MUDANÇAS QUE OCORREM NA VIDA DA MULHER PORTADORA DO HIV/AIDS APÓS O DIAGNÓSTICO Aline Silvana Schaefer¹, Carolina Vilela Garcia¹, Deiciane Silva Rezende¹, Denise Araújo Martins¹, Kellen Rosa da Cruz¹, Edson Fredulin Scherer2 RESUMO É comum que as mulheres não se considerem vulneráveis ao HIV, devidoà prática sexual com um único parceiro e, também, por não fazerem uso de drogas. No entanto, a incidência neste grupo tem aumentado no mundo inteiro. Nesta pesquisa, foi realizado o estudo de caso clínico, com entrevista semiestruturada, direcionada a uma portadora de AIDS, visando relatar os sentimentos aflorados e descrever aspectos de sua vida social e sexual a partir do diagnóstico,embora esta notícia seja difícil, verificou-se que é possívelter uma rotina normal, bem como um relacionamento estável. Palavras-chave:Imunodeficiência;saúde;mulher; comportamento; sexual. ABSTRACT It is commonthat women are notconsidervulnerable to HIV,duesexual practical witha single partner and, also,for they make not use ofdrugs. However, the incidencein this group has been increasing inthe whole world.In this research, the study of clinical case was accomplished, with interviewsemi-structured, addressed her a bearer ofAIDS, seeking to tell the leveled feelings and to describe aspects of her social life and sexual starting from the diagnosis, although this news is difficult, it was verified that is possible to havea normal routine, as well as astable relationship. Keywords:Immunodeficiency; health; women;behavior; sexual. 1 Acadêmicas do quarto ano de Farmácia-Matutino, das Faculdades Unidas do Vale do Araguaia, Barra do Garças-MT. Professor, doutorando em parasitologia Dinter UFMG – UFMT, orientador e responsável pela disciplina de Imunologia Clínica. Contato: [email protected] 2 1. INTRODUÇÃO A Síndrome da ImunoDeficiênciaAdquirida (SIDA) é causada pelo Vírus do HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana).O HIV é um retrovírus que causa no organismo disfunção imunológica crônica e progressiva devido ao declínio dos níveis de linfócitos CD4, sendo que quanto mais baixo for o índice desses, maior o risco do indivíduo desenvolver AIDS (ABBAS e LICHTMAN, 2007). O período entre a aquisição do HIV e a manifestação da aids pode durar alguns anos, porém, apesar de o indivíduo portador do vírus estar muitas vezes assintomático, pode apresentar importantes transtornos na esfera psicossocial, a partir do momento em que fica sabendo de seu diagnóstico (CANINI; et al, 2004). No Brasil a desigualdade social contribui para a disseminação do vírus HIV no país, apontando uma epidemia que vem modificando seu perfil epidemiológico. (SILVA; SANTOS; NETO; et. al. 2009) Desde o início da epidemia, em 1980, até junho de 2011, o Brasil tem 608.230 casos registrados de Aids (condição em que a doença já se manifestou), de acordo com o último Boletim Epidemiológico (MINISTÉRIO DA SAÚDE).De acordo com Junior e Castilho (2004) na última década de 80 a AIDS atingia On-line http://revista.univar.edu.br ISSN 1984-431X principalmente pessoas de alto nível socioeconômico e do sexo masculino homossexual/ bissexuais, a partir do ano de 1990 começou uma mudança do perfil epidemiológico acometendo heterossexuais e mulheres, pessoas de baixo nível e desde ai só está aumentando os portadores da doença. Segundo Santos, et. al. (2009) ao comparar a prevalência entre o sexo masculino e o feminino, o primeiro se destaca, no entanto, a incidência em mulheres tem aumentado no mundo inteiro, servindo de grande preocupação diante da possibilidade de transmissão materno-fetal durante a gestação, no parto ou na amamentação.É comum que as mulheres não se considerem vulneráveis à doença, tendo em vista a prática sexual com um único parceiro e, também, por não fazerem uso de drogas. Em estudo Paiva, 2002 relata que mais de 70% das entrevistadas disseram ter contraído o vírus do único parceiro que tem. Na maioria das vezes a transmissão acontece por relações sexuais, segundo Reis e Xavier(2003)é devastador para a mulher tomar conhecimento da soropositividade ao HIV, por conta da contaminação através de relações sexuais com o parceiro fixo e único. O sentimento feminino mais forte é de ter sido traída pelo homem que amava e em quem confiava. Segundo elas, este sentimento origina a certeza de que a vida acabou. Interdisciplinar: Revista Eletrônica da Univar (2013) n.º9 Vol – 1 p. 10 - 13 11 Com o diagnóstico, sentem-se fracas e oprimidas pela presença do vírus HIV. O medo, a insegurança, a revolta passam a preencher o cotidiano dessas mulheres. Inicialmente, elas buscam o isolamento e a solidão, como resposta à nova realidade, no espaço privado: a casa. O recebimento do diagnóstico soropositivo para HIV acarreta, no primeiro momento, uma destruição significativa em todos os aspectos da vida do individuo, modificando a estrutura de sua personalidade, seus contatos com o mundo e seus valores. Entretanto, para a mulher envolve situações peculiares, como gravidez e maternidade, tornando este momento ainda mais complexo.Para Araujo, et. al. (2008) a transmissão vertical, que ocorre durante a gravidez, o parto ou o aleitamento materno só vem crescendo, no Brasil no período de 2000 a 2007 foram 36.300 casos de HIV em gestantes e na maioria das vezes as mulheres entra em trabalho de parto sem ter feito a quimioprofilaxia e isso faz com que aumenta risco da transmissão dos vírus para o bebe.O ser mãe e estar com AIDS constitui uma situação ambivalente, permeada por culpa, ansiedade e medos (SALDANHA, 2003). O medo da discriminação, preconceito e estigma, aderir ou não ao tratamento, revelar o diagnóstico, seja ao parceiro, a família, chefes ou amigos, fazem parte da realidade da vida das mulheres com HIV/Aids, é uma decisão difícil a ser tomada, devido o temor que elas sentem em serem rejeitadas ou abandonadas. Segundo Lopes e Fraga, 1998 existem problemas relacionados ao tratamento que também afetam os portadores do HIV, como os diversos efeitos colaterais que, em muitos casos, levam o paciente a uma espécie de depressão psicológica causada por longos períodos de tratamento e constantes retornos ao hospital. Em muitos casos, isto se associa ao abandono pelos familiares, perda do emprego e o isolamento. O medo da morte é outro fator relevante que leva a gravíssimos quadros de angústia. Tais sentimentos podem se tornar aumentados configurando uma situação estressante. Este tipo de aflição une-se ao comportamento social das demais pessoas fazendo com que a soropositividade para o HIV torne-se equivalente a uma sentença de morte. Com o diagnóstico o estilo de vida da mulher é alterado, variando de acordo com a personalidade e o contexto social e familiar da mulher. (CARVALHO, GALVÃO, SILVA, 2010). Dentro deste contexto, o objetivo deste estudo foi apreender as mudanças que ocorrem na vida da mulher portadora do HIV/AIDS após o diagnóstico, analisando o comportamento e as relações estruturais de todo o processo envolvido no HIV. 2. MATERIAL E MÉTODOS Para esta pesquisa, foi realizado o estudo de caso clínico, com entrevista semiestruturada, direcionada a uma portadora de Aids, de 44 anos, moradora de Barra do Garças-MT, no dia 13 de Julho de 2012. A escolha da entrevistada se deu a partir da aceitação da mesma em participar do estudo. A entrevistada assinou o termo de consentimento livre e esclarecido, autorizando a entrevista para fins de pesquisa, desde que a sua identidade fosse preservada, salvo consentimento da entrevistada. Concomitante a entrevista, foi realizada revisão bibliográfica com artigo publicado na área da saúde, sobre o tema. A seleção dos artigos foi devido o autor abranger todo conteúdo de forma clara e simples, ajudando-nos a compreender e desenvolver o estudo. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A vulnerabilidade feminina à infecção pelo HIV, de acordo com Figueredo e Terenzi (2008) ocorre devido à subordinação feminina diante do parceiro estável, caracterizada pela visão masculina da conjugalidade como a naturalização da infidelidade masculina e a dificuldade de aquisição do uso de preservativos na relação. Em estudo, Praça; Latorre; Hearst(2003) relataram que 76% das entrevistadas acreditam na fidelidade do parceiro, destas, somente 27% percebem-se vulneráveis ao HIV, e por ter a total confiança em seu parceiro elas relatam que não sentia a necessidade do uso do preservativo. Diante do diagnóstico da doença, um dos principais temores das pessoas que vivem com HIV/aids é sofrer algum tipo de preconceito, discriminação ou estigmatização. Trata-se do pavor de serem vistas como portadoras de uma doença contagiosa e que, por esse motivo, mesmo os mais informados e escolarizados fujam delas por estarem diante de um ‘aidético’ (NASCIMENTO, 2002). Cechim e Selli(2007) relataram que a partir do diagnóstico, instala-se, no cotidiano de vida da pessoa, o medo que se apresenta com diferentes faces: o medo de si mesma, o medo da discriminação, o medo do preconceito, o medo do sofrimento físico e o medo de seu fim último, este achados estão em acordo com os identificados no presente estudo no que diz respeito ao medo da discriminação, preconceito e do óbito, este último principalmente, devido à entrevistada ter filhos pequenos. Em relação às alterações físicas, a entrevistada não sentiu medo, por desconhecer essa possibilidade. No que tange ao medo de si mesma, não foi relatado pela entrevistada, no entanto deixou claro que sempre fez uso do preservativo em relações sexuais. (Tabela 1) SIM NÃO Usava ou usa drogas ilícitas? Contraiu o vírus pelo ato sexual? Contraiu o vírus por outros meios? X X X 12 Mantinha um relacionamento na época do diagnóstico? Atualmente mantém o mesmo relacionamento? X X X X Medo da discriminação? X X Medo da transformação física? Medo de morrer? X X X X Insegurança? X Revelou o diagnóstico à família e amigos? Atualmente a família sabe do diagnóstico? Teve apoio familiar? Atualmente possui vida sexualmente ativa? Usa preservativo? Tabela 1: Resultados obtidos da entrevista. Durante quatro anos ela permaneceu trabalhando e vivenciando sua rotina normalmente. Somente quando “ficou de cama” seus familiares vieram saber do seu diagnóstico, que apesar do choque da notícia, a apoiaram e, somente a partir dai, iniciou o tratamento. Com o conhecimento da família sobre a doença, sentiu-se “sufocada” pelos cuidados deles, pois tinham medo que ela contraísse alguma doença oportunista. Estudos sobre a crise de mulheres portadoras do HIV, no que tange à dimensão sexual, evidenciam que o diagnóstico da situação do HIV/AIDS leva os indivíduos a crises e estes, por sua vez, apresentam dificuldades para atingir um nível positivo de adaptação sexual, social e emocional (GIR e REIS, 2001). Segundo estes mesmos autores, existem três principais barreiras que interferem na manutenção do sexo seguro entre casais sorodiscordantes, como a desconfiança na eficácia do preservativo como método seguro para a prevenção da transmissão sexual do HIV, alteração na satisfação sexual decorrente do uso obrigatório do preservativo e também a diferença na aceitação entre homens e mulheres no uso sistemático do preservativo. Segundo Paiva, et. al. (2002) os dilemas citados em estudos sobre a sexualidade do portador do vírus, demonstram a dificuldade da prática de políticas com sugestões sobre o assunto, devido às diferenças sócio-culturais que resultam em uma singularidade dos portadores a respeito. De acordo comTunala, 2002 quando decidem ter um relacionamento amoroso, enfrentam o medo da rejeição do outro, quando este passa a conhecer o diagnóstico, neste estudo, identificou-se que por medo da rejeição do parceiro, nos dois primeiros relacionamentos após o diagnóstico a entrevistada não revelou ser portadora do HIV, a descoberta se deu por terceiros, depois disso, o primeiro se afastou, mas o segundo continuou o relacionamento por cinco anos. Atualmente ela vivencia um romance com um parceiro que também é soropositivo para o HIV e afirma “[...] agente é muito feliz.”. Assim, um dos dilemas vivido pelas mulheres é a revelação do diagnóstico. Essa descoberta está associada às dificuldades que enfrentará em decorrência da sua infecção. Elas são levadas a ocultar o seu diagnóstico devido ao medo de serem estigmatizadas, rejeitadas, ou seja, vítimas do preconceito das pessoas (CARVALHO E GALVÃO, 2007). Segundo Grimberg (2000, apud CARVALHO E GALVÃO, 2007) o HIV/aids foi construído diante de conceitos de perversidade e de misérias humanas, como as questões do homossexualismo masculino, promiscuidade feminina e uso de drogas. Essas questões foram suficientes para conduzir os acometidos com a doença a uma sensação de culpa e vitimização de situações não vivenciadas por eles. Assim, a infecção constitui para a sociedade, um significado carregado de sentidos morais. A forma de conviver com o vírus na sexualidade está diretamente relacionado com o apoio que o indivíduo recebe neste momento (PAIVA, et. al. 2002). 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Embora a notícia do diagnóstico e os tabus no que diz respeito ao HIV sejam difíceis de lidar, verificou-se que é possível, junto com o tratamento e o apoio familiar, ter uma rotina normal, bem como um relacionamento estável, tendo ou não como parceiro, alguém que também seja soropositivo para o HIV. Sugere-se a realização de mais trabalhos direcionados a este assunto, uma vez que eles podem ampliar as informações, vencer tabus e contribuir com a autoestima destes portadores. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAS, Abul K; LICHTMAN, Andrew H. Imunologia Básica: Funções e distúrbios do sistema imunológico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. AIDS no Brasil. Departamento de DST, Aids, e Hepatites Virais. Ministério da Saúde. ARAÚJO, Maria A. L.; et al. Gestantes portadoras do hiv: enfrentamento e percepção de Uma nova realidade.CiencCuidSaude. Maringá, 7(2):216-223, Abr/Jun. 2008. 13 CANINI, Silvia R. M. S.; et al. 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