1 Introdução - DBD PUC-Rio

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1
Introdução
“Que cada um diga o que acha que é
verdade, e que a própria verdade seja
confiada a Deus!”(LESSING apud
ARENDT, 1987, p.36).
1.1
Ode à Isaac Newton - Edmond Halley1
(Ode a Este Esplêndido Ornamento De Nosso Tempo e de Nossa Nação, O
Tratado Físico-Matemático do Eminente Isaac Newton).
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Observe o padrão dos céus e as harmonias da estrutura divina;
Observe o cálculo e as leis de Júpiter
Que o criador de todas as coisas, no momento em que ele estava estabelecendo os
primórdios do mundo, não violaria;
Observe os fundamentos que ele deu a seus labores.
O céu foi conquistado e seus recônditos segredos foram revelados;
A força que traslada os orbes mais distantes não está mais escondida;
O Sol sentado em seu trono comanda todas as coisas
Movendo-as para si e não permitindo que a carruagem dos
corpos celestes se mova
Através do imenso vácuo em uma trajetória retilínea, mas acelerando-as
continuamente
Em círculos impassíveis ao redor de si como centro.
Agora sabemos qual trajetória curvilínea os espantosos cometas têm;
Não nos maravilhamos mais com as aparições de uma estrela desafiadora.
A partir deste tratado, aprendemos finalmente porque a argêntea Phoebe move-se
em um compasso desigual,
Porque, até agora, ela recusou-se a ser controlada pelos números de qualquer
astrônomo,
Porque os nodos regressam, e porque as apsides superiores movem-se para frente.
1
Tradução: Alessandro Bandeira Duarte.
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Aprendemos também a grandeza das forças com as quais a errante Cynthia
Impele a maré baixa, enquanto suas duradouras ondas deixam para trás a alga
marinha
E o mar revela os bancos de areia que os marinheiros temem e, alternadamente,
perturba muito na costa.
As coisas que tão freqüentemente inquietavam as mentes dos filósofos antigos
E infrutiferamente incomodam os estudiosos com clamoroso debate,
Vemos corretamente diante de nossos olhos, uma vez que a matemática expele a
névoa.
O erro e a dúvida não nos estorvam mais com sua bruma;
Pois a sutileza de uma inteligência sublime possibilitou-nos a entrar
Nas moradias dos deuses mais eminentes e a ascender à altura do céu.
Os mortais elevam-se, deixando de lado as prudências terrestres,
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E a partir deste tratado discernem o poder de uma mente originada do céu,
E muito afastada da vida dos brutos.
Ele, quem nos comandou por meio de tabuletas escritas para evitar o assassinato,
Roubos, adultérios e o crime de falso testemunho,
Ou ele, quem ensinou o povo nômade a construir cidades muradas, ou ele, quem
enriqueceu as nações com a dádiva de Ceres,
Ou ele, quem espremeu da uva o conforto por prudência,
Ou ele, quem, com um junco do Nilo, mostrou como unir
Os sons concebidos e como determinar as palavras proferidas diante dos olhos,
Exaltou o humano muito menos, na medida em que ele estava preocupado
somente com alguns confortos de uma vida ordinária,
E assim fez muito menos que o nosso autor a favor da condição humana.
Mas agora somos admitidos nos banquetes dos deuses;
Podemos lidar com as leis do céu; e agora temos
As chaves secretas para desvendar a obscura Terra; e conhecemos a ordem
imutável do mundo
E as coisas que estavam dissimuladas das gerações passadas.
Oh! vós quem vos regozijais alimentando-se do néctar dos deuses no céu,
Juntais a mim entoando os louvores a Newton, quem revelou tudo isto,
Quem abriu a arca do tesouro da verdade escondida,
Newton, estimado pelas Musas,
12
Aquele em cujo puro coração Febo Apolo habita e cuja mente ele preencheu com
todo seu poder divino;
Mais perto dos deuses nenhum mortal pode elevar-se.
1.2
A Vida e a Obra de Newton
Isaac Newton ocupa, sem sombra de dúvida, um lugar de destaque na
história do pensamento, não somente do pensamento científico, mas no
pensamento humano como um todo. Este fato se deu principalmente devido à
universalidade de suas conclusões, pois, afinal, sua Física representou durante
aproximadamente dois séculos, mais que exclusivamente “o novo” na ciência,
mas também mudou a forma de vermos o mundo, de pensá-lo e vivê-lo.
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Particularmente, Newton foi sempre considerado o primeiro “físico” no
sentido contemporâneo deste termo, visto que, os físicos dos séculos XX e XXI
ainda utilizam seus métodos e resultados, principalmente aqueles relativos a Lei
da Gravitação Universal. Segundo James Gleick em seu livro Isaac Newton - Uma
biografia, para os físicos modernos Newton foi e será sempre o “gigante” que os
conduz diariamente pelos caminhos do conhecimento e da verdade. Graças as suas
Teoria da Gravitação, leis do movimento e mecânica racional, Newton, ou melhor,
o “newtonianismo”, vem influenciando o pensamento científico e filosófico
universal desde o século XVIII até os dias de hoje.
Todavia, nesta dissertação, pretendemos mostrar um Newton muito
diferente daquele que costumamos ouvir falar, isto é, um físico-matemático
estereotipado,
completamente
desprovido
de
embasamentos
filosóficos.
Contrariando esta imagem cristalizada pelo tempo e pelo caminho pragmático que
as hard sciences têm tomado e baseados em historiadores da ciência do século
XX, veremos um grande filósofo da natureza, que se utilizou de métodos
matemáticos combinados com uma poderosa metafísica, uma teologia e o
neopaltonismo clássico de Plotino na elaboração de leis e regras que explicaram
com maestria o mundo que vemos e vivemos. Em vários de seus escritos
percebemos que Newton era, essencialmente, um homem profundamente
atormentado por questões onto-teológicas e por isso, buscava revelar os mistérios
da matéria com base na metafísica, teologia e até nas magias naturais. O famoso
13
pensador e economista britânico John Maynard Keynes, em um polêmico
manuscrito não publicado, afirmou que Newton não teria sido o primeiro grande
cientista da era da razão, isto é, um racionalista frio e calculista. Contrariamente,
para este pensador, em vez do primeiro grande cientista da era da razão, Newton
teria sido o último dos mágicos. Keynes acreditava que:
(...) Newton deveria ser considerado um mágico que olhou para todo universo e
para tudo que ele continha, como se fosse um enigma, como um segredo que
poderia ser lido e, aplicando o pensamento puro (...) e certos truques místicos que
Deus teria revelado aos filósofos e suas irmandades esotéricas, teria sido possível
conhecê-lo. (KEYNES apud COHEN & BUCHWALD, 2001, p.ix).
Em sua longa vida -- 1642 a 1727 -- Newton envolveu-se em inúmeras
controvérsias. Os cartesianos e G. W. Leibniz não escaparam de uma boa
discussão com este mestre. Mesmo estando totalmente absorvido em questões de
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cunho metafísico e teológico, Newton, nas ocasiões necessárias, soube
perfeitamente como separá-las sem contrapô-las, distinguindo claramente o
raciocínio físico e matemático do metafísico e teológico. Ressaltamos que Newton
em muitas ocasiões separou a Física da metafísica, o que não significou que o
filósofo não acreditasse na existência de uma Física impregnada de conceitos
metafísicos.
Assim, para melhor conhecermos a obra deste mestre dos mestres, nesta
dissertação daremos ênfase somente a controvérsia estabelecida entre as idéias de
Newton e as de Descartes sobre o espaço, o tempo e o movimento - defendidas
pelos cartesianos de sua época. Acreditamos que esta polêmica em especial, foi a
principal responsável pela alavancagem dada por Newton à Física do século XVII.
A controvérsia com os cartesianos teria levado Newton a desvelar as novas
verdades sobre o mundo em que vivemos.
1.3
Sobre a Dissertação
O meu interesse pela “Filosofia da Física” surgiu logo que comecei a ter
contato com a Física no meu curso de graduação. Essa Física, por ser diferente da
costumeira aplicação de fórmulas, típica do ensino tradicional, incitou em minha
mente uma série de questionamentos de cunho filosófico que, infelizmente, não
14
puderam ser respondidos a contento, devido ao tipo de abordagem oferecida pelo
ensino de Física universitário: extremamente pragmático e pouco atento às
questões mais filosóficas ou metafísicas que, acredito eu, acompanham a
elaboração dos conceitos com que a Física é pensada e tratada. O ilustre físico e
pensador Richard Feynman esclareceu o papel do professor de Física, principal
responsável pela divulgação e ensinamento desta ciência. Para Feynman: “(...) o
professor de física tem o problema de estar sempre ensinando técnicas em vez de
se dirigir ao espírito, de ensinar a resolver o problema de física.” (FEYNMAN
apud STEINER, 2003, P.203).
Assim sendo, as questões surgidas nessa ocasião e que permanecem até hoje
em aberto estão relacionadas, principalmente, com as noções de espaço, tempo e
movimento em Newton, visto que nutro uma profunda admiração por esse
pensador e sua maneira extraordinária de “fazer Física”. Basicamente, essas
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questões são: a) As noções de espaço, tempo e movimento seriam somente
operacionais ou teriam um estatuto, um significado, ontológico? b) Qual seria a
relação, do ponto de vista ontológico, entre o tempo e o espaço? e c) Supondo que
exista um Deus e uma estrutura espaço-temporal, qual seria a Sua participação na
criação e manutenção dessa estrutura?
Retornando a minha admiração por Newton e sua Física, gostaria de
ressaltar também o fato de ter sido a Física Newtoniana que: a) codificou pela
primeira vez o fascinante conceito de força como nós o conhecemos; b) introduziu
o problema da ação à distancia contrária a “Filosofia Mecanicista”; c) transformou
a relação do espaço-tempo em algo completamente novo e, finalmente d) tornou a
matemática parte inseparável da Física. O filósofo e historiador da ciência
Alexandre Koyré assim refletiu sobre a importância da Física de Newton para a
ciência e fundamentalmente, para a sociedade como um todo:
(...) todos nós (senão todos, pelo menos a maioria) fomos nascidos e criados
(melhor e mais exatamente, não nascidos, já que isto é impossível, mas apenas
criados) no mundo newtoniano, ou pelo menos semi-newtoniano. Todos ou quase
todos aceitamos a idéia da máquina universal Newtoniana como a expressão da
verdadeira imagem do Universo e a encarnação da verdade científica, pois, durante
mais de duzentos anos, foi esse o credo comum, a communis opinio da ciência
moderna e da humanidade esclarecida. (KOYRÈ, 1991, p. 85).
Concluindo, em linhas gerais, esta dissertação pretende: a) analisar de forma
pormenorizada os conceitos de espaço, tempo e movimento “absolutos” de
15
Newton; b) apresentar uma descrição do método utilizado na elaboração da Física
Newtoniana, mais precisamente, na confecção dos Princípios Matemáticos de
Filosofia Natural; c) argumentar que esses conceitos de espaço, tempo e
movimento “absolutos” teriam como origem a controvérsia entre cartesianos e
newtonianos sobre os fundamentos da Filosofia Natural e c) mostrar que esses
conceitos vieram a servir de base para as definições newtonianas de massa, leis e
forças.
1.3.1
O Capítulo 2
No Capítulo 2 discutiremos o peculiar uso que Newton fez dos métodos
indutivo e hipotético-dedutivo, numa ordem pré-determinada, ao elaborar sua
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Física. Este uso foi debatido por muitos filósofos e historiadores da ciência. I.
Bernard Cohen (1999, p.60) referiu-se à essa utilização dos referidos métodos
como o “Estilo Newtoniano”. Grosso modo, este novo método consistiria em
tratar um sistema físico de modo idealizado, utilizando-se, primeiro, a indução e,
depois, a dedução; confrontando-o com a realidade da natureza e, finalmente,
ajustando-o em direção à verdade.
Cohen (1999, p.12) também afirmou que Newton escreveu os Princípios
Matemáticos de Filosofia Natural no intuito de provar que a forma da órbita
planetária produzida por uma força que variasse com o inverso do quadrado da
distância era elíptica. Segundo o historiador, Newton, profundo conhecedor da
obra de Johannes Kepler, já sabia que esta “forma” era elíptica. Este fato poderia
levantar dúvidas sobre qual seria a “indução” referida por Cohen (2002, 165) e
George E. Smith (2002, 139), visto que Newton saberia exatamente aonde
chegaria.
Complementando o pensamento de Cohen, segundo Smith (2002, p.142), a
expressão if-quam proxime-then-quam proxime2 seria a base lógica do “Estilo
Newtoniano”. Newton utilizou esse estilo próprio principalmente para escrever
seus Princípios Matemáticos de Filosofia Natural. Brilhantemente, Newton
concluiu nesta ocasião que descrever o movimento de planetas e satélites com
2
Se-quanto mais próximo [for o fenômeno]-Então-quanto mais próxima [será sua caracterização
das leis].
16
precisão absoluta era imensamente mais complicado do que seus antecessores e
contemporâneos poderiam pensar. A solução por ele encontrada foi, partindo de
simples casos idealizados, ir passando progressivamente para outros casos mais
complicados, também idealizados e, depois percorrer o caminho oposto, isto é,
através do desmembramento dos casos mais complicados, provar os casos mais
simples, embora sempre em direção à verdade.
Sendo assim, a proposição if-quam proxime-then-quam proxime tornou-se a
base lógica do “Estilo Newtoniano”. Este tipo de tratamento dado por Newton a
fenômenos naturais poderia pressupor uma certa utilização de estratagemas ad
hoc. No entanto, Smith (2002, p.143) acreditava que Newton queria de fato era
evitar tais estratagemas, principalmente com relação à questão das forças ligadas a
Lei da Gravitação Universal. Isso porque essa lei não poderia ser verificável da
mesma forma que eventualmente outras leis da Física o seriam, pois não haveria
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como investigar se todas as partículas mecânicas do universo realmente se
atrairiam conforme foi dito em seu enunciado.
Um contemporâneo de Newton, Colin Maclaurin (2002, p.159), opôs a
utilização do método de Newton ao de René Descartes, que também havia feito
uso do método dedutivo, principalmente em seus escritos matemáticos. Como
Newton, Descartes também utilizou o método dedutivo com bastante sucesso em
suas incursões pela geometria, mas não o utilizou em suas metafísica e Filosofia
Natural. Porém, antes de tudo, seria importante ter em mente que Newton era um
filósofo essencialmente diferente de Descartes. Newton já apresentava algumas
características básicas do físico contemporâneo e Descartes não. Uma dessas
características era a preocupação com a precisão e o rigor dos resultados obtidos.
Talvez seja por isso que ambas, metafísica e Filosofia Natural cartesianas, não
serviram totalmente de inspiração para Newton: elas serviram ora de exemplo,
como no caso da Lei da Inércia, ora de contra-exemplo, como no caso da
definição de movimento.
Outro importante fato a ser ressaltado seria a diferença entre os pensamentos
de Newton e Descartes sobre a própria definição de metafísica. Newton,
contrariamente a Descartes, pensava que a metafísica não era a “raiz” da Filosofia
Natural. Nosso conhecimento de Deus provinha somente de Sua imensa
sabedoria, Sua excelente idéia das coisas e das causas finais. A existência de Deus
e Seus feitos no ato da criação não eram suficientes para o estabelecimento da
17
existência das características naturais de nosso ambiente. Para Newton, haveria
algo mais.
Assim explicaríamos o porquê dos Princípios de Filosofia de Descartes e os
Princípios Matemáticos da Filosofia Natural de Newton diferirem em quase tudo,
exceto nas idéias do modelo mecanicista, criado a partir de uma “Filosofia
Mecanicista”. Para Maclaurin (2002, p.161), Newton propôs que nas
investigações de fenômenos naturais fossem utilizados os métodos de “análise e
síntese”, numa ordem adequada. Essa forma de abordar a natureza e estabelecer
uma Física foi utilizada por Newton e não por Descartes. Este poderia até ter-se
utilizado do dueto “análise e síntese” do ponto de vista puramente matemático.
Segundo Alexandre Koyré: “Nas matemáticas, a progressão do mais simples e do
melhor conhecido ao complexo era chamada ‘síntese’ pelos gregos e a progressão
do mais complexo ao mais simples, ‘análise’.” (KOYRÉ, 1991, p. 61).
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Por sua vez, Maclaurin percebeu que, nos Princípios Matemáticos de
Filosofia Natural, uma boa investigação da natureza começaria pelos efeitos
observáveis e, a partir desses efeitos, seria possível chegar às causas particulares
que geram esses efeitos. Na seqüência das causas particulares seria possível
chegar as causas gerais: esse seria o método da análise newtoniano. Tendo em
mãos essas causas gerais, Newton propôs uma inversão: a partir delas seria
possível deduzir os efeitos observáveis e utilizar o método da síntese.
A combinação dos métodos de “análise e síntese”, aliados a um grande
aparato matemático tendo como base a Geometria Euclidiana e o Cálculo
Infinitesimal, aplicados à Filosofia Natural, determinaram, “o fim da Física do
mais ou menos” - com isto Koyré quis dizer o fim definitivo da Física Aristotélica
das sensações. Todavia, ressaltamos que: Koyré, por discordar radicalmente do
caráter instrumentalista da Física de Newton, não acreditava, como Cohen e Smith
que propuseram a existência de um “Estilo Newtoniano”, que Newton tivesse
feito uso, em algum momento, do método indutivo ao escrever os Princípios
Matemáticos de Filosofia Natural. Nas palavras de Koyré:
(...) não acredito que o nascimento e o desenvolvimento da ciência moderna
possam explicar-se pelo fato de que o espírito se tenha desviado da teoria para a
práxis. Sempre pensei que essa explicação não concordava com o verdadeiro
desenvolvimento do pensamento científico, mesmo no século XVII. (KOYRÈ,
1991, p.67).
18
Grosso modo, no Capítulo 2, estudaremos diversos aspectos do “Estilo
Newtoniano” como as origens deste método, sua construção lógica, o uso da
indução e das hipóteses, os métodos de análise e síntese e a aplicação do “Estilo
Newtoniano” nos Princípios Matemáticos de Filosofia Natural e na Ótica.
1.3.2
O Capítulo 3
A Filosofia Natural de René Descartes -- e dos cartesianos -- e seus
principais fundamentos serão tratados no Capítulo 3. Esta Filosofia Natural
influenciou o pensamento de inúmeros filósofos e cientistas -- como Newton,
Cristiaan Huygens, G. W. Leibniz, entre outros -- desde o século XVII até o
século XIX. Segundo Koyré: “(...) é Descartes que é considerado o primeiro
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filósofo [natural] moderno.” (KOYRÉ, 1991, p. 16). Assim, através do
desenvolvimento de uma poderosa mecânica e de uma visão de mundo baseada
em formas geométricas, Descartes juntamente com Galileu Galilei e Newton
teriam sido, na opinião de Koyrè (1991, p.183), os principais responsáveis por
uma mudança radical na forma de ver, pensar e “viver” a natureza - o mundo que
nos cerca, o universo. Descartes também seria reconhecido, tanto por seus
contemporâneos quanto ao longo da história, como um grande filósofo moderno
graças ao desenvolvimento de questões relativas a dualidade corpo-mente, ao
desenvolvimento da geometria e por seu programa epistemológico3.
Particularmente sobre Newton, a Filosofia Natural de Descartes teve uma
influência decisiva. Segundo Howard Stein (1967, p.268), esta influência ocorreu
devido a dois fatores distintos: a) a Filosofia Natural e principalmente a
cosmologia de Descartes, fora, em seu tempo, uma visão científica do mundo
extremamente poderosa e atraente e b) a mecânica de Descartes estava baseada
num confuso conceito relativista ou semi-relativista de movimento sobre o qual
teria sido inútil tentar construir uma teoria coerente. Ambos fatores são discutidos
por Newton no “Escólio Geral” do final do Livro III dos Princípios Matemáticos
de Filosofia Natural. Neste “Escólio”, Newton dedica-se, quase que todo o tempo,
3
As questões relativas à dualidade corpo-mente, ao desenvolvimento da geometria e ao programa
epistemológico, não serão tratadas nessa dissertação.
19
a clarificar pontos considerados por ele mais obscuros da Filosofia Natural de
Descartes.
Também verificamos que no texto O Peso e o Equilíbrio dos Fluídos,
escrito antes do “Escólio Geral” supracitado, Newton já se encontrava bastante
contrariado com Descartes e seus seguidores por conta das definições e crenças a
respeito dos seguintes assuntos: a) a substância; b) o corpo; c) o lugar; d) a
extensão; e) o espaço; f) o movimento; g) a força; h) o vácuo; i) o átomo e
principalmente; j) o conceito cartesiano de metafísica associado à Filosofia
Natural.
Em suma, no Capítulo 3, estaremos respondendo a algumas questões sobre a
Filosofia Natural de Descartes que, futuramente, viriam a ser relevantes para a
fundamentação da Filosofia Natural de Newton. Estas questões são: a) qual foi à
influência da metafísica, da Filosofia Natural de Aristóteles e da Filosofia
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Escolástica na Filosofia Natural de Descartes? b) qual a relevância dos conceitos
de “substância” e extensão para esta Filosofia Natural? c) qual era o problema do
atomismo grego antigo para Descartes? d) qual era a definição cartesiana do
movimento?
Portanto, neste capítulo, analisaremos a influencia da metafísica e da
Filosofia Natural de Aristóteles e da escolástica na obra de Descartes,
principalmente na sua Filosofia Natural. Seguiremos discutindo o papel das
substâncias e do conceito de extensão para Descartes para que finalmente
possamos abordar os problemas do atomismo e do movimento, culminando com
as leis e regras cartesianas para o movimento dos corpos.
1.3.3
O Capítulo 4
No capítulo 4, procuraremos mostrar: a) o quão impossível seria ignorar o
fato de Newton nunca ter deixado de lado sua metafísica e sua teologia,
consideradas bastante “heterodoxas” pelo filósofo Stein (2002, p.256) por
misturar elementos místicos à rigidez dos dogmas da Igreja Anglicana, ao elaborar
sua Física; b) as influências de Descartes e c) alguns dos principais elementos dos
Princípios Matemáticos de Filosofia Natural, isto é, uma breve exploração das
oito Definições, das três Leis do Movimento e de algumas Regras. Sobre o item
20
“a”, apesar do misticismo de Newton, Hans Reichenbach em seu livro A Filosofia
do Espaço & Tempo, entre outros filósofos do Círculo de Viena, ressaltou o
caráter instrumentalista e empirista da Física de Newton. Reichenbach se apoiou
numa suposta utilização única do método empírico para obtenção dos resultados
positivos da Física Newtoniana, ao mesmo tempo em que desprezou os conceitos
metafísicos sobre o espaço, tempo e movimento “absolutos”. Algumas idéias da
Física Newtoniana, que acreditamos estarem fortemente apoiadas na sua
metafísica, foram muitas vezes mal interpretadas por Reichenbach (1980, p.152).
Para este filósofo, os conceitos metafísicos de Newton sobre o espaço, tempo e
movimento “absolutos”, entre outros, estavam não só fora do contexto, mas
também eram do ponto de vista epistemológico, inerentemente “defeituosos” e
empiricamente infundados.
Em contrapartida, historiadores e filósofos da ciência da segunda metade do
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século XX como Cohen, Smith e Stein, discordaram dessa posição e afirmaram,
no caso de Cohen e Smith que os principais responsáveis pelo sucesso
incontestável da Física Newtoniana seriam a utilização da combinação bem
dosada dos métodos indutivo e hipotético-dedutivo e, da proposição lógica ifquam proxime-then-quam proxime dentro do “Estilo Newtoniano” e, no caso de
Stein, da utilização de uma teologia “heterodoxa” e de uma metafísica original.
Segundo Stein (2002, p.257), principalmente essas teologia e metafísica,
determinaram a elaboração dos conceitos de espaço, tempo e movimento
“absolutos” e os importantíssimos conceitos de massa e forças, bases da Física
Newtoniana. Nas palavras do próprio Newton:
O espaço é uma afecção do ser qua ser. Não há ser existente que não esteja conexo
com o espaço de alguma forma. Deus está em todo lugar, mentes criadas estão em
algum lugar e o corpo está no espaço que ele ocupa; e tudo que não está nem em
toda parte nem em algum lugar, não existe. E conseqüentemente segue-se que o
espaço é um efeito surgido da primeira existência do ser, porque quando qualquer
ser é postulado, o espaço é postulado. (NEWTON, 1978, p.136).
Sendo assim, podemos concluir que Newton “usou e abusou” do direito de
apoiar suas argumentações não apenas em hipóteses Físicas, como as definimos
hoje, mas também lançou mão de uma forte metafísica, da teologia, do
pensamento neoplatônico -- Newton faz uma diferença bastante semelhante à de
Plotino no que diz respeito à criação e a emanação das coisas -- do conhecimento
21
profundo do pensamento de Descartes e seus seguidores como um todo e,
principalmente, da oposição ferrenha a essa metafísica Cartesiana associada à
Filosofia Natural, para a elaboração de sua Filosofia Natural original.
O item “b” estará implícito em todo capítulo. Será possível reconhecermos
claramente a oposição Newton as principais idéias de Descartes e a grande
influência que esta oposição teve em sua obra como um todo.
No item “c” tentaremos mostrar que a história do desenvolvimento da Física
Newtoniana, mais especificamente de alguns elementos primordiais de sua
dinâmica, como a definição da “força de pressão” e do conceito de massa, mesmo
que não pareça, estaria intimamente ligada a uma metafísica anti-Cartesiana,
principalmente com relação à definição de movimento e a uma teologia
“heterodoxa”, cujos estudos Newton teria cultivado até sua morte.
Especificamente, as hipóteses metafísicas da existência do espaço, tempo e
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movimento “absolutos” desempenharam um papel de aproximação da Física de
Newton com a Física de Galileu e a geometria de Euclides, afastando-o quase que
definitivamente da Filosofia Natural de Descartes. Newton teria ficado bastante
contrariado com Descartes por conta de suas definições e crenças a respeito da
substância, do corpo, do lugar, da extensão, do espaço, do movimento, da força,
do vácuo, do átomo e principalmente, de seu conceito de metafísica associado à
Filosofia Natural.
Finalizando, Stein (2002, p.256) observa que a palavra “metafísica” foi e
ainda é raramente associada à obra de Newton. Para Cohen e Smith, Stein talvez
tenha toda razão ao fazer tal afirmação, embora a metafísica no sentido filosófico
de “(...) aquilo que está além da Física, que a transcende. (...)” (JAPIASSÚ &
MARCONDES, 1999, p.180) permeie os escritos de Newton, com destaque
especial para a Seção I do Livro I e, o “Escólio Geral” dos Princípios
Matemáticos de Filosofia Natural e o texto O Peso e o Equilíbrio dos Fluidos,
publicado entre a primeira e a segunda edição dos Princípios Matemáticos de
Filosofia Natural. Entretanto para Mário Bunge, existiria também uma
“metafísica científica”, intimamente ligada à ontologia, bastante consistente com a
ciência e, conseqüentemente, logicamente possível. Essa metafísica seria diferente
daquela criticada pelo Círculo de Viena, porém, a metafísica a qual Stein se refere
é aquela que “(...) lida com as feições mais gerais da realidade e, possivelmente
22
também, com os objetos imaginados pelos teólogos e pelos filósofos (...).”
(BUNGE, 2002, p.244).
Em muitas das obras relacionadas na bibliografia desta dissertação, existem
análises profundas dos diversos aspectos da Física e da metafísica de Newton,
feitas por teólogos, filósofos e historiadores da ciência. Através dessas análises,
nos foi possível perceber que alguns dos autores citados defendem que: a) a
utilização de uma combinação dos métodos indutivo e hipotético-dedutivo; b)
uma “teologia heterodoxa”; c) uma metafísica “anti-cartesiana”, principalmente
no que se refere às investigações filosóficas do espaço, tempo e movimento e d) à
definição de “forças”, foram fundamentais na constituição do marco divisor entre
a Filosofia Natural que ainda continha elementos escolásticos, como era a
Filosofia Natural Cartesiana e a Física como nós a conhecemos desde o século
XVIII.
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Destarte, o Capítulo 4 será totalmente dedicado a obra de Newton.
Inicialmente abordaremos a influência da metafísica em sua obra para depois
analisarmos o movimento, o espaço e seu programa mecanicista sempre sob a luz
de sua metafísica original. No caso particular da análise do espaço daremos ênfase
a natureza do espaço newtoniano, sua divisibilidade, o papel de Deus e a relação
com os corpos.
1.3.4
O Capítulo 5 - Conclusão
Na conclusão desta dissertação, destacaremos os principais resultados
alcançados nos capítulos anteriores e discutiremos brevemente as questões do
espaço, tempo e movimento da correspondência entre Leibniz e Samuel Clarke,
sem nos aprofundar nas implicações metafísicas e físicas destes conceitos para o
pensamento de Leibniz ou de Newton. Este aspecto em particular poderá ser
tratado numa futura tese de doutorado.
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