PROCESSOS COGNITIVOS DE CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS DO

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2030
PROCESSOS COGNITIVOS DE CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS DO VERBO “DAR”
João Wandemberg Gonçalves Maciel - UEPB/IESP
Considerações iniciais
Entre as teorias lingüísticas a que se pode recorrer, para o estudo descritivo/explicativo das
construções lexicais complexas constituídas com o verbo “dar” - CLCDs, encontra-se, em posição
privilegiada, a teoria denominada de “cognitivismo lingüístico”, nos termos propostos por Lakoff
(1987) e Lakoff e Johnson (1980 e 2002).
Embora as raízes do cognitivismo tenham suas origens na tradição formalista, atualmente,
esses estudos têm abandonado um modelo formal de gramática, passando a engajar-se em uma
abordagem de cunho funcionalista.
O chamado paradigma cognitivo não envolve um enfoque cognitivo unitário,
mas uma variedade de paradigmas, que só tem em comum a ênfase nos
fenômenos mentais como agente do comportamento. Inclui a psicologia
cognitiva, a lingüística, a filosofia, a inteligência artificial, a neurociência e a
antropologia. O importante é que a linguagem é encarada como processo e
estratégia de conceptualização e categorização do real e, por conseguinte, a
expressão lingüística constitui um reflexo e ainda um elemento estruturado da
conceptualização. (VILELA, 2003, p. 183)
Antes de se estabelecer uma descrição dos processos de construção de significados
metafóricos veiculados por Construções Lexicais Complexas, faz-se necessário procurar investigar
qual a base conceptual formadora dessas construções. Tal preocupação se justifica devido ao
grande número de ocorrências dessas construções no corpus oral VALPB, principalmente, das que
se realizam com os verbos levar, ter, fazer, dar, tomar, bater e passar.
Bases Teóricas
Para tentar dar início a esse processo de investigação, este estudo tomou um novo rumo
teórico-descritivo, tendo em vista que muitas (ou todas as) das construções identificadas têm,
também, uma base cognitivo-metafórica, não-dependente do contexto. Tal observação fez com que
fosse começado um ensaio de um casamento de uma teoria de base formal com uma teoria
funcionalista, de base discursiva, cuja análise é realizada no discurso linguístico.
Antes de serem apresentados alguns conceitos dessa teoria, entendida, também, como uma
teoria de base funcionalista, tal como é apresentada em Votre (1996) e Salomão (1990), pode-se
lembrar que a aparente contradição entre as duas perspectivas de análise deve ser minimizada, se
for considerado, como mostra Vasconcellos (1995), que essas duas posições podem ser compatíveis
e complementares, caso sejam encaradas com base na seguinte visão:
A de que haveria um sistema de princípios formais que regule as estruturas
significantes da linguagem e a de que tais estruturas sejam utilizadas pelas
diversas línguas (e em parte no desempenho individual) de um modo pelo menos
parcialmente coerente e motivado do ponto de vista semântico.
(VASCONCELLOS, 1995)
É com base nessa possibilidade de compatibilização teórica que, nesse estudo das CLCDs,
não serão utilizadas apenas informações teóricas de base formal, mas também as de base
discursiva/pragmática.
Na visão de Vidal (2003 p. 231-232),
Podemos seguir suponiendo que existe uma semántica lingüística, que se ocupa
sólo del significado convencionalmente codificado en las expresiones
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lingüísticas, y que es totalmente independente de la pragmática. Habrá también
una semántica veritativo-condicional, que, partiendo del significado lingüístico y
de las explicaturas, pueda caracterizar adecuadamente las condiciones de verdad
de un enunciado; esta semántica ya no será autónoma, sino que dependerá tanto
de la semántica lingüística como de los mecanismos de inferência pragmática.
Por último, existirá la pragmática, que puede traspasar los limites tanto de lo
lingüístico, como de lo puramente veritativo-condicional, para adentrarse em los
significados implicados conversacionalmente. De este modo, quedan delimitadas
tres parcelas diferentes, cada una con un ámbito bien definido; juntas
contribuirán a dar una visión completa del significado.1
Corrente teórica que apresenta estudos relativamente recentes (a partir de 1980), o
cognitivismo tem como principal característica - embora suas raízes tenham sido formadas dentro
da tradição formalista universalista mentalista - o fato de ter, nos atuais estudos, abandonado um
modelo formal de gramática, sendo essa, talvez, a principal razão de tal corrente poder engajar-se
em uma abordagem de cunho funcionalista. Os principais estudos nessa linha estão centrados nos
trabalhos de Lakoff (1987), Johnson (1987), Lakoff e Johnson (1980 e 2002), Sweetser (1990),
Salomão (1990) e Vasconcellos (1995).
Tratando das questões que envolvem o cognitivismo lingüístico como uma corrente de
estudos, também, funcionalista, Vasconcellos (1995) nos informa que
A Lingüística Cognitivista é uma corrente teórica de consolidação relativamente
recente – dos anos 80 para cá – e ainda pouco conhecida no Brasil enquanto
linha de abordagem específica, embora vários adeptos do chamado programa
funcionalista também façam referência à sua literatura.
Embora essa linguista tenha enquadrado essa linha de estudo na tradição formalista
mentalista, não esquece de fazer as devidas ressalvas para tal enquadramento, quando nos dá a
seguinte explicação:
[...] hoje em dia (a Lingüística Cognitiva) afastou-se bastante de sua fonte,
podendo inclusive ser considerada como representante de um paradigma teórico
alternativo àquele de que proveio (que persiste na teoria chomskyana e em outras
teorias formais da gramática), sobretudo no que concerne à destituição da
importância do formalismo em Lingüística (Não no sentido de que recusem o
recurso à formalização, da qual fazem uso, embora sem considerá-la
teoricamente indispensável, mas no de não acreditarem na natureza formal,
arbitrária, dos símbolos de base das representações lingüísticas).
Lakoff (1987), ao apresentar as principais características da linguística de base cognitiva,
contrapõe, inicialmente, em termos de bases filosóficas, duas linhas de estudo: o chamado realismo
objetivista e o chamado realismo experiencial. A primeira estabelece uma relação quase perfeita
entre linguagem e conhecimento do mundo, ou seja, a realidade é apreendida a partir de uma
maneira única e correta, sem que dependa da experiência e da subjetividade do usuário de uma
língua particular. A segunda, embora tenha em comum com o objetivismo a crença na possibilidade
de um conhecimento estável sobre o mundo, parte do princípio de que os conceitos não só se
desenvolvem com base no organismo humano, mas também a partir da experiência humana,
individual e coletiva. Dessa maneira, na primeira, o pensamento, entendido como “razão”, é literal
1
Podemos seguir supondo que existe uma semântica linguística, que se ocupa só do significado
convencionalmente codificado nas expressões linguísticas e que é totalmente independente da pragmática. Há
também uma semântica verificativo-condicional que, partindo do significado linguístico e das explicações,
pode caracterizar as condições verdadeiras de um enunciado. Essa semântica não será autônoma, mas
dependerá tanto da semântica linguística como dos mecanismos de inferência pragmática. Por último, existirá
a pragmática, que pode ultrapassar os limites tanto do lingüístico quanto do puramente verificativocondicional, para adentrar-se nos significados implicados convencionalmente. Desse modo, ficam
delimitadas três parcelas diferentes, cada uma com a esfera bem definida; juntas, contribuirão para dar uma
visão completa do significado.
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– formado por proposições objetivas que podem ser verdadeiras ou falsas – e atomístico – formado
através da combinação de símbolos primitivos, ou seja, a mente é concebida como uma máquina
abstrata. Na segunda, o pensamento encontra-se enraizado não só no organismo, mas também na
experiência vivenciada pelos indivíduos.
De acordo com a interpretação que Vasconcellos (1995) faz de Lakoff (1987), nessa
segunda linha dos estudos cognitivistas,
[...] o pensamento seria também imaginativo, porque é com a ajuda de processos
de mapeamento metafórico e metonímico e de formação de imagens e de
transposição de esquemas de imagens, que vão todos muito além da
representação literal da realidade, que derivaria os conceitos e relações mais
abstratos, não diretamente calcados na experiência. Teria ainda propriedades
gestálticas, podendo formar conceitos sem ser pela combinação por meio de
regras de primitivos atômicos, e uma estrutura ecológica: a eficiência do
processamento cognitivo dependeria da organização geral do sistema conceitual
e da relevância do significado dos conceitos envolvidos, do seu lugar no sistema
e grau de relacionamento com os demais. O pensamento seria, pois, muito
diferente da mera manipulação mecânica de símbolos abstratos.
Assim, enquanto para o realismo objetivista corresponde o uso da teoria clássica da
categorização, Lakoff (1987) estuda as categorias que existem efetivamente no mundo e que são
determinadas por meio de um conjunto de propriedades objetivamente partilhadas pelos seus
membros – para o realismo experiencial ou experiencialismo, corresponde uma teoria de
categorização que foi denominada por Eleonor Rosh de Teoria dos Protótipos e das Categorias de
Nível Básico (apud LAKOFF, 1987, p.39) – pontos de referência cognitivos –, originando-se deste
último tipo de categorização as chamadas Categorias Radiais, que utilizaremos como um dos
níveis de análise, para determinar os sentidos do verbo “dar” como item lexical pleno e como
constituinte de Construções Lexicais Complexas.
Investigando o Objeto
Ao situar este estudo com o verbo “dar”, no âmbito da cognição social (discursiva,
funcionalista), pode-se considerar, seguindo as idéias acerca da categorização de Rosch (1978, p.
28), para quem “os assuntos de categorização com os quais nos ocupamos têm a ver,
principalmente, com a explicação das categorias encontradas em uma cultura e codificadas pela
língua daquela cultura em um ponto específico do tempo”, que essa abordagem lingüística tem o
papel de investigar de que forma as versões (categorizações) mais ou menos estáveis são
distribuídas entre os sujeitos cognitivos. Neste estudo particular, tal abordagem tem o papel de
fundamentar uma descrição da categoria CLCD, identificando o modo como os indivíduos
negociam, discursivamente, os fatos da realidade.
Vasconcellos (1995) nos explica, ainda, que o conceito de Categorias Radiais se contrapõe
à Teoria Clássica da Categorização porque representa uma alternativa para essa teoria, ou seja,
Para a idéia de que categorias sejam determinadas por um conjunto de propriedades
coletivamente necessárias para estabelecer o pertenciamento de seus membros e
suficientes para distinguir cada categoria das outras. Já pela teoria radial, uma categoria
pode ter membros de vários graus de representatividade: seus melhores exemplares,
ditos membros prototípicos, apresentariam a maioria das propriedades que a
caracterizam, mas, diferentemente do postulado pela teoria clássica, outros membros
não precisariam ter todas essas propriedades, e alguns deles poderiam até não possuir
nenhuma delas.
Tal noção de categorização, na visão de Lakoff (1987), ao contrário da psicologia cognitiva
de Rosch, está centrada em uma abordagem sociocognitiva, que permite reorientar o enfoque das
categorias, levando em conta seu caráter situado, localmente produzido, contextualmente
dependente e linguisticamente organizado.
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Nessa perspectiva, a organização do sistema conceitual de base experiencialista, proposta
por Lakoff (1987), assenta-se em duas questões fundamentais: a estrutura desses conceitos e a
significatividade. Por serem estruturados tanto internamente quanto entre si, a organização do
sistema conceitual permite que haja um funcionamento cognitivo. Assim, a partir do
estabelecimento do conceito de ICM, um modelo cognitivo idealizado, Lakoff (1987) apresenta as
idéias de “encorpamento” – termo traduzido por Vasconcellos (1995), do termo “embodiment” –,
estruturas de nível básico, esquemas de imagens e espaços mentais.
O “encorpamento” é que garante a base da significatividade e fornece a origem para a
estrutura conceitual, através das estruturas pré-conceituais, representadas por estruturas de nível
básico – responsáveis pela categorização inicial, principalmente pela organização de partes
responsáveis pela constituição de uma imagem gestáltica – e esquemas de imagens – estruturas
cognitivas inconscientes, relativamente abstratas e extremamente simples, formadas através ds
vivência sinestésica corporal. Entre a conceptualização e o pensamento, estão os “espaços
mentais”, ou “espaços representacionais” de natureza unicamente conceitual, onde estão
localizadas representações mais específicas de entidades com determinadas propriedades e em
dadas relações com outras, processos e eventos etc.
Para Lakoff (1987), os modelos cognitivos idealizados (ICMs) são
gestalts ideativas’, espécies de esquemas teóricos simplificados por meio dos
quais organizamos nossos conhecimentos e criamos e estruturamos espaços
mentais. São estruturas simbólicas relativamente complexas, organizadas,
sobretudo, segundo a lógica de esquemas de imagens. São ditos idealizados
porque não necessariamente correspondem ao mundo objetivo, podendo
inclusive ser inconsistentes entre si.2
São quatro os tipos básicos de modelos cognitivos, a saber: “proposicionais” e
“esquemáticos”, caracterizados pelo tipo de estrutura que apresentam; “metafóricos” e
“metonímicos”, caracterizados pelos princípios de formação que os criam a partir de outros
modelos. Vasconcellos (1995), com base em Lakoff (1987), explica-nos que
Os modelos proposicionais são os que não fazem uso dos dispositivos
imaginativos da cognição. Podem incluir não só estruturas cognitivas
tradicionais nas abordagens formalistas, como proposições, feixes de traços e
taxonomias, mas também outros tipos de organizações cognitivas, como os
frames, scripts e cenários desenvolvidos pelos teóricos da Inteligência Artificial.
Os modelos esquemáticos correspondem a um esquema de imagem, ou a alguns
esquemas de imagens diferentes relacionados entre si por meio de
transformações de esquemas de imagem e representações abstratas de traços
básicos de um modelo cognitivo. Os modelos metafóricos resultam do
mapeamento de um domínio cognitivo de fonte já conceptualizado e estruturado
por um modelo proposicional ou por um esquema de imagem, em um domínio
alvo, disso decorrendo a atribuição a este de uma estrutura correspondente à do
domínio original. Tal mapeamento seria tipicamente parcial, abrangendo apenas
os aspectos do segundo domínio passíveis de serem compreendidos por analogia
com os do primeiro. Já no caso dos modelos metonímicos, ocorreria mapeamento
entre dois elementos de um elemento conceitual já estruturado por um ICM,
passando um deles a valer pelo outro para fins cognitivos (VASCONCELLOS,
1995, p. 184-5).
Quando expressões linguísticas estão associadas a um modelo cognitivo, o resultado seria
um quinto e especial tipo de ICM, os modelos simbólicos, próprios à linguagem.
Para a determinação desses modelos simbólicos, três noções são fundamentais: a de
construção central, a de categorias radiais, já citadas anteriormente, a de encadeamento, “rede de
nós”, cadeia, e a de motivação ou de princípios gerais de motivação.
Em relação às construções centrais, Lakoff (1987, p. 463) refere:
2
Tradução de Vasconcellos (1995, p. 184).
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Exhibit a direct and regular relationship between form and meaning, specified by
general principles which we will refer to as central principles. Non-central clause
structure, and their form-meaning correspondence derive in large part from those
wich are more central.3
As estruturas radiais, de acordo com Lakoff (1987, p. 84), são extremamente comuns,
fazem parte da gramática de uma língua dada e são estruturadas radialmente porque a ela estão
ligadas certo número de subcategorias: [...]a radial structure is one where there is a central case
and convencionalized variations on it which cannot be predicted by general rules.4 Como exemplo,
podemos citar a categorização que Lakoff (1987, p. 91) faz do item lexical “mãe”:
The category mother, as we saw above, is strutured radially with respect to a
number of its subcategories: there is a central subcategory, defined by a cluster
of converging cognitive models (the birth model, the nurturance model, etc.); in
addition, there are noncentral extensions which are not specialized instances of
the central subcategory, but rather are variants of it (adoptive mother, birth
mother, foster mother, surrogate mother, etc.).5
Salomão (1990) conclui, através da análise de vinte e três construções com o verbo “dar”,
que ele se constitui como uma categoria radial cognitiva e gramaticalmente motivada. Para essa
linguista, a gramática é conceptualmente motivada, mas não necessariamente transparente.
Vasconcellos (1995), em um estudo cognitivista mais crítico do que descritivo, analisa o verbo
“passar” em suas diversas acepções apresentadas em dicionários e conclui que este também dá
origem a construções radiais.
Alves (1998), analisando o verbo “levar” como constituinte de Construções Lexicais
Complexas, também apresenta algumas características semânticas desse verbo, caracterizando-o,
também, como uma estrutura radial.
As diretrizes básicas desses três últimos trabalhos, no que diz respeito à consideração
desses itens lexicais verbais, como categorias radiais estão centradas, principalmente, em Lakoff
(1987) e Lakoff & Johnson (1980), para quem a idéia de um modelo central que caracterize as
estruturas lingüísticas determina as possibilidades de extensão de significado, através das relações
que se estabelecem entre esse modelo central e os modelos estendidos. São essas relações que
formam as cadeias ou encadeamentos, citadas/os anteriormente, ou seja, o todo da categoria
entrelaça-se em uma rede, cujos nós ocupam diversos lugares na estrutura, não deixando, no
entanto, de ficarem, direta ou indiretamente, interligados.
Com base em Lakoff (1987), Vasconcellos (1995) conceitua as categorias radiais em
[...] elos que permitem a extensão da categoria a partir dos membros
prototípicos, não têm o caráter de regras gerativas formais, mas, ao contrário, são
fornecidos por certos princípios cognitivos gerais de motivação, que explicam
3
Apresentam uma relação direta e regular entre forma e sentido, especificada pelos princípios gerais sobre os
quais nos referimos como princípios centrais. Cláusulas estruturais não-centrais e seus sentidos formais
correspondentes derivam, em sua maioria, das construções que foram consideradas mais centrais” LAKOFF,
G. 1987. Women fire and dangerous things: what categories reweal about the mind. Chicago: The
University of Chicago Press.
4
“a estrutura radial ocorre quando há uma variação central e convencionalizada que não pode ser
prognosticada por regras gerais”. LAKOFF, G. Women fire and dangerous things: what categories reweal
about the mind. Chicago: The University of Chicago Press, 1987.
5
“A categoria mãe, conforme mencionamos anteriormente, é radialmente estruturada no que diz respeito ao
número de suas subcategorias: há uma categoria central, definida pela convergência de um grande número de
modelos cognitivos (o modelo do parentesco, etc.); há, também, uma extensão não-central, que são instâncias
especializadas de uma subcategoria central, mas apropriadamente, são variações dos modelos (mãe adotiva,
mãe natural, etc.)”LAKOFF, G. Women fire and dangerous things: what categories reweal about the mind.
Chicago: The University of Chicago Press, 1987.
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em que os membros derivados são de algum modo semelhantes aos de que se
originam. Entre eles avultam princípios de mapeamento metafórico e
metonímico e transformações de esquemas de imagem.
A partir da apresentação desses conceitos, explicitados por Lakoff (1987), também
interpretados por Vasconcellos (1995), Salomão (1990) e Alves (1998), passa-se a considerar que,
para uma descrição dos processos de construção metafórica veiculados por Construções Lexicais
Complexas, constituídas com o verbo “dar”, faz-se necessário, também, além da identificação da
base conceptual, determinar as relações semânticas estabelecidas por esse verbo, ou seja,
determinar, em termos sincrônicos, o sentido fonte/básico do verbo “dar” realizado como item
lexical pleno, assim como os sentidos derivados do verbo “dar” como constituinte de Construções
Lexicais Complexas.
Buscando essa direção de análise é que se pode apresentar, com base em uma experiência
física direta, a seguinte construção central (sentido básico, pleno, considerado ponto de partida para
as construções radiais) para os itens lexicais “dar”:
X DAR Y A ALGUÉM -
(DOAÇÃO/ENTREGA)
Para essa idéia de “experiência física direta” - intuída nessa construção central, X DAR Y
A ALGUÉM - Lakoff e Johnson (2002) fazem a seguinte observação:
Em outras palavras, o que chamamos de “experiência física direta” não é jamais
uma questão de possuir um corpo de um determinado tipo; é uma questão de
toda experiência acontecer dentro de uma vasta bagagem de pressuposições
culturais. Daí pode ser equivocado falarmos em experiência física direta como se
houvesse um conjunto central de experiências imediatas que nós então
“interpretaríamos” em termos de nosso sistema conceptual. Suposições, valores e
atitudes culturais não são conceitos que acrescentamos à experiência. Seria mais
correto dizer que toda a nossa experiência é totalmente cultural e que
experienciamos o “mundo” de tal maneira que nossa cultura já está presente na
experiência em si.
Interpretando Lakoff (1987), Votre (cf. 1994, p. 30) nos lembra que o conceito resultante
dessa experiência “física direta” não é, necessariamente, predizível, mas esse conceito se constrói
na experiência interativa. Em outras palavras, os nossos sistemas conceituais dependem
diretamente da nossa percepção sociofísica.
Em resumo, a proposta de Lakoff apresenta as seguintes características:
a. A língua pode ser caracterizada através de modelos simbólicos, nos quais se dá uma
relação entre informação linguística e modelos cognitivos;
b. Os modelos cognitivos podem ser proposicionais, de esquema em imagem, metafóricos e
metonímicos;
c. A experiência é categorizada em termos prototípicos, e é dessa categorização que resultam
as estruturas radiais.
Vilela (2003, p. 183), com base em Lakoff (1987), ressalta que o paradigma cognitivista
experiencial tem merecido
[...] uma atenção especial, para quem a linguagem é uma forma de simbolização
de capacidades naturais, entre as quais se destaca a capacidade “pré-conceptual”
de conceptualizar a experiência corporizada (embodied mind), a ação sobre o
mundo e a capacidade de relacionar analogicamente domínios conceptuais entre
si. As nossas capacidades simbólicas (subjectivas, intersubjectivas, mentais e
culturais) estão intimamente enraizadas numa base natural experiencial.
Fauconnier (1994) assevera que os significados são entendidos como construções mentais
que se processam a partir de instruções fornecidas pelos sinais linguísticos – as formas da língua.
Entendendo os diferentes níveis de estruturação da gramática como partes integrantes do
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conhecimento que os sujeitos têm arquivados na mente, parte-se do pressuposto de que as formas
linguísticas não são portadoras de significados, mas guiadas para a construção de significações em
domínios mentais.
Assim considerando, entende-se que os enunciados produzidos ativam correlações entre as
formas linguísticas e as estruturas de conhecimentos de diferentes naturezas arquivados na mente
dos indivíduos desde a infância. Tais estruturas passam a estar disponíveis na mente dos indivíduos
– como arquivos cognitivos – com o compartilhamento de experiências físicas, psíquicas, sociais,
culturais e linguísticas que são processadas pelos indivíduos nas interações que se efetivam nas
comunidades às quais se integram.
Considerações Finais
Além das estruturas permanentes para a construção dos significados, há as chamadas
estruturas provisórias – os espaços mentais – propostas por Fauconnier (1994). Esses espaços são
estruturas transitórias de organização da representação do pensamento em uma forma linguística.
Eles emergem na mente à medida que pensamento e fala progridem, como “arquivos de trabalho”
nos quais as formas linguísticas são preorganizadas para serem projetadas nos enunciados.
Segundo Fauconnier (1994), os espaços mentais são estruturas mentais instáveis,
transitórias, pois se desfazem tão logo a sequência linguística seja atualizada. Na continuidade do
discurso, outros espaços emergem, interligados numa rede tão dinâmica quanto complexa,
preorganizando a construção dos discursos.
Muitas dessas idéias já haviam sido apresentadas e discutidas por Johnson (1987) e
Sweetser (1990), também adeptos de um cognitivismo linguístico de base experiencial. Ambos
igualam suas teorias à de Lakoff (1987) quando, em seus estudos, fornecem evidências de que o
significado mais abstrato tem suas bases derivacionais em um significado sociofísico, portanto, em
um significado mais concreto.
Dessa maneira, no que diz respeito às categorias prototípicas, a hipótese realista
experiencialista propõe que a prototipicidade, embora de certa forma estável, é condicionada pelo
ambiente cultural da comunidade linguística onde tais categorias se realizam. Em Lakoff (1987, p.
XIV), são atribuídas às categorias, por exemplo, determinadas características: 1) de corporificação:
as categorias não são abstratas, são sensíveis às contingências sensório-motrizes dos falantes; 2) de
natureza imaginativa: as categorias não têm necessidade de correlação com fenômenos reais, mas
pertencem a esquemas imaginativos de base; 3) de propriedades gestálticas (de formas) e não
apenas de qualidades; 4) de contextualização situada: a estrutura da categoria é ambientada no
contexto; 5) de idealização: as categorias podem ser descritas por modelos cognitivos idealizados,
domínios mentais estáveis e locais.
Tais domínios são processados metaforicamente, ou seja, a metáfora é considerada uma
operação cognitiva fundamental, constitutiva da linguagem e do pensamento.
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