Observatório Saúde na Mídia Monitoramento da gripe H1N1 na mídia impressa Apresentação de Resultados Quinto Relatório Período: 01 de maio a 31 de agosto de 2009 Laboratório de Pesquisa em Comunicação e Saúde LACES/ICICT/FIOCRUZ NUCOM/SVS/MS Rio de Janeiro Fevereiro de 2011 QUINTO RELATÓRIO DE RESULTADOS Período: 01 de maio a 31 de agosto de 2009 Convênio SVS/MS – ICICT/FIOCRUZ Iniciativa: Núcleo de Comunicação da Secretaria de Vigilância em Saúde/MS Vanessa Borges Valéria Vasconcelos Padrão Realização: Observatório Saúde na Mídia (LACES / ICICT / FIOCRUZ) Coordenação geral: Umberto Trigueiros (Diretor ICICT) Coordenação adjunta: Kátia Lerner (Dra Antropologia Social, LACES / ICICT) Coordenação executiva: Izamara Bastos (Ms Comunicação Social, LACES / ICICT) Assessora metodológica: Inesita Soares de Araújo (Dra Comunicação Social, LACES/ICICT) Pesquisadores Igor Sacramento (Ms Comunicação Social, convênio ICICT/SVS) Izamara Bastos (Ms Comunicação Social, LACES / ICICT) 2 Kátia Lerner (Dra Antropologia Social, LACES / ICICT) Wilson Couto Borges (Dr Comunicação Social, convênio ICICT/SVS) Pesquisadora Colaboradora: Adriana Kelly Santos (Dra Saúde Pública, Prof./DEM/ UFV) Assistentes de Pesquisa Karen Dias (convênio ICICT/SVS) Pedro Gradella (convênio ICICT/SVS) Estagiários Laces/Icict Bruno Costa David Nascimento Apoio administrativo Ednalva Lira (LACES/ICICT) Fotos Gilson Machado (VideoSaúde Distribuidora/ICICT) Pedro Gradella (convênio ICICT/SVS) Igor Sacramento(Ms Comunicação Social, convênio ICICT/SVS) 3 SUMÁRIO Apresentação ............................................................................................ p. 05 1. Introdução .............................................................................................. p. 07 2. Uma visão de conjunto: dados quantitativos ....................................... p. 10 3. Análise da produção narrativa sobre a Influenza H1N1............ p. 21 3.1 O Globo.......................................................................................... p. 21 3.2 Folha de São Paulo ....................................................................... p. 65 3.3 O Dia ............................................................................................... p. 105 4. Considerações finais ............................................................................. p. 146 5. Anexo: Tabelas com os títulos dos textos sobre Influenza H1N1 ......... p. 151 4 APRESENTAÇÃO Apresentamos à Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde – SVS/MS o quinto relatório contendo os resultados da análise da mídia sobre o tema da Influenza H1N1 e sobre a atuação do Ministério relativa a esta pandemia. Diferente dos relatórios anteriores, que cobriram o ano de 2010, a presente análise refere-se a 2009, ano em que ocorreu o reaparecimento da doença no mundo. O período investigado se estende de 01 de maio a 31 de agosto, e contemplou os seguintes veículos: O Dia, O Globo e Folha de São Paulo. Esta análise é mais um produto da cooperação entre o Núcleo de Comunicação/SVS e o ICICT – Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz, que inclui, entre outras atividades, um conjunto de ações relativas ao monitoramento e análise crítica da prática discursiva dos meios de comunicação sobre temas da saúde. O relatório está dividido em duas partes principais. Na primeira, trazemos uma descrição quantitativa, identificando a incidência de textos nos jornais monitorados, sua presença nas capas, freqüência por dias da semana, localização dos textos no jornal, entre outros itens. Na segunda, apresentamos uma análise qualitativa, abordando cada veículo de informação em separado, identificando e explicitando os mecanismos através dos quais eles construíram os sentidos sobre a Influenza H1N1 e sobre o papel do Ministério da Saúde nesse processo. Desejamos uma boa leitura e nos colocamos à disposição para maiores esclarecimentos. 5 Umberto Trigueiros Lima Diretor do ICICT Coordenador geral do Observatório Kátia Lerner Chefe do LACES Coordenadora adjunta do Observatório 6 1. Introdução Este relatório contém os resultados relativos à análise da mídia sobre Influenza H1N1 no período de 01 de maio a 31 de agosto de 2009. O início do período abordado situa-se logo após as primeiras notícias publicadas na mídia nacional (e internacional) sobre este agravo, ocorridas no final de abril, o que nos permitiu acompanhar desde um momento muito seminal como a pandemia foi sendo construída no discurso midiático. Os jornais a partir dos quais a análise foi feita foram O Dia, O Globo e Folha de São Paulo. A opção pelo eixo Rio-São Paulo se justifica por se tratar dos periódicos monitorados originalmente pelo Observatório Saúde na Mídia no ano estudado, configurando-se, portanto, as fontes disponíveis1. O resultado desse processo foi estruturado em duas partes. A primeira apresenta uma descrição de cunho quantitativo sobre a cobertura da Influenza H1N1 nos jornais analisados, de modo a se obter um cenário levando em conta a sua dimensão temporal, a abordagem segundo o veículo e a estrutura do jornal (capa, editoria e formato). A segunda é preponderantemente qualitativa. Nela, empreendemos uma análise da cobertura dos veículos investigados a partir do referencial teórico- metodológico da semiologia dos discursos sociais, adotado pelo Observatório para seus trabalhos analíticos. Entretanto, também nos ocupamos da identificação dos temas mobilizados nos textos observados. O esforço foi direcionado para acompanhar a lógica de construção dos acontecimentos, observando os temas privilegiados, apontando as presenças e ausências do tema nos periódicos. Uma das premissas do processo de investigação realizado pelo Observatório é a de que, a partir de determinadas “idéiasmatrizes”, os discursos constroem realidades. Ou seja, os discursos não apenas relatam os objetos de que falam, mas, ao falar deles de modo específico, constroem esses objetos. Cada órgão da imprensa analisado neste trabalho tem seu próprio modo de falar dos fatos e das instituições e assim fazendo, produz significações, produz sentidos específicos para aquele fato ou 1 A despeito dos diversos contatos prévios, a parceria com o NUCOM/SVS de fato foi iniciada em fevereiro de 2010. Portanto, tivemos que trabalhar com o material relativo ao recorte original do Observatório Saúde na Mídia coletado em 2009, que não contemplava periódicos dos estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul. 7 instituição. Estes sentidos circulam e se articulam com os muitos outros sentidos circulantes na sociedade. Ainda que não esteja no âmbito do Observatório saber se e como esses sentidos são apropriados pela população, o que demandaria metodologias específicas, nos propomos a tomar a teoria como ponto de ancoragem que sustenta o olhar sobre o corpus de análise, formulando e respondendo perguntas sobre o material envolvendo elementos tais como: conteúdo (o que fala?), vozes contempladas (quem fala?), modos de dizer (como fala?), contexto textual (onde fala?), contexto intertextual (redes de sentidos mobilizadas). Assim, se na primeira parte do trabalho, para proporcionar um cenário mais quantitativo, levamos em conta a totalidade dos textos jornalísticos veiculados no período estudado, na segunda trabalhamos com um corpus reduzido. Um dos princípios metodológicos da Análise Social dos Discursos afirma que há uma recorrência nos dispositivos de enunciação, portanto nos sentidos que dali emergem. Em outras palavras, há uma tendência de repetição dos sentidos, prescindindo-se por isto da utilização de um grande volume de material empírico, sendo a amostra suficiente para identificar os sentidos presentes nos textos. Diante dessas considerações, realizamos um recorte cujo critério de seleção teve como referência proporcionar uma perspectiva diacrônica do período coberto pelo relatório (01/05/2009 a 31/08/2009). Para tanto, selecionamos cinco intervalos regulares de tempo (distantes quatro semanas entre si), com duração de uma semana cada. Dentro de cada um deles selecionamos três dias segundo a freqüência de textos publicados (maior, média e menor). As semanas analisadas foram: • Primeira semana de análise: 04 - 10 de maio • Segunda semana de análise: 01 - 07 de junho • Terceira semana de análise: 29 de junho - 05 de julho 8 • Quarta semana de análise: 27 de julho - 02 de agosto • Quinta semana de análise: 24 - 30 de agosto Cabe, por fim, enfatizar que este texto contempla regularidades discursivas, ainda que a abordagem geral sobre a Influenza H1N1 nos jornais monitorados tenha passado por transformações – um exemplo disso pode ser percebido pela designação de “Nova Gripe”, nos primeiros dias de cobertura sobre o tema, e Influenza A (H1N1), no final. Nesse sentido, as análises aqui produzidas nos permitem apontar que as práticas de comunicação dos jornais se configuram em dispositivos de enunciação sobre a Influenza H1N1 e sobre a atuação do Ministério da Saúde. 9 2. Uma visão de conjunto: dados quantitativos O período monitorado nos jornais O Globo, O Dia e Folha de São Paulo – de 1º de maio a 31 de agosto em 2009 – apresentou um enorme volume de textos publicados na imprensa sobre o tema. Foram encontrados, em apenas três jornais, 868 textos num período de 123 dias, o que indica uma média de 7,05 textos por dia. Se levarmos em consideração que o jornal diário é um espaço disputado pelos mais variados temas, podemos, de imediato, atestar que a Influenza H1N1 esteve presente nas pautas jornalísticas de uma maneira bastante notável e regular (ver gráfico 01). Gráfico 01 Textos de Influenza H1N1 no Período de Maio a Agosto de 2009 300 250 283 253 200 150 190 142 100 50 0 Maio Junho Julho Agosto Provavelmente esta presença relacionava-se com o caráter de novidade e incerteza que a doença apresentava, mobilizando fortemente o imaginário social. Quando o tema começou a ocupar as páginas dos jornais, era retratado como uma “nova gripe” e não se tinha muita clareza sobre sua origem, sintomas e possíveis conseqüências, embora neste momento acreditava-se que tivesse um caráter mais letal do que a gripe comum. Seu rápido alastramento pelo mundo e, conseqüentemente, sua caracterização enquanto “pandemia” acirraram os sentimentos de medo e insegurança, 10 potencializados pelo início dos óbitos decorrentes da doença. Esse cenário transformaria a Influenza H1N1 em um tema de grande noticiabilidade, interpretado como algo de grande interesse público na lógica jornalística. Uma breve comparação com os dados encontrados no ano seguinte, quando o primeiro ciclo da doença já havia se encerrado e as perspectivas de prevenção e tratamento eram mais consistentes (com o anúncio da campanha de vacinação a ser realizada pelo Ministério da Saúde), é reveladora do espaço que ela ocupou nos noticiários. Em 2010 monitoramos cinco jornais diferentes ao longo de 177 dias, encontrando um total de 281 textos sobre Influenza H1N1, o que resultou na média de 1,58 textos por dia. Ou seja, ao compararmos os dados de 2009 com um espectro mais amplo de periódicos e em um intervalo de tempo bem maior do ano precedente, ainda assim obtivemos um número três vezes maior de textos publicados. Como o gráfico 1 indica, o mês de maio se inicia com um volume considerável de publicações: 190. Embora em junho se verifique uma razoável retração (142 textos, ou seja, um decréscimo de 25% de maio para junho), a tendência observada nos meses subseqüentes foi de crescimento, com 253 em julho (crescimento de 78% em relação a junho) e 283 textos em agosto (crescimento de 12% em relação ao mês precedente). Tendência semelhante foi observada ao se analisar a presença de chamadas nas capas dos jornais. Iniciamos maio com um número significativo – 22 chamadas, i.e., 0,70 por dia – valor que permanece praticamente inalterado em junho. No entanto, observamos um acentuado crescimento no mês seguinte, que publicou mais do que o dobro de chamadas (43 textos, 1,38/dia). O mês de agosto confirma esta tendência de crescimento, apresentando um valor similar ao do mês precedente (41 textos, 1,32/dia) (ver tabela 1). Olhando globalmente, podemos afirmar que, ao longo desses 123 dias, obtivemos a média de uma chamada por dia na capa dos jornais monitorados. 11 Tabela 1 Mês Maio Junho Julho Agosto TOTAL Média de capas / dia 0,70 0,70 1,38 1,32 1,03 No. de capas / mês 22 21 43 41 127 Embora o conteúdo destes textos venha a ser analisado de forma detalhada no próximo segmento, a leitura preliminar dos títulos nas capas nos fornece pistas para entender esse movimento quantitativo (ver anexo 1). O mês de maio, por exemplo, apresenta 22 chamadas. Os primeiros textos enfocam as notícias da gripe no México, país no qual se deu o reaparecimento da doença no mundo (3 textos), a medida tomada para prevenção (desinfecção de avião, 1) e a perspectiva de sua chegada ao Brasil (1). Em seguida, anuncia-se a suspeita de casos no país (3) e a confirmação da chegada da Influenza H1N1 no Brasil (1), no dia 08 de maio. A partir daí, grande parte dos textos abordam os casos suspeitos no Brasil e seus desdobramentos – se foi ou não confirmado o diagnóstico – (cerca de 12), sendo os restantes temas diversos. Com a confirmação da chegada da doença ao país, os principais temas presentes nas 21 capas identificadas no mês de junho foram: a prevenção da doença através do controle de aglomerações, em especial nas instituições de ensino (com 7 chamadas), e da diminuição dos fluxos através do adiamento de viagens a países com muitos casos, como Argentina e Chile (3). Outros temas a serem destacados foram: 2 chamadas anunciando que a doença fora considerada pandemia pela OMS e o anúncio da criação da vacina, nos no dias 12 e 13 de junho, respectivamente. Os títulos presentes no final já dariam subsídios para se entender o grande aumento identificado em julho: 2 chamadas de capa no dia 29 de junho anunciando o primeiro caso de óbito no país. Provavelmente este foi um dos principais fatores a justificar o crescimento de textos e capas em julho, uma vez que praticamente um terço das chamadas giraram em torno deste tema (13), sendo um outro título 12 também sobre óbito, mas associado à gripe comum. Paralelamente identificou-se outro assunto que muito mobilizou o noticiário: a questão da gestão. Foram encontrados 9 títulos remetendo à atuação do Estado no combate à doença, seja informando sobre a mobilização do exército e dos bombeiros, seja denunciando a longa espera por atendimento, falta de médicos e remédios, ou ainda encaminhamentos na resolução destes problemas. O terceiro tema mais presente foi o da prevenção, com chamadas abordando a suspensão das aulas pelas escolas (7) e as recomendações para se evitar aglomerações (cinema etc.). Por fim, os temas restantes vieram pulverizados, abordando o medo (2) e as expectativas frente ao surto (1), os casos de suspeitas entre famosos (2), a decisão de realizar exames apenas para os casos graves (2), notas sobre o remédio (1) e a questão das grávidas (2), que já despontavam como um grupo vulnerável na cobertura midiática. Por fim, em agosto, o grande tema presente foi o adiamento do reinício das aulas (9). Muitos Estados optaram por postergar o retorno das crianças aos bancos escolares a fim de se evitar um maior número de contaminados, já que a doença já havia sido diagnosticada em uma considerável parcela da população brasileira. Outro tema que permaneceu com força nas chamadas foi sobre os óbitos decorrentes da doença (7) e a situação das grávidas (7), sendo que estes dois assuntos estiveram explicitamente associados em duas chamadas específicas (óbitos de grávidas). A dimensão curativa começa a despontar, com 4 chamadas sobre remédios voltados para combater a Influenza H1N1 e antigripais (desaconselhando seu uso) e o restante de temas é variado. Cabe apenas ressaltar, nesse período final, as expectativas de piora da doença (a volta da gripe e o aumento do número de casos) e uma primeira chamada datada de 19 de agosto informando que governo apontava a queda no número de casos de Influenza H1N1. O Observatório também constatou que, no que diz respeito à publicação sobre o assunto nos dias da semana, foi possível identificar que sexta-feira e sábado foram os dias que mais apresentaram o assunto (respectivamente 154 e 153 textos), conforme se pode verificar no gráfico 02. Em contrapartida, temos domingo – dia em que se é possível encontrar um 13 público bem diferenciado dos demais leitores dos dias úteis – com o menor número de textos publicados ao longo de todo período analisado. Foram 93 textos aos domingos. Gráfico 02 Dispersão de Textos por Dia da Semana no Período de Maio a Agosto de 2009 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0 153 130 100 154 120 118 93 Domingo Segunda Terça Quarta Quinta Sexta Sábado As observações acima colocadas nos dão uma visão geral sobre a presença da Influenza H1N1 nos jornais monitorados. Seria interessante, nesse momento, ter uma perspectiva mais setorizada, levando em conta a distribuição dos textos e chamadas de capa entre os periódicos analisados. O jornal que mais publicou no período de maio a agosto foi O Globo, com 377 textos (43%); em segundo lugar a Folha de São Paulo, com 250 textos (29%) e logo em seguida O Dia, que publicou 241 textos (28%), conforme mostra o gráfico 03: 14 Gráfico 03 Textos de Influenza H1N1 por Jornal no Período de Maio a Agosto de 2009 Folha de S. Paulo 29% O Globo 43% O Dia 28% A preponderância de O Globo na publicação de textos sobre Influenza H1N1 permaneceu constante em praticamente todos os meses; a única exceção foi o mês de junho, quando preponderou a Folha de São Paulo. Este último periódico, por sua vez, apresentou na totalidade do período um número de textos relativamente próximo ao jornal O Dia, conforme podemos verificar na tabela baixo: Tabela 2 Textos por Jornal Maio Junho Julho Agosto TOTAL O Globo 74 46 125 132 377 Folha de S. Paulo 68 58 51 73 250 O Dia 48 38 77 78 241 TOTAL 190 142 253 283 868 A retração no volume de textos verificada no mês de Junho foi identificada uniformemente nos três jornais. Já no mês de julho, dos 253 textos publicados, os jornais O Dia e O Globo mais que duplicaram o número de textos sobre a gripe, em relação ao quantitativo publicado no mês anterior, o 15 que não ocorreu com o periódico Folha de São Paulo, que manteve a tendência de queda. No entanto, agosto apresentou um crescimento de todos os veículos. Embora o jornal O Globo seja o que apresente a maior quantidade de textos sobre Influenza H1N1, ele no entanto é o que apresenta o menor número de chamadas em capa (ver tabela 3 e gráfico 4). O Dia permanece sendo o que menos textos apresenta, estando muito próximo de O Globo no que se refere às chamadas de capa, e A Folha de São Paulo apresenta uma leve preponderância nas capas frente aos demais periódicos analisados. Tabela 3 Capas por Jornal Maio Junho Julho Agosto TOTAL Folha de S. Paulo 9 10 12 15 46 O Dia 7 3 17 14 41 O Globo 6 8 14 12 40 Total 22 21 43 41 127 Gráfico 04 Total de Capas por Jornal no Período de Maio a Agosto de 2009 O Globo 31% Folha de S. Paulo 37% O Dia 32% 16 Outro dado importante a ser considerado diz respeito à localização dessas matérias no interior de cada jornal2. A tabela abaixo revela a distribuição dos textos nos periódicos segundo editoria (tabela 4): Tabela 4 Editorias Maio Junho Julho Agosto TOTAL % Cidade 96 101 169 174 540 62,2 Opinião 20 8 59 70 157 18,1 Saúde 27 19 21 27 94 10,8 Internacional 47 9 1 1 58 6,7 Nacional 0 4 2 6 12 1,4 outras 0 0 1 6 7 0,7 Ao longo do período analisado, o espaço em que a discussão esteve mais visível foi na editoria Cidade, apresentando um total de 540 textos (62,2%). Cabe lembrar que, com exceção de O Globo, os demais jornais têm editorias voltadas para temas da Saúde, o que reforça a opção dos veículos pela inclusão destas notícias na editoria Cidade. A editoria Saúde, no entanto, se configura um espaço não menos importante, apresentando 67 textos (10,8%), sendo o terceiro lugar que mais textos sobre o tema apresentou. É significativo que a editoria Opinião apareça em segundo lugar, com 157 textos (18,1%), tendo em vista que se tratava de um tema que mobilizava medo e incertezas da população. Não deve ser coincidência que, logo após a caracterização da doença como pandemia pela OMS e, mais ainda, com a ocorrência do primeiro caso de óbito (em 29 de junho), tenha havido um significativo aumento nos textos opinativos (julho e agosto). Mais adiante, ao analisarmos os formatos mais adotados, qualificaremos melhor que tipo de textos apareceu nesta editoria. 2 Como ocorreu nos relatórios anteriores, foi adotada a classificação segundo os temas das editorias. Para uma visão completa sobre as editorias, ver o anexo 1 do I Relatório de Resultados do OSM/SVS – Maio 2010. 17 Ainda tomando como referência os resultados gerais do período, observamos que a editoria Internacional foi a quarta a apresentar resultados mais significativos, o que pode ser entendido mediante o próprio desenrolar dos acontecimentos da doença. A Influenza H1N1 surge identificada a um perigo “externo”, localizado no México e outros países, o que justifica a sua presença na seção internacional. No entanto, tal ameaça era constantemente projetada para uma perspectiva local, ou seja, sua dispersão pelo mundo levava à expectativa de que chegaria ao nosso país. É sintomático que nos dois primeiros meses analisados (maio e junho) o assunto tenha ocupado a editoria Internacional com muito mais freqüência (47 e 9 textos, respectivamente), rapidamente se evanescendo nos meses subseqüentes (apenas 2 textos, um em julho e outro em agosto). Num primeiro momento, a abordagem estava voltada à entrada da doença no país e à maneira como o vírus estava sendo visto nos demais países do mundo. Em seguida, com o vírus já circulando no Brasil, a cobertura da mídia concentrouse numa discussão mais local, predominando textos nas editorais Cidade e Opinião, como exposto anteriormente. Cabe por fim destacar que as demais editorias que apresentaram o tema foram Ciência e tecnologia, com 2 textos no mês de agosto, 2 Suplementos (julho e agosto, cada um), um Caderno Especial, em agosto, e 2 textos na seção de Cultura, espaço pouco habitual na publicação de temas sobre saúde. Por fim, destacamos em nossa análise quantitativa os formatos de textos jornalísticos mais apresentados3 ao longo do período. O gráfico abaixo nos auxilia a ter uma visão geral sobre essa distribuição: 3 Conforme o I Relatório de Resultados do monitoramento da Influenza H1N1, os formatos noticioso e opinativo foram assim conceituados: “O ‘espaço noticioso’ compreende o agrupamento de informações onde cada veículo, a partir do trabalho de um repórter, apresenta ao leitor um material jornalístico o qual busca produzir um efeito de sentido marcado pelas noções de objetividade, imparcialidade e neutralidade. A materialização dessas informações pode ser vista nas notícias, reportagens, notas, retrancas, boxes, imagens e infográficos. Já no ‘espaço de opinião’ cada jornal busca identificar que ali a subjetividade é um elemento constitutivo, isso porque está mais associado às avaliações do que o primeiro grupo. Representam estes espaços os textos presentes nos editoriais, colunas, artigos, cartas de leitor e charges”. 18 Gráfico 5 Textos de Influenza H1N1 por Formato no Período de Maio a Agosto de 2009 Charge 0,3% Carta/leitor 14,7% Entrevista 1,5% Editorial 1,7% Reportagem principal 31,2% Notícia/registro 11,8% Nota 6,5% Artigo Matéria vinculada 27,7% 2,2% Opinião/colunista 2,3% Identificamos que há uma prevalência de textos noticiosos (o que, a propósito, é coerente com a atual concepção de jornal diário, de ser um espaço mais de “informação” do que de “opinião”), divididos entre Reportagens Principais/Vinculadas (512), Notícias (102), Entrevistas (13) e Notas (56), totalizando 686 textos. A forte prevalência de reportagens entre os textos informativos (75%), seguida das notícias (15%) confirma o que foi anteriormente sinalizado sobre a importância do tema para os jornais. É bastante significativa também a presença de entrevistas, havendo aproximadamente uma entrevista a cada dez dias. No que diz respeito aos textos opinativos, já explicitamos anteriormente a importância deste espaço (e, conseqüentemente, deste formato) para o tipo de cobertura que foi realizada. Verificamos no período monitorado um total de 185 textos: Carta/Leitor (128), Opinião/Colunista (20), Artigos (19), Editorial (15), Charges (03). Dentre os textos de caráter opinativo, chama a atenção a presença da voz da população, que acompanhou as discussões e buscou inserir temas do seu interesse na agenda da mídia e das autoridades sanitárias, conforme se 19 atesta pelas 128 cartas identificadas no período. No decorrer do tempo o volume de cartas publicadas aumentou, crescendo especialmente nos dois últimos meses: maio: 08; junho: 04; julho: 53 e agosto: 63. Outro destaque deve ser dado para as Charges. Registramos 3 charges ao longo do período sobre Influenza H1N1. Como sabemos, a charge busca, a partir do humor, fazer uma crítica sócio-política a uma determinada situação/assunto, tendo como base as notícias veiculadas no jornal. Diante disso, vale destacar que essas 3 charges foram publicadas no jornal O Dia, nas datas: 18 de Maio; 21 de Julho e 18 de Agosto de 2009. Por fim, cabe um comentário sobre ao número de editoriais publicados que trataram da Influenza H1N1. Tivemos no período dos quatro meses um volume de 15 editoriais. Conforme apresentamos no I Relatório de Resultados do monitoramento da Influenza H1N1, em maio de 2010, “o Editorial é o gênero que expressa a opinião da empresa jornalística diante dos fatos, atuais ou permanentes. O objetivo principal é argumentar ao leitor sobre um fato ou tema para convencê-lo a compartilhar da mesma opinião”. Deste modo, percebe-se que a imprensa, com uma certa freqüência, dedicou este privilegiado espaço do jornal para debater o tema. 20 3. Análise da produção narrativa sobre a Influenza H1N1 3.1 O Globo Em 2009, o Brasil foi um dos países afetados pelo vírus H1N1, que teve seus primeiros casos notificados no México e, em pouco tempo, se espalhou pelas outras nações no mundo. Por aqui, tivemos uma explosão de informações que contribuíram para que a população construísse boa parte dos sentidos associados ao que posteriormente classificou-se como Influenza H1N1 ou Influenza A. Ao olharmos para as narrativas produzidas pelos jornais diários, identificamos uma verdadeira batalha na tentativa de cristalizar determinadas construções em torno daquela que também foi chamada de nova gripe ou gripe suína; este último passaria a ser o termo preferencial adotado pelos jornais para a classificação da doença. Num primeiro momento, dado certo desencontro das informações, a Influenza H1N1 foi caracterizada como um desconhecido sobre o qual deveríamos manter um estado de alerta. Como ainda não se tinha clareza sobre a extensão e os efeitos do fenômeno, ora ele era tratado na perspectiva de uma epidemia – onde se evocava uma associação com a dengue para dar concretude à gravidade da doença – ora já aparecia como pandemia – dado o contágio simultâneo em vários países. Em O Globo, para além da “confusão” entre doença epidêmica ou pandêmica, nota-se que uma das marcas era lançar dúvidas sobre as informações divulgadas, especialmente as que partiam do Ministério da Saúde. Maio Nesse sentido, não parece ser acidental o fato de, na seção Cartas dos Leitores do dia 05 de maio de 2009, as correspondências sobre a gripe virem antecedidas de uma desqualificação. Formada por três longas colunas, cada uma delas é iniciada pelos seguintes títulos: “Bolsa família”, “Dia da hipocrisia” e “Rio 2016”. A parte de missivas referentes à Influenza H1N1 vem logo após a segunda coluna. Em outras palavras, há uma relação de continuidade entre 21 os títulos “Dia da hipocrisia” e “Gripe suína” (05/05/2009, p. 6). A princípio, inicia-se falando da hipocrisia referida a uma dimensão política, mais especificamente remetendo-se ao Presidente Lula. No entanto, há um deslizamento da “hipocrisia” do plano político para o âmbito da saúde, como revela a última carta, imediatamente anterior ao título “Gripe suína”: “Hipocrisia é fazer campanha política com dinheiro público, que não tem direito ao mesmo remédio para o tratamento de linfoma da candidata [Dilma Rousseff], porque no SUS ele não existe” (Idem). É nesse co(n)texto que se seguem as cartas especificamente sobre a Influenza H1N1. É importante lembrar que a forma de organização “espacial” , isto é, gráfica dos textos em um jornal responde a projetos gráficos e editoriais bem definidos, bem como desempenha um papel importante na construção dos sentidos. Da mesma forma, a organização “temporal” dos textos (cronologia de seu recebimento e de sua publicação) também deve ser levada em conta. Um dado interessante a se mencionar é o fato de as cartas dos leitores não responderem a nenhuma ordem cronológica (crescente ou decrescente) haja vista o fato de, pelo menos as desta edição, serem de datas anteriores ao dia cinco. Ao olharmos especificamente para as mensagens organizadas pelo título “Gripe suína”, verificamos que seu conteúdo evoca sentidos próximos a idéias como “hipocrisia”, “politicagem” e necessidade de “bom senso”, dialogando com seu co-texto, os títulos dos editoriais situados naquela mesma página: “Usina de votos” e “Bom senso”. Na primeira, o remetente usa a dengue (associando uma doença à outra) para ilustrar que as autoridades não conseguem combater epidemias, destacando que elas [autoridades] “vão esperar a primeira tragédia para proteger os cidadãos brasileiros” (Idem). Ainda que a remissão seja à dengue (epidemia), há implicitamente também à pandemia, especialmente pela menção à “proteção dos brasileiros”. Na segunda correspondência, a associação é explicita: “Cheira mal a falta de eficiência dos hospitais em que estão internados. Em caso de pandemia, é assim que o Brasil vai agir? O Brasil pioneiro na produção de vacinas para influenza não sabe afirmar resultados positivos ou negativos? Acredite quem quiser”. Esta última frase exerce um poder de influência sobre o enunciado 22 que tende a escapar a uma análise mais apressada. “Acredite quem quiser” é uma expressão muito próxima de “Acredite se quiser”, uma espécie de bordão utilizado por um apresentador de um programa onde se narravam coisas incríveis, muitas das quais quase inacreditáveis. Ao final de cada apresentação, o narrador interpelava o telespectador com a frase “acredite se quiser” depois de ter mostrado que aqueles “absurdos” realmente aconteceram. Nesse sentido, nossa proposição é que “acredite quem quiser” conecta o imaginário de leitores no sentido de lançar desconfiança sobre as estratégias adotadas pelas autoridades [presente já na carta anterior]. As terceira e quarta cartas realizam tarefa semelhante às anteriores. Pela construção presente naquela [antecipatória sob vários pontos de vista], “A gripe suína já matou dezenas de pessoas no mundo! [pandemia] São centenas de infectados em todo planeta! [pandemia] E a dengue? Quantos já matou somente no Rio no último verão? [epidemia] Se nossas autoridades administrassem o planeta essa gripe suína já teria virado a gripe espanhola!” (Idem, grifos e acréscimos nossos). As recorrentes associações anteriormente apontadas entre Influenza H1N1 e dengue estão presentes, e uma outra cadeia associativa se abre: a remissão à gripe espanhola. Do mesmo modo, permanece a (con)fusão entre pandemia e epidemia na qual, pela ótica do leitor (e poderíamos dizer, também a do jornal), o país não estaria preparado para lidar com eventos desta natureza. Na verdade, a última carta ajuda a fechar um determinado sentido sobre o conjunto das correspondências, pois a solução já começava a ser dada: “Se o Brasil não consegue controlar epidemias de dengue, imaginem uma nova moléstia como essa? Nessa hora, precisávamos de um Oswaldo Cruz que, sem medo de críticas e de forma radical, erradicou a febre amarela no Brasil, e isso foi em 1907” (Idem). É curioso que aqui se solicita a intervenção do Estado, inclusive insinuando o uso de métodos autoritários (“sem medo de críticas e de forma radical”). Tal resposta ocorrerá em 2010, quando a principal estratégia do governo, representado por ações do Ministério da Saúde, será a de imunizar a população (vide relatórios sobre o monitoramento sobre a Influenza H1N1 em 2010). Mas, tal processo não deixará de receber críticas ora por “não imunizar 23 a todos os brasileiros” ora por “vacinar sem oferecer segurança” ou ainda evocando a Revolta da Vacina. Assim, o que parece ser um princípio norteador dos discursos produzidos em 2009 por O Globo é o constante estado de alerta que deve ser mantido pela população contra as ações capitaneadas pelo governo. Inicialmente tratado em editorias voltadas para temas internacionais como “O Mundo”, há uma marca (um selo) que acompanhará as informações relativas à Influenza H1N1: “Alerta na Saúde” ou simplesmente “Alerta”. Como não se dispunha de muita informação àquela altura, “alerta” e “prevenção” seriam os motes que orientariam as construções narrativas de O Globo. Com essa perspectiva, a entrevista realizada com a diretora-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Margaret Chan, é bem representativa dos contornos que delineiam a cobertura jornalística sobre o tema. Com o título “Vírus de gripe são imprevisíveis” e subtítulo: “Diretora-geral da OMS alerta para relaxamento com nova doença” (O Globo, 05/05/2009, p. 25 [O Mundo], grifos nossos), busca-se evidenciar o quanto a doença requer prontidão e firmeza em seu combate. Não nos parece fortuita a caracterização dessa autoridade pelo matutino, quando este diz que “não é a primeira vez que Margaret Chan enfrenta vírus emergentes de gripe”. Destaca ainda que “em 1997, como chefe do Departamento de Saúde de Hong Kong, freou um surto de H5N1 que reapareceu em 2003 no Vietnã e originou a epidemia de gripe aviária. Em seguida, a diretora geral da OMS aparece falando: “Tomei medidas duras (...) ordenei o abate de 1,5 milhão de aves, e não deixei que os dois vírus se misturassem” (Idem, grifos nossos). O eixo da entrevista da diretora-geral é a imprevisibilidade do vírus, que pode se manifestar, inclusive, de forma diferente e anos depois. Nesse sentido, há duas construções paralelas que são produzidas por O Globo durante o processo de cobertura jornalística da Influenza H1N1: o primeiro é o de que só medidas duras (ainda que não se fale claramente sobre quais medidas seriam necessárias) seriam capazes de conter o avanço da doença; o segundo, o de atualização no imaginário social brasileiro sobre a conexão do vírus Influenza H1N1 com a “Gripe aviária” ou a “Gripe espanhola”, especialmente quando em resposta à ultima pergunta da entrevista (“Sempre se compara uma 24 epidemia com as anteriores. Faz sentido?”), Margaret Chan responde: “A última pandemia ocorreu há 40 anos [conectam-se os eventos no tempo]. Até agora, o vírus foi suave, mas é preciso ter cuidado com a possibilidade de ela atingir mais gravemente as pessoas. É uma doença nova e merece toda a atenção” (Idem, acréscimos nossos). Longe de ser uma ligeira “confusão” entre pergunta (sobre epidemia) e resposta (sobre pandemia), os sentidos apontam para a construção de um estado de suspeição generalizada, especialmente pela capacidade (nesse momento virtual) de letalidade do vírus. Com essa perspectiva, não nos parece acidental a imagem (presente logo abaixo e ao final da entrevista) sobre crianças chinesas usando máscaras, tampouco o título da matéria ao lado (“Casos suspeitos no Brasil aumentam de 15 para 25). No caso da foto, evidencia-se o potencial de letalidade, destacando-se o país com população superior a um bilhão de habitantes; com o título, a progressividade da gripe. Assim, estabelece-se também o vínculo entre países de economia emergente (Brasil, China) e vírus emergentes, reforçando-se a necessidade de medidas duras e não “hipócritas”. Pó fim, cabe ainda mencionar a idéia de um perigo “externo”, que vem de fora. Ainda que nesse momento já houvesse casos relatados de contaminação nos EUA, o jornal no entanto aponta a dimensão de discriminação especificamente no México, trazendo o acionamento de estereótipos de natureza étnica nos discursos sobre a saúde. No dia nove de maio, o jornal traz em sua primeira página, e com destaque, a chamada “Rio tem 1º caso de gripe suína contraída no Brasil”. No texto, com “O Ministério da Saúde confirmou ontem que o Rio de Janeiro tem o primeiro caso de gripe suína contraída em solo brasileiro” (O Globo, 09/05/2009, primeira página) evidencia-se que “um surto da doença no Brasil é inevitável” (Idem). É interessante observar que, diferente da maioria dos casos onde a Influenza H1N1 foi tema da cobertura jornalística desse periódico, há um editorial destacando que não era hora de afrouxar a vigilância ou baixar o alerta. Com o título “Não relaxar”, o editorial formula a opinião de que “a resposta global à gripe suína, inicialmente hesitante, ganhou eficácia à medida que o vírus começou a se espalhar [primeiro caso confirmado no 25 O Globo, 09 de maio de 2009 Rio]”. Reforça que as medidas de prevenção precisam ser mais “integradas” (Idem); embora o editorial elogie a transparência com que o caso foi tratado e a melhoria do sistema de alerta em termos mundiais, no entanto ainda identifica a necessidade de investir em tecnologia para prevenção, seja para diagnóstico, seja para produção de vacinas. Os sentidos propostos pelo editorial são potencializados pelas “Cartas dos Leitores”, organizadas – nesse tema específico - sob o título “E a gripe chegou...”. Se no editorial há um tom cauteloso porém confiante (não devemos relaxar, mas parece haver progressos no enfrentamento das 26 doenças a nível mundial), observa-se um contraponto no âmbito nacional. As quatro missivas – que são ladeadas pelas de título “Nova sistemática” e “Novas regras” – questionam a competência e interesse das autoridades sanitárias brasileiras no combate à nova doença. Destacaremos a última carta pela riqueza semântica da edição. A leitora (mas, em alguma medida também o jornal que lhe deu voz) adverte: “Se o ministro da Saúde disse que a gripe suína está sob controle no Brasil é bom a gente tomar cuidado, pois tudo que eles falam é exatamente o contrário”. A carta em alguma medida revela uma perspectiva de desencanto da sociedade brasileira com a esfera política no país e, ao mesmo tempo, o espaço que a imprensa ocupa. Esta última se apresenta aos olhos do leitor escudada nas noções de objetividade, imparcialidade e neutralidade. No entanto, apesar da forte associação a esses valores, a imprensa não é menos parcial, na medida em que oferece sentidos aos leitores através da forma como seleciona, edita e organiza os textos dispostos, em todos os seus formatos: cartas, informações, artigos. Na forma como se apresentam, os veículos parecem só tomar posições nos editoriais. Mas, essa posição antagônica assumida pelos periódicos vai gradativamente se manifestando quando nos debruçamos sobre um caso como a Influenza H1N1. Ainda no dia nove de maio, na editoria Rio – o que nos faz ter uma atenção especial em função da perspectiva de uma pandemia ser tratada num espaço convencionalmente destinado às questões do estado do Rio de Janeiro – podemos notar que, sob o selo “Alerta na Saúde”, foram produzidas informações que colocavam em estado de vigilância as ações e os pronunciamentos de autoridades. Do ponto de vista da análise cotextual, a página 12 é bem rica. Sob o título “O 1º caso de contágio no Brasil” (O Globo, 09/05/2009, p. 12 [Rio]), que ocupa todas as colunas (num total de quatro) da página – a diagramação do jornal é feita em quatro ou seis colunas –, o veículo organiza suas informações (textuais e imagéticas) a fim de propor determinadas sentidos. Um deles pode ser percebido no posicionamento entre o título principal e um dos intertítulos (como, por exemplo, “Ministério admite falta de controle no início”) presentes na reportagem. 27 Ao nos determos no texto, podemos perceber que a narrativa vai conduzindo o leitor à idéia de que o primeiro caso foi registrado porque o ministério falhou ao não controlar devidamente os casos suspeitos. Parece surgir, no conjunto dos textos, a idéia de “inevitabilidade” no contágio. Por um lado os pronunciamentos anteriores (OMS/Margareth Chan, especialistas etc.) vinham dizendo que era uma questão de tempo a chegada do vírus ao país; por outro, o jornal parece lançar a idéia de que “inevitabilidade” da doença se deu não exatamente devido à difusão do vírus, mas à falha das autoridades sanitárias em cumprir seu papel de forma adequada. Nesse sentido, justifica-se o “Alerta na saúde”, particularmente em função de “os pacientes contaminados com a gripe suína no Brasil terem passado um período em que expuseram outras pessoas ao contágio, antes de entrarem no sistema de isolamento” (Idem). Ora, se o paciente pode estar com o vírus dias antes dele se manifestar, se houve falha no controle de pacientes contaminados, não estaria o jornal “autorizado” a propor um estado de suspeição generalizada e um alerta na saúde? Ao voltarmos à página do veículo, veremos que dois dos principais protagonistas em torno do debate sobre as ações mais eficazes para o combate à H1N1 já estariam sendo apresentados. Nas imagens, observa-se que não se tratam das figuras em primeiro plano (Sérgio Cabral ou a paciente usando máscara), mas dos atores que aparecem exatamente em segundo: o ministro (da Saúde) José Gomes Temporão e o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (Hospital do Fundão). Ou, se quisermos inverter personagens e atribuições, o Ministério da Saúde e o epidemiologista Roberto Medronho. Já na página 14, a ênfase na necessidade de manutenção do “Alerta na Saúde” se mantém como um princípio norteador do jornal, especialmente em função da “fragilidade da vigilância”. Sob o título “Rapaz doente viajou com mais 850 pessoas” e subtítulo “Cerca de cem passageiros, que foram a torneio esportivo no México, são sócios ou funcionários de um mesmo clube”, a informação circula em torno do primeiro caso confirmado de Influenza H1N1. No texto, o foco da matéria ainda é “a falha no controle” que, pela forma como vem sendo construída, parece não ter sido só no início: “Parentes do jovem (...) contaram ontem que ele não recebeu qualquer atenção das autoridades sanitárias do México: ‘ele não recebeu nenhuma orientação no 28 aeroporto. A gente lê que estão tomando muito cuidado, mas descobrimos que não é verdade. Ele não teve que deixar telefone, não foi abordado, não aconteceu nada’, disse um tio” (Idem, p. 14, grifos nossos). Nessa passagem, é na ambiguidade que se estabelece a possibilidade de aproximação (e de construção verossímil) entre o enunciado e a ação do governo brasileiro. Dessa forma, potencializam-se os sentidos em torno da noção de que havia uma grande possibilidade de o governo brasileiro – representando nesse processo pelo Ministério da Saúde – estar faltando com a verdade no que diz respeito à tentativa de controle, e posteriormente de combate, da Influenza H1N1. A informação prossegue trazendo a “versão” do ministro da Saúde para o episódio – afinal, cumpre-se aqui um dos pilares do jornalismo contemporâneo, que é o de dar voz aos personagens implicados na matéria – ao conceder uma entrevista dizendo que “o rapaz já chegou ao Brasil com sintomas da doença. Segundo autoridades de saúde do estado e do município do Rio, o monitoramento do jovem não começou no aeroporto porque não houve comunicação sobre a suspeita” (Idem, grifos nossos). No entanto, numa aparente contradição (uma vez que “não houve comunicação sobre a suspeita”), o ministro garante: “O rapaz já veio com sintomas e recebeu informações no aeroporto dos técnicos da Anvisa. Ele tinha essa informação” (Idem). No encerramento do texto, conclui os repórteres responsáveis pela apuração/redação da matéria: “à noite, no entanto, ele admitiu que a informação estava errada” (Idem). Ora, quem admitiu: o ministro, o jovem ou o tio? Como não há clareza sobre a autoria do “desmentido” da última frase, abre-se um universo de possibilidades para que o leitor empregue sentidos sobre aquilo que está lendo. Se o ponto de partida são as construções que lhe estava sendo oferecidas nos últimos dias, sobre quem recai a responsabilização pela mentira? A informação veiculada através da viagem do rapaz que adoeceu parece buscar estabelecer um outro tipo de construção de sentidos que caminha paralelamente ao que temos apontado até aqui. Trata-se da questão que envolve os deslocamentos (entre países e, posteriormente, entre estados), haja vista o fato de ela aparecer no cerne do problema da H1N1. 29 Assim, percebemos que a questão do espaço ocupa uma centralidade que não deve ser desprezada. Para sermos mais claros, um dos pontos da análise dos discursos sociais produzidos por O Globo é a perspectiva de preservação (proteção) do espaço (territorial), primeiro com relação às fronteiras brasileiras, num segundo momento com às do Rio de Janeiro. A mudança de editoria (deslocam-se os textos de “O Mundo” para “Rio”) é um dos elementos que sustenta nossas proposições e será no cruzamento da forma (editoria) com o conteúdo (através da análise dos enunciados) que tal perspectiva ganhará densidade. Assim, se na página 14 o “grande antagonista” brasileiro era o México, na 16, passam a ser os estados próximos ao do Rio de Janeiro que contribuiriam para a construção de limites invisíveis de proteção. Nunca é demais recuperar que a cada página (fora da Capa, do Editorial ou das Cartas de Leitores) o selo “Alerta na Saúde” está presente. Dessa forma, quando o leitor se depara com informações como as organizadas sob o título “Santa Catarina confirma o primeiro caso” e subtítulo “Menina de 7 anos foi internada assim que voltou [de viagem] de Flórida; São Paulo passa a ter dez pacientes suspeitos” ou “Em Minas, quatro estão internados”, com subtítulo “Outros 4 doentes estão em observação e só um caso foi confirmado” (O Globo, 09/05/2009, p. 16 [Rio], acréscimo nosso), há um convite para que o estado de “Alerta”, justificado pelo que está acontecendo em “o caso confirmado em Santa Catarina”, pelos “suspeitos em São Paulo” ou pelos “observados em Minas”. Quando olhamos superficialmente o texto da primeira matéria (“Santa Catarina confirma o primeiro caso”), podemos ter a falsa impressão que a imparcialidade e a neutralidade do jornal ali se manifestam, especialmente porque há a oposição (logo, são ouvidos os “dois lados”: oposição e governo) entre o que diz o então governador de São Paulo, José Serra (PSDB): “a doença será enfrentada com determinação, não há motivos para pânico” e a avaliação do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que afirmou que “a situação está tranqüila” e que “o governo continuará seguindo as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS)” (Idem). Ora, se recuperarmos a correspondência publicada em Cartas dos Leitores, sugerindo que “tudo que eles falam é exatamente o contrário”, então 30 os leitores desse matutino não deve ficar tranqüilos, mas sim alertas. Ainda que as palavras de José Serra possam encontrar uma certa correspondência com o que falou o presidente Lula, não podemos ingenuamente supor que as duas têm o mesmo peso na construção enunciativa proposta pelo jornal. Afinal, se a primeira aparece no corpo do texto, é exatamente a segunda que vem em destaque no único intertítulo que a matéria possui: “‘a situação está tranqüila’, diz presidente Lula”. Poderíamos discorrer sobre a função do intertítulo dentro de um texto um pouco maior, ou ainda sobre a desqualificação do que “diz” um Chefe de Estado. Mas, preferimos dar destaque ao box presente quase que no centro da página 14 para continuar ressaltando a questão do alerta e da proteção de fronteiras: “Nas farmácias: Corrida atrás de máscaras no Rio”. Longe de ser um simples título, a materialidade territorial (“farmácias do Rio”) se mistura ao deslocamento (corrida) sob o prisma da solução (máscaras), ressaltando a necessidade do alerta (manifesto numa suspeição generalizada, afinal, os sintomas podem levar alguns dias para aparecerem). Ao caminharmos em direção a página seguinte (17), onde o “Alerta na Saúde” continua a orientar as leituras, nos vemos diante de um quadro de referências (textuais e de sentidos) onde a inevitabilidade para a proposição do jornal (“Alerta na Saúde”) parece ser evidente. Nossa avaliação é de que a matéria principal, organizada sob o título “Medidas do Brasil não impedirão surto, diz OMS” e subtítulo “Organização confirma que monitorar viajantes ajuda, mas lembra ser difícil detectar casos e vigiar fronteiras terrestres” (O Globo, Idem, p. 17, grifos nossos), dispensaria uma análise endógena, especialmente porque a riqueza da página como um todo também é relevante. Numa oposição simétrica à informação veiculada no texto sobre o qual acabamos de mencionar, encontramos os obituários que, diferente de edições anteriores, não traz título (ainda que seja um espaço cuja finalidade é evidente, frequentemente O Globo traz o título “Obituário” para organizar os avisos fúnebres), produzindo a sensação de que se trata de um mesmo conjunto informativo. Entre as “medidas que não impedirão o surto” e os avisos fúnebres, encontramos outros dois textos que contribuíram em larga medida para a construção dos sentidos que estamos destacando neste trabalho. Iniciemos 31 pelo que está organizado sob o título “A ameaça da fusão com a gripe aviária” e subtítulo “Possibilidade é estudada por cientistas”. Ele produz dois poderosos efeitos sobre o universo de referências de leitores (que tende a não se restringir só aO Globo, muito embora seja o título usado neste jornal) e estabelecem conexões com o imaginário social (tanto na curta quanto na longa duração). O primeiro efeito encontra correspondência direta na entrevista realizada com a diretora-geral do OMS, publicada na edição de 05/05/2009, onde aquela autoridade destacava a “imprevisibilidade do vírus de gripe” e a “letalidade do vírus H5N1 (que causa a gripe aviária)”. Na mesma oportunidade, Margaret Chan destacava que “o H1N1 precisa ser tratado com muita energia”. Ora, se naquela informação já se tratava dos riscos da combinação entre o H5N1 e a SARS (síndrome respiratória aguda grave), um dos sintomas da H1N1, como possibilidade real de o número de mortes superar a ordem de 50% dos casos de pessoas infectadas e de o medo e os prejuízos econômicos também se acentuarem, que tipo de fantasias poderia orientar as ações dos brasileiros que lessem sobre a “possibilidade de o vírus da gripe suína se fundir com o da gripe aviária – o que poderia ter efeitos aterradores”? De forma análoga, porém pensada numa conexão com a longa duração, temos os laços construídos em torno da aproximação da gripe H1N1 com a própria aviária (2003) e a espanhola (1918). Nesse sentido, evoca-se o conhecimento (ou as lembranças) dos leitores sobre os dois episódios, que produzem como resultado prático o aumento do medo, do pânico e da necessidade de “Alerta na Saúde”. Nesse sentido, quando são elaborados pronunciamentos das autoridades no sentido de acalmar a população, tentando neutralizar a sensação de insegurança, é relativamente “natural” que tais iniciativas não encontram eco nas referências simbólicas sobre a qual os leitores tenham registro. Quando Margaret Chan fala da experiência de 1918 durante sua entrevista, no campo do imaginário, 1918, 2003 e 2009 (assim como seria posteriormente em 2010) passam a fazer parte de um mesmo conjunto de eventos, ainda que estejam separados no tempo e no espaço. Dessa forma, quando o matutino carioca registra que “EUA já tem mais casos que o México”, porque “Obama minimiza virulência do H1N1”, tendo também o “Canadá sua primeira morte” (Idem), evidencia-se uma vez mais a 32 necessidade de autoridades (ainda que estas tentem tranqüilizar os demais membros da sociedade) e população em geral estar em “Alerta na Saúde”. Junho Em nosso processo de análise, observamos uma pequena mudança na cobertura dos jornais durante o mês de junho de 2009, traduzida em menos informação e menos espaço para a Influenza H1N1. Logo de principio observamos a permanência da preocupação com a questão das fronteiras, expressa nos textos – não por acaso – publicados da editoria O Mundo. O título é “Gripe mata no Chile o 1º sul-americano” e o subtítulo “OMS diz que o mundo está mais perto do alerta máximo de pandemia”. Cabe prosseguir e investigar o que dizem suas linhas: “A disseminação da chamada gripe suína (uma mistura do DNA do vírus suíno, aviário e humano) fez com que a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciasse ontem que o mundo chegou mais perto do nível máximo de sua escala de alerta de pandemia (epidemia mundial)” (O Globo, 03/06/2009, p. 32 [O Mundo], grifos nossos). Ao observarmos as informações descritas no parágrafo anterior, dentro da organização gráfica da página, face às notícias, às reportagens, às cartas, aos editoriais, publicados até o dia 03/06, não podemos desprezar a matéria principal. Menos pelo conteúdo, mais pela forma, a imagem presente entre os dois textos exerce uma interessante influência. Nela, vemos a foto de uma jovem chinesa usando máscara cirúrgica (o que aproxima as duas construções textuais) com o número 64 pintado. Como a produção imagética também é discurso, não nos parece mero detalhe que, ao estar com a máscara sobre o rosto, o 64 esteja exatamente em cima de sua boca, evocando a idéia de censura. Estaria o jornal suscitando uma cadeia associativa entre essa idéia e a postura do governo na liberação de informação sobre os efeitos da Influenza H1N1? Talvez seja oportuno mencionar que a reportagem principal é sobre o autoritarismo do governo chinês com relação à liberdade de expressão. Sob o título “China bloqueia sites para evitar manifestos” e subtítulo “Estudantes preparavam mensagens na internet para lembrar 20 anos do massacre na Praça da Paz Celestial”, o 33 matutino informa que “em mais uma medida de censura, o governo chinês bloqueou redes sociais em todo o país” (Idem). O Globo, 03 de junho de 2009 Ao lermos todo o conteúdo da informação, não há qualquer dado que justifique a presença daquele 64 à frente da máscara; no entanto, ainda que os sentidos sejam incontroláveis (não se pode prever como serão recebidos pelos leitores), é possível que muitas pessoas ainda associem o número “64” a um determinado período da história do país . Mais ainda, ao aproximar os dois Estados (chinês e brasileiro), não estaria o veículo novamente produzindo uma aproximação entre as gripes “suína” e “aviária”? Não estaria sendo também 34 produzida uma aproximação entre a pouca informação sobre a H1N1 e a ausência de liberdade de circulação de informação na China? Não seria paradoxal estarmos perto do “alerta máximo de pandemia” tendo tão pouca informação sobre o processo? Quando voltamos à censura chinesa, podemos ler no último intertítulo da matéria que “E-mails de jornalistas já foram monitorados” (Idem), o que poderia potencializar o sentido de que nossa imprensa estaria sendo “impedida” de realizar seu trabalho. Paralelamente, julgamos que também não deve ser considerado um dado marginal a presença do Chile na página 32. Longe de querermos indicar qualquer falsidade na morte anunciada na reportagem, o caso chileno passa ser exemplar sobre dois pontos de vista: o primeiro pela proximidade territorial com o Brasil, o que acentua a necessidade de alerta nas “fronteiras terrestres”; o segundo, pela proximidade histórica, afinal ambos passaram por longas ditaduras militares e são hoje duas das economias emergentes da América do Sul. Uma das reportagens de capa de O Globo, no dia 30 de junho de 2009, parece indicar a plausibilidade da questão do cuidado com as fronteiras terrestres, isso porque é a manchete “Lágrimas e Máscaras” que traz a imagem de pessoas chorando (usando máscaras) sobre o caixão da primeira vítima fatal do vírus H1N1 no Brasil. Na legenda, “Com máscaras contra a gripe suína, parentes choram em Erechim (RS) no enterro de Vanderlei Vial, primeiro morto pela doença, contaminado na Argentina. A província de Buenos Aires decretou emergência” (O Globo, 30/06/2009, primeira página). Para além da consolidação da máscara como um dos principais símbolos do combate à Influenza A, não nos parece fortuito a referência à província de Buenos Aires – mais adiante veremos que o problema atinge aquele país quase que em sua totalidade. Dentro do conjunto de significados atribuído à palavra província, parece-nos que, no senso comum, celebrou-se quase que exclusivamente o sentido de “região mais afastada do governo central e, portanto, mais atrasada, menos sofisticada; interior” (Houaiss, 2002). Assim sendo, não estaria sendo proposta a construção de um sentido em torno da noção de que o “atraso argentino” seria um dos principais responsáveis pela contaminação – e posteriormente da morte – de brasileiros? 35 Tal como já apontamos em outros momentos, as Cartas dos Leitores exerceram um papel preponderante na construção dos sentidos propostos para a H1N1 em 2009. Mantendo a estratégia de “divulgar as demandas de seus leitores”, o jornal publica três correspondências organizadas sob o título “Gripe suína” (O Globo, p. 6, Cartas dos Leitores) – também não deve ser considerado um acaso o jornal manter a designação “gripe suína” mesmo durante período em que Influenza H1N1, Gripe A, Influenza A, já apareciam nomeando a doença. Poderíamos simplesmente analisar as cartas, contemplando a organização narrativa presente nelas, e já seríamos capazes de apontar algumas produções de sentido, mas cremos que a força dada pelos cotextos oferece uma potencialidade discursiva que não devemos negligenciar. Nesse sentido, o editorial do veículo (“Inaceitável”) e a organização da manifestação dos leitores sobre a gripe entre as de título “Senado em crise” e “Golpe em Honduras” dão novas cores ao conteúdo de tais textos. Na primeira carta, a leitora argumenta que o “esquema de proteção anunciado em banners, alto-falantes, é mentiroso”. Note-se que, do ponto de vista da “reprodução” desse conteúdo pelo jornal respeita a opinião de quem a manifesta. No entanto, o que confere centralidade à afirmação é o fato de a remetente ter “chegado dia 27/06 de Porto Alegre com os sintomas alardeados nos aeroportos, como tosse, febre e dor de cabeça. Viajei de máscara, pois estava no grupo de risco. No Galeão [Rio], procurei a Anvisa, não havia ninguém (Idem, grifos e acréscimo nosso). Ainda que seja até certo ponto desnecessário, gostaríamos de lembrar que a publicação de cartas de leitores não é vinculada à quantidade de correspondências recebidas por uma redação. Muito pelo contrário, há uma seleção prévia dessas mensagens – assim como ainda passam por um processo de edição de seu conteúdo. Nesse sentido, o fragmento reproduzido no parágrafo anterior é, antes de tudo, produção narrativa que contribui para a construção de sentidos propostos por qualquer veículo de comunicação. Dessa forma, nos vemos diante de uma manifestação de opinião que, associada à manchete do jornal, poderia ser compreendida dentro de um mesmo contexto discursivo, gerando, dentre tantas possíveis, a seguinte dedução: a morte produzida em Erechim (RS) é fruto da falta de vigilância nas fronteiras externas (Brasil – Argentina); ao chegar no Rio, vindo de Porto Alegre 36 (RS), constatou-se que não há esquemas de proteção (“é mentira”, diz a leitora); logo, as mortes que porventura acontecessem no Rio teriam estreita conexão com a inexistência de esquema de proteção do país. Julgamos ser interessante trazer o conteúdo das outras duas cartas, que parece reforçar a construção por nós realçada. Note-se que algumas palavras-chaves serão utilizadas nas três mensagens, tais como: Rio, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, máscara, risco, voo, mentira, para ficarmos apenas nestas. Assim sendo, quando a segunda correspondência descreve que “Assim como a crise econômica – que Lula disse ser uma marolinha – atingiu em cheio a economia do país (...) também a garantia feita pelo ministro Temporão revelou-se fajuta [mentirosa]” (Idem, acréscimo nosso). Para continuar em seguida: “o mesmo ministro que antes garantia que a pasta dispunha de plenas condições para enfrentar o problema agora vem a público para choramingar pela primeira vítima fatal [RS]” (Idem, acréscimo nosso). Já na terceira mensagem, o leitor reclama do fato de ter sido “exposto ao risco” após embarque num voo em São Paulo com destino ao Rio (onde mora). O que dá a esse movimento (voo) especificidade é o fato de “após a decolagem, perguntar à aeromoça de onde o avião vinha e ela me responder: Buenos Aires!” (Idem). Ao passarmos para um espaço “mais informativo”, percebemos que boa parte dos sentidos propostos por O Globo em suas páginas (e também nos dias precedentes) volta a ser materializado. Sob o título “Escola na Gávea tem 6 casos de gripe suína” (O Globo, 30/06/2009, p. 11 [Rio]), o veículo mostra que não havia aumento do registro de casos suspeitos de contaminação pelo vírus H1N1: “No Rio, o número de casos confirmados continua o mesmo (66), segundo o Ministério da Saúde” (Idem). No entanto, no mesmo texto, é ressaltado que a “decisão de adiantar as férias representa uma ação preventiva” (Idem, grifos nossos). A matéria, tal como apontamos no trecho reproduzido acima, destaca que a prevenção ainda é a melhor estratégia para se evitar o contágio, especialmente porque, como aparece no box ao lado, a eficácia do Tamiflu começava a ser colocada em dúvidas: Considerado um dos principais medicamentos no tratamento da gripe suína, o antiviral Tamiflu pode não surtir efeito em alguns pacientes. Funcionários do sistema 37 de saúde da Dinamarca informaram ontem ter registrado o primeiro caso no mundo da gripe [nesta edição há o registro da “primeira morte de um brasileiro”, potencializando o sentido de primeiro] resistente ao remédio (...). Como o Tamiflu não apresentou resultados, os médicos passaram a tratar o paciente com o remédio Relenza, que também é usado para combater a gripe (“Dinamarquês teve gripe resistente antiviral”. Idem, acréscimos e grifos nossos). A partir da informação sobre o Tamiflu, ratifica-se a validade da ação dos médicos – cuja autoridade aparece refletida na organização e credibilidade da ordem médica em nosso país –, através do anúncio das “Eleições – Conselho Federal de Medicina”. Ao voltarmos nossos olhos para a página, encontramos ainda a informação vinculada sob o título “Buenos Aires descarta emergência” e subtítulo “Duas cidades gaúchas entram em alerta e vítima é sepultada no Brasil” – não podemos desprezar o fato de tanto essa matéria vinculada quanto o box e a convocatória do Conselho Federal de Medicina estarem organizados dentro do espaço coberto pelo título da matéria principal. Nesse sentido, mesmo em se tratando de uma informação simultaneamente sobre Buenos Aires (que tenderia a aparecer na editoria O Mundo) e sobre Rio Grande Sul (na editoria O País), interessa-nos perceber o quanto ela deve ser lida em articulação – e assim num sentido pretendido – dentro da editoria Rio. Ao noticiar que as escolas de Itaqui, em função da situação de emergência decretada no município (“gripe A”), terão suas aulas suspensas por dez dias (Idem), a conexão com a matéria principal é imediata (“colégios antecipam férias como medida preventiva”). Ao avançarmos no texto, é possível notar que um segundo município (São Gabriel) também adotou o expediente de suspender as aulas. Para além da necessidade do uso de máscaras, há outro “alerta” sobre a necessidade de conter o “mal” que vem de Buenos Aires, afinal, seria mera coincidência o fato de evidenciar-se a ocupação profissional da primeira vítima fatal da Gripe H1N1 no Brasil, o caminheiro Vanderlei Vial? Não estaria aqui a palavra caminhoneiro funcionando como metáfora para o movimento: movimento esse da transposição de fronteiras, como entre Brasil e Argentina, por exemplo? Ao anunciar que “um dia depois de ter sofrido a pior derrota eleitoral desde que chegou ao poder, a presidente Cristina Kirchner disse ontem que 38 seu governo está tomando as ‘medidas necessárias’ para combater o vírus H1N1” (Idem, acréscimo nosso), nos perguntamos sobre por que motivo seria veiculado um assunto sobre “política internacional” dentro da editoria Rio? Guardaria alguma conexão com a vigilância de fronteiras (nacional e internacional) como estratégia de prevenção da contaminação no Rio de Janeiro? Note-se que seja a resposta às nossas perguntas positiva ou negativa ela não atenua o fato de que o conjunto das informações (textuais e/ou imagéticas) representadas na página 11 acaba contribuindo para a restrição de sentidos em torno da questão do vírus H1N1. Na verdade, ao evidenciar que “Cristina minimizou a renúncia da ministra da Saúde, Graciela Ocaña, que teria abandonado seu cargo por fortes divergências com a Casa Rosada em relação às medidas de combate à gripe suína” (Idem, grifos nossos), nos parece que o jornal justifica o “Alerta da saúde” que vem orientado a cobertura jornalística sobre a Influenza A até então. Julho É interessante observar que o reforço de algumas das medidas destacadas no parágrafo anterior será corroborado por personagens que se manifestam na seção Cartas dos Leitores de O Globo. Não deveria ser considerado um dado periférico o fato de tais correspondências (associadas à gripe H1N1) virem, além de assinadas, com a designação de seus autores. Assim, temos duas mensagens que valem a pena ser recuperadas. No caso da primeira, assinada por Plínio Resende (diretor médico do Hospital Barra d’Or), trata-se de uma resposta ao Sr. Francisco de Mattos Neto (do dia 02/07) sobre a rotina de atendimento do hospital que estaria se baseando nas orientações da Secretaria de Vigilância em Saúde: Como parte dessa rotina, foi afixado na sala de espera da Emergência um cartaz dirigido aos pacientes com suspeita da infecção. Após exame inicial e triagem, o paciente é encaminhado para uma sala de isolamento, onde são tomadas todas as medidas para controle da disseminação da infecção, incluindo máscaras e equipamentos de proteção individual. Sem a sinalização do paciente na entrada, o profissional de saúde não tem como individualizar os cuidados de prevenção preconizados pelo Ministério da Saúde (O Globo, 03/07/2009, p. 6 [Cartas dos Leitores], grifo nosso). 39 Já na segunda, essa uma manifestação com relação à matéria “Vigilância é reforçada em fronteiras do Sul”, Carlos Augusto Moura (coordenador de Imprensa da Anvisa), esclarece que: O objetivo do monitoramento de passageiros nas fronteiras do Sul não é evitar que pessoas com sintomas da doença entrem no Brasil pelo território gaúcho. A medida visa a orientar e obter informações sobre os passageiros, para que seja possível acompanhar e rastrear os viajantes. Outra ação é o encaminhamento das pessoas com sintomas ao serviço de saúde. As fronteiras do país não estão fechadas (Idem, grifos nossos). Note-se que, no mesmo dia, as informações produzidas pelo jornal vão contribuir para a sustentação dos argumentos dos leitores que se manifestaram sobre a gripe H1N1 na página seis. A matéria principal dessa página, organizada sob o título “Rio tem 14 casos de gripe suína em 24 horas” e subtítulo “Um dos casos é do apresentador André Marques; Escola Parque da Barra suspende turmas e São Vicente antecipa férias” (O Globo, 03/07/2009, p. 14 [Rio]) – tudo diagramado sob a chamada “Alerta na saúde: Segundo governo federal, já são 737 pessoas contaminadas pelo vírus Influenza H1N1 no país” –, destaca a velocidade (haveria aqui alguma referência implícita ao caminhoneiro ou ao transporte aéreo?) com que a doença se disseminava no Brasil. Não parece ser mero acidente o fato de um dos personagens na informação ser o apresentador do programa Vídeo Show (TV Globo), André Marques, afinal a doença afetou inclusive uma celebridade. Paralelamente, tal como aparece registrado na mesma página, o “Rio Grande do Sul registra 16 casos em um dia” (Idem), a velocidade com que aumenta o registro de casos suspeitos frente à “demora para resultado dos exames”, passa a representar um contraste perigoso no combate ao vírus da gripe H1N1, especialmente em função da especificidade do perfil da doença. Discursivamente, poderíamos propor que é neste momento em que a oposição entre as informações produzidas pelo jornal e as ações colocadas em prática pelos órgãos de saúde começa a se desenhar. Nesse sentido, é ilustrativa a passagem em que o médico infectologista Roberto Medronho destaca que “se a demora para identificação dos casos suspeitos de contaminação for muito longa, as autoridades sanitárias vão perder o controle da situação” (Idem). 40 Ao que nossas análises indicam, a seção Cartas dos Leitores parece ser um espaço privilegiadíssimo para assistirmos a essa tomada de posição de O Globo. Não nos parece fortuito o fato de as correspondências que são associadas à “Gripe Suína” serem antecedidas pelas vinculadas ao “Destempero verbal” e sucedidas por “Trânsito perigoso”. Nessas mensagens (com a identificação do leitor, porém sem sua qualificação profissional), temos a primeira em que o autor argumenta que “Felizmente, até a presente data, a pandemia pelo vírus H1N1 tem apresentado letalidade similar à do vírus da influenza sazonal” (O Globo, 04/07/2009, p. 6 [Cartas dos Leitores]). Ele prossegue citando o caso da França, e em especial o da Inglaterra, que tem 50 milhões de tratamentos com antivirais para uma população de 60 milhões de habitantes, e que são países que já garantiram o direito de aquisição das vacinas a serem produzidas, para continuar: “O Brasil, com uma população de aproximadamente 200 milhões de habitantes, dispõe de nove milhões de tratamentos. Talvez fosse mais oportuno direcionar mais recursos para a proteção da população e pesquisas na área da saúde” (Idem). Na segunda, a leitora sugere que “se nos aeroportos fosse exigido o uso de máscaras por todos que voltassem dos lugares com gripe suína (...) por um período de dez dias, evitaríamos que a gripe se alastrasse, como está acontecendo (Idem, grifo nosso). Note-se que aqui há o reforço de duas noções que vinham sendo construídas pelo jornal (e aqui não estamos avaliando a positividade ou a negatividade dessa construção): a do cuidado com as fronteiras e a do uso da máscara como principal medida de prevenção. Paralelamente, na exata medida em que “as novas medidas do governo comprometem os dados sobre o avanço da doença”, o veículo parece apostar no resgate dos argumentos que ressaltavam a preocupação com o aumento da contaminação. Nesse sentido, quando a autora da correspondência adverte que “deveria ser sugerido também aos médicos e àqueles que têm contato com pacientes (todos os funcionários da saúde pública) que utilizassem máscara”, o que, “com certeza diminuiria bastante a propagação desse vírus”, parece que em alguma medida ela antecipa a discussão presente na página 14, qual seja: a de se criar dispositivos para combater uma doença cujos números reais não serão mais conhecidos, em função da mudança de estratégia do Ministério da Saúde. 41 Quando olhamos para a parte “mais informativa” do jornal, nos deparamos com suas tomadas de posição (e sua justificação) a partir da veiculação de textos (e imagens) que tratam da possibilidade (ainda virtual) de uma epidemia no Brasil. Na matéria principal da página, organizada sob o título “Testes só para pacientes graves” e subtítulo “Ministério da Saúde muda estratégia e, com isso, números da doença não serão reais” (O Globo, 04/07/2009, p. 14 [Rio]), observa-se o quanto as discussões em dias precedentes e as cartas de leitores (dessa mesma edição) antecipam a forma como o leitor deve apreender o conteúdo informativo. Ao lermos esse material, nos vemos diante de uma construção noticiosa que inicialmente crítica o governo, que, com essa mudança, produz o efeito de fazer com que “as autoridades de saúde passem a não conhecer o real avanço da doença, o que prejudica a quarentena de pessoas com suspeita de terem contraído a doença” (Idem). A reportagem segue mostrando os “perigos” de uma mudança como a que acabamos de reproduzir, especialmente num momento em que “foram registrados mais 19 casos com um total de 756 pessoas infectadas em todo país. No Rio, foram mais dois, elevando para 83” (Idem, grifos nossos). Ora, ao indicar que o número de casos (no Brasil como um todo e no Rio em particular) aumentou e que a nova “metodologia” não permite que se conheça o real avanço da doença, não estaria o matutino produzindo a sensação (e, por extensão, sentidos) de que o Estado (materializado no Ministério da Saúde) estava começando a querer esconder a extensão e a letalidade da doença para a população brasileira? Olhemos outra passagem a fim de que possamos entender os sentidos sociais produzidos. Com o trecho: “a transmissão do vírus Influenza A em solo brasileiro quintuplicou no último mês. Há três semanas, somente 6% das infecções haviam sido contraídas no país. Na semana passada, esse índice subiu para 30%. Os dados foram divulgados pelo Ministro da Saúde, José Gomes Temporão” (Idem, grifos nossos), novamente nos interrogamos: não estaria nessa passagem sendo feita a sugestão de que a mudança na forma de mapeamento da doença era uma estratégia para se camuflar os reais efeitos da H1N1 por parte do ministério e do ministro da Saúde? 42 Note-se que, quando o veículo destaca que as preocupações do governo são com “a superlotação dos 68 hospitais de referência” e com o vírus: “restringir o uso do antiviral impedindo que o vírus ganhe resistência ao medicamento como ocorreu na Dinamarca, no Japão e em Hong Kong” (Idem, grifo nosso), parece que (a) os sujeitos concretos não figuram no centro do debate – o que seria de grande engano, uma vez que o norte é exatamente o oposto, isto é, evitar um surto epidêmico (contaminação em larga escala) da população e que (b) isso era uma prática dissonante entre os especialistas – em momento algum o jornal faz menção ao fato de o infectologista Roberto Medronho ter dado esta sugestão (edição de 03/07/2009) ao fazer uma análise dos riscos de uma epidemia. No entanto, dada a construção narrativa produzida pelo periódico, especialmente em função do fato de que “Para OMS, a doença vai se disseminar” (intertítulo), a ênfase recai sobre o fato de, por um lado, o Ministério da Saúde tentar escamotear os números reais da doença; por outro, na inexorabilidade da pandemia e das medidas (talvez) ineficazes, como o uso do Tamiflu, haja vista o fato de: “o Departamento de Saúde de Hong Kong ter informado que detectou um caso de gripe resistente ao antiviral usado para tratar a doença. Somente outros dois casos haviam sido registrados: um na Dinamarca e outro no Japão” (Idem). Assim sendo, parece que nossa avaliação ganha em plausibilidade, exatamente a partir de uma equação que mostra que, além de não sabermos concretamente o número de infectados, o remédio usado no país pode ser ineficaz no combate ao vírus H1N1. Se a hipótese por nós apontada for válida (e os elementos já apresentados parecem garantir tal validade), é justificável que episódios que envolvam o Rio Grande do Sul apareçam na editoria Rio, especialmente porque os discursos confluem para a legitimação do “Alerta na saúde”, advertência muito comum nas edições de O Globo. Assim, não nos parece acidental que, entre a matéria principal e a coordenada “(Gripe causa mais 6 mortes na Argentina”), encontremos um box que, sob o título “Opinião” (que não é assinado, mas representa a voz do jornal), traz o título “Alerta”, o qual reproduzimos abaixo: 43 AS EVIDÊNCIAS de que as autoridades sanitárias da Argentina perderam o controle sobre a epidemia de gripe suína indicam que o governo brasileiro agiu acertadamente ao recomendar que fossem evitadas viagens àquele país. O PROBLEMA argentino reforça o alerta para que, internamente, os brasileiros levem a sério a quarentena e as medidas preventivas prescritas pelos órgãos de saúde (Idem, grifos nossos. A caixa alta é do próprio veículo). É muito interessante observarmos que “as evidências [sobre as quais não se fala] de que as autoridades argentinas perderam o controle” justificam a construção enunciativa que alerta os brasileiros a olharem o “problema argentino” como perspectiva de controle da doença, ainda que se tivesse atingindo a escala máxima – “estamos na fase 6, o que significa que vivenciamos os primeiros dias de uma pandemia de influenza em 2009, disse Margaret Chan” (Idem, matéria principal). Nesse sentido, torna-se válido (e até certo ponto legítimo) o fato de o “Rio Grande do Sul se preparar para epidemia”, afinal, a proximidade geográfica representa uma possibilidade concreta de o vírus romper fronteiras e entrar no Brasil. Assim, quando o matutino destaca que “as autoridades sanitárias do Rio Grande do Sul acreditam ser inevitável o estado enfrentar uma epidemia da gripe”, acrescentando que a situação ficará caracterizada quando “surgirem casos de contaminação de pacientes que não adquiriram a doença no exterior, especialmente na vizinha Argentina”, já que a “grande maioria dos casos registrados no estado foi importada da Argentina” (“Rio Grande do Sul se prepara para epidemia”), enunciasse concomitantemente que o “fechamento” da fronteira com aquele país pode evitar uma epidemia. Mas (e novamente recuperamos) já não estávamos no estágio da pandemia? Com a informação que completa a página, organizada sob o título “Gripe causa mais 6 mortes na Argentina” e subtítulo “Ministro da Saúde tenta minimizar epidemia após ser repreendido pela presidente” (Idem), pode-se perceber que a preocupação de O Globo (um reflexo da preocupação de seus leitores!?) é chamar a atenção para a situação de descontrole experimentada pela população argentina no Governo Cristina Kirchner. Na matéria, além da confirmação de mais seis mortes (totalizando 52) no país, destaca-se que, “antes de serem anunciados novos números da doença, o ministro da Saúde da Argentina, Juan Manzur – que admitira anteriormente 44 que cerca de cem mil pessoas tinham sido contaminadas – tentou minimizar a dimensão da epidemia, durante a visita feita pela presidente Cristina Kirchner desde a decretação da emergência sanitária” (Idem, grifo nosso). Poderíamos destacar as imprecisões presentes na informação – como se a divulgação dos novos números antecede ou sucede a decretação do estado de emergência; ou mesmo sobre se foi a primeira visita da presidente..., ou a primeira após a data de decretação; ou sobre a data estritamente –, mas parece ser menos importante tais precisões do que os efeitos que elas podem produzir, especialmente pelo sentidos que quer gerar. Ao olharmos para o complemento da notícia, e lermos que “Segundo versões extra-oficiais, Manzur levara um puxão de orelhas da presidente e, por isso, foi obrigado a relativizar suas declarações” (Idem, grifos nossos), nos parece lícito perguntar: não estaria aqui sendo construída a noção de que o Governo Kirchner, através do Ministério da Saúde, alterava os números da doença para produzir a noção de que a doença estava sob controle? Com esse sentido, não estaria o jornal denunciado que a possibilidade de contaminação era superior à que efetivamente acontecia? Quando é dito que “ontem, ele disse [Manzur] que o governo confirmou o contágio de 2.800 pessoas e que o dado divulgado na noite anterior era apenas uma estimativa e não uma estatística oficial” e que a presidente Cristina Kirchner, “visivelmente irritada, questionou os meios de comunicação locais que divulgaram o contágio de cerca de cem mil pessoas, dizendo: ‘Um erro cria problemas. Peço a todos que atuem com muita responsabilidade’” (Idem, grifo nosso), não estaria aí igualmente sendo gerado um outro sentido, que aponta para o cerceamento da liberdade de expressão naquele país? Ao revisitarmos a edição do dia três de julho (com as matérias sobre a primeira morte de um sul-americano e o bloqueio de sites na China), mas igualmente a do dia quatro (com mudanças que esconderiam os números reais da doença), nos parece pertinente a dedução de que, para além das informações sobre a doença – que é uma dimensão importante e que não deve ser negligenciada –, a principal construção narrativa seja a de que estávamos vivendo uma pandemia mas que as autoridades buscavam estratégias e dispositivos para que esses números não chegassem ao conhecimento da população. 45 Com o avanço do mês de julho, e na medida em que se contabiliza um número maior de mortes (no dia 27 são 38 óbitos no país, dos quais 5 no Rio de Janeiro), aumenta a quantidade de informações sobre a Influenza H1N1 – a título de exemplo, a última semana de julho é aquela em que mais encontramos textos e imagens. Assim, quando nos debruçamos sobre a página 11, nos vemos diante de um conjunto de referências que nos permitem apontar o quanto a construção narrativa de O Globo potencializa os sentidos que propõe através do antagonismo entre tristeza e sofrimento – gerados pela morte – e prazer a alegria – associada ao lazer e ao entretenimento, expressos nas fotografias de artistas sorridentes na coluna do Ancelmo Góis. Dessa forma, quando lemos a informação organizada sob o título “Gripe suína: autoridades do Rio Grande do Sul confirmam mais cinco mortes” e subtítulo “Já são 38 óbitos no país por causa da doença; 5 deles registrados no Rio” (O Globo, 27/07/2009, p. 11 [Rio]), podemos perceber o quanto o estado gaúcho funciona como referência para o alerta dado aos fluminenses. Parece ser dessa natureza a vinculação (pela veiculação) das matérias produzidas sobre aquele estado dentro da editoria Rio. Outro dado que merece destaque é a questão da identificação (com as respectivas idades) das pessoas vitimadas pela doença. Sem que queiramos entrar na questão do projeto editorial do veículo, nos parece particularmente importante destacar o quanto as faixas-etárias que seriam posteriormente cobertas pela Campanha Nacional de Imunização aparecem contempladas pelos jornais. Note-se que, ao apontar as pessoas afetadas pelo vírus H1N1, reconhece-se o público que será priorizado em 2010: “Das cinco vítimas, duas eram gestantes, ambas de Passo Fundo – uma de 31 e outra de 25” (Idem, grifos nossos). As outras três mortes são de um marceneiro (36 anos, cardiopata), uma aposentada (63, diabética) e um operário (20).4 Na informação vinculada, sob o título “Mortes suspeitas no Rio e em Niterói” e subtítulo “Duas mulheres, uma delas grávida, apresentavam sintomas da gripe” (Idem, grifo nosso), continuamos a reconhecer o perfil da suscetibilidade sendo construído. Mas, voltemos à informação anterior. 4 Todas identificadas na mesma reportagem. 46 Apesar de o título indicar que se trata de mortes no sul do país (“Gripe suína: autoridades do Rio Grande do Sul confirmam mais cinco mortos”), nos parece plausível supor que através desse texto, o jornal apresenta (ainda que implicitamente) uma espécie de percurso geográfico da doença, especialmente porque os casos começam no Rio Grande do Sul, passam por São Paulo e chegam ao Rio de Janeiro – o que acentua a possibilidade dela fazer um caminho semelhante a uma viagem de carro, de ônibus ou mesmo de caminhão, não exclusivamente de avião, como aparecia nas primeiras informações sobre a H1N1. Na informação, além do alerta para com as fronteiras, há uma “recomendação” para uso da máscara como forma de prevenção da doença (posteriormente, ver-se-ia que a máscara funcionaria como uma espécie de símbolo-memória do agravo). No texto, é possível encontrar: “Na AMA [unidade de Assistência Médica Ambulatorial] Cidade Líder, uma paciente gripada esperava sem máscara ao lado de outros pacientes: ‘já posso ter contaminado alguém’, disse Patrícia, cobrindo a tosse com a mão” (Idem, grifos nossos). Noutra passagem: “Na AMA Juscelino Kubitschek, em Cidade Tiradentes, máscaras eram entregues imediatamente” (Idem, grifos nossos). Como já havíamos mencionado, a página 11 é carregada de sentidos, uns explícitos, outros nem tanto. Isso porque, feito o caminho entre Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, será na notícia sobre as mortes de duas mulheres (uma delas grávida) que a adjetivação e a dramaticidade serão potencializadas e antagonizadas com outros elementos na organização gráfica. Não há como negar que a morte é um si um processo dramático e, por vezes, traumático. Nesse sentido, é exatamente a potencialização que nos permite lançar um olhar mais cuidadoso sobre texto e imagem, que captura as marcas que iluminam tal oposição. Talvez não seja desnecessário destacarmos que, como mostra o título da matéria vinculada (“Mortes suspeitas no Rio e em Niterói”), havia suspeita e não certeza da vinculação entre as mortes e o H1N1. Ora, mas depois de lermos que “são 38 óbitos”, dos quais “cinco no Rio”, “uma em Diadema”, será mesmo que o jornal propõe que sejam suspeitas ou trata-se de uma operação enunciativa que transforma conjectura em realidade? 47 Ao olharmos inicialmente para a imagem – que dubiamente pode estar fazendo menção tanto as mortes no Sul quanto às no Rio de Janeiro, ainda que na legenda indique que se trate de uma ilustração da “emoção dos parentes durante o enterro ontem, em Niterói” – percebe-se o quanto ela rivaliza com as representações que a ladeiam (à esquerda e abaixo): lateralmente, encontram-se três personificações de alegria (na primeira, Marieta Severo e Andréa Beltrão [atrizes do humorístico A grande família, da TV Globo]; na segunda, o casal [família] Regina Braga e Drauzio Varella [médico, com notoriedade pública, especialmente após suas participações no programa Fantástico, também da TV Globo]; e de jovens ao lado de Renato Aragão [o Didi, dos Trapalhões], que hoje participa do programa-título A turma do Didi, da mesma emissora). Longe de parecer mero acaso, julgamos que estas reproduções imagéticas, além de promoverem um vínculo entre veículos da Rede (O Globo, TV Globo), evidenciam a felicidade (todos, nas três imagens, estão sorrindo), o sentimento de grupo (turma, família), a longevidade (o Didi) a partir de uma orientação médica publicamente reconhecida (Drauzio Varella). Assim, não se trata apenas de opor elementos (alegria versus tristeza), mas de usar símbolos hegemonicamente construídos para encaminhar certa leitura que se deve fazer do material. Ao lermos a matéria em questão (“Mortes suspeitas...”), é possível observar a quantidade de suposições presentes nesse texto: “As mortes de duas mulheres, no Rio e em Niterói, podem ter sido provocadas...” (Idem, grifo nosso); “um dos casos considerados suspeitos...” (Idem, grifo nossos). A mais emblemática parece ser a passagem que dá conta da “certeza” da vinculação entre a morte e o vírus H1N1: “Em Niterói, a gerente de vendas Édina Ferrera Magalhães, de 44 anos, morreu no sábado, com quadro de pneumonia. Porém, as autoridades ainda não confirmaram se ela estava com a gripe” (Idem, grifos nossos). Note-se, igualmente, que “morosidade” sobre a qual o veículo fez menção em edições anteriores se manifesta agora na fala de “parentes e amigos” que, apesar de não identificados, “estavam indignados com a falta de informações – ninguém da Secretaria de Saúde ou do Ministério da Saúde entrou em contato com a família até agora, protestou a filha, Íngride Thaís Magalhães” (Idem, grifo nossos). É muito interessante observarmos o quanto a imprecisão sobre a Secretaria (afinal, era a estadual 48 ou municipal, já que a matéria não aponta) joga luz sobre o personagem identificado: o Ministério da Saúde. Antes de falarmos propriamente do Ministério da Saúde, vejamos o trecho final da informação: “Colegas de trabalho de Édina procuraram a Secretaria de Vigilância em Saúde de Niterói, na sexta-feira, para pedir que pudessem fazer exames” (Idem, grifo nosso). É muito curioso observarmos que a morte de Édina ocorrera (como consta na matéria) no sábado, dia 25/07. Logo, nos interrogamos: teriam corrido os colegas de trabalho (sem que novamente se diga quais ou qual) da gerente de vendas para fazer exames na sexta-feira, antes mesmo que ocorresse o óbito? Ou esta passagem funciona como um dispositivo para a produção social de sentidos em torno de uma relação direta morte-gripe H1N1? Um dos pontos que nos chama a atenção é o salto, dentro do mesmo parágrafo, da Secretaria de Vigilância em Saúde de Niterói para o Hospital de Clínicas São Sebastião que “não quis falar sobre a morte, mas ontem, o médico da unidade, Luiz Augusto Carmo, receitou Tamiflu para Íngride, que tem sintomas da gripe” (Idem, grifos nossos). Em nossa avaliação, o Tamiflu coloca novamente em cena o Ministério da Saúde, uma vez que o antiviral era o responsável por combater a Influenza H1N1. Nesse sentido, quando a filha de Édina lamenta o fato de que “sua mãe já tinha até comprado o vestido dela [Íngride tinha previsão de casar em novembro de 2009]” (Idem, grifo nosso), parece plausível supor que o matutino sugere que, não fosse “a falta de informações” ou a “morosidade no tratamento da gerente [Tamiflu]”, provavelmente a vida de Édina não seria abreviada. Se esta proposição é admissível, a construção enunciativa presente na matéria é potencializada pelas propagandas que a seguem. Trata-se de dois anúncios de universidade que, como projetos de vida, como expectativa de vida futura, contrastam com a interrupção abrupta da vida da niteroiense que “já tinha até escolhido seu vestido”. Já no dia 28 de julho, voltamos a identificar as cartas enviadas por leitores como estratégia que construção enunciativa sobre a H1N1. No entanto, há uma modificação no enfoque, que passa a dar mais ênfase à questão das estratégias de prevenção (mas igualmente críticas sobre procedimentos adotados). Entretanto, não é menos perceptível o fato de as 49 mensagens que antecedem e sucedem às que são organizadas sob o título “Gripe suína”, contribuírem para a produção de sentidos: a que “prepara” um certo olhar sobre aquelas narrativas recebe o título “Choque de ordem” e as que complementam esse olhar, “A ‘inconsistência’” (O Globo, 28/07/2009, p.6 [Cartas dos Leitores]). Assim, ao lermos que, por um lado, “Diagnóstico precoce e digno: início do tratamento até 24 horas após os primeiros sintomas” podem evitar uma epidemia, por outro, há uma carga sobre as ações, personificada, nesta mensagem, no Ministério da Saúde que, Determina que compete ao médico decidir quais casos serão tratados. Pergunto: como? Pois os exames são feitos em poucos e em determinados locais. E a medicação Tamiflu é de exclusiva propriedade do governo. Quanto aos infelizes que morreram, estão sendo referidos pelas autoridades como negligência ou incompetência médica. Atitudes como essa são simplistas e procuram esconder a falência do nosso planejamento em saúde (Idem, mensagem assinada por Horácio de Azevedo Pereira). Sobre a considerações, carta haja acima, vista se é necessário tratar de um que façamos elemento algumas enunciativo paradigmático: (1) trata-se da manifestação explícita de um determinado pensamento que, ao ser assinada por um leitor, manifesta o caráter de pluralidade anunciado pela imprensa; (2) trata-se de um elemento que permite aos demais leitores se informarem – saber sobre que medidas podiam ser tomadas para que se evitasse (?) uma epidemia – mas igualmente para construírem juízo sobre os eventuais responsáveis por um surto epidêmico; (3) trata-se da explicitação de dados que, se estão afastados pelo tempo, permitem ao leitor perceber uma coerência no enfoque dado pelo periódico – no dia 30/06 fora noticiado que “um dinamarquês teve gripe resistente ao antiviral”, no dia 04/07 que “Dinarmarca, Japão e China tinham casos em que o vírus ganhou resistência ao Tamiflu” e no dia anterior (27/08) “uma pessoa morreu porque não foi medicada a tempo com o Tamiflu, que pertence ao Ministério da Saúde”; (4) trata-se de uma avaliação sobre a ação do Estado (Ministério da Saúde), na medida em que destaca a “falência do nosso planejamento em saúde”. Assim sendo, não estaria aí sendo proposto o sentido de que, face “A ‘inconsistência’” desse planejamento, só um “Choque de ordem” seria capaz de produzir um planejamento correto e realizável? 50 Quando passamos ao espaço “celebrado” como estritamente informativo, veremos o quanto, a despeito de uma tentativa de divisão estrita entre informação e opinião, os sentidos são produzidos a partir da totalidade de textos e imagens presentes numa determinada edição – sem negligenciarmos suas conexões com aquilo que foi objeto de atenção de cada jornal em dias anteriores. Assim, ao nos determos sobre a informação organizada sob o título “Gripe suína: 55 grávidas estão internadas” e subtítulo “Quadro pulmonar grave leva de 6 a 12 horas para aparecer em gestantes; morre mais uma com suspeita da doença” (O Globo, 28/07/2009, p. 11 [Rio]), percebemos a pertinência das aproximações acima mencionadas. Inicialmente, é importante que registremos que, de acordo com o texto, até a data do fechamento da edição não havia confirmação se a causa da morte era o vírus H1N1, só havia suspeitas. Outro ponto importante é sobre a construção de uma memória sobre os desdobramentos do processo de contaminação: “após a confirmação de um óbito na semana passada e da suspeita de que mais duas gestantes morreram por causa do vírus H1N1 – uma delas ontem, em Niterói” (Idem, grifos nossos). Note-se que, nesse processo de produção de sentidos, para além da memória, há quatro caracterizações que merecem ser mencionadas: a primeira é sobre o protagonista da informação: “As grávidas com sintomas de gripe suína têm sido uma das maiores preocupações das autoridades no Rio” (Idem); a segunda é a avaliação do secretário estadual de Saúde, Sérgio Côrtes, sobre a “necessidade de rapidez na identificação dos sintomas: ‘em seis a 12 horas, as gestantes estão evoluindo para um quadro pulmonar grave’” (Idem); a terceira, o reforço da noção de que a máscara é, se não o mais eficaz, um dos principais métodos de prevenção do contágio: “na UPA da Tijuca, pacientes com máscara aguardam atendimento” (Idem); por último, um desenho do perfil de suscetibilidade da doença, ao registrar as mortes provocadas pela influenza A: “grávida, de 22 anos, com cinco meses de gestação (...), duas crianças, de três e cinco anos (...), homem, de 49 anos (...) e uma comerciante, de 44 anos” (Idem). Ainda que tenhamos a consciência de que o jornal cria dispositivos enunciativos para aproximar as informações da realidade dos leitores, ao nos depararmos com tais construções permitimo-nos fazer algumas observações. Ao nos determos sobre 51 a expressão “uma das maiores preocupações das autoridades no Rio”, poderíamos nos interrogar: estariam as autoridades (e aí, todas) preocupadas com o desenvolvimento da doença em particular no Rio ou só as autoridades fluminenses é que mostrariam tal preocupação? Longe de ser um simples preciosismo semântico, é na justa medida em que há tal indeterminação na retórica do jornal que é possível se construir sentidos associados ao tema. Ainda que o fragmento do final do parágrafo anterior não seja suficiente para garantir uma única compreensão do texto, não é menos verdadeiro o fato de que, ao “apagar” da informação o Ministério da Saúde e “iluminar” a Secretaria estadual de Saúde e o secretário Sérgio Côrtes (sem contar a menção aos hospitais do estado: Hospital Antônio Pedro – sem a designação Universitário, que compõe sua sigla HUAP, o que poderia estabelecer uma proximidade com a Universidade Federal Fluminense –, Hospital Azevedo Lima, Hospital Infantil Getúlio Vargas Filho, Hospital Albert Schweitzer) o matutino sugere que só as autoridades do Rio é que demonstram preocupação, especialmente porque a “necessidade de rapidez na identificação dos sintomas” contrasta com a morosidade do processo de gestão do Ministério da Saúde, como já havia apontado o médico Roberto Medronho (outra autoridade no Rio) no dia 03/07/2009. Por fim, porém não menos significativo, é o fato de encontrarmos em O Globo uma espécie de mapeamento de grupos/grau de suscetibilidade à doença, o que seria completamente esquecido em 2010 ao destacar a discordância entre os grupos/faixa-etária escolhidos como alvo da Campanha Nacional de Imunização pelo Ministério da Saúde e os apontados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Ao observarmos a informação contida na matéria vinculada à das “55 grávidas estão internadas”, fica um pouco mais clara a proposição que fizemos acima. Sob o título “Com mais 7 casos, número de mortes no país chega a 45” e subtítulo “Governo recomenda a alunos com gripe que deixem de ir à escola” (Idem, grifo nosso), o jornal informa aos leitores que “Mais sete mortes foram confirmadas ontem no Brasil: quatro em São Paulo e três no Paraná (todas em Curitiba)” (Idem). Ora, se morreram “ontem” mais sete pessoas, das quais quatro em São Paulo e três no Paraná, em que estatística 52 estaria sendo computada a morte da “grávida, de 22 anos, que morreu ontem em Niterói com suspeita de gripe suína” (Idem)? Tratar-se-ia de uma simples imprecisão das informações? Ou o apagamento dessa contradição contribuiria para a construção do sentido de que (ainda que não fosse justificável naquele momento – era 20 mortes em São Paulo, 16 no Rio Grande do Sul, cinco no Rio e quatro no Paraná) o Rio de Janeiro merecia maiores preocupações das autoridades, sustentando a manutenção do estado de alerta na saúde? Ao avançarmos sobre o texto, é possível notar que as preocupações com o aumento do número de casos suspeitos não era uma prerrogativa “das autoridades do Rio”, haja vista o fato de “o Grupo Executivo Interministerial, integrado por 16 órgãos do governo federal, recomendar que todos os alunos com sintomas de gripe evitem retornar às aulas até estarem totalmente recuperados” (Idem). No entanto, não deve ser considerado um dado periférico, mas sim uma pista de análise, o fato de em mais essa informação não haver menção ao Ministério da Saúde. Por que não mencionar a presença daquele que era exatamente o órgão do Grupo Executivo Interministerial (GEI) responsável pela coordenação das ações responsáveis por tentar evitar a propagação do vírus influenza em território nacional? Lapso, esquecimento ou produção social de sentidos? A afirmação de que se trata da consciência de que se produzia um determinado sentido com as duas informações mencionadas nos parágrafos acima pode ser sustentada pelo processo de construção narrativa organizado pelo próprio jornal. A recomendação para que alunos com sintomas da gripe evitassem retornar às aulas até estarem recuperados, assim como o uso de máscaras, o asseio com as mãos, compunham um quadro de referência de “ações preventivas para evitar a introdução do vírus responsável pela influenza”, como determina o decreto presidencial que instituiu o Grupo. Como parte do mesmo conjunto de competências do coordenador do GEI, consta a determinação de se “promover as articulações necessárias para a eficaz implementação das ações de prevenção, preparação e enfrentamento, inclusive com Estados e Municípios”. Talvez não seja inoportuno destacar que tanto as ações quanto as articulações estavam 53 celebradas no decreto que estabelecia um Plano de Contingência Brasileiro para a Pandemia de Influenza, assinado pelo presidente da República. Assim, não nos parece fruto de inépcia a proposição enunciativa de que era de iniciativa das autoridades do Rio medidas que buscassem proteger os fluminenses, como tenta dar conta o box, cujo título “Cuidados que devem ser tomados”, destaca que “o secretário Sérgio Côrtes disse, semana passada, que todas as gestantes que apresentarem sintomas de gripe (...) serão orientadas a procurar atendimento médico com urgência” (Idem, grifo nosso). Na verdade, tais cuidados parecem também justificar que “a morte da gestante com sintomas de gripe” era, antes de tudo, uma especulação. A publicação, pelo matutino carioca, da manchete “Gripe faz Rio também adiar volta às aulas” (O Globo, 30/07/2009, primeira página, grifo nosso) parece validar as observações sobre a questão das medidas nacionais, apontadas como regionais na edição do dia 28. Ainda que o subtítulo “Eficácia da medida, válida só para a rede pública, é polêmica” (Idem) sugira não haver consenso em torno da ação, não é menos verdadeiro que há uma mudança de foco do noticiário, haja vista o fato de destacar que o movimento preventivo no Rio segue “referências” de outros estados. Nessa capa, há outro elemento de produz seus efeitos sobre a chamada da gripe. Logo abaixo do logotipo do jornal (e acima da informação sobre a gripe H1N1) é publicada uma imagem de um homem urinando numa árvore a poucos metros de distância de um veículo da Secretaria Municipal de Vigilância Sanitária. Não vamos entrar aqui na discussão sobre a vinculação ou não desse personagem à referida secretaria – a legenda afirma que “Um funcionário da Vigilância Sanitária Municipal – responsável por fiscalizar as condições de higiene em restaurantes – é flagrado urinando na Rua Visconde de Albuquerque, no Leblon. A prefeitura vai tentar identificá-lo” (Idem) –, especialmente porque a assertiva de que “vai tentar identificá-lo” não significa que a prefeitura tenha garantido se tratar realmente de um funcionário de seu quadro. Na verdade, o que parece realmente merecer destaque é o título “Lambança Sanitária” (Idem), que orienta a leitura das duas informações. 54 Cabe nesse momento nos remeter ao trecho anteriormente analisado, que aborda as mensagens sobre Influenza H1N1 enviadas pelos leitores. Como foi descrito, as cinco cartas organizadas sob o título “Gripe suína”, são antecedidas pelas de título “Leis de trânsito” e sucedidas pelas de “Desordem urbana”. Seria uma alusão ao veículo da Secretaria Municipal de Vigilância Sanitária que estava parado com as quatro rodas na calçada e sob a placa de “Proibido estacionar” e ao homem urinando na árvore? Vejamos o que dizem as correspondências enviadas à redação do jornal. Talvez seja desnecessário reproduzirmos as cinco. Mas, a fim de que possamos mostrar a primazia de uma dada concepção que forjava-se no matutino, tomemos a noção de que a “lambança sanitária”. Em Houaiss (2002) quando buscamos os significados para a palavra sanitária, encontramos, dentre outras, as designações: (a) “local público ou privado, equipado com vaso sanitário; toalete, mictório”, que nos permite estabelecer uma relação direta com a imagem da primeira página; e (b) “relativa à saúde pública ou individual, à higiene”, que nos autoriza a associá-la as discussões presentes nas “Cartas dos Leitores”. Assim, selecionaremos a primeira, a terceira e a quinta mensagens para observar as relações existentes. Na primeira, destaca-se que: Estamos vivendo uma ditadura na saúde pública. Passamos a vida inteira pagando planos de saúde caros e na hora de uma pandemia de gripe suína não podemos recorrer aos nossos médicos particulares para obtermos o único tratamento existente, que é o Tamiflu. O governo deve ser responsabilizado por todas as mortes ocorridas (...). O governo está brincando de marolinha com a vida das pessoas (30/07/2009, p. 6 [Cartas dos Leitores], grifos nossos. Assinada por Ana Peters). Na terceira, celebra-se como Corretíssima a atitude da Secretaria de Saúde de São Paulo, que recomenda o prolongamento das férias escolares em todos os níveis educacionais. Esta postura, que aplica em toda a sua plenitude um dos paradigmas básicos da medicina preventiva, deverá ter como resultado a redução acentuada de novos casos relativos à gripe suína (...). Que os demais estados do país, pelo menos os mais suscetíveis, sigam o exemplo (Idem, grifos nossos. Assinada por David Neto). 55 Já na última, coloca-se no ar uma desconfiança com relação às estratégias, ao sugerir que Tem alguma coisa errada: o governo diz que os casos de mortes por gripe suína são menores que os de gripe normal, e nunca houve adiamento das férias por causa de resfriado. Então, de que adianta adiar em mais uma semana as férias? Seria melhor cancelar o ano escolar (...). Deve ter mais alguma coisa e não querem falar, porque adiar a volta das férias por uma semana é uma medida demagógica (Idem, grifos nossos. assinada por Marcos Ferreira). Não nos parece fortuito o fato de as cartas funcionarem como uma espécie de mediação entre a primeira página e a 12 (especificamente nesta edição), ainda que o leitor não a produza deliberadamente com essa intenção. Também não é menos verdadeiro o fato de outras mediações virem parar dentro do jornal, como podemos ver na primeira carta. Quando a leitora (1ª carta) escreve sobre uma “ditadura na saúde pública” não poderia estar aí sendo reificada a noção de que não é dada ao cidadão a possibilidade de conhecer os verdadeiros números da doença, haja vista o fato de “a gripe H1N1 requerer maiores cuidados que a gripe sazonal” e de “ter mais alguma coisa e não querem falar (3ª carta)? Não estaria também sendo reforçada a noção de “lambança sanitária” quando a leitora (novamente da 1ª carta) afirma que o “governo deve ser responsabilizado por todas as mortes ocorridas”? Um claro exemplo dos efeitos concretos das mediações sobre o sentir, o pensar e o agir (escrevendo, por exemplo, uma mensagem para o jornal) é a presença da expressão marolinha na primeira mensagem. Ela é sintoma do atravessamento das questões da saúde pelas da economia. Ou será que já foi esquecido pela população (a imprensa permite esse tipo de esquecimento?) que marolinha foi a expressão usada pelo presidente Lula para dar conta do impacto da crise econômica mundial em nosso país? Na oportunidade, vários veículos de comunicação chamavam a atenção para o fato de se tratar de um discurso que visava dissimular a real situação da crise. Ora, o “tem alguma coisa errada” e o “deve ter mais alguma coisa e não querem falar” (presentes 56 na 3ª carta) não é a apropriação de um discurso produzida pelos meios sobre a marolinha do presidente Lula? Já na editoria Rio, encontramos a matéria cuja chamada aparece na primeira página dessa edição (título “Gripe faz Rio também adiar volta às aulas” e subtítulo “Eficácia da medida, válida só na rede pública, é polêmica”). É interessante observarmos que mais uma vez essa espécie de duplo funciona na elaboração do informe do jornal: por um lado, e isso não há como negar, temos a presença da informação que destaca a possibilidade de adiamento do retorno das férias escolares; por outro, a produção dos sentidos sociais ao enfatizar que a medida é polêmica. É por trabalhar com essa perspectiva que optamos por aplicar o método da Análise dos Discursos em detrimento de outros instrumentais de análise. Em nossa avaliação, uma abordagem métrica, por exemplo, tende a valorizar uma das faces do conteúdo de um veículo, o que, julgamos, não estamos fazendo na abordagem que oferecemos. Dessa forma (e isso olhando ainda para a capa do matutino), não está no âmbito do enunciado a estratégia de construção da narrativa, que prima por “ouvir” os dois lados – “Para uns...” e “Outros afirmam...” –, mas na enunciação: não se identificam que são esses “uns” tampouco os “outros”. O importante para o leitor é saber que se tratam de “especialistas”. Assim, quando lemos a informação organizada sob o título “Gripe: Rio ‘cola’ de São Paulo” e subtítulo “Secretarias de Educação e Saúde resolvem adiar a volta às aulas por precaução” (O Globo, 30/07/2009, p. 12 [Rio]), nos interrogamos: estaria sendo antecipado um debate entre os “especialistas” (gestores públicos) da área de saúde e educação e os do setor privado ou entre “especialistas” (novamente gestores públicos) do Rio de Janeiro e de São Paulo? Em nossa avaliação, tanto a primeira – “As escolas particulares têm autonomia para decidir se seguirão, ou não, o conselho das secretarias de Saúde” (Idem, grifos nossos) – quanto a segunda orientação – “um dia depois de, na contramão de São Paulo, terem afirmado que manteriam o calendário escolar, as secretarias municipal e estadual de Educação do Rio resolveram seguir a recomendação (...) decidiram adiar a volta às aulas” (Idem, grifos nossos) – estão presentes na reportagem. Na verdade, para além do 57 pseudodebate, há uma tomada de posição do jornal, especialmente porque, na divergência sobre a eficácia da medida, são ouvidos cinco especialistas, sendo três favoráveis – um professor da UFRJ, um da Unifesp e o presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria – e dois desfavoráveis – outro professor da Unifesp e o presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia. Outro dado sobre o qual vale registro é a observação feita pelo secretário municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Hans Dohmann, de que “a medida [adiamento do retorno das férias] é mais radical em relação às creches porque crianças de até 2 anos fazem parte de um grupo de risco da gripe suína” (Idem, acréscimo nosso). Ainda que apareça no depoimento do secretário, nos parece plausível supor que o jornal concorda com o adiamento das férias (como medida de prevenção) haja vista a posição dos especialistas sobre o assunto (três favoráveis contra dois desfavoráveis), a concordância com a decisão em São Paulo e as informações veiculadas em edições anteriores. Ora, mas por que o silêncio (em 2010) quando o Ministério da Saúde elabora a lista dos grupos prioritários para receberem a vacina contra o H1N1 através da Campanha Nacional de Imunização? Ao observarmos o box “Fique atento”, ao lado da retranca com título “Especialistas divergem sobre a eficácia”, onde estão identificados os “Grupos de risco: idosos, crianças, gestantes, obesos, doentes crônicos, pessoas com imunidade reduzida ou anêmicas” (Idem), é possível notar que, em alguma medida, foi o próprio jornal que, mapeando os casos registrados, “apontou” quem deveria ser o público-alvo da vacinação no ano seguinte. Ao nos determos sobre a matéria que fecha o conjunto das informações da página 12, encontramos a notícia, organizada sob o título “Estudantes voltam doentes do Pará” e subtítulo “Grupo participava de congresso. Apresentadora de TV também é infectada” (Idem, grifo nosso). Ainda que se tratam de universitários, a palavra “estudantes” vincula esta comunicação às outras. Porém, o jornal parece se servir particularmente desta para amplificar os sentidos propostos no conjunto dos textos. Assim, quando mostra que “A viagem de um grupo de 30 estudantes de direito de várias universidades do Rio para um encontro nacional de universitários em Belém se transformou num 58 drama” (Idem, grifos nossos), a dramatização potencializa o problema da gripe em todo o Brasil, e no Rio em particular (não só por estar na editoria Rio, mas porque se tratavam de várias universidades do Rio). Nesse sentido, novamente percebemos o quanto a questão do cuidado com as fronteiras do estado fluminense é enunciada pelo matutino: “o grupo estava alojado em salas de aula da UFP, que também hospedava outro congresso (...) quando soube que seis alunos de diversos estados tiveram diagnóstico clínico de gripe suína (Idem, grifos nossos). Talvez não seja desnecessário destacar o quanto a última matéria precisa “ser lida” através de sua relação com a eficácia da medida do adiamento do retorno às aulas. Afinal, seria um mero detalhe o fato de os alunos estarem alojados em salas de aula? O que o veículo não mostra é que “se alojar” nas universidades que sediam tais eventos (congressos, por exemplo) é uma prática relativamente comum entre estudantes universitários, o que pode ser percebido que argumenta que “também hospedava alunos de outro congresso”. No entanto, em nossa avaliação, importa mais a O Globo evidenciar tais contatos (“seis alunos de diversos estados”) dos alunos do Rio como excepcionais transformando-os “em drama”, do que apontar a trivialidade do episódio. Assim, quando reproduz o depoimento de Fábio Rafael (estudante fluminense), dizendo que “ele admitiu que o contágio foi inevitável. Nas festas de confraternização organizadas entre os estudantes de história e direito, era possível encontrar muita gente gripada no campus” (Idem, grifos nossos), menos interessa ao periódico tratar se (a) Fábio Rafael (estudante de direito ou história, não há indicação) reunia condições técnicas para afirmar que realmente houve o contágio ou (b) se tratava da gripe H1N1 e mais evidenciar que a Influenza A tinha mais uma porta de entrada no estado do Rio. Esse também parece ser o sentido da presença de Sandra Annemberg na mesma notícia. Pela forma como foi descrito a “jornalista também entrou para a lista de vítimas do vírus da gripe suína” (Idem, grifo nosso). Longe de queremos avaliar se de fato os estudantes ou a apresentadora do Jornal Hoje contraíram o vírus H1N1, o que nos chama particularmente a atenção são os elementos usados pelo próprio veículo para justificar (por efeito de 59 causalidade nem sempre evidente) a possibilidade de contágio. Note-se que, “segundo informações do site G1 [também das Organizações Globo], Sandra apresentou sintomas da doença, como febre, dores de cabeça e cansaço, no último dia 22. Exames laboratoriais confirmaram a doença na terça-feira” (Idem, acréscimo e grifos nossos). No entanto, e isso ainda de acordo com a matéria, “Sandra está de repouso sob orientação médica desde o dia 23, mas não tem mais sintomas da gripe” (Idem, grifos nossos). Pois bem, dia 22 de julho foi numa quarta-feira. Segundo a informação, os exames (laboratoriais) só confirmaram a doença na terça-feira (28/07). Pela narrativa, Sandra estava de repouso, sob orientação médica, desde o dia 23. Ora, mesmo sem saber se o que tinha era a gripe H1N1, cujo resultado só saiu no dia 28? Em nossa avaliação, estamos diante de uma mesma operação em que menos importam a credibilidade dos diagnósticos e mais enfatizar a materialidade da contaminação, haja vista o fato de os “estudantes que voltam doentes do Pará” serem potencialmente transmissores da doença contraída pela profissional, que estava cobrindo as “férias de Fátima Bernardes no Jornal Nacional” (a redação do JN é no Rio de Janeiro). Agosto Passados pouco mais de 20 dias e tendo em vista o fato de os números da gripe Influenza H1N1 terem ficado abaixo dos da Influenza Sazonal, as “polêmicas” apresentadas por O Globo dizem respeito mais à questão da reposição de aulas, fruto do adiamento do retorno das férias escolares, do que da pandemia em si. Assim, quando no dia 24 de agosto o jornal aborda o tema, já não o faz em sua primeira página – o que pode ser um indicativo de que a virtualidade dos efeitos da H1N1, anunciados em edições anteriores, não ganhou a equivalente materialidade. No entanto, não podemos supor que a gripe H1N1 deixou de ocupar importância relativa para o matutino, haja vista o fato de aparecer a chamada “Reposição de aulas por causa da gripe provoca polêmica”, tendo como lide o seguinte enunciado: “A reposição de aulas devido a gripe suína divide educadores e deixa pais apreensivos com a possibilidade de o ano letivo ser prejudicado” (O Globo, 24/08/2009, p. 2). Ora, 60 como destacamos na edição de 30 de julho, não foi o veículo favorável a essa medida, que agora deixa o país apreensivo? Ao observarmos a carta publicada no mesmo dia (dessa vez uma, e não várias como acontecera anteriormente – o que pode representar um sintoma de que os efeitos mais danosos da gripe já vinham se arrefecendo), nos vemos diante de um quadro que, se por um lado, reconhece que a doença não havia manifestado um quadro tão grave quanto o alerta nível 6 da OMS sugeria, por outro, continua apostando na idéia de polêmica, de drama, de catástrofe para construir sentidos sobre a H1N1. Sob o título “Tragédia da gripe”, o leitor destacava que em breve “o Brasil seria o recordista mundial de casos de gripe suína e de óbitos, graças à atuação do prepotente ministro da Saúde”. A mensagem seguia apontando que “estamos caminhando para uma tragédia maior. A classe média está impotente e a situação é tão grave que merece a atenção do presidente da República, urgentemente” (Idem, p. 6 [Cartas dos Leitores], grifos nossos). Não deveria ser considerado um dado marginal o fato de a correspondência ser datada de 17/08, isto é, uma semana antes da edição sobre o qual estamos colocando foco. Tal carta é reveladora por dois aspectos bastante sintomáticos: o primeiro é que, sendo ela do dia 17/08, no dia 24/08 a possibilidade de uma pandemia já não atraía a atenção por parte de leitores que se manifestavam sobre o tema no matutino; o segundo é que, apesar de a possibilidade de uma pandemia (ou mesmo de uma epidemia) arrefecer-se, O Globo continua mantendo a estratégia de antecipar narrativamente uma tragédia que não se manifestava concretamente. Assim, ocupando pelo menos um terço do espaço antes destinado ao tema H1N1, é possível perceber que a maior preocupação àquela altura era com a polêmica da reposição das aulas. Sob o título “Reposição das aulas divide opiniões de educadores e deixa pais apreensivos” e subtítulo “Diferença entre calendários escolares pode trazer prejuízo aos estudantes” (O Globo, 24/08/2009, p. 11 [Rio], grifo nosso), o jornal mostra que houve mudança de foco e novamente convoca especialistas para avaliarem a controvérsia. Não nos parece ser um dado a ser negligenciado a perspectiva “futurista” com que o veículo trata a Influenza H1N1, haja vista o fato de “poder trazer 61 prejuízos...” ou ainda o fato de que o “Brasil será muito em breve o recordista mundial de casos da gripe suína e de óbitos”. Mas, tão relevante quanto essa proposta de cobertura jornalística antecipatória é a presença dos “especialistas” para sustentar as posições tomadas pelo veículo. Ao lermos a matéria cujo título já anunciamos no parágrafo anterior, é possível perceber como funciona a presença do “especialista” na organização do texto noticioso. A editoria Rio, as escolas do Rio (como o CEL no Jardim Botânico), a Associação de Pais e Alunos do Estado do Rio, professores da UERJ, poderia sugerir a elaboração de um relato circunscrito ao limites geográficos do Rio. Na informação, apesar da reposição de aulas ser a grande preocupação de pais e de educadores, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) parece ser também um grande antagonista do calendário escolar pós-adiamento do retorno às aulas, como sugere o intertítulo “Para educador Enem traz complicações”. Ao seguirmos as linhas pós intertítulo, nos deparamos com o depoimento da consultora da Secretaria de Educação do Espírito Santo, Viviane Mosé, afirmando que a “reposição não deve ser acelerada”. Ora, mas não estaria a data da manutenção do Enem cumprindo exatamente essa função, a de acelerar a reposição? Não podemos negar que a presença da consultora (única personagem que não guardava relação aparente com o Rio) despertou nossa atenção. Na verdade, tratava-se de uma das comentaristas da rádio CBN (cuja trajetória profissional aponta também para a participação durante alguns anos no programa Fantástico) que, junto com Carlos Heitor Cony e Arthur Xexéo, integra o quadro Liberdade de expressão. Nesse sentido, seria apenas uma coincidência a presença da educadora naquela produção narrativa? Já no dia 27, percebe-se que a profecia do leitor de O Globo (cuja carta havia sido publicada no dia 24) havia se concretizado, o que aumenta a credibilidade do veículo sobre o que fora dito e sobre futuras antecipações. Sob o título “Gripe tem mais mortes no Brasil”, o jornal anuncia: “O Brasil é o primeiro do mundo em número absoluto de mortes por gripe suína, seguido pelos Estados Unidos (522) e Argentina (439). De acordo com levantamento do Ministério da Saúde, divulgado ontem, foram confirmados 557 óbitos no país” (27/08/2009, primeira página). Nas páginas internas, vamos localizar na editoria 62 Rio, o desdobramento da informação que foi objeto de destaque na capa. Sob o título “Números de brasileiros mortos pela gripe suína já é o maior no mundo”, é possível ler o matutino descrever que a “gripe suína já matou mais brasileiros do que pessoas de qualquer outra nacionalidade na atual pandemia” (O Globo, 27/08/2009, p. 13 [Rio]). Como o texto segue esclarecendo que, com relação à taxa de mortalidade (isto é, a relação entre o número de mortes e a população do país), o Brasil era o sétimo (com índice de 0,29%), julgamos que é oferecida ao leitor a possibilidade de ler os dados pela ótica do “número absoluto” ou da “taxa de mortalidade”. Um segundo dado que merece nossas atenções, mas que no veículo não chega a desfrutar de uma centralidade, é a identificação das regiões de maior risco – “São Paulo concentrava 223 registros de mortes, seguido por Paraná (151), Rio Grande do Sul (98) e Rio de Janeiro (55)” – e dos grupos atingidos – “do total de gestantes com gripe, 12% morreram” –, o que contribuiria em 2010 para a distribuição das doses de vacina na Campanha Nacional de Imunização. No entanto, em nossa avaliação, o real do problema não está nestes números, mas sim em outros, especialmente nos vinculados na continuação da matéria: O governo federal enviou ontem uma medida provisória ao Congresso Nacional para liberação de R$ 2,1 bilhões para o enfrentamento da pandemia. O ministério informou que os recursos serão usados para a aquisição de 73 milhões de doses da vacina contra a doença, mas 11,2 milhões de tratamentos, equipamentos para hospitalização, material de diagnóstico e aumentos do número de leitos de UTI, além de capacitação de profissionais (Idem, grifo nosso). Examinemos esses elementos. Com a informação de que o governo enviou medida provisória ao Congresso e a do número absoluto de mortes no Brasil, confirma-se a previsão do leitor (carta publicada em 24/08) sobre a tragédia da gripe. Entretanto, também não deve ser considerado um mero detalhe a notícia que segue a matéria principal, organizada sob o título “Suspeita de desvio de remédios” e subtítulo “Médico em Cabo Frio que teria autorizado retiradas é afastado”, especialmente pela propaganda da Tok&Stock. Ocupando duas colunas em toda extensão vertical da página, a empresa traz como título de seu anúncio “Organize sua casa sem desorganizar suas economias”. Do ponto de vista analítico, vamos inverter os termos entre 63 informação e propaganda, conferindo a esse último uma centralidade em nossa análise. O Globo, 27/08/2009 Como é uma tônica de O Globo criticar a forma como o Governo Lula gasta seus recursos – talvez não seja desnecessário lembrar a complacência que o modelo neoliberal, capitaneado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, merecia do veículo – não nos parece mero detalhe a propaganda da Toc&Stock. “Organize suas casa sem desorganizar suas economias” não estaria, na produção social de sentidos oferecida pelo periódico, sugerindo que o governo gasta mal seus recursos, a ponto de enviar ao Congresso o 64 pedido de liberação de R$ 2,1 bilhões? Ou ainda: com o box sobre a “suspeita de desvio de remédios” – que não deve ser lido separadamente, haja vista o fato de estar abarcado pela informação principal da página e ladeado pela propaganda – não estaria novamente sugerindo o matutino que, não fosse a falta de fiscalização das autoridades de saúde sobre remédios existentes, não haveria a necessidade de se contingenciar mais recursos financeiros, desorganizando suas economias para organizar sua casa? Cremos que a plausibilidade de nossas inferências é validada pelo próprio jornal que, mesmo não tendo acesso ao médico envolvido no processo, veicula a informação com base no trabalho de “uma equipe da Intertv de Cabo Frio, afiliada da Rede Globo, que localizou as pessoas que tiveram seus nomes indevidamente colocados em receita para retirada do medicamento (...) que pode ter sido desviado” (Idem, grifo nosso). Aqui, menos importa se os remédios foram desviados ou não, se se conhece a origem das tais pessoas ou não. O que vale é formar opinião. 3.2 Folha de São Paulo A Folha de S. Paulo construiu sentidos sobre a Influenza H1N1 sobre dois eixos principais. O primeiro deles consistiu na caracterização da doença como estrangeira. Por isso, deveria haver o reforço das fronteiras internas e externas. O monitoramento e a fiscalização dos fluxos poderiam evitar o aumento da disseminação, garantindo maior segurança ao país. Nesse sentido, enquanto a previsão dos riscos está associada à prevenção, a própria prevenção é parte da conquista da segurança. Como enfatizou o jornal, prevenir era não viajar e manter-se afastado daqueles que tinha viajado e apresentavam sintomas da doença: suspeitos do “crime” de adoecer. O estabelecimento dessa relação do doente como criminoso esteve implícito em diversos textos do jornal, colocando os doentes como responsáveis por terem trazido a doença de fora para o território nacional e/ou regional. Além daquelas medidas, outras foram destacadas como forma de prevenção: o uso de máscara, álcool gel, evitar aglomerações. No entanto, a ênfase maior foi na recomendação contra as viagens internacionais, 65 particularmente. Isso foi feito apesar da posição contrária do Ministério da Saúde em relação à proibição de viagens. O outro eixo temático a partir do qual muitos textos foram produzidos diz respeito à desqualificação da doença a partir de parâmetros da racionalidade médico-científica e também da informativa. Inúmeras vezes o jornal apresentou estudos que demonstravam que a doença não era tão aterrorizante quanto se imaginava. No entanto, reconheceu o avanço da doença e indicou variadas medidas profiláticas. Essa tensão entre desqualificar e reconhecer os “perigos” intrínsecos à disseminação da doença permeou os textos do jornal no período. Nessa situação, a Folha de S. Paulo esperou do Ministério da Saúde a capacidade para gerenciar os riscos, antecipando-se a possíveis ameaças futuras. Caberia investigar como esses e outros sentidos sobre a doença se apresentaram ao longo dos meses. Maio No dia 5 de maio de 2009, na editoria “Mundo” da Folha de S. Paulo, saiu uma matéria com o seguinte título: “Brasil prevê gasto de R$ 141 mil em prevenção”. O subtítulo trouxe essas informações: “Casos de pacientes suspeitos de gripe A (H1N1) no país chegam a 25; outras 36 pessoas são monitoradas em 16 estados”. O texto se concentra na disseminação do vírus no território nacional, contando com um Box, “Tire dúvidas”, com as ditas principais questões sobre a doença. Por que, então, a matéria foi publicada na editoria internacional? Naquele momento, a incidência de casos da doença se davam em maior número em países estrangeiros (EUA e México, principalmente, naquele momento). Por isso, a Influenza H1N1 foi tomada como uma doença estrangeira. Esse entendimento ficou evidente no parágrafo de introdução da matéria, acima do lide e abaixo do subtítulo: “Morte no Rio de mulher que voltara recentemente dos EUA é investigada, embora ela não registrasse todos os sintomas ligados à doença” (Folha de S. Paulo, 05/05/2009: A13). A associação da doença ao estrangeiro também esteve presente no lide: 66 No dia em que os casos suspeitos da gripe A (H1N1) no Brasil subiram para 25, o Ministério da Saúde anunciou o pedido de R$ 141 milhões para, principalmente, ampliar a fiscalização nos portos e fazer campanha sobre a doença. Segundo a pasta, o Ministério do Planejamento está elaborando medida provisória para a liberação (Folha de S. Paulo, 05/05/2009: A13 [grifos nossos]). A dimensão internacional aparecia, portanto, nas fronteiras. O monitoramento e a fiscalização do trânsito entre as fronteiras internacionais, sejam elas aquáticas, terrestres ou aéreas. O problema principal do momento é a movimentação. A morte da mulher que “voltara recentemente dos EUA” apenas reforçava o fato de que a doença se adquiria no território estrangeiro e era trazida para o Brasil. A Folha de S. Paulo incorporou o discurso do gerente da Área de Vigilância em Saúde e Gestão de Doenças da Organização Pan-americana de Saúde (Opas), Jarbas Barbosa. Resumiu a reportagem: “Segundo ele, a grande preocupação hoje é conseguir detectar a entrada do vírus num país antes que haja dispersão” (Folha de S. Paulo, 05/05/2009: A13). Ou seja, colocava-se a previsão como parte constituinte da prevenção, como uma forma de vigilância do possível, um controle prévio para evitar um possível acontecimento trágico. Essa previsibilidade permitia a construção de cenários, tendências e situações que deveriam ser evitadas porque provocariam prejuízos sociais. No caso do jornal, esse “acontecimento evitável” era o avanço da expansão da Influenza H1N1 em território nacional. No entanto, apesar do esforço do cálculo e das medidas preventivas, o risco e incerteza continuaram presentes. A reportagem publicou a seguinte declaração de Jarbas Barbosa: “Não há medidas 100% intransponíveis em nenhum aeroporto do mundo, porque as pessoas podem estar chegando num período de incubação do vírus” (Folha de S. Paulo, 05/05/2009: A13). Com base nessa fala, o jornal colocou em evidência o modo como nos contextos de incerteza predomina a aleatoriedade, a contingência e a indeterminação, o que nos faz entender que as metodologias da análise de risco face aos contextos de incerteza não são totalmente eficientes, na medida em que pressupõem a aplicação de probabilidades matemáticas que visam mensurar e quantificar os fenômenos aleatórios e imprevisíveis. Até mesmo por conta disso a imprevisibilidade dos acontecimentos associa-se à previsibilidade dos cálculos. 67 Em seguida à fala da Opas, o jornal mostrou as medidas que estavam sendo adotadas pela Anvisa nos aeroportos brasileiros com maior circulação de vôos internacionais (Galeão e Cumbica) para combater o risco de expansão da contaminação pelo vírus da nova gripe. No entanto, o monitoramento era realizado pela observação de sintomas. Ainda não havia, no país, o kit disponível nos EUA para a identificação de pessoas contaminadas em trânsito, facilitando o controle. A disposição das menções à Opas e à Anvisa reproduz a hierarquia entre as duas organizações no campo da saúde. Nesse sentido, enquanto caberia, naquele momento, à Opas refletir sobre estratégias preventivas, à Anvisa caberia a execução. O intertítulo, “Morte no Rio”, finalmente, introduz a notícia da morte de uma mulher de 50 anos com suspeita de ter sido contaminada pelo vírus da Influenza H1N1. A paciente não estava entre os suspeitos de terem contraído a doença. A sua morte foi notificada ao CIEVS (Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde) “por precaução”, já que “a mulher chegara do estado americano de Michigan dois dias antes” (Folha de S. Paulo, 05/05/2009: A13). Esse fato, portanto, já fazia dela uma potencial vítima fatal da doença. A sua morte já tinha uma causa: ela havia viajado aos EUA. O jornal, ao final, apresentou uma situação: “a Secretaria Estadual de Saúde [de São Paulo] informou que o caso não era 1 dos 3 considerados suspeitos no estado por não preencher critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde” (Folha de S. Paulo, 05/05/2009: A13). No lugar de criticar as formas de previsão e controle dos riscos de adoecimento, o jornal acrescentou que o Ministério da Saúde tinha afirmado que a Fiocruz havia coletado o material sanguíneo dela para verificar a causa da morte. Apesar disso, o jornal associava a morte dela à permanência nos EUA, confirmando, nessa lógica, a contaminação por Influenza H1N1. Assim, discursivamente, o texto fazia o reforço do espaço nacional em relação ao estrangeiro. Esse reforço das fronteiras produzia uma nova forma de nacionalismo, na qual a proteção do país correspondia a um monitoramento mais ostensivo dos fluxos internacionais. Nesse sentido, pelo 68 fato de a doença ser tomada como estrangeira, era necessário reforçar as fronteiras nacionais e vigiar aqueles que vinham de fora, mais prováveis portadores e disseminadores da doença em território nacional. No dia 6 de maio, também na editoria “Mundo”, duas matérias foram publicadas na mesma página. A primeira, “Brasil espera para poder fazer diagnósticos”, ocupava a coluna esquerda da página. Ao seu final, aparecia um anúncio da campanha da Ocean Air sobre o lançamento de 2 novos vôos para Florianópolis. Outra grande parte da página foi ocupada por um outro anúncio. A Transfolha anunciava seus serviços de transporte terrestre e aéreo para todo Brasil: entrega expressa, logística reversa, armazenagem e manuseio. Acima desse anúncio, estava a segunda matéria que compunha a página e, de certa forma, criava dentro daquela editoria uma subeditoria, que podemos chamar de saúde, para tratar do tema da Influenza H1N1. O título da segunda matéria foi: “Para evitar gripe, país cancela conferência da Unesco que seria realizada em Belém”. 69 Folha de São Paulo, 06 de maio de 2009 Uma foto une as duas matérias. A foto de um paciente na maca sendo levado por um médico para dentro de uma ambulância é seguida da seguinte legenda: “Ambulância com suspeita de ter gripe A (H1N1) em Minas Gerais”. O fato do uso da palavra suspeita no gênero feminino chama a atenção. Se estivesse no gênero masculino (suspeito), saberíamos que a suspeição se referia ao paciente. Como a concordância nominal estava relacionada à ambulância, outro sentido foi proposto. Era a ambulância a suspeita de estar contaminada pelo vírus. Como ela continha um paciente suspeito de estar contaminado, toda a ambulância também teria se contaminado pela suspeição. A legenda estabeleceu naquela construção textual uma relação de sentido que é característica da metonímia. Tomando 70 o continente pelo conteúdo, o texto dá a entender que, pelo fato de a ambulância estar sendo ocupada por um paciente suspeito contaminado, ela, como um todo, também era suspeita. Ela se contaminava pela suspeição, por ter dentro dela um suspeito da doença. Também não podemos deixar de considerar o uso excessivo da palavra “suspeitos” para designar as pessoas com possíveis sintomas da doença. Essa palavra, muito associada ao contexto legal e policial, refere-se a pessoas que são acusadas pela probabilidade de terem cometido um crime mediante provas e evidências que serão averiguadas. Como sabemos, a suspeição se baseia na dúvida, na incerteza, na desconfiança e na probabilidade, naquilo que pode ser provado ou não. Ao associar ao possível doente caracterizações lexicais geralmente atribuídas a possíveis criminosos, o que estava sendo destacado era a periculosidade e a ameaça que as aquelas pessoas ofereciam até quando não fosse provada a sua inocência, que, nesse caso, era não estar contaminado. Por outro lado, essa associação levava a um entendimento de que os suspeitos de crimes podem ter tido seus corpos tomados por um vírus e precisam ser isolados, tratados e medicados. Essa prática também foi comum no caso dos portadores da Influenza H1N1. Assim que provada uma suspeita, eles eram isolados e tratados. O isolamento, nesse sentido, confirma uma lógica tradicional de repressão. Pune o “desvio” daqueles que são isolados (doentes criminosos e criminosos doentes) e consolida como “norma” aqueles que não foram infectados. No caso da primeira matéria, a questão era a ausência de métodos e técnicas confiáveis para a confirmação da contaminação de pessoas pela doença. Até o momento era possível suspeitar, mas não confirmar os casos. Essa aferição só seria possível pela chegada de kits dos EUA para fazer diagnósticos precisos. Até a chegada dos kits, todos os suspeitos de estarem com a doença eram tratados como contaminados pelo vírus. A reportagem apresentou a situação da seguinte forma: Há mais de uma semana monitorando casos suspeitos de gripe suína, o Brasil ainda não dispõe do teste para confirmar a doença. O Ministério da Saúde não sabe informar ao certo quando o país vai recebê-lo e diz apenas que os kits para diagnóstico devem chegar até o final da semana (Folha de S. Paulo, 06/05/2009: A11). 71 A posição do texto era de que com a chegada dos kits, finalmente, os diagnósticos seriam baseados em certezas e não mais em suspeitas. Assim, consolidava-se a noção de que o dispositivo tecnológico era mais confiável do que o humano. A desconfiança em relação à contaminação tinha fundamento no contato com o exterior. Em seguida ao lide, estava escrito na reportagem: “Até a tarde de ontem, o Ministério da Saúde acompanhava 28 casos suspeitos e 28 pessoas com sintomas, mas que não estiveram em países com casos confirmados. Outros 73 casos haviam sido descartados” (Folha de S. Paulo, 06/05/2009: A11). Isso demonstrava que o critério para a identificação de indivíduos contaminados pelo vírus era, para além de apresentar os sintomas, ter vindo do exterior, dos “países com casos confirmados”. Todos os entrevistados da matéria comentam a espera pelos kits. David Uip, diretor do Instituto Emílio Ribas, disse: “Estamos esperando os kits para testar os casos suspeitos”. O secretário de Saúde do Estado de São Paulo, Luiz Roberto Barradas Barata, disse que “o país optou esperar a chegada dos kits porque, do contrário, a espera pelo resultado seria maior”. Marta Salomão, diretora do Instituto Adolfo Lutz, falou que “não seria prático enviar amostras brasileiras para os EUA, pois há 20 mil exames do México aguardando resultado”. Maria do Carmo Timenetsky, diretora da Virologia do Instituto Adolfo Lutz, afirmou que os diagnósticos são feitos por exclusão, a partir do exame de mostras de secreção nasal. Por sua vez, a assessoria de imprensa da Opas informou que os testes já tinham saído dos EUA e que estavam para chegar no Brasil. Essa justaposição de falas consolida uma justificativa. Justifica a necessidade dos kits para ter um diagnóstico preciso. No entanto, não expõe causas para essa falta. Isso, por outro lado, não significava que implicitamente o governo federal e, particularmente, o Ministério da Saúde não estivessem presentes como responsáveis pela encomenda dos kits. Nesse sentido, ao lado da ampla crença nos kits como garantias da segurança e da confiança nos diagnósticos, estava uma crítica a morosidade na chegada deles. Aquela confirmação da doença como estrangeira também esteve presente na outra matéria. O cancelamento da conferência da Unesco em 72 Belém foi narrado como uma interdição do trânsito internacional, bem como uma forma de estabelecimento de fronteiras, de zonas protegidas da doença. A abertura do texto chamava a atenção para uma oposição de posições: “Ao mesmo tempo em que corrobora a decisão da OMS (Organização Mundial da Saúde) de não restringir viagens ao exterior, o governo federal recomendou o adiamento de pelo menos um evento internacional devido à gripe suína” (Folha de S. Paulo, 06/05/2009: A11). Ou seja, o cancelamento estava indo de encontro à recomendação da OMS. Depois de apresentar como “real” essa versão, o jornal contou aquela que seria a “oficial”. Em outro trecho, lemos o seguinte: A medida foi acordada na reunião de um grupo interministerial que coordena a atuação do Brasil frente à circulação do vírus e comunicada anteontem à Unesco, mas não foi divulgada pelo Ministério da Saúde. Procurada ontem, a pasta informou que a questão foi trazida pelo MEC e que a decisão considerou a quantidade de pessoas que viriam. Segundo a Saúde, continua a orientarão de que não há restrições para viagens internacionais (Folha de S. Paulo, 06/05/2009: A11). A justificativa do adiamento não era, portanto, o trânsito internacional, mas a aglomeração que seria provocada pela conferência e que poderia facilitar o contágio. Era a aglomeração que aumentava a possibilidade de propagação da doença. Como essa explicação, o Ministério da Saúde não compromete o negócio das viagens internacionais. O posicionamento do Ministério da Saúde não inviabilizou a postura da matéria. Logo após aquela afirmação, o texto da notícia abriu um intertítulo, “Fronteiras”. Os três parágrafos que seguiram merecem uma análise. O primeiro continha o seguinte: “As medidas de vigilância nas fronteiras foram mais uma vez reforçadas, com a busca de possíveis suspeitos também em fronteiras terrestres” (Folha de S. Paulo, 06/05/2009: A11 [grifos nossos]). Nessa construção textual, produziu-se um tipo de criminalização da doença. O suspeito de estar contaminado era visto como potencial criminoso que precisava ser perseguido, capturado e interditado. Por conta disso, era necessário o monitoramento das fronteiras. Nesse contexto, era uma medida preventiva. 73 O segundo parágrafo daquele trecho confirmava aquela criminalização da doença: Pela difusão dos pontos de entrada no país, a busca por suspeitos é mais complicada do que em aeroportos e será em colaboração com os municípios, principalmente em fronteiras mais sensíveis, como Tabatinga (AM) e Foz do Iguaçu (PR). A fiscalização será feita após barcos e ônibus notificarem autoridades de saúde sobre casos suspeitos a bordo (Folha de S. Paulo, 06/05/2009: A11 [grifos nossos]). Esse tipo de construção reforçava a tomada da doença como crime. Ou seja, sendo de responsabilidade individual, caberia ao Estado criar instrumentos de controle da proliferação da doença, garantindo que a doença fosse um problema coletivo na medida em que não havia instrumentos confiáveis para desfazer as incertezas; e, na confirmação dos doentes, colocá-los no isolamento, retirando-os do convívio social e da possibilidade contaminar mais pessoas. A construção da doença como estrangeira também apareceu no texto. O uso da expressão “fronteiras mais sensíveis” explicitou a necessidade de construção de fronteiras mais fortes e intransponíveis. Tabatinga é um município brasileiro do estado do Amazonas. É conurbado com a cidade de Letícia, capital da província do Amazonas, na Colômbia, sendo que são interdependentes, onde o único marco limítrofe é um poste com as bandeiras do Brasil, Colômbia e Peru. Já Foz do Iguaçu é um município brasileiro no extremo oeste do estado do Paraná, na fronteira com a Argentina e com o Paraguai. A “sensibilidade” daquelas fronteiras dizia respeito tanto ao intenso trânsito de pessoas entre os países e ao fato de aqueles países estarem com alto índice de contágio. Ou seja, essas cidades tinham “fronteiras mais sensíveis”, porque ofereciam mais riscos de contaminação. Essa preocupação com o estrangeiro era reforçada pelo último parágrafo da matéria: “O diretor de portos, aeroportos e fronteiras da Anvisa, Angenor Álvares, disse que a agência pode impedir que as pessoas com sintomas, após avaliadas por médico de hospital de referência, embarquem num avião com sintomas da doença” (Folha de S. Paulo, 06/05/2009: A11 [grifos nossos]). Apesar de o Ministério da Saúde ter declarado que não era necessária a proibição de viagens internacionais, a Anvisa (órgão do Ministério 74 da Saúde) tinha a autoridade para impedir pessoas com sintomas de embarcarem no avião. A repetição de “com sintomas” na caracterização das pessoas em suspeição reforçava a criminalização da doença e necessidade de exclusão daquelas pessoas do convívio social. Como vimos, no todo daquela página, havia uma tensão entre o reforço das fronteiras e o estímulo ao trânsito. Por um lado, a produção jornalística mostrava que, naquele contexto de alastramento da doença, as fronteiras (nacionais, especialmente) estavam tendo de ser “mais uma vez reforçadas” e, com isso, recomendava a fixação no Brasil. Por outro lado, os anúncios publicitários convidavam ao movimento, ao deslocamento, ao encurtamento das distâncias. A tensão entre esses dois discursos se dava em relação aos meios de transporte: o avião, especialmente. Eles estavam permitindo tanto a aproximação quanto a contaminação. Eram, então, ao mesmo tempo, “vilões” e “heróis”. E, naquele contexto, mais “vilões” do que “heróis”. No dia 9 de maio, na seção “Editoriais”, a Folha de S. Paulo publicou um texto intitulado da seguinte forma: “A Gripe A no Brasil”. A proliferação da doença no país era colocada como um teste para o governo: “Teste para autoridades começa agora; desafio é identificar e contar casos de transmissão de pessoa a pessoa no país”. Esse trecho, destacado pelo jornal antecede ao corpo do texto. No entanto, ele ressalta o desafio que foi lançado ao Estado pelo editorial. Ele deveria ser capaz de “identificar e contar” o avanço da contaminação no país. Nessa concepção, o papel do Estado seria o de gerenciar os riscos. Ou seja, ele deveria usar de procedimentos e tecnologias para evitar a confirmação de possíveis cenários futuros, marcados pelo fracasso. Nesse sentido, o Estado fracassaria se não fosse capaz de “identificar e conter” o avanço da doença. O teste para o Estado era se ele era capaz ou não de controlar e evitar o futuro aterrorizador que se desenhava. 75 Folha de São Paulo, 09 de maio de 2009 Mais uma vez, os fluxos internacionais de pessoas eram tomados como justificativa da expansão da doença: Como era previsível, a gripe A (H1N1) teve sua presença no país confirmada. Numa época em que as viagens internacionais se tornaram lugar-comum, seria ilusório esperar que medidas de controle pudessem manter um vírus além das fronteiras nacionais. Bastou chegarem os kits específicos de diagnóstico para se detectasse a presença do agente em seis brasileiros sob observação – cinco deles com viagens recentes ao exterior, três ao México e dois aos Estados Unidos (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: A2 [grifos nossos]). O fato de o jornal considerar as viagens internacionais um “lugarcomum” revelava o seu endereçamento ao público de classe média. Apesar 76 das facilitações das viagens internacionais, elas se tornaram muito mais comuns naquela classe social. Essa possibilidade foi resultado das políticas econômicas adotadas pelos governos brasileiros desde o Plano Real. Por conta disso, o jornal apontou para um certo paradoxo na política governamental: ao mesmo tempo em que ele permitiu o aumento das viagens internacionais, àquela época, ele estava tentando praticar medidas de controle que “pudessem manter um vírus além das fronteiras nacionais”. Para o editorial, isso era impossível, ilusório. O problema, portanto, estaria no fato de o governo ter possibilitado que as viagens internacionais deixassem de ser bens mais restritos para se tornarem bens mais ampliados: um “lugar-comum”. Além disso, ao apresentar daquela forma o avanço da contaminação, o editorial da Folha de S. Paulo ainda trazia uma relação implícita: a Influenza H1N1 era uma doença espalhada pela classe média. O texto apresentava que, de um total de 2.843 casos, 1.204 infecções foram documentadas no México para 44 mortes e 1.639 para duas mortes nos EUA. A discrepância desses números foi explicada segundo duas hipóteses. A primeira era que “no país latino-americano é mais reduzida a capacidade de confirmar com rapidez”. Por essa ineficiência, o número real poder ser bem maior do que o oficial. Àquela época, apenas os EUA contavam com os kits que permitiam um diagnóstico preciso da infecção. A segunda hipótese era quanto às “deficiências no sistema de vigilância sanitária e assistência à saúde” no México. Ou seja, parte dos óbitos estaria ocorrendo pela “falta de medidas preventivas ou cuidados aos doentes, numa população em média bem mais pobre e vulnerável que a dos EUA”. A relação entre pobreza e vulnerabilidade demonstra uma nova desigualdade social: enquanto os pobres estão em perigo, os ricos estão em segurança. Uns estão mais expostos às ameaças da vida cotidiana, a violência e a doença, do que outros. A pobreza foi colocada, então, como uma variante que aumente o índice de risco em potencial. O editorial acreditava, convocando as afirmativas de infectologistas não nomeados, que “as autoridades de saúde no Brasil demonstravam até aqui dispor da capacidade técnica e institucional para enfrentar a emergência” (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: A2 [grifos meus]). O uso da 77 expressão temporal “até aqui” designava uma desconfiança na potencialidade das autoridades de saúde brasileiras. Essa desconfiança resultava da incerteza da capacidade daquelas autoridades no enfrentamento da situação. Nesse sentido, a capacidade do Estado estava sendo medida, também, pelo sentimento de segurança e de confiança que ele produzia. Apesar da desconfiança pressuposta, havia o reconhecimento de que o Estado estava cumprindo o seu papel. No entanto, o texto não afirmava que esse desempenho significava que se devia “baixar a guardar”, em mais uma metáfora bélica. Além de “enfrentar”, caberiam às autoridades de saúde não “baixar a guarda” diante do reconhecimento de sua capacidade no enfrentamento da situação. Afinal, estava acabando de começar “o grande teste para a vigilância sanitária”. Da sociedade também se esperava uma ação: “Da sociedade também se espera que mantenha a prontidão. Não há razão para alarme, mas muito fará observando cuidados simples como lavar as mãos com frequência – mesmo porque esse é um dos meios mais eficazes para prevenir a transmissão de qualquer gripe” (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: A2). O vocábulo “prontidão” reforçava a linguagem bélica utilizada pelo editorial. Enquanto “enfrentar” e não “baixar a guarda” deveriam ser atributos do Estado, a condição de “prontidão” era esperada pela sociedade. Essas expressões confirmavam que se estava numa guerra contra a doença e que, numa situação dessas, todos deveriam lutar e fazer sua parte. Na mesma página da editoria “Opinião”, há uma charge, intitulada “Gripe suína”. Nela aparecia um homem (vestido de calça e blusa azuis), sentado num sofá verde, com uma máscara cirúrgica branca. Ainda compunham o desenho, com destaque, a sombra do sofá e do homem (formando uma televisão) e uma tomada (que também remete a um nariz de porco). A charge apresentou vários níveis de significação. O olho do homem é de espanto em relação à tomada. Como tomada, o medo poderia estar relacionado a mais informações sobre a doença, que seriam transmitidas por aquele virtual aparelho de televisão que se formava na sombra. Como nariz de porco, o medo era da própria doença. Nesse sentido, ela retomava à presença da Influenza H1N1 como pandemia. O fato de a televisão projetada 78 – e configurada – numa sombra não estar ligada à tomada podia demonstrar que não é só pela televisão que se percebia a presença da doença como realidade no mundo. A doença era uma ameaça presente não apenas na virtualidade da informação, mas também no cotidiano da vida doméstica. Por isso, em casa, o homem usa máscara cirúrgica, para se proteger. A localização nacional de para onde se destina a ameaça foi identificada pela combinação de cores utilizadas na cenografia (verde e amarelo) e no figurino (azul e branco) que compuseram a charge. Dessa forma, o desenho não só localiza o lugar de fala do personagem, como também o localiza no mundo como brasileiro. Sendo assim, a ameaça era contra o Brasil e o medo era brasileiro. No dia 9 de maio de 2009, a editoria “Cotidiano” da Folha de S. Paulo contou com duas páginas exclusivas sobre a Influenza H1N1. A C1 contava com uma matéria principal, “Brasil tem 1ª transmissão interna da gripe”, uma matéria vinculada, “Jovem doente viu jogo com grupo de amigos”, um infográfico explicando a ação do vírus, uma notícia, “No Rio, Avisa já multou companhias aéreas 12 vezes, e uma nota, “OMS: vigiar aeroportos não detém o vírus, afirma entidade”. Compunha o primeiro texto uma foto de uma enfermeira numa aérea isolada para atender possíveis casos de gripe suína no Hospital das Clínicas, em São Paulo. A foto foi tirada através de um vidro e mostra a enfermeira com roupas e cabelos isolados por plásticos, a boca e o nariz, por máscara, e os olhos, por óculos, mas as mãos estavam sem luvas, desprotegidas e oferecendo risco. Dessa forma, o sentido geral da foto destacava que, mesmo no isolamento, havia o risco da contaminação. Isso fica evidente no modo como as mãos, livres de proteção, foram fotografadas: sobre a bancada da pia e levemente inclinadas. O subtítulo da matéria principal tinha como subtítulo o seguinte: “Os dois novos registros da doença foram em Santa Catarina (uma menina de 7 anos) e no Rio, elevando o total para 6”. O texto foi construído sobre declarações do Ministério da Saúde, José Gomes Temporão, sobre o primeiro caso de transmissão da doença em solo brasileiro, o que fez o país se tornar o 79 sétimo no mundo a registrar transmissão autóctone. Na reportagem, a história da vítima foi narrada da seguinte forma: Um amigo do jovem brasileiro de 21 anos contaminado pela gripe A (H1N1) em Cancun e que manteve contato com ele após chegar do México foi a primeira vítima a ter contraído a doença sem ter deixado o país. O amigo do jovem manteve contato com ele no domingo, após assistirem à final do Campeonato Estadual de futebol do Rio. Apresentou sintomas na terçafeira e foi internado na quarta-feira. Permanece com febre, mas em quadro estável (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C1). O ministro da Saúde, por sua vez, reconheceu o caso, mas afirmou que ele era algo isolado: “Trata-se de um caso isolado. Não há registro de passagem para terceiros [além das duas vítimas]. Esse fato mostra que o sistema está funcionando. Estamos identificando os casos e monitorando todas as pessoas que tiveram contato” (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C1 [grifos nossos]). Temporão declarou que todas as pessoas que apresentassem os sintomas da gripe (principalmente aparecimento de febre alta súbita) e estiveram em área afetada ou tiveram contato com alguém que viajou para essas áreas deveriam procurar atendimento médico. A matéria sintetizou as relações concessivas presentes nas afirmações do ministro na seguinte frase: “Apesar do alerta, Temporão afirmou que a situação no país está ‘sob controle’ e pediu tranquilidade à população” (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C1). É característica da oração subordinada concessiva representar a ideia menos importante no interior da oposição com a oração principal. No caso das relações entre aquelas orações no encerramento do texto da reportagem, isso também ocorre. Dessa forma, o jornal demonstrou assumir posição semelhante àquela que representava como sendo a de Temporão: naquele momento, era mais importante tranquilizar do que alertar. Na matéria coordenada, “Jovem doente viu jogo com grupo de amigos”, foi apresentado o caminho percorrido pelo contaminado pela cidade do Rio de Janeiro, entre as zonas norte e sul: O jovem brasileiro de 21 anos contaminado pela gripe suína no México comemorou o tricampeonato estadual do Flamengo com amigos em frente à boate La 80 Playa, na Ilha do Governador, zona norte do Rio, onde mora, disse a mãe dele. Ele havia visto a final do campeonato do Rio, no domingo, na churrascaria Porcão, na zona sul (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C1 [grifos nossos]). O texto estabeleceu duas dicotomias espaciais: uma entre o nacional e o internacional (Brasil e México) e outra interna à cidade do Rio de Janeiro (a zona sul e a zona norte). Essas oposições diziam respeito ao estabelecimento de fronteiras, em primeiro lugar, entre os países (menos e mais afetados pelo vírus) e, em segundo lugar, entre as regiões mais e menos nobres da cidade. Essa marcação da diferença propunha como recomendação a imobilidade, a ausência de movimento e de trânsito entre os países e dentro da cidade. Afinal, era esse o movimento que estava aumentando a transmissão da doença e trazendo-a para o Brasil. O uso do adjetivo brasileiro restringindo a nacionalidade do jovem reforçava aquela recomendação. O texto da matéria, por sua vez, assumiu uma recomendação do Ministério da Saúde: “Ela [a mãe do jovem doente] disse que vai seguir a recomendação do ministério e não sairá de casa até a semana que vem” (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C1 [grifos nossos]). A indicação, portanto, é não se transitar para além das fronteiras da casa e não entrar em contato com outras pessoas, para evitar o aumento das possibilidades de contágio. Em seguida, o jornal publicou um infográfico intitulado “O Sequestrador de Células” para explicar a ação do vírus da Influenza H1N1 na relação com outras células do corpo da pessoa infectada. A utilização de metáforas para explicar fenômenos biológicos e epidemiológicos é comum no campo da saúde. No entanto, não se pode dizer que tais usos são neutros. As metáforas propostas pelas palavras escolhidas fazem parte de um campo discursivo outro que é convocado para explicar os processos que se dão entre as células do corpo e o vírus. No caso, temos o vírus como sequestrador e as células como vítimas. Nesse sentido, o jornal incorporou o senso comum, concebendo o vírus como um criminoso e sendo, portanto, por excelência o lugar do mal. O vírus é tanto invasor quanto sequestrador: “O vírus abre a parede da célula sequestrada e injeta seu RNA no núcleo” (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C1). A palavra sequestro pode ter vários significados, dentre as quais se destacam: quando se refere a uma pessoa, é o ato de privar ilicitamente uma 81 pessoa de sua liberdade, e, quando se refere a um bem, é o ato de apreender ou depositar um ou mais bens. A metáfora do sequestro utilizada se aproxima do primeiro significado. Atribuiu subjetividade tanto a célula quanto ao vírus. O vírus é o agente da ação. Ele é o sequestrador e, por isso, priva a célula de sua “liberdade”, fazendo dela uma reprodutora de vírus. O último texto jornalístico da página, “No Rio, Anvisa já multou companhia aéreas 12 vezes”, apresenta informações sobre a ação do órgão do Ministério da Saúde na punição às companhias aéreas que “descumpriram os procedimentos definidos para evitar a entrada da gripe A (H1N1) no país”. A noção de fronteira apareceu também neste texto. Afinal, o que deveria ser evitado era a entrada de passageiros identificados como suspeitos. Ou seja, essa noção aparece para determinar os limites e distinções entre suspeitos e ameaçados. Nesse sentido, as companhias aéreas deveriam colaborar no reforço do policiamento das fronteiras, para impedir a entrada da Influenza H1N1. Numa relação metonímica, o vírus (a parte) substituiu os indivíduos (o todo). O texto ainda contou com uma declaração do publicitário Flávio Royo que classificou como “assustador” o modo como profissionais da Anvisa abordaram uma mulher com sintomas de gripe que estava voltando do Chile. O passageiro contou: Pensei que seria rotineiro e que iriam explicar algo sobre a gripe suína, mas não. Com máscaras, os agentes foram direto na passageira, não explicaram nada nem perguntaram se mais alguém tinha sintomas. Por isso, suponho que a mulher falou antes para a comissária (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C1). Ao final do texto, para contrapor a declaração do passageiro, lia-se o seguinte: A Anvisa informou que o comandante é quem tem de comunicar aos passageiros o que está acontecendo. Diz ainda que a abordagem – feita por médicos, enfermeiros e biólogos – foi correta e rápida, sem expor a mulher (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C1). A construção do texto deu maior destaque à opinião do passageiro sobre a ação “assustadora” dos agentes da Anvisa. Isso ficou evidente no título (“Anvisa faz inspeção ‘assustadora’ em vôo, diz passageiro”), no modo 82 como se estruturou o texto (3 parágrafos para a declaração do passageiro e apenas 1 para a da Anvisa), no uso do discurso direto e indireto e na relação entre pessoalidade e impessoalidade. Quanto a esses dois últimos, cabem observações. O discurso indireto e o discurso direto designam modos distintos de relação com o discurso de outrem: no caso do indireto, há a incorporação da fala do outro na do enunciador e no do direito, a distinção formal entre a fala de um e a do outro. Num há mais independência do que no outro. Em relação ao passageiro, as duas modalidades de discurso apareceram. Sua fala havia sido reapropriada pela notícia, mas também tinha tido relativa autonomia formal da massa de texto do enunciador. Não é o caso da Anvisa que apenas se fez presente pelo discurso indireto. Além disso, enquanto no caso do passageiro foi convocado o discurso dele como pessoa, como “testemunha da história”, no caso da Anvisa, ela aparece como instituição. Ou seja, apesar de representar uma autoridade institucional, era destituída de autoridade testemunhal. Ao lado desse texto, lemos uma nota, “OMS: vigiar aeroportos não detém vírus, afirma entidade”. Nessa disposição, a ação da Anvisa acabou sendo desqualificada. A OMS considerava que “não era mais possível conter o vírus” e que tais medidas causavam “mais transtornos do que resultados”. Dessa forma, a classificação da inspeção da Anvisa como “assustadora” era confirmada. A inspeção não era recomendada pelo maior órgão de saúde pública do mundo. Já a página C2 tinha uma matéria principal (“EUA examinaram brasileiro que pede visto”) e duas vinculadas: “EUA superam México e já lideram casos” e “Vírus não é mais grave que o de gripe comum, diz infectologista do Emílio Ribas”. Além disso, havia uma foto, uma infografia e coluna intitulada “Tire suas dúvidas”, com respostas para as principais questões sobre a doença. A matéria principal, “EUA examinam brasileiro que pede visto”, apresentou o seguinte subtítulo: “Desde 3ª, quem vai à embaixada americana é submetido à ‘inspeção’; candidato com sintomas de gripe é orientado a esperar”. O fato de a palavra inspeção estar entre aspas não apenas significava um deslocamento de sentido, mas um complemento. Além da inspeção convencional (para averiguar a periculosidade das pessoas que 83 entram no local e pedem para entrar nos EUA), fazia-se uma observação para saber se a pessoa apresentava sintomas da doença. Na verdade, a apresentação de sinais da gripe era o maior perigo. Por isso, os candidatos com sintomas de gripe eram orientados a esperar a melhoria, a cura, para poderem tentar o visto. Para a reportagem da Folha de S. Paulo, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão disse o seguinte: “Imagina a situação dos EUA. É um disparate”. A fala indignada do ministro foi precedida pelo seguinte texto: Os quatro consulados americanos no país levam ao menos uma semana para processar os pedidos de visto dos brasileiros, o que, na prática, faz com que o turista eventualmente esteja doente de gripe no dia da entrevista já tenha se recuperado quando for viajar (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C1). De certa forma, esse texto suavizava a decisão da embaixada americana no Brasil. Depois da fala de Temporão, a reportagem assumiu outro tom. Apresentou dados sobre a contaminação no Brasil: “Entre os casos confirmados no Brasil, três pacientes estiveram no México, dois viajaram para os EUA e um outro contraiu a doença de um amigo no Rio”. Desse modo, colocava a doença como sendo estrangeira. Nesse sentido, reforçava a indignação do ministro. O texto continuava da seguinte forma: “Ontem, os EUA passaram o México em número de infectados, com 1.639 casos em 43 dos 50 estados, contra 1.204 doentes mexicanos”. Ou seja, na verdade, eram os EUA a maior ameaça para a contaminação. Logo após esse texto, um parágrafo apresentou a seguinte informação: “Apesar da medida, a embaixada americana informou que não houve recusa de atendimento até agora”. O uso do discurso indireto, que pressupõe a incorporação da fala do outro na fala própria, foi sucedido pela declaração de um representante da embaixada, justificando a medida: “Estamos adotando precauções para proteger a saúde dos nossos funcionários e das pessoas que solicitam vistos. Essas são preocupações normais para evitar a transmissão de qualquer tipo de doença contagiosa em áreas onde se reúnem muitas pessoas”, declarou a representação, por e-mail (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C1). A ausência da nomeação configura o anonimato e a impessoalidade. Não se refere a um representante (uma pessoa), mas uma representação 84 (uma instituição). Dessa forma, uma instituição representa outra. Não há pessoas que respondam pelas medidas tomadas, mas entidades abstratas e virtuais. A declaração da representação da embaixada americana no Brasil foi feita por e-mail. Nesse sentido, apesar de identificada a procedência da fala, a ausência de um nome próprio acabava produzindo um déficit de autoridade. Na ausência da nomeação, não se tem a identificação da pessoa responsável pelo discurso. A reportagem apresentou, ainda, que a embaixada americana não tinha detalhado como seria o procedimento da inspeção, se seria feita por um médico ou por algum funcionário. Produziu, também, uma possibilidade de confronto ao mencionar que o Ministério das Relações Exteriores não se pronunciou sobre o assunto e “nem se aplicará o princípio da reciprocidade para cidadãos norte-americanos que pedem visto nos consulados brasileiros nos EUA” (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C2). Aumentando a polêmica, a matéria trouxe o depoimento do infectologista Juvêncio Furtado, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia. Para o especialista, a decisão da embaixada americana é discriminatória. Isso também reforçava o tom de indignação presente na fala atribuída ao ministro da Saúde. Depois disso, a matéria abriu um intertítulo (“OMS”), para destacar a posição da instituição. Muito mais cauteloso do que o ministro da Saúde, Rúben Figueroa, gerente da unidade de prevenção e controle de Doenças da OPAS/OMS, avaliou que “cada país adota as medidas que considera necessárias” (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C2). Isso não significou uma completa falta de posicionamento. Apesar de avaliar as ações do governo como “corretas”, afirmou que “a revista de passageiros tanto na saída quanto na entrada do país não é uma forma eficiente de conter a propagação da doença” (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C2). No entanto, o texto não apresentou qual seria a forma mais eficiente e porque aquela não era. Na matéria vinculada, “EUA superam o México e já lideram casos”, era reforçado o sentido proposto pela principal: a maior ameaça – e o local – de contaminação eram os EUA. Por mais que estivessem adotando medidas de 85 segurança na contenção de mais “ameaças” ao país, eram eles que apresentavam o maior perigo. No texto foi destacado o fato de o surto continuar limitado à América do Norte, configurando, portanto, uma prépandemia. Na entrevista, “Vírus não é mais grave que o de gripe comum, diz infectologista do Emílio Ribas”, manteve-se outra preocupação da matéria principal: tranquilizar a população brasileira quanto aos efeitos do vírus. O especialista afirmou que o “vírus novo” causava pânico pelo “desconhecimento” do que iria ocorrer. Apesar da possibilidade de atingir boa parte da população mundial, Caio Rosenthal afirmou que “o quadro clínico provocado por esse vírus não é um quadro nem mais nem menos severo do que qualquer outra gripe que acomete a população nos meses mais frios” (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C2). A matéria ainda apresentou dados comparativos entre a situação do México (com 1.204 casos e 44 mortes) e dos EUA (com 1.639 casos e 2 mortes). A resposta para essa discrepância estava na assistência médica, avaliada como muito melhor nos EUA do que no México. O texto também contava com uma expectativa sobre a vacina. Comentou pesquisas feitas nos EUA para a produção da vacina para “eliminar a doença”. Nesse sentido, a noção de saúde com que trabalha o jornal é aquela que a coloca como oposto de doença. A doença ocupa papel central no campo do conhecimento científico e tecnológico da saúde. No entanto, os discursos mais comuns que demandam ações dos serviços de saúde pública não dizem mais respeito apenas a ações preventivas. Como podemos observar nessa expectativa do texto publicado pela Folha de S. Paulo, a demanda se dá mais em relação à necessidade de produção de mecanismos para a eliminação da doença. Isso é fundamentalmente feito por meio de remédios (que podem garantir a restauração da “saúde”) e as vacinas (que podem tentar assegurar a segurança no evitar da doença). No dia 2 de junho, na seção “Tendências e Debates, foi publicado o artigo “Pandemia de influenza: reflexões iniciais”, de autoria de Jarbas Barbosa da Silva Jr, médico epidemiologista e gerente de Vigilância em Saúde, 86 Prevenção e Controle de Doenças da Opas/OMS. O especialista enfatizava a necessidade de uma comunicação mais eficiente como garantia de maior esclarecimento e racionalidade no momento: “A comunicação apropriada, simples e baseada em boa ciência, é a melhor arma contra a natural angústia que todos têm e que, equivocamente, chamamos de pânico ou alarmismo” (Folha de S. Paulo, 02/06/2009: A3 [grifos nossos]). Nesse sentido, é feita uma distinção entre o científico e o natural. Enquanto o científico estava relacionado à racionalidade e ao controle, o natural está associado à certa irracionalidade, à angústia e até mesmo ao pânico e ao alarmismo. A comunicação, na sua concepção informacional, deveria ser um instrumento na desconstrução dessas “angústias naturais”. Nesse sentido, o médico propôs aquilo que considerava mais eficaz: Esquecer as máscaras e lembrar de lavar as mãos várias vezes ao dia, proteger a tosse e o espirro, de preferência com lenço descartável, e não comparecer ao trabalho ou à escola quando com sintomas. Tais medidas, ao lado da suspensão localizada de aulas em escolas onde se registram surtos, têm sido, até agora, as mais efetivas (Folha de S. Paulo, 02/06/2009: A3). Mesmo com as adoções dessa medida, ele não se mostra otimista, se as ações não foram realizadas de forma racional: Como é impossível prever o comportamento futuro do vírus, torçamos pelo menor, mas nos preparemos para o pior. As ações implantadas com base racional não serão desperdiçadas, mesmo que se mantenha o atual cenário. Fortalecer a vigilância epidemiológica, a capacidade dos laboratórios de saúde pública, a preparação dos serviços de saúde e a estruturação de uma boa comunicação de risco são medidas que servirão para enfrentar essa e qualquer outra emergência de saúde pública que viermos a enfrentar no futuro (Folha de S. Paulo, 02/06/2009: A3). No dia 3 de junho, na seção “Folha Corrida”, foi conferido um destaque para a seguinte notícia: “Só caso grave de gripe será internado diz ministro”. O texto da chamada anunciava uma resolução: “O Ministério da Saúde anunciou que só vai internar pacientes confirmados e suspeitos de gripe A (H1N1) – conhecida como gripe suína – considerados clinicamente graves, de acordo com uma avaliação médica” (Folha de S. Paulo, 03/06/2009: C10). Aqui, foi desfeita a ambiguidade. O título propunha o sentido de que somente os doentes pelo contágio da Influenza H1N1 em estado grave seriam 87 internados, excluídos outros pacientes. No entanto, a restrição era interna ao grupo dos doentes e suspeitos de terem sido contaminados pela Influenza H1N1. No título da notícia em questão, “Só caso grave de gripe suína deverá ficar em hospital, diz ministro”, ainda se manteve a ambiguidade. No entanto, a novidade era a atribuição daquela fala ao ministro. Temporão apareceu na reportagem em tom extremamente otimista: “O Brasil ainda não registrou nenhum paciente considerado grave” (Folha de S. Paulo, 03/06/2009: C10). O jornal, no entanto, demonstrou desconfiança, com uma construção textual concessiva: “Ainda de acordo com o ministro, apesar de o país ter 23 casos – ontem, foram confirmados mais dois, no Rio – confirmados da doença, sendo 14 deles registrados em menos de uma semana, não há evidências de que o vírus esteja em circulação no Brasil” (Folha de S. Paulo, 03/06/2009: C10). O texto ainda mostrou resultados de uma pesquisa do Datafolha realizada entre 26 e 28 de maio apontando que 44% das pessoas (de um universo de 5.129 entrevistas) afirmavam “estar bem informadas” sobre a Influenza H1N1. Ao final do texto, a fala do ministro serviu para reforçar que o fato de a doença não estar em alta circulação no Brasil não significar que as pessoas deviam deixar de ser bem informadas: “As pessoas devem se manter bem informadas sobre a gripe, evitar a automedicação e, em casos de sintomas, procurar o serviço de saúde” (de onde saiu esta frase??). Nesse sentido, a informação era tomada como promotora do conhecimento, daquilo que daria liberdade das crenças e comportamentos desviantes e permitiria ações mais corretas e racionais. Como podemos perceber, a concepção de informação se aproximava de uma visão iluminista, pois acreditava que o acesso a ela levaria ao esclarecimento e à emancipação de comportamentos tidos como ignorantes. No dia 30 de junho de 2009, em “Tendências e debates, a Folha de S. Paulo publicou o artigo “Pandemia de gripe: desafios no atendimento”. Assinado pelo médico e doutorando em medicina de urgência pela Faculdade de Medicina da USP e ex-diretor clínico do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, Carlos Frederico Dantas Anjos, o texto menciona “alguns aspectos de importância em saúde pública que dizem respeito ao atendimento 88 hospitalar de pacientes com suspeita da nova gripe”. A autoridade para o articulista elencar aspectos era atribuída, textualmente, pela apresentação de sua titulação. Dois elementos se destacavam: além de ser médico era “doutorando em medicina de urgência” e ex-diretor clínico do Emílio Ribas. Estava sendo agregado à experiência profissional o conhecimento científico sobre o atendimento hospitalar. Os aspectos levantados por ele foram os seguintes: a concentração dos pacientes paulistas em um hospital de referência, o Instituto de Infectologia Emílio Ribas, e a necessidade de as secretarias municipais e estaduais de saúde orientarem os pacientes para procurarem outras unidades médicas, reservando os hospitais de referência para os casos de maior gravidade ou para os grupos de risco (idosos, gestantes, crianças, portadores de imunodeficiências e outras doenças crônicas). Ele também destacou a “eficiência das ações dos órgãos de saúde, tanto na proteção individual e dos profissionais com medidas simples, como uso de máscaras, luvas e lavagem das mãos quanto na proteção da comunidade, com medidas de controle de portos, aeroportos e fronteiras, seguimento de contatos e quarentena, sempre visando à redução do risco de infecção e transmissão” (Folha de S. Paulo, 30/06/2009: A3). Essa fala legitimou as práticas que estavam sendo adotadas no momento para promover a prevenção do contágio, tanto no cuidado individual quanto nas medidas de segurança estatal. Como questão de segurança, a prevenção àquela pandemia estava reforçando o trânsito e o fluxo entre as fronteiras nacionais, sejam elas áreas terrestres ou marítimas. No entanto, mais eficiente do que todas essas medidas era a vacina. A redução do risco de infecção e transmissão somente poderia ser conquistada por desenvolvimento de um medicamento que permitisse a imunização. Com essa expectativa, o texto terminava: “Enquanto isso, esperamos que uma vacina eficaz seja logo desenvolvido e possa ser aplicada com segurança em benefício da humanidade” (Folha de S. Paulo, 30/06/2009: A3 [grifos nossos]). Mais uma vez, a eficácia da vacina apareceu relacionada à garantia de segurança e de proteção contra a possibilidade de adoecer. Mais do que qualquer outra medida preventiva, a vacina era vista como um dispositivo 89 mais eficaz na manutenção do estado de saúde dos vacinados. Nesse sentido, se confiava na vacina como modo de diminuir a exposição a fatores de riscos que poderiam provocar doenças. Nesse caso, a segurança ficou associada à saúde, mostrando que a prevenção é a forma de evitar a presença da doença no corpo sadio. A página C8, da editoria “Cotidiano”, foi praticamente toda dedicada à Influenza H1N1. A principal matéria da página, “Vírus da gripe pode ter vazado de laboratório”, apresentou um estudo publicado pela revista The New England Journal of Medicine e pelo jornal inglês The Independent, apontando que “a pandemia da gripe suína talvez pudesse não ter ocorrido se não fosse um ‘acidente’ durante a pesquisa em algum laboratório no final dos anos 1970” (Folha de S. Paulo, 30/06/2009: C8). Por ter colocado a palavra acidente entre aspas, podemos observar que houve a provocação de uma dúvida: teria sido mesmo um acidente ou uma ação intencional? Essa linha de argumentação, profundamente baseada no senso comum, se vale de uma “teoria conspiratória” na qual a elaboração e a disseminação do vírus poderiam ter sido resultados de um ato maquiavelicamente planejado. Esse tipo de argumentação tem sido comum nas explicações sobre as realidades sociais, nas quais se destaca a ação de indivíduos “maldosos” capazes de moldar a realidade, ao invés de levarem em conta processos sociais complexos. Como mostrou o texto, o vírus da Influenza H1N1 teria desaparecido completamente entre os humanos depois que houve uma pandemia de outra linhagem de vírus em 1957. Somente em 1976 o vírus voltou a ser detectado e então foram retomados os estudos a partir de cepas de vírus congelados desde os anos 1950. A desconfiança é que, neste momento, algum laboratório tenha deixado o vírus escapar acidentalmente. Em 1977, houve uma pandemia. Depois dela, o vírus reapareceu anualmente, mas somente naquele momento havia voltado a se tornou uma pandemia. A revelação desse “acidente” foi o gancho para a discussão da situação brasileira. O intertítulo “Casos no Brasil” contava as ações do Ministério da Saúde: a correção do número de contaminados (de 627 para 625) e a inclusão do Reino Unido à lista de países que deveriam ser evitados 90 por crianças menores de dois anos, idosos com mais de 60 ou pessoas com saúde comprometida. Neste caso, foi reforçada a iniciativa de controle e vigilância dos fluxos internacionais. A construção jornalística da doença como sendo estrangeira, uma ameaça externa, afirmava a necessidade de um nacionalismo mais forte – marcado pelo reforço das fronteiras e do controle dos movimentos humanos. Reforçava-se, assim, o “eu” (saudável) e o “outro” (doente). Nesse sentido, as fronteiras entre “nós” e “eles” eram móveis. Apesar de nacionais, elas eram erguidas na própria nação, para aqueles que regressavam do exterior e eram suspeitos ou portadores do vírus. Nessa lógica de consolidação das fronteiras como forma de prevenção, o texto identificou a principal ameaça: No Rio Grande do Sul, a Prefeitura de Itaqui (na fronteira com a Argentina) decretou emergência após o surgimento de três casos suspeitos de gripe suína em uma família. A cidade, com 36 mil habitantes, é a segunda do Estado a decretar emergência – a primeira foi São Gabriel. As aulas em Itaqui estão suspensas (Folha de S. Paulo, 30/07/2009: C8). Nesse texto, a explicação para o estado de emergência está no fato de município estar numa área de risco, isto é, na fronteira com a Argentina. O país havia se tornado o locus da doença. Os efeitos danosos dessa proximidade precisavam ser evitados e contidos. Por isso, a prefeitura local decidiu pela suspensão das aulas. A decisão foi criticada pelo ministro José Temporão numa entrevista à Rádio Gaúcha. Um trecho foi citado pelo jornal: “Mudar profundamente a rotina de um município sem uma forte evidência técnicacientífica não me parece razoável, isso cria pânico”. O ministro, na sua estratégia de desmistificação da doença e dos seus efeitos, colocou como única forma de aferição dos riscos os métodos técnico-científicos, desqualificando os subjetivos e, como estamos vendo, fazendo coro aos discursos dos especialistas. A confirmação do perigo da contaminação como sendo argentino se deu também na continuidade daquela página. A próxima notícia, “Enterro de caminhoneiro é feito com máscaras”, demonstra isso. Na cobertura sobre a primeira morte no Brasil pela Influenza H1N1, o texto destacou: “Vial morreu anteontem. Ele contraiu o vírus da nova gripe em viagem à Argentina e apresentou sintomas da doença no dia 15, quando ainda estava em Buenos 91 Aires esperando para carregar o caminhão com um suprimento de azeitonas” (Folha de S. Paulo, 30/06/2009: C8). Nesse sentido, não só a Argentina era colocada como o lugar do perigo, mas também a viagem, o movimento e o trânsito para além das fronteiras nacionais (especialmente em direção àquele país) eram ameaças à saúde. Sendo assim, não viajar à Argentina era uma medida profilática. Como mostra a foto que compõe a matéria, o funeral do caminhoneiro Vanderlei Vial, de 29 anos, foi caracterizado pelo uso de máscaras cirúrgicas. O padre, os amigos e familiares, todos os presentes estavam usando o aparato como forma de prevenção, mesmo no momento da dor provocada pela perda. Além disso, o jornal trouxe a fala de Osmar Terra, secretário estadual de Saúde, da seguinte forma: “Cada pessoa que vem [da Argentina] tem contato com várias outras e isso deverá esgotar nossa capacidade de monitoramento” (Folha de S. Paulo, 30/06/2009: C8). Esse trecho retomou muitas noções. Destacamos duas: a de Estado e a da circulação. A concepção da atuação do Estado na pandemia era, de certa forma, restringida à sua “capacidade de monitoramento”. Nesse sentido, a soberania do Estado dependeria da eficácia do seu monitoramento constante das atividades dos seus cidadãos, vigiando-os e procurando evitar que as suas condutas pudessem resultar em danos coletivos. É, portanto, uma ação focada na prevenção e na previsibilidade. Em “Chance de jovem saudável morrer é pequena, diz médico”, o jornal tranquiliza outros jovens saudáveis. Nesse sentido, a morte do caminhoneiro Vanderlei Vial foi uma exceção. Essa afirmação foi conferida ao infectologista da Unifesp Celso Granito, para quem “as chances de uma pessoa jovem e que não se enquadra em fatores de risco morrer por causa de uma gripe é de uma em cada 1.000 ou 10.000” (Folha de S. Paulo, 30/06/2009: C8). O jornal destacou o que considera os principais fatores de risco: Entres esses fatores estão bronquite, cardiopatia, diabetes, idade avançada, entre outros. Pessoas com essas características integram o grupo que é o principal alvo de recomendações das autoridades sanitárias, como evitar viagens a locais com muitos casos a exemplo de Argentina e Chile (Folha de S. Paulo, 30/06/2009: C8). 92 A associação entre juventude e saúde colocava outra relação, entre velhice e doença. A “idade avançada” ficava relacionada entre as diferentes doenças como bronquite, cardiopatia e diabetes e, assim, era entendia como uma patologia. Além disso, o texto reforçava uma recomendação: evitar viagens à Argentina e ao Chile. Como já dissemos, isso passou a ser parte das medidas de prevenção. A notícia “Dinamarca registra 1º caso de resistência a medicamento” demonstrava que diante da possibilidade da ineficácia do Tamiflu era necessário limitar o seu uso, assim como elaborar um novo medicamento. Nesse texto, nenhuma medida profilática foi recomendada ou imaginada uma alternativa de tratamento. O remédio era colocado como única – ou mais eficaz – via para a cura. E quando um remédio deixava de ser eficaz, outro deveria ser elaborado. No dia 4 de julho, a Influenza H1N1 ganhou a capa da Folha de S. Paulo. O título destacado foi “Saúde muda orientação para suspeita de gripe”, anunciando uma reportagem sobre a recomendação do Ministério da Saúde para que as pessoas com suspeitas não procurem diretamente hospitais de referência. O objetivo era evitar a superlotação e garantir o atendimento aos casos graves. As pessoas com suspeitas deveriam procurar, primeiro, os postos de saúde ou médicos, para depois, se houver necessidade, serem encaminhadas aos hospitais. Essa decisão apareceu em oposição à situação da Argentina. Na foto ao lado, com a legenda “Vizinho em alerta”, vemos a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, em visita a hospital de Buenos Aires. O local estava lotado. Médicos e pacientes usavam máscaras, mas a presidente não. Esse fato foi destacado pela legenda: “A presidente da Argentina, Cristina Kirchner (sem máscara), visita hospital em Buenos Aires que trata pacientes da gripe suína; a estimativa do número de casos no país era de 30 mil a 100 mil, e as férias de 11 milhões de alunos foram adiantadas”. A presidente apareceu na foto em primeiro plano, com rosto assustado, voltando-se para trás e olhando em direção à câmera fotográfica. O registro desse momento naquele contexto enunciativo demonstrava não só a 93 vulnerabilidade da presidente (assustada possivelmente pela presença de repórteres e desprotegida contra a contaminação), mas também desorientada diante daquela situação. O fato de ela não estar de máscara também pode ser visto como o seu desconhecimento das medidas preventivas contra o vírus, sendo incapaz de controlar a expansão de sua transmissão. Destacando a ausência do uso da máscara por ela, o jornal assumia que esperava dela tal uso. A máscara, à época, era tida como uma forma de prevenção e proteção. Por não usá-la, a presidente não estava dando o exemplo. Na página C2 da editoria “Cotidiano”, temos como matéria principal a seguinte: “Casos de transmissão interna de gripa já são 23% no Brasil”. O subtítulo retomou a recomendação do Ministério da Saúde, já anunciada na capa: “Aumento do número de registros faz governo definir novas recomendações para as pessoas com sintomas da doença”. Depois de recorrentes afirmações de Temporão sobre não haver necessidade para tanta preocupação, já que não havia transmissão interna, a postura mudou. Diante do aumento da incidência, novas posições tinham de ser tomadas. Outra recomendação que não tinha sido destacada pela capa era a seguinte: “O ministro afirmou que o uso do Tamiflu só em casos graves tenta evitar o surgimento de resistência do vírus ao remédio”. Essa cautela e a falta de garantia da cura pelo medicamento reforçaram, de certa forma, a necessidade de manutenção de formas de prevenção e proteção contra o vírus. Além de isso ser destacado na legenda, comentava-se o fato de o “país vizinho” ser o sétimo no total de casos confirmados. Mais uma vez, apareceu a menção à vizinhança (“Vizinho em alerta”, na capa, e “País vizinho”, nessa legenda) para se referir à Argentina. Essa nomeação não destacava a cordialidade da proximidade, mas o fato de a aproximação aumentar a ameaça. A confirmação do “perigo Argentino” se confirmou na notícia “Argentina tem 100 mil infectados, estima ministro”. Ou seja, a Argentina era uma “ameaça” para seu vizinho. Essa confirmação se deu pela própria disposição do texto na página (logo depois da matéria o aumento de casos no Brasil). Criou-se, dessa forma, uma relação explicativa, de efeito e causa. 94 Em seguida, essa afirmação pela notícia “Apresentador doente faz Globo cancelar viagens”. Seguindo a identificação do Ministério da Saúde sobre os países com maior risco de contaminação (Argentina, EUA, México, Chile, Canadá, Austrália e Reino Unido), a emissora decidiu não fazer mais viagens para esses locais. O caso de contaminação era o do ator e apresentador do Vídeo Show André Marques. Também no dia 4 de julho, Drauzio Varela assinou o artigo “As pandemias da gripe”. Na construção do texto, o médico construiu inúmeras prosopopeias para explicar a ação do vírus. Assim, ele atribuiu características, sentimentos e ações humanas a outros seres: Na luta pela sobrevivência, cada vírus desenvolveu a habilidade de infectar determinado tipo de tecido. Os vírus da gripe tiveram a sabedoria de escolher as células do trato respiratório porque, para se defender do ataque, as mucosas infectadas produzem secreção abundante, acessos de tosse e espirros. O muco nasal contamina as mãos e os objetos manipulados pelos doentes; a tosse e os espirros arremessam a metros de distância milhares de gotículas prenhes de partículas virais. Existiria estratégia de disseminação mais competente? (Folha de S. Paulo, 04/07/2009: E12). Dessa forma, fazendo uso da prosopopeia (atribuindo características animadas a seres inanimados), o médico associou competência, habilidade e estratégia como partes do que podemos entender como uma “racionalidade” do vírus. Nesse sentido, também ressaltou o fato de que “as pandemias têm a predileção por determinadas regiões, enquanto poupam outras”. Em mais uma exposição de sua explicação, foi didático ao ponto de associar o “gosto” como próprio das pandemias. No entanto, confirmou, como outros especialistas, que, diante de tantas dúvidas, a certeza de que jamais “as ciências médicas estiveram tão preparadas para esclarecê-las” (Folha de S. Paulo, 04/07/2009: E12). No dia 27 de julho de 2009, a capa de Folha de São Paulo deu um pequeno destaque à Influenza H1N1. Havia uma chamada para uma matéria da editoria “Cotidiano”, “Rio Grande do Sul confirma mais 5 mortes pela gripe suína”. Os maiores destaques daquela capa eram o esporte e a política. Do lado esquerdo, a derrota do Corinthians para o Palmeiras, o afastamento do risco de morte para o piloto Felipe Massa depois de um acidente, a vitória da seleção masculina de vôlei na Liga Mundial e a superação de Michel Phelps 95 por César Cielo numa prova de revezamento foram noticiados. Do outro lado, da política, foram destacados o pagamento de 203 milhões de reais pela Petrobrás a uma empresa devedora da União, a volta do presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, ao posto e a recuada do PT-SP nas negociações com Ciro Gomes para a candidatura ao governo daquele estado. A exceção foi o destaque para uma descoberta científica. Pesquisadores da Universidade de Utah encontraram cristal para a construção de circuitos eletrônicos na carapuça de besouro brasileiro. Na página C4, da editoria “Cotidiano”, exclusivamente destinada ao tema da Influenza H1N1, o maior destaque foi para aquelas mortes, já anunciadas na capa. A matéria principal foi “Gripe suína não deve impedir crianças de irem a locais públicos”. O subtítulo, “Especialistas apontam que pais não devem proibir seus filhos de irem a shows, igrejas, restaurantes ou mesmo à escola”, procurava desqualificar o pânico em torno da contaminação motivada pela aglomeração. Àquela época o aumento da possibilidade de contágio estava sendo associada à frequência de ambientes coletivos. Esse receio foi marcado na própria palavra que antecedia o vocábulo escola: “mesmo”. Esse uso servia para enfatizar, ou reconhecer, o perigo. De todos os ambientes coletivos, a escola tinha sido tomada como o de maior perigo para as crianças, subvertendo a concepção comum de sua segurança. Nesse momento, as escolas estavam prorrogando as férias justamente para evitar o contágio em grande escala. Visualmente na matéria, o pânico foi desqualificado, além de estar presente na ausência. A desqualificação foi de autoria de especialistas e destacados pela reportagem por dois “olhos” (frases destacadas sob o título ou no conjunto da página): “A letalidade dessa gripe não é maior que a sazonal e não vejo motivo para pânico. Mas se um pai me disser que está deixando o filho em casa, este é o direito dele. Trata-se de um vírus novo e há muitas dúvidas sobre a gripe” (fala atribuía a David Uip, diretor do Instituto Emílio Ribas) e “Não dá para saber [onde estão os casos], mas não vejo motivo para pânico ou alterar hábitos” (fala atribuída a Caio Rosenthal, infectologista do Instituto Emílio Ribas). Nos dois casos, há uma minimização dos efeitos da doença em face do pânico social provocado. Essa minimização era associada a uma 96 desqualificação dos temerosos, mas também uma desqualificação da doença. Afinal, não havia “motivo” para pânico. A motivação, nesse sentido, deveria estar baseada em princípios da racionalidade médico-científica. Ou seja, os temerosos não tinham a percepção dos especialistas e se motivaram pelo pânico social e não pelo conhecimento científico. No entanto, a motivação era emocional. A fala de David Uip foi menos contundente. Ele pôs em cena a dúvida e a incerteza. Embora afirmasse que não havia motivo para pânico, reconhece que, pelo fato de não haver ainda muitas informações sobre o novo vírus, ele não se posicionava contra o pai que optasse por deixar seu filho em casa. Folha de São Paulo, 27 de julho de 2009 A foto da reportagem mostrava uma unidade de atendimento para casos suspeitos de Influenza H1N1, a AMA Parque Figueira Grande, no Jardim 97 São Luiz, zona sul de São Paulo. A imagem trazia cadeiras vazias, sem ninguém à espera de atendimento. A justificativa da Secretaria Municipal de Saúde era pelo fato de a população não estar “habituada ao novo horário de atendimento, apesar da divulgação feita durante a última semana” (Folha de S. Paulo, 27/07/2009: C4). Ao observar essa foto no todo dos outros elementos gráfico-textuais destacados, podemos observar duas coisas: a confirmação ou não do pânico. A ausência de pessoas pode significar tanto o medo provocado pela convivência em ambientes coletivos, apesar das negativas das falas especializadas, quanto a inexistência de tantos doentes assim, confirmando as afirmações especializadas sobre os casos da doença. No entanto, a reportagem, além da fala daqueles especialistas, foi construída em torno de outras vozes especializadas e com suficiente autoridade para desqualificar o pânico social instalado. A minimização da doença também apareceu na fala do infectologista Esper Kallas: “É normal. Todo outono e inverno são assim. Qualquer tipo de gripe pode trazer problemas, pois, pode diminuir a defesa do organismo. Não é à toa que o governo manda imunizar a população mais velha” (Folha de S. Paulo, 27/07/2009: C4). Nesse sentido, o fato de ser “normal” desqualificava qualquer pânico, medo ou receio. Tais sentimentos e práticas eram tomados, portanto, como descabidos, sem motivação racional para existirem. No entanto, o texto da matéria reforçava a tensão entre a preocupação e a despreocupação, entre o pânico e a racionalidade. A preocupação apareceu nos textos como concessão, um fato contrário à ação principal, mas que não a impede de acontecer. Isso ficou evidente no texto destacado na abertura da matéria: “Embora defendam que não haja motivo para pânico, médicos evitam condenar pais cautelosos, devido a pouca informação existente (Folha de S. Paulo, 27/07/2009: C4). Essa relação de co-dependência de sentidos entre o pânico e a racionalidade foi mantida ao longo da matéria. Depois de avaliar as falas de especialistas desqualificando a excessiva preocupação, a matéria confirmou a pertinência da preocupação: pela “pouca informação existente” (tomando uma concepção da informação como fonte promotora do conhecimento, do esclarecimento e da racionalidade, próxima à perspectiva iluminista) e pelas 98 decisões das prefeituras no adiamento do início das aulas. Sobre esse aspecto, estava escrito o seguinte: “Médicos aprovam as decisões das prefeituras que adiaram a volta às aulas para conter a disseminação da gripe, já que a temporada de frio favorece a transmissão” (Folha de S. Paulo, 27/07/2009: C4). Mesmo sem citar os médicos que confirmaram isso, o texto apresentou essa hipótese. Assim, assumiu para ele mesmo o lugar da autoridade médicocientífica pela sua fala jornalística. A explicação para aquela situação foi dada pelo texto: “A origem do medo é a sucessiva divulgação de casos de morte de pessoas que tinham outros problemas de saúde” (Folha de S. Paulo, 27/07/2009: C4). Assim, o texto apresentou um motivo para o pânico. Ele faz parte da experiência da exposição midiática das mortes pelo vírus da Influenza H1N1. Desse modo, ficaram em disputa a motivação como produto da experiência empírica ou do conhecimento científico. Nessa edição em particular se processa um caso de polifonia mostrada (as vozes de diferentes agentes aparecem no texto). As falas dos especialistas foram colocadas em disputa pelo verdadeiro conhecimento sobre a Influenza H1N1 em confronto com o próprio enunciador jornalístico, mais aproximado das categorias do senso comum. Se, para eles, a Influenza H1N1 não era muito diferente da gripe sazonal (tanto em termos infectológicos como epidemiológicos), para o enunciador, a cautela era necessária num momento de tantas incertezas. Ou seja, diante de tantas dúvidas, era preciso adotar medidas de segurança e prevenção: lavar as mãos, usar máscaras, usar álcool gel, procurar um médico ao sentir os sintomas, evitar locais públicos e com aglomeração etc. Esse conjunto de informações foi sistematizado numa tira horizontal de perguntas e respostas, que conta com uma comparação entre os sintomas da “gripe suína” e da “gripe comum”. Ela fazia a divisão da página com outros dois textos noticiosos: “Rio Grande do Sul confirma mais 5 mortes pela nova doença” e “Grávida de 28 anos morre com os sintomas no Rio de Janeiro”. Somente nesse momento foram feitas referências às mortes destacadas na capa. Por conta disso, apesar do destaque das mortes, a questão mais valorizada nesse conjunto de textos sobre Influenza H1N1 foi a tensão entre o 99 pânico e a racionalidade diante do aumento de mortes, suspeitas e contaminações. No dia 28 de julho de 2009, a capa destacou uma foto de uma criança pegando água do bebedouro com um copo para evitar a contaminação. A legenda da foto, “Cuidado na volta às aulas”, demonstrava a preocupação com medidas profiláticas contra a Influenza H1N1. A legenda esclareceu: “Rafaela Palis usa bebedouro do colégio Rio Branco, em São Paulo, que reiniciou as aulas ontem; escolas redobram atenção à higiene para evitar gripe suína, que já soma 44 mortes no país”. Assim, a doença foi associada à sujeira, e a saúde, à limpeza. Nesse sentido, medidas de higiene eram medidas para evitar o contágio pelo novo vírus. A matéria principal da página C4 da editoria “Cotidiano”, “Na volta às aulas, escolas têm ação antigripe”, apresentava as ações de colégios de São Paulo na prevenção contra o vírus. Os colégios tomados como modelos pela matéria eram o Rio Branco e o Mackenzie, ambos particulares e localizados em Higienópolis. O primeiro foi elogiado para tomar medidas preventivas como afixar cartazes no banheiro que “ensinavam os estudantes a lavar as mãos corretamente”, disponibilizar copos plásticos para evitar que as crianças encostem a boca nos bebedouros” e deixar álcool em spray nos corredores “para que as crianças desinfetassem as mãos” (Folha de S. Paulo, 28/07/2009: C4). Em seguida, foi destacada uma matéria, “Mais 7 mortes pela gripe suína são confirmadas”. A relação semântica dessa matéria com a anterior reforçou a necessidade de medidas “antigripe”. Essa significação foi confirmada por outra notícia, “Grávidas no Rio com suspeita de gripe já são 55”, ampliando a necessidade de prevenção dos grupos de risco. Essa preocupação também foi reforçada por um aparato gráfico-informativo específico. Ao pé dos três textos, o jornal publicou uma tira informativa que dizia que quase metade dos 45 mortos possuía algum fator de risco: obesos (6), grávidas (6), hipertensos (3), outros fatores (6) e sem fator ou não informado (24). Ao mesmo tempo em que justifica, esse número aumenta a preocupação em relação às gestantes, especialmente, e induz à necessidade da ampliação das medidas profiláticas. A classificação dos grupos de risco se relaciona a uma recomendação a 100 corrigir pela reclusão e medidas de higiene e moralização daqueles que estão em situação perigosa. No mesmo dia, em “Painel do Leitor”, a Folha de S. Paulo publicou duas opiniões de leitores bem críticas quanto à condução do SUS naquele contexto. Carla Sousa, sentindo-se excluída dos discursos de políticos e especialistas, escreveu o seguinte: A gripe suína está aí e, segundo afirmações de profissionais da área e políticos, só mata quem tem algum problema de saúde, um histórico de doenças preexistentes. O discurso mais comum é: “Ninguém precisa se desesperar, porque a gripe só é grave para pessoas com problemas preexistentes”. Logo, mães de crianças prematuras, ou com alguma necessidade especial, somos ninguém. Estão tratando os nossos filhos, que lutaram tanto pela vida, como ninguém. Devemos cobrar explicações claras sobre como agir com uma criança de risco (exigir remédio nos primeiro sintomas, mesmo antes de comprovar a doença? Tomar, sim, a vacina contra a gripe comum e a pneumonia?”) (Folha de S. Paulo, 28/07/2009: A3). Já Julio Cesar Konevalik criticou a assistência e a gestão da saúde no Brasil: Depois que retornei de Manaus em um voo internacional vindo da Venezuela, apresentei sintomas que indicavam a presença do vírus H1N1. Passei por dois hospitais e tive de procurar um médico particular. Fico preocupado com a quantidade de pessoas que, dado um quadro sintomático incompleto, estão sendo dispensadas dos hospitais sem ao menos serem superficialmente examinadas. O surto de gripe está evidenciando ainda mais a ineficiência do sistema de saúde público e privado brasileiro (Folha de S. Paulo, 28/07/2009: A3). No dia 30 de julho de 2009, capa contou com dois destaques do tema da Inluenza H1N1: uma fotografia e uma chamada. Sobre a fotografia, a legenda informou: “Júlia Couto, 14 dias, deixa hospital em Uruguaiana no colo do pai, Valdir; a mãe morreu de gripe suína, e ela nasceu prematuramente”. A foto mostrava o pai segurando a filha no colo. Já a chamada tinha como título “Escolas particulares de SP adiam aulas”. O texto da chamada contava que, seguindo o exemplo da rede pública, pelo menos 38 escolas particulares adiaram a volta às aulas, a fim de “conter a gripe suína”. O texto ainda apresentava algumas outras preocupações com a preparação para os vestibulares, a manutenção ou não dos calendários de provas e a definição sobre a reposição de aulas. 101 Na primeira página da editoria “Cotidiano”, C1, temos como maior destaque a prorrogação das férias em “Particulares adiam aulas, mas temem prejuízos no Enem”. O subtítulo já trazia a resposta: “Decisão ocorre após governo e prefeitura de SP prorrogarem férias; MEC não mudará data de exame”. A reportagem mostrou os problemas no adiamento para as escolas particulares, especialmente para os alunos do 3º ano que se preparam para o Enem e para os vestibulares e para os pais que não tem como cuidar dos seus filhos pequenos. Uma notícia, “Grávida tem mais risco de morte, diz estudo”, reconfirmou as grávidas como o principal grupo de risco. O estudo foi desenvolvido por pesquisadores do CDC (Centro de Prevenção e Controle de Doenças) dos EUA. A lista de grupos de risco ainda contava com mães de recém-nascidos, crianças e jovens na faixa de 6 meses a 24 anos e pessoas de 25 a 64 anos com asma, diabetes e doenças cardíacas. Já a nota, “Bebê que nasceu após mãe morrer de gripe tem alta”, encerrou a história de Júlia, que nasceu em parto prematuro com oito meses, em Uruguaiana, “na fronteira com a Argentina, é uma das cidades mais afetadas pela doença no Estado, com cinco mortes” (Folha de S. Paulo, 30/07/2009: C1). Mais uma vez, a fronteira apareceu como um elemento de ameaça, perigo, tragédia e morte, devendo, portanto, tanto o seu cruzamento quanto a proximidade dela deveriam ser evitados como medida de segurança. Por fim, a matéria, “65% dos mortos no Brasil tinham entre 20 e 44 anos”, mostrou uma pesquisa que subvertia o entendimento que se tinha quanto aos grupos de risco. O jornal vinha mostrando que outros grupos eram os mais vulneráveis. Nesse texto, mostrou que os “jovens” eram os que mais tinham morrido no Brasil: A concentração das mortes entre adultos jovens é uma característica dessa nova forma do vírus influenza, já identificada em outros países, e difere da faixa etária mais vulnerável a mortes pela gripe sazonal – que ocorrem, geralmente, de complicações secundárias (Folha de S. Paulo, 30/07/2009: C1). No entanto, ao final, reforçou a ideia com que vinha trabalhando: “Os fatores de risco mais identificados no levantamento são gestação, hipertensão, cardiopatia, diabetes e obesidade – considerada de risco 102 apenas quando mórbida” (Folha de S. Paulo, 30/07/2009: C1). Nesse sentido, apesar dos números divulgados, o jornal manteve a postura de afirmar a necessidade de vigilância daqueles que tinham em seus corpos fatores de risco. Ainda nessa mesma editoria, foi publicado o artigo de Helio Schwartsman, “O calendário da gripe”. O autor é membro da equipe de articulistas da Folha de S. Paulo. Por esse motivo, podemos entender algumas posições do jornal. No que diz respeito ao o adiamento das aulas, enquanto os especialistas em saúde afirmam que a propagação do vírus é inevitável e que adiar a volta seria apenas adiar o contágio, as autoridades estatais apostavam no adiamento como forma de prevenção e de controle da circulação do vírus. O artigo, como a Folha de S. Paulo, se posicionou a favor do adiamento: Embora os ganhos potenciais sejam incertos, a aposta das atividades parece mais justificável quando se considera que as crianças representam um importante elo de transmissão do vírus. A primeira avaliação científica do H1N1, feita no México, apurou uma taxa de ataque clínico (infecção) de 29% para a população de mais de 15 anos e de 61% para os menores (Folha de S. Paulo, 30/07/2009: C2). Na seção das cartas dos leitores desse dia, as opiniões sobre o assunto eram variadas, elencadas em sequência. Arnaldo Lichetenstein, professor colaborador da Faculdade de Medicina da USP, escreveu: Questiono a atitude precipitada e alarmista do Estado de São Paulo de prorrogar as férias escolares (“Gripe adia início aulas e fecha creches”). A alternativa seria manter as aulas, orientar os educadores para identificar crianças gripadas, alertar pais, distribuir copos descartáveis, alternar horários de recreios, instalar álcool gel para limpeza das mãos, enfim, educar. Mas isso dá trabalho. Já Gabriel Henrique Santoro escreveu o seguinte: Não parece haver o menor sentido em adiar as aulas. Até parece que daqui a duas semanas não haverá mais perigo de contágio. Quero ver como vão fazer as pessoas que não têm com quem deixar os filhos. David Neto, pelo contrário, concordava com a medida: Corretíssima a atitude da Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo, que recomenda o prolongamento 103 das férias escolares. Esta postura, que aplica em toda a sua plenitude um dos paradigmas básicos da medicina preventiva, deverá ter como resultado a redução acentuada de novos casos. Certamente, será muito mais fácil repor as aulas que a saúde ou a própria vida de possíveis novos infectados. Por fim, Carlos Guimarães elogiou a cobertura do jornal: A cobertura do jornal sobre a gripe suína tem sido de extrema utilidade para desmistificar a doença. As desinformações vão desde aqueles que acham que a gripe A não é nada até os que propagam que há uma catástrofe em curso e que estão escondendo de nós um inimaginável número de mortos. Ela existe, é diferente da outra gripe em alguns pontos e semelhante em outros e a mortalidade atinge uma faixa diferente da gripe comum. O jornal tem pautado todos estes dados com clareza e correção (Folha de S. Paulo, 30/07/2009: C2). Não foi à toa que essa opinião elogiosa foi publicada por último. Ela, de certa forma, sintetizou a forma como o jornal estava cobrindo aquele acontecimento sanitário, procurando desmistificar a potência do novo vírus, mas sem deixar de abordar a necessidade de medidas profiláticas. Nesse sentido, o cuidado não deveria se tornar um cuidado excessivo, aquém da racionalidade e próprio da desinformação. Como já vimos, a noção de informação aparecia, no mais das vezes, associada à de esclarecimento. No dia 27 de agosto, a Influenza H1N1 contou com o seguinte destaque: “Com redução de casos, epidemia de gripe A perde força no Brasil”. O texto da chamada apresentou resultado de pesquisa do Ministério da Saúde mostrando a queda de casos de contaminação pelo vírus. No entanto, faz uma ressalva: “Apesar disso, o número de mortes no país chegou a 557. Em termos absolutos, o Brasil libra o ranking no mundo – os EUA têm 522”. Mesmo com essa situação, a opção da Folha de S. Paulo não foi criticar o governo ou a estrutura assistencial de saúde no Brasil. Na matéria “Gripe suína começa a perder força no Brasil”, o jornal destacou que o otimismo com a situação era do governo do estado de São Paulo: “O ministério adota um tom cauteloso e diz que a tendência de queda pode não ser definitiva. O governo paulista, por outro lado, afirma que a epidemia no Estado caminha para o final” (Folha de S. Paulo, 27/08/2009: C4). Apesar de comemorar, Waldimir Taborda, assessor médico do governo de São 104 Paulo, afirmava que os cuidados com a higiene, como lavar as mãos com freqüência, deveriam ser mantidos. A fotografia que fazia parte da matéria mostrava alguns pacientes usando máscaras enquanto aguardavam atendimento num hospital de Ribeirão Preto. No primeiro plano da foto, dos três pacientes dois usavam máscaras. Eles eram os únicos. Observando os outros planos, podemos ver que ninguém mais utilizava máscaras. Por destacar o cuidado preventivo, o jornal seguia o seu discurso entre a desmistificação e a cautela em relação à Influenza H1N1, mesmo quando anunciava o “enfraquecimento” do vírus. 3.3 O Dia Ao longo dos meses maio e agosto de 2009, a Influenza H1N1 foi tratada de diferentes maneiras. Num primeiro momento, ela apareceu como uma “nova gripe”, a “gripe suína”, que estava se alastrando pelo mundo e chegando ao Brasil, com muitos casos suspeitos e poucos confirmados. Nesse momento, o exterior foi construído como o lugar do perigo e deveria ser evitado. Afinal, o trânsito para outros países, especialmente para a Argentina, aumentava a exposição ao risco e, em alguma medida, era certeza da contaminação. A doença, então, foi concebida como estrangeira. Por esse fato, fronteiras foram sendo discursivamente estabelecidas para limitar o trânsito internacional e nacional. Em primeiro lugar, comentou-se a necessidade se evitar viagens internacionais, especialmente para países como Argentina, México, EUA e Chile. Num segundo momento, o Rio de Janeiro também deveria se “proteger” e “defender” as suas fronteiras com os outros estados, principalmente com aqueles que estão mais ao sul do país e com maior proximidade da Argentina, imaginada como o grande pólo de contaminação e transmissão e, portanto, devendo ser um destino evitado. Por mais lendária que seja a rivalidade entre o Brasil e a Argentina, na produção narrativa dos jornais, essa construção da Argentina como lugar da insegurança, do perigo e da doença teve ressonâncias materiais daquela rixa. 105 Não é à toa que repetidas vezes o jornal se concentrou nisso e pouco explorou a situação de outros países latino-americanos, como o Chile e a Colômbia, por exemplo. A partir do momento em que mais casos foram sendo confirmados no Brasil, O Dia se empenhou em prescrever medidas preventivas para evitar o contágio. O uso de máscaras e a higienização das mãos com álcool em gel foram alçados a símbolos do “combate” à doença. Além disso, foram propostos hábitos considerados “mais seguros“, como fugir das aglomerações e preferir atividades ao ar livre em dias de sol. As metáforas bélicas foram freqüentes. Nesse caso, aqueles produtos e práticas eram “armas” contra a Influenza H1N1. Diferentes estratégias foram utilizadas para evitar a transmissão do vírus. Entre elas, estavam as seguintes: o prolongamento das férias, o aumento da distribuição de Tamiflu e a criação de um Disque-Gripe. A partir do momento em que essas ações não estavam ocasionando a resolução do problema, O Dia começou a denunciar o que entendia como “ineficiência” do Estado, especialmente do Ministério da Saúde, da Secretaria Estadual de Saúde e Defesa Civil e da Secretaria Municipal de Saúde. Depois de ter identificado o verdadeiro “vilão” da história, o jornal passou a lançar mão do relato de histórias de vidas, de dramas humanos, para confirmar suas denúncias à falência da máquina estatal no gerenciamento dos riscos no contexto do estado do Rio de Janeiro. Maio O texto da matéria “Infectados já são mais de mil”, publicado em O Dia, em 5 de maio de 2009, margeia a foto de uma professora e alunos, numa sala de aula, todos com máscaras cirúrgicas. A legenda “Máscaras em sala de aula na Colômbia, país com um caso confirmado” associa o uso da máscara ao da prevenção ao contágio da Influenza H1N1. O subtítulo, “Organização Mundial de Saúde contabiliza 1.085 pessoas com a gripe suína em 21 países. Brasil, que tem 25 casos suspeitos da doença em nove estados, receberá kits que vão permitir diagnóstico rápido do novo tipo de vírus”, estabelece uma 106 relação de reforço dos sentidos propostos sobre o avanço da doença com o com o título, a foto e a legenda. O título comenta a existência de mais de mil infectados. O subtítulo informa que a OMS contabiliza 1.085 pessoas com gripe suína em 21 países e que o Brasil tem 25 casos suspeitos da doença. A foto e a legenda destacam as máscaras usadas por aqueles que querem evitar o contágio. No caso da relação entre o título e subtítulo, notamos que se, por um lado, há um detalhamento da notícia da contaminação de mais de mil pessoas em 21 países, por outro, um comentário sobre os casos suspeitos no Brasil. No entanto, mesmo que o país não tenha a comprovação de infectados, ele receberá kits que permitirão o diagnóstico rápido. Ou seja, eram precisos meios de instantânea confirmação da doença, para, assim, confirmar as suspeitas e superar as incertezas. Na verdade, na construção textual do subtítulo, uma confirmação prévia da suspeição: os kits apenas confirmariam o que já estava sendo esperado e temido. Essa antecipação implícita, então, reforçava a necessidade de medidas profiláticas, como o uso das máscaras (como aparece na foto). A necessidade de comprovação também esteve presente na matéria que dividiu a página 16 da editoria Saúde de O Dia. “Teste comprova malefícios dos refrigerantes” informa que pesquisas estão revelando que aquelas bebidas “contêm substâncias ligadas a câncer e hipertensão, entre outras doenças” (O Dia, 05/05/2009: 16). Nesse sentido, os dois testes servem para comprovar a existência de doenças, contraídas seja através da ingestão de refrigerantes, seja pela contaminação com o vírus. Em relação ao texto de “Infectados já são mais de mil”, ficou evidente a necessidade de confirmar a suspeição nos seguintes trechos: No Brasil, o número de casos suspeitos subiu para 25, em 9 estados – no Rio são três casos suspeitos. Até o fim da semana, o Brasil receberá kits para o diagnóstico rápido da gripe, que serão distribuídos na Fiocruz (Rio) e nos institutos Butantan (São Paulo) e Evandro Chagas (Belém) (O Dia, 05/05/2009: 16 [grifos nossos]). Em contraposição aos mais de mil infectados no mundo, o Brasil contava com 25 casos suspeitos e teria disponível um kit para a confirmação da doença em casos suspeitos em nove estados. O jornal, cuja sede e público estão no Rio de Janeiro, destaca que este estado conta com três casos. 107 Nenhum outro estado é mencionado. Então, não se sabe, comparativamente, se o número é alto ou não. No entanto, reforça-se a suspeição e o alarme social quanto à possibilidade de existência ou não de pandemia. Nesse sentido, a necessidade de aferição mais ligeira e eficaz dos casos suspeitos de contágio demonstra a vontade de ratificação da pandemia. Essa urgência por prevenir a possibilidade de surto da doença no país é construída noutro trecho: Ontem, o secretário de Vigilância em Saúde, Gerson Penna, anunciou um crédito adicional de R$ 141 milhões para intensificar as ações de prevenção à nova gripe. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, participou de uma videoconferência com ministros da Saúde das Américas, promovida pela Organização Pan-Americana de Saúde das Américas para discutir estratégias para enfrentar uma possível pandemia da gripe suína (O Dia, 05/05/2009: 16 [grifos nossos]). Observa-se o recurso de metáforas bélicas, pelo uso de palavras como “enfrentar”, para reforçar a urgência de estratégias para a luta contra a pandemia do vírus da Influenza H1N1. Por isso, além dos esforços nacionais, com o crédito adicional de “R$ 141 milhões para intensificar as ações de prevenção à nova gripe”, era necessária uma cooperação latino-americana para “enfrentar uma possível pandemia da gripe suína”. O texto da matéria apresenta as estratégias para uma guerra ao risco, ao virtual, ao possível de acontecer, mas que ainda não tinha acontecido. Além disso, já naquele momento estava sendo ventilada a possibilidade de uma pandemia. Diante das epidemias em vários países do mundo (EUA, México, Argentina), o jornal assumia a possibilidade da infecção entre os homens em escala global. Nesse contexto, o Brasil deveria se prevenir, monitorando as suas fronteiras. É importante também sublinhar a recorrência de uso do vocábulo “suspeitos” para designar possíveis casos de infecção ou de pessoas infectadas. De uso corrente no discurso legal, a palavra está relacionada a acusar uma pessoa da probabilidade de ter praticado um delito segundo provas ou evidências cabais que elucidam sobre a participação dela num caso. Esse mesmo termo é amplamente utilizado na saúde, mas nesse caso específico de contaminação pelo vírus H1N1 isso assume um sentido ainda mais agudo, pois estar infectado aproximava-se da idéia de praticar um delito, violar as normas, oferecer riscos à vida de outros. Além disso, pressupõe-se que 108 não só o contágio poderia ser evitado, mas também que tanto o contágio quanto a transmissão da doença são partes de um ato racional, estratégico e intencional, cabendo haver tanto responsabilização quanto punição. Sendo assim, antecipar-se ao acontecido (contando com métodos eficazes de monitoramento da doença) era uma forma de garantir a segurança da população. Essa relação esteve presente em outro trecho: No Rio, o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes participaram de uma reunião para discutir planos de contingência da gripe suína. Uma das decisões é a criação de grupo de trabalho para desenvolver ações sobre a epidemia com empresas privadas e públicas com aglomerações de pessoas, como cinemas, clubes e federações de comércio e indústria (O Dia, 05/05/2009: 16 [grifos nossos]). Depois de “estratégias” elaboradas em esfera internacional e nacional, “planos” são traçados para os âmbitos do estado e da cidade do Rio de Janeiro, propondo novas condutas para os locais públicos ou privados com aglomerações. A noção de “planos de contingência” está associada ao “desenvolvimento de ações sobre a epidemia com empresas privadas e públicas”. Nesse sentido, deve-se controlar o risco de epidemia com ações que garantam o funcionamento de empresas. Enquanto caberia à Secretaria de Vigilância em Saúde liberar dinheiro para promover ações de prevenção à Influenza H1N1 e, ao Ministério da Saúde, participar de reuniões para “discutir estratégias para enfrentar uma possível epidemia de gripe suína”, era função dos governos da cidade e do estado do Rio de Janeiro a garantia do funcionamento das empresas públicas e privadas. A matéria contou o intertítulo “Morte no Rio”. Essa forma textual antecipa a compreensão de que alguém morreu pelo contágio do vírus. No entanto, o texto conta o seguinte: “Antes da morte, [uma mulher que foi internada no Hospital Barra D’Or com febre e vômito] foi submetida a um teste para verificar se tratava-se de um caso de gripe suína” (O Dia, 05/05/2009: 16 [grifos nossos]). Essa antecipação demonstra tanto a expectativa pela realização da possibilidade de mortes por Influenza H1N1 quanto a necessidade do controle de riscos. O então secretário municipal de Saúde, Hans Dohmann, afirmou que, embora a possibilidade de ela ter contraído o vírus seja pequena, todos aqueles que tiveram contatos com ela, desde a 109 possível infecção, “estão identificados e de sobreaviso” (O Dia, 05/05/2009: 16 [grifos nossos]). Ou seja, a identificação permite tanto a localização de possíveis contaminados e novos focos de contaminação quanto a separação e o isolamento. Ao mesmo tempo em que há essa identificação, há também o sobreaviso. As próprias pessoas deveriam reconhecer e se pronunciar sobre o aparecimento de sintomas da doença, para que medidas fossem tomadas. Nessa construção da expectativa pela possibilidade de concretização do surto epidêmico no Brasil, até mesmo o contato com pessoas que tenham pequena possibilidade de estarem com a doença já é mais do que suficiente para medidas de vigilância e controle. Confirmando essa construção jornalística, a matéria conta ainda com um Box, “Pelo Mundo”. Ele traz dois números em destaque: 26 e 300. 26 é relativo ao número de mortos no México e, 300, à quantidade de pessoas em quarentena no Hotel Metropark de Hong Kong, onde “uma pessoa com suspeita da doença ficou” (O Dia, 05/05/2009: 16 [grifos nossos]). Mais uma vez, a própria suspeição já é motivo para a tomada de ações preventivas. Ela é, portanto, baseada na probabilidade: no provável, no que se pode provar que existirá, mas sobre o que não se tem certeza absoluta se realmente existirá. Essa forma de significação também está proposta na matéria vinculada à reportagem principal “Infectados já são mais de mil”. “Vírus está sofrendo mutações” trata do pedido da OMS para que os países “não baixem a guarda contra a gripe suína, apesar de as análises demonstrarem que o vírus parece menos letal do que se temia” (O Dia, 05/05/2009: 16 [grifos nossos]). Na construção dessa metáfora de guerra, nota-se que as medidas preventivas são, na verdade, parte de um “enfrentamento militar”. Nesse sentido, pelo fato de o inimigo (o vírus) se mostre mais fraco do que parecia ser, era mais do que necessário vencer a guerra. Mesmo que o texto comente o recebimento de kits para o diagnóstico rápido do vírus, em nenhum momento houve a descrição da composição deles. O tema principal da matéria, todavia, foi a construção da suspeição e da possibilidade de pandemia. 110 No dia 6 de maio, também da editoria Saúde, o jornal O Dia publicou a reportagem “Alerta sobre a gripe”, que conta com o seguinte subtítulo: “Vacinação no Brasil termina dia 8 e está longe de atingir meta de imunizar 80% dos idosos”. A foto traz agentes com máscaras cirúrgicas fazendo a “higiene em ônibus na Cidade do México”, como está escrito na legenda (O Dia, 06/05/2009: 16). Essas complementações de sentidos fazem crer que a reportagem trata tanto da gripe comum quanto da gripe suína. Assim, acaba dando um duplo sentido para o alerta sobre a expansão da contaminação pela suína e campanha de vacina contra a gripe comum. O texto começa assim: A gripe suína já se espalhou por pelo menos 21 países, contaminado 1.490 pessoas, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), das quais 31 morreram. No Brasil, que não tem caso confirmado da nova doença, a gripe normal e sua mais grave complicação, a pneumonia, mataram nada menos do que 36.053 pessoas em 2005, segundo o Ministério da Saúde. Em 2006, foram 181 mortes por gripe e 42.321 por pneumonia no país. Nos EUA, por ano, morrem cerca de 36 mil pessoas por ano (O Dia, 06/05/2009: 16). A comparação entre a “gripe suína” e a “gripe normal” demonstra o quanto o primeiro agravo não teve a mortalidade do segundo, mais comum. Nesse sentido, a “gripe normal” representa uma ameaça maior do que a “gripe suína”. No entanto, o jornal afirma que “apesar dos riscos, o índice de comparecimento de idosos aos postos de saúde para a Campanha Nacional de Vacinação contra a gripe, que termina sexta-feira, está baixo, como noticiou o ‘Informe do DIA’ domingo” (O Dia, 06/05/2009: 16). Nesse ponto, duas considerações devem ser feitas. Em primeiro lugar, relaciona o maior risco de contaminação à “gripe normal” e comenta que está havendo uma baixa adesão à campanha. Esse dado é confirmado pelo próprio jornal em “Informe do DIA”. Por não remeter a nenhum dado oficial do Ministério da Saúde, o jornal se coloca como o lugar de referência para esse tipo de informação. Todavia, para confirmar a eficiência e a segurança da vacina, o médico José Cerbino Neto, superintendente da Vigilância em Saúde do Rio apareceu com a seguinte fala sobre a vacina: “Ela protege contra a gripe, não contra resfriados. Nesse período do ano, vírus que causam resfriados circulam. A pessoa tem resfriados e, muitas vezes, acha que ficou gripada por causa da vacina” (O Dia, 06/05/2009: 16). Essa declaração, ao mesmo tempo em que 111 reconhece a circulação de comentários sobre as reações adversas da vacina, desqualifica-os. Ao reconhecer a possibilidade de haver resfriados depois da vacinação, mesmo que ele afirmasse não terem a ver com a vacina, o médico estava dando subsídios para a desconfiança quanto à segurança dela. Como saber se realmente não haveria relações? As relações eram garantidas por esses boatos e pela experiência de pessoas que se resfriam depois de tomarem a vacina. No box, ao lado do final da matéria e abaixo da foto, destaca-se o título “31”, número referente aos mortos pela Influenza H1N1. Eram 29 mortos no México e 2, nos EUA. Na matéria vinculada, “Estradas são monitoradas contra vírus”, contamos com a seguinte abertura: As fronteiras terrestres do Brasil passaram ontem a ser monitoradas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária como forma de prevenção da gripe suína, segundo o diretor-presidente da agência, Dirceu Raposo de Mello. A medida foi tomada porque a Colômbia registrou um caso confirmado da doença. No Brasil, já são 28 os casos suspeitos da gripe (O Dia, 06/05/2009: 16). O monitoramento das fronteiras é comum para combater as práticas de contrabando de produtos, de tráfico de drogas e de imigrações ilegais. No entanto, essa medida também passou a ser tomada como “forma de prevenção da gripe suína”, quando descoberto um registro confirmado da doença na Colômbia: o país do tráfico de drogas também era o reduto da “gripe suína”. Nesse sentido, também seriam fiscalizados – e até mesmo impedidos de entrar no país – aqueles que apresentassem sintomas da doença. Esse sentido é confirmado pela representação da fala em discurso indireto de Dirceu Raposo de Mello, diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, , pelo jornal: Segundo Dirceu, ônibus com passageiros de todos os países da América do Sul receberão a mesma atenção dos aviões e navios. O procedimento inclui a distribuição de panfletos, além de orientação e busca de pessoas que apresentam sintomas de gripe (O Dia, 06/05/2009: 16). Esse uso do discurso indireto produz tanto a intimidade entre a fonte e o jornal quanto entre o jornal e o público. Ao introduzir a fala do diretorpresidente com “segundo Dirceu”, produz-se uma aproximação, que pode tornar mais confiável na informação assumida pelo jornal no uso dessa 112 modalidade discursiva, e um distanciamento, que coloca o outro (no caso, um especialista) como referência para o discurso produzido. No todo, a massa informativa desqualifica a possibilidade de pandemia de “gripe suína” em detrimento da confirmação dos riscos provocados pela “gripe normal”. Nesse sentido, o “alerta sobre a gripe” é para avisar que a nova gripe não é tão letal quanto a mais antiga. No dia 9 de maio de 2009, a reportagem “Mais um carioca com gripe suína” publicada na editoria Saúde ganhou uma chamada na capa. O título era “Novo caso de gripe suína: rapaz pegou vírus no Rio” vinha com o seguinte texto: O jovem de 26 anos é amigo do primeiro paciente confirmado com a doença no Rio e também mora na Ilha do Governador. Os dois assistiram juntos ao jogo entre Flamengo e Botafogo, domingo. Pela primeira vez, o vírus foi transmitido dentro do território brasileiro. O Ministério da Saúde afirma que o contágio é limitado. Existem seis infectados no Brasil (O Dia, 09/05/2009: 01 [grifos nossos]). Em relação ao título da chamada, cabe mencionar o uso de “pegou” no lugar de “contrair” ou equivalentes. Essa linguagem popular se constrói no diálogo com o tipo de público a que o jornal se destina, mas também com o lugar onde se deu o contágio: numa partida de futebol. Quanto ao texto da chamada, além do cenário esportivo, é construída uma ambigüidade. Após a menção à afirmação do Ministério da Saúde de que o contágio é limitado, confirma que seis foram infectados no Brasil. Ou isso confirma a limitação ou a desmente? O título da matéria, “Mais um carioca com gripe suína”, constrói a expectativa pela confirmação de uma nova pandemia na contabilização de casos de contágio. O subtítulo, “Amigo do rapaz que pegou a doença no Brasil, ele não viajou: é o primeiro caso de transmissão do vírus em território nacional”, especifica o caso. Trata-se do primeiro caso de contaminação no Brasil, sem que o doente tenha viajado a nenhum país com focos epidêmicos. Acima do título, aparecem agentes de vigilância em Saúde em computadores. A legenda informa o seguinte: “Centro de Estratégias em Vigilância em Saúde foi montado para acompanhar os casos”. Enquanto 113 aumentam os contaminados, os agentes sanitários acompanham as incidências, sentados, sem maior interferência direta na realidade concreta. Ao lado da foto, está um quadro, “Tire Suas Dúvidas”, explicando, num passo a passo, a transmissão, os sintomas, o tratamento e a prevenção. Cada um desses temas era seguido por um texto explicativo. Além dessas, havia mais duas colunas informativas: uma, “Em caso de suspeita”, em que aconselha a procura de assistência médica caso o leitor apresente sintomas, e outra “Informações”, em que traz telefones e endereços de sites sobre o assunto. Desse modo, além do jornal, o leitor tinha outros meios de informação. Depois de comentar o caso da contaminação do jovem numa partida de futebol, o texto da matéria traz a fala do ministro da Saúde: Segundo o Ministério da Saúde, o contágio é limitado. “Este é o único caso de transmissão pessoa a pessoa no Brasil, sem que o vírus tenha passado a terceiros”, garantiu o ministro da Saúde, José Gomes Temporão. “O resultado eleva o Brasil ao sétimo país com este tipo de transmissão” (O Dia, 9/5/2009: 20). Independentemente de o contágio ser “limitado”, muitas pessoas estavam sendo contaminadas, fazendo com que o Brasil fosse o “sétimo país com este tipo de transmissão”. A reportagem, depois da fala tranqüilizadora do ministro da Saúde, passa a apresentar relatos biográficos da experiência com a suspeita de contaminação ou com a sua efetiva existência. No entanto, os nomes dos doentes não foram revelados, para manter o sigilo. O 6° caso confirmado é de uma criança de 7 anos que esteve na Flórida com os pais e voltou ao Brasil dia 3. A paciente, de Santa Catarina, recebeu alta ontem depois de passar quatro dias internada. “É importante não dar nomes das pessoas, para evitar a rejeição por parte da população”, disse o ministro, acrescentando que parentes das vítimas do Rio relataram episódios de discriminação por parte dos vizinhos (O Dia, 9/5/2009: 20). Esse processo de transformação da culpa pelo contágio coletivo como fato individual também esteve presente em outros relatos. No quadro “Viva voz”, que, no jornal aparece sempre que seja dada a voz a pessoas que estejam diretamente relacionadas com o assunto abordado, temos duas declarações. A primeira é de “B., primeiro paciente isolado, 21 anos”, assim identificado pelo jornal. Em destaque, como um “olho”, está a seguinte frase: “Fiquei com peso na consciência de transmitir o vírus”. Ou seja, ele se sente 114 culpado e responsável pela transmissão do vírus. Essa sensação confirma não só as discriminações em relação aos portadores da doença, mas a culpa pela transmissão, resultado de um processo contemporâneo de individualização da prevenção da saúde e da manutenção de um estado de segurança sanitário em relação aos demais membros da sociedade. Assim, ele poderia ser discriminado porque é tomado como símbolo de ameaça, de insegurança e risco. Ele traz a possibilidade da transmissão coletiva da doença com ele. É, portanto, o próprio doente o responsável pela (possível) contaminação. Além disso, a idéia de culpa, o recurso às iniciais e à discriminação evoca o que foi anteriormente dito, sobre a criminalização das pessoas infectadas. Já D., segundo paciente isolado, de 26 anos, diz o seguinte: “A febre não passa e isso está me deixando preocupado”. A preocupação dele é com o avanço da doença. Nesse sentido, enquanto a preocupação sanitária está relacionada ao isolamento do doente para evitar o contágio coletivo, a preocupação do doente é com a sua própria vida. A matéria ainda contou com um quadro chamado “Sob investigação”. Ele informa que 108 pessoas tiveram contato direto com os dois pacientes que estão com o vírus. Além disso, afirma que 6 estão doentes no país. A matéria ocupou a página inteira dedicada à editoria Saúde, demonstrando a importância atribuída ao assunto. Junho No dia 2 de junho de 2009, a página da editoria Saúde saiu com uma matéria principal, intitulada “Mais verbas para hospitais”. Logo abaixo, se encontrava a matéria vinculada, “Ministro da Saúde defende Oscar Berro”. Oscar Berro era diretor do Departamento de Gestão Hospitalar do ministério e estava sendo acusado de corrupção. Mais abaixo, vemos a coluna “Microscópio”, geralmente destinada a enfocar algum tema da saúde. Nesta coluna encontramos duas notas. A principal versa sobre a Influenza H1N1 (“Gripe Suína fecha creche em SP”) e a outra, menor, (“Queimaduras”) é sobre a morte de crianças provocadas por queimaduras. Assim, a coluna 115 mantém uma continuidade temática: as duas notas abordam temas da saúde em relação a crianças. A nota sobre a Influenza H1N1 informa o seguinte: O Ministério da Saúde confirmou ontem o 21° caso de gripe suína no Brasil. A paciente, uma moradora de Campinas (São Paulo) que trabalha numa creche, está internada. Devido ao risco de transmissão, o ministério recomendou o fechamento da creche por dez dias, período de incubação da doença. As 30 crianças que freqüentam a creche e os demais funcionários do estabelecimento estão sendo monitorados. O objetivo é descobrir imediatamente alguma suspeita da doença, caso alguém apresente sintomas. O mesmo monitoramento será adotado com outras pessoas que tiveram contato com a paciente. Ela, por sua vez, esteve com uma pessoa que veio do exterior com a doença (O Dia, 02/06/2009: 20). O texto parte de duas medidas preventivas para construir o risco da transmissão do vírus. A primeira é o isolamento da área em que esteve uma pessoa infectada (“fechamento da creche por dez dias”). Esse procedimento permitirá observar se alguma pessoa que teve contato com a paciente irá apresentar suspeitas da doença. A qualquer sinal suspeito o mesmo procedimento será adotado: o local em que a pessoa esteve será isolado e as pessoas que estiveram com ela serão monitoradas. Todas essas medidas servem para controlar o risco do contágio da doença. O monitoramento proposto está tanto associado à vigilância quanto ao controle. O paciente será observado em relação à manifestação de sintomas e será controlado quanto ao contato que possa a ter com outras pessoas. Para isso, ele tem de ser isolado do convívio social. Aliás, para evitar novas contaminações, também o estabelecimento onde o paciente trabalha tem de ser fechado e todas as pessoas com que ela teve convívio, monitoradas. O segundo eixo de medidas preventivas diz respeito ao afastamento de pessoas que estiveram no exterior. Nesse sentido, o exterior é construído como o lugar de onde provém a ameaça: a doença. A funcionária da creche, ao entrar em contato com “uma pessoa que veio do exterior com a doença”, contraiu o vírus e colocou em risco 30 crianças e os demais funcionários do 116 estabelecimento. Num certo sentido, também, nesse texto, imputa-se a culpa da possibilidade de contágio no indivíduo. Essa construção narrativa se liga àquelas outras que O Dia veio construindo sobre o “medo do estrangeiro”, produzindo um certo tipo de “xenofobia” sanitária. A partir do momento em que o jornal constatou que é o contato com o estrangeiro que tem aumentado o contágio da doença no Brasil, passou a definir a doença como estrangeira, como vinda do exterior, de fora. Ou seja, ela não faz parte “de dentro”, do Brasil e dos brasileiros, mas do contato dos “de dentro” com os “de fora”. Nesse sentido, acabou sendo necessário monitorar – e reforçar – as fronteiras e as diferenças. Na publicação do mês anterior, “Estradas são monitoradas contra vírus” (06/05/2009), observamos algo semelhante: o jornal apresentou medidas concretas de “monitoramento” das “fronteiras terrestres” do país, para evitar o recrudescimento do contágio. Por outro lado, nessa nota, o estabelecimento de fronteiras se dá também internamente, na necessidade de estabelecimento de fronteiras com as pessoas que estiveram no exterior ou com as que tiveram contato com elas, mais prováveis de desenvolveram a doença. Por conta disso, outra medida preventiva ficava sendo a seguinte: não entrar em contado direto ou indireto com pessoas que viveram do exterior. No dia 3 de junho, também na coluna “Microscópio”, seguiu a contagem de casos de doentes. Em “Mais dois casos de gripe suína no Rio”, temos o seguinte texto: O Ministério da Saúde confirmou ontem mais dois casos de gripe suína no Rio. As duas pessoas chegaram dos Estados Unidos recentemente. Ao todo, já são 23 os casos confirmados no Brasil. E outros são 25 suspeitos (O Dia, 03/06/2009: 20). Mais uma vez, foi feita a associação dos novos doentes com o fato de eles terem chegado do exterior (“as duas pessoas chegaram dos Estados Unidos recentemente”). Ou seja, de antemão, o texto descarta a possibilidade de eles terem se contaminado no país, mas teriam, segundo o jornal, chegado com ela. 117 Essa nota foi a primeira daquela coluna. Ela veio acompanhada de mais duas. Em seqüência, “Dor de Cabeça no Espaço” e “Histórias de Vidas e a Aids no Brasil”. Enquanto uma comenta que mais de 60% dos astronautas têm dor de cabeça no espaço, a outra informa sobre um concurso de crônicas de pessoas que têm ou convivem com soropositivos. Em uma, comenta-se a doença vinculada ao espaço, ao fora, ao exterior em mais amplo sentido e em outra, a convivência com a doença ou com os doentes. Se, no primeiro caso, houve a constatação de uma doença do mundo, permaneceu no espaço sideral, no outro, coloca-se a doença como parte da vida e das formas de sociabilidade. Então, a Influenza H1N1 se definiu na rede de sentidos propostos por aquela coluna por duas oposições: na relação “dentro” e “fora” (a doença é trazida do exterior) e na exclusão da convivência (os infectados e suspeitos são isolados). O procedimento do isolamento não está colocado neste texto, mas, a julgar pelo texto anterior, podemos classificá-lo como uma prática comum naquele momento. Em relação aos dois outros textos jornalísticos que completam a página da editoria de Saúde de O Dia, temos o seguinte: a matéria principal, “Cigarro ligado na tomada”, um quadro “Viva Voz” com Marcos Pasquim e uma notícia, “Cientistas do Rio criam presunto ‘magro”. A matéria trata de um dispositivo eletrônico que é utilizado por fumantes que têm a intenção de largar o vício. Além disso, trouxe o “Viva Voz” com o relato da experiência do ator da TV Globo Marcos Pasquim, no uso do dispositivo e na diminuição do seu vício. Já a notícia trata da experiência feita por pesquisadores da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) na substituição de elementos danosos à saúde como o sódio e a gordura na produção do presunto. A relação entre esses textos com os outros, da coluna “Microscópico”, se dá na tomada, em maior ou menor grau de ênfase, da saúde pelo viés do comportamento. No caso do vício pelo cigarro, a mudança de um comportamento desviante para um normal, para aqueles que “desejam se livrar do vício”. Na experiência de produção do presunto “magro”, o controle da dieta tendo como modelo de saúde a magreza. No que diz respeito aos novos casos da Influenza H1N1, a aproximação com os estrangeiros e com o exterior. No caso dos astronautas, a ida ao espaço sideral. No caso do 118 concurso das melhores crônicas, a convivência com a Aids e com os soropositivos. No dia 30 de junho, na Editoria de Saúde, O Dia publicou a matéria “Vírus resistente a remédio”. Junto com a vinculada “Situação crítica no sul do Brasil”, forma o corpo da página dedicada ao tema. Ou seja, naquele dia o tema da saúde estava limitado ao da Influenza H1N1, o que demonstrava novamente a sua relevância para o jornal. A matéria principal conta com uma foto na qual parentes e amigos choram sobre o caixão de Vanderlei Vial, morto no Rio Grande do Sul em função do contágio do vírus. Como destaca a legenda da foto, todos os presentes estavam com máscaras: “Com máscaras, parentes e amigos foram ontem ao enterro de Vanderlei Vial, morto no Rio Grande do Sul”. O uso desse adjunto adverbial de modo no início da frase e separado por vírgula designa importância e realce para o próprio adjunto. Esse relevo dado a “com máscaras” enfatiza a necessidade do uso delas como medida preventiva, até mesmo no momento de dor. Como todas as pessoas que aparecem na foto estão usando máscaras, elas teriam, neste contexto, se tornado próteses necessárias ao humano. Isso se confirma com a relação de sentido que a foto e a legenda estabelecem com o título, atestando a ineficiência do remédio contra o vírus e do subtítulo “Dinamarca registra 1º caso de paciente com gripe suína que não responde a tratamento com Tamiflu”, o que aumenta a confiança no uso de máscaras como medida preventiva. 119 O Dia, 30 de junho de 2009 A matéria principal apresenta o Tamiflu como “a principal substância indicada contra a doença que avança no mundo, atingindo cerca de 71.000 pessoas em mais de 100 países”. Nesse sentido, o remédio é a “arma” principal no combate à doença. Ele é tomado como capaz de controlar o avanço da doença. Essa metáfora bélica é informada pelo “contra”, vocábulo cujo significado está relacionado à rivalidade, contrariedade, oposição, conflito e guerra. No caso, trata-se de uma guerra mundial. Uma vez que o avanço da doença se dava em vários países, era preciso criar resistências para contê-lo. Resistência também é uma palavra cuja semântica se associa ao conflito e à oposição. Os movimentos de resistência se colocam na oposição de determinadas instituições e poderes para propor mudanças sociais. Tais 120 movimentos são comumente armados. Nesse caso, repetimos, o remédio assumia essa função. O que se modifica é que a eficiência do Tamiflu no combate à doença é questionado. O vírus havia se tornado resistente ao remédio. No entanto, havia outro medicamento que proporcionava a cura: O paciente foi curado com outro tipo de medicamento, mas o episódio gerou preocupação entre especialistas. Segundo eles, os vírus influenza – como o H1N1, que provoca a gripe suína – têm grande capacidade de mutação. A exposição exagerada ao remédio pode aumentar o risco de ele se tornar resistente, e o Tamiflu deixaria de fazer efeito contra a doença (O Dia, 30/06/2009: 24 [grifos nossos]). Em primeiro lugar, podemos observar a associação pelo jornal entre a cura e o medicamento. Embora o Tamiflu já não seja tão mais eficiente, há outro para substituí-lo. Todavia, não é citado o nome do novo remédio, de uma nova conquista da cura. Essa ausência de nomeação – e, por isso, de importância – demonstra que o estranhamento e a maior relevância estavam relacionados ao fato de o Tamiflu não ser mais a garantia de cura. Ao longo do mês de junho, O Dia, em sua Editoria de Saúde, por diversas vezes, anunciou o Tamiflu como sendo essa garantia. A partir do momento em que ele não era mais, o jornal se dedicou a buscar motivos para o remédio não ser mais. A explicação enunciada é a da “exposição exagerada ao remédio”. Ela pode ser destinada a médicos e pacientes que passaram a indicar ou a usar remédio excessivamente. No entanto, essa exposição também se deveu ao fato de os jornais anunciarem o Tamiflu como a cura, motivando o seu uso exagerado e, com isso, a sua perda de resistência. Ao longo do mês de junho, O Dia apresentou outras matérias sobre o assunto. A responsabilidade pela ineficiência do remédio que promovia a cura é compartilhada por todos aqueles que indiscriminadamente fizeram uso dele, anulando-lhe o efeito. Em segundo lugar, percebemos o quanto o medicamento é tomado como índice da cura. É preciso se medicar apropriadamente para se curar. Ou seja, o uso exagerado é danoso. O remédio aparece, portanto, não só como solução para a doença, ou a principal arma no combate à doença, mas também como ameaçador se usado indiscriminadamente. A medicação também precisa ser feita de modo responsável, com cuidado, controle e 121 conhecimento de causa. Somente assim, seria possível vencer a luta contra a doença. Nesse sentido, a ocultação do nome do outro tipo de medicamento, eficaz, seria para não provocar o mesmo exagero no uso do anterior. A atestação dessa ineficiência do Tamiflu, como mostra a matéria, motivou o Ministério da Saúde a restringir a medicação apenas aos casos mais graves. Isso não acontecia: Antes, todo paciente com suspeita da gripe era medicado com o Tamiflu até 48 horas após o início dos sintomas. Ontem, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, em reunião com o presidente Lula, disse que “a situação está sob controle”, mas que “o País está em alerta absoluto” (O Dia, 30/06/2009: 24). Na primeira frase, temos explicitado o procedimento adotado na utilização do remédio. Depois de ter sido usado no aparecimento de qualquer (possível) sintoma da doença, o Tamiflu passou a ser administrado somente para os casos graves. Na segunda frase daquele trecho, lemos uma contraposição entre duas afirmações do ministro da Saúde a primeiro diz que “a situação está sob controle”. Já a outra comenta que “o País está em alerta absoluto”. Lendo isoladamente essas orações, podemos dizer que a situação a que o ministro se refere é ao avanço da doença no Brasil. Por isso, o governo federal – representado pelo Ministério da Saúde – estava em “alerta absoluto”. Esse estado correspondia às práticas de monitoramento e de prevenção à doença. Caberia, portanto, ao Estado o controle e a promoção do estado saudável. Aquela seqüência de frases, no entanto, também permite entender uma mudança nesse significado de situação. Ela passaria a se referir ao fato de a situação que está sendo colocada “sob controle” pelo Estado era a do uso exagerado de Tamiflu. Nesse sentido, o monitoramento era destinado a coibir a prática que faz com que o vírus se tornasse resistente ao remédio. De qualquer modo, ao citar o discurso do ministro numa condição adversativa, o jornal questiona a propriedade de o Ministério da Saúde garantir que a situação está sob controle se o país está em alerta absoluto. Como é possível o controle estar atrelado ao alerta absoluto, sem uma contradição de termos? Seria o controle falho? Nesse impasse, a posição do Ministério da Saúde foi representada como indefinida, porque contraditória. 122 Afinal, quando se tem a situação sob controle é preciso estar em alerta absoluto? Na seqüência do texto, na próxima frase, lemos que “o Reino Unido passou a fazer parte da lista de destinos para os quais o Ministério da Saúde recomenda evitar, junto com Argentina, Chile, EUA, México e Canadá”. Esta recomendação aparece como um exemplo de alerta. Aqueles eram os lugares com maior número de doentes. Eram, portanto, para onde os brasileiros não deveriam ir. Se fossem, seriam potenciais retransmissores da doença. A construção dessa seqüência de frases apresenta elos com a produção discursiva quanto à localização da doença no exterior. Assim, como já vimos, é uma doença que vem junto com o de fora. Nesse sentido, o Estado estaria alerta à ameaça estrangeira. Assim, a função do Ministério era evitar o trânsito e a circulação de brasileiros nos países com altos índices de contágio. Mais uma vez, os sentidos construídos pelo jornal propõem uma representação belicosa das medidas preventivas e do tratamento da doença. Em seguida, após o intertítulo “Gripe nas Escolas do Rio”, o texto passou a abordar um outro assunto. Não era mais o Tamiflu. Agora, era a contaminação pela Influenza H1N1 nas escolas do Rio de Janeiro. Ao lado do texto e embaixo da foto da matéria principal, há um quadro com os valores dos casos de contaminação confirmados no Brasil (625) e os das pessoas que desenvolveram a doença no estado do Rio de Janeiro (66). Ao lado do foto, descendo até o final do texto, temos numa coluna a matéria vinculada “Situação crítica no sul do Brasil”. O texto também confirma a Influenza H1N1 como uma doença estrangeira: Mais um município gaúcho – Itaqui – declarou ontem estado de emergência devido à gripe suína. O decreto informou que a medida foi tomada por causa da proximidade com a fronteira argentina, além da chegada do inverno. O mesmo ocorrera em outra cidade, São Gabriel, na semana passada. Ontem, em Erechim (RS), foi enterrado o caminhoneiro Vanderlei Vial, que morreu domingo com a doença (O Dia, 30/06/2009: 24). 123 Nesse trecho, temos uma associação direta entre o “estado de emergência devido à gripe suína” com a “fronteira argentina”. Essa já era a condição principal para o decreto daquele estado. A Argentina, tomada como lugar da doença, apresenta ameaça para todos os municípios brasileiros que estão na região da fronteira. Enquanto a fronteira com a Argentina é a condição principal para um estado de emergência sanitária, a chegada do inverno se torna secundária. O termo “além” contribuiu na proposição desse sentido, já que ele designa uma informação acessória, sem tanta relevância quanto a que está presente na oração principal. Nessa construção, podemos perceber uma associação implícita da contaminação e da morte de Vanderlei Vival com a sua ocupação: caminhoneiro. Por estar constantemente em trânsito, atravessando fronteiras, ele se contaminou e morreu. Assim, o texto reforçou a construção do jornal da doença como sendo estrangeira. Por ser “de fora”, a prevenção da doença está sendo colocada também no reforço das fronteiras, entre países, especialmente com a Argentina, e entre os estados. Não foi à toa o fato de o jornal incluir a informação sobre a morte dele sob a matéria “Situação crítica no sul do Brasil”, logo depois de informar a quantidade de pessoas que desenvolveram a doença no estado do Rio de Janeiro. Sendo a doença estrangeira e tendo avançado pelo Sul do Brasil, era preciso reforçar as fronteiras terrestres do próprio país. A oposição entre a situação do Rio de Janeiro (com 66 contaminados num universo de 625 brasileiros com a doença) e a “situação crítica” do Sul constituiu uma prática discursiva: a de associar a doença ao exterior, propondo, com isso, distinções entre “nós” e “eles”, brasileiros e argentinos, cariocas e gaúchos, ameaçados e doentes, vítimas e algozes. Julho No dia 3 de julho de 2009, O Dia trouxe na capa a seguinte manchete: “Gripe suína deixa Huck e Angélica em quarentena e Globo alerta artistas”. No comentário, lemos: “Resultado de André Marques comprova doença. Como prevenção, emissora afasta profissionais que estiveram na Argentina 124 gravando programa Estrelas”. Já na capa, vemos o reforço da construção da doença como estrangeira e particularmente argentina. Por isso, todos aqueles que estiveram na Argentina e os que tiveram contato com aqueles que já estiveram foram colocados em quarentena pela Rede Globo. Essa era uma medida para evitar o avanço da contaminação. Logo abaixo, a capa conta com uma foto de adultos e adolescentes (na maioria) chorando num enterro. O título “O Rio chora com o luto na família Pedro II” é seguido pelo comentário “Alunos do colégio fizeram homenagem a Raianny Souza, 14 anos – um dos quatro mortos no acidente com a van que bateu em um reboque e capotou na Linha Vermelha, quarta-feira. A menina foi enterrada ontem no cemitério de Ricardo Albuquerque. Motorista da van pediu perdão aos pais das vítimas”. Na mesma capa, logo após aquela manchete sobre a contaminação pela gripe suína de artistas da Rede Globo, a foto desse choro também teve uma relação de significação com aquilo que o precedeu. Nesse sentido, o choro, além de motivado pela morte de Raianny, era endereçado à contaminação daqueles astros. Na página da editoria Saúde daquele mesmo dia, foi colocada a matéria principal, “Artistas estão em quarentena”. No subtítulo, lemos: “Exame comprova que André Marques contraiu a doença em viagem à Argentina para gravar Estrelas”. Mais uma vez, a Argentina foi concebida como o lugar da contaminação. O exame médico, nesse sentido, apareceu como forma de confirmação desse perigo. 125 O Dia, 03 de julho de 2009 O apresentador André Marques, do Vídeo Show, está com gripe suína. Em quarentena desde a noite de segunda-feira, quando surgiram os sintomas, ele teve diagnóstico confirmado ontem. A Rede Globo divulgou nota afirmando que “tomou todas as providências recomendadas pelo Ministério da Saúde com relação à suspeita de infecção pelo vírus dos profissionais que estiveram gravando o programa Estrelas na Argentina” (O Dia, 03/07/2009: 24 [grifos nossos]). Na construção da doença como estrangeira e territorialmente localizada na Argentina, o texto da matéria trabalha uma nova aproximação: entre a Rede Globo e o Ministério da Saúde. Algumas das celebridades que estiveram na gravação, em Bariloche, além de André, são Angélica, Reynaldo Gianecchini e Dudu Azevedo. A direção da emissora não divulgou os nomes dos artistas, produtores e 126 técnicos que participaram o programa, mas afirmou que “colocou os profissionais em quarentena” e suspendeu novas viagens para áreas consideradas de risco – além da Argentina, os EUA, México, Chile, Argentina, Austrália e Reino Unido (O Dia, 03/07/2009: 24 [grifos nossos]). A empresa, seguindo as recomendações do Ministério da Saúde com relação às providências em casos de suspeita de infecção, teve como medida preventiva afastar temporariamente todos os funcionários que estiveram na Argentina (“colocou os profissionais em quarentena”). Além disso, suspendeu as viagens para “áreas consideradas de risco”. Mais uma vez, as fronteiras internacionais foram reforçadas como medidas de segurança contra a possibilidade de infecção. Nesse sentido, o trânsito internacional era o maior risco, pois fazia a doença circular. Aumentava, assim, o número de infectados brasileiros. A oposição entre “nós” e “eles” se fazia novamente presente. A questão, no fundo, era nacional. O problema era a contaminação de brasileiros. Ou melhor, era a entrada de vírus no país pelos próprios brasileiros que saiam das fronteiras nacionais, iam para as “áreas consideradas de risco” e traziam a doença para o país. No caso de O Dia, a questão da fronteira ainda tem uma nova conotação: é estatal. O Rio de Janeiro, como vimos em outros textos, deveria se proteger do Sul do país, região de maior proximidade com a Argentina e, portanto, de maior contato com a doença. Não foi à toa, portanto, que o “olho” da matéria destacou o seguinte: “Globo suspendeu viagens para áreas de risco. Rio teve confirmado mais 14 casos apenas ontem”. A sede da emissora fica no Rio de Janeiro. Então, o fato de ela ter funcionários que viajaram para países com alto índice de infecção a coloca como uma ameaça para o estado. Ao suspender aquelas viagens, a emissora estava contribuindo para evitar a disseminação da doença. Entre os países que apresentavam risco, a Argentina ganhou destaque no texto. Ao anunciar os países mais perigosos, o jornal os listou depois da locução prepositiva “além de”, pressupondo que o maior risco estava na Argentina. Além daquele país, havia outros (os EUA, o México, o Chile, a Austrália e o Reino Unido). No entanto, é curioso que, na enumeração dos países, mais uma vez, aparece o nome da Argentina. Isso pode até ser visto como um mero erro de digitação. Para a análise de discursos, pelo contrário, faz parte de um regime de marcas textuais que iam redundando no fato de a 127 Argentina ser uma área de risco. A repetição do nome do país constituiu a prática discursiva do jornal de, ao associar a doença como estrangeira, relacioná-la com a Argentina. Essa associação produziu a recomendação do Ministério da Saúde como sendo colocar em quarentena os profissionais que foram à Argentina e suspender viagens a áreas consideradas de risco. Nessa produção, o uso de aspas tem a função de reproduzir integralmente a fala do outro, dando a sensação de que ela está sendo trazida ao texto sem adaptações ou versões, mas como foi dito. No entanto, a citação não traz consigo o seu contexto. Ela é inserida num outro, no qual passa a produzir novos sentidos. Lançando mão desse artifício, a reportagem apresenta a Rede Globo como cumpridora das designações do Ministério da Saúde. O texto apresenta essa adesão em alguns casos. O primeiro deles é o de Angélica, que levou os seus filhos para a gravação na Argentina. Ela, junto com o seu marido, o apresentador Luciano Huck, estão em quarentena. A matéria destaca que a viagem foi realizada “três dias antes de o Ministério da Saúde recomendar que gestantes, crianças menores de dois anos e inumodeprimidos viajassem àquele país”. Ou seja, a recomendação do Ministério chegou tarde demais para impedir que a apresentadora expusesse a si e a sua família ao risco da contaminação. Ana Maria Braga também esteve em Bariloche. No entanto, não precisou ficar em quarentena. Ele voltou da Argentina há mais de uma semana, período máximo de manifestação do vírus em adultos. Já em crianças o período é o dobro, conforme informou o texto da reportagem. A apresentadora Fiorella Matheis, apesar de não ter viajado, foi colocada em quarentena por ter encontrado em contato com André Marques, depois de ele ter voltado com a doença da Argentina já sentindo os sintomas da doença. Mesmo a emissora não tendo divulgado os nomes dos profissionais em quarentena, a reportagem identificou os famosos. Somente depois dessa identificação dos globais que estavam em quarentena, a reportagem 128 apresentava dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde sobre o número de pessoas contaminadas, destacando que no Rio eram 14. Ao lado do texto da reportagem, há uma foto com três dos apresentadores do programa da Rede Globo Vídeo Show: Fiorella Matheis, André Marques e Angélica. Eles estavam em quarentena. Ele estava se recuperando da doença. A coluna “Viva voz” trouxe o depoimento de André Marques: Recebi dois telefonemas muito confusos do Ministério da Saúde. Primeiro, dizendo que o resultado tinha dado positivo e falando que iam providenciar remédios que eu deveria tomar. Três minutos depois, outra pessoa ligou e, quando questionei sobre os remédios (que já tomo desde segunda-feira, quando tive a suspeita), me disseram que eu só deveria ficar de quarentena até segunda-feira e não precisaria de medicamentos. Quero um laudo oficial que confirme esse resultado, porque estou achando tudo isso muito confuso. Se pelo menos essa gripe servisse para emagrecer... (risos). Porque estou aqui parado, mas me sentindo ótimo, sem febre nenhuma (O Dia, 03/07/2009: 24 [grifos nossos]). O relato comenta que a atuação do Ministério da Saúde na identificação e no tratamento de pacientes com Influenza H1N1 estava sendo “muito confusa”. Essa confusão foi vista por conta do desencontro de informações e produziu uma sensação de falta de confiança no órgão. Esse comentário no contexto daquela reportagem apresentou o Ministério da Saúde de modo ambíguo: por um lado, ele é confiável (nele se baseiam as medidas preventivas da emissora); por outro, não é eficiente, não divulgou a recomendação para gestantes, crianças menores de dois anos e imunodeprimidos não viajarem para a Argentina antes de Angélica levar seus filhos para o país e não foi capaz de diagnosticar certeiramente André Marques. Essa ambigüidade acabou conferindo às ações do Ministério da Saúde uma desqualificação. Elas não eram tão confiáveis, já que eram “muito confusas”. Ao lado do relato de André Marques, há uma foto com dois alunos do Santo Inácio (colégio tradicional, de classe média alta, do Rio de Janeiro). Eles têm em mãos uma cartilha intitulada “Gripe A” e a lêem com atenção. 129 Logo abaixo da foto e seguindo até o final da coluna “Viva voz”, há uma matéria vinculada, “Mais dois colégios particulares suspendem aulas”. Além de destacar o fechamento temporário de colégios como a unidade da Barra da Tijuca da Escola Parque (as aulas da Educação Fundamental até o dia 9/07) e do São Vicente de Paulo , que depois de ter suspendido as aulas de uma turma as férias foram antecipadas, o texto ressaltou que o Colégio Santo Inácio, depois de 8 dias sem aula, tinha reaberto. A volta às aulas veio com novidades: Muito diferente do dia 23, em que as aulas foras suspensas, o clima era de tranqüilidade e a 1ª aula em todas as turmas teve um tema único: gripe suína. Com uma cartilha, elaborada pela própria escola, professores explicaram os principais sintomas e deram orientações sobre como agir no colégio. Entre as medidas, está levar garrafa com água de casa, para evitar o uso do bebedouro. Preocupadas, as alunas Marcella Carvalho, 14, e Mariana Magalhães, 16, levaram álcool em gel para limpar as mãos e dividiram com as amigas. “Trouxe por causa da gripe e porque minha mãe me obrigou. Sempre que ia para a sala limpava as mãos”, disse Mariana. A escola disponibilizará álcool em gel para todos (O Dia, 03/07/2009: 24). Não foi o Ministério da Saúde quem preparou a cartilha. Como destacou o jornal num aposto, a cartilha foi “elaborada pela própria escola”. O aposto naquela posição não só identifica quem produziu o material educativo, mas também destaca essa produção. O texto foi elaborado pelos professores do Santo Inácio. Não foi, portanto, produzida por profissionais da saúde, especializados no assunto. Então, os professores foram aqueles que “explicaram os principais sintomas e deram orientações sobre como agir no colégio”. Eles, assim, se assumiram como autoridades no conhecimento da prevenção à doença. O jornal comenta que uma das medidas adotadas é “levar garrafa com água de casa, para evitar o uso de bebedouro”. No entanto, outra medida foi destacada pelo jornal a higienização das mãos com álcool gel. O texto se encerra com o seguinte anúncio: “A escola disponibilizará álcool em gel para todos”. Essa prática demonstrou mais uma iniciativa da escola em evitar a contaminação pelo vírus da Influenza H1N1. Além disso, a higienização das mãos com álcool em gel foi tomada como uma forma de evitar a doença. 130 No dia 4 de julho, o jornal publicou um grande texto ocupando duas páginas em continuidade (2 e 3), com uma foto localizada no meio das duas (metade em cada folha) e outras duas na página à direita (p.3). Tratava-se do “Especial do Dia”, espaço reservado para reportagens especiais sobre assuntos tomados como mais relevantes pelo jornal. Na ocasião, foi a matéria com o seguinte título: “Gripe suína: TV Globo cancela ida ao Chile”. O subtítulo (“Locação de novela passará a ser o Maranhão. Ministro anuncia restrição em exames”) complementa a informação e insere uma nova. O lide da reportagem apresenta o assunto da seguinte forma: O medo da gripe suína fez a TV Globo cancelar viagem ao Chile para gravações de Pelo Avesso, nova novela das 18h, que vai substituir Paraíso. A viagem, que incluía também um período na Bolívia, estava inicialmente marcada para semanas atrás, mas foram adiadas algumas vezes, até serem suspensas definitivamente devido ao perigo do novo vírus. A nova locação será o Maranhão. As primeiras cenas da trama das autoras Duca Rachid e Thelma Guedes, com direção de Ricardo Waddington, seriam gravadas com os atores Marcos Palmeira, Isabela Garcia e Carmo della Vechia (O Dia, 04/07/2009: 02 [grifos nossos]). A construção da condição do cancelamento da viagem da equipe da TV Globo ao Chile para a gravação da novela Pelo Avesso (rebatizada como Cama de Gato na ocasião de sua exibição) é feita a partir do medo. O “medo da gripe suína” foi o que provocou o cancelamento. A justificativa não é propriamente racional, mas baseada num sentimento. Nesse sentido, o medo da possibilidade de contaminação se torna um impedimento concreto para as ações e o trânsito, mas também para o reforço de fronteiras. Ou seja, o Chile e a Bolívia, áreas consideradas de risco pelo Ministério da Saúde, deveriam ser evitadas. Por isso, a produção da telenovela optou por um território seguro. Ficou, então, no próprio Brasil e transferiu as gravações de cenas que eram no exterior para o Maranhão. 131 O Dia, 04 de julho de 2009 O Dia destacou essa determinação de áreas de risco no seguinte trecho da matéria: Quinta-feira, quando foi confirmado diagnóstico de gripe suína do apresentador do Vídeo Show André Marques, a emissora já havia mencionado, em nota oficial, a ideia de cancelar novas viagens a áreas consideradas de risco pelo Ministério da Saúde. André pegou a doença em Bariloche, Argentina, durante gravações do programa Estrelas, com Angélica e outras celebridades (O Dia, 04/07/2009: 02 [grifos nossos]). Pelo fato de terem sido canceladas viagens para Chile e Bolívia, podemos considerar que junto com a Argentina eram os países que apresentavam maior risco. A Argentina ganhou mais destaque na reportagem. O intertítulo que veio a seguir daquele texto citado anunciou: “Cem mil doentes na Argentina”. Esse quantitativo confirmou, então, o medo em relação àquele país. Ele tinha comprovação na realidade. No entanto, os próprios números não eram de todo confiáveis. O Dia faz uma confrontação entre os dados da Organização Mundial de Saúde, que confirma 90 mil casos em todo mundo, e do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, que estimava 1 milhão de casos. O jornal, 132 então, concluiu que “o número real pode ser bem superior”. Nesse sentido, o medo da Argentina – e da invasão exterior da doença – deveria ser bem maior. Era o medo, afinal, que permitia a cautela e também o cuidado. Depois de comentar o cenário internacional, a reportagem apresentou as estratégias do Ministério da Saúde para diagnosticar a doença: Também ontem, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, anunciou novas medidas para o diagnóstico da doença no Brasil. A partir de hoje, os exames para detectar gripe suína ficarão restritos a três situações: casos com sintomas graves, indivíduos do chamado grupo de risco para influenza (idosos, menores de 2 anos, gestantes, pessoas com diabetes, problemas cardíacos e outras doenças) e pessoas que possam ter sido contaminadas em surtos dentro de empresas ou escolas. Segundo Temporão, o diagnóstico de pacientes com sintomas leves de gripe deverá ser feito clinicamente na unidade de saúde mais próxima, e não nos hospitais de referência. De acordo com ele, a mudança tem como objetivo evitar superlotação nesses centros, como o Hospital do Fundão, para que eles possam garantir atendimento ágil a pacientes com quadro grave e evitar mortes (O Dia, 04/07/2009: 02 [grifos nossos]). Para evitar o excesso de pacientes em hospitais, foi permitido o exame clínico em unidades de saúde. O exame de sangue ficou restrito para os pacientes graves. A preocupação do Ministério da Saúde com a superlotação faz parte do medo anunciado pelo jornal. A qualquer sinal de sintomas leves de gripe, pessoas estavam indo aos hospitais. Temporão recomendou, ainda, que os médicos das unidades de saúde não medicassem contra a Influenza H1N1 os pacientes que apresentassem sintomas leves. A medida era para evitar que o vírus se tornasse resistente. Essas estratégias, portanto, eram para evitar que o medo provocasse uma situação muito pior, na qual não houvesse mais remédio eficaz para o tratamento da doença. A foto principal da reportagem, localizada no centro das duas páginas abertas, contava com turistas posando para uma foto em frente à Casa Rosada, sede do governo argentino. Todos os turistas que posam para a foto, inclusive aquele que tira a foto, estavam com máscaras cirúrgicas. A medida foi freqüentemente tomada para a evitar a contaminação. Os turistas, então, combinaram o lazer à prevenção. Mesmo assim, estavam desconsiderando a recomendação do Ministério da Saúde. Estavam viajando para a além das 133 fronteiras da segurança e se arriscando no país com alto índice de contaminação. No canto superior direito, encontramos uma foto do casal Angélica e Luciano Huck; abaixo, a seguinte notícia: “Vídeo Show afasta apresentadores”. Retomando a matéria do dia anterior, que anunciava o afastamento temporário de André Marques e Fiorella Matheis, o jornal noticiou que os demais apresentadores, Luigi Baricceli e Geovanna Tominaga, também foram afastados. André Marques relatou que seus amigos estão deixando comida na porta dele, para evitar contato. Luciano Huck, pelo Twitter, disse que era hora de sua família ficar tranqüila, “sem ficar dando pinta por aí”. Nesse sentido, outra fronteira era estabelecida, entre a “casa” e a “rua”. A casa é o espaço da segurança e a rua, da ameaça. Então, para se proteger da doença, para evitar a contaminação de outros ou para observar a manifestação de sintomas, era necessário ficar em casa. A foto abaixo da notícia mostra duas pessoas. A legenda informa que uma delas é o “taxista André”, que foi se informar junto à Vigilância sanitária. A outra, uma menina, está com uma máscara de porco e o jornal esclarece que a fantasia é uma “alusão à gripe suína”. Na foto, a menina limpa o nariz da máscara com o dedo. Esse ato simboliza comumente uma “porcaria”. Estavam sendo relacionadas tanto a contaminação à imundice e aos maus atos quanto a doença aos suínos. A produção dessa intertextualidade se deu porque a Influenza H1N1, então chamada majoritariamente como “gripe suína” é um tipo de gripe ocorrida em porcos. Naquele momento, essa associação era reforçada por essa nomeação. O ato de nomear exerce um poder de controle sobre os sentidos, propondo determinadas significações e reconhecimentos. Ou seja, a contaminação substitui a “limpeza” da saúde pela “sujeira” da doença. Isso se dava, também, pelo fato de a gripe ser de origem suína. No dia 27 de julho de 2009, mais uma matéria sobre a Influenza H1N1 ganhou a página dupla da seção “Especial do dia”. A reportagem “Professores e famílias temem que gripe suína na volta às aulas” teve como abertura o seguinte texto: 134 Medo, insegurança e muitas dúvidas colocam em xeque a volta às aulas. Preocupados com o risco de disseminação do vírus da gripe suína nas escolas, representantes do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe) marcaram audiência com a Secretaria Estadual de Educação para cobrar providências em relação à segurança dos professores e alunos no regresso às atividades escolares, e para discutir se a volta será realmente no dia 3 (O Dia, 27/07/2009: 2 [grifos nossos]). A insegurança e a conseqüente necessidade de segurança são representadas pela foto principal da reportagem. Na sala do pólo de atendimento há casos da doença na Gávea, a maioria das cadeiras é ocupada por pacientes mascarados à espera de sua vez. A máscara é o símbolo da segurança. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que ela é resultado do medo, é também da possibilidade de prevenção em lugares de grande aglomeração como hospitais e escolas. Como conta o texto, para evitar os riscos da contaminação, representantes de escolas públicas e privadas e técnicos da Secretaria Municipal da Saúde se reuniram para “analisar a possibilidade de ampliar o período de férias”. Afinal, a aglomeração dos alunos nos estabelecimentos de ensino potencializava os índices de contágio. Segundo dados da OMS, os jovens em idade escolar (12 a 17 anos) são os “mais atingidos pela nova gripe”. Eram mais vulneráveis justamente porque o contato permitia o alastramento da doença. O órgão, então, apresentou uma medida preventiva mais eficaz. O espaço escolar passou a ser inseguro, porque são “muito apertados e com muitas crianças”, tornando mais provável o aumento do número de infectados. A doença se tornou também da ordem da aglomeração. Ela era quem permitia o aumento da transmissão. Nessa matéria, a ameaça não é o estrangeiro, não é o trânsito entre as fronteiras, mas é a aglomeração de pessoas. O convívio em grupos era ameaçador, causava insegurança e dúvidas. Depois do intertítulo “Falta de Tamiflu criticada”, o texto passou a tratar de outro assunto. O jornal destacou a crítica do vereador Paulo Pinheiro (PPS), da Comissão de Saúde da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, sobre a falta do medicamento nos pólos de atendimento. A crítica, como destacou o 135 texto, foi realizada depois da denúncia feita por O Dia. O jornal, assim como o vereador, concebeu o direito à saúde como direito ao medicamento. A reportagem usou a seguinte afirmação do vereador em discurso indireto: “Segundo Pinheiro, nos EUA, de cada três pacientes examinados dois receberam o remédio, que combate à gripe suína”. É característica do discurso direto escamotear na fala do outro a opinião e os interesses próprios. Ao enunciar esse trecho da fala do vereador, o jornal não só está positivizando a prática de medicalização como garantia de recuperação do “estado saudável”, como também está reforçando e delimitando a sua denúncia dos problemas da prevenção à doença no estado do Rio de Janeiro. O aumento da contaminação no estado do Rio de Janeiro foi motivado pela falta de remédio: A Secretaria Estadual da Saúde informou que essa semana haverá reunião para avaliar a possibilidade de oferecer o Tamiflu em mais locais. Por determinação do Ministério da Saúde, a administração do remédio continua centralizada na secretaria e a distribuição no Rio é só para os 4 hospitais de referência (O Dia, 27/07/2009: 2). Nesse trecho, o jornal propôs certo antagonismo entre a Secretaria Estadual de Saúde (que avaliaria a possibilidade de ampliar a distribuição de Tamiflu em mais locais) e o Ministério da Saúde (que orientava para a distribuição ser centralizada em quatro hospitais de referência). Nesse sentido, a Secretaria Estadual de Saúde era tomada como mais preocupada com a ampliação da medicalização (da possibilidade de cura) do que o Ministério da Saúde, que restringia o acesso. Enquanto uma avaliava a descentralização, o outro determinava a centralização. No entanto, diferentemente da reportagem do dia 30 de junho, em que foi justificada a restrição do uso do Tamiflu pelo Ministério da Saúde (para impedir que o vírus se tornasse resistente), nesse texto, O Dia ignorou essa informação. Além da denúncia dessa possível negligência do Ministério da Saúde, o jornal reforçou a lógica da medicalização, tomando a ampliação do uso medicamento nos mais diferentes caos e suspeitas como única forma de evitar riscos. 136 Outra crítica enunciada pelo vereador era em relação ao Disque-Gripe. Para ele, era uma modalidade de atendimento que não é confiável, podendo produzir vários erros em diagnósticos. Era importante a supervisão de um médico. A seção ainda contou com um quadro de recomendação das ações que estão “em alta” (janelas abertas, programas diurno e ao ar livre, suco e frutas críticas, alimentação regrada, copos individuais, lenço descartável e filmes e DVD em casa) e “em baixa” (ambientes com ar condicionado, boates e festas em locais fechados, bebidas alcoólicas, automedicação, lenço de pano, grandes aglomerados, metrô, ônibus e trem lotados). Ao prescrever aquilo que deve ou não ser feito, o que aumenta ou diminui o risco de contaminação, o jornal amplia a sua autoridade jornalística para o campo da saúde, colocando-se não só como “voz especializada”, mas como “voz da verdade”. A prescrição de hábitos seguros era uma tentativa de controlar o imponderável, evitando aquilo sobre o que não se tem total certeza. “Especial do dia” conta, ainda, com uma matéria vinculada, “Mudança na rotina com ameaça do vírus”, na qual o chefe do Serviço de Doenças Infecciosas da UFRJ, Edmilson Migowky, chancela a prescrição jornalística. Afirmou que o “cidadão precisa se adaptar aos tempos de gripe suína, enquanto o vírus ainda for uma ameaça”. Disse que as academias, assim como os teatros e cinemas, estão em baixa. Para ele, o lazer e exercício ao ar livre são a melhor pedida. O texto trouxe também relatos de pais com dificuldades de manter os filhos em casa durante as férias. O mau tempo da ocasião se tornou a maior justificativa para ficar em casa. No entanto, com a volta do sol pais e filhos, poderiam curtir as férias, potencialmente mais seguros contra a ameaça do vírus. Uma foto encerrou a seção. Ela contava com pais e filhos brincando ao ar livre. Nesse sentido, o sol e o ar livre poderiam garantir a felicidade e a liberdade a eles, cativos em casa por conta do medo da contaminação. No dia seguinte, o jornal manteve a sua prática de denúncia. A manchete “Gripe suína: grávida só é atendida com força policial” estava 137 localizada abaixo de uma foto da grávida, com máscara, numa cadeira de rodas sendo acompanhada por um policial militar (sem máscaras) e dois profissionais de saúde (mascarados) para o hospital. A explicação para a situação vinha no subtítulo: “Com febre e tosse, Miriam Santos recorreu a um PM para obter socorro em hospital público da Zona Sul. Rio tem 55 gestantes internadas com suspeita da doença”. O destaque da capa também ganhou a página dupla de “Especial do dia”. A reportagem, “Gripe suína: alerta para as grávidas”, desde o título anunciava o seu tema principal, confirmado nas duas frases do subtítulo: “Mal se agrava mais rápido entre elas. Secretário diz: toda gestante com sintomas deve ser internada”. Essa ênfase no mal denota a dimensão trágica da proliferação da doença. No entanto, diferentemente da tragédia clássica, em que o mal acomete a vida como obra do destino, do acaso, do inevitável. De certa forma, essa característica se manteve, mas associada a outro promotor do mal: o Estado, aquele que poderia controlar ou prever o inevitável, estava sendo inábil no gerenciamento dos riscos à saúde. Por isso, reconhecendo a culpa estatal, o jornal enunciou a ordem do secretário estadual da Saúde, Sérgio Côrtes, de que “toda gestante com sintomas dever ser internada”. A recomendação do secretário não estava sendo cumprida. Apresentado como déficit de autoridade, ele não teria capacidade de mudar o mau atendimento hospitalar público. Mais ainda, talvez o quadro que ele estivesse descrevendo (sobre a resistência das grávidas à internação e a atuação de psicólogos e assistentes sociais para persuadirem-nas a permanecerem no hospital) não fosse bem assim. A chamada de capa é justamente a denúncia de que a grávida desejava permanecer mas que só conseguiu ser atendida depois que um policial “usou sua autoridade junto aos funcionários do hospital”. Por conta de tudo isso, as grávidas deveriam estar alerta. Elas não tinham a garantia de um bom atendimento e para não sofrerem as conseqüências maléficas disso deveriam recorrer a outras instâncias para fazer valer o seu direito. O mal, nesse sentido, não é só o vírus, mas também é o serviço público de saúde. 138 Uma notícia, “Planos de saúde podem aumentar”, faz adensar a crítica ao serviço público. O movimento nos hospitais particulares de pessoas com suspeita com da doença era a justificativa apresentada pelo jornal. No entanto, no co-texto, podemos concluir que a explicação implícita era outra. O mau atendimento nos hospitais públicos – e o mau funcionamento do serviço público de saúde – estavam fazendo as pessoas recorrerem a serviços particulares para se prevenirem ou se tratarem. O texto de “Especial do dia” daquela edição se encerrou com um foto de Sergio Côrtes na central de atendimento do Disque-Gripe. O jornal ressaltou uma oposição. Enquanto o Ministério da Saúde recomendava aos pacientes a ida a hospitais e pólos de atendimento no caso de suspeita de contaminação, a secretaria estadual de Saúde ampliava o seu serviço de atendimento por telefone, que já estava congestionado. Esse era mais um exemplo do “mau atendimento” da saúde pública do estado do Rio de Janeiro apresentado pelo jornal. Em 30 de julho, mais uma capa com a manchete sobre a doença, “Gripe suína: adiada volta às aulas de 2,8 milhões no Rio”. A justificativa para a medida já apareceu no subtítulo: “Rede estadual, sete municípios fluminenses e duas universidades públicas prorrogavam férias até o dia 10, porque o pico do contágio pelo vírus acontece no início de agosto”. Ficou evidente nesse trecho a forte aposta no controle do imponderável. A afirmação não deixa espaço para a dúvida. A previsão é ela mesma uma confirmação. Em mais uma reportagem publicada em “Especial do dia”, pela declaração do secretário municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Hans Dohmann: “O adiamento é necessário porque o pico de incidência da doença deve ocorrer no início de agosto”. No entanto, não há a mesma certeza taxativa do texto da capa. O impacto daquela certeza foi substituído pela dúvida. O uso do verbo “dever”, flexionado no presente do indicativo, na terceira pessoa do singular, propõe uma ideia de futuro, de algo possível a ser realizado no tempo vindouro, mas sobre o qual não pode ter absoluta certeza. O adiamento existiu por conta da possibilidade, da ameaça e do medo de algo em potencial se tornar um acontecimento de fato. 139 Além disso, outra justificativa para o pico de contágio foi apresentada. A fala da secretária municipal de Educação, Cláudia Costin, se concentrava no seguinte: “A ideia é que os professores se sintam mais seguros para lidar com a doença” [grifos nossos]. A garantia da segurança, da confiança no lugar da desconfiança, da saúde no da doença, foi tomada como fundamental para a decisão de prolongamento do tempo de férias. Algumas escolas particulares, no entanto, não fizeram como as públicas e mantiveram o calendário escolar, mas com algumas medidas profiláticas. Entre elas, estava a instalação de cartazes educativos e reservatórios de álcool em gel em todas as salas e corredores. O álcool em gel, mais uma vez, apareceu como um “dispositivo de segurança” para evitar a contaminação com o aumento da proteção. A foto principal da seção mostra a enfermeira da Escola Corcovado higienizando suas mãos com o produto. Ela estava, portando, dando o exemplo. A seção contou ainda com uma nota e uma notícia. A primeira, “Professoras gestantes terão prioridades”, comentou que as gestantes seriam “as primeiras a receber vacina assim que estiver disponível, seguidas do pessoal da área de saúde e crianças com doenças crônicas”. No entanto, como sabemos, a campanha de vacinação sobre a Influenza H1N1 teve profissionais de saúde e indígenas como primeiro grupo-alvo. A notícia, “Distribuição de Tamiflu será ampliada”, trouxe novamente à tona a auto-referenciação de O Dia ao seu caráter de denúncia: A decisão foi tomada quatro dias após O Dia noticiar, com exclusividade, que os pólos de acolhimento a pacientes não tinha o remédio, e que a Secretaria Estadual de Saúde havia pedido estoque extra para que o produto fosse oferecido nos postos de atendimento. Especialistas afirmam que a facilitação beneficia pacientes e hospitais, já que o remédio deve ser ministrado em até 40 horas após os primeiros sintomas (O Dia, 30/07/2009: 03). Desse modo, a denúncia foi associada pelo jornal à mudança de postura do Estado. Essa relação direta, de causa e efeito, foi estabelecida para confirmar a autoridade jornalística do veículo, capaz de alterar as decisões estatais. 140 Além disso, a seção contou com um box, “Mais sobre o H1N1”, no qual contava com breves notas sobre os seguintes assuntos: a alta da apresentadora Sandra Annenberg, mais leitos para os hospitais federais do Rio de Janeiro e um site com “informação segura” sobre a doença. Mais uma vez, a segurança e a confiança são trabalhadas de modo equivalente e relacional. No dia 30 de julho, a editoria “Conexão” trouxe o e-mail do leitor Fábio Tavares. O texto, intitulado “Esforço contra a gripe precisa ser de todos”, era o seguinte: A gripe que ficou conhecida como gripe suína tem como forma de combate eficiente a higiene. Por exemplo, lavar bem as mãos com água e sabão. Mas os governos precisam fazer a sua parte. É preciso união nos níveis federal, estadual e municipal. O esforço deve ser de todas as instâncias, incluindo os poderes Legislativo e Judiciário. Empresas e sociedade civil também serão importantes nessa caminhada, já tenho visto boas iniciativas de ONGs, igrejas, etc. Mas ainda é pouco. Fica o alerta para todos os brasileiros (O Dia, 30/07/2009: 26). Ao definir a higiene como iniciativa individual eficiente no combate à doença, o leitor chama a atenção para o fato de ainda não haver uma ação estatal organizada para no confronto contra a doença. A higiene como arma na guerra contra o vírus era eficiente, mas não era suficiente. Enquanto a sociedade civil estava organizando ações importantes, o Estado não fazia o mesmo. Caberia aos brasileiros que ficassem alerta sobre a situação para poderem cobrar. Agosto No dia 24 de agosto, a manchete de O Dia era a seguinte: “Órfã da gripe suína luta para sobreviver”. O subtítulo explicava: “Filha de uma das nove gestantes mortas pela doença no estado – os outros oito bebês morreram com as mães –, Sofia Vitória, com 25 dias, recebe o carinho da avó Kátia, com quem vai morar”. De modo literal, denotativo, o título estabeleceu que aquela morte pertencia à “gripe suína”. Fazendo parte da doença, a morte foi tomada 141 como agregada à doença. Nesse sentido, a morte não pode ser provocada pela doença, mas a morte é propriedade da doença. Como sabemos, a contração “da” (que normalmente conta com um significado de posse) foi tomada como estabelecendo uma relação de causalidade (geralmente associado a expressões como “por causa de”). Esse deslizamento de significados, formando um segundo nível de significação, apenas é possível compreender a partir do contexto dos acontecimentos. O caso de Sofia Vitória era particular. Ela escapou à morte, porque não se contaminou com a doença no ventre da mãe. Ou seja, ao mesmo tempo, em que título informa uma relação de causalidade, ele também apresenta uma relação de posse e determinação inerente a vontades alheia, existente pela própria existência. Nesse sentido, a vitória de Sofia foi se salvar do praticamente inevitável, do inesperado. Por isso, ela era excepcional. Na editoria “Rio de Janeiro”, o jornal fez mais um trocadilho no título da reportagem: “A vitória de Sofia, a única órfã da gripe suína no Rio”. Dessa vez, o jogo de palavras foi feito com o nome da recém-nascida. Ou seja, ela tinha vencido a gripe suína. Essa era a sua vitória. A linguagem da reportagem foi predominantemente melodramática, já na sua abertura: Ela nasceu há 25 dias, aos 8 meses de gestação, com 33 cm e 2,4kg. Sofia Vitória começou a lutar pela vida ainda no ventre da mãe, Clara Lima de Oliveira Gomes, 23 anos, uma das novas gestantes que morreram no Estado do Rio com diagnóstico comprovado de gripe suína. Há 10 dias, esbanjando saúde, a pequenina, que não chegou a ser contaminada pelo vírus, recebeu alta do CTI do Hospital Estadual Albert Schweitzer, em Realengo. E se tornou a única órfã da gripe suína a sobreviver no estado. Todos os bebês que eram esperados pelas outras oito grávidas morreram com as mães (O Dia, 24/08/2009: 04). A singularidade de Sofia Vitória era que, diferentemente dos outros bebês, ela tinha tido mais forças para “lutar” pela sua vida. Isso se configurava então como algo louvável. Ela era uma heroína, porque nasceu “esbanjando saúde” e sua “luta pela vida” não a deixou ser contaminada pelo vírus. Em certo sentido, foi essa característica da recém-nascida que se destacou. Era possível “lutar pela vida” e vencer a doença. 142 A vitória sobre a doença, no entanto, era uma das mais árduas. A mãe de Carla de Oliveira, Kátia de Oliveira, em “Viva voz”, teve a seguinte fala destacada: “Carla sobreviveu a bala perdida e veio morrer de gripe”. Nesse sentido, a contaminação por Influenza H1N1 estava sendo entendida como mais letal do que levar um tiro. Nessa mesma página, uma notícia, “Mais de 300 mil voltam às aulas hoje”, comentava que as escolas municipais estavam se preparando para evitar a transmissão do vírus. A higiene das mãos com o uso de álcool em gel foi tomada, mais uma vez, como medida preventiva fundamental. No mesmo dia, na editoria “Conexão”, a leitora Mara Assaf escreveu o seguinte e-mail, intitulado “Lula usa gripe para ressuscitar a CPMF”: O governo Lula se aproveita da gripe H1N1 para criar a nova CPMF (agora CSS), alegando precisar de verbas para combater a pandemia e que o momento é de crise e desonerações. Bom, o governo precisa se decidir: ou essa gripe tem, como repete Temporão, menos letalidade que as sazonais que nos acometem anualmente, sendo uma marolinha de tosses e espirros; ou o vírus é de tal letalidade e capacidade de disseminação que justificaria reviver um imposto injusto e que foi condenado à morte por sua vilania (O Dia, 24/08/2009: 04). O texto apresenta um teor de denúncia que se aproxima da linguagem do próprio jornal O Dia, que por vezes assume um tom sensacionalista. Foi apresentado um impasse entre as posições do governo federal (do presidente da República) com o Ministério da Saúde e seu ministro. Enquanto esse estaria dizendo que a nova gripe não passava de uma “marolinha de tosses e espirros”, Lula estaria fazendo uso do vírus para impor um novo imposto. Essa denúncia atuou em dois níveis: num primeiro, mostrava a falta de unidade nas posições do governo federal e, num segundo, o oportunismo do presidente de se valer da doença para “reviver um imposto injusto” que já tinha sido “condenado à morte por sua vilania”. As metáforas que o texto estabeleceu trouxeram uma particular intertextualidade. A “marolinha”, por exemplo, foi um termo usado por Lula, em 2008, para afirmar que a crise econômica internacional da época não teria muito impacto no Brasil. Do mesmo modo, então, estava sendo apresentada a Infuenza H1N1 como um vírus que não teria muitas 143 conseqüências graves no país. Além disso, para reforçar a sua crítica, o texto acaba sendo favorável à pena de morte, associando vilania com condenação à morte. Ou seja, os atos maus deveriam ser exterminados. Essa era a justiça concebida pelo texto: o simples extermínio. No dia 27 de agosto, na editoria Saúde, a matéria principal, “Brasil já lidera número de mortos por gripe suína”, reforçou a crítica da leitora, especialmente no que dizia respeito à falta de um entendimento preciso sobre a pandemia. O texto apresentou contradições entre as afirmações do Ministério da Saúde com as de especialistas: “No boletim sobre o monitoramente da gripe, o ministério mostra queda nos registros pela segunda semana consecutiva. Mas técnicos afirmam que é cedo para garantir que a tendência seja definitiva” (O Dia, 27/08/2009: 28). Enquanto os dados do Ministério da Saúde eram questionados, a OMS trazia a “boa notícia”. O órgão notificou que a tendência era que a gripe diminuísse no Hemisfério Sul no segundo semestre. No dia 30 de agosto, na editoria “Rio de Janeiro”, o jornal teve a seguinte matéria destacada: “Mau atendimento contribuiu para mortes por gripe e dengue”. O subtítulo foi este: “As duas epidemias têm em comum o diagnóstico tardio e o precário socorro prestado às vítimas das doenças”. A justificativa para tantas mortes era pelo mau atendimento púbico. Essa noção já é confirmada no texto de abertura: Eles não se conhecem, mas suas histórias de vida – marcadas pela perda de pessoas queridas nas epidemias de dengue e gripe suína – têm em comum o mau atendimento médico, que culminou com as mortes de filhos, irmãs e mulheres. “As histórias são iguais. Um horror ver que mudam as pessoas, mudam as doenças, mas o descaso e o fim são os mesmos”, desabafou Marcos Roig, que perdeu o filho Rodrigo, 6 anos, com dengue no ano passado, depois de passar por duas clínicas e receber o diagnóstico de virose (O Dia, 30/08/2009: 08). O “vilão” daquelas histórias de vida era o mesmo. Não eram as epidemias de dengue ou de gripe suína, mas era o mau atendimento médico. Foi por causa dele que pessoas morreram e famílias foram desestruturadas. Essa identificação do culpado – o serviço de saúde público – colocou como vítimas os pacientes mortos e seus familiares. Como vítimas, eles são dignos de piedade e compaixão. Por isso, o jornal ressaltou as suas histórias de vida, para, 144 a partir do drama humano, ressaltar a crítica ao Estado. Mais uma vez, o vereador Paulo Pinheiro, integrante da Comissão de Saúde da Câmara, teve a fala convocada para criticar: “Nem sempre a doença é o pior. O atendimento ruim e a demora no diagnóstico é que matam”. Essa fala encerrou a matéria. É interessante o uso da expressão “é que matam” em dois níveis: no denotativo, refere-se à morte (o mau atendimento e a demora no diagnóstico provocam a morte) e, no conotativo, concebe a expressão associa aqueles fatos a problemas. Eles são os grandes problemas do serviço público de saúde no tratamento daquelas duas epidemias. São eles que levariam à morte. Assim, aqueles dois níveis de significação se fundiram numa única denúncia: da falência do Estado. 145 4. Considerações finais A análise sobre a cobertura da Influenza H1N1 nos jornais O Globo, O Dia e Folha de São Paulo entre maio e agosto de 2009 revelou a forte presença do tema na mídia impressa neste período. Como foi dito, provavelmente isso se relacionava com o caráter de novidade e incerteza que a doença apresentava, mobilizando fortemente o imaginário social. No entanto, essa presença foi assumindo configurações distintas ao longo dos meses. Em maio, por exemplo, os textos se centraram na localização da doença no mundo e nos modos como ela poderia impactar no Brasil. Em junho, com o surgimento do primeiro caso no país e o progressivo aumento do número de infectados, tanto no Brasil como no mundo – e a caracterização da doença como “pandemia” - houve uma ênfase na abordagem dos cuidados para evitar sua disseminação. Nesse momento, entre recomendações para a higiene, a medicação e a internação, figuraram aquelas que diziam respeito aos deslocamentos. As viagens internacionais, especialmente para países como Argentina, EUA e México, foram tomadas como ameaças à saúde. Já em julho, com a intensificação do inverno, os textos se concentraram na circulação da doença, nos casos de contaminação e morte. Nesses casos, a eficiência do Estado foi sendo questionada. Em agosto, a discussão se concentrou em novas possibilidades para conter o avanço da doença e, entre as medidas, foi proposto o prolongamento das férias escolares. Já nesse momento os jornais anunciavam o declínio do ciclo da Influenza H1N1. Do ponto de vista da análise dos discursos, observamos modos específicos na construção da Influenza H1N1. Em O Globo, o tema foi tomado como espaço de debate político. Dessa forma, houve acusações implícitas e explícitas ao governo, especialmente aos modos como “medidas de segurança” estavam sendo tomadas para evitar os riscos. Essas acusações giram em torno da “falta de controle” sobre a doença, da fragilidade na vigilância, da falta de informação, das dúvidas quanto ao remédio, entre outras coisas. Por vezes as “vozes autorizadas” do governo eram desqualificadas, especialmente a do Ministro da Saúde, contrapondo suas decisões com as opiniões de especialistas e com as manifestações da OMS. 146 O tom da cobertura era fundamentado na idéia de “alerta”, evocando sentidos ligados a tensão, expectativa e medo. Isto se manifestava de forma mais evidente através das cartas dos leitores (que freqüentemente anunciavam a “tragédia” que estava por vir), nas entrevistas com vozes autorizadas - da OMS – propagando a “inevitabilidade” da disseminação da doença, sua “imprevisibilidade”, potencial mutação do vírus e etc., e também de forma menos evidente em reportagens ou imagens não apaziguadoras, como , por exemplo, ao noticiarem “a corrida atrás das máscaras”. Além disso, também com a contribuição de especialistas, textos do jornal estabeleceram associações e diferenciações entre a Influenza H1N1 e outras gripes e entre a Influenza H1N1 e dengue. Essa era uma estratégia de construção de uma memória discursiva. A partir de uma “nova gripe”, o jornal desenvolveu um trabalho da memória sobre outras doenças (dengue) e gripes para poder estabelecer, de modo comparativo, a especificidade da Influenza H1N1 Um outro ponto de destaque na cobertura deste jornal foi o estabelecimento da noção de “fronteiras” como prevenção. Aqui tratava-se mais do que um elemento territorial e político, mas acima de tudo, simbólico. A doença foi sendo construída como estrangeira e o estrangeiro, principalmente, como argentino. Como veremos este elemento é comum a outros periódicos, os quais também apresentam semelhanças tais como o destaque da propagação da doença entre os artistas, mostrando a generalização da contaminação (como se observou em O Dia). Ou seja, como a doença está atingindo até os artistas, era porque a situação realmente estava bastante crítica, e que o governo não teve condições para evitá-la ou contorná-la. A Folha de S. Paulo teve uma posição diferente de O Globo. A pandemia não se constituiu em um espaço de manifestação de antagonismo ao governo federal. Identificamos uma abordagem que revelava uma tensão entre a desqualificação e o reconhecimento da doença. Diferente de O Globo, a Folha de S. Paulo lança mão de recursos mais racionais, afastandose de palavras e modulaçãoes mais emocionais na sua cobertura. Em suas metáforas bélicas, a informação e o conhecimento científico aparecem como 147 “armas” contra as angústias motivadas pela ignorância. Nesse sentido, o jornal cobrou do Estado o papel de gerenciador dos riscos possíveis. Era necessária a previsão mais acertada possível, porque era ela quem permitiria uma prevenção mais eficaz. Ou seja, a avaliação do Estado se deu pela sua capacidade preventiva e de “fazer diagnósticos precisos”, em termos epidemiológicos. Em comum com os outros jornais, a Folha de S. Paulo também recomendou o monitoramento das fronteiras como forma de prevenção. Nesse sentido, por ser a doença estrangeira, foi estabelecida uma oposição entre “nós” e “eles”. Afinal, os “perigos” da contaminação estavam relacionados aos de fora. Sendo assim, a viagem foi tomada como ameaça e o viajante como intruso. Por isso, havia a necessidade de controle dos fluxos e vigilância dos corpos. Por conta disso, o jornal associou a doença ao crime e o doente ao criminoso, quando insistiu em nomear como “casos suspeitos” os possíveis infectados. O jornal O Dia guarda algumas particularidades em relação ao outros jornais. Do ponto de vista editorial, trata-se do jornal mais popular. Diferentemente dos outros jornais que procuram se colocar como de referência, O Dia conta com uma linguagem mais coloquial, com marcas da oralidade e cotidianidade popular. Mas, além disso, se coloca como um defensor das causas populares. Por isso, o jornal se arvorou o lugar de crítico da ineficiência do Estado no gerenciamento da crise implantada na saúde pública a partir da Influenza H1N1. No entanto, como os outros jornais, ele procurou atenuar os efeitos da Influenza H1N1 na comparação com a gripe comum. Como vimos, O Dia cobrou a necessidade de meios mais eficazes de confirmação da doença. Entre as recomendações, estavam aquelas que comentavam a necessidade das fronteiras do país. Assim como os outros jornais, O Dia construiu a doença como estrangeira. Para evitar a disseminação da Influenza H1N1, era necessário o reforço das fronteiras nacionais e locais. Nesse jornal, a ameaça não foi apenas o argentino, mas também outros estrangeiros e todos aqueles que tinha contato com o estrangeiro. A ênfase no local, no Rio de Janeiro, em O Dia era muito maior do que em O Globo e em Folha de S. Paulo, cujos protocolos enunciativos estão 148 estruturados como jornais nacionais ou, pelo menos, de alcance nacional. Por isso, o jornal se dedicou mais ao Rio de Janeiro no centro da construção das fronteiras discursivas. Por isso, O Dia frisou o quanto a circulação de pessoas dentro da cidade e nas suas fronteiras se configuravam como ameaças à saúde. Essa circulação que possibilitava a contaminação no jornal se deu em duas frentes. No primeiro caso, isso foi exemplificado pela maior ênfase nos artistas de televisão contaminados ou com suspeitas, o que demonstrava, certamente, a generalização da doença, mas também, assim como em O Globo, apontava para uma outra dimensão: a importância da televisão na cidade do Rio de Janeiro. Na Folha de S. Paulo, a contaminação de famosos não mereceu atenção específica. No caso de O Dia, o maior destaque pode ser explicado, além da localização carioca, pelo fato de ser um jornal endereçado ao público popular. Por conta disso, o jornal se tornou uma “televisão de papel”. Isso não se deu apenas pelo fato de o jornal ter mais cores do que os jornais ditos de referência, mas também por se constituir como uma extensão da própria paisagem televisiva, seus apresentadores e atores, para as páginas do jornal. Outra particularidade de O Dia, também na exemplificação da circulação da doença no Rio de Janeiro, foi o uso de relatos biográficos. Pessoas infectadas ou com a possibilidade de estarem com a doença tinham os depoimentos de suas experiências publicados. Na sua aproximação à “fala popular”, o jornal acabou se colocando como púlpito para a proferimento das falas de anônimos e de famosos. Nessas falas, além das críticas à ineficiência do Estado, houve a identificação da discriminação contra os doentes e os “suspeitos”. Nos três jornais, foram sendo delineados os “grupos de risco” (gestantes, idosos, crianças, portadores de doenças crônicas). Assim, foram reconhecidos aqueles que estavam mais vulneráveis à doença e necessitavam de proteção. Essa proteção estava associada à produção de uma vacina. Já em 2009 a vacina era esperada como a possibilidade mais eficaz de combate à doença. Do ponto de vista temático, em geral, os textos noticiosos desqualificaram o impacto da doença em comparação com outras gripes, especialmente com 149 a comum. Nesse sentido, os jornais se aproximaram da perspectiva do Ministério da Saúde. A análise da cobertura da Influenza H1N1 entre os meses de maio e agosto de 2009 nos mostrou como o tema se descolou para outras searas. A preocupação com a pandemia de uma “nova gripe” se associou, entre outros elos discursivos, a críticas ao governo e ao Ministério da Saúde, a regionalismos, ao nacionalismo, à medicalização e à criminologia. Nesse sentido, a noção de risco trabalhada pelos jornais se estruturou em dois eixos: nas fronteiras (no trânsito) e na ausência de meios eficazes para a identificação e o tratamento da doença. Esses dois eixos se encontravam na ineficiência do Ministério da Saúde na gestão daquela crise. 150 5. Anexo: Tabelas com os títulos dos textos sobre Influenza H1N1 Jornal Data O Dia 01/05/2009 O Globo 01/05/2009 Título na Capa Pente-fino nos aviões que vem do exterior. México apela para povo ficar em casa Título da Matéria Gripe suína: aviões e navios que chegam ao Brasil são desinfetados México apela para povo ficar em casa OMS recomenda que Hemisfério Sul se prepare Folha de S. Paulo 02/05/2009 Chegam a 7 casos suspeitos da gripe no Brasil Chegam a 7 casos suspeitos da gripe no Brasil Folha de S. Paulo 02/05/2009 No México, toque de recolher deixa as ruas desertas durante feriado Pobres perdem duas vezes com a epidemia no México O Dia 02/05/2009 Rio já tem um caso suspeito de gripe suína Gripe: No Rio já tem um caso suspeito O Dia 03/05/2009 Gripe suína: número de casos suspeitos dobra no Brasil em 24 horas Gripe: suspeitos em dobro Folha de S. Paulo 08/05/2009 Brasil confirma 4 casos da gripe suína Brasil confirma 4 casos da gripe suína O Dia 08/05/2009 Gripe suína chega ao Rio Gripe Suína no Brasil: um internado no fundão O Globo 08/05/2009 Brasil confirma 4 casos de gripe suína, um no Rio Gripe Suína chega ao Brasil Folha de S. Paulo 09/05/2009 Brasil tem o 1º caso de gripe suína transmitida no país Brasil tem 1ª transmissão interna da gripe O Dia 09/05/2009 Grípe suína chega ao Rio Novo caso de gripe suína: rapaz pegou vírus no Rio O Globo 09/05/2009 Rio tem o 1º caso da gripe suína contraída no Brasil O 1º caso de contágio no Brasil Folha de S. Paulo 10/05/2009 Saúde reforça fiscalização da gripe suína em aeroporto do Rio Rio reforça monitoramento de passageiros O Dia 10/05/2009 Com sintomas da gripe suína, mãe de rapaz infectado é internada Rio pode ter novo caso de gripe suína 151 10/05/2009 Gripe suína: mãe de paciente é internada Folha de S. Paulo 11/05/2009 País tem mais dois casos de gripe suína confirmados O Dia 11/05/2009 Confirmado terceiro caso de gripe suína no Rio. No Brasil já são 8 Rio tem novo caso de gripe suína O Globo 11/05/2009 Gripe suína: país já tem 8 casos. No Rio, são 3 Mãe de rapaz infectado está com a gripe. O Globo 12/05/2009 OMS diz que não é hora de baixar a guarda Gripe: OMS diz que não é hora para baixar a guarda Folha de S. Paulo 19/05/2009 Governo cria grupo para desmentir boatos on-line Governo cria grupo para desmentir boatos on-line Folha de S. Paulo 21/05/2009 Casos confirmados de gripe suína no mundo passam de 10,5 mil Casos de gripe suína chegam a 10 mil no mundo Folha de S. Paulo 22/05/2009 SP confirma mais um caso de gripe suína SP confirma mais um caso de gripe suína Folha de S. Paulo 02/06/2009 Gripe suína faz escola de SP antecipar férias Gripe suína faz escola de SP antecipar férias Folha de S. Paulo 12/06/2009 Gripe suína já é pandemia, diz OMS Gripe suína vira 1º pandemia do século O Globo 12/06/2009 Gripe suína chega a 74 países e vira pandemia A 1ª Pandemia do século XX O Globo 13/06/2009 Gripe suína: 1º vacina sem teste é anunciada Laboratório anuncia vacina contra gripe O Dia 19/06/2009 Secretário de Saúde está com suspeita de gripe suína. Côrtes e a gripe Folha de S. Paulo 20/06/2009 Gripe suína faz escola antecipar férias Gripe suína faz escola de SP antecipar férias O Globo 20/06/2009 Secretário diz que não tem gripe suína Secretário descarta ter gripe suína 22/06/2009 Colégio Magno é o 2º em SP a adiantar férias devido à gripe suína Mais um colégio de SP antecipa férias após casos da nova gripe. O Globo Folha de S. Paulo Folha de S. Paulo 23/06/2009 EDITORIAIS- Lei Minipacotes, que trata de incentivos a setores ainda afetados pela crise; e Sem Alarme, sobre a gripe suína Gripe suína pode ter feito mais uma vítima no Rio País tem mais dois casos de gripe suína Sem alarme 152 24/06/2009 Gripe faz ministro pedir adiamento de viagens à Argentina Governo recomenda evitar viagem à Argentina e ao Chile O Globo 24/06/2009 Ministro aconselha evitar Chile e Argentina Ministro: turistas devem evitar Argentina e Chile Folha de S. Paulo 25/06/2009 Hospitais descumprem orientação sobre gripe Hospital descumpre protocolo da gripe suína O Dia 25/06/2009 Gripe suína fecha escola na zona sul Gripe suína fecha escola O Globo 25/06/2009 Gripe suína fecha 1ª escola no Rio O medo chega à sala de aula Folha de S. Paulo 26/06/2009 Gripe suína faz faculdade em SP e PR e até posto de saúde fecharem Gripe suína faz faculdade em SP e PR e até posto de saúde fecharem Folha de S. Paulo 26/06/2009 Gripe suína faz faculdade em SP e PR e até posto de saúde fecharem Controle da gripe em fronteiras é ampliado O Dia 26/06/2009 Gripe suína: procura de pacotes para Argentina e Chile já caiu 20% Gripe suína estraga férias de brasileiros O Globo 26/06/2009 Cresce medo com a nova gripe no Rio Preocupação contagiante Folha de S. Paulo 29/06/2009 País registra 1ª morte causada por gripe suína. Primeira morte por gripe suína é confirmada no país O Globo 29/06/2009 Primeira morte por gripe suína não faz Brasil mudar estratégia A 1ª morte por gripe no Brasil O Globo 30/06/2009 Lágrimas e máscaras Lágrimas e máscara O Dia 01/07/2009 André Marques tem suspeita de gripe suína e deixa Angélica desesperada Medo da gripe suína após viagem à Argentina - André Marques está com sintomas e outros artistas, como Angélica, temerosos O Globo 01/07/2009 Nova gripe fecha mais escolas no Rio Mais alunos de férias forçadas O Globo 02/07/2009 Nova gripe já afetou aulas em 7 escolas Gripe: mais duas escolas suspendem aulas O Dia 03/07/2009 Gripe suína deixa Huck e Angélica em quarentena e Globo alerta artistas Artistas estão em quarentena O Dia 04/07/2009 Só caso grave fará exame de gripe suína Gripe suína: TV Globo cancela ida ao Chile Folha de S. Paulo 153 O Globo 04/07/2009 Gripe suína: exames só para os casos graves Testes só para pacientes graves Folha de S. Paulo 07/07/2009 Exército atuará contra gripe suína na fronteira; país já tem 905 casos Exército vai atuar contra a gripe suína na área de fronteira O Dia 10/07/2009 Gripe (até sem ser suína) dá direito a sete dias em casa Sete dias longe do trabalho Folha de S. Paulo 11/07/2009 SP confirma sua 1ª morte por gripe suína SP tem 1ª morte provocada pela gripe suína O Globo 13/07/2009 Gripe suína: aumentam as chances de surto Especialistas temem epidemia de gripe suína Folha de S. Paulo 14/07/2009 Antiviral é eficaz para tratamento de gripe suína aponta pesquisa Antivirais são eficazes conta a nova gripe, mostra estudo O Globo 14/07/2009 Brasil registra terceira morte por gripe suína A terceira morte por gripe suína Folha de S. Paulo 15/07/2009 SP confirma 2ª morte por gripe suína no estado, a 4ª no Brasil SP registra 2ª morte por gripe suína, a 4ª no país Folha de S. Paulo 17/07/2009 Gripe suína mata 11 e já circula no país Gripe fez 11 mortes e vírus circula no país Folha de S. Paulo 17/07/2009 Vírus assusta mais por ser novo Letalidade no RS supera a da Argentina O Dia 17/07/2009 Gripe suína mata no Rio Morta não era do grupo de risco O Globo 17/07/2009 Gripe mata 1 no Rio e mortes são 11 no país A primeira morte no Rio Folha de S. Paulo 18/07/2009 Mortes pela gripe suína geram corridas aos hospitais Gripe suína causa fila de até 8h em hospital O Dia 18/07/2009 Gripe suína deixa Niterói em alerta. A ordem é evitar cinemas e teatros Gripe suína: niteroienses devem evitar cinemas e teatros O Globo 18/07/2009 Gripe já provoca corrida a hospitais A longa espera por atendimento 19/07/2009 Gripe suína deve atingir ao menos 35 milhões no país Gripe pode afeta até 67 milhões de brasileiros em oito semanas O Dia 19/07/2009 Grávida e bebê morrem após longa espera por atendimento em Bangu Descaso mata grávida e bebê O Dia 20/07/2009 Gripe suína: mulheres são isoladas em maternidade Suspeita de gripe suína em grávidas Folha de S. Paulo 154 20/07/2009 Hospital municipal manda para estado os pacientes com gripe O jogo de empurra na gripe O Globo 20/07/2009 Com casos no Sul, chega a 15 o número de mortos no país Com 4 casos no Sul, país já registra 15 mortes Folha de S. Paulo 21/07/2009 Gripe suína põe 2 cidades gaúchas sob emergência Gripe põe duas cidades do RS em emergência. O Dia 21/07/2009 Rio ainda não tem médicos para combate à gripe Gripe suína: Rio terá de contratar médicos às pressas O Globo 21/07/2009 Emergência contra gripe suína Gripe suína: prefeitura vai contratar médicos 22/07/2009 Gripe Suína mata mais de 6 em SP; país já soma 22 mortos SP registra mais 6 mortes por gripe suína O Dia 22/07/2009 Começam a funcionar hoje pólos para atender suspeita de gripe suína Atendimento só para pacientes com gripe O Globo 22/07/2009 Gripe suína mata 6 em São Paulo SP confirma mais 6 mortes por gripe suína O Dia 23/07/2009 Ambulante grávida morre de gripe suína e assusta camelódromo Gripe suína já matou 5 no Rio, inclusive grávidas e crianças O Globo 23/07/2009 Gripe suína provoca mais 4 mortes no Rio Gripe mata mais quatro no Rio O Dia 24/07/2009 Gripe suína pode adiar a volta às aulas no Rio Estudante gripado não deve voltar à sala de aula Folha de S. Paulo 25/07/2009 Gripe comum matou 17 por dia em 2008 Gripe comum mata em São Paulo 17 pessoas por dia O Dia 25/07/2009 Pólos para atendimento da gripe suína não têm remédio Pólos de atendimento a gripados sem remédio O Dia 28/07/2009 Gripe suína: grávida só é atendida com força policial Gripe suína: alerta para as grávidas Folha de S. Paulo 29/07/2009 Gripe Suína faz adiar volta às aulas Gripe adia inicio das aulas e fecha creches 29/07/2009 Gripe suína: mais vagas para grávidas e reinício das aulas é mantido Hospitais abrem leitos para grávidas com sintomas gripais 29/07/2009 Gripe: SP adia volta às aulas de 6 milhões O Globo Folha de S. Paulo O Dia O Globo São Paulo adia aulas, Rio mantém calendário 155 O Dia 30/07/2009 Gripe suína: adiada a volta às aulas de 2,8 milhões no Rio O Globo 30/07/2009 Gripe faz Rio também adiar volta às aulas Gripe: Rio O Dia 31/07/2009 Bombeiros vão distribuir remédio contra gripe suína Estado amplia acesso a remédio contra a gripe suína Folha de S. Paulo 01/08/2009 Gripe Suína é mais grave para Grávidas e Hipertensos Gripe Suína é 3,5 vezes mais letal para grávida e cardíaco Folha de S. Paulo 01/08/2009 Drauzio Varela - Vírus atual está há 90 anos à espreita da humanidade A gripe que não tem fim O Dia 01/08/2009 Grávidas vão ter remédio com qualquer sintoma de gripe Grávidas na frente O Globo 01/08/2009 A notícia da morte Gripe causa mais quatro mortes O Dia 02/08/2009 Gripe suína: grávidas morrem, mas bebês são salvos Mortes suspeitas Folha de S. Paulo 03/08/2009 Aos 15, garota morre após problemas respiratórios Garota morre em vôo de volta da Disney O Dia 03/08/2009 Jovem morre na volta da Disney Morte na volta da Disney O Globo 03/08/2009 Jovem morre em aviões com sinais de gripe Estudante de 15 anos morre ao voltar da Disney Folha de S. 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Volta às aulas pode ser adiada para o dia 17 156 06/08/2009 Gripe suína é mais letal nos sete dias após os primeiros sintomas Metade das vítimas da gripe morre em até sete dias O Dia 06/08/2009 Gripe: férias na rede pública vão até dia 17 Férias longas e forçadas O Globo 06/08/2009 Gripe adia volta às aulas pela 2a. vez Gripe volta a prolongar as férias 07/08/2009 Vacina contra gripe suína começa a ser utilizada em 1 mês, diz OMS Vacina contra a gripe sai em 1 mês, diz OMS O Globo 07/08/2009 Gripe afeta as escolas particulares Maioria das escolas privadas também adia aulas O Dia 09/08/2009 Cientistas alertam: gripe suína vai piorar Gripe suína: vírus poderá dar ainda três voltas ao mundo O Dia 10/08/2009 Gripe: grávida dispensada do serviço público Servidoras grávidas dispensadas Folha de S. 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Paulo 15/08/2009 Governo veta propaganda de antigripal Governo veta propaganda de antigripal 15/08/2009 Sindicato dos docentes quer tirar grávidas da sala de aula Sindicato dos docentes quer tirar grávidas da sala de aula 15/08/2009 Governo proíbe propaganda de remédios contra a gripe Folha de S. Paulo Folha de S. Paulo Folha de S. Paulo O Globo Gripe: Anvisa proíbe propaganda de remédios 157 O Globo 15/08/2009 Sábado será dia de prova Escolas estudam a reposição Folha de S. Paulo 16/08/2009 Guia da gripe Que bicho é esse? O Dia 16/08/2009 Guia da gripe suína: proteja seus filhos na volta às aulas Gripe suína: volta às aulas com mudança de hábitos O Globo 17/08/2009 Escolas abrem com novas medidas contra a gripe suína Na volta às aulas, prevenção é a primeira lição Folha de S. 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