenos psicológicos, que são resultantes da relação do indivíduo com a sociedade, utilizando-se, para tanto, de estratégias psicológicas – métodos, técnicas e instrumentos. Os resultados das avaliações devem considerar e analisar os condicionantes históricos e sociais e seus efeitos no psiquismo, com a finalidade de servirem como instrumentos para atuar não somente sobre o indivíduo, mas na modificação desses condicionantes, que operam desde a formulação da demanda até a conclusão do processo de avaliação psicológica. Pasquali (2001) menciona que os testes são instrumentos que apresentam caráter de legitimidade, ou seja, instrumentos que produzem resultados confiáveis. Com isso, os testes precisam demonstrar embasamento científico e necessitam ser apropriadamente utilizados, no sentido de fundamentar uma 6 decisão para melhor compreender e dar tratamento a um problema, principalmente para que haja um olhar diferenciado e adequado sobre o manejo da saúde mental. Em 2004 o Conselho Federal de Psicologia reconheceu a Neuropsicologia como especialidade da Psicologia (Resolução CFP Nº 002/2004). Com isso algumas diretrizes sobre a Neuropsicologia foram escritas pela primeira vez de forma reconhecida pelo órgão regulador do profissional de psicologia do Brasil. Segundo a Resolução CFP Nº 002/2004, um diagnóstico psicológico necessita ser o mais preciso possível, principalmente para: buscar saber qual seria a problemática do paciente e como ele se apresenta; identificar o curso da evolução e o impacto que a desordem terá a médio e longo prazo; orientação para o tratamento onde se estabelece a relação entre o comportamento e o substrato cerebral ou patologia; e auxilio para o planejamento das reabilitações neuropsicológicas, estabelecendo quais são as forças e as fraquezas cognitivas, provendo assim uma espécie de mapa para orientar quais funções devem ser reforçadas ou substituídas por outras. O autor D’Almeida et al. (2004) afirma que a Psicologia em programas de reabilitação atua como facilitadora para o paciente compreender como as perdas podem ter alterado sua condição adaptativa e emocional, auxiliando-o a contornar ao máximo as suas dificuldades do dia a dia e desenvolver novos recursos de enfrentamento. Utilizando-se de uma intervenção breve e focal, é possível abordar o paciente com sequelas emocionais, comportamentais e/ou cognitivas, sociais, educacionais e/ou profissionais. O mesmo autor salienta que, assim, a psicoterapia estimula o desenvolvimento das capacidades do indivíduo, considerando suas limitações e potencialidades, conscientizando-o de suas reais possibilidades, estimulando a maior independência possível nas diferentes esferas da vida e promovendo uma maior participação do mesmo. A reabilitação segundo D’Almeida et al. (2004), busca melhorar a qualidade de vida dos pacientes e familiares, otimizando o aproveitamento das funções total ou parcialmente preservadas, por meio do ensino de “estratégias compensatórias, aquisição de novas habilidades e a adaptação às perdas permanentes”. O processo de reabilitação busca proporcionar uma conscientização do paciente a respeito de suas capacidades remanescentes, o que leva a uma mudança na auto-observação e, possivelmente, uma aceitação de sua nova realidade (D’Almeida et al., 2004). O processo de reabilitação desses pacientes deve ter perspectivas de médio e longo prazo, onde as metas deverão estar centradas no paciente e em seus papéis na 7 família e comunidade. Isso significa estabelecer metas realistas, voltadas para as queixas dos pacientes e familiares as quais representam perdas na autonomia e funcionalidade para as atividades diárias, o que inclui os âmbitos pessoal, profissional e social (Tate et al., 2003; Wilson, 2003). Os avanços na área de reabilitação neuropsicológica começaram a ocorrer após a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, períodos nos quais os cientistas passaram a empregar esforços para compreender como os diferentes tipos de lesões influenciavam o comportamento humano e como se poderia remediá-los. Mais recentemente, as mudanças socioculturais e os avanços tecnológicos levaram a um aumento no número de vítimas de lesões cerebrais, ocasionado, principalmente, por acidentes automobilísticos (Abrisqueta, Gomez, 2006). A partir da percepção da complexidade do tema lesões cerebrais e das dificuldades em se formular um adequado diagnóstico com as ferramentas disponíveis, é que se fundamenta o objetivo deste artigo, que é: discutira contribuição do uso de testes projetivos pelo psicólogo para reconhecer uma desorganização cerebral, sequelas cognitivas e afetivas resultantes de lesões neurológicas causadas por acidentes. A problemática levantada, e que o estudo busca identificar, está no uso adequado de testes psicológicos, com foco nos projetivos, para o correto diagnóstico em pacientes com lesões neurológicas. Para responder à problemática proposta, este trabalho apresenta as principais abordagens teóricas relacionadas a testes psicológicos utilizados em psicodiagnósticos, seguidas pela analise de um caso clínico de uma paciente, vítima de atropelamento por veículo automotor, o qual lhe causou lesões cerebrais graves que foi submetida a testes projetivos. A Projeção para a Psicanalise Segundo Freud (1911/1969), a projeção é o deslocamento de um impulso interno para o exterior, ou de um indivíduo para outro. Os conteúdos projetados são sempre desconhecidos da pessoa que projeta, justamente porque foram expulsos, para evitar o desprazer de tomar contato com esses conteúdos. Consiste em atribuir ao outro um desejo próprio, ou atribuir a alguém, algo que justifique a própria ação. Com os testes projetivos surge uma valorização do simbólico, concedendo ao indivíduo à realidade imediata um caráter de ausência, mas integrando esta realidade dentro do indivíduo. Freud foi um dos primeiros a trabalhar com essa elaboração 8 simbólica através da associação livre, em 1895, e da interpretação dos sonhos, em 1899, formando assim um sistema interpretativo (uma análise mediante a interpretação do simbolismo das condutas do paciente), destacando que o que se encontra no indivíduo não se encontra por acaso, pois tudo teria um significado, o que poderia parecer tão insignificante, apresentado no contexto vivido, estaria coberto de significados e poderia trazer a chave para a interpretação desse contexto (Augras, 1998). Os testes projetivos permitem ou promovem o acesso a conteúdos internos dos pacientes, pela expressão desses aspectos por meio da projeção manifesta em desenhos ou pela própria fala, já que esses pacientes não conseguem, muitas vezes, verbalizar de forma organizada essas experiências. Teste Projetivo – Mancha de tinta de Rorschach O teste projetivo de Rorschach consiste em 10 pranchas nas quais estão reproduzidas manchas ou “borrões” de tinta cromática ou acromática. A interpretação que o sujeito dá a essas manchas de tinta é cotada quanto ao tipo de forma, de determinantes e de conteúdo de respostas. O conjunto dessas respostas é sintetizado dentro de psicograma onde a análise permite, a partir de índices, caracterizar finalmente a estrutura da como: percepções personalidade e do mundo, problemática inconsciente do problemas sujeito, tais psicopatológicos (neuróticos ou psicóticos), adaptabilidade à realidade, nível de angústia, controle das reações afetivas, qualidade das relações sociais etc (Traubemberg, 1970). Teste Projetivo – Desenho de Figura Humana “Casa-Árvore-Pessoa” (HTP) O teste de desenho da Casa-Árvore-Pessoa (HTP) é uma técnica projetiva utilizada há mais de 50 anos para obter informação acerca da forma como os sujeitos experimentam o eu, a relação com o outro e com o ambiente familiar (Buck, 2003). O HTP estimula a projeção de elementos da personalidade e de áreas de conflito dentro da situação terapêutica, permitindo que eles sejam identificados com o propósito de avaliação e usados para o estabelecimento de comunicação terapêutica efetiva (Buck, 2003). 9 Psicodiagnóstico e sua historia A aplicação de testes psicológicos em pacientes, com o objetivo de se elaborar um diagnóstico deste paciente, denomina-se psicodiagnóstico. O psicodiagnóstico teve sua origem na conscientização de que as doenças mentais não eram advindas de castigos divinos ou possessões, mas análogas às doenças físicas (Ancona, Lopez, 2006). Nasceu da psicologia clínica, que foi iniciada por Linghter Witmer em 1896, e se fundamentou na tradição médica, produzindo efeitos marcantes na identidade profissional do psicólogo (Cunha, 2003), o qual atuava de modo “objetivo”, visando, apenas, ao contato com aspectos parciais da personalidade humana, não estabelecendo compromissos com suas características pessoais e afetivas (Trinca, 1984). Ainda hoje, o psicodiagnóstico é considerado por muitos profissionais como um meio somente de investigação de sintomas físicos, psíquicos e suas causas. Entretanto é relevante considerar que esse processo não envolve somente a investigação, mas também oferece espaço de acolhimento, escuta compreensiva dos problemas e dificuldades do paciente, além de outras intervenções também consideradas terapêuticas. Contudo, Paulo (2004) pontua que o psicodiagnóstico permite uma intervenção eficaz quando possibilita a apreensão da dinâmica intrapsíquica do paciente, compreensão de sua problemática e intervenção nos aspectos determinantes dos desajustamentos responsáveis por seu sofrimento psíquico. SINTESE DO CASO Este trabalho constitui-se de um estudo teórico, no qual é relatada experiência prática, com suporte acadêmico, sobre o funcionamento do processo psicodiagnóstico clínico, suportado em testes projetivos. Paciente de 39 anos pós TCE encaminhada pela psiquiatria do posto de saúde de Ceilândia, cidade Satélite de Brasília (DF), para o atendimento no CEFPA – Centro de Formação em Psicologia Aplicada da Universidade Católica de Brasília, com direcionamento de realização de processo de psicodiagnóstico. A avaliação psicológica seguiu um roteiro estruturado da seguinte forma: sete entrevistas clínicas, sendo três com a examinanda, uma com os familiares e duas para aplicação dos testes projetivos “mancha de tinta de Rorschach” e desenho de figura humana “Casa-Árvore-Pessoa” (HTP), os quais constituíram o processo do psicodiagnóstico e uma entrevista devolutiva. 10 Teste Projetivo – Mancha de Tinta de Rorschach A examinanda apresentou os números de respostas abaixo para sua faixa etária, indicando capacidade produtiva reduzida e rebaixamento das condições intelectuais (R=09; F+%=0%; G=5; T.m.r=23'.5”; Ban=0) com recusa nas pranchas II,VI, VIII, IX, X. Foi identificado alguns indicadores de organicidade no Rorschach, tais como: condições intelectuais comprometidas; inibição do pensamento; dificuldade de adaptação; controle afetivo alterado; diminuição do interesse afetivo pelo ambiente; capacidade de adaptação e reações impulsivas. Estão presentes afetos de medo e angústia, alteração no quadro orgânico e situações traumáticas. Foram encontradas evidências de desconforto e mal estar emocional, relacionadas as respostas G=5. Ao examinar a quantidade de respostas juntamente aos tempos médios de reação TMR= 23'5'' acima do normal e tempo médio de duração TMD=38'1'' acima da media com TMRAcrom > TMRcrom com indicativos de deficiência mental e debilidade. A técnica de Rorschach é particularmente sensível no diagnóstico dos casos de organicidade com alterações de atenção. É uma técnica essencialmente perceptiva, e o que se pede ao examinando é uma interpretação das manchas de tinta, que exige um esforço no sentido de integrar o complexo sensorial com os engramas pré-existentes. Contudo, nos enfermos orgânicos, neste caso lesado cerebral, a maioria das respostas não obedece a esse esquema, limitando-se a definir ou qualificar as imagens. Apresentam, portanto, uma escassa consciência do esforço de integração associativa. Dessa forma, passa de um instrumento projetivo, que refletiria a maneira de ser pela forma de ver, a um instrumento perceptivo, no qual o valor diagnóstico se revela pela dificuldade de ver, Adrados (1982). Dificuldade de ver que ficou evidente quando a examinanda nos elementos qualitativos rejeitou aos cartões II, VII, IX, X. No Rorschach é possível observar que examinandos que apresentam um quadro de organicidade, mas sem comprometimento do tipo esquizofrênico nem neurótico, embora tenham dificuldades de adaptação a tarefas de integração humana e de controle geral, são capazes de perceber suas limitações e manter postura e conduta colaborativa para com o examinador. Apesar da colaboração para realizar o teste, o examinando experimenta grandes dificuldades ao fazê-lo, os resultados são fracos, a consciência de interpretação é pobre, e a capacidade de abstração encontra-se profundamente atingida. Embora façam um esforço consciente para melhorar a qualidade de seu trabalho, são impotentes na 11 obtenção desse resultado. Não apresentam hostilidade nem críticas ou outros fenômenos especiais dos transtornos neuróticos e esquizofrênicos. Se além dos sinais aparecerem tais fenômenos, podem ser interpretados como se tratando de síndrome orgânicocerebral associada a outro transtorno, conforme as características assinaladas (Adrados, 1980; Vaz, 1997). É possível observar a correlação entre o tamanho da lesão da examinanda e o número de sinais orgânicos evidenciados no instrumento de Rorschach onde o número de respostas ∑R = 09 é inferior a média que corresponde de 15 a 30 respostas. Contudo, embora muitos sinais sejam considerados como patogênicos dos casos orgânicos, não se limitam a aparecer unicamente nestes casos, podendo ser encontrados em outras entidades clínicas. Assim, apesar das evidências fornecidas por este instrumento de avaliação, cabe ao psiquiatra ou neurologista o diagnóstico definitivo, que naturalmente poderá beneficiar-se com os resultados do Rorschach para sua análise (Adrados, 1982). Teste Projetivo – Desenho da Figura Humana “Casa-Árvore-Pessoa” (HTP) Os indicadores do teste HTP evidenciaram características marcantes e o modo de funcionamento atual da examinanda. O material gráfico e os comportamentos observados durante toda avaliação revelaram que a atual dinâmica psíquica da examinanda evidencia significativa desorganização emocional, manifestada, principalmente, pela inibição do pensamento, dificuldade de coordenação dos impulsos (controle interno pobre) e medo de que os impulsos proibitivos se rompam e provoquem a perda de sua integridade psíquica e o total afastamento do contato com a realidade. As características marcantes de seu funcionamento psicoafetivo são: descontrole dos impulsos com expressão de agressividade; baixa capacidade de reconhecer e de lidar com a realidade; ansiedade; indecisão; introversão; conflitos; insegurança; e impulsividade. Também revelou dificuldade no contato social, na aceitação e na compreensão do mundo, que podem estar relacionados à vivência traumática da examinanda. Os desenhos também revelam que, em virtude do empobrecimento de seu controle interno, a examinanda se apresenta de maneira rígida e autodefensiva perante a sociedade. É importante destacar que a dificuldade de contato presente em seu atual funcionamento psicodinâmico pode ser compreendido pela falha de suas defesas contra as emoções, o que faz com que sua interação com os outros e sua fonte de obtenção de 12 satisfação no ambiente sejam ancorados prioritariamente na via da fantasia e da imaginação. Sendo assim, a utilização da fantasia como fonte principal reforça o fato de que seu contato com a realidade seja menor do que o desejado, indicando uma real dificuldade de base afetiva em se relacionar, tanto com o mundo externo, quanto com o interno (dinâmica psíquica). Os desenhos revelaram que a examinanda apresenta dificuldade de comunicação nos relacionamentos interpessoais, além de baixa capacidade em lidar com a realidade. Há indícios de resistência e de difícil adaptação no meio externo, com dificuldade em se conformar com as demandas da sociedade, principalmente da família, conforme evidencia a figura 1. Essa experiência leva a examinanda a sentir um forte sentimento de incapacidade e de rejeição e de ter intensa necessidade de autoafirmação social, embora enfrentar a realidade pode estar relacionado com o medo hiperdefensivo do perigo externo. O tempo de latência para o desenho da casa, arvore e pessoas é um forte indício de presença de psicopatologia (Buck, 2009), que para o caso em concreto, ultrapassou o tempo médio definido no protocolo. Acromático Cromático Figura 1. Desenhos do HTP Acromático Cromático Acromático Cromático No desenho há indicadores de complexo de inferioridade, sugerindo que a agressividade apresentada esteja relacionada com necessidade de autoafirmação e de chamar atenção da própria família, pois ainda se sente excluído do processo familiar. Com base em Buck (2009), essa experiência leva a mesma a sentir um forte desejo de crescer logo, dificultando a aproximação e a constituição de relações com as pessoas de sua idade, pois há um forte sentimento de defesa, inadequação e oposição ao grupo. Os relatos da mãe da examinanda, que descreve seu comportamento pós-acidente como sendo de alta libido e irritabilidade, mau humor, corroboram a interpretação do desenho e a afirmativa de Buck (2009). Ainda analisando indicadores do teste HTP, a examinanda expressa imaturidade e dependência. Busca aprovação e a aceitação social, apresenta falta de confiança nos relacionamentos interpessoais, o que dificulta a sua interação no ambiente social, embora tenham indicativos de uma dependência do meio e das pessoas. 13 Há também indicativos de ser uma pessoa extremamente insegura, indecisa e ansiosa, o que pode potencializar o predomínio da vida instintiva e explicar a presença de agressividade no teste. Fatores que contribuem para a repressão do ego e o enfraquecimento de suas barreiras defensivas, muito embora demonstre grande desejo de afirmação e necessidade de se mostrar forte e impor sua maior participação social e afetiva. Na tentativa de se defender contra o ambiente externo e as adversidades da vida, a examinanda age com impulsividade e agressividade, situação evidenciada no pouco controle sobre a expressão dos próprios impulsos. É importante considerar que tais aspectos são geradores de intensa ansiedade e angústia e potencializam, ainda mais, a instabilidade emocional e o sofrimento psíquico da examinanda. CONSIDERAÇÕES FINAIS Dada a complexidade do ser humano, o processo psicodiagnóstico contribui de forma fundamental para a clínica psicológica e psiquiátrica, auxiliando na compreensão, a partir de uma perspectiva mais global, do nível de funcionamento da personalidade do paciente, incluindo elementos constitutivos, patológicos e adaptativos. Ainda, subsidia dados para a indicação terapêutica ou para a estimativa de progressos e resultados do tratamento (Adrados, 1980). Para além do sintoma, no processo psicodiagnóstico o foco não está somente na classificação nosológica, mas antes aos fenômenos existenciais de cunho interno, relacional e dinâmico, que falam da angústia humana, das contradições da estruturação psíquica, do sofrimento que desestabiliza ou desorganiza uma forma básica de ser e estar no mundo. Considerando-se os dados provenientes do histórico (lesão, coma) e dos resultados apontados pelos testes projetivos utilizados, percebe-se que seu funcionamento psíquico é marcado principalmente por ansiedade, agressividade reprimida, angústia e, consequente, isolamento social. O HTP se destaca por ser um meio de investigação psicológica que avalia muito bem a imagem corporal e como técnica de avaliação da personalidade, com a finalidade de revelar a síntese pessoal. Através do grafismo pode representar e registrar suas emoções e sentimentos. De acordo com Anzieu (1988), o desenho é uma das melhores formas para observar a percepção, o desenvolvimento mental, bem como aspectos cognitivos e intelectuais. Anzieu (1988) salienta, ainda, que as evidências detectadas por neurologistas, que pacientes com lesões cerebrais apresentam distorções sobre a 14 imagem e o conceito sobre o próprio corpo e estas também são evidenciadas no teste do HTP, na figura humana. No caso em particular, apesar da colaboração para realizar os testes a paciente produziu número de respostas inferior a 15 (quinze), no teste de Rorschach. Quando uma pessoa tem suas funções cognitivas prejudicadas não consegue se projetar, a examinanda experimenta grandes dificuldades para realizá-la, os resultados são fracos, a consciência de interpretação é pobre, e a capacidade de abstração encontra-se profundamente atingida, Adrados (1982). Segundo o mesmo autor embora façam um esforço consciente para melhorar a qualidade de seu trabalho, o que ficou evidente no desenho realizado pela paciente e nas respostas apresentadas no protocolo de Rorschach. No teste projetivo de Rorschach, sendo uma técnica individual, que avalia o dinamismo psíquico relativo aos padrões afetivos, emocionais e cognitivos no campo da percepção e projeção. Procurou-se compreender a organização mental da examinanda e das suas particularidades individuais quando enfrenta a complexidade do mundo real, o resultado não obteve número de respostas necessárias para análise. Nos resultados evidenciou-se alguns indicadores de organicidade em razão de dificuldade de simbolização. Considera-se que parte das limitações desta pesquisa estão relacionadas a poucas pesquisas relacionadas ao tema proposto. Além disso, percebeu-se no decorrer da pesquisa bibliográfica a dificuldade em se obter dados confiáveis para confrontar com o caso real analisado. Enfim, vale resaltar a complexidade encontrada durante todos processo do psicodiagnostico, principalmente durante o processo de interpretação e analise dos dados onde exigiu-se uma maior habilidade em correlacionar os resultados obtidos nos instrumentos. Também há de se frisar a importância da condução e do manejo clinico com estes pacientes, pois, nem sempre é possível intervir a tempo e de forma eficaz. Acredita-se que a presente pesquisa pode contribuir para o contexto da avaliação psicológica, através dos dados apresentados. Os resultados deste estudo também podem ser úteis na elaboração de programas de reabilitação que se proponham a enfatizar contextos próximos de situações reais da participante. Com base no exposto, sugere-se uma capacitação diferenciada dos profissionais que irão trabalhar com os testes HTP e o Rorschach, para que haja um olhar diferenciado sobre o manejo da saúde mental. 15 REFERÊNCIAS ABRISQUETA-GOMEZ, J. Reabilitação neuropsicológica: “o caminho das pedras”. In: Abrisqueta-Gomez, J.; Dos Santos, F.H. (eds.). Reabilitação neuropsicológica: da teoria à prática. Artes Médicas, São Paulo, 2006. ADRADOS, Isabel. Teoria e prática do teste de Rorschach. 6ª ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 1980. ANCONA-LOPEZ, M. Diagnóstico Psicológico – A Prática Clínica / Walter Trinca e colaboradores, 9º reimpressão. São Paulo: EPU, 2006. ANDRADE, V. M., & SANTOS, F. H. 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