VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA SOCIOLOGIA Rio de Janeiro / 2006 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO Todos os direitos reservados à Universidade Castelo Branco - UCB Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, armazenada ou transmitida de qualquer forma ou por quaisquer meios - eletrônico, mecânico, fotocópia ou gravação, sem autorização da Universidade Castelo Branco - UCB. U n3p Universidade Castelo Branco. Sociologia Geral. – Rio de Janeiro: UCB, 2006. 52 p. ISBN 85-86912-11-5 1. Ensino a Distância. I. Título. CDD – 371.39 Universidade Castelo Branco - UCB Avenida Santa Cruz, 1.631 Rio de Janeiro - RJ 21710-250 Tel. (21) 2406-7700 Fax (21) 2401-9696 www.castelobranco.br Chanceler Prof.a Vera Costa Gissoni Reitor Prof. Paulo Alcantara Gomes Vice-Reitor de Ensino de Graduação e Corpo Discente Prof. Marcelo Hauaji de Sá Pacheco Vice-Reitor de Planejamento e Finanças Sergio França Freire Filho Vice-Reitor de Gestão Administrativa e Desenvolvimento Marcelo Costa Gissoni Vice-Reitor de Ensino de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão Prof. Samuel Cruz dos Santos Coordenadora de Educação a Distância Prof.ª Ziléa Baptista Nespoli Coordenadores dos Cursos de Graduação Ana Cristina Noguerol - Pedagogia Denilson P. Matos - Letras Maurício Magalhães - Ciências Biológicas Sonia Albuquerque - Matemática Setores Responsáveis Pela Produção do Material Instrucional Coordenadora de Educação a Distância - CEAD Prof.ª Ziléa Baptista Nespoli Centro Editorial – CEDI Joselmo Botelho Conteudista Ziléa Baptista Nespoli Apresentação Prezado(a) Aluno(a): É com grande satisfação que o(a) recebemos como integrante do corpo discente de nossos cursos de graduação, na certeza de estarmos contribuindo para sua formação acadêmica e, conseqüentemente, propiciando oportunidade para melhoria de seu desempenho profissional. Nossos funcionários e nosso corpo docente esperam retribuir a sua escolha, reafirmando o compromisso desta Instituição com a qualidade, por meio de uma estrutura aberta e criativa, centrada nos princípios de melhoria contínua. Esperamos que este instrucional seja-lhe de grande ajuda e contribua para ampliar o horizonte do seu conhecimento teórico e para o aperfeiçoamento da sua prática pedagógica. Seja bem-vindo(a)! Paulo Alcantara Gomes Reitor Orientações para o Auto-Estudo O presente instrucional está dividido em quatro unidades programáticas, cada uma com objetivos definidos e conteúdos selecionados criteriosamente pelos Professores Conteudistas para que os referidos objetivos sejam atingidos com êxito. Os conteúdos programáticos das unidades são apresentados sob a forma de leituras, tarefas e atividades complementares. As Unidades 1e 2 correspondem aos conteúdos que serão avaliados em A1. Na A2 poderão ser objeto de avaliação os conteúdos das quatro unidades. Havendo a necessidade de uma avaliação extra (A3 ou A4), esta obrigatoriamente será composta por todos os conteúdos das Unidades Programáticas 1, 2, 3 e 4. A carga horária do material instrucional para o auto-estudo que você está recebendo agora, juntamente com os horários destinados aos encontros com o Professor Orientador da disciplina, equivale a 60 horas-aula, que você administrará de acordo com a sua disponibilidade, respeitando-se, naturalmente, as datas dos encontros presenciais programados pelo Professor Orientador e as datas das avaliações do seu curso. Bons Estudos! Dicas para o Auto-Estudo 1 - Você terá total autonomia para escolher a melhor hora para estudar. Porém, seja disciplinado. Procure reservar sempre os mesmos horários para o estudo. 2 - Organize seu ambiente de estudo. Reserve todo o material necessário. Evite interrupções. 3 - Não deixe para estudar na última hora. 4 - Não acumule dúvidas. Anote-as e entre em contato com seu monitor. 5 - Não pule etapas. 6 - Faça todas as tarefas propostas. 7 - Não falte aos encontros presenciais. Eles são importantes para o melhor aproveitamento da disciplina. 8 - Não relegue a um segundo plano as atividades complementares e a auto-avaliação. 9 - Não hesite em começar de novo. SUMÁRIO Quadro-síntese do conteúdo programático........................................................................................................ 11 Contextualização da disciplina............................................................................................................................... 14 UNIDADE I A SOCIOLOGIA E SUA HISTÓRIA 1.1 - A Sociologia e o homem.................................................................................................................................. 1.2 - Conceito de Sociologia................................................................................................................................... 1.3 - Objetos de estudo........................................................................................................................................... 1.4 - Ciência: ramo de conhecimento..................................................................................................................... 1.5 - A Sociologia Pré-Científica............................................................................................................................... 1.6 - A Sociologia Clássica......................................................................................................................................... 15 16 16 16 17 19 UNIDADE II SOCIALIZAÇÃO, COMUNIDADE E SOCIEDADE 2.1 - Socialização.......................................................................................................................................................... 2.2 - Comunidade e sociedade: conceitos e características.................................................................................... 2.3 - Tipos de sociedades........................................................................................................................................... 2.4 - As instituições sociais...................................................................................................................................... 2.5 - A vida em sociedade........................................................................................................................................... 24 24 25 26 27 UNIDADE III PROCESSOS SOCIAIS BÁSICOS 3.1 - Competição e rivalidade...................................................................................................................................... 3.2 - Conflito e acomodação...................................................................................................................................... 3.3 - Cooperação e assimilação.................................................................................................................................. 38 38 40 UNIDADE IV VALORES SOCIAIS E O INDIVÍDUO 4.1 - Atitudes, interesses e valores ............................................................................................................................ 4.2 - Atitudes, interesses e valores sociais............................................................................................................... 4.3 - Desejos fundamentais do homem...................................................................................................................... 44 44 44 Glossário....................................................................................................................................................................... 49 Gabarito........................................................................................................................................................................ 50 Referências bibliográficas......................................................................................................................................... 52 Quadro-síntese do conteúdo programático OBJETIVOS ESPECÍFICOS BIBLIOGRAFIA BÁSICA UNIDADE I: A Sociologia e Sua História 1.1 - A Sociologia e o homem 1.2 - Conceito de Sociologia 1.3 - Objeto de estudo 1.4 - Ciência: ramo do conhecimento 1.5 - A Sociologia PréCientífica 1.6 - A Sociologia Clássica 1.1 -Analisar o poder coercitivo que emana da sociedade sobre o indivíduo. 1.2 - Conceituar Sociologia. 1.3 - Analisar o objeto de estudo da Sociologia. 1.4 - Caracterizar a Sociologia como ciência. 1.5 - Avaliar as mudanças sociais ocorridas na fase da Sociologia PréCientífica. 1.6 - Analisar a influência da Sociologia de Durkheim na educação. • RUDOLF, Lenhard. Sociologia geral. SP: Pioneira, 2004. UNIDADE II: Socialização, Comunidade e Sociedade 2.1 - Socialização 2.2 - Comunidade e sociedade: conceitos e características 2.3 - Tipos de sociedade 2.4 - As instituições sociais 2.5 - A vida em sociedade 2.1 - Analisar os mecanismos sociais da socialização. 2.2 - Distinguir sociedade de comunidade. 2.3 - Descrever três tipos de sociedade, dentre os estudados. 2.4 - Descrever as quatro instituições sociais estudadas. 2.5 - Exemplificar interação social e controle social. • MEKSENAS, Paul. Sociologia. SP: Cortez, 2005. • TORRE, Della. O homem e a sociedade: uma introdução à Sociologia. SP: Companhia Editora Nacional, 2001. UNIDADES 11 12 UNIDADE III: Processos Sociais Básicos 3.1 - Competição e rivalidade 3.2 - Conflito e acomodação 3.3 - Cooperação e assimilação 3.1 - Analisar os processos sociais estudados. 3.2 - Exemplificar na sociedade atual, os processos sociais estudados. 3.3 - Analisar os processos de cooperação e assimilação. • MEKSENAS, Paul. Sociologia, SP: Cortez, 2005. UNIDADE IV: Valores Sociais e o Indivíduo 4.1 - Atitudes, interesses e valores 4.2 - Atitudes, interesses e valores sociais 4.3 - Desejos fundamentais do homem 4.1 - Compreender a importância dos valores sociais e individuais na sociedade brasileira, utilizando o estudo de casos. 4.2 - Distinguir atitudes de valores. 4.3 - Analisar a motivação humana com base nos tipos fundamentais de desejos descritos por W. I. Thomas. • COSTA, Maria Cristina Castilho. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. SP: Moderna, 2003. • MATTA, Roberto da. O que faz o brazil, Brasil? RJ: Rocco, 1989. 13 14 Contextualização da Disciplina Profissionais das mais diversas áreas não desconhecem a utilidade da Sociologia, pois a sociedade tem características que precisam ser conhecidas para que aqueles que nela atuam tenham sucesso. Não existe, portanto, nenhum setor da vida em que os conhecimentos sociológicos não sejam de ampla utilidade. E essa certeza perpassa hoje toda a linguagem dos meios de comunicação e toda a atuação profissional das pessoas e, é por isso que a Sociologia faz parte dos programas universitários que preparam os mais diversos profissionais. Hoje afirmamos que a Sociologia é uma ciência que se define não por seu objeto de estudo, mas por sua abordagem, isto é, pela forma com que pesquisa, analisa e interpreta os fenômenos sociais. Dizer que “o objeto da Sociologia é a sociedade” é dar ao cientista social um objeto sem limites precisos, amplo demais para que ele possa dar conta. Tudo que existe, desde que o homem se reconhece como tal, existe em sociedade. Portanto, não é por fazer parte da sociedade, ou de um meio social que um fato se torna objeto de pesquisa sociológica. Um acontecimento ou um comportamento é sociológico quando sobre ele se debruça o sociólogo, tentando entendê-lo nos aspectos que dizem respeito às relações entre os homens e às raízes de seu comportamento. Os conhecimentos sociológicos tentam explicar as relações entre acontecimentos complexos e diferenciados, unindo fenômenos aparentemente dissociados, permite ao homem transpor os limites de sua condição particular para percebê-lo como arte de uma totalidade mais ampla, que é o todo social. Isso faz da Sociologia um conhecimento indispensável num mundo que, à medida que cresce, mais diferencia e isola os homens e os grupos entre si. UNIDADE I 15 A SOCIOLOGIA E SUA HISTÓRIA 1.1- A Sociologia e o Homem A sociedade humana tem atribuído uma grande importância à convivência social, assim, devemos destacar o estudo do homem, enquanto indivíduo e ser social, para melhor analisarmos as relações de poder e prestígio, bem como os valores pessoais e/ ou sociais que envolvem essa relação. Cada indivíduo, nessa sociedade, desempenha papéis e conquista “status”. Durkheim em seu trabalho “Les régles de la méthode sociologigue” (1983) faz a seguinte afirmativa: Quando desempenho meus deveres de irmão, de esposo ou de cidadão, quando me desincumbo de encargos que contrai, pratico deveres que estão definidos fora de mim e de meus atos, no direito e nos costumes, mesmo estando de acordo com sentimentos que me soam próprios, sentindo-lhes interiormente à realidade, esta não deixa de ser objetiva, pois não fui eu quem os criou, mas recebios através da educação. Estes tipos de conduta são apenas exteriores ao indivíduo são também dotados de um poder coercitivo em virtude do qual se lhe impõem quer queira ou não (In: MAKSENAS, 2006:45). Na música “Podres Poderes” de Caetano Veloso podemos analisar a questão do jogo e do prestígio social. PODRES PODERES (Caetano Veloso) Enquanto os homens exercem seus podres poderes Motos e fuscas avançam os sinais vermelhos E perdem os verdes Somos uns boçais! Queira querer gritar setecentas mil vezes Como são lindos, como são lindos os burgueses E os japoneses Mas tudo é muito mais Será que nunca faremos senão confirmar A incompetência da América Católica Que sempre precisará de ridículos tiranos? Será será que será que será que será Será que essa minha estúpida retórica Terá que soar, terá que se ouvir Por mais mil anos? Enquanto os Homens exercem seus podres poderes Índios e padres e bichas negros e mulheres E adolescentes Fazem o carnaval Queria querer cantar afinado com eles Silenciar em respeito ao seu transe, num êxtase Ser indecente, mas tudo é muito mal Ou então cada paisano e cada capataz com sua burrice fará jorrar sangue demais Nos pantanais, na cidades, caatingas E nos gerais? Será que apenas os hermetismos pascoais Os tons os mil tons seus sons e seus dons geniais Nos salvam, nos salvarão dessas trevas e nada mais? Enquanto os homens exercem seus podres poderes Morrer e matar de fome de raiva e de sede São tantas vezes, gestos naturais Eu quero aproximar o meu cantar vagabundo Daqueles que velam pela alegria do mundo Indo mais fundo tins e bens e tais 16 1.2 – Conceito de Sociologia A Sociologia é uma ciência que se define não por seu objeto de estudo, mas por sua abordagem, isto é, pela forma com que pesquisa, analisa e interpreta os fenômenos sociais. 1.3 – Objetos de Estudo Segundo Durkheim (1952) os fatos sociais se constituem no objeto da Sociologia. Porém, dizer que o objeto da Sociologia é a sociedade, significa dar ao cientista social um objeto sem limites precisos, amplo demais para que ele possa dar conta. Pois, tudo que existe desde que o homem se reconhece como tal, existe em sociedade. Portanto, não é por fazer parte da sociedade, ou de um meio social, que um fato se torna objeto de pesquisa sociológica. Um acontecimento, ou um comportamento é sociológico quando sobre ele se debruça o sociólogo, tentando entendê-lo nos aspectos que dizem respeito às relações entre os homens e às raízes de seu comportamento. 1.4 – Ciência: Ramo de Conhecimento Durante séculos, o homem pensou sobre si mesmo e sobre o mundo, desenvolveu conhecimentos, estabeleceu relações aplicáveis à vida cotidiana. preocupações meramente práticas e passara a tratá-la como uma “atividade de espírito”, importante em si mesma e, para muitos, a mais elevada dentre todas. Foram os gregos que elaboraram a idéia do saber como atividade destinada às descobertas desligadas de uma finalidade prática imediata. Foram eles os primeiros a inventar os rudimentos do que veio a se chamar de ciência. Menos preocupados com a religião e a vida após a morte, foram eles os primeiros a entender o conhecimento como uma necessidade em si mesmo. Assim, surgiu uma maneira nova de pensar o “porquê” e o “para quê” das coisas. Surgiu um saber mais desligado das atividades religiosas, ao qual se dedicavam homens não necessariamente responsáveis pelos cultos religiosos. Surgiram os sábios, homens cuja atividade era descobrir os segredos do mundo e do universo. Enquanto os povos antigos só se interessavam pelo mundo em que viviam como uma janela para entender todo o universo, os gregos criaram as disciplinas e a filosofia, o “amor pelo conhecimento”. Os egípcios elaboraram conhecimentos biológicos e químicos porque acreditavam na ressurreição e queriam conservar os cadáveres. Os gregos disseram que tais conhecimentos não eram domínio da religião, mas da medicina. Assim, iniciaram esse hábito de desenvolver o conhecimento através de uma atividade abstrata, desligada de uma aplicabilidade imediata ou de um caráter religioso. Deram às idéias, sobre o que se deve ou não se deve fazer, o nome de ética, ramo do conhecimento que deveria se dedicar a essas questões morais. Se os povos antigos justificavam sua maneira de agir em função do que os deuses queriam, para os gregos isso fazia parte e era resultado da intenção pura e simples de pensar sobre os fatos. Isso não significa que a geometria ou a medicina gregas fossem mais desenvolvidas do que as egípcias, mais que, a partir de então, o homem desvinculara sua curiosidade pelo mundo das Durante a Idade Média, com o grande poder da Igreja Católica, novamente imperou o saber ligado à religião. Apenas as ordens religiosas, nos mosteiros, guardavam textos sobre a filosofia, geometria e astronomia. A população laica deixou de participar desse saber. Só com o Renascimento é que o homem volta aos textos antigos e redescobre o prazer de investigar o mundo, descobrir as leis de sua organização como atividade com valor em si mesma, independente de suas implicações religiosas. Nos últimos quatrocentos anos, em particular a partir do século XVII, vimos assistindo ao crescente progresso desse conhecimento – a ciência – destinado à descoberta das relações entre as coisas, das leis que regem o mundo natural. Aprimoram-se as técnicas e os utensílios de medição, e a imprensa e demais meios de comunicação levaram a uma transmissão cada vez maior dos conhecimentos. No seio desse movimento de idéias, surgiu no século XIX uma ciência nova – a Sociologia, a ciência da sociedade. Como a medicina e a geometria entre os gregos, o surgimento da Sociologia significou não o aparecimento da preocupação do homem com o seu mundo e sua vida em grupo, pois isso sempre existiu em qualquer das religiões antigas, mas a separação dessa forma de pensar do vínculo com as tradições morais e religiosas. Desencadeou-se então a preocupação com as regras que organizavam a vida social. Regras que pudessem ser observadas, medidas e comprovadas, capazes assim de dar ao homem explicações plausíveis num mundo onde passou a imperar o racionalismo, isto é, a crença no poder da razão humana de alcançar a verdade. Regras, enfim, que tornassem possível prever e controlar os fenômenos sociais. Portanto, o aparecimento da Sociologia significou que as questões relativas às relações entre os homens deixaram de ser apenas matéria religiosa: passaram a interessar também aos cientistas. A constituição desse campo do conhecimento significou, antes de mais nada, que as relações entre os homens mereciam ser conhecidas e formuladas por uma nova forma de linguagem e discurso – o científico –, o qual, na sociedade moderna, adquiriu o estatuto de “verdade”. A partir de então o homem começou a desenvolver métodos e instrumentos de análise capazes de traduzir sua experiência social de maneira científica. Isso equivaleu a criar, como nas demais ciências, métodos de averiguação e medição e a fazer formulações sobre a sociedade que pudessem ser comprovadas empiricamente – isto é, através de observação e experimentação –, de modo a tornar a ação social humana explicável em termos de regularidades e previsões. O pensamento relativo às ligações do homem com seus semelhantes passava assim a outra esfera de abstração, a outra maneira de formular problemas, ligada à necessidade de descobrir leis de interpretação e previsão de acontecimentos. 1.5 - A Sociologia Pré-Científica a) Renascimento Movimento filosófico e artístico dos séculos XV e XVI que teve como principal centro difusor a Itália e alcançou, sobretudo, a Inglaterra, a França e a Alemanha. Foi um movimento de redescoberta do humanismo greco-latino. Foi uma primeira transformação do pensamento medieval, sempre voltado para a religião, para a vida pós-morte. O Renascimento foi, portanto, o retorno da idéia de homem com toda a importância das Antigüidades Clássica, Grega e Latina. Para alguns historiadores, o Renascimento significou, principalmente, o reviver da cultura e da erudição. Com o surgimento da imprensa e das universidades, o burguês inculto teve acesso aos antigos textos dos sábios. Outros viram no Renascimento um surto de “cultura de ostentação”, à qual teve acesso a burguesia, enriquecida pelo comércio e desejosa de mostrar à nobreza sua capacidade de adquirir bens de valor, entre eles a própria cultura. Procurando pensar sobre a vida social e política, o homem renascentista vai desenvolver também suas teorias, nas quais ficará refletida sua inquietude para com as turbulências dessa transição. Como Platão, os filósofos renascentistas criaram uma sociedade imaginária perfeita. THOMAS MORUS (1478 – 1535), nasceu em Londres, idealizou um lugar sem problemas, onde todas as soluções foram encontradas: a Utopia. Uma ilha cujo nome significa “nenhum lugar”, onde existe harmonia e equilíbrio, onde estão reunidos a verdade e o bem. Desse modo, o pensamento social no Renascimento se expressa na criação imaginária de mundos ideais que simbolizariam como a realidade deveria ser. Utopia é uma ilha onde reina a igualdade e a concórdia. Todos vivem as mesmas condições de vida e executam em rodízio os mesmos trabalhos. Seria A Utopia uma obra sociológica? Não no sentido moderno ou científico do conceito, mas como expressão das preocupações do filósofo com a vida social e com os problemas de sua época. Todavia ou, como o próprio autor chama, o “regime social” dos utopienses demonstra claramente a preocupação com o estabelecimento de regras sociais mais justas e humanas como respostas às críticas, particularmente em relação à Inglaterra, na parte introdutória do livro. MAQUIAVEL (1469 - 1527) nasceu em Florença – O criador da ciência política. Escreveu “O Príncipe”, livro dedicado a Lourenço de Médici, em que se propõe a explorar as condições pelas quais um monarca absoluto é capaz de fazer conquistas, reinar e manter o seu poder. O Príncipe é um manual de ação política 17 18 cujo ideal é a sedimentação de um poder absoluto. Maquiavel (1996) acredita que um bom governo depende de pulso forte e mente sábia, aliados a qualidades pessoais como astúcia, coragem e decisão. termos de utilidade prática. Era preciso preparar a sociedade para receber os resultados do trabalho bem dirigido. Os próprios sábios deveriam se interessar em desenvolver conhecimentos de aplicação prática. Em seu livro, mostra como deve agir o soberano para alcançar e preservar o poder, como manipular a vontade popular e como usufruir de seus poderes e de seus aliados. Faz uma análise clara das bases em que se sustenta o poder político, como conseguir exércitos fiéis e corajosos, como castigar os inimigos, como recompensar os aliados e como destruir, na memória do povo, a imagem dos antigos líderes. Novos valores guiando a vida social para a modernização da vida, maior empenho das pesquisas e do saber para conquistar avanços técnicos, melhora nas condições de vida – tudo isso somado levou a um novo surto de idéias conhecido pelo nome de ilustração (ela foi essencialmente pragmática e liberal). A visão laica da sociedade e do poder Em relação ao desenvolvimento do pensamento sociológico, Maquiavel teve mais êxito do que Thomas Morus, na medida em que seu objetivo foi conhecer a realidade tal como se lhe apresentava, em vez de imaginar como ela deveria ser. De qualquer maneira, nas obras de Thomas Morus e de Maquiavel, percebemos como as relações sociais voltam, após a predominância quase absoluta do pensamento místico e teológico da Idade Média, a ser objeto de estudo e análise. A vida dos homens já aparece, nessas obras, como resultado das condições econômicas e políticas e não de sua fé ou de sua consciência individual. Além disso, esses filósofos expressam os novos valores burgueses, ao colocarem os destinos da sociedade e sua boa organização nas mãos de um indivíduo que se distingue por características pessoais. A monarquia proposta no Renascimento não se assenta na legitimidade do sangue ou da linhagem, na herança ou na tradição, mas na capacidade pessoal do governante e sua sabedoria. Nessa idéia de monarquia, se baseia a aliança que a burguesia estabelece com os reis para o surgimento dos estados nacionais, onde a ordem social será tanto mais atingível quanto mais o soberano agir como estadista, pondo em marcha às forças econômicas do capitalismo em formação. b) A ilustração e a sociedade contratual: uma nova etapa do pensamento burguês O Renascimento exalta a natureza e os prazeres da vida terrena, fossem a glória ou o simples prazer dos sentidos, apesar de ainda ter um certo caráter religioso. No século XVII, a burguesia avança na concepção de uma forma de pensar própria, capaz de transformar o conhecimento num processo que desse frutos em Fortalecida, a burguesia propunha agora formas de governo baseadas na legitimidade popular. Conclamava o povo a aderir à defesa do liberalismo econômico, da igualdade jurídica e do sufrágio universal. A filosofia social nos séculos XVII e XVIII O pensamento da ilustração defendia a idéia de que a economia era regida por leis naturais de oferta e procura que tendiam a estabelecer, de maneira mais eficiente do que os decretos reais, o melhor preço, o melhor produto e o melhor contrato através da livre concordância. O controle das relações humanas surgia, portanto, da própria dinâmica da vida econômica e social, dotada de uma racionalidade intrínseca cuja descoberta era a principal meta dos estudos científicos. A racionalidade estava na origem natural e física das leis de organização da sociedade humana e na base da própria atividade humana e do conhecimento, como defendiam René Descartes e Denis Diderot. O racionalismo cartesiano se expressa pela frase “penso, logo existo”, na qual mostrava ser a razão a essência do ser humano. No plano social, o racionalismo manifestava-se na noção de que as sociedades se baseavam em acordos mútuos entre os indivíduos que as compunham. JEAN – JACQUES ROUSSEAU (1712 - 1778) nasceu em Genebra. Afirmava que a base da sociedade estava no interesse comum pela vida social, no consentimento unânime dos homens em renunciar as suas vontades particulares em favor de toda a comunidade. JOHN LOCKE (1632 - 1704) – Inglês. Para ele a contratação estabelecia, entre outras coisas, as formas de poder, as garantias de liberdade individual e o respeito à propriedade. Seus princípios deveriam ser redigidos sob a forma de uma constituição. Os filósofos da ilustração só conseguiram conceber a idéia de sociedade como somatório de individualidades. O comportamento social decorria da manifestação explícita das vontades individuais. ADAM SMITH ( 1723 - 1790) nasceu na Escócia, fundador da ciência econômica. Demonstrou que a análise científica pode ir além do que era expressamente manifesto nas vontades individuais. Em sua análise sobre a riqueza das nações, descobriu no trabalho, ou seja, na produtividade, a grande fonte de riqueza. Adam Smith (1776) revelara a importância do trabalho ao pensar na sociedade não como um conjunto abstrato de indivíduos dotados de vontade e liberdade, tal como Rousseau e Locke, mas ao aprender e interpretar a realidade inglesa de seu tempo. A Revolução Industrial estava em pleno andamento e seus frutos já se anunciavam. c) A crise das explicações religiosas e o triunfo da ciência Vários aspectos da filosofia da ilustração preparam o surgimento das ciências sociais no século XIX e um deles foi a crescente credibilidade alcançada pelo pensamento científico. As idéias de progresso, racionalismo e vitória do homem sobre a natureza exerceram todo seu encanto sobre a mentalidade da época. Esse pensamento científico e racional via a sociedade como um componente da natureza. A sociedade, como a natureza, poderia ser explicada, conhecida e controlada. Começaram, então, as discussões em torno do método científico: a indução (manipulação empírica) e a dedução (racional – encadeamento lógico de hipóteses elaboradas). A existência da Igreja como instituição social foi discutida por alguns pensadores e sociólogos do século XIX. Émile Durkheim a considerava um meio de integrar os homens em torno de idéias comuns. Karl Marx a julgava responsável por uma falsa imagem dos problemas humanos, ligada à acomodação e à submissão pregadas por sua doutrina. 1.6 – A Sociologia Clássica a) Positivismo – Uma primeira forma de pensamento social. A primeira corrente de pensamento sociológico propriamente dita foi o positivismo. A primeira teoria a organizar alguns princípios a respeito do homem e da sociedade tentando explicá-los cientificamente. Seu representante e sistematizador foi o pensador francês Auguste Comte (1798 -1857). Os primeiros cientistas sociais, através do método de investigação, tentaram explicar que as ciências sociais derivam das ciências físicas. O próprio Comte deu inicialmente o nome de “física social” às suas análises da sociedade, antes de criar o termo “Sociologia”. O positivismo foi também chamado de organicismo, porque concebia a sociedade como um organismo constituído de partes integradas e coesas que funcionam harmonicamente, segundo um método físico e mecânico. Charles Darwin (1859), cientista inglês, nessa época muito contribuiu com sua teoria da evolução biológica das espécies animais. Suas idéias transpostas para as análises da sociedade fizeram surgir o Darwinismo social, isto é, a crença de que as sociedades mudariam e evoluiriam sempre de um estágio inferior para um outro superior, em que o organismo social se mostraria mais evoluído, mais adequado e mais complexo. Esse tipo de mudança garantiria a sobrevivência dos organismos – sociedade e indivíduos – mais fortes e mais evoluídos. Em meio a tudo isso e devido ao desenvolvimento industrial europeu, repleto de conflitos sociais, os positivistas responderam aos anseios com idéias de ordem e progresso, em que procuraram ajudar todos os indivíduos para as condições estabelecidas que garantiam o melhor funcionamento da sociedade. Comte (1840) identificou na sociedade esses dois movimentos vitais. Chamou de dinâmico o que representava a passagem para formas mais complexas de existência, como a industrialização, e de estático, o responsável pela preservação dos elementos permanentes de toda organização social, isto é, as instituições que mantinham a coesão e garantiam o funcionamento da sociedade, família, religião, linguagem, direito, etc. O positivismo foi, portanto, o pensamento que glorificou a sociedade européia do século XIX, em franca expansão. Buscava justificar, através de um método científico adequado, os padrões burgueses e industriais de organização social. Procurava resolver os conflitos sociais por meio da exaltação à coesão, à harmonia natural entre os indivíduos, ao bem-estar do todo social. 19 20 A Sociologia de Durkheim Comte – O Pai da Sociologia Durkheim – um de seus primeiros grandes teóricos. Durkheim e seus colaboradores se esforçaram em emancipar a Sociologia das filosofias sociais e constituí-la definitivamente como disciplina científica rigorosa. É ele quem coloca que os fatos sociais se constituem no objeto da Sociologia. 2. São exteriores aos indivíduos, ou seja, atuam sobre os indivíduos independentemente de sua vontade. Ex: Regras sociais, costumes, leis. 3. Generalidade – é social todo fato que é geral. Manifestam uma natureza coletiva. Ex: A moral, formas de habilitação. Para garantir a objetividade do fato social é preciso encarar os fatos sociais como coisas. Características dos fatos sociais: 1. Coerção social – força que os fatos exercem sobre os indivíduos, o grau de coerção se torna evidente pelas sanções. ÉMILE DURKHEIM (1858 – 1917) Nasceu em Epinal, na Alsácia, descendente de uma família de rabinos. Iniciou seus estudos filosóficos na Escola Normal Superior de Paris, indo depois para a Alemanha. Lecionou Sociologia em Bordéus, primeira cátedra dessa ciência, criada na França. Transferiu-se em 1902 para Sorbonne, para onde levou inúmeros cientistas, entre eles seu sobrinho Marcel Mauss, reunindo-os num grupo que ficou conhecido como escola sociológica francesa. Suas principais obras foram: Da divisão do trabalho social, As regras do método sociológico, O suicídio, Formas elementares da vida religiosa, Educação e Sociologia, Sociologia e Filosofia e Lições de Sociologia (obra póstuma). Morreu em Paris. Para Durkheim, a Sociologia tinha por finalidade não só explicar a sociedade, como também encontrar remédios para a vida social. A generalidade de um fato social, isto é, sua unanimidade, é garantia de normalidade na medida em que representa o consenso social e a vontade coletiva. A harmonia é conseguida através do consenso social, a “saúde” do organismo social. Os fatos patológicos são considerados transitórios e excepcionais. Toda a teoria sociológica de Durkheim pretende demonstrar que os fatos sociais têm existência própria e independente daquilo que pensa e faz cada indivíduo em particular. Ele chamou isso de consciência coletiva. É ela que vai revelar o tipo psíquico da sociedade. A consciência coletiva é, em certo sentido, a forma moral vigente na sociedade. Para Durkheim, a Sociologia deveria ter ainda, como objeto, comparar as diversas sociedades. Ele se distingue dos demais positivistas, porque suas idéias ultrapassaram a simples reflexão filosófica e chegavam a constituir um todo organizado e sistemático de pressupostos teóricos e metodológicos sobre a sociedade. b) A Sociologia Alemã: Max Weber Na Alemanha o positivismo teve menor repercussão. A grande fonte filosófica de lá foi o idealismo e Kant e Hegel, que exerceram grande influência sobre o pensamento sociológico desenvolvido por Weber e outros. O conhecimento para a filosofia alemã é fruto da relação da razão com os objetos do mundo, ou seja, os conhecimentos não são apenas vividos, mas também pensados. O positivismo valoriza apenas a lei de evolução, a generalização e a comparação entre formações sociais. MAX WEBER (1864 – 1920) – nasceu na cidade de Erfurt. Figura dominante na sociologia alemã, tendo forte formação histórica, se opôs a essa concepção. Para ele, a pesquisa histórica é essencial para a compreensão das sociedades. Seu objetivo de investigação é a ação social, a conduta humana dotada de sentido. O homem dá sentido à ação social: estabelece a conexão entre o motivo da ação, a ação propriamente dita e seus efeitos. Para a sociologia Weberiana os acontecimentos que integram o social têm origem nos indivíduos. O que garante a cientificidade de uma explicação é o método de reflexão, não a objetividade pura dos fatos. Weber relembra sempre que, embora os acontecimentos sociais possam ser quantificáveis, a análise do social envolve sempre uma questão de qualidade, interpretação, subjetividade e compreensão. Seus trabalhos abriram as portas para as particularidades históricas das sociedades e para a descoberta do papel da subjetividade na ação e na pesquisa social. c) Karl Marx e a História da Exploração do Homem (1818-1883) MATERIALISMO HISTÓRICO – a corrente mais revolucionária do pensamento social nas conseqüências teóricas e na prática social que propõe. MARX – não quis apenas contribuir para o desenvolvimento da ciência, mas propor uma ampla transformação política, econômica e social. O Capital destinava-se a todos os homens, não apenas aos estudiosos da economia, da política e da sociedade. TEORIA MARXISTA – dimensão de ideal revolucionário e ação política efetiva. Influências Básicas: (Marx) a) Leitura crítica da Filosofia de Hegel (observou e aplicou o método dialético de modo peculiar); b) Destacou o pioneirismo dos críticos da sociedade burguesa (Saint-Simon, Fowier e Proudhon), mas reprovava o “utopismo”; c) Crítica à obra dos economistas clássicos ingleses: Adam Smith e David Ricardo, maior parte de sua obra teórica. Esta trajetória é marcada pelo desenvolvimento de conceitos importantes: alienação, classes sociais, valor, trabalho, mais-valia e modo de produção. • Alienação – o capitalismo alienou, isto é, separou o trabalhador dos seus meios de produção – as ferramentas, as terras e as máquinas que se tornaram propriedade privada do capitalismo. O homem só pode recuperar sua condição humana através da crítica radical. Essa crítica radical só se efetiva na praxis, isto é, na ação política consciente e transformadora. • Classes Sociais – são formadas pelas desigualdades sociais provocadas pelas relações de produção do sistema capitalista. As relações entre os homens resultam das relações de oposição, antagonismo, exploração e complementaridade entre as classes sociais. Os trabalhadores, para assegurarem sua sobrevivência, vendem sua força de trabalho ao empresário capitalista, que se apropria do produto do trabalho de seus operários. • Operários – alugam “por um certo tempo” a força de trabalho e, em troca recebem salário (contrato). • Força de trabalho – mercadoria. • Valor – o valor de uma mercadoria era dado pelo tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção. • Mais-valia – valor excedente produzido pelo operário. Para Marx (1848), o estudo do modo de produção é fundamental para se compreender como se organiza e funciona uma sociedade. As relações de produção, nesse sentido, são consideradas as mais importantes relações sociais. A história do homem é a história do desenvolvimento e do colapso de diferentes modos de produção. Marx conseguiu imprimir às análises da sociedade a idéia de totalidade. Para Marx, a ciência não dependia da objetividade, mas de uma consciência crítica. Ao invés de sugerir soluções para uma sociedade “doente”, Marx propunha um caminho prático de ação política e um objetivo claro a ser por ele atingido. Substituiu a idéia de “harmonia” pela de universalização dos interesses da classe burguesa, através do Estado. Ser Marxista é não só aceitar o ideal comunista de uma sociedade sem classes e sem propriedade privada, é também seguir seus pressupostos teóricos, procurar exercer a crítica contundente do momento histórico em que se vive, buscar nele as relações de exploração, opressão e expropriação do homem pelo homem e transformar essa crítica em posição ideológica e política. Ser Marxista não é apenas uma questão científica ou política. O marxismo é também uma ética baseada em princípios dignificantes, independentemente de tudo o que se pense sobre a maneira como suas idéias supostamente foram colocadas em prática. 21 22 Antônio Gramsci (1891-1937) Intelectual italiano, vítima do fascismo, pensador ligado à realidade do seu país e empenhado em descobrir, na tradição nacional, os aspectos positivos que impulsionassem a classe, à qual dedicara a sua vida, a assumir a função dirigente que o processo histórico-social lhe confere. Nos seus escritos do cárcere, que vieram à luz pela primeira vez na Itália, em 1948, Gramsci mostra a importância e a necessidade do livre curso das idéias. Polemizando em todas as direções, jamais considera a posição do adversário um simples alvo contra o qual se deva concentrar o fogo dos argumentos contrários, como jamais revela uma forma qualquer de tolerância passiva de conciliação com qualquer tendência ou idéia contrária aos seus princípios. O que ressalta na sua obra, nesse aspecto, é a consciência de que a posição adversária, quando é digna de consideração, faz parte de uma realidade mais complexa do que aquilo que pode resultar dos argumentos e das palavras. Realidade cujo estudo se volta para ela mesma, a fim de desvendar a substância dos contrastes que o levará, finalmente, a confirmar ou não a validade da posição em causa (concepção dialética). Profundamente ligado aos problemas do seu tempo, Gramsci foi também, homem de ação. Nele o pensador, o político prático e o intelectual fundem-se numa só unidade. Daí que em sua obra as idéias apareçam integralmente como funções de uma ação. Renovação radical da sociedade e da história, o marxismo se identifica, em Gramsci, com a fundação de uma nova cultura. Nesse sentido, ele deve sintetizar dialeticamente a profundidade intelectual do Renascimento com o caráter popular e de massa da Reforma, deve unificar toda a humanidade em uma síntese superior de cultura. Nessa unificação – que permite a formação de uma “subjetividade universal” orgânica, equiparada por Gramsci à objetividade hitórico-concreta – reside a superação do pensamento ideológico e das contradições antagônicas. O socialismo é, assim para Gramsci, a fundação não só de uma economia planificada e socializada, mas de uma nova cultura, de uma comunidade humana real e autêntica. A obra de Gramsci é um poderoso instrumento na luta por esta sociedade. Apesar de fragmentárias, apesar de redigidas sem obediência a um plano preconcebido e sem amplitude nas fontes bibliográficas, as anotações constantes dos Cadernos do Cárcere constituem não só um dos documentos mais preciosos da literatura marxista, mas a expressão de uma das reflexões filosóficas mais fecundas de nosso tempo. Mas a influência de Gramsci não se limita à Itália. Suas concepções marxistas – originais, profundas e ousadas – começam a ser, cada vez mais, discutidas por toda a parte, rompendo o boicote que o stalinismo lhe impusera: na França, na União Soviética, na Alemanha, no Chile, em Cuba, no Brasil, Gramsci influencia todos aqueles que lutam por uma renovação democrática e humanista da cultura e da sociedade. Habermas (Jürgen) Nasceu em 18 de junho de 1929, em Dusseldorf. Dotourou-se em 1954, com uma tese sobre “O absoluto na história – um estudo sobre a filosofia das idades do mundo, de Schelling”. O nome de Habermas está intimamente associado ao da Escola de Frankfurt. Com a morte de seus fundadores – em especial Adorno, Horkheimer e Marcuse – Habermas é considerado o último representante da teoria crítica da sociedade. Interrogando os diversos autores, a partir de Hegel, Habermas mostra como a intuição fundamental de Kant – a de que a objetividade do conhecimento é constituída e condicionada por princípios e categorias a priori – foi sendo obliterada, com isso abrindo caminho para a ilusão objetivista, pela qual a ciência acredita na existência de uma relação não-mediatizada entre a consciência e o real. Mas essa mesma interrogação leva-o a distinguir, em Pierce e Dilthey, a latência, não de todo perdida, da reflexão transcendental, e com isso consegue reconstituir, no primeiro, um a priori fundador das ciências naturais, e no segundo, um a priori fundador das ciências histórico-hermenêuticas. Situando esse a priori, não nas estruturas de uma subjetividade transcendental, como para Kant, mas no processo de autoformação de uma espécie humana que se produz e se reproduz no duplo contexto da ação instrumental e da ação comunicativa (ou interação), Habermas chega à teoria dos interesses cognitivos. Essa teoria torna-se mais precisa quando Habermas descobre, em Freud, última etapa de sua auto-reflexão fenomenológica, o paradigma de uma ciência crítica, que assume explicitamente seu enraizamento num interesse: o da dissolução das estruturas patológicas que inibem a livre comunicação do sujeito consigo mesmo e com os outros. Admitindo-se que a crítica ao positivismo tenha constituído o fio vermelho que transpassa todos os trabalhos de cunho epistemológico, a crítica do Estado e da sociedade é o fio condutor dos estudos que, sob uma perspectiva político-cultural, procuram elucidar a relação de teoria e prática. O ponto de partida para a apresentação sistemática da obra de Habermas pode ser o tema que unifica os seus diferentes momentos da mediação entre a teoria e a prática. Esse tema é tratado numa perspectiva epistemológica e numa perspectiva político-cultural, ambas integradas numa teoria da competência comunicativa. Exercícios 1- Baseado no texto do instrucional, faça o exercício proposto: 1.1- Caracterize a Sociologia como ciência. 1.2- Caracterize a visão laica da sociedade e do poder. 1.3- Avalie as mudanças sociais ocorridas na fase da Sociologia Clássica. 1.4- Analise as leituras complementares abaixo e destaque a idéia central dos textos. Leituras Complementares TEXTO 1 - SOBRE O SURGIMENTO DO PENSAMENTO CRÍTICO – MAQUIAVEL É extremamente provável que tenha sido o trato cotidiano com assuntos políticos que, pela primeira vez deu consciência e senso crítico ao homem face ao elemento ideológico de seu pensamento. Durante a Renascença, entre os concidadãos de Maquiavel, emergiu um novo adágio chamando a atenção para uma observação comum na época – que era a de o pensamento do palácio é uma coisa, e o da praça pública é outra. Isto era uma expressão do crescente grau em que o público ganhava acesso aos segredos da política. Podemos aqui observar o início do processo no decorrer do qual o que antes havia sido apenas uma eclosão ocasional de suspeita e ceticismo, face aos pronunciamentos públicos, evoluiu para uma procura metódica do elemento ideológico em todos eles. A diversidade de formas de pensamento entre os homens é ainda, neste estágio, atribuída a um fator que, sem exagerar o termo indevidamente, poderia ser denominado sociológico. Maquiavel, em sua profunda racionalidade, tomou como tarefa específica relacionar as variações das opiniões dos homens às variações correspondentes em seus interesses. De acordo com sua prescrição de medicina forte para toda subjetividade das partes interessadas em uma controvérsia. Maquiavel parecia estar explicitando e estabelecendo como regra geral do pensamento o que estava implícito no adágio (sentença moral) de seu tempo. MANNHEIM, Karl, Ideologia e utopia. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1986. p. 89. TEXTO 2 - DURKHEIM E O MÉTODO SOCIOLÓGICO Durkheim deslocou o problema para um terreno estritamente formal, único em que ele poderia ser estabelecido em uma ciência em plena formação. Uma observação bem feita em geral deve muito a uma teoria constituída, mas ela não é o produto necessário dos conhecimentos já obtidos. Ao contrário, representa a via inevitável para a consecução destes. Daí a conclusão lógica: os sociólogos se beneficiarão das teorias à medida que a investigação sociológica progredir. Até lá, e mesmo depois, precisam saber proceder a descrições exatas, a observação bem feita e, em particular devem aprender a extrair, da complexa realidade social, os fatos que interessam precisamente à Sociologia. Para atingir esses fins, não necessitam de uma teoria sociológica, propriamente falando. Mas, de uma espécie de teoria da investigação sociológica, o que é outra coisa e presumivelmente algo exeqüível e legítimo. Nesse sentido (e não em um plano substantivo), é que a Sociologia poderia aproveitar a lição e a experiência das ciências mais maduras, transferindo para o seu campo o procedimento científico usado nas ciências empírico-indutivas de observação ou experimentais. Isso seria fácil, desde que a ambição inicial se restringisse à formulação de um conjunto de regras simples e precisas, aplicáveis à investigação sociológica dos fenômenos sociais. Do que foi exposto concluiu-se que Durkheim se propôs a tarefa de realizar uma teoria da investigação sociológica. De fato, ele empreendeu tal tarefa. E foi o primeiro sociólogo que conseguiu atingir semelhante objetivo, em condições difíceis e com um êxito que só pode ser contestado quando se toma uma posição diferente em face das condições, limites e ideais de explicação científica na Sociologia. FERNANDES, Florestan. Fundamentos empíricos da explicação sociológica. Rio de Janeiro: Ed. LTC, 1978. p. 89. 23 24 UNIDADE II SOCIALIZAÇÃO ADE E SOCIED ADE SOCIALIZAÇÃO,, COMUNID COMUNIDADE SOCIEDADE 2 .1- Socialização a) A Perpetuação da Sociedade pela Socialização • A sociedade sobrevive aos indivíduos que a compõem. • Socialização é o processo pelo qual os “novatos” de uma sociedade são preparados para o convívio, para adquirir os modos de vida que essa sociedade elaborou através de sucessivas gerações. • Patrimônio cultural – modos de vida de uma sociedade: tecnologia, costumes, técnicas de comunicação social, crenças, sentimentos e formas de expressão. •A socialização envolve a aquisição de conhecimentos, de hábitos e de sentimentos próprios da sociedade. Ou seja, é preciso aprender a utilizar os conhecimentos a serviço dos objetivos que a sociedade preza. • Há padrões sociais que quase todos sabem, sentem e praticam (universais), porém, há outros que pertencem a determinadas categorias da população (especiais). • Padrões alternativos - modos de agir nãoobrigatórios, entre os quais os indivíduos podem escolher (ex: cortar cabelo ou barba, etc.). b) A Formação da Personalidade pela Socialização • No processo de socialização, o homem simultâneamente tornar-se membro útil da sociedade, e pessoa social, no contexto daquela determinada sociedade e cultura. • A personalidade tanto tem conteúdo social como se forma num processo social; ela tem um substrato físico moldado pela influência de outra pessoas que, por sua vez, funcionam como intermediários da sociedade e da cultura. • A socialização é um processo cumulativo em que novas aquisições não apagam as anteriores, mas se integram no sistema pessoal já existente. c) Mecanismos Sociais de Socialização São três os fatores de socialização: a) Educação – os mais velhos impõem aos mais novos os ensinamentos, por meio da persuasão, sugestão ou coação. b) Experiências sociais – o que se vê, ouve, etc. colabora para a sua socialização, aprendendo a apreciar certas coisas e detestar outras, a amar, a desprezar, etc. (aquisição de sentimentos). c) Participação em atividades sociais – fazendo é que se adquire, não apenas hábitos, mas também, conhecimentos sólidos. 2.2 – Comunidade e Sociedade: conceitos e características a) Conceitos a) “Comunidade” e “Sociedade” são, às vezes, usados como termos antitéticos, referindo-se, este, à associação de pessoas movidas por interesses individuais, por laços contratuais ou quase contratuais, enquanto que aquele designa a fusão de pensamentos e sentimentos num todo que supera as individualidades. Esta terminologia é inconveniente, embora a idéia que exprima seja correta, mas formulada com outras palavras. Note-se, aliás, que o inconveniente foi provocado pela tradução inadequada de vocábulos alemães (empregados por F. Tonnies e M. Weber), os quais correspondem melhor aos termos comunhão e associação. b) De acordo com a literatura mais moderna, vamos entender por comunidade um conjunto de pessoas que encontra numa determinada área geográfica, em que convive, satisfação de quase todas as suas necessidades sociais. Assim entendido, são comunidades: uma aldeia ou vila, um conjunto de sítios dispostos ao redor de uma capela, escola, venda, etc., uma cidade pequena ou grande. Certos autores estendem o conceito mesmo a nações inteiras. Parece mais útil, entretanto, o seu uso restritivo, como denominação de unidades sociais que façam parte de outras maiores, chamadas sociedades. c) O termo sociedade é ambíguo, por outro motivo além do já citado, pois, por um lado, dizemos que vivemos “em sociedade” e, em outros contextos, referimo-nos a uma ou a várias sociedades. No sentido mencionado em primeiro lugar, trata-se de uma nação abstrata. Ou seja, da organização dos indivíduos mediante interação social organizada. Quando, ao contrário, falamos de uma ou de várias determinadas sociedades, temos em mente coletividades concretas de pessoas reais. O conceito que aproxima-se, então, do de “comunidade” significa um conjunto de pessoas que convive em determinado território. Quando este conjunto é muito pequeno (uma tribo isolada de índios), a “sociedade” confunde-se com a comunidade; quando é grande, aquela inclui numerosas “comunidades”. b) Características das Sociedades Um conjunto de fatores importantes faz-nos distinguir o conceito de sociedade dos de “comunidade” e “grupo”. São os seguintes: a) A duração temporal de uma sociedade ultrapassa o período de vida dos indivíduos componentes. A maioria dos grupos sociais tende a ter existência temporária, mesmo quando sobrevivem por muito tempo. Isso não era previsto com qualquer grau de segurança. Em qualquer fase da sua história, firmas comerciais, associações políticas ou recreativas orgulham-se de sua continuidade, às vezes secular, mas podem encerrar suas atividades da noite para o dia. Certas famílias tornam-se verdadeiramente históricas, mas para chegar a tanto, tiveram que enfrentar numerosas crises e resolvê-las, sempre a curto prazo. As sociedades, ao contrário, parecem-nos eternas, sem que façamos muito por isto e sem que achemos necessário um esforço especial para mantêlas. As sociedades podem mudar profundamente o seu tipo de organização, mas são raras, e nunca previsíveis, as imensas catástrofes em que possam perecer. b) A sociedade é multifuncional, isto é, ela não serve à satisfação de certas e limitadas necessidades Isso ela tem em comum com outras formas de vida social (a família, a comunidade), mas é um atributo indispensável à sua definição. c) Ela é tal como a comunidade, um grupo local, ou seja, localizado em determinado território, com cuja extensão os seus limites coincidem, pelo menos, aproximadamente (há, às vezes, faixas cuja atribuição a uma ou outra sociedade é incerta, mormente quando limites nacionais não são idênticos com os da distribuição de outros fatores não-políticos). d) Em virtude da ação conjunta das características anteriormente citadas, as sociedades têm cada qual, sua cultura peculiar. Desempenhando múltiplas funções para muitas pessoas que residem próximas uma às outras, e isso por tempo que abrange muitas gerações. As sociedades criam e perpetuam os seus padrões de comportamento, porque estes formam conjuntos de modos de ajustamento a circunstâncias relativamente estáveis, e que se modificam, em geral, apenas paulatinamente. As comunidades menores têm, também, as suas culturas, mas estas são subculturas no contexto da cultura da sociedade a que pertencem e distinguemse entre si por trações geralmente menos importantes do que aquelas que diferenciam uma sociedade de outra. Outros grupos podem ter algo parecido com uma “cultura’, com as mesmas restrições mencionadas em relação às comunidades e ainda acentuadas pela menor duração no tempo. 2.3 – Tipos de Sociedades Assim como as sociedades que diferem em muitos pontos são múltiplas, igualmente são diferentes as maneiras pelas quais podem ser classificadas. As classificações mais importantes, sociologicamente, são evidentemente aquelas feitas com base em características que repercutem em grande parte da organização e estrutura social. Apresentaremos algumas freqüentemente mencionadas por sociólogos. a) Um povo possuir, ou não, linguagem escrita influi decisivamente na extensão e flexibilidade do seu sistema de comunicações e na natureza e amplitude do patrimônio cultural que consegue transmitir de uma geração à outra. Os povos letrados podem comunicarse com pessoas ausentes muito mais perfeitamente que os iletrados, e a tradição e o desenvolvimento gradativo dos conhecimentos científicos não podem passar de proporções relativamente modestas quando não é possível fixar graficamente grande número de fatos, 25 26 fórmulas e teoremas cuidadosamente redigidos. Assim, o tamanho da sociedade e a complexidade de sua cultura dependem, em parte, da escrita. Muitas outras diferenças entre povos letrados e iletrados decorrem direta ou indiretamente disso. Basta pensarmos numa tribo de índios e na nossa sociedade moderna para encontrarmos inúmeras diferenças que se relacionam com este fator. b) Sociedades podem ser simples ou complexas, independentemente de terem ou não escrita. A ausência desta, limita, evidentemente, a complexidade possível, mas por outro lado, sociedades letradas podem ser bastante simples. Um dos mais importantes fatores de complexidade é a divisão do trabalho social. Alguma divisão social do trabalho sempre existe, seguindo as linhas de sexo e idade, mas ela assume proporções maiores e leva a conseqüências cada vez mais profundas para a estrutura da sociedade, à medida que homens e mulheres, jovens e velhos subdividem as suas funções. Isso costuma começar pelo aparecimento de especialistas em magia e em relações com os poderes sobrenaturais e vai até a complexidade da nossa sociedade atual com suas incontáveis especializações. c) Comparando várias sociedades coexistentes, ou uma mesma sociedade em diferentes fases da sua vida, notamos que podem ser muito diferentes os graus de estabilidade da sua vida social. Em umas, os padrões de comportamento social pouco ou nada mudam duma geração para outra; o curso da vida de cada indivíduo pode ser previsto desde o início com bastante segurança, no que concerne às posições que irá ocupar e às responsabilidades que irá assumir. A sociedade como um todo e cada uma das suas comunidades componentes recrutam os seus membros no seu próprio seio, mediante nascimento e educação (ou mais propriamente: “socialização”). Ao lado de tais sociedades estáticas, há outras em que leis e costumes mudam tão rapidamente que os indivíduos não os concebem como um enquadramento inalterável do seu comportamento; cada pessoa abre o seu caminho na vida, e pouco seguras são as previsões que se podem fazer quanto ao que cada um fará e sofrerá no futuro; a migração do estrangeiro, em várias regiões do país, altera constantemente a composição das comunidades, introduzindo elementos humanos para quem não existe um “lugar” previamente reservado e que, portanto, precisa procurá-lo em meio de insegurança maior ainda do que os naturais da terra. Em relação ao Brasil, costuma dizer-se com alguma razão que, de sociedade estática passou à dinâmica, a partir de certo momento histórico, identificado, por simplificação, com a revolução de 1930. d) Uma modalidade de mudança sociocultural, que tem recebido merecida atenção nas duas últimas décadas, é o chamado desenvolvimento. Trata-se da transformação de sociedades estáticas pela adoção de tecnologia moderna em benefício do nível geral do padrão de vida da população. Os países tecnologicamente mais adiantados, onde a repercussão social dos recursos técnicos é grande, são chamados desenvolvidos; os mais atrasados, mas que aspiram ao desenvolvimento, denominam-se subdesenvolvidos; daqueles que ainda devem ser considerados subdesenvolvidos, mas onde a “modernização” está se processando com muita rapidez (provocando geralmente desajustamentos socioculturais sérios), diz-se que estão em desenvolvimento acelerado. É preciso notar, entretanto, que não há linhas divisórias nítidas entre estas categorias, mesmo porque alguns países altamente desenvolvidos incluem áreas subdesenvolvidas, e em países subdesenvolvidos algumas regiões podem já estar desenvolvidas ou, pelo menos, encontram-se em desenvolvimento acelerado. e) Quase sempre o que consideramos uma “sociedade” corresponde a um estado, isto é, é regido por um sistema de poder político. A natureza deste é sumamente importante para o funcionamento dos demais setores da vida social. No presente contexto convém, apenas, antecipar a distinção entre regimes políticos livres e totalitários. Nestes, o governo tende a impor muitos padrões de comportamento, transformando em lei (ou decreto) o que em sociedades livres é moral ou costume, nascidos do consenso espontâneo dos cidadãos. Também neste caso não há uma linha divisória clara, qualquer sociedade aproxima-se mais de um ou outro extremo, segundo os limites estabelecidos à penetração da ação governamental na vida social. Na sociedade totalitária pura não há limite algum, a não ser aquele que o próprio governo considere conveniente observar; na sociedade livre, o estado deve restringir-se, segundo o ideal extremo do liberalismo do século passado, à nutenção da ordem. 2.4 – As Instituições Sociais Por instituição social há de entender-se, como Fairchild, uma configuração de conduta integrada, duradoura, organizada no meio social. Não é muito diverso o que nos diz Donald Pierson, ao estabelecer que as instituições envolvem sempre um conceito, idéia ou interesse e mais uma estrutura de rituais e funcionários para concretizá-lo. De certo modo, comparando-as com o que Durkheim denominou de fatos sociais veremos que as instituições seriam aqueles fatos sociais mais importantes, exigentes e duradouros. Instituição seria assim, uma espécie do gênero fato social, diferindo essencialmente pela maior rigidez da primeira e, consequentemente, mais rápida a solução deste. Como muitas das instituições constituem um grupo, ou uma associação, tende-se a supor que toda instituição desenvolve a forma grupal. a) A família - uma das instituições básicas da maioria dos tipos de sociedade é a instituição da família. Instituição chave, ela é na verdade um feixe ou molho de instituições: casamento, dote, parentesco, mono ou poligamia, endo ou exogamia, concubinato, filiação, divórcio, desquite, regime conjugal de bens, são algumas das muitas instituições ligadas à instituição maior da família. Por esta sua significação sociológica, o estudo da família mereceu da sociologia a constituição de um ramo da sociologia especial por isso denominado de sociologia doméstica. b) A escola - embora a família se incumbisse outrora da educação e até da instrução da sua prole, desde que uma determinada atividade reunisse os requisitos de certa complexidade e distância do ambiente doméstico, que a educação formal – a escola – fez sua aparição no meio social. Ela é assim, por excelência, a agência encarregada da educação formal dos indivíduos. Entretanto, não só a escola em seus vários níveis – pré-primário, primário, secundário, universitário, pós-graduado – se ocupa de educar. Outras instituições e agências existem que, embora não tenham uma tarefa educacional como dominante, também exercem alguma função educativa. A empresa comercial ou industrial, a igreja e o partido político estão entre aquelas instituições que exercem significativa tarefa educacional. O mesmo há que ser dito dos meios (mass media) de comunicação de massas (mass comunication) como a imprensa, o rádio, o cinema a televisão. c) A igreja - um dos fenômenos universais da cultura é a religião. A finalidade social que ela procura é, como bem observou Max Scheler, a salvação individual do homem na dimensão da ultratumba, e essa crença na sobrevivência do espírito humano é quase tão velha quanto à própria humanidade, não sendo raros os achados arqueólogos da pré-história que podem comprovar que dela participavam nossos “irmãos” trogloditas. A corporificação de uma religião é a Igreja. A Igreja é a estrutura social de uma religião. Todos os elementos sociais de uma religião são aspectos de sua correspondente igreja. d) O Estado - inclui o governo e os governados, abrangendo todas as pessoas dentro de um território definido, como membros de um governo soberano, cidadãos ou súditos, cujas ações são controladas por ele. Povo refere-se a um agrupamento humano com cultura semelhante (língua, religião, tradições) e antepassados comuns. Nação é um povo fixado em determinada área geográfica. Para alguns autores seria um povo com certa organização. Para que haja uma nação é necessário haver um ou mais povos, um território e uma consciência comum. Estado é uma nação politicamente organizada. É constituída, portanto, pelo povo, território e governo. Engloba todas as pessoas dentro de um território delimitado - governo e governados. 2.5 - A vida em Sociedade a) Grupo Social Um grupo não é apenas a soma de indivíduos, mas sim um conjunto que nasce, adquire a sua própria individualidade e, como pessoa, evolui. Nesse caso, quanto mais diferentes os indivíduos, mais possibilidades têm de transmitir uns aos outros as suas experiências. Se tivermos consciência disso, o grupo sairá fortalecido pela troca e pela participação de cada um no crescimento do outro. Do contrário, estaremos contribuindo para que o nosso ambiente se transforme num palco de “estrelas” e rejeitados. Viver em grupo é importante para o homem. Conviver é uma aprendizagem que deve ser desenvolvida o mais cedo possível. A postura dos integrantes do grupo deve estar pautada, primeiramente, na humildade, e estar sempre consciente de que a participação de cada um é tão importante quanto a de qualquer outro. A vida em grupo sempre beneficiou a sociedade, ainda mais quando o respeito é incentivado pela educação. A convivência estimula o conhecimento, colocando os erros e os acertos a serviço do fortalecimento moral dos seus integrantes, selecionando as atitudes que certamente darão os subsídios necessários à formação de um grupo forte e unido, que deve ser a base do seu crescimento. 27 28 Michel Quoist diz que “em volta dos buracos os arames dão-se as mãos. Para não romper a roda, apertam com muita força o punho do companheiro: e assim é que, com buracos, conseguem fazer uma cerca”. Sugere ainda uma oração para o grupo: Senhor, na minha vida há uma porção de buracos. Há vazios também na vida dos meus vizinhos, mas, se quiserem, vamos dar-nos as mãos, apertar bem com força e, juntos, fazer um belo rolo de tela e arrumar o paraíso (In: LENHARD, 2004:76). b) Contato Social O contato social entre indivíduos e grupos dá-se sob múltiplas formas, constituindo estas os denominados processos sociais. Basicamente, podemos dizer que há duas formas de atuação dos homens em sociedade: a cooperação e a oposição, que só se apresentam raramente em suas formas puras. Com efeito, em qualquer relação do tipo cooperativo existem, latentes ou expressos, alguns fatores de oposição, enquanto que no processo de oposição também é preciso que estejam presentes algumas formas de cooperação para que o próprio conflito seja possível. A sabedoria popular, aliás, expressa muito bem isso no dito: “quando um não quer dois não brigam”. As formas predominantes de relações sociais de um determinado grupo constituem os seus processos sociais básicos. Estas, embora apresentem em todos os grupos certas características comuns – daí serem considerados como universais – expressam-se, na prática, de modos diferentes de uma sociedade para outra e também entre grupos dentro de uma mesma sociedade. Há inclusive grupos que enfatizam determinados processos enquanto outros mal conhecem, dando preferência a modos distintos de atuação social. Há sociedades eminentemente competitivas e outras predominantemente cooperativas. Algumas mais conflitantes, enquanto outras são mais amistosas e assim por diante. Além disso, o mesmo processo de competição, cooperação ou conflito, pode obedecer a normas distintas, de grupo para grupo. Por exemplo, a competição entre os habitantes de Nova York pauta-se por normas, objetivos e valores muito distintos daqueles que existem num mosteiro trapista ou numa tribo africana. Por isso que, ao falarmos em processos sociais básicos, devemos ter em mente que tais processos têm lugar em sociedades distintas, obedecendo a modelos particulares que variam em função das condições socioculturais de cada grupo. Os processos básicos mais comumente considerados no estudo da Sociologia Contemporânea são a cooperação, a competição, o conflito, a acomodação e a assimilação. c) Interação Social Literalmente, interação significa ação recíproca entre dois objetos. É um processo no qual se acham constantemente envolvidos todos os seres da natureza, embora não tenham consciência disto: as plantas, os animais e os próprios minerais estão sempre interagindo entre si e com o meio no qual se acham inseridos. Tal processo pode durar milhares de anos (a transformação da árvore morta em carvão), como pode ser instantâneo (a explosão de bomba atômica). É dele que derivam todas as transformações e toda a renovação que fazem do Universo algo em movimento permanente. O velho Heráclito - filósofo grego - já afirmara: “tudo muda, tudo se transforma, ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”. A interação social, embora possa ser entendida como ação recíproca, semelhante àquela que se processa entre os seres não-racionais, tem como característica o fato de que tal ação é consciente, implicando não apenas em modificação de comportamento como também em autoconhecimento desta modificação. Sorokin assim definiu interação social: “todo o evento com que se manifesta, em um grau tangível, a influência de uma parte sobre as ações exteriores ou estados mentais de outra” (In:LENHARD, 2004:53). Quando o citado autor nos fala em grau tangível de influência (unilateral ou mútua), significa que a interação só pode ser considerada como tal, quando for passível de observação, quando nos fala em ações exteriores ou estados mentais. Significa que o caráter da interação não se limita ao plano objetivo, mas envolve o plano mais subjetivo do psiquismo individual, que também é atingido pelas ações dos indivíduos com os quais interagimos. A referência ao sentido da interação prende-se ao fato de que o modo como uma parte influi sobre outra possui um valor ou uma significação que se sobrepõe às qualidades meramente físicas ou biológicas das ações correspondentes. A ausência deste sentido tira da interação a característica de fenômeno sociocultural para reduzi-lo a mera ação física ou biológica. Na convivência humana, podemos dizer que este sentido da interação apresenta-se com um grau maior ou menor de intensidade, dependendo do tipo de contato que ocorra. Por exemplo, duas pessoas podem sentar-se lado a lado em um ônibus, para uma viagem rápida e neste caso, tende a ser mínima a influência de uma sobre a outra. O sentido da interação social aí é quase nulo, embora esteja presente o aspecto da interação física, que se expressa no espaço que cada um pode sofrer por parte do vizinho, etc. O mesmo acontece num cinema, na praia, em um supermercado onde os indivíduos podem estar lado a lado, como frente a frente sem que tal contato chegue a afetá-los de modo sensível. Este tipo de relação é comum principalmente nos grandes centros urbanos: nos locais freqüentados por muitas pessoas estranhas, nos meios de transporte urbano, etc. De um lado, podemos ter processos de interação carregados de um profundo sentido e que afetam intensamente as partes, não só nas suas ações exteriores, como também em seus estados mentais: uma conversa entre dois amigos que há muito não se viam; a despedida de dois apaixonados; a mãe que leva, pela primeira vez, o filho à escola; o povo que ouve, empolgado, a fala de seu líder; são alguns exemplos de processos de interação carregados do mais profundo sentido psíquico e social (social aí usado no sentido do que transcende ao individual). d) Isolamento Social Define-se isolamento social como sendo a ausência de qualquer forma de contrato de um indivíduo com os outros seres de sua espécie. No sentido absoluto do termo, é impossível conceber-se um indivíduo que viva em condições de total e permanente isolamento. Mesmo os casos de “meninos-lobo” descritos pelos antropólogos nos indicam que essas crianças devem ter conhecido um período ainda que reduzido, de convivência com algum ser humano (provavelmente, a mãe), pois em caso contrário não teria havido para eles condições mínimas de sobrevivência. Portanto, o isolamento social deve ser visto como uma ausência relativa de interação, nunca no sentido absoluto. A literatura deu-nos a conhecer uma figura clássica que é sempre citada como exemplo de isolamento social: Robinson Crusoé, o imortal personagem criado por Daniel Defoe. Mesmo neste caso, é importante acentuar que a solidão do herói foi muito amenizada, na medida em que ele era portador de uma cultura bastante complexa, que lhe permitiu enfrentar com êxito as dificuldades de um meio totalmente estranho. Também é interessante lembrar que, após as primeiras aventuras do náufrago solitário, o próprio autor introduziu no seu consagrado romance um outro personagem humano – o “Sexta-feira” –, a fim de dar nova motivação à história, que cairia fatalmente no desinteresse para o público leitor, se Robinson continuasse até o final na condição de herói solitário. A sociedade humana parece ter sempre atribuído à convivência social uma grande importância, visto que, na maior parte dos grupos com algum esboço de organização, a punição máxima prevista para os violadores do costume ou da lei é o isolamento ou a segregação do grupo. O ostracismo, para os antigos gregos, era uma pena comparável à perda da vida, visto que tirava o homem de seu contexto político, de seu “meio cultural” – dentro da visão grega – para lançá-lo num mundo estranho, onde estava condenado a perder sua individualidade, ao mesmo tempo em que perdia sua categoria de cidadão. A prisão é outro exemplo de punição que a sociedade reserva para aqueles que atentam contra os seus princípios. Neste caso, o indivíduo é impedido – temporária ou definitivamente – de conviver com a parte considerada “sadia” da sociedade, sendo obrigado a viver junto àqueles que, como ele, foram postos à margem do grupo. Lembremos ainda que, neste caso, quando os detentos infringem os regulamentos da prisão, é costume mandá-los para a solitária, por ser a forma extrema do isolamento, aquela que pune o homem ao máximo, diante de si mesmo e da coletividade. A pena de morte, neste sentido, pode ser entendida como o isolamento total e definitivo, em relação ao grupo, daquele que demonstrou, por sua conduta criminosa, não possuir condições mínimas de participar da vida social, mesmo limitada às grades de uma prisão. A supressão da vida é aí a própria supressão definitiva, em grau irrecorrível de toda e qualquer forma de convivência social. É tão grande a nossa reação ao isolamento social que muitas vezes os indivíduos mais solitários são levados a uma forma substitutiva de interação com seres irracionais (plantas ou até objetos), transferindo para estes o afeto, o carinho e o cuidado que não lhes é permitido demonstrar para com seres de sua espécie. Eles, por assim dizer, humanizam, antropomorfizam o cão, o gato, a plantinha no vaso, e com estes mantém verdadeiros “diálogos”, em que a solidão é amenizada e as necessidades sociais do homem são satisfeitas. Tal transferência ocorre com muita freqüência em relação a indivíduos que são obrigados a viver longo tempo em isolamento (presidiários, faroleiros, pastores, etc.). Mesmo nas sociedades mais modernas, isso pode ocorrer com indivíduos que moram sozinhos em grandes habitações coletivas. A solidão afeta tão seriamente o equilíbrio mental e emocional dos indivíduos que não são raros os casos de melancolia profunda, loucura e até suicídio a que são levados pelo desespero de se sentirem isolados dos outros seres humanos. Quanto ao isolamento dos grupos sociais vivendo sem condições de contato ou comunicação com outros grupos, também cabe lembrar que seus efeitos são os mais nocivos, determinando empobrecimento cultural, estagnação e rigidez das estruturas, tudo isso refletindo-se em uma grande resistência a qualquer sorte de mudança, mesmo aquelas que são tentadas com o objetivo de melhorar suas condições materiais de vida. Desde os tempos mais remotos, viajantes e exploradores vêm observando as diferenças de comportamento e de mentalidade entre grupos que 29 30 vivem isolados em ilhas ou montanhas e outros, diversamente, vivendo em portos ou comunidades próximas umas das outras, em freqüentes contatos com grupos diferentes. Nestes últimos há uma tendência em aceitar de bom grado as influências culturais vindas de fora, os costumes tendem a ser menos rígidos e a estagnação cultural não é conhecida. e) Controle Social Chamamos de controle social a soma de processos que a sociedade lança mão para obter dos indivíduos e grupos que a constituem uma conduta enquadrada nas expectativas gerais de comportamento. É em torno destas expectativas que se organiza a nossa vida de relação, isto é, nossa conduta está basicamente condicionada por aquilo que o grupo espera de nós. As respostas às expectativas do grupo surgem na criança, a partir de seus contatos iniciais com a família, logo nas primeiras semanas de vida, muito embora, na maioria das vezes nem mesmo os adultos tenham consciência do significado profundo desta fase de iniciação social. Quando, por exemplo, a criança, movendo naturalmente os músculos da face, nos apresenta uma careta que a mamãe ansiosa toma por expressivo sorriso, os aplausos, a aprovação do pequeno grupo familiar já consagram aquela contração muscular, que, aos poucos, irá deixando de ser um mero reflexo de tipo incondicionado, para se transformar numa reação realmente consciente às expectativas do grupo e, finalmente, numa expressão real dos sentimentos humanos da criança. Assim, um ato que ao leigo parece fundamentalmente instintivo, como é o riso, é algo socialmente aprendido através do contato social. A partir daí, aos poucos, a criança irá aprendendo que há momentos em que se deve rir e outros em que se precisa ficar sério; que há uma forma de rir, socialmente aprovada, e outra mal vista e censurada pelo grupo; que há risos que ofendem e risos que agradam, tudo isso, transmitido de maneira imperceptível para ela, mas nem por isso menos eficaz em seus resultados. Durante todos os momentos de nossa vida, mesmo quando estamos sós, nosso comportamento obedece a certos estímulos que não nasceram conosco, mas que chegaram até nós através do contato social. Durkheim atribuía tanta importância a esta coação do grupo sobre os indivíduos que chegou a caracterizar o fato social pela coercitividade, isto é, pela pressão que o social exerce sobre as consciências individuais. O estudo pormenorizado dos mecanismos de controle social e de suas formas de atuação é da maior importância para o professor do Ensino Fundamental e Médio, entretanto, tem sido um ponto bastante descuidado pela maior parte dos programas de Sociologia nas faculdades de Educação e nas escolas normais. Se analisarmos os modos pelos quais se expressa esta necessidade de amoldar a conduta dos indivíduos às regras do jogo social, veremos que o controle social atua sob uma infinidade de formas, as quais se manifestam com diferentes graus de intensidade, desde os usos mais corriqueiros, seguidos pelos costumes solidamente implantados no grupo, até às instituições e às leis, podendo estas últimas atingir formas de extrema violência, inclusive a prisão perpétua e a própria pena de morte. A existência desta gradação, na aplicação do controle social, levou muitos sociólogos a classificar seus diferentes tipos em dois grandes grupos: a) controles do tipo persuasivo b) controles do tipo coercitivo Entendemos por controles persuasivos todos os meios de que o grupo lança mão para impor suas exigências sem recorrer ao uso da força ou da violência ostensiva. A maior parte das técnicas que se enquadram neste tipo são usadas inconscientemente pelo grupo e seu ajustamento a elas também se faz de modo inconsciente. Por exemplo, quando a mãe de uma jovem recomenda-lhe que não chegue tarde da noite em casa, porque os vizinhos podem murmurar, nem a mãe nem a filha têm consciência de que está em jogo uma das mais velhas técnicas de controle social, baseada no medo ao “falatório”, ao “mexerico” capaz de difamar a jovem e torná-la indesejável aos olhos do grupo. Os provérbios, os ditos populares, de tão largo uso entre as camadas populares, são outro exemplo de um mecanismo de controle social persuasivo, através do qual as pessoas mais simples vão buscar, na tradição oral, respostas às questões de difícil solução no plano da explicação teórica. Postos em uma situação para a qual não tem nenhuma resposta válida, em termos de experiência anterior, estas pessoas tendem a recorrer aos provérbios e máximas, que são fórmulas simples e aparentemente eficazes de enfrentar aquela situação. Por exemplo, quando não conseguem compreender uma injustiça flagrante de que foram vítimas, seja por parte de um parente, de um chefe, de uma autoridade ou do próprio destino, podem encontrar conforto no velho dito “Deus escreve direito por linhas tortas” ou então, “Deus sabe o que faz” e outros similares. É interessante acentuar o caráter claramente conservador e conformador da maior parte destes ditados, que se propõem, em última análise, a possibilitar uma forma de racionalização para situações que não sabemos ou não podemos controlar. “Quem nasce pra dez réis não chega a vintém”; “não suba o sapateiro além da chinela; “quando a esmola é demais o pobre desconfia”; “em terra de cego quem tem um olho é rei”; “quem semeia ventos colhe tempestades”, são alguns exemplos que bem confirmam o sentido conformista que os provérbios procuram imprimir à maior parte de nossos conflitos interiores. Também no plano da educação, está o folclore cheio de ditos populares que expressam as crenças sociais construídas a partir da experiência acumulada e que muito ajudaram pais e educadores de outros tempos quando os conhecimentos da Psicologia ainda não tinham chegado até eles. Como exemplos de ditados ligados ao processo educacional, podemos lembrar: “é de pequeno que se torce o pepino”; “quem dá o pão dá o castigo” “dize-me com quem andas que te direi quem és”, etc. Uma área da vida social que bem nos permite compreender como as técnicas de controle social estão intimamente relacionadas com os estilos de vida dominantes é a passagem de indivíduos e grupos do meio rural para o meio urbano. Nas condições da sociedade brasileira de nossos dias, tal passagem temse feito com uma certa violência, impedindo que muitos indivíduos se ajustem com a necessária rapidez às novas exigências. Por isso, é comum surgirem problemas decorrentes da pretensão – às vezes expressa com violência – por parte de muitos emigrantes do meio rural, de fazerem valer na “urbs” os mesmos padrões de comportamento vigentes no seu “habitat” anterior. Para evitar os conflitos resultantes do encontro de diferentes padrões de comportamento, impõe-se, na vida urbana, um semnúmero de prescrições, não baseadas no costume nem na tradição, mas que são da maior importância de serem reconhecidas e cumpridas. Os regulamentos, os estatutos, os regimentos internos, os códigos, são permanentemente invocados nos centros urbanos, ao passo que são praticamente ignorados nos meios rurais. cujo contato social não foi ditado pela vontade, mas sim forçado pelas circunstâncias. Neste caso, quando os mecanismos de controle de tipo persuasivo perderam sua eficácia, tendem a ser invocados os de tipo coercitivo. Estes caracterizam-se pelo uso, não da sugestão ou da argumentação, mas da força e da violência. Nos grupos primários, tais como a família e os grupos de brincadeira, as formas de controle mais espontâneos são, em geral, suficientes para manter os indivíduos dentro dos padrões mínimos exigidos pelo grupo. Esta afirmação é particularmente real nas condições de vida da sociedade tradicional, agrária, em que os grupamentos sociais podiam ser vistos quase como uma família ampliada e as aberrações de conduta eram particularmente esporádicas. Então, só de raro em raro, se era obSSrigado a apelar para a violência, visto que o costume, a tradição e o princípio da autoridade eram, em geral, suficientes para manter a unidade do grupo. Porém, à medida que a urbanização como estilo de vida foi-se impondo, os líderes sociais foram tomando consciência da ineficácia crescente daquelas técnicas persuasivas. Cada vez mais se impunha a invenção e a aplicação de novos instrumentos de controle social específicos para a vida em grandes aglomerados. As habitações coletivas, os edifícios de apartamentos, o trabalho realizado em conjunto por grupos heterogêneos, a freqüência cada vez mais generalizada a espetáculos públicos, numa palavra, todas as manifestações da sociedade de massa, têm obrigado a uma reformulação constante dos esquemas ligados ao controle do comportamento social. Nos edifícios de apartamentos das cidades grandes, temos freqüentes experiências relacionadas com indivíduos ou famílias de origem rural recente, que acreditam poder reproduzir nos centros urbanos a mesma conduta que tinham na vila de origem. Insistem, por exemplo, em criar animais, os mais estranhos aos hábitos da cidade (jaguatirica, tartaruga, papagaios, macacos, etc.); acham legítimo fazer barulho a qualquer hora da noite, ouvem aparelhos sonoros em alto volume, cultivam verdadeiros jardins e hortas nos exíguos parapeitos das janelas, manifestando em tudo um absoluto desprezo pela segurança e pela tranqüilidade dos demais moradores, mas guardando velhos hábitos de seu lugar de origem. Ainda hoje, esta diferença entre o estilo de vida urbana e rural é notada pelo urbanista ou morador da cidade que, indo a um lugarejo do interior, se espanta com o pouco cuidado que se tem com portas e janelas abertas, com objetos ao alcance dos passantes e com a cordialidade ostensiva com que somos saudados, mesmo por aqueles que desconhecem nossa identidade. Reciprocamente, choca ao nosso homem do interior o clima de desconfiança que ele respira na cidade. O olho-mágico, a tranca e o pega-ladrão na porta dos apartamentos são um testemunho sempre presente desta desconfiança, que se impõe como regra de conduta. Como neste caso os mecanismos de controle persuasivo funcionam deficientemente, impõem-se a necessidade de fazer valer os meios de controle ostensivo, tais como a presença do síndico e até mesmo da radiopatrulha. Tais experiências repetem-se e são fonte permanente de atritos, no trabalho, nos transportes, na recreação, em todas as oportunidades que se acham ligados por nenhum laço de simpatia e Se alguém nos aborda na rua, nossa primeira reação é de esquiva ou de medo, pois sabemos, por experiência própria ou alheia, que de um estranho se deve esperar sempre atitudes negativas. Basta ver o orgulho com que o morador de apartamento gosta de contar que vive ali há tantos anos e nem sequer sabe o nome do vizinho que mora ao lado. Tal situação em uma cidade pequena ou em uma vila seria absolutamente 31 32 impossível. Ali, a primeira preocupação que o grupo manifesta em relação a um forasteiro é de identificá-lo e descobrir sua origem (geográfica e social); tal conduta, que a nós pode parecer estranha, tem para aquele grupo um sentido profundo; ela significa que a convivência só é possível quando existem expectativas mútuas de comportamento bem definidas, e para tanto é preciso que os “socii” se conheçam suficientemente bem. Isso explica a desconfiança existente, no interior, em relação ao caixeiro-viajante, que representa justamente, o “out-group”, o homem em quem não se deve confiar porque não está ligado por nenhum laço mais profundo à comunidade. Nesta, o estranho é a exceção, enquanto na cidade ele é a regra. Outra atitude típica do provinciano é a de identificar e catalogar os indivíduos a partir de sua origem familiar. Assim, quando se quer dar uma informação definitiva a respeito de alguém, diz-se: é filha de fulano, neto de sicrano, sobrinho de beltrano, etc. Isso se explica pela importância que tem, neste contexto, os laços de sangue, que implicam em um compromisso tão estreito com o grupo que muitas vezes chegam a funcionar melhor que qualquer outro argumento para impor uma atitude socialmente aprovada. A tradição familiar tem ali uma força tão grande que é capaz de separar para sempre corações apaixonados, de manter unidos outros que os laços afetivos já desapareceram, de negar vocações que pareciam insopitáveis, de encaminhar para certas profissões pessoas que espontaneamente não as teriam escolhido, enfim, de criar um clima em que a área de decisão individual fica extremamente reduzida, em benefício das expectativas do grupo e, principalmente, das gerações mais velhas. Já nos centros urbanos maiores, esta influência familiar, embora exista, é muito menos forte e atuante. Na presença de outros fatores, ela tende a se diluir, ampliando-se a área de decisão individual, em detrimento da opinião do grupo familiar. Não é sem razão que um dos temas mais gratos àqueles que defendem a manutenção do “status quo” social é o protesto constante contra o que eles chamam de “desagregação da família” e que, do ponto de vista da Sociologia, tende a ser visto mais como um período de crise conseqüente à substituição de uma ordem social determinada por outra. Esta crise demonstra um esforço de adaptação da instituição às novas condições vigentes, visto que, em face da interdependência que caracteriza os diferentes níveis da realidade social, é ponto pacífico que as alterações ocorridas num destes níveis vão repercutir com maior ou menor rapidez em todos os outros. Assim, os desajustes e as tensões, tão ostensivos na família de nossos dias, principalmente nos centros urbanos maiores, retratam este descompasso entre algumas áreas da realidade social que vão mudando com grande rapidez e outras nas quais a mudança se faz de modo mais lento e difícil. f) Institucionalização das Normas de Comportamento Dizemos que uma norma de comportamento está institucionalizada quando as expectativas do grupo em relação a ela são bastante definidas, e quando a maior parte dos membros do grupo a aceita como válida e a cumpre efetivamente. Exemplo de comportamento institucionalizado é o casamento como cerimônia religiosa ou jurídica, que torna a união de um homem com uma mulher reconhecida socialmente. A maior parte das pessoas que compõem a nossa sociedade concorda que aquela união deva ser legitimada, espera que as pessoas que queiram constituir família recorram a ela e, por sua vez, também o farão quando se unem a outrem em matrimônio. Já as leis entram em ação, pelo menos teoricamente, quando os demais instrumentos de controle vão perdendo sua eficácia original e a coesão social corre perigo. Por isso que a legislação formal só aparece naquelas sociedades que alcançaram um certo grau de complexidade em suas relações onde o costume e a tradição já não conseguem manter aquele mínimo de ordem e de uniformidade de conduta, sem as quais a vida em sociedade não seria possível. Isso ocorre, principalmente, com a passagem do estilo de vida rural para o estilo urbano, quando tendem a se romper os laços de solidariedade que unem os grupos primários e novas formas têm que ser criadas para reconstituir a “ordem social”. Por isso, a legislação é típica das sociedades urbanas, e, em nossos dias, seu veículo de expressão mais representativo é a autoridade policial, ostensiva e sempre presente quando a “harmonia social” está em perigo. O guarda de trânsito, o guarda-noturno, a polícia de vigilância, o fiscal de alfândega, são figuras bem conhecidas e sua presença serve para nos lembrar a cada instante, que o não-cumprimento das regras do Jogo social acarreta uma punição que nos atingirá onde quer que estejamos. A imagem simbólica do “longo braço da lei” é muito feliz para expressar que neste terreno não há distâncias que não possam ser vencidas (A Polícia, nos últimos tempos, aperfeiçoou de tal forma suas técnicas de ação, que conseguiu se articular com relativa eficácia até mesmo no plano internacional, com a criação da Polícia Internacional (Interpol). A lei só surge na história da humanidade em época relativamente recente, expressando a necessidade de definir obrigações e direitos que são o produto de circunstâncias inteiramente novas no quadro das relações sociais. Ela representa, inclusive, um passo à frente no aperfeiçoamento das instituições sociais e da autoridade tradicional que, ao aplicarem seus princípios de direito, o faziam de modo extremamente arbitrário. Basta lembrarmos, a título de exemplo, a aplicação da justiça baseada no princípio da “ordãlia” em que a inocência ou a culpabilidade de um acusado eram comprovadas pela sua capacidade de resistência ao fogo, à água fervente ou ao combate em condições desiguais. Ou, ainda, no princípio da lei de Talião, do “olho por olho e dente por dente” em que a punição do ladrão consistia em cortar-lhe a mão, do delator em arrancar-lhe a língua, do espião em cegá-lo e assim por diante. Todos estes princípios de aplicação da justiça baseados no costume, hoje nos aparecem, em sua maioria, terrivelmente bárbaros e, embora estejamos sempre a protestar contra muitos absurdos que sobrevivem nas legislações modernas, somos obrigados a reconhecer que, neste particular, demos um grande salto à frente, quanto ao aperfeiçoamento de nossas instituições jurídicas. A igualdade perante a lei e ausência de privilégios continuam sendo o ideal máximo de todo o regime democrático e a base do direito, muito embora ainda não tenham sido plenamente atingidas em nenhuma nação ou sociedade moderna. Só o fato de terem chegado a ser formuladas já implicam na possibilidade de sua materialização dentro das atuais condições da vida social e justificam toda a luta que se trava para torná-las uma realidade. Exercícios 1- Momento de estudos e reflexões Interprete as informações dos textos abaixo e faça uma análise da sociedade atual. TEXTO 1 CINCO DESAFIOS À IMAGINAÇÃO SOCIOLÓGICA Os desafios, quaisquer que eles sejam, nascem sempre de perplexidades produtivas. Tal como Descartes exercitou a dúvida sem a sofrer, julgo hoje ser necessário exercitar a perplexidade sem a sofrer. Se quisermos, como devemos, ser sociólogos das nossas circunstâncias, deveremos começar pelo contexto sociotemporal de que emergem as nossas perplexidades. OITENTA / NOVENTA Do ponto de vista sociológico, a década de oitenta será uma década para esquecer? Está na tradição da Sociologia preocupar-se com a “questão social”, com as desigualdades sociais, com a ordem/desordem autoritária e a opressão social que parecem ir de par com o desenvolvimento capitalista. À luz desta tradição, a década de oitenta é sem dúvida uma década para esquecer. No seu decurso, aprofundou-se nos países centrais, a crise do Estado-Providência que já vinha da década anterior e com ela agravaram-se as desigualdades sociais e os processos de exclusão social (30% dos americanos estão excluídos de qualquer esquema de segurança social) e de tal modo que estes países assumiram algumas características que pareciam típicas dos países periféricos. Daí o falar-se do terceiro mundo interior. Nos países periféricos, o agravamento das condições sociais, já de si tão precárias, foi brutal. A dívida externa, a desvalorização internacional dos produtos que colocaram no mercado mundial e o decréscimo da ainda externa, levou alguns destes países à beira do colapso. Na década de oitenta morreram de fome na África mais pessoas que em todas as décadas anteriores do século. Se as assimetrias sociais aumentaram no interior de cada país, elas aumentaram ainda mais entre o conjunto de países do Norte e o conjunto de países do Sul. Esta situação, que alguns festejaram ou toleraram como a dor necessária do parto de uma ordem econômica finalmente natural e verdadeira, isto é, neoliberal, foi denunciada por outros como uma desordem selvática a necessitar ser substituída por uma nova ordem econômica internacional a arrogância dos primeiros e a impotência dos segundos põe a Sociologia decididamente de candeias às avessas com a década de oitenta. Decididamente, sim, mas também incondicionalmente? O outro pilar da tradição intelectual da Sociologia é a preocupação com a participação social e política dos cidadãos e dos grupos sociais, com o desenvolvimento comunitário e a ação coletiva, com os movimentos sociais. À luz desta outra tradição, o mínimo que se pode dizer é que a década de oitenta se reabilitou de maneira surpreendente e mesmo 33 34 brilhante. Foi a década dos movimentos sociais e da Democracia, do fim do Comunismo autoritário e da apartheid, do fim do conflito Leste-Oeste e de um certo abrandamento (momentâneo) da ameaça nuclear. É este o claro-escuro da década precedente. Temos com ela uma relação de amor e ódio. Não podemos esquecê-la. Tão pouco queremos repeti-la. Evidentemente que as décadas só existem na nossa imaginação temporal. As transformações ocorridas no final da década de oitenta entram de rompante na década de noventa e estão agora em casa. Que fazer delas? Por que as transformações estão a passar transformações? Que desafios colocam à Sociologia, às Ciências Sociais e às humanidades em geral? De que modo vão nos afetar? De que modo podemos afetá-la? Não é fácil responder a estas questões, por mais que elas pressuponham como não-problemática uma postura epistemológica que a é cada vez mais. Pressupõem a separação sujeitoobjeto: nós, aqui; as transformações, lá fora. Quando, na verdade, as transformações não são mais que nós todos, todos os cientistas sociais e todos os não cientistas sociais deste mundo a transformarmo-nos. ENTRE A AUTOTEORIA E A AUTO-REALIDADE Contudo, é próprio da Sociologia reivindicar um ângulo de observação e de análise, um ângulo que, não estando fora do que observa ou analisa, não se dissolve completamente nele. Qual é, pois, esse ângulo e como mantê-lo nas condições presentes e futuras? A rapidez, a profundidade e a imprevisibilidade de algumas transformações recentes conferem ao tempo presente uma característica nova: a realidade parece ter tomado definitivamente a dianteira sobre a teoria. Com isso, a realidade torna-se hiper-real e parece teorizar-se em si mesma. Essa autoteorização da realidade é o outro lado da dificuldade das nossas teorias para darem conta do que se passa e, em última instância, da dificuldade de serem diferentes da realidade que supostamente teorizam. Esta condição é, no entanto, internamente contraditória. A rapidez e a intensidade com que tudo tem acontecido se, por um lado, torna a realidade hiper-real, por outro lado, trivializa-a, banaliza-a, uma realidade sem capacidade para nos surpreender ou empolgar. Uma realidade assim torna-se afinal fácil de teorizar, tão fácil que a banalidade do referente quase nos faz crer que a teoria é a própria realidade com outro nome, isto é, que a teoria se auto-realiza. Vivemos assim uma condição complexa: um excesso de realidade que se parece com um déficit de realidade; uma auto-teorização da realidade que mal se distingue da auto-realização da teoria. Numa condição deste tipo é difícil reivindicar um ângulo de análise, muito mais mantê-lo. Não está na tradição da Sociologia desistir dessa reivindicação e, valha a verdade, alguns fatores correm a favor do seu sucesso. O conflito Leste-Oeste foi um dos grandes responsáveis por que, durante todo o século XX, a Sociologia tivesse sido feita com os conceitos e teorias que nos foram legados pelo século XIX. O fim do conflito Leste-Oeste cria uma oportunidade única para a criatividade teórica e para a transgressão metodológica e epistemológica e essa oportunidade só será desperdiçada se nos esquecermos de que o fim do conflito Leste-Oeste corre de par com o agravamento do conflito Norte-Sul. E será igualmente desperdiçada se a liberdade criada pela ausência dos dogmas teórico-políticos for asfixiada pelos sempre velhos e sempre novos dogmas institucional-fácticos. A tradição da Sociologia é neste domínio ambígua. Tem oscilado entre a distância crítica em relação ao poder instituído e o comprometimento orgânico com ele, e entre o guiar e o servir. Os desafios que nos são colocados exigem de nós que saiamos deste pêndulo. Nem guiar nem servir. Em vez de distância crítica, a proximidade crítica. Em vez de compromisso orgânico, o envolvimento livre. Em vez de serenidade autocomplacente, a capacidade de espanto e revolta. DAS PERPLEXIDADES AOS DESAFIOS Quais são, pois, os desafios? Como disse no início, os desafios começam sempre por se manifestar como perplexidades produtivas. Salientamos as cinco seguintes que vão nos ocupar nos próximos anos. Obs.: Estamos falando sobre a realidade das décadas de 70 e 80. 1. A primeira perplexidade consiste no seguinte: um relance pelas agendas políticas de diferentes países revela-nos que os problemas mais absorventes são, como nunca, problemas de natureza econômica: inflação, desemprego, taxas de juro, déficit orçamental, crise financeira do Estado-Previdência, dívida externa, política econômica geral. E o mesmo se passa se, em vez de relancear a política nacional, relancearmos a política internacional: integração regional (UE, CEI, EUA, Canadá, México, Cone Sul, Sudeste Asiático), protecionismo (Uruguay Round, Fortaleza Europa), ajuda externa, etc. Contudo, e em aparente contradição com isso, a teoria e a análise sociológica dos últimos dez anos têm vindo desvalorizar os modos de produção em detrimento dos modos de vida. Podemos mesmo dizer que a crítica que tem sido feita ao Marxismo assenta, em parte, na desvalorização do econômico. Será esta contradição não apenas aparente, mas também real? E se assim for, estaremos a falhar o alvo analítico e a cavar a nossa própria marginalidade: ou será, pelo contrário, que estes diferentes fatores e conceitos e as distinções que assentam (Economia, Política, Cultura), todas legadas pelo século XIX, estão hoje superados e exigem uma reconstrução teórica radical? E neste caso, como fazê-la? 2. A segunda perplexidade pode ser formulada assim: nos últimos dez anos assistimos a uma dramática intensificação das práticas transnacionais, da internacionalização da economia à translocalização maciça de pessoas como migrantes ou turistas, das redes planetárias de informação e de comunicação à transnacionalização da lógica do consumismo destas transformações. A marginalização do Estado nacional, a perda da sua autonomia e da sua capacidade de regulação social tem sido considerada como principal conseqüência. Contudo, no nosso quotidiano raramente somos confrontados com o sistema mundial e, ao contrário, somos obsessivamente confrontados com o Estado, que ocupa as páginas dos nossos jornais e os noticiários das nossas rádios e televisão, que tanto regulamenta a nossa vida para a regulamentar como para a desregulamentar. Será então o Estado nacional uma unidade de análise em vias de extinção, ou pelo contrário, é hoje mais central do que nunca, ainda que sob a forma ardilosa da sua desconcentração? Quais são as responsabilidades específicas da Sociologia, uma disciplina que floresceu com o intervencionismo social do Estado? Será que o intervencionismo social do Estado vai assumir nos próximos anos a forma de intervencionismo não estatal? Será que o Estado vai criar a sociedade civil à sua imagem e semelhança? Será que a Sociologia é parte da armadilha ou parte do mecanismo que a permite desarmar? 3. A terceira perplexidade ou desafio é a seguinte: os últimos anos marcaram decididamente o regresso do indivíduo. O esgotamento do estruturalismo trouxe consigo a revalorização das práticas e dos processos e nuns e noutros, a revalorização dos indivíduos que a protagonizam. Foram os anos da análise da vida provada, do consumismo e do narcisismo, dos modos e estilos de vida, do espectador ativo da televisão, das biografias e trajetórias de vida, análises servidas pelo regresso do interacionismo, da fenomenologia, do micro em detrimento do macro. Contudo, em aparente contradição com isso, o indivíduo parece hoje menos individual do que nunca, a sua vida íntima nunca foi tão pública, a sua vida sexual nunca foi tão codificada, a sua liberdade de expressão nunca foi tão inaudível e tão sujeita a critérios de correção política, a sua liberdade de escolha nunca foi tão derivada das escolhas feitas por outros antes dele. Será tão só aparente esta contradição? Será que a distinção indivíduo-sociedade é outro legado oitocentista de que nos devemos libertar? Será que, pelo contrário, nos libertamos cedo demais do conceito de alienação? Como fazer vingar a preocupação tradicional da Sociologia com a participação e a criatividade sociais numa situação em que toda a espontaneidade do minuto um se transforma, no minuto dois, em artefato mediático ou mercantil de si mesma? 4. A quarta perplexidade pode ser formulada assim: iniciamos o século com clivagens sociopolíticas muito profundas, entre Socialismo e Capitalismo, entre revolução e reforma; clivagens que, por tão importantes, se inscreveram na tradição das ciências sociais. Chegamos, no entanto, ao fim do século com um surpreendente desaparecimento ou atenuação dessas clivagens e com a sua substituição por um não menos surpreendente consenso a respeito de um dos grandes paradigmas sociopolíticos da modernidade: a Democracia. A década anterior, não só viveu muitos processos de democratização, como instituições insuspeitas a esse respeito abraçaram publicamente o credo democrático. O Banco Mundial, através do princípio da “condição política” (political conditionality), faz defender a concessão de crédito da vigência da Democracia no país creditado, ao mesmo tempo que a Agência Internacional para o Desenvolvimento dos EUA promove em larga escala “iniciativas para a Democracia” (Democracy initiatives), com o mesmo objetivo de vincular o desenvolvimento à Democracia. Contudo, em aparente contradição com isso, ocorrem dois fenômenos, um mais visível do que o outro. Por um lado, se a Democracia é hoje menos questionada do que nunca, todos os seus conceitos satélites têm vindo a ser questionados e declarados em crise: a patologia da representação, sob a forma da distância entre eleitores e eleitos, do ensimesmamento dos parlamentares, da marginalização e governamentalização dos parlamentos, etc. Por outro lado, se atentarmos na História européia desde meados do século XIX, verificamos que a Democracia e o liberalismo econômico foram sempre má companhia um para o outro. Quando o liberalismo econômico prosperou a Democracia sofreu e vice-versa. Contudo, surpreendentemente, hoje a promoção da Democracia em nível internacional é feita conjuntamente com o neoliberalismo, de fato em dependência dele. Haverá aqui alguma incongruência ou armadilha? Alguém está a tramar contra alguém? Será que o triunfo da Democracia, que liquidou o conflito Leste-Oeste, se articula com o triunfo do neoliberalismo de que resultará o agravamento do conflito Norte-Sul? Será que 35 36 estes dois triunfos conjuntos vão criar novos conflitos Norte-Sul tanto dentro do Norte como dentro do Sul? Como vamos analisar as sociedades que são o Sul do Norte (por exemplo Portugal) ou o Norte do Sul (por exemplo o Brasil). 5. A quinta e última perplexidade pode formular-se do seguinte modo: a intensificação da interdependência transnacional e das interações globais, já referida, faz com que as relações sociais pareçam hoje cada vez mais desterritorializadas, ultrapassando as fronteiras até agora policiadas pelos costumes, pelo Nacionalismo, pela língua, pela ideologia e, muitas vezes por tudo isso ao mesmo tempo. Contudo, e aparentemente em contradição com esta tendência, assiste-se a um desabrochar de novas identidades regionais e locais alicerçadas numa revalorização do direito às raizes (em contrapartida com o direito à escolha). Este localismo, simultaneamente novo e antigo, outrora considerado pré-moderno e hoje em dia reclassificado como pósmoderno, é com freqüência adotado por grupos de indivíduos “translocalizados” (Sihks em Londres, fundamentalistas islâmicos em Paris), não podendo por isso ser explicado por um genius loci, isto é, por um sentido de lugar específico. Contudo, assenta sempre na idéia de território, seja ele imaginário ou simbólico real ou hiper-real. Semelhantemente o aumento da mobilidade transnacional inclui fenômenos muito diferentes e contraditórios: por um lado, a mobilidade, seja ele ou ela o executivo de uma grande multinacional, o cientista entre congressos, ou o turista: por outro a mobilidade de quem sofre esses processos, seja ele ou ela o refugiado, o emigrante, o índio ou o nativo deslocado do seu território ancestral. Acresce que a mobilidade transnacional e a aculturação global de uns grupos sociais parece correr de par com o aprisionamento e a fixação de outros grupos sociais. Os camponeses da Bolívia e da Colômbia contribuem, ao cultivar a coca, para o desenvolvimento da cultural transnacional da droga e dos modos de vida desterritorializados que Ihes são próprios, mas eles, camponeses, estão presos, talvez mais do que nunca, aos seus lugares de nascimento e de trabalho. Será que esta dialética de territorialização/desterritorialização faz esquecer as velhas opressões? E será que a velha opressão de classe e – de que a Sociologia internacional corre o risco de se esquecer prematuramente – porque transnacionalizável faz esquecer, ela própria, a presença ou até o agravamento de velhas e novas opressões locais, de origem sexual, racial ou étnica? O exercício das nossas perplexidades é fundamental para identificar os desafios que merecem a pena ser respondidos. Afinal todas as perplexidades e desafios resumem-se num só: em condições de aceleração da História, como a que hoje vivemos, é possível pôr a realidade no seu lugar sem correr o risco de criar conceitos e teorias fora do lugar? TEXTO 2 AQUI NÃO É A SUÍÇA Marcelo Averbug O Globo 08/09/94 No Brasil, ao se atravessar numa rua de mão única é sempre bom, por precaução, olhar antes para a contramão. O desrespeito às mais elementares regras de trânsito é apenas um dos aspectos de um fenômeno mais amplo: o desprezo generalizado por leis, regulamentos e códigos. Quem é disciplinado corre o risco de ser atropelado no trânsito, no trabalho, na política e até nas relações sociais. Enquanto nos chamados países do Primeiro Mundo a afronta aos preceitos de integração harmônica à sociedade é privilégio das minorias delinqüentes; no Brasil é encarada como normal, faz parte do cotidiano e é praticada por qualquer cidadão definido como honesto e pacífico, inclusive doces mães de família. Não estou me referindo, é claro, ao banditismo e à criminalidade. Um fato aparentemente insignificante retrata com nitidez essa insubordinação endêmica: freqüentadores do calçadão de Copacabana, Ipanema e Leblon reclamavam, com razão, dos ciclistas que por lá circulavam atrapalhando a tranqüilidade de suas caminhadas. Resolveu então a Prefeitura construir ciclovias ao longo dessas praias, pois bem, agora são os pedestres que insistem em andar na pista destinada às bicicletas! E, e evidentemente, inúmeros ciclistas continuam pedalando na calçada. Além de anarquizar a convivência humana, sobretudo nas áreas urbanas, esse gênero de desobediência gera efeitos econômicos negativos: 1. Certas medidas de política econômica não produzem os resultados esperados, pois são sabotadas; 2. Parte da atividade produtiva do país não serve para aumentar a disponibilidade de bens, mas sim apenas para repor aqueles destruídos prematuramente como conseqüência de atos ilegais; 3. Matéria-prima, mão-de-obra e capital são desperdiçados ao longo do processo produtivo devido ao pouco caso para com normas referentes ao seu uso, inclusive as de segurança; 4. Em conseqüência do afinco com que os brasileiros se dedicam a burlar o fisco, o montante arrecadado em impostos é inferior ao que deveria ser, “O brasileiro se conforma com a idéia de que não nos incluímos entre os povos civilizados”; 5. Qualidade e quantidade dos serviços prestados pelos setores público e privado se encontram muito abaixo dos padrões corretos, pois há desleixo no desempenho de funções e os direitos do consumidor são ignorados; 6. Para não me estender mais, concluo com o mais sinistro dos efeitos’, o custo em vidas humanas. Esse comportamento está de tal forma enraizado na mentalidade nacional, que o brasileiro se conforma com a idéia de que não nos incluímos nos povos civilizados. Tenho um exemplo verídico que reflete bem esta realidade. Um amigo meu vinha dirigindo calmamente, um dia desses, uma senhora, em outro carro, cometeu perigosa infração. Ao reclamar com a motorista infratora, esta vociferou a seguinte resposta: “Não amola, seu bolha, aqui não é a Suíça.” Essa frase singela constitui um símbolo fiel do que o brasileiro pensa de si próprio, e serve como motivo de reflexão para os que não se conformam com tal situação. Demonstra, também, o quanto será difícil alcançar mudanças. Exatamente por serem difíceis e não sensibilizarem eleitores, metas neste sentido são ignoradas pelos candidatos a postos eletivos. Talvez até porque eles próprios encarem com naturalidade esse traço da personalidade nacional, não o considerando problema relevante. Na verdade, tentar tal reforma de mentalidade é mais complicado do que executar a reforma agrária. É fácil avaliar o impacto sobre a Nação de algum processo no grau de respeito às normas de convivência social. O gesto revolucionário de levar a sério o arcabouço legal seria repercussão positiva sobre a taxa de crescimento do PIB e qualidade de vida da população, transformando a fisionomia nacional. Mesmo sem criar nenhuma nova lei, bastaria cumprir as existentes e já estaríamos caminhando para o paraíso. Se Fernando Henrique Cardoso e Lula desejam realmente promover mudanças profundas no país, necessitam incluir em seus programas ações destinadas a conscientizar o brasileiro em relação a essa questão, deflagrando um processo que exigirá longo período para apresentar resultados. E, assim, quem sabe, algum dia o Brasil será igual à Suíça. 2- Responda de acordo com o conteúdo do instrucional. 2.1-Conceitue socialização, comunidade e sociedade; 2.2-Caracterize as instituições sociais estudadas; 2.3- Exemplifique interação social e controle social. 37 38 UNIDADE III PROCESSOS SOCIAIS BÁSICOS A vida social é uma teia infinitamente complexa de ações humanas recíprocas, de processos de interação que se fundem num único processo total. Desse emaranhado, só por meio da análise intelectual podem ser apartados processos individuais, limitados quer pela restrição do estudo à interação entre determinadas pessoas, quer pela focalização de certo tipo de ação humana. Quando se fala em “processos sociais fundamentais” tem-se em mira esta segunda maneira de proceder, admitindo que há categorias de ação social que estão na base de todas as demais. Não surpreende saber que os sociólogos estejam em ligeiro desacordo quanto ao destaque que convenha dar, nesse sentido, a uns fenômenos sociais ou a outros. Optamos pela dicotomia básica de competição e cooperação, isto é, dos processos pelos quais se distanciam e se aproximam socialmente, em função dos seus interesses, opondo-se uns aos outros ou conjugando os seus esforços. 3.1 - Competição e Rivalidade A competição é fenômeno fundamental; ocorre de maneira generalizada na vida orgânica e assume aspectos peculiares na vida humana, dando, em circunstâncias especiais, origem à concorrência, à rivalidade e ao conflito. a) Quando são escassos os meios de satisfazer necessidades ou desejos, os homens, usualmente, competem por eles, do mesmo modo como as árvores competem pelo solo e pela luz. Cada qual esforça-se para chegar primeiro e se apossar do melhor quinhão ou do único objeto disponível. Esse processo assume aspectos sociais à medida que os competidores não apenas têm consciência, uns da existência dos esforços dos outros, mas orientam os seus, levando em conta os demais. b) A competição consciente pode produzir nada mais que a intensificação do empenho de cada um. Assim, os corredores esportivos, os comerciantes desejosos de vender mercadoria idêntica, os participantes de um concurso público são estimulados pela presença dos demais para o desempenho mais eficiente de todas as suas forças. Pode-se falar, neste caso, de concorrência: luta-se, mas sem hostilidade. c) Muitas vezes, porém, os competidores não se limitam ao esforço de superarem uns aos outros, passando a, pelo menos, embaraçarem-se: eis a rivalidade. Conquanto seja discutível se a “concorrência” é sempre um fenômeno social – desde que não haja interação –, a rivalidade certamente o é. Não se trata mais, apenas, de chegar primeiro, de vender mais, de conseguir o emprego, mas de “vencer” um determinado competidor. Este tornouse pelo menos, alvo secundário da ação. d) A luta pode apossar-se de tal modo do espírito dos competidores que, enquanto ela durar, se esquecerão do alvo verdadeiro ou o colocarão em segundo plano, como algo mais remoto, enquanto se dedicam totalmente ao objetivo imediato de “vencer”. Com isso, passa-se da competição para outro fenômeno fundamental de natureza diferente: o conflito. 3.2 - Conflito e Acomodação Conflito Denominamos conflito o processo em que duas ou mais pessoas ou grupos tentam ativamente frustrar os propósitos uns dos outros e impedir a satisfação de seus interesses, chegando inclusive a lesar ou destruir o adversário. Karl Mannhein define a luta como “uma relação social na qual desejamos obrigar, pela força, a outra pessoa ou grupo que atue segundo nossa vontade, procurando para tanto superar as suas resistências” (1970:62). Enquanto o processo de competição é inconsciente e impessoal, no conflito tais características desaparecem para dar lugar a uma atitude conscientemente hostil em relação ao inimigo ou rival, devidamente identificados. São inúmeras as classificações que têm sido sugeridas para o conflito. Partindo de critérios ligados à natureza dos grupos envolvidos, temos a revolução, a guerra e o duelo. Segundo a forma de manifestação, o conflito pode ser aberto ou fechado. É aberto quando as formas de luta e os motivos estão convenientemente expressos para ambas as partes e para o restante da sociedade. É fechado quando as formas de luta estão disfarçadas sob outros processos e podem até ser ignorados pelo grupo. Exemplo do segundo, no plano das nações, é a chamada “guerra fria”, a 5ª Coluna, a espionagem, e, no plano privado, uma disputa em família que não chega a ultrapassar os limites desta (a necessidade de manter as aparências perante os grupos de fora, muitas vezes, pode fazer com que um conflito não se revele em toda a sua plenitude). Segundo os motivos predominantes que dão origem ao conflito, ele pode ser classificado de religioso, econômico, político, ideológico, racial, etc. Falamos em motivos predominantes porque dificilmente os conflitos que envolvem grupos mais ou menos numerosos podem ser atribuídos a uma única causa. Trata-se, em geral, de um complexo de fatores de natureza diversa ou semelhante em que é possível, contudo, vislumbrar um fator que desencadeia o conflito e pode até, eventualmente, encobrir outras motivações. Os conflitos podem, ainda, ser organizados ou desorganizados, conforme se pautem ou não por normas e leis conhecidas e aceitas por ambas as partes. Exemplo de luta desorganizada é um conflito de rua, ou uma briga entre dois bandos de garotos. Podem ser ainda transitórios ou duradouros, ao contrário da competição que tem, em geral, caráter permanente. O desgaste físico e emocional, inerente ao conflito, faz com que ele se destine, pela sua própria natureza, a ter uma duração limitada. Tende a se resolver pela vitória de uma das partes, pela destruição de ambas ou pela acomodação, que é outro processo social básico. Acomodação Define-se acomodação como um processo social, consciente ou inconsciente, que consiste em alterar as relações funcionais entre pessoas e grupos, a fim de evitar reduzir ou eliminar conflitos e favorecer o ajustamento recíproco. É um processo de grande significação, tanto na vida dos grupos, como nas relações interindividuais. Na natureza, corresponde à adaptação e chega a constituir-se numa condição de sobrevivência de indivíduos ou espécies obrigados a viver em contextos que não mais coincidem com o original. A história natural cita-nos um sem-número de exemplos de espécies animais e vegetais que existiram há milhões de anos atrás e desapareceram pela falta de condições de adaptar-se a novas circunstâncias. Ao mesmo tempo, sabe-se que muitos animais, hoje reduzidos em tamanho, parcial ou inteiramente domesticados, foram outrora temíveis feras de grandes proporções, semeando o terror no meio em que viviam. Eles encontraram ou forjaram condições de adaptação tais que lhes permitiram vencer os desafios de uma natureza hostil e que, de outro modo, tê-los-ia destruído se a acomodação não tivesse ocorrido. Na sociedade humana, ocorre coisa semelhante, embora não idêntica, similarmente exige-se dos indivíduos e dos grupos que se adaptem constantemente a novas condições de vida. Desde o nascimento até a morte somos levados a ajustar-nos a condições que nos são impostas, quer do meio natural quer do meio social. Os inadaptados tendem a ser eliminados no próprio processo, sobrevivendo aqueles cuja estrutura psicofísica está melhor preparada para a luta. A acomodação social pode processar-se em quaisquer dos campos das relações humanas, como o ecológico, o econômico, o religioso, o político, etc. É um processo transitório a que somos levados pelo próprio dinamismo da vida social, bem como pelas diferenças naturais ou sociais existentes entre os indivíduos e entre os grupos. Alterna-se com outras formas de interação, principalmente com o conflito, do qual a acomodação muitas vezes decorre quase, poderíamos dizer, espontaneamente, como condição mesma de sobrevivência das partes em litígio, seja no plano físico, seja no social. A educação da criança, por exemplo, é um processo em que se alternam constantemente fases de cooperação, de competição, de conflito e de acomodação, cada uma delas atendendo a peculiaridades da relação criança-meio social. É interessante, ainda, acentuarmos que a acomodação não implica modificação da estrutura psíquica ou das atitudes do indivíduo. Ela se passa no plano do comportamento externo, quase do mesmo modo como uma planta posta em uma sala escura tende a orientar suas folhas para o foco de luz, ou como alguns animais, que se fingem de mortos quando sentem a aproximação do perigo. Apenas nestes exemplos, a adaptação faz-se a partir de mecanismos inconscientes, instintivos, enquanto nos homens a 39 40 acomodação tende a ser fruto da razão, da necessidade que sentem de conviver com os outros homens em um clima de relativa harmonia. O processo de acomodação tem profundas implicações psicológicas e morais, pelo fato de não ser um ato irracional, tal como ocorre entre os animais. Na sociedade humana, é fundamentalmente um ato de razão, poderíamos dizer um projeto, que está dimensionado pelas convenções sociais que nos vão dizer a que, quando e como é conveniente nos acomodarmos. Aqueles que não se enquadram nessas limitações estão condenados à insatisfação, ao desajuste, às sanções sociais e até, em casos extremos, à marginalização completa. Há indivíduos para os quais muitas formas de acomodação voluntária são difíceis, quase impossíveis. Na realidade, nenhum ser humano sobreviveria em sociedade, se não fosse capaz de responder aos desafios sociais, com algum tipo de acomodação. O inadaptado às pressões religiosas e políticas pode muito bem adaptar-se à vida em família, aos companheiros de trabalho, aos amigos; aquele que não se acomoda às exigências de uma vida familiar responsável pode ser o mais disciplinado membro de uma seita política clandestina, e assim por diante. O que é difícil é encontrar um indivíduo que, ao longo de sua vida, não encontre condições de acomodação em nenhum grupo ou instituição social. A História registra casos isolados de indivíduos que viveram em conflito permanente com seus contemporâneos e com as instituições de sua sociedade. Trata-se de casos extremos de inadaptação social, muitas vezes ligados a uma mentalidade avançada demais para os costumes e a cultura de sua época e que tendem, por isso mesmo, a serem vistos como visionários, maníacos, perseguidos ou ignorados, conforme sua ação ponha ou não em perigo as instituições vigentes. A criminologia, por outro lado, também nos descreve casos típicos de marginais da lei que, desde a infância, viveram em conflito permanente com os costumes e as convenções sociais. Punições, violências, isolamento, nada consegue fazer deles indivíduos socialmente ajustados. Raramente chegam à velhice, sucumbindo precocemente, vítimas da própria resistência à acomodação. Esses exemplos devem servir para nos mostrar que os mecanismos formais ou informais de controle social funcionam justamente no sentido de nos levar à acomodação no grupo, à aceitação das regras do jogo social, tal como nos são apresentadas ao ingressarmos na vida coletiva. Caso contrário, toda a máquina coercitiva volta-se contra nós, tentando processar o nosso enquadramento ou, quando tal não é possível, forçando-nos ao isolamento. 3.3 - Cooperação e Assimilação Cooperação Conceituamos cooperação como uma ação coletiva, integrada, com vistas a um fim comum. A cooperação parece ter suas raízes não numa suposta “natureza associativa” do homem, mas nas suas limitações, na sua desvalia enquanto individualidade, frente aos obstáculos que lhe são postos pelo meio natural e pelos outros homens. Prova deste caráter “predominantemente egoísta” das motivações sociais do homem seria o fato de que a cooperação tende a acentuar-se nos momentos de dificuldades e a diluirse, até mesmo a desaparecer, nos momentos de maior estabilidade social e econômica, bem como nos momentos de pânico total, sob a iminência de grandes catástrofes. Esses tipos de comportamento, que podem ser observados com freqüência em casos concretos, mostram que a cooperação não está determinada a priori, não é instintiva nem natural, mas é produto da razão humana e visa criar melhores condições de sobrevivência e de convivência para os grupamentos humanos. Em todo o processo de cooperação, existem sempre presentes fatores compulsivos, mais ou menos evidentes. Essa coerção, disfarçada ou ostensiva, se origina no grupo e parece ser uma condição da própria eficácia da cooperação, a qual sem ela tenderia a degenerar-se e a perder sua funcionalidade. Não raro o caráter compulsivo desse comportamento cooperativo está tão eficazmente incorporado à nossa conduta social que nos parece espontâneo, natural, fruto maduro de um instinto cooperador, comum a toda espécie humana. Na realidade, sua manifestação não é mais que uma bem sucedida ação educativa do grupo, orientada com o fim de estimular, em certos indivíduos e em algumas profissões, o sentimento de ajuda ao próximo, de renúncia dos próprios interesses, em favor do interesse alheio, como é o caso dos bombeiros, dos salva-vidas, dos padioleiros, entre outros. Nesse caso, os grupos desenvolvem mecanismos de controle social que têm por objetivo expressar a aprovação e o reconhecimento coletivo e reforçar, nas novas gerações, o apreço e a admiração pelos indivíduos que são capazes de adotar tais comportamentos. Esses estímulos tendem a ser mais intensos em períodos críticos como guerras, convulsões sociais, grandes catástrofes etc., quando a cooperação é particularmente importante, como fator de garantia da sobrevivência do grupo, como um todo. Exemplo de cooperação no qual um elevado grau de espontaneidade está presente, quase nos fazendo duvidar da existência de fatores coercitivos, é o do mutirão (ou muxirão). Essa forma de trabalho associativo, muito encontrada no interior do Brasil, consiste na junção dos esforços de toda a comunidade com o fim de realizar uma tarefa que interessa particularmente a um indivíduo ou a uma família (construção de um paiol, tapamento de uma casa, plantio, colheita, etc.) e que deve ser feita em curto prazo. Poderia parecer que o elemento coerção está ausente de um auxílio aparentemente espontâneo como é o mutirão. Entretanto, a coercitividade existe, embora não formalizada em sanções ostensivas, na medida em que o indivíduo presta seu auxílio esperando que, ao chegar a sua vez de precisar do grupo, poder contar com este. O costume ainda criou um outro fator de atração que são as festas oferecias pelo beneficiado a todos aqueles que o ajudaram. Nesses casos, a pressão invisível e imponderável do costume e da tradição pode ter uma eficácia muito maior do que a mais rígida das leis oficiais. Mas, como dizíamos acima, a cooperação é um processo que está presente quando se trata de compensar as nossas deficiências individuais ou coletivas, tendendo a desaparecer quando indivíduos e grupos atingem condições de auto-suficiência que lhes vão permitir dispensar a ajuda alheia, ou quando a situação é de tal modo aflitiva que o instinto de sobrevivência se opõe a qualquer solução de tipo racional. É do conhecimento geral que, por ocasião de pânicos generalizados, o número de indivíduos que são sacrificados pela massa em movimento é sempre consideravelmente maior do que o de vítimas da causa original do pânico (incêndio, desabamentos, etc.). Nestes momentos, o espírito de cooperação desaparece para dar lugar ao “salve-se quem puder” e o comportamento considerado heróico é sempre o do indivíduo capaz de superar seus instintos para pensar e agir em benefício do grupo. Assim, a cooperação está ligada a um certo grau de necessidades que não pode ser tão intenso e dramático a ponto de suscitar formas extremas de comportamento egoísta. Igualmente, não pode ser tão reduzido que possa prescindir da ajuda dos outros. No meio rural, por exemplo, a cooperação é mais constante que na cidade, visto que ainda não se desenvolveram os mecanismos de assistência oficial e pública que possam levar a uma atitude indiferente quanto às necessidades alheias de ajuda; por isso que, no meio rural, valoriza-se tanto a solidariedade, a simpatia, a cordialidade no trato. Enquanto isso, na cidade, na medida em que a própria sociedade desenvolveu eficientes modos de assistência à população, tende a se criar nos indivíduos uma atitude de descompromisso com relação à coletividade. Aqui temos certeza de que um indivíduo necessitado será socorrido e ajudado independentemente de nosso auxílio e, nós também, se tivermos tais necessidades, podemos recorrer às instituições existentes, resultando daí o desenvolvimento de uma atitude mais egoísta, do não-envolvimento em situações alheias aos nossos interesses específicos. Não é recente, entre os pensadores sociais, a preocupação em explicar as transformações que o processo de urbanização determina no comportamento coletivo. Ibh Khaldun, grande pensador árabe que viveu no século XlV, já tivera sua atenção voltada para esta questão. H. Becker, em A História do Pensamento Social, assim se refere às reflexões desse que é considerado o precursor da Sociologia no mundo muçulmano: Questões como a função religiosa na coesão social, a migração rural urbana, os movimentos de população (demografia) já ocupavam o centro das reflexões de Khaldun muito antes de se criar a Sociologia Urbana como disciplina autônoma. A vida na cidade faz com que a solidariedade que une os pequenos grupos – o corporativismo – tome a forma de uma espécie de associacionismo secular que se manifesta ostensivamente no desenvolvimento de facções e grupos políticos que podem dar lugar a uma sociedade conspiradora, onde os laços de sangue e os vínculos de parentesco tendem, naturalmente, a reduzir sua importância. Esse problema de ausência de sentimento afetivo e de solidariedade humana, nos grandes centros urbanos nos nossos dias, é, aliás, um dos aspectos mais chocantes da chamada sociedade de massas, na qual a convivência social tende a assumir um caráter meramente formal, com prejuízo de sentido afetivo, emocional, que caracteriza a verdadeira integração. Assimilação Quando, no processo de ajustamento ao meio, as camadas mais profundas da personalidade são afetadas e ocorrem alterações substanciais no nosso modo de pensar e de agir, estamos vivendo não mais no campo da acomodação, mas ingressando numa nova área de relacionamento, que é a assimilação. Esta pode ser definida como o processo pelo qual indivíduos ou grupos, originariamente diferentes, fundem-se em uma unidade homogênea. A etimologia da palavra já 41 42 nos traz a idéia de semelhança, similitude. A assimilação consiste, em última análise, não tanto em eliminar as diferenças, mas em dar ênfase às semelhanças, identificando-se as partes, em função de seus pontos comuns. Na assimilação, pode-se dizer que há substituição de um traço cultural por outro, ou mesmo de uma cultura por outra, pois, na realidade, esse processo implica em profundas modificações na atitude e no comportamento dos indivíduos. Modificações essas que são definitivas, isto é, as partes que se transformaram não voltam a ser o que eram anteriormente, ao contrário do que acontece na acomodação, na qual a qualquer momento pode haver um retorno à situação anterior. No processo educativo, é muito fácil perceber, na prática, tal distinção se, ao ver-se longe dos pais ou professores, a criança altera de modo patente sua conduta. Podemos dizer que ela apenas se acomoda às exigências dos adultos, seja por temor ao castigo, seja por desejar a aprovação destes; mas quando se comporta dentro dos padrões estabelecidos, em qualquer circunstância, criando quase que uma segunda natureza, com transformação efetiva de seu modo de pensar e de agir, aí, nesse caso, podemos dizer que a criança realmente “assimilou” os ensinamentos do grupo. Também em relação ao fenômeno religioso, a História aponta-nos exemplos que nos permitem bem distinguir os processos de assimilação e de acomodação. Quando as primeiras levas de escravos africanos chegaram ao Brasil, começou, simultaneamente, o trabalho dos missionários para convertê-los ao cristianismo, mas os negros eram possuidores de religião milenar, cujos conteúdo e ritual diferiam substancialmente do novo credo. A situação de subordinação em que se encontravam não lhes permitia, entretanto, oporem-se à catequese, ao mesmo tempo, que não podiam abrir espontaneamente mão de todo o seu passado religioso. Começou, então, a operar-se um processo de acomodação, no qual as novas crenças eram aparentemente aceitas, mas seus velhos ídolos continuavam a ser adorados sob a figura dos santos católicos e seu ritual continuou vivo, embora disfarçado sob formas cristãs. À medida que o tempo passava, as novas gerações de escravos, cuja resistência ao cristianismo já não era tão sólida, foram fundindo as crenças e ritos herdados dos primeiros escravos, com os dogmas e o ritual católico, dando à religião do Brasil, principalmente nas regiões onde a importação de escravos foi maior, um caráter muito particular, que só pode ser suficientemente entendido se levarmos em conta os fatores históricos e culturais a que acabamos de nos referir. É o fenômeno conhecido como sincretismo religioso. No campo das migrações, o estudo da assimilação tem fornecido subsídios para se entender de que modo se pode ajudar, com os recursos da ciência social, a integração dos grupos imigrantes à nova sociedade. É sabido que todo o processo migratório que envolve grupos de nacionalidades distintas apresenta-se, em sua primeira fase, sob a forma predominante de conflito, ainda mais se estas distinções estendem-se também ao campo étnico e religioso. Tanto o grupo imigrante, nesse caso, quanto o grupo nativo, vão tentar impor, um ao outro, seus respectivos padrões culturais. Após esse período inicial de desajuste, ambos tendem a ingressar em uma fase de acomodação, em que as respectivas atitudes continuarão sendo de hostilidade, mas já existindo de permeio a compreensão mais ou menos consciente da necessidade de ajustamento recíproco. Nessa fase, a convivência se processa com um mínimo de conflito e já há uma aceitação passiva dos respectivos modos de agir e de pensar finalmente – e isso quase sempre ocorre quando a primeira geração de imigrantes deu lugar a seus filhos na sociedade acolhedora –, a assimilação revela-se pela modificação substancial, íntima, não só na conduta como na própria atitude e mentalidade dos indivíduos que constituem os dois grupos. Isto é, as partes originariamente antagônicas fundiram-se, por assim dizer, e novas formas culturais vieram substituir as antigas, pois é uma característica da assimilação o intercâmbio de influências. A esta altura de seu processo de interação, tanto os imigrantes quanto os naturais do país, viram alteradas suas respectivas culturas: novos traços surgiram e se impuseram a ambos, como decorrência da convivência não mais em termos conflitantes, mas de acomodação e assimilação. As ciências sociais podem fornecer a esse processo de mútuo ajustamento um precioso auxílio, facilitando os contatos, ensinando como podem ser evitados os conflitos mais ásperos, oferecendo à ação política muitos subsídios no sentido de esclarecer, pelo processo educativo e pela propaganda, quais os melhores meios de se atingir rapidamente e com o mínimo de malefícios possível, o ajustamento dos grupos imigrantes à nova sociedade. O exemplo da imigração japonesa no Brasil retrata bem todas as fases do processo social que acabamos de descrever. Desde os conflitos iniciais, não apenas entre os grupos, mas, principalmente, intragrupos (na medida em que os japoneses mais radicais pretendiam continuar atados cultural e politicamente à pátria de origem), até a assimilação que atualmente podemos testemunhar e cuja prova mais evidente é a presença numerosa nos estados de migração nipônica, do “nissei”, isto é, do filho de pais japoneses nascido no Brasil ou mesmo filho de japonês com brasileira ou vice-versa. Aliás, em todo o mundo, a assimilação sempre tem encontrado um poderoso elemento catalisador no casamento e nas ligações intersexuais, em geral. Exercícios Chegou a hora de você refletir um pouco sobre o que estudou nesta unidade. 1- Analise o texto abaixo e responda: Qual o papel da escola na sociedade atual? DEBAIXO DAS RODAS Hermann Hesse Muitos que hoje são cidadãos respeitados por suas atividades construtivas ter-se-iam tornado, sem os esforços da escola, meros inovadores impetuosos, desregrados, estéreis, sonhando com obras que jamais poderiam realizar sem a escola, haveria sempre neles algo de selvagem, inculto, perverso, disposto a atear um incêndio, mas sem saber como extingui-lo. O homem, tal como a natureza o cria, é algo imprevisto, opaco, perigoso. É o rio que irrompe caudaloso, do seio de uma montanha e, se não lhe for traçado um curso, se não lhe impuserem represas, alagará campos férteis, destruirá casas e vidas, acabará se perdendo, cego e extenuado, antes de atingir o mar. É a floresta virgem que tem de ser clareada e limpa, a quem tem de ser traçados limites para que não invada as terras de cultivo e abertos caminhos para que quem a penetre não se perca na desordem, nos charcos traiçoeiros e na crescente podridão. Assim é a escola, tem de quebrar, vencer, subjugar e restringir as cegas energias do homem natural; é seu dever convertê-la em membro útil da sociedade, segundo os princípios consagrados pelas autoridades, e despertar no jovem a seu cuidado as qualidades cívicas cuja instrução é coroada pela disciplina da caserna. 2- Dos processos sociais básicos estudados escolha um e explique. 43 44 UNIDADE IV VALORES SOCIAIS E O INDIVÍDUO 4.1 4.1- Atitudes, Interesses e Valores a) A motivação do indivíduo aparece no mundo social quando se fixa em determinado objeto ou numa categoria de objetos. Fala-se, então, da atitude de uma pessoa em relação a esse objeto, ou seja, da sua disposição interior para agir em relação a ele, de certa maneira. O desejo de possuir dispõe a pessoa para se esforçar (isolada, competitiva ou cooperativamente) pela obtenção de alimento, dinheiro ou afeto; o amor impele para o estabelecimento de relações íntimas; a repulsa indispõe contra as pessoas ou objetos, enfim, desagradáveis. Pode-se falar então, em atitudes positivas e negativas. As atitudes são indefinidamente variáveis, tanto quanto o são as pessoas e os objetos. b) Tendo atitude em relação a um objeto, a pessoa atribui-lhe valor, que como a atitude, pode ser positivo ou negativo. Os objetos das atitudes hostis são portadores de valor negativo e os de atitudes favoráveis, de valor positivo. c) Interesse é a relação existente entre um objeto valorizado e a pessoa que, para com ele tenha atitude. O interesse está entre a pessoa e o objeto; não pertence diretamente nem a um nem a outro, é algo puramente abstrato. 4.2 - Atitudes, Interesses e Valores Sociais a) Toda vida mental se processa em função da sociedade em que está inserida e, naturalmente, a formação de atitudes resulta, em última análise, também da reelaboração de padrões sociais. Nesse sentido toda atitude é social. A atitude é social ainda num sentido especial: é uma disposição específica para agir de maneira bastante definida em relação a um objeto ou a uma categoria de objetos, caracterizados por um estereótipo social, é padrão usual numa determinada sociedade. b) Os interesses são sociais no mesmo sentido em que o são as atitudes de que decorrem, mas ainda, numa outra perspectiva, podem ser considerados sociais ou não, no que concerne à sua tendência a promover a associação das pessoas. Podemos dizer que interesses convergentes podem dar origem a interesses comuns (ação conjugada organizada) e os interesses paralelos poderão transformar-se em competitivos e contrários à associação. c) Valores sociais são aqueles para os quais se voltam interesses convergentes ou comuns. Todos os grupos sociais e todas as sociedades são voltadas para os valores sociais, mais numerosos ou menos considerados, muito importantes ou pouco, quando comparados entre si e aos valores individuais. 4.3 - Desejos Fundamentais do Homem a) A motivação humana é complexa. O sociólogo americano W. I. Thomas faz um esquema sobre motivação humana, destacando quatro tipos fundamentais de desejos que buscam satisfação na sociedade: - o de correspondência afetiva; - o de merecer consideração; - o de segurança física e psíquica; - o de novas experiências. b) Estes quatro tipos de desejos seriam independentes um do outro e a satisfação de um deixaria insatisfeitos os demais. Eles motivariam todas as pessoas, mas com intensidade diferente, sendo uma personalidade mais dominada por um deles, outra por algum outro. Na interação humana, a pessoa estaria sempre procurando manter um equilíbrio pessoal de satisfações. Compreenderíamos a maior parte do comportamento individual se verificássemos qual dos quatro desejos está, em determinada situação, impelindo precipuamente as ações. Os desejos mais específicos poderiam ser substitutivamente satisfeitos dentro de cada uma das quatro categorias. Assim, por exemplo, uma pessoa frustrada em sua necessidade de correspondência afetiva no grupo a que pertence poderia manter o seu equilíbrio mediante compensação em outro grupo, mas não conquistando mais consideração ou novas experiências. c) Esta teoria serviu para Thomas explicar desajustamentos sociais de pessoas, mas ela ilumina, também inversamente, a fonte dos interesses e a função dos valores sociais como expressões de importantes necessidades de muitos indivíduos e como meios promotores de sua organização em grupos. Exercícios 1- Reflita sobre a bondade e a felicidade, em seguida, responda às questões que se encontram no final dos textos. TEXTO 1 A QUESTÃO DA BONDADE Leandro Konder O Globo 20/08/94 Qual é o lugar da bondade no mundo atualmente? Que apreço merecem, de fato, as pessoas consideradas boas? Há indícios de que ser bom, nas condições em que vivemos não é uma das características mais altamente apreciadas. Em outras épocas, as criaturas que se notabilizavam pela bondade eram objeto de autêntica veneração. Algumas foram beatificadas, mereceram o título de santos. Hoje, os seres humanos ainda são aconselhados a ser bons, porém aprendem depressa que existem outras qualidades mais importantes, tais como a eficiência e a competitividade. A bondade acaba por ser vista como um mérito menor, que costuma ser alcançado por indivíduos não multo inteligentes. O que as pessoas entendem quando ouvem dizer de um cidadão que a sua maior qualidade consiste em ser generoso? A impressão que elas têm é a de que se trata de um perdulário, “mão aberta”, “coração mole”; um crédulo que se deixa facilmente explorar pelos outros. Alguém a quem falta “esperteza” Em suma, um tolo. Mesmo quando não é considerada uma tolice, a generosidade é vista como um fator de diminuição da eficácia. Na novela “Pátria Minha”, por exemplo, o personagem Evandro é mais simpático que o prepotente Raul Pelegrini, porém o implacável realismo de Gilberto Braga deixa claro que é o empresário duro de coração que consegue construir um império, enquanto o outro passa por “sentimental” e “paternalista”. Bertold Brecht, na peça “A alma boa de Se-Tsuan”, já tinha abordado o tema. Três deuses descem à Terra em busca de um ser humano integralmente bom e só encontram um exemplar de bondade absoluta: a suave prostituta Chen-Tê. Dão-lhe, então, a ordem de continuar a ser boa e, ao mesmo tempo, assegurar sua própria sobrevivência, para servir de modelo aos homens. Chen-Tê constata que a dupla tarefa não podia ser cumprida. Se pautasse sua conduta pela generosidade, não conseguiria sobreviver: seria destruída, reduzida à miséria pelos parasitas e necessitados que a cercavam. Então, para preservar sua pequena empresa, a moça se disfarça e inventa um personagem, seu primo ChuiTa, que impõe critérios “racionais” ao funcionamento do negócio e o salva da falência. Sem ceder à “tentação da bondade”. No final da peça, Chen-Tê discute com os deuses e Brecht se dirige aos espectadores, dizendo-lhes que o espetáculo não tem uma conclusão, porque cabe ao público concluir por conta própria. 45 46 Em que condições os seres humanos poderiam cultivar a bondade com a desejável desenvoltura? Como poderíamos organizar a nossa vida de modo a permitir que as crianças sejam realmente boas sem ficarem expostas à destruição por parte da avidez dos demais? Brecht procurou uma resposta para essa pergunta e chegou a acreditar que a solução para o problema passava por uma reorganização radical da sociedade, uma revolução do tipo daquela que Lenin tinha liderado na Rússia. Nas circunstâncias atuais, depois do fim da União Soviética, a opção do poeta e dramaturgo alemão se mostra, obviamente, ultrapassada. A questão com que ele se defrontou, entretanto, continua de pé. Basta olharmos em volta para percebemos que os valores pragmáticos e utilitários da mentalidade calculadora e do espírito competitivo vêm se expandindo, em detrimento da importância da bondade. Estamos nos tornando, ao que tudo indica, mais eficazes. Mas estaremos nos tornando humanamente melhores? TEXTO 2 O QUE É A FELICIDADE Fernando Bastos de Ávila O Globo 20108/94 A felicidade sempre foi o objeto supremo do homem, felicidade como uma luminosa plenitude sem ocaso. Parece ser este o sentido de nossa história íntima, pessoal, bem como o da história profunda da Humanidade. Duas dimensões talvez indissociáveis, como ficou ruidosamente evidente em dois momentos críticos da História do Ocidente. A Revolução Francesa, demolindo o Antigo Regime da Monarquia como direito divino, vinha oferecer ao povo a felicidade garantindo a todos a liberdade, na Democracia “O máximo de felicidade para o maior número de pessoas é o fundamento da moral e da lei”, dizia Bentham. “A felicidade é um conceito novo na Europa”, proclamava Saint-Just. Mas a liberdade, como penhor da felicidade, resultou num instrumento de opressão do proletariado emergente pela Burguesia. Nunca tantos tinham sofrido tanto para o enriquecimento de tão poucos. A Revolução de 1917, eliminando uma opressão autocrática, também oferecia felicidade, garantindo a todos a igualdade sob a ditadura provisória do proletariado, até que o Estado se transformasse “do governo das pessoas na mera administração das coisas”(Karl Marx). Essa idéia foi denunciada pelo filósofo Popper, quando escreveu. “De todos os ideais políticos, o de tornar as pessoas é o mais perigoso.” (Curiosamente, este ideal está inscrito na Constituição americana, que não há muito tempo comemorava os seus 200 anos). A felicidade prometida como garantia da igualdade de todos resultou, como se viu, numa nova opressão do povo pela ditadura do Partido, opressão que só com a queda do Muro de Berlim começou a revelar-se em todas as suas dimensões. O ideal da felicidade é apresentado hoje sob um outro signo, já sem referências doutrinárias ou ideológicas. Ela é identificada com o que poderíamos chamar paradoxalmente de hedonismo estóico: gozar ao máximo a vida e assumir com dignidade o sofrimento e a morte. “Coronemus nos rosis, eras enim moriemur” (coroemonos de rosas, pois amanhã morreremos), dizia o poeta. Visão absolutamente imanentista da felicidade. “A Igreja sempre se sentiu desafiada pela interrogação moderna a respeito da felicidade”. A Igreja Católica, convencida de ser ela a portadora da Boa Nova (que é o que quer dizer Evangelho), sempre se sentiu desafiada pela interrogação moderna a respeito da felicidade. Entendendo sempre a felicidade como uma plenitude sem ocaso, convencida de que a aspiração humana se rebela contra a idéia de uma felicidade confinada aos breves anos de uma vida, a Igreja tem sido fiel a mais radical originalidade de sua mensagem: a felicidade presente, longe de excluí-Ia, prefigura a plenitude da felicidade além da morte. Como escreveu o padre Henrique de Lima Vaz, “a proclamação da Boa Nova como uma fonte de felicidade tem pouca possibilidade de ser ouvida pelo homem moderno, a menos que ele não comece a pôr em discussão os pressupostos de uma felicidade puramente humana, radicada numa forma fechada de imanência”. A Igreja resolveu abrir essa discussão. Depois de uma pesquisa que durou três anos, consultando pensadores de todos os quadrantes e de todas as tendências doutrinais e ideológicas, ela promoveu em Roma (março de 1991) uma assembléia do Conselho para o Diálogo com os Não-Crentes precisamente sobre o tema “Fé cristã e busca da felicidade”. Os resultados dessa pesquisa e da assembléia foram apresentados pelo Cardeal Paul Poupard em seu livro “Felicidade e Fé Cristã”, agora traduzido no Brasil e publicado pelo Instituto de Desenvolvimento Cultural. O tema da felicidade talvez seja, hoje, o grande caminho para o diálogo com os não-crentes, diálogo franco, fraterno, cordial. No discurso em que saudava os participantes da mencionada assembléia, João Paulo II lembrou que 1991 coincidia com o bicentenário da morte de Mozart, e observou: “A comemoração do bicentenário da morte de Mozart chama a nossa atenção para a mensagem de alegria traduzida por sua obra. Nela, divisamos um sentimento de felicidade, como uma experiência simultânea de morte e ressurreição. O diálogo que, às vezes, se torna ácido na troca de idéias, pode encontrar uma inspiração privilegiada ao maravilhar-se diante da beleza artística, reflexo da eterna e indizível beleza de Deus.” Que nosso diálogo não se reduza a uma “árida troca de idéias”, mas seja uma partilha sincera de nossa ânsia pela felicidade perfeita. 2- O que é “ser feliz” para você? 3- Comente a afirmativa: “Todos os grupos sociais, todas as sociedades são voltadas para valores sociais”. 47 48 Se você: 1) 2) 3) 4) concluiu o estudo deste guia; participou dos encontros; fez contato com seu tutor; realizou as atividades previstas; Então, você está preparado para as avaliações. Parabéns! Glossário Antropomorfismo – forma de pensamento que atribui formas ou características humanas a Deus, deuses, ou quaisquer outros entes naturais ou sobrenaturais. Astúcia – lábia; habilidade em enganar. Burguesia – indivíduos que se estabeleceram nos burgos e posteriormente nas cidades medievais, onde estes se transformaram, e se caracterizavam pelas suas atividades lucrativas e por não exercerem trabalho braçal ou artesanal. Coercitividade – qualidade de coercitivo; reprimir ; controlar. Corporificação – ato ou efeito de corporificar ; reunir em um corpo; tomar corpo. Epistemológico – relativo à epsitemologia; conjunto de conhecimentos que tem por objeto o conhecimento científico, visando explicar seus condicionantes, sistematizar as suas relações, esclarecer os seus vínculos e avaliar os seus resultados e aplicações. Fenomenologia – estudo descritivo de um fenômeno ou de um conjunto de fenômenos em que estes se definem quer por oposição às leis abstratas e fixas que o ordenam, quer por oposição às realidades de que seriam a manifestação. Laico ou leigo – que não é clérico ; laiciasmo – doutrina que proclama a laicidade absoluta das instituições sociopolíticas e da cultura, ou pelo menos reclama para estas autonomia em face da religião; ensino não religioso. Liberalismo – conjunto de idéias e doutrinas que visam a assegurar a liberdade individual no campo da política, da moral, da religião, etc., dentro da sociedade. Ostracismo – afastamento imposto ou voluntário das funções políticas; exclusão; repúdio. Positivismo – também chamada de Comtismo. Doutrina de Auguste Comte, caracterizada, sobretudo, pela orientação antimetafísica e antiteológica que pretendia imprimir à filosofia, e por preconizar como válida unicamente a admissão de conhecimentos baseados em fatos e dados da experiência. Provérbio – máxima ou sentença de caráter prático e popular, comum a todo um grupo social, expressa de forma sucinta e geralmente rica em imagens; ditado; adágio. Racionalismo – método de observar as coisas baseado exclusivamente na razão. Renascimento – renascença; ato ou efeito de renascer; movimento artístico e científico dos séculos XV e XVI que pretendia ser um retorno à Antiguidade Clássica. Sedimentação – consolidação; sedimentar; tornar estável. Subjetividade – qualidade ou caráter de subjetivo. Domínio do que é subjetivo (relativo a sujeito). 49 50 Gabarito Unidade I 11.1 - A Sociologia é caracterizada como uma ciência social devido às múltiplas pesquisas sociológicas, a que analisam aspectos precisos da vida social. Ela vem se preocupando com as regras que organizam a vida social. 1.2 - Renascimento, há uma exaltação da natureza e dos prazeres da Terra. O poder sai da mão da Igreja Católica. Com o surgimento da burguesia, o poder não está mais centrado na legitimidade do sangue e da linhagem, e sim na capacidade pessoal do governante e sua sabedoria. 1.3 - Ao analisar a Sociologia Clássica, temos que ressaltar Comte (pai da Sociologia) e Durkeim (grande teórico). Também devemos ressaltar o positivismo, uma corrente que concebia a sociedade como um organismo constituído de partes integradas e coesas que funcionam harmonicamente. Segundo a visão da Sociologia Alemã, , os conhecimentos não são apenas vividos, mas pensados. Marx analisa a relação trabalhador e meios de produção e diz que o homem só pode recuperar sua condição humana através da crítica radical. Com Gramsci, o pensador, o político prático e o intelectual fundem-se numa só unidade. Habernas procura elucidar a relação teoria e prática numa perspectiva político-cultural, ambas integradas numa teoria de competência comunicativa. Essa evolução do pensamento sociológico trouxe conceitos importantes: alienação, força de trabalho, valor, mais-valia. 1.4 - Idéias Centrais: Texto 1: Surge, com o pensamento crítico, a sentença moral, a subjetividade. Texto 2: Discorre sobre a investigação sociológica dos fenômenos sociais. Unidade II 22.1 -Socialização: é um processo cumulativo em que novas aquisições não apagam as anteriores, mas se integram no sistema pessoal já existente. Comunidade: conjunto de pessoas que encontra numa determinada área geográfica, onde convive, satisfação de quase todas as suas necessidades sociais. Sociedade: aproxima-se do conceito de comunidade, significa um conjunto de pessoas que convive em determinado território. 2.2 - Família: instituição social básica na maioria dos tipos de sociedade. Escola: agência encarregada da educação formal Igreja: prega a salvação individual do homem na dimensão pós-morte e a crença na sobrevivência do espírito humano. Estado: refere-se a um agrupamento de indivíduos com cultura semelhante e antepassados comuns. Estado é uma nação politicamente organizada. 2.3 - Interação social: é uma ação consciente, implicando não apenas em modificação de comportamento, como também em autoconhecimento desta modificação. Controle social: é a soma de processos de que a sociedade lança mão para obter dos indivíduos e grupos que a constituem uma conduta enquadrada nas expectativas gerais de comportamento. Unidade III 1 - Tornar o indivíduo uma pessoa, um cidadão. 2 - a) Competição e rivalidade. b) Conflito e acomodação. c) Cooperação e assimilação. Unidade IV Os comentários dos textos são subjetivos. 3 - São os valores sociais de uma sociedade que orientam as atitudes de uma pessoa em relação a um objeto. A educação, por exemplo, aparece nas sociedades humanas com a função social de evitar a contradição existente entre os interesses pessoais e os sociais. 51 52 Referências Bibliográficas ALVES, Rubem. 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