relatório H1N12009 finalizado - Observatório Saúde na Mídia

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Observatório Saúde na Mídia
Monitoramento da gripe H1N1 na mídia impressa
Apresentação de Resultados
Quinto Relatório
Período: 01 de maio a 31 de agosto de 2009
Laboratório de Pesquisa em Comunicação e Saúde
LACES/ICICT/FIOCRUZ
NUCOM/SVS/MS
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2011
QUINTO RELATÓRIO DE RESULTADOS
Período: 01 de maio a 31 de agosto de 2009
Convênio SVS/MS – ICICT/FIOCRUZ
Iniciativa: Núcleo de Comunicação da Secretaria de Vigilância em Saúde/MS
Vanessa Borges
Valéria Vasconcelos Padrão
Realização: Observatório Saúde na Mídia (LACES / ICICT / FIOCRUZ)
Coordenação geral: Umberto Trigueiros (Diretor ICICT)
Coordenação adjunta: Kátia Lerner (Dra Antropologia Social, LACES / ICICT)
Coordenação executiva: Izamara Bastos (Ms Comunicação Social, LACES /
ICICT)
Assessora metodológica: Inesita Soares de Araújo (Dra Comunicação Social,
LACES/ICICT)
Pesquisadores
Igor Sacramento (Ms Comunicação Social, convênio ICICT/SVS)
Izamara Bastos (Ms Comunicação Social, LACES / ICICT)
2
Kátia Lerner (Dra Antropologia Social, LACES / ICICT)
Wilson Couto Borges (Dr Comunicação Social, convênio ICICT/SVS)
Pesquisadora Colaboradora: Adriana Kelly Santos (Dra Saúde Pública,
Prof./DEM/ UFV)
Assistentes de Pesquisa
Karen Dias (convênio ICICT/SVS)
Pedro Gradella (convênio ICICT/SVS)
Estagiários Laces/Icict
Bruno Costa
David Nascimento
Apoio administrativo
Ednalva Lira (LACES/ICICT)
Fotos
Gilson Machado (VideoSaúde Distribuidora/ICICT)
Pedro Gradella (convênio ICICT/SVS)
Igor Sacramento(Ms Comunicação Social, convênio ICICT/SVS)
3
SUMÁRIO
Apresentação ............................................................................................
p. 05
1. Introdução ..............................................................................................
p. 07
2. Uma visão de conjunto: dados quantitativos .......................................
p. 10
3. Análise da produção narrativa sobre a Influenza H1N1............
p. 21
3.1 O Globo..........................................................................................
p. 21
3.2 Folha de São Paulo .......................................................................
p. 65
3.3 O Dia ...............................................................................................
p. 105
4. Considerações finais .............................................................................
p. 146
5. Anexo: Tabelas com os títulos dos textos sobre Influenza H1N1 .........
p. 151
4
APRESENTAÇÃO
Apresentamos à Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da
Saúde – SVS/MS o quinto relatório contendo os resultados da análise da mídia
sobre o tema da Influenza H1N1 e sobre a atuação do Ministério relativa a esta
pandemia. Diferente dos relatórios anteriores, que cobriram o ano de 2010, a
presente análise refere-se a 2009, ano em que ocorreu o reaparecimento da
doença no mundo. O período investigado se estende de 01 de maio a 31 de
agosto, e contemplou os seguintes veículos: O Dia, O Globo e Folha de São
Paulo.
Esta análise é mais um produto da cooperação entre o Núcleo de
Comunicação/SVS e o ICICT – Instituto de Comunicação e Informação
Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz, que inclui,
entre outras atividades, um conjunto de ações relativas ao monitoramento e
análise crítica da prática discursiva dos meios de comunicação sobre temas
da saúde.
O relatório está dividido em duas partes principais. Na primeira,
trazemos uma descrição quantitativa, identificando a incidência de textos nos
jornais monitorados, sua presença nas capas, freqüência por dias da semana,
localização dos textos no jornal, entre outros itens. Na segunda, apresentamos
uma análise qualitativa, abordando cada veículo de informação em
separado, identificando e explicitando os mecanismos através dos quais eles
construíram os sentidos sobre a Influenza H1N1 e sobre o papel do Ministério da
Saúde nesse processo.
Desejamos uma boa leitura e nos colocamos à disposição para maiores
esclarecimentos.
5
Umberto Trigueiros Lima
Diretor do ICICT
Coordenador geral do Observatório
Kátia Lerner
Chefe do LACES
Coordenadora adjunta do Observatório
6
1. Introdução
Este relatório contém os resultados relativos à análise da mídia sobre
Influenza H1N1 no período de 01 de maio a 31 de agosto de 2009. O início do
período abordado situa-se logo após as primeiras notícias publicadas na mídia
nacional (e internacional) sobre este agravo, ocorridas no final de abril, o que
nos permitiu acompanhar desde um momento muito seminal como a
pandemia foi sendo construída no discurso midiático. Os jornais a partir dos
quais a análise foi feita foram O Dia, O Globo e Folha de São Paulo. A opção
pelo eixo Rio-São Paulo se justifica por se tratar dos periódicos monitorados
originalmente
pelo
Observatório
Saúde
na
Mídia
no
ano
estudado,
configurando-se, portanto, as fontes disponíveis1.
O resultado desse processo foi estruturado em duas partes. A primeira
apresenta uma descrição de cunho quantitativo sobre a cobertura da
Influenza H1N1 nos jornais analisados, de modo a se obter um cenário levando
em conta a sua dimensão temporal, a abordagem segundo o veículo e a
estrutura
do
jornal
(capa,
editoria
e
formato).
A
segunda
é
preponderantemente qualitativa. Nela, empreendemos uma análise da
cobertura
dos
veículos
investigados
a
partir
do
referencial
teórico-
metodológico da semiologia dos discursos sociais, adotado pelo Observatório
para seus trabalhos analíticos. Entretanto, também nos ocupamos da
identificação dos temas mobilizados nos textos observados. O esforço foi
direcionado para acompanhar a lógica de construção dos acontecimentos,
observando os temas privilegiados, apontando as presenças e ausências do
tema nos periódicos. Uma das premissas do processo de investigação
realizado pelo Observatório é a de que, a partir de determinadas “idéiasmatrizes”, os discursos constroem realidades. Ou seja, os discursos não apenas
relatam os objetos de que falam, mas, ao falar deles de modo específico,
constroem esses objetos. Cada órgão da imprensa analisado neste trabalho
tem seu próprio modo de falar dos fatos e das instituições e assim fazendo,
produz significações, produz sentidos específicos para aquele fato ou
1
A despeito dos diversos contatos prévios, a parceria com o NUCOM/SVS de fato foi iniciada em
fevereiro de 2010. Portanto, tivemos que trabalhar com o material relativo ao recorte original do
Observatório Saúde na Mídia coletado em 2009, que não contemplava periódicos dos estados de Minas
Gerais e Rio Grande do Sul.
7
instituição. Estes sentidos circulam e se articulam com os muitos outros sentidos
circulantes na sociedade.
Ainda que não esteja no âmbito do Observatório saber se e como esses
sentidos são apropriados pela população, o que demandaria metodologias
específicas, nos propomos a tomar a teoria como ponto de ancoragem que
sustenta o olhar sobre o corpus de análise, formulando e respondendo
perguntas sobre o material envolvendo elementos tais como: conteúdo (o que
fala?), vozes contempladas (quem fala?), modos de dizer (como fala?),
contexto textual (onde fala?), contexto intertextual (redes de sentidos
mobilizadas).
Assim, se na primeira parte do trabalho, para proporcionar um cenário
mais quantitativo, levamos em conta a totalidade dos textos jornalísticos
veiculados no período estudado, na segunda trabalhamos com um corpus
reduzido. Um dos princípios metodológicos da Análise Social dos Discursos
afirma que há uma recorrência nos dispositivos de enunciação, portanto nos
sentidos que dali emergem. Em outras palavras, há uma tendência de
repetição dos sentidos, prescindindo-se por isto da utilização de um grande
volume de material empírico, sendo a amostra suficiente para identificar os
sentidos presentes nos textos.
Diante dessas considerações, realizamos um recorte cujo critério de
seleção teve como referência proporcionar uma perspectiva diacrônica do
período coberto pelo relatório (01/05/2009 a 31/08/2009). Para tanto,
selecionamos cinco intervalos regulares de tempo (distantes quatro semanas
entre si), com duração de uma semana cada. Dentro de cada um deles
selecionamos três dias segundo a freqüência de textos publicados (maior,
média e menor). As semanas analisadas foram:
• Primeira semana de análise: 04 - 10 de maio
• Segunda semana de análise: 01 - 07 de junho
• Terceira semana de análise: 29 de junho - 05 de julho
8
• Quarta semana de análise: 27 de julho - 02 de agosto
• Quinta semana de análise: 24 - 30 de agosto
Cabe, por fim, enfatizar que este texto contempla regularidades
discursivas, ainda que a abordagem geral sobre a Influenza H1N1 nos jornais
monitorados tenha passado por transformações – um exemplo disso pode ser
percebido pela designação de “Nova Gripe”, nos primeiros dias de cobertura
sobre o tema, e Influenza A (H1N1), no final. Nesse sentido, as análises aqui
produzidas nos permitem apontar que as práticas de comunicação dos jornais
se configuram em dispositivos de enunciação sobre a Influenza H1N1 e sobre a
atuação do Ministério da Saúde.
9
2. Uma visão de conjunto: dados quantitativos
O período monitorado nos jornais O Globo, O Dia e Folha de São Paulo –
de 1º de maio a 31 de agosto em 2009 – apresentou um enorme volume de
textos publicados na imprensa sobre o tema. Foram encontrados, em apenas
três jornais, 868 textos num período de 123 dias, o que indica uma média de
7,05 textos por dia. Se levarmos em consideração que o jornal diário é um
espaço disputado pelos mais variados temas, podemos, de imediato, atestar
que a Influenza H1N1 esteve presente nas pautas jornalísticas de uma maneira
bastante notável e regular (ver gráfico 01).
Gráfico 01
Textos de Influenza H1N1 no Período de Maio a Agosto de 2009
300
250
283
253
200
150
190
142
100
50
0
Maio
Junho
Julho
Agosto
Provavelmente esta presença relacionava-se com o caráter de
novidade e incerteza que a doença apresentava, mobilizando fortemente o
imaginário social. Quando o tema começou a ocupar as páginas dos jornais,
era retratado como uma “nova gripe” e não se tinha muita clareza sobre sua
origem, sintomas e possíveis conseqüências, embora neste momento
acreditava-se que tivesse um caráter mais letal do que a gripe comum. Seu
rápido alastramento pelo mundo e, conseqüentemente, sua caracterização
enquanto “pandemia” acirraram os sentimentos de medo e insegurança,
10
potencializados pelo início dos óbitos decorrentes da doença. Esse cenário
transformaria a Influenza H1N1 em um tema de grande noticiabilidade,
interpretado como algo de grande interesse público na lógica jornalística.
Uma breve comparação com os dados encontrados no ano seguinte,
quando o primeiro ciclo da doença já havia se encerrado e as perspectivas
de prevenção e tratamento eram mais consistentes (com o anúncio da
campanha de vacinação a ser realizada pelo Ministério da Saúde), é
reveladora do espaço que ela ocupou nos noticiários. Em 2010 monitoramos
cinco jornais diferentes ao longo de 177 dias, encontrando um total de 281
textos sobre Influenza H1N1, o que resultou na média de 1,58 textos por dia. Ou
seja, ao compararmos os dados de 2009 com um espectro mais amplo de
periódicos e em um intervalo de tempo bem maior do ano precedente, ainda
assim obtivemos um número três vezes maior de textos publicados.
Como o gráfico 1 indica, o mês de maio se inicia com um volume
considerável de publicações: 190.
Embora
em junho se verifique uma
razoável retração (142 textos, ou seja, um decréscimo de 25% de maio para
junho), a tendência observada nos meses subseqüentes foi de crescimento,
com 253 em julho (crescimento de 78% em relação a junho) e 283 textos em
agosto (crescimento de 12% em relação ao mês precedente).
Tendência semelhante foi observada ao se analisar a presença de
chamadas nas capas dos jornais. Iniciamos maio com um número significativo
– 22 chamadas, i.e., 0,70 por dia – valor que permanece praticamente
inalterado em junho. No entanto, observamos um acentuado crescimento no
mês seguinte, que publicou mais do que o dobro de chamadas (43 textos,
1,38/dia). O mês de agosto confirma esta tendência de crescimento,
apresentando um valor similar ao do mês precedente (41 textos, 1,32/dia) (ver
tabela 1). Olhando globalmente, podemos afirmar que, ao longo desses 123
dias, obtivemos a média de uma chamada por dia na capa dos jornais
monitorados.
11
Tabela 1
Mês
Maio
Junho
Julho
Agosto
TOTAL
Média de capas / dia
0,70
0,70
1,38
1,32
1,03
No. de capas / mês
22
21
43
41
127
Embora o conteúdo destes textos venha a ser analisado de forma
detalhada no próximo segmento, a leitura preliminar dos títulos nas capas nos
fornece pistas para entender esse movimento quantitativo (ver anexo 1). O
mês de maio, por exemplo,
apresenta 22 chamadas. Os primeiros textos
enfocam as notícias da gripe no México, país no qual se deu o
reaparecimento da doença no mundo (3 textos), a medida tomada para
prevenção (desinfecção de avião, 1) e a perspectiva de sua chegada ao
Brasil (1). Em seguida, anuncia-se a suspeita de casos no país (3) e a
confirmação da chegada da Influenza H1N1 no Brasil (1), no dia 08 de maio. A
partir daí, grande parte dos textos abordam os casos suspeitos no Brasil e seus
desdobramentos – se foi ou não confirmado o diagnóstico – (cerca de 12),
sendo os restantes temas diversos.
Com a confirmação da chegada da doença ao país, os principais
temas presentes nas 21 capas identificadas no mês de junho foram: a
prevenção da doença através do controle de aglomerações, em especial nas
instituições de ensino (com 7 chamadas), e da diminuição dos fluxos através
do adiamento de viagens a países com muitos casos, como Argentina e Chile
(3). Outros temas a serem destacados foram: 2 chamadas anunciando que a
doença fora considerada pandemia pela OMS e o anúncio da criação da
vacina, nos no dias 12 e 13 de junho, respectivamente. Os títulos presentes no
final já dariam subsídios para se entender o grande aumento identificado em
julho: 2 chamadas de capa no dia 29 de junho anunciando o primeiro caso de
óbito no país.
Provavelmente este foi um dos principais fatores a justificar o
crescimento de textos e capas em julho, uma vez que praticamente um terço
das chamadas giraram em torno deste tema (13), sendo um outro título
12
também sobre óbito, mas associado à gripe comum. Paralelamente
identificou-se outro assunto que muito mobilizou o noticiário: a questão da
gestão. Foram encontrados 9 títulos remetendo à atuação do Estado no
combate à doença, seja informando sobre a mobilização do exército e dos
bombeiros, seja denunciando a longa espera por atendimento, falta de
médicos e remédios, ou ainda encaminhamentos na resolução destes
problemas. O terceiro tema mais presente foi o da prevenção, com
chamadas abordando a suspensão das aulas pelas escolas (7) e as
recomendações para se evitar aglomerações (cinema etc.). Por fim, os temas
restantes vieram pulverizados, abordando o medo (2) e as expectativas frente
ao surto (1), os casos de suspeitas entre famosos (2), a decisão de realizar
exames apenas para os casos graves (2), notas sobre o remédio (1) e a
questão das grávidas (2), que já despontavam como um grupo vulnerável na
cobertura midiática.
Por fim, em agosto, o grande tema presente foi o adiamento do reinício
das aulas (9). Muitos Estados optaram por postergar o retorno das crianças aos
bancos escolares a fim de se evitar um maior número de contaminados, já
que a doença já havia sido diagnosticada em uma considerável parcela da
população brasileira. Outro tema que permaneceu com força nas chamadas
foi sobre os óbitos decorrentes da doença (7) e a situação das grávidas (7),
sendo que estes dois assuntos estiveram explicitamente associados em duas
chamadas específicas (óbitos de grávidas). A dimensão curativa começa a
despontar, com 4 chamadas sobre remédios voltados para combater a
Influenza H1N1 e antigripais (desaconselhando seu uso) e o restante de temas
é variado. Cabe apenas ressaltar, nesse período final, as expectativas de piora
da doença (a volta da gripe e o aumento do número de casos) e uma
primeira chamada datada de 19 de agosto informando que governo
apontava a queda no número de casos de Influenza H1N1.
O Observatório também constatou que, no que diz respeito à
publicação sobre o assunto nos dias da semana, foi possível identificar que
sexta-feira e sábado foram os dias que mais apresentaram o assunto
(respectivamente 154 e 153 textos), conforme se pode verificar no gráfico 02.
Em contrapartida, temos domingo – dia em que se é possível encontrar um
13
público bem diferenciado dos demais leitores dos dias úteis – com o menor
número de textos publicados ao longo de todo período analisado. Foram 93
textos aos domingos.
Gráfico 02
Dispersão de Textos por Dia da Semana no Período de Maio a Agosto
de 2009
180
160
140
120
100
80
60
40
20
0
153
130
100
154
120
118
93
Domingo
Segunda
Terça
Quarta
Quinta
Sexta
Sábado
As observações acima colocadas nos dão uma visão geral sobre a
presença da Influenza H1N1 nos jornais monitorados. Seria interessante, nesse
momento, ter uma perspectiva mais setorizada, levando em conta a
distribuição dos textos e chamadas de capa entre os periódicos analisados.
O jornal que mais publicou no período de maio a agosto foi O Globo,
com 377 textos (43%); em segundo lugar a Folha de São Paulo, com 250 textos
(29%) e logo em seguida O Dia, que publicou 241 textos (28%), conforme
mostra o gráfico 03:
14
Gráfico 03
Textos de Influenza H1N1 por Jornal no Período de Maio a Agosto
de 2009
Folha de S. Paulo
29%
O Globo
43%
O Dia
28%
A preponderância de O Globo na publicação de textos sobre Influenza
H1N1 permaneceu constante em praticamente todos os meses; a única
exceção foi o mês de junho, quando preponderou a Folha de São Paulo. Este
último periódico, por sua vez, apresentou na totalidade do período um número
de textos relativamente próximo ao jornal O Dia, conforme podemos verificar
na tabela baixo:
Tabela 2
Textos por Jornal
Maio
Junho
Julho
Agosto
TOTAL
O Globo
74
46
125
132
377
Folha de S. Paulo
68
58
51
73
250
O Dia
48
38
77
78
241
TOTAL
190
142
253
283
868
A retração no volume de textos
verificada no mês de Junho foi
identificada uniformemente nos três jornais. Já no mês de julho, dos 253 textos
publicados, os jornais O Dia e O Globo mais que duplicaram o número de
textos sobre a gripe, em relação ao quantitativo publicado no mês anterior, o
15
que não ocorreu com o periódico Folha de São Paulo, que manteve a
tendência de queda. No entanto, agosto apresentou um crescimento de
todos os veículos.
Embora o jornal O Globo seja o que apresente a maior quantidade de
textos sobre Influenza H1N1, ele no entanto é o que apresenta o menor
número de chamadas em capa (ver tabela 3 e gráfico 4). O Dia permanece
sendo o que menos textos apresenta, estando muito próximo de O Globo no
que se refere às chamadas de capa, e A Folha de São Paulo apresenta uma
leve preponderância nas capas frente aos demais periódicos analisados.
Tabela 3
Capas por Jornal
Maio
Junho
Julho
Agosto
TOTAL
Folha de S. Paulo
9
10
12
15
46
O Dia
7
3
17
14
41
O Globo
6
8
14
12
40
Total
22
21
43
41
127
Gráfico 04
Total de Capas por Jornal no Período de Maio a Agosto de 2009
O Globo
31%
Folha de S. Paulo
37%
O Dia
32%
16
Outro dado importante a ser considerado diz respeito à localização
dessas matérias no interior de cada jornal2. A tabela abaixo revela a
distribuição dos textos nos periódicos segundo editoria (tabela 4):
Tabela 4
Editorias
Maio
Junho
Julho
Agosto
TOTAL
%
Cidade
96
101
169
174
540
62,2
Opinião
20
8
59
70
157
18,1
Saúde
27
19
21
27
94
10,8
Internacional
47
9
1
1
58
6,7
Nacional
0
4
2
6
12
1,4
outras
0
0
1
6
7
0,7
Ao longo do período analisado, o espaço em que a discussão esteve
mais visível foi na editoria Cidade, apresentando um total de 540 textos
(62,2%). Cabe lembrar que, com exceção de O Globo, os demais jornais têm
editorias voltadas para temas da Saúde, o que reforça a opção dos veículos
pela inclusão destas notícias na editoria Cidade. A editoria Saúde, no entanto,
se configura um espaço não menos importante,
apresentando 67 textos
(10,8%), sendo o terceiro lugar que mais textos sobre o tema apresentou.
É significativo que a editoria Opinião apareça em segundo lugar, com
157 textos (18,1%), tendo em vista que se tratava de um tema que mobilizava
medo e incertezas da população. Não deve ser coincidência que, logo após
a caracterização da doença como pandemia pela OMS e, mais ainda, com a
ocorrência do primeiro caso de óbito (em 29 de junho), tenha havido um
significativo aumento nos textos opinativos (julho e agosto). Mais adiante, ao
analisarmos os formatos mais adotados, qualificaremos melhor que tipo de
textos apareceu nesta editoria.
2
Como ocorreu nos relatórios anteriores, foi adotada a classificação segundo os temas das
editorias. Para uma visão completa sobre as editorias, ver o anexo 1 do I Relatório de Resultados
do OSM/SVS – Maio 2010.
17
Ainda tomando como referência os resultados gerais do período,
observamos que a editoria Internacional foi a quarta a apresentar resultados
mais significativos, o que pode ser entendido mediante o próprio desenrolar
dos acontecimentos da doença. A Influenza H1N1 surge identificada a um
perigo “externo”, localizado no México e outros países, o que justifica a sua
presença
na
seção
internacional.
No
entanto,
tal
ameaça
era
constantemente projetada para uma perspectiva local, ou seja, sua dispersão
pelo mundo levava à expectativa de que chegaria ao nosso país. É
sintomático que nos dois primeiros meses analisados (maio e junho) o assunto
tenha ocupado a editoria Internacional com muito mais freqüência (47 e 9
textos,
respectivamente),
rapidamente
se
evanescendo
nos
meses
subseqüentes (apenas 2 textos, um em julho e outro em agosto). Num primeiro
momento, a abordagem estava voltada à entrada da doença no país e à
maneira como o vírus estava sendo visto nos demais países do mundo. Em
seguida, com o vírus já circulando no Brasil, a cobertura da mídia concentrouse numa discussão mais local, predominando textos nas editorais Cidade e
Opinião, como exposto anteriormente.
Cabe por fim destacar que as demais editorias que apresentaram o
tema foram Ciência e tecnologia, com
2 textos no mês de agosto, 2
Suplementos (julho e agosto, cada um), um Caderno Especial, em agosto, e 2
textos na seção de Cultura, espaço pouco habitual na publicação de temas
sobre saúde.
Por fim, destacamos em nossa análise quantitativa os formatos de
textos jornalísticos mais apresentados3 ao longo do período. O gráfico abaixo
nos auxilia a ter uma visão geral sobre essa distribuição:
3
Conforme o I Relatório de Resultados do monitoramento da Influenza H1N1, os formatos
noticioso e opinativo foram assim conceituados: “O ‘espaço noticioso’ compreende o
agrupamento de informações onde cada veículo, a partir do trabalho de um repórter,
apresenta ao leitor um material jornalístico o qual busca produzir um efeito de sentido marcado
pelas noções de objetividade, imparcialidade e neutralidade. A materialização dessas
informações pode ser vista nas notícias, reportagens, notas, retrancas, boxes, imagens e
infográficos. Já no ‘espaço de opinião’ cada jornal busca identificar que ali a subjetividade é
um elemento constitutivo, isso porque está mais associado às avaliações do que o primeiro
grupo. Representam estes espaços os textos presentes nos editoriais, colunas, artigos, cartas de
leitor e charges”.
18
Gráfico 5
Textos de Influenza H1N1 por Formato no Período de Maio a Agosto
de 2009
Charge
0,3%
Carta/leitor
14,7%
Entrevista
1,5%
Editorial
1,7%
Reportagem
principal
31,2%
Notícia/registro
11,8%
Nota
6,5%
Artigo
Matéria vinculada
27,7%
2,2%
Opinião/colunista
2,3%
Identificamos que há uma prevalência de textos noticiosos (o que, a
propósito, é coerente com a atual concepção de jornal diário, de ser um
espaço mais de “informação” do que de “opinião”), divididos entre
Reportagens Principais/Vinculadas (512), Notícias (102), Entrevistas (13) e Notas
(56), totalizando 686 textos. A forte prevalência de reportagens entre os textos
informativos (75%), seguida das notícias (15%) confirma o que foi anteriormente
sinalizado sobre a importância do tema para os jornais. É bastante significativa
também a presença de entrevistas, havendo aproximadamente uma
entrevista a cada dez dias.
No que diz respeito aos textos opinativos, já explicitamos anteriormente
a importância deste espaço (e, conseqüentemente, deste formato) para o
tipo de cobertura que foi realizada. Verificamos no período monitorado um
total de 185 textos: Carta/Leitor (128), Opinião/Colunista (20), Artigos (19),
Editorial (15), Charges (03).
Dentre os textos de caráter opinativo, chama a atenção a presença da
voz da população, que acompanhou as discussões e buscou inserir temas do
seu interesse na agenda da mídia e das autoridades sanitárias, conforme se
19
atesta pelas 128 cartas identificadas no período. No decorrer do tempo o
volume de cartas publicadas aumentou, crescendo especialmente nos dois
últimos meses: maio: 08; junho: 04; julho: 53 e agosto: 63.
Outro destaque deve ser dado para as Charges. Registramos 3 charges
ao longo do período sobre Influenza H1N1. Como sabemos, a charge busca, a
partir do humor, fazer uma crítica sócio-política a uma determinada
situação/assunto, tendo como base as notícias veiculadas no jornal. Diante
disso, vale destacar que essas 3 charges foram publicadas no jornal O Dia, nas
datas: 18 de Maio; 21 de Julho e 18 de Agosto de 2009.
Por fim, cabe um comentário sobre ao número de editoriais publicados
que trataram da Influenza H1N1. Tivemos no período dos quatro meses um
volume de 15 editoriais. Conforme apresentamos no I Relatório de Resultados
do monitoramento da Influenza H1N1, em maio de 2010, “o Editorial é o
gênero que expressa a opinião da empresa jornalística diante dos fatos, atuais
ou permanentes. O objetivo principal é argumentar ao leitor sobre um fato ou
tema para convencê-lo a compartilhar da mesma opinião”. Deste modo,
percebe-se que a imprensa, com uma certa freqüência, dedicou este
privilegiado espaço do jornal para debater o tema.
20
3. Análise da produção narrativa sobre a Influenza H1N1
3.1 O Globo
Em 2009, o Brasil foi um dos países afetados pelo vírus H1N1, que teve
seus primeiros casos notificados no México e, em pouco tempo, se espalhou
pelas outras nações no mundo. Por aqui, tivemos uma explosão de
informações que contribuíram para que a população construísse boa parte
dos sentidos associados ao que posteriormente classificou-se como Influenza
H1N1 ou Influenza A. Ao olharmos para as narrativas produzidas pelos jornais
diários, identificamos uma verdadeira batalha na tentativa de cristalizar
determinadas construções em torno daquela que também foi chamada de
nova gripe ou gripe suína; este último passaria a ser o termo preferencial
adotado pelos jornais para a classificação da doença.
Num primeiro momento, dado certo desencontro das informações, a
Influenza H1N1 foi caracterizada como um desconhecido sobre o qual
deveríamos manter um estado de alerta. Como ainda não se tinha clareza
sobre a extensão e os efeitos do fenômeno, ora ele era tratado na perspectiva
de uma epidemia – onde se evocava uma associação com a dengue para
dar concretude à gravidade da doença – ora já aparecia como pandemia –
dado o contágio simultâneo em vários países. Em O Globo, para além da
“confusão” entre doença epidêmica ou pandêmica, nota-se que uma das
marcas era lançar dúvidas sobre as informações divulgadas, especialmente as
que partiam do Ministério da Saúde.
Maio
Nesse sentido, não parece ser acidental o fato de, na seção Cartas dos
Leitores do dia 05 de maio de 2009, as correspondências sobre a gripe virem
antecedidas de uma desqualificação. Formada por três longas colunas, cada
uma delas é iniciada pelos seguintes títulos: “Bolsa família”, “Dia da hipocrisia”
e “Rio 2016”. A parte de missivas referentes à Influenza H1N1 vem logo após a
segunda coluna. Em outras palavras, há uma relação de continuidade entre
21
os títulos “Dia da hipocrisia” e “Gripe suína” (05/05/2009, p. 6). A princípio,
inicia-se falando da hipocrisia referida a uma dimensão política, mais
especificamente remetendo-se ao Presidente Lula. No entanto, há um
deslizamento da “hipocrisia” do plano político para o âmbito da saúde, como
revela a última carta, imediatamente anterior ao título “Gripe suína”:
“Hipocrisia é fazer campanha política com dinheiro público, que não tem
direito ao mesmo remédio para o tratamento de linfoma da candidata [Dilma
Rousseff], porque no SUS ele não existe” (Idem). É nesse co(n)texto que se
seguem as cartas especificamente sobre a Influenza H1N1.
É importante lembrar que a forma de organização “espacial” , isto é,
gráfica dos textos em um jornal responde a projetos gráficos e editoriais bem
definidos, bem como desempenha um papel importante na construção dos
sentidos. Da mesma forma, a organização “temporal” dos textos (cronologia
de seu recebimento e de sua publicação) também deve ser levada em
conta. Um dado interessante a se mencionar é o fato de as cartas dos leitores
não responderem a nenhuma ordem cronológica (crescente ou decrescente)
haja vista o fato de, pelo menos as desta edição, serem de datas anteriores
ao dia cinco.
Ao olharmos especificamente para as mensagens organizadas pelo
título “Gripe suína”, verificamos que seu conteúdo evoca sentidos próximos a
idéias como “hipocrisia”, “politicagem” e necessidade de “bom senso”,
dialogando com seu co-texto, os títulos dos editoriais situados naquela mesma
página: “Usina de votos” e “Bom senso”. Na primeira, o remetente usa a
dengue (associando uma doença à outra) para ilustrar que as autoridades
não conseguem combater epidemias, destacando que elas [autoridades]
“vão esperar a primeira tragédia para proteger os cidadãos brasileiros” (Idem).
Ainda que a remissão seja à dengue (epidemia), há implicitamente também à
pandemia, especialmente pela menção à “proteção dos brasileiros”. Na
segunda correspondência, a associação é explicita: “Cheira mal a falta de
eficiência dos hospitais em que estão internados. Em caso de pandemia, é
assim que o Brasil vai agir? O Brasil pioneiro na produção de vacinas para
influenza não sabe afirmar resultados positivos ou negativos? Acredite quem
quiser”. Esta última frase exerce um poder de influência sobre o enunciado
22
que tende a escapar a uma análise mais apressada. “Acredite quem quiser” é
uma expressão muito próxima de “Acredite se quiser”, uma espécie de bordão
utilizado por um apresentador de um programa onde se narravam coisas
incríveis,
muitas
das
quais
quase
inacreditáveis.
Ao
final
de
cada
apresentação, o narrador interpelava o telespectador com a frase “acredite
se quiser” depois de ter mostrado que aqueles “absurdos” realmente
aconteceram. Nesse sentido, nossa proposição é que “acredite quem quiser”
conecta o imaginário de leitores no sentido de lançar desconfiança sobre as
estratégias adotadas pelas autoridades [presente já na carta anterior].
As terceira e quarta cartas realizam tarefa semelhante às anteriores.
Pela construção presente naquela [antecipatória sob vários pontos de vista],
“A gripe suína já matou dezenas de pessoas no mundo! [pandemia] São
centenas de infectados em todo planeta! [pandemia] E a dengue? Quantos
já matou somente no Rio no último verão? [epidemia] Se nossas autoridades
administrassem o planeta essa gripe suína já teria virado a gripe espanhola!”
(Idem, grifos e acréscimos nossos).
As recorrentes associações anteriormente apontadas entre Influenza
H1N1 e dengue estão presentes, e uma outra cadeia associativa se abre: a
remissão à gripe espanhola. Do mesmo modo, permanece a (con)fusão entre
pandemia e epidemia na qual, pela ótica do leitor (e poderíamos dizer,
também a do jornal), o país não estaria preparado para lidar com eventos
desta natureza. Na verdade, a última carta ajuda a fechar um determinado
sentido sobre o conjunto das correspondências, pois a solução já começava a
ser dada: “Se o Brasil não consegue controlar epidemias de dengue,
imaginem uma nova moléstia como essa? Nessa hora, precisávamos de um
Oswaldo Cruz que, sem medo de críticas e de forma radical, erradicou a febre
amarela no Brasil, e isso foi em 1907” (Idem).
É curioso que aqui se solicita a intervenção do Estado, inclusive
insinuando o uso de métodos autoritários (“sem medo de críticas e de forma
radical”). Tal resposta ocorrerá em 2010, quando a principal estratégia do
governo, representado por ações do Ministério da Saúde, será a de imunizar a
população (vide relatórios sobre o monitoramento sobre a Influenza H1N1 em
2010). Mas, tal processo não deixará de receber críticas ora por “não imunizar
23
a todos os brasileiros” ora por “vacinar sem oferecer segurança” ou ainda
evocando a Revolta da Vacina.
Assim, o que parece ser um princípio norteador dos discursos produzidos
em 2009 por O Globo é o constante estado de alerta que deve ser mantido
pela população contra as ações capitaneadas pelo governo. Inicialmente
tratado em editorias voltadas para temas internacionais como “O Mundo”, há
uma marca (um selo) que acompanhará as informações relativas à Influenza
H1N1: “Alerta na Saúde” ou simplesmente “Alerta”. Como não se dispunha de
muita informação àquela altura, “alerta” e “prevenção” seriam os motes que
orientariam as construções narrativas de O Globo. Com essa perspectiva, a
entrevista realizada com a diretora-geral da Organização Mundial de Saúde
(OMS), Margaret Chan, é bem representativa dos contornos que delineiam a
cobertura jornalística sobre o tema. Com o título “Vírus de gripe são
imprevisíveis” e subtítulo: “Diretora-geral da OMS alerta para relaxamento com
nova doença” (O Globo, 05/05/2009, p. 25 [O Mundo], grifos nossos), busca-se
evidenciar o quanto a doença requer prontidão e firmeza em seu combate.
Não nos parece fortuita a caracterização dessa autoridade pelo matutino,
quando este diz que “não é a primeira vez que Margaret Chan enfrenta vírus
emergentes de gripe”. Destaca ainda que “em 1997, como chefe do
Departamento de Saúde de Hong Kong, freou um surto de H5N1 que
reapareceu em 2003 no Vietnã e originou a epidemia de gripe aviária. Em
seguida, a diretora geral da OMS aparece falando: “Tomei medidas duras (...)
ordenei o abate de 1,5 milhão de aves, e não deixei que os dois vírus se
misturassem” (Idem, grifos nossos).
O eixo da entrevista da diretora-geral é a imprevisibilidade do vírus, que
pode se manifestar, inclusive, de forma diferente e anos depois. Nesse sentido,
há duas construções paralelas que são produzidas por O Globo durante o
processo de cobertura jornalística da Influenza H1N1: o primeiro é o de que só
medidas duras (ainda que não se fale claramente sobre quais medidas seriam
necessárias) seriam capazes de conter o avanço da doença; o segundo, o de
atualização no imaginário social brasileiro sobre a conexão do vírus Influenza
H1N1 com a “Gripe aviária” ou a “Gripe espanhola”, especialmente quando
em resposta à ultima pergunta da entrevista (“Sempre se compara uma
24
epidemia com as anteriores. Faz sentido?”), Margaret Chan responde: “A
última pandemia ocorreu há 40 anos [conectam-se os eventos no tempo]. Até
agora, o vírus foi suave, mas é preciso ter cuidado com a possibilidade de ela
atingir mais gravemente as pessoas. É uma doença nova e merece toda a
atenção” (Idem, acréscimos nossos). Longe de ser uma ligeira “confusão”
entre pergunta (sobre epidemia) e resposta (sobre pandemia), os sentidos
apontam para a construção de um estado de suspeição generalizada,
especialmente pela capacidade (nesse momento virtual) de letalidade do
vírus. Com essa perspectiva, não nos parece acidental a imagem (presente
logo abaixo e ao final da entrevista) sobre crianças chinesas usando
máscaras, tampouco o título da matéria ao lado (“Casos suspeitos no Brasil
aumentam de 15 para 25). No caso da foto, evidencia-se o potencial de
letalidade, destacando-se o país com população superior a um bilhão de
habitantes; com o título, a progressividade da gripe. Assim, estabelece-se
também o vínculo entre países de economia emergente (Brasil, China) e vírus
emergentes, reforçando-se a necessidade de medidas duras e não
“hipócritas”.
Pó fim, cabe ainda mencionar a idéia de um perigo “externo”, que vem
de fora. Ainda que nesse momento já houvesse casos relatados de
contaminação nos EUA, o jornal no entanto aponta a dimensão de
discriminação especificamente no México, trazendo o acionamento de
estereótipos de natureza étnica nos discursos sobre a saúde.
No dia nove de maio, o jornal traz em sua primeira página, e com destaque, a
chamada “Rio tem 1º caso de gripe suína contraída no Brasil”. No texto, com
“O Ministério da Saúde confirmou ontem que o Rio de Janeiro tem o primeiro
caso de gripe suína contraída em solo brasileiro” (O Globo, 09/05/2009,
primeira página) evidencia-se que “um surto da doença no Brasil é inevitável”
(Idem). É interessante observar que, diferente da maioria dos casos onde a
Influenza H1N1 foi tema da cobertura jornalística desse periódico, há um
editorial destacando que não era hora de afrouxar a vigilância ou baixar o
alerta. Com o título “Não relaxar”, o editorial formula a opinião de que “a
resposta global à gripe suína, inicialmente hesitante, ganhou eficácia à
medida que o vírus começou a se espalhar [primeiro caso confirmado no
25
O Globo, 09 de maio de 2009
Rio]”. Reforça que as medidas de prevenção precisam ser mais “integradas”
(Idem); embora o editorial elogie a transparência com que o caso foi tratado
e a melhoria do sistema de alerta em termos mundiais, no entanto ainda
identifica a necessidade de investir em tecnologia para prevenção, seja para
diagnóstico, seja para produção de vacinas.
Os sentidos propostos pelo editorial são potencializados pelas “Cartas
dos Leitores”, organizadas – nesse tema específico - sob o título “E a gripe
chegou...”. Se no editorial há um tom cauteloso porém confiante (não
devemos relaxar, mas parece haver progressos no enfrentamento das
26
doenças a nível mundial), observa-se um contraponto no âmbito nacional. As
quatro missivas – que são ladeadas pelas de título “Nova sistemática” e
“Novas regras” – questionam a competência e interesse das autoridades
sanitárias brasileiras no combate à nova doença. Destacaremos a última carta
pela riqueza semântica da edição. A leitora (mas, em alguma medida
também o jornal que lhe deu voz) adverte: “Se o ministro da Saúde disse que a
gripe suína está sob controle no Brasil é bom a gente tomar cuidado, pois tudo
que eles falam é exatamente o contrário”.
A carta em alguma medida revela uma perspectiva de desencanto da
sociedade brasileira com a esfera política no país e, ao mesmo tempo, o
espaço que a imprensa ocupa. Esta última se apresenta aos olhos do leitor
escudada nas noções de objetividade, imparcialidade e neutralidade. No
entanto, apesar da forte associação a esses valores, a imprensa não é menos
parcial, na medida em que oferece sentidos aos leitores através da forma
como seleciona, edita e organiza os textos dispostos, em todos os seus
formatos: cartas, informações, artigos. Na forma como se apresentam, os
veículos parecem só tomar posições nos editoriais.
Mas,
essa
posição
antagônica
assumida
pelos
periódicos
vai
gradativamente se manifestando quando nos debruçamos sobre um caso
como a Influenza H1N1. Ainda no dia nove de maio, na editoria Rio – o que
nos faz ter uma atenção especial em função da perspectiva de uma
pandemia ser tratada num espaço convencionalmente destinado às questões
do estado do Rio de Janeiro – podemos notar que, sob o selo “Alerta na
Saúde”, foram produzidas informações que colocavam em estado de
vigilância as ações e os pronunciamentos de autoridades. Do ponto de vista
da análise cotextual, a página 12 é bem rica. Sob o título “O 1º caso de
contágio no Brasil” (O Globo, 09/05/2009, p. 12 [Rio]), que ocupa todas as
colunas (num total de quatro) da página – a diagramação do jornal é feita
em quatro ou seis colunas –, o veículo organiza suas informações (textuais e
imagéticas) a fim de propor determinadas sentidos. Um deles pode ser
percebido no posicionamento entre o título principal e um dos intertítulos
(como, por exemplo, “Ministério admite falta de controle no início”) presentes
na reportagem.
27
Ao nos determos no texto, podemos perceber que a narrativa vai
conduzindo o leitor à idéia de que o primeiro caso foi registrado porque o
ministério falhou ao não controlar devidamente os casos suspeitos. Parece
surgir, no conjunto dos textos, a idéia de “inevitabilidade” no contágio. Por um
lado os pronunciamentos anteriores (OMS/Margareth Chan, especialistas etc.)
vinham dizendo que era uma questão de tempo a chegada do vírus ao país;
por outro, o jornal parece lançar a idéia de que “inevitabilidade” da doença
se deu não exatamente devido à difusão do vírus, mas à falha das
autoridades sanitárias em cumprir seu papel de forma adequada. Nesse
sentido, justifica-se o “Alerta na saúde”, particularmente em função de “os
pacientes contaminados com a gripe suína no Brasil terem passado um
período em que expuseram outras pessoas ao contágio, antes de entrarem no
sistema de isolamento” (Idem). Ora, se o paciente pode estar com o vírus dias
antes dele se manifestar, se houve falha no controle de pacientes
contaminados, não estaria o jornal “autorizado” a propor um estado de
suspeição generalizada e um alerta na saúde? Ao voltarmos à página do
veículo, veremos que dois dos principais protagonistas em torno do debate
sobre as ações mais eficazes para o combate à H1N1 já estariam sendo
apresentados. Nas imagens, observa-se que não se tratam das figuras em
primeiro plano (Sérgio Cabral ou a paciente usando máscara), mas dos atores
que aparecem exatamente em segundo: o ministro (da Saúde) José Gomes
Temporão e o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (Hospital do
Fundão). Ou, se quisermos inverter personagens e atribuições, o Ministério da
Saúde e o epidemiologista Roberto Medronho.
Já na página 14, a ênfase na necessidade de manutenção do “Alerta
na Saúde” se mantém como um princípio norteador do jornal, especialmente
em função da “fragilidade da vigilância”. Sob o título “Rapaz doente viajou
com mais 850 pessoas” e subtítulo “Cerca de cem passageiros, que foram a
torneio esportivo no México, são sócios ou funcionários de um mesmo clube”,
a informação circula em torno do primeiro caso confirmado de Influenza H1N1.
No texto, o foco da matéria ainda é “a falha no controle” que, pela forma
como vem sendo construída, parece não ter sido só no início: “Parentes do
jovem (...) contaram ontem que ele não recebeu qualquer atenção das
autoridades sanitárias do México: ‘ele não recebeu nenhuma orientação no
28
aeroporto. A gente lê que estão tomando muito cuidado, mas descobrimos
que não é verdade. Ele não teve que deixar telefone, não foi abordado, não
aconteceu nada’, disse um tio” (Idem, p. 14, grifos nossos). Nessa passagem, é
na ambiguidade que se estabelece a possibilidade de aproximação (e de
construção verossímil) entre o enunciado e a ação do governo brasileiro.
Dessa forma, potencializam-se os sentidos em torno da noção de que havia
uma grande possibilidade de o governo brasileiro – representando nesse
processo pelo Ministério da Saúde – estar faltando com a verdade no que diz
respeito à tentativa de controle, e posteriormente de combate, da Influenza
H1N1.
A informação prossegue trazendo a “versão” do ministro da Saúde para
o
episódio
–
afinal,
cumpre-se
aqui
um
dos
pilares
do
jornalismo
contemporâneo, que é o de dar voz aos personagens implicados na matéria –
ao conceder uma entrevista dizendo que “o rapaz já chegou ao Brasil com
sintomas da doença. Segundo autoridades de saúde do estado e do
município do Rio, o monitoramento do jovem não começou no aeroporto
porque não houve comunicação sobre a suspeita” (Idem, grifos nossos). No
entanto,
numa
aparente
contradição
(uma
vez
que
“não
houve
comunicação sobre a suspeita”), o ministro garante: “O rapaz já veio com
sintomas e recebeu informações no aeroporto dos técnicos da Anvisa. Ele
tinha essa informação” (Idem). No encerramento do texto, conclui os
repórteres responsáveis pela apuração/redação da matéria: “à noite, no
entanto, ele admitiu que a informação estava errada” (Idem). Ora, quem
admitiu: o ministro, o jovem ou o tio? Como não há clareza sobre a autoria do
“desmentido” da última frase, abre-se um universo de possibilidades para que
o leitor empregue sentidos sobre aquilo que está lendo. Se o ponto de partida
são as construções que lhe estava sendo oferecidas nos últimos dias, sobre
quem recai a responsabilização pela mentira?
A informação veiculada através da viagem do rapaz que adoeceu
parece buscar estabelecer um outro tipo de construção de sentidos que
caminha paralelamente ao que temos apontado até aqui. Trata-se da
questão que envolve os deslocamentos (entre países e, posteriormente, entre
estados), haja vista o fato de ela aparecer no cerne do problema da H1N1.
29
Assim, percebemos que a questão do espaço ocupa uma centralidade que
não deve ser desprezada. Para sermos mais claros, um dos pontos da análise
dos discursos sociais produzidos por O Globo é a perspectiva de preservação
(proteção) do espaço (territorial), primeiro com relação às fronteiras brasileiras,
num segundo momento com às do Rio de Janeiro. A mudança de editoria
(deslocam-se os textos de “O Mundo” para “Rio”) é um dos elementos que
sustenta nossas proposições e será no cruzamento da forma (editoria) com o
conteúdo (através da análise dos enunciados) que tal perspectiva ganhará
densidade. Assim, se na página 14 o “grande antagonista” brasileiro era o
México, na 16, passam a ser os estados próximos ao do Rio de Janeiro que
contribuiriam para a construção de limites invisíveis de proteção.
Nunca é demais recuperar que a cada página (fora da Capa, do
Editorial ou das Cartas de Leitores) o selo “Alerta na Saúde” está presente.
Dessa forma, quando o leitor se depara com informações como as
organizadas sob o título “Santa Catarina confirma o primeiro caso” e subtítulo
“Menina de 7 anos foi internada assim que voltou [de viagem] de Flórida; São
Paulo passa a ter dez pacientes suspeitos” ou “Em Minas, quatro estão
internados”, com subtítulo “Outros 4 doentes estão em observação e só um
caso foi confirmado” (O Globo, 09/05/2009, p. 16 [Rio], acréscimo nosso), há
um convite para que o estado de “Alerta”, justificado pelo que está
acontecendo em “o caso confirmado em Santa Catarina”, pelos “suspeitos
em São Paulo” ou pelos “observados em Minas”. Quando olhamos
superficialmente o texto da primeira matéria (“Santa Catarina confirma o
primeiro caso”), podemos ter a falsa impressão que a imparcialidade e a
neutralidade do jornal ali se manifestam, especialmente porque há a oposição
(logo, são ouvidos os “dois lados”: oposição e governo) entre o que diz o
então governador de São Paulo, José Serra (PSDB): “a doença será enfrentada
com determinação, não há motivos para pânico” e a avaliação do
presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que afirmou que “a
situação está tranqüila” e que “o governo continuará seguindo as orientações
da Organização Mundial de Saúde (OMS)” (Idem).
Ora, se recuperarmos a correspondência publicada em Cartas dos
Leitores, sugerindo que “tudo que eles falam é exatamente o contrário”, então
30
os leitores desse matutino não deve ficar tranqüilos, mas sim alertas. Ainda que
as palavras de José Serra possam encontrar uma certa correspondência com
o que falou o presidente Lula, não podemos ingenuamente supor que as duas
têm o mesmo peso na construção enunciativa proposta pelo jornal. Afinal, se
a primeira aparece no corpo do texto, é exatamente a segunda que vem em
destaque no único intertítulo que a matéria possui: “‘a situação está tranqüila’,
diz presidente Lula”. Poderíamos discorrer sobre a função do intertítulo dentro
de um texto um pouco maior, ou ainda sobre a desqualificação do que “diz”
um Chefe de Estado. Mas, preferimos dar destaque ao box presente quase
que no centro da página 14 para continuar ressaltando a questão do alerta e
da proteção de fronteiras: “Nas farmácias: Corrida atrás de máscaras no Rio”.
Longe de ser um simples título, a materialidade territorial (“farmácias do Rio”)
se mistura ao deslocamento (corrida) sob o prisma da solução (máscaras),
ressaltando a necessidade do alerta (manifesto numa suspeição generalizada,
afinal, os sintomas podem levar alguns dias para aparecerem).
Ao caminharmos em direção a página seguinte (17), onde o “Alerta na
Saúde” continua a orientar as leituras, nos vemos diante de um quadro de
referências (textuais e de sentidos) onde a inevitabilidade para a proposição
do jornal (“Alerta na Saúde”) parece ser evidente. Nossa avaliação é de que
a matéria principal, organizada sob o título “Medidas do Brasil não impedirão
surto, diz OMS” e subtítulo “Organização confirma que monitorar viajantes
ajuda, mas lembra ser difícil detectar casos e vigiar fronteiras terrestres” (O
Globo, Idem, p. 17, grifos nossos), dispensaria uma análise endógena,
especialmente porque a riqueza da página como um todo também é
relevante. Numa oposição simétrica à informação veiculada no texto sobre o
qual acabamos de mencionar, encontramos os obituários que, diferente de
edições anteriores, não traz título (ainda que seja um espaço cuja finalidade é
evidente, frequentemente O Globo traz o título “Obituário” para organizar os
avisos fúnebres), produzindo a sensação de que se trata de um mesmo
conjunto informativo.
Entre as “medidas que não impedirão o surto” e os avisos fúnebres,
encontramos outros dois textos que contribuíram em larga medida para a
construção dos sentidos que estamos destacando neste trabalho. Iniciemos
31
pelo que está organizado sob o título “A ameaça da fusão com a gripe
aviária” e subtítulo “Possibilidade é estudada por cientistas”. Ele produz dois
poderosos efeitos sobre o universo de referências de leitores (que tende a não
se restringir só aO Globo, muito embora seja o título usado neste jornal) e
estabelecem conexões com o imaginário social (tanto na curta quanto na
longa duração). O primeiro efeito encontra correspondência direta na
entrevista realizada com a diretora-geral do OMS, publicada na edição de
05/05/2009, onde aquela autoridade destacava a “imprevisibilidade do vírus
de gripe” e a “letalidade do vírus H5N1 (que causa a gripe aviária)”. Na
mesma oportunidade, Margaret Chan destacava que “o H1N1 precisa ser
tratado com muita energia”. Ora, se naquela informação já se tratava dos
riscos da combinação entre o H5N1 e a SARS (síndrome respiratória aguda
grave), um dos sintomas da H1N1, como possibilidade real de o número de
mortes superar a ordem de 50% dos casos de pessoas infectadas e de o medo
e os prejuízos econômicos também se acentuarem, que tipo de fantasias
poderia orientar as ações dos brasileiros que lessem sobre a “possibilidade de
o vírus da gripe suína se fundir com o da gripe aviária – o que poderia ter
efeitos aterradores”?
De forma análoga, porém pensada numa conexão com a longa
duração, temos os laços construídos em torno da aproximação da gripe H1N1
com a própria aviária (2003) e a espanhola (1918). Nesse sentido, evoca-se o
conhecimento (ou as lembranças) dos leitores sobre os dois episódios, que
produzem como resultado prático o aumento do medo, do pânico e da
necessidade de “Alerta na Saúde”. Nesse sentido, quando são elaborados
pronunciamentos das autoridades no sentido de acalmar a população,
tentando neutralizar a sensação de insegurança, é relativamente “natural”
que tais iniciativas não encontram eco nas referências simbólicas sobre a qual
os leitores tenham registro. Quando Margaret Chan fala da experiência de
1918 durante sua entrevista, no campo do imaginário, 1918, 2003 e 2009 (assim
como seria posteriormente em 2010) passam a fazer parte de um mesmo
conjunto de eventos, ainda que estejam separados no tempo e no espaço.
Dessa forma, quando o matutino carioca registra que “EUA já tem mais casos
que o México”, porque “Obama minimiza virulência do H1N1”, tendo também
o “Canadá sua primeira morte” (Idem), evidencia-se uma vez mais a
32
necessidade de autoridades (ainda que estas tentem tranqüilizar os demais
membros da sociedade) e população em geral estar em “Alerta na Saúde”.
Junho
Em nosso processo de análise, observamos uma pequena mudança na
cobertura dos jornais durante o mês de junho de 2009, traduzida em menos
informação e menos espaço para a Influenza H1N1. Logo de principio
observamos a permanência da preocupação com a questão das fronteiras,
expressa nos textos – não por acaso – publicados da editoria O Mundo. O título
é “Gripe mata no Chile o 1º sul-americano” e o subtítulo “OMS diz que o
mundo está mais perto do alerta máximo de pandemia”. Cabe prosseguir e
investigar o que dizem suas linhas: “A disseminação da chamada gripe suína
(uma mistura do DNA do vírus suíno, aviário e humano) fez com que a
Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciasse ontem que o mundo
chegou mais perto do nível máximo de sua escala de alerta de pandemia
(epidemia mundial)” (O Globo, 03/06/2009, p. 32 [O Mundo], grifos nossos).
Ao observarmos as informações descritas no parágrafo anterior, dentro
da organização gráfica da página, face às notícias, às reportagens, às cartas,
aos editoriais, publicados até o dia 03/06, não podemos desprezar a matéria
principal. Menos pelo conteúdo, mais pela forma, a imagem presente entre os
dois textos exerce uma interessante influência. Nela, vemos a foto de uma
jovem chinesa usando máscara cirúrgica (o que aproxima as duas
construções textuais) com o número 64 pintado. Como a produção imagética
também é discurso, não nos parece mero detalhe que, ao estar com a
máscara sobre o rosto, o 64 esteja exatamente em cima de sua boca,
evocando a idéia de censura.
Estaria o jornal suscitando uma cadeia
associativa entre essa idéia e a postura do governo na liberação de
informação sobre os efeitos da Influenza H1N1? Talvez seja oportuno
mencionar que a reportagem principal é sobre o autoritarismo do governo
chinês com relação à liberdade de expressão. Sob o título “China bloqueia
sites para evitar manifestos” e subtítulo “Estudantes preparavam mensagens na
internet para lembrar 20 anos do massacre na Praça da Paz Celestial”, o
33
matutino informa que “em mais uma medida de censura, o governo chinês
bloqueou redes sociais em todo o país” (Idem).
O Globo, 03 de junho de 2009
Ao lermos todo o conteúdo da informação, não há qualquer dado que
justifique a presença daquele 64 à frente da máscara; no entanto, ainda que
os sentidos sejam incontroláveis (não se pode prever como serão recebidos
pelos leitores), é possível que muitas pessoas ainda associem o número “64” a
um determinado período da história do país . Mais ainda, ao aproximar os dois
Estados (chinês e brasileiro), não estaria o veículo novamente produzindo uma
aproximação entre as gripes “suína” e “aviária”? Não estaria sendo também
34
produzida uma aproximação entre a pouca informação sobre a H1N1 e a
ausência de liberdade de circulação de informação na China? Não seria
paradoxal estarmos perto do “alerta máximo de pandemia” tendo tão pouca
informação sobre o processo? Quando voltamos à censura chinesa, podemos
ler no último intertítulo da matéria que “E-mails de jornalistas já foram
monitorados” (Idem), o que poderia potencializar o sentido de que nossa
imprensa estaria sendo “impedida” de realizar seu trabalho. Paralelamente,
julgamos que também não deve ser considerado um dado marginal a
presença do Chile na página 32. Longe de querermos indicar qualquer
falsidade na morte anunciada na reportagem, o caso chileno passa ser
exemplar sobre dois pontos de vista: o primeiro pela proximidade territorial
com o Brasil, o que acentua a necessidade de alerta nas “fronteiras terrestres”;
o segundo, pela proximidade histórica, afinal ambos passaram por longas
ditaduras militares e são hoje duas das economias emergentes da América do
Sul.
Uma das reportagens de capa de O Globo, no dia 30 de junho de 2009,
parece indicar a plausibilidade da questão do cuidado com as fronteiras
terrestres, isso porque é a manchete “Lágrimas e Máscaras” que traz a
imagem de pessoas chorando (usando máscaras) sobre o caixão da primeira
vítima fatal do vírus H1N1 no Brasil. Na legenda, “Com máscaras contra a gripe
suína, parentes choram em Erechim (RS) no enterro de Vanderlei Vial, primeiro
morto pela doença, contaminado na Argentina. A província de Buenos Aires
decretou emergência” (O Globo, 30/06/2009, primeira página). Para além da
consolidação da máscara como um dos principais símbolos do combate à
Influenza A, não nos parece fortuito a referência à província de Buenos Aires –
mais adiante veremos que o problema atinge aquele país quase que em sua
totalidade. Dentro do conjunto de significados atribuído à palavra província,
parece-nos que, no senso comum, celebrou-se quase que exclusivamente o
sentido de “região mais afastada do governo central e, portanto, mais
atrasada, menos sofisticada; interior” (Houaiss, 2002). Assim sendo, não estaria
sendo proposta a construção de um sentido em torno da noção de que o
“atraso argentino” seria um dos principais responsáveis pela contaminação – e
posteriormente da morte – de brasileiros?
35
Tal como já apontamos em outros momentos, as Cartas dos Leitores
exerceram um papel preponderante na construção dos sentidos propostos
para a H1N1 em 2009. Mantendo a estratégia de “divulgar as demandas de
seus leitores”, o jornal publica três correspondências organizadas sob o título
“Gripe suína” (O Globo, p. 6, Cartas dos Leitores) – também não deve ser
considerado um acaso o jornal manter a designação “gripe suína” mesmo
durante período em que Influenza H1N1, Gripe A, Influenza A, já apareciam
nomeando
a
doença.
Poderíamos
simplesmente
analisar
as
cartas,
contemplando a organização narrativa presente nelas, e já seríamos capazes
de apontar algumas produções de sentido, mas cremos que a força dada
pelos cotextos oferece uma potencialidade discursiva que não devemos
negligenciar. Nesse sentido, o editorial do veículo (“Inaceitável”) e a
organização da manifestação dos leitores sobre a gripe entre as de título
“Senado em crise” e “Golpe em Honduras” dão novas cores ao conteúdo de
tais textos. Na primeira carta, a leitora argumenta que o “esquema de
proteção anunciado em banners, alto-falantes, é mentiroso”. Note-se que, do
ponto de vista da “reprodução” desse conteúdo pelo jornal respeita a opinião
de quem a manifesta. No entanto, o que confere centralidade à afirmação é
o fato de a remetente ter “chegado dia 27/06 de Porto Alegre com os
sintomas alardeados nos aeroportos, como tosse, febre e dor de cabeça.
Viajei de máscara, pois estava no grupo de risco. No Galeão [Rio], procurei a
Anvisa, não havia ninguém (Idem, grifos e acréscimo nosso).
Ainda que seja até certo ponto desnecessário, gostaríamos de lembrar
que a publicação de cartas de leitores não é vinculada à quantidade de
correspondências recebidas por uma redação. Muito pelo contrário, há uma
seleção prévia dessas mensagens – assim como ainda passam por um
processo de edição de seu conteúdo. Nesse sentido, o fragmento reproduzido
no parágrafo anterior é, antes de tudo, produção narrativa que contribui para
a construção de sentidos propostos por qualquer veículo de comunicação.
Dessa forma, nos vemos diante de uma manifestação de opinião que,
associada à manchete do jornal, poderia ser compreendida dentro de um
mesmo contexto discursivo, gerando, dentre tantas possíveis, a seguinte
dedução: a morte produzida em Erechim (RS) é fruto da falta de vigilância nas
fronteiras externas (Brasil – Argentina); ao chegar no Rio, vindo de Porto Alegre
36
(RS), constatou-se que não há esquemas de proteção (“é mentira”, diz a
leitora); logo, as mortes que porventura acontecessem no Rio teriam estreita
conexão com a inexistência de esquema de proteção do país.
Julgamos ser interessante trazer o conteúdo das outras duas cartas, que
parece reforçar a construção por nós realçada. Note-se que algumas
palavras-chaves serão utilizadas nas três mensagens, tais como: Rio, Porto
Alegre, Rio Grande do Sul, máscara, risco, voo, mentira, para ficarmos apenas
nestas. Assim sendo, quando a segunda correspondência descreve que “Assim
como a crise econômica – que Lula disse ser uma marolinha – atingiu em cheio
a economia do país (...) também a garantia feita pelo ministro Temporão
revelou-se fajuta [mentirosa]” (Idem, acréscimo nosso). Para continuar em
seguida: “o mesmo ministro que antes garantia que a pasta dispunha de
plenas condições para enfrentar o problema agora vem a público para
choramingar pela primeira vítima fatal [RS]” (Idem, acréscimo nosso). Já na
terceira mensagem, o leitor reclama do fato de ter sido “exposto ao risco”
após embarque num voo em São Paulo com destino ao Rio (onde mora). O
que dá a esse movimento (voo) especificidade é o fato de “após a
decolagem, perguntar à aeromoça de onde o avião vinha e ela me
responder: Buenos Aires!” (Idem).
Ao passarmos para um espaço “mais informativo”, percebemos que
boa parte dos sentidos propostos por O Globo em suas páginas (e também
nos dias precedentes) volta a ser materializado. Sob o título “Escola na Gávea
tem 6 casos de gripe suína” (O Globo, 30/06/2009, p. 11 [Rio]), o veículo mostra
que não havia aumento do registro de casos suspeitos de contaminação pelo
vírus H1N1: “No Rio, o número de casos confirmados continua o mesmo (66),
segundo o Ministério da Saúde” (Idem). No entanto, no mesmo texto, é
ressaltado que a “decisão de adiantar as férias representa uma ação
preventiva” (Idem, grifos nossos). A matéria, tal como apontamos no trecho
reproduzido acima, destaca que a prevenção ainda é a melhor estratégia
para se evitar o contágio, especialmente porque, como aparece no box ao
lado, a eficácia do Tamiflu começava a ser colocada em dúvidas:
Considerado um dos principais medicamentos no
tratamento da gripe suína, o antiviral Tamiflu pode não
surtir efeito em alguns pacientes. Funcionários do sistema
37
de saúde da Dinamarca informaram ontem ter registrado
o primeiro caso no mundo da gripe [nesta edição há o
registro da “primeira morte de um brasileiro”,
potencializando o sentido de primeiro] resistente ao
remédio (...). Como o Tamiflu não apresentou resultados,
os médicos passaram a tratar o paciente com o remédio
Relenza, que também é usado para combater a gripe
(“Dinamarquês teve gripe resistente antiviral”. Idem,
acréscimos e grifos nossos).
A partir da informação sobre o Tamiflu, ratifica-se a validade da ação
dos médicos – cuja autoridade aparece refletida na organização e
credibilidade da ordem médica em nosso país –, através do anúncio das
“Eleições – Conselho Federal de Medicina”. Ao voltarmos nossos olhos para a
página, encontramos ainda a informação vinculada sob o título “Buenos Aires
descarta emergência” e subtítulo “Duas cidades gaúchas entram em alerta e
vítima é sepultada no Brasil” – não podemos desprezar o fato de tanto essa
matéria vinculada quanto o box e a convocatória do Conselho Federal de
Medicina estarem organizados dentro do espaço coberto pelo título da
matéria principal. Nesse sentido, mesmo em se tratando de uma informação
simultaneamente sobre Buenos Aires (que tenderia a aparecer na editoria O
Mundo) e sobre Rio Grande Sul (na editoria O País), interessa-nos perceber o
quanto ela deve ser lida em articulação – e assim num sentido pretendido –
dentro da editoria Rio. Ao noticiar que as escolas de Itaqui, em função da
situação de emergência decretada no município (“gripe A”), terão suas aulas
suspensas por dez dias (Idem), a conexão com a matéria principal é imediata
(“colégios antecipam férias como medida preventiva”).
Ao avançarmos no texto, é possível notar que um segundo município
(São Gabriel) também adotou o expediente de suspender as aulas. Para além
da necessidade do uso de máscaras, há outro “alerta” sobre a necessidade
de conter o “mal” que vem de Buenos Aires, afinal, seria mera coincidência o
fato de evidenciar-se a ocupação profissional da primeira vítima fatal da
Gripe H1N1 no Brasil, o caminheiro Vanderlei Vial? Não estaria aqui a palavra
caminhoneiro funcionando como metáfora para o movimento: movimento
esse da transposição de fronteiras, como entre Brasil e Argentina, por
exemplo?
Ao anunciar que “um dia depois de ter sofrido a pior derrota eleitoral
desde que chegou ao poder, a presidente Cristina Kirchner disse ontem que
38
seu governo está tomando as ‘medidas necessárias’ para combater o vírus
H1N1” (Idem, acréscimo nosso), nos perguntamos sobre por que motivo seria
veiculado um assunto sobre “política internacional” dentro da editoria Rio?
Guardaria alguma conexão com a vigilância de fronteiras (nacional e
internacional) como estratégia de prevenção da contaminação no Rio de
Janeiro? Note-se que seja a resposta às nossas perguntas positiva ou negativa
ela não atenua o fato de que o conjunto das informações (textuais e/ou
imagéticas) representadas na página 11 acaba contribuindo para a restrição
de sentidos em torno da questão do vírus H1N1. Na verdade, ao evidenciar
que “Cristina minimizou a renúncia da ministra da Saúde, Graciela Ocaña, que
teria abandonado seu cargo por fortes divergências com a Casa Rosada em
relação às medidas de combate à gripe suína” (Idem, grifos nossos), nos
parece que o jornal justifica o “Alerta da saúde” que vem orientado a
cobertura jornalística sobre a Influenza A até então.
Julho
É interessante observar que o reforço de algumas das medidas
destacadas no parágrafo anterior será corroborado por personagens que se
manifestam na seção Cartas dos Leitores de O Globo. Não deveria ser
considerado um dado periférico o fato de tais correspondências (associadas à
gripe H1N1) virem, além de assinadas, com a designação de seus autores.
Assim, temos duas mensagens que valem a pena ser recuperadas. No caso da
primeira, assinada por Plínio Resende (diretor médico do Hospital Barra d’Or),
trata-se de uma resposta ao Sr. Francisco de Mattos Neto (do dia 02/07) sobre
a rotina de atendimento do hospital que estaria se baseando nas orientações
da Secretaria de Vigilância em Saúde:
Como parte dessa rotina, foi afixado na sala de
espera da Emergência um cartaz dirigido aos pacientes
com suspeita da infecção. Após exame inicial e triagem,
o paciente é encaminhado para uma sala de
isolamento, onde são tomadas todas as medidas para
controle da disseminação da infecção, incluindo
máscaras e equipamentos de proteção individual. Sem a
sinalização do paciente na entrada, o profissional de
saúde não tem como individualizar os cuidados de
prevenção preconizados pelo Ministério da Saúde (O
Globo, 03/07/2009, p. 6 [Cartas dos Leitores], grifo nosso).
39
Já na segunda, essa uma manifestação com relação à matéria
“Vigilância é reforçada em fronteiras do Sul”, Carlos Augusto Moura
(coordenador de Imprensa da Anvisa), esclarece que:
O objetivo do monitoramento de passageiros nas
fronteiras do Sul não é evitar que pessoas com sintomas
da doença entrem no Brasil pelo território gaúcho. A
medida visa a orientar e obter informações sobre os
passageiros, para que seja possível acompanhar e
rastrear os viajantes. Outra ação é o encaminhamento
das pessoas com sintomas ao serviço de saúde. As
fronteiras do país não estão fechadas (Idem, grifos
nossos).
Note-se que, no mesmo dia, as informações produzidas pelo jornal vão
contribuir
para
a
sustentação
dos
argumentos
dos
leitores
que
se
manifestaram sobre a gripe H1N1 na página seis. A matéria principal dessa
página, organizada sob o título “Rio tem 14 casos de gripe suína em 24 horas”
e subtítulo “Um dos casos é do apresentador André Marques; Escola Parque
da Barra suspende turmas e São Vicente antecipa férias” (O Globo,
03/07/2009, p. 14 [Rio]) – tudo diagramado sob a chamada “Alerta na saúde:
Segundo governo federal, já são 737 pessoas contaminadas pelo vírus
Influenza H1N1 no país” –, destaca a velocidade (haveria aqui alguma
referência implícita ao caminhoneiro ou ao transporte aéreo?) com que a
doença se disseminava no Brasil. Não parece ser mero acidente o fato de um
dos personagens na informação ser o apresentador do programa Vídeo Show
(TV Globo), André Marques, afinal a doença afetou inclusive uma celebridade.
Paralelamente, tal como aparece registrado na mesma página, o “Rio
Grande do Sul registra 16 casos em um dia” (Idem), a velocidade com que
aumenta o registro de casos suspeitos frente à “demora para resultado dos
exames”, passa a representar um contraste perigoso no combate ao vírus da
gripe H1N1, especialmente em função da especificidade do perfil da doença.
Discursivamente, poderíamos propor que é neste momento em que a
oposição entre as informações produzidas pelo jornal e as ações colocadas
em prática pelos órgãos de saúde começa a se desenhar. Nesse sentido, é
ilustrativa a passagem em que o médico infectologista Roberto Medronho
destaca que “se a demora para identificação dos casos suspeitos de
contaminação for muito longa, as autoridades sanitárias vão perder o controle
da situação” (Idem).
40
Ao que nossas análises indicam, a seção Cartas dos Leitores parece ser
um espaço privilegiadíssimo para assistirmos a essa tomada de posição de O
Globo. Não nos parece fortuito o fato de as correspondências que são
associadas à “Gripe Suína” serem antecedidas pelas vinculadas ao
“Destempero verbal” e sucedidas por “Trânsito perigoso”. Nessas mensagens
(com a identificação do leitor, porém sem sua qualificação profissional), temos
a primeira em que o autor argumenta que “Felizmente, até a presente data, a
pandemia pelo vírus H1N1 tem apresentado letalidade similar à do vírus da
influenza sazonal” (O Globo, 04/07/2009, p. 6 [Cartas dos Leitores]). Ele
prossegue citando o caso da França, e em especial o da Inglaterra, que tem
50 milhões de tratamentos com antivirais para uma população de 60 milhões
de habitantes, e que são países que já garantiram o direito de aquisição das
vacinas a serem produzidas, para continuar: “O Brasil, com uma população de
aproximadamente 200 milhões de habitantes, dispõe de nove milhões de
tratamentos. Talvez fosse mais oportuno direcionar mais recursos para a
proteção da população e pesquisas na área da saúde” (Idem).
Na segunda, a leitora sugere que “se nos aeroportos fosse exigido o uso
de máscaras por todos que voltassem dos lugares com gripe suína (...) por um
período de dez dias, evitaríamos que a gripe se alastrasse, como está
acontecendo (Idem, grifo nosso). Note-se que aqui há o reforço de duas
noções que vinham sendo construídas pelo jornal (e aqui não estamos
avaliando a positividade ou a negatividade dessa construção): a do cuidado
com as fronteiras e a do uso da máscara como principal medida de
prevenção. Paralelamente, na exata medida em que “as novas medidas do
governo comprometem os dados sobre o avanço da doença”, o veículo
parece apostar no resgate dos argumentos que ressaltavam a preocupação
com o aumento da contaminação. Nesse sentido, quando a autora da
correspondência adverte que “deveria ser sugerido também aos médicos e
àqueles que têm contato com pacientes (todos os funcionários da saúde
pública) que utilizassem máscara”, o que, “com certeza diminuiria bastante a
propagação desse vírus”, parece que em alguma medida ela antecipa a
discussão presente na página 14, qual seja: a de se criar dispositivos para
combater uma doença cujos números reais não serão mais conhecidos, em
função da mudança de estratégia do Ministério da Saúde.
41
Quando olhamos para a parte “mais informativa” do jornal, nos
deparamos com suas tomadas de posição (e sua justificação) a partir da
veiculação de textos (e imagens) que tratam da possibilidade (ainda virtual)
de uma epidemia no Brasil. Na matéria principal da página, organizada sob o
título “Testes só para pacientes graves” e subtítulo “Ministério da Saúde muda
estratégia e, com isso, números da doença não serão reais” (O Globo,
04/07/2009, p. 14 [Rio]), observa-se o quanto as discussões em dias
precedentes e as cartas de leitores (dessa mesma edição) antecipam a forma
como o leitor deve apreender o conteúdo informativo. Ao lermos esse
material, nos vemos diante de uma construção noticiosa que inicialmente
crítica o governo, que, com essa mudança, produz o efeito de fazer com que
“as autoridades de saúde passem a não conhecer o real avanço da doença,
o que prejudica a quarentena de pessoas com suspeita de terem contraído a
doença” (Idem). A reportagem segue mostrando os “perigos” de uma
mudança como a que acabamos de reproduzir, especialmente num
momento em que “foram registrados mais 19 casos com um total de 756
pessoas infectadas em todo país. No Rio, foram mais dois, elevando para 83”
(Idem, grifos nossos).
Ora, ao indicar que o número de casos (no Brasil como um todo e no Rio
em particular) aumentou e que a nova “metodologia” não permite que se
conheça o real avanço da doença, não estaria o matutino produzindo a
sensação (e, por extensão, sentidos) de que o Estado (materializado no
Ministério da Saúde) estava começando a querer esconder a extensão e a
letalidade da doença para a população brasileira? Olhemos outra passagem
a fim de que possamos entender os sentidos sociais produzidos. Com o trecho:
“a transmissão do vírus Influenza A em solo brasileiro quintuplicou no último
mês. Há três semanas, somente 6% das infecções haviam sido contraídas no
país. Na semana passada, esse índice subiu para 30%. Os dados foram
divulgados pelo Ministro da Saúde, José Gomes Temporão” (Idem, grifos
nossos), novamente nos interrogamos: não estaria nessa passagem sendo feita
a sugestão de que a mudança na forma de mapeamento da doença era
uma estratégia para se camuflar os reais efeitos da H1N1 por parte do
ministério e do ministro da Saúde?
42
Note-se que, quando o veículo destaca que as preocupações do
governo são com “a superlotação dos 68 hospitais de referência” e com o
vírus: “restringir o uso do antiviral impedindo que o vírus ganhe resistência ao
medicamento como ocorreu na Dinamarca, no Japão e em Hong Kong”
(Idem, grifo nosso), parece que (a) os sujeitos concretos não figuram no centro
do debate – o que seria de grande engano, uma vez que o norte é
exatamente o oposto, isto é, evitar um surto epidêmico (contaminação em
larga escala) da população e que (b) isso era uma prática dissonante entre os
especialistas – em momento algum o jornal faz menção ao fato de o
infectologista Roberto Medronho ter dado esta sugestão (edição de
03/07/2009) ao fazer uma análise dos riscos de uma epidemia. No entanto,
dada a construção narrativa produzida pelo periódico, especialmente em
função do fato de que “Para OMS, a doença vai se disseminar” (intertítulo), a
ênfase recai sobre o fato de, por um lado, o Ministério da Saúde tentar
escamotear os números reais da doença; por outro, na inexorabilidade da
pandemia e das medidas (talvez) ineficazes, como o uso do Tamiflu, haja vista
o fato de: “o Departamento de Saúde de Hong Kong ter informado que
detectou um caso de gripe resistente ao antiviral usado para tratar a doença.
Somente outros dois casos haviam sido registrados: um na Dinamarca e outro
no Japão” (Idem). Assim sendo, parece que nossa avaliação ganha em
plausibilidade, exatamente a partir de uma equação que mostra que, além
de não sabermos concretamente o número de infectados, o remédio usado
no país pode ser ineficaz no combate ao vírus H1N1.
Se a hipótese por nós apontada for válida (e os elementos já
apresentados parecem garantir tal validade), é justificável que episódios que
envolvam o Rio Grande do Sul apareçam na editoria Rio, especialmente
porque os discursos confluem para a legitimação do “Alerta na saúde”,
advertência muito comum nas edições de O Globo. Assim, não nos parece
acidental que, entre a matéria principal e a coordenada “(Gripe causa mais 6
mortes na Argentina”), encontremos um box que, sob o título “Opinião” (que
não é assinado, mas representa a voz do jornal), traz o título “Alerta”, o qual
reproduzimos abaixo:
43
AS EVIDÊNCIAS de que as autoridades sanitárias da
Argentina perderam o controle sobre a epidemia de
gripe suína indicam que o governo brasileiro agiu
acertadamente ao recomendar que fossem evitadas
viagens àquele país.
O PROBLEMA argentino reforça o alerta para que,
internamente, os brasileiros levem a sério a quarentena e
as medidas preventivas prescritas pelos órgãos de saúde
(Idem, grifos nossos. A caixa alta é do próprio veículo).
É muito interessante observarmos que “as evidências [sobre as quais não
se fala] de que as autoridades argentinas perderam o controle” justificam a
construção enunciativa que alerta os brasileiros a olharem o “problema
argentino” como perspectiva de controle da doença, ainda que se tivesse
atingindo a escala máxima – “estamos na fase 6, o que significa que
vivenciamos os primeiros dias de uma pandemia de influenza em 2009, disse
Margaret Chan” (Idem, matéria principal). Nesse sentido, torna-se válido (e até
certo ponto legítimo) o fato de o “Rio Grande do Sul se preparar para
epidemia”, afinal, a proximidade geográfica representa uma possibilidade
concreta de o vírus romper fronteiras e entrar no Brasil. Assim, quando o
matutino destaca que “as autoridades sanitárias do Rio Grande do Sul
acreditam ser inevitável o estado enfrentar uma epidemia da gripe”,
acrescentando que a situação ficará caracterizada quando “surgirem casos
de contaminação de pacientes que não adquiriram a doença no exterior,
especialmente na vizinha Argentina”, já que a “grande maioria dos casos
registrados no estado foi importada da Argentina” (“Rio Grande do Sul se
prepara
para
epidemia”),
enunciasse
concomitantemente
que
o
“fechamento” da fronteira com aquele país pode evitar uma epidemia. Mas
(e novamente recuperamos) já não estávamos no estágio da pandemia?
Com a informação que completa a página, organizada sob o título
“Gripe causa mais 6 mortes na Argentina” e subtítulo “Ministro da Saúde tenta
minimizar epidemia após ser repreendido pela presidente” (Idem), pode-se
perceber que a preocupação de O Globo (um reflexo da preocupação de
seus leitores!?) é chamar a atenção para a situação de descontrole
experimentada pela população argentina no Governo Cristina Kirchner. Na
matéria, além da confirmação de mais seis mortes (totalizando 52) no país,
destaca-se que, “antes de serem anunciados novos números da doença, o
ministro da Saúde da Argentina, Juan Manzur – que admitira anteriormente
44
que cerca de cem mil pessoas tinham sido contaminadas – tentou minimizar a
dimensão da epidemia, durante a visita feita pela presidente Cristina Kirchner
desde a decretação da emergência sanitária” (Idem, grifo nosso). Poderíamos
destacar as imprecisões presentes na informação – como se a divulgação dos
novos números antecede ou sucede a decretação do estado de emergência;
ou mesmo sobre se foi a primeira visita da presidente..., ou a primeira após a
data de decretação; ou sobre a data estritamente –, mas parece ser menos
importante tais precisões do que os efeitos que elas podem produzir,
especialmente pelo sentidos que quer gerar.
Ao olharmos para o complemento da notícia, e lermos que “Segundo
versões extra-oficiais, Manzur levara um puxão de orelhas da presidente e, por
isso, foi obrigado a relativizar suas declarações” (Idem, grifos nossos), nos
parece lícito perguntar: não estaria aqui sendo construída a noção de que o
Governo Kirchner, através do Ministério da Saúde, alterava os números da
doença para produzir a noção de que a doença estava sob controle? Com
esse sentido, não estaria o jornal denunciado que a possibilidade de
contaminação era superior à que efetivamente acontecia? Quando é dito
que “ontem, ele disse [Manzur] que o governo confirmou o contágio de 2.800
pessoas e que o dado divulgado na noite anterior era apenas uma estimativa
e não uma estatística oficial” e que a presidente Cristina Kirchner,
“visivelmente irritada, questionou os meios de comunicação locais que
divulgaram o contágio de cerca de cem mil pessoas, dizendo: ‘Um erro cria
problemas. Peço a todos que atuem com muita responsabilidade’” (Idem,
grifo nosso), não estaria aí igualmente sendo gerado um outro sentido, que
aponta para o cerceamento da liberdade de expressão naquele país? Ao
revisitarmos a edição do dia três de julho (com as matérias sobre a primeira
morte de um sul-americano e o bloqueio de sites na China), mas igualmente a
do dia quatro (com mudanças que esconderiam os números reais da
doença), nos parece pertinente a dedução de que, para além das
informações sobre a doença – que é uma dimensão importante e que não
deve ser negligenciada –, a principal construção narrativa seja a de que
estávamos vivendo uma pandemia mas que as autoridades buscavam
estratégias e dispositivos para que esses números não chegassem ao
conhecimento da população.
45
Com o avanço do mês de julho, e na medida em que se contabiliza um
número maior de mortes (no dia 27 são 38 óbitos no país, dos quais 5 no Rio de
Janeiro), aumenta a quantidade de informações sobre a Influenza H1N1 – a
título de exemplo, a última semana de julho é aquela em que mais
encontramos textos e imagens. Assim, quando nos debruçamos sobre a
página 11, nos vemos diante de um conjunto de referências que nos permitem
apontar o quanto a construção narrativa de O Globo potencializa os sentidos
que propõe através do antagonismo entre tristeza e sofrimento – gerados pela
morte – e prazer a alegria – associada ao lazer e ao entretenimento, expressos
nas fotografias de artistas sorridentes na coluna do Ancelmo Góis. Dessa forma,
quando lemos a informação organizada sob o título “Gripe suína: autoridades
do Rio Grande do Sul confirmam mais cinco mortes” e subtítulo “Já são 38
óbitos no país por causa da doença; 5 deles registrados no Rio” (O Globo,
27/07/2009, p. 11 [Rio]), podemos perceber o quanto o estado gaúcho
funciona como referência para o alerta dado aos fluminenses. Parece ser
dessa natureza a vinculação (pela veiculação) das matérias produzidas sobre
aquele estado dentro da editoria Rio.
Outro dado que merece destaque é a questão da identificação (com
as respectivas idades) das pessoas vitimadas pela doença. Sem que
queiramos entrar na questão do projeto editorial do veículo, nos parece
particularmente importante destacar o quanto as faixas-etárias que seriam
posteriormente cobertas pela Campanha Nacional de Imunização aparecem
contempladas pelos jornais. Note-se que, ao apontar as pessoas afetadas pelo
vírus H1N1, reconhece-se o público que será priorizado em 2010: “Das cinco
vítimas, duas eram gestantes, ambas de Passo Fundo – uma de 31 e outra de
25” (Idem, grifos nossos). As outras três mortes são de um marceneiro (36 anos,
cardiopata), uma aposentada (63, diabética) e um operário (20).4 Na
informação vinculada, sob o título “Mortes suspeitas no Rio e em Niterói” e
subtítulo “Duas mulheres, uma delas grávida, apresentavam sintomas da
gripe”
(Idem,
grifo
nosso),
continuamos
a
reconhecer
o
perfil
da
suscetibilidade sendo construído. Mas, voltemos à informação anterior.
4
Todas identificadas na mesma reportagem.
46
Apesar de o título indicar que se trata de mortes no sul do país (“Gripe
suína: autoridades do Rio Grande do Sul confirmam mais cinco mortos”), nos
parece plausível supor que através desse texto, o jornal apresenta (ainda que
implicitamente)
uma
espécie
de
percurso
geográfico
da
doença,
especialmente porque os casos começam no Rio Grande do Sul, passam por
São Paulo e chegam ao Rio de Janeiro – o que acentua a possibilidade dela
fazer um caminho semelhante a uma viagem de carro, de ônibus ou mesmo
de caminhão, não exclusivamente de avião, como aparecia nas primeiras
informações sobre a H1N1. Na informação, além do alerta para com as
fronteiras, há uma “recomendação” para uso da máscara como forma de
prevenção da doença (posteriormente, ver-se-ia que a máscara funcionaria
como uma espécie de símbolo-memória do agravo). No texto, é possível
encontrar: “Na AMA [unidade de Assistência Médica Ambulatorial] Cidade
Líder, uma paciente gripada esperava sem máscara ao lado de outros
pacientes: ‘já posso ter contaminado alguém’, disse Patrícia, cobrindo a tosse
com a mão” (Idem, grifos nossos). Noutra passagem: “Na AMA Juscelino
Kubitschek, em Cidade Tiradentes, máscaras eram entregues imediatamente”
(Idem, grifos nossos).
Como já havíamos mencionado, a página 11 é carregada de sentidos,
uns explícitos, outros nem tanto. Isso porque, feito o caminho entre Rio Grande
do Sul e Rio de Janeiro, será na notícia sobre as mortes de duas mulheres (uma
delas grávida) que a adjetivação e a dramaticidade serão potencializadas e
antagonizadas com outros elementos na organização gráfica. Não há como
negar que a morte é um si um processo dramático e, por vezes, traumático.
Nesse sentido, é exatamente a potencialização que nos permite lançar um
olhar mais cuidadoso sobre texto e imagem, que captura as marcas que
iluminam tal oposição. Talvez não seja desnecessário destacarmos que, como
mostra o título da matéria vinculada (“Mortes suspeitas no Rio e em Niterói”),
havia suspeita e não certeza da vinculação entre as mortes e o H1N1. Ora,
mas depois de lermos que “são 38 óbitos”, dos quais “cinco no Rio”, “uma em
Diadema”, será mesmo que o jornal propõe que sejam suspeitas ou trata-se de
uma operação enunciativa que transforma conjectura em realidade?
47
Ao olharmos inicialmente para a imagem – que dubiamente pode estar
fazendo menção tanto as mortes no Sul quanto às no Rio de Janeiro, ainda
que na legenda indique que se trate de uma ilustração da “emoção dos
parentes durante o enterro ontem, em Niterói” – percebe-se o quanto ela
rivaliza com as representações que a ladeiam (à esquerda e abaixo):
lateralmente, encontram-se três personificações de alegria (na primeira,
Marieta Severo e Andréa Beltrão [atrizes do humorístico A grande família, da
TV Globo]; na segunda, o casal [família] Regina Braga e Drauzio Varella
[médico, com notoriedade pública, especialmente após suas participações
no programa Fantástico, também da TV Globo]; e de jovens ao lado de
Renato Aragão [o Didi, dos Trapalhões], que hoje participa do programa-título
A turma do Didi, da mesma emissora). Longe de parecer mero acaso,
julgamos que estas reproduções imagéticas, além de promoverem um vínculo
entre veículos da Rede (O Globo, TV Globo), evidenciam a felicidade (todos,
nas três imagens, estão sorrindo), o sentimento de grupo (turma, família), a
longevidade (o Didi) a partir de uma orientação médica publicamente
reconhecida (Drauzio Varella). Assim, não se trata apenas de opor elementos
(alegria versus tristeza), mas de usar símbolos hegemonicamente construídos
para encaminhar certa leitura que se deve fazer do material.
Ao lermos a matéria em questão (“Mortes suspeitas...”), é possível
observar a quantidade de suposições presentes nesse texto: “As mortes de
duas mulheres, no Rio e em Niterói, podem ter sido provocadas...” (Idem, grifo
nosso); “um dos casos considerados suspeitos...” (Idem, grifo nossos). A mais
emblemática parece ser a passagem que dá conta da “certeza” da
vinculação entre a morte e o vírus H1N1: “Em Niterói, a gerente de vendas
Édina Ferrera Magalhães, de 44 anos, morreu no sábado, com quadro de
pneumonia. Porém, as autoridades ainda não confirmaram se ela estava com
a gripe” (Idem, grifos nossos). Note-se, igualmente, que “morosidade” sobre a
qual o veículo fez menção em edições anteriores se manifesta agora na fala
de “parentes e amigos” que, apesar de não identificados, “estavam
indignados com a falta de informações – ninguém da Secretaria de Saúde ou
do Ministério da Saúde entrou em contato com a família até agora, protestou
a filha, Íngride Thaís Magalhães” (Idem, grifo nossos). É muito interessante
observarmos o quanto a imprecisão sobre a Secretaria (afinal, era a estadual
48
ou municipal, já que a matéria não aponta) joga luz sobre o personagem
identificado: o Ministério da Saúde.
Antes de falarmos propriamente do Ministério da Saúde, vejamos o
trecho final da informação: “Colegas de trabalho de Édina procuraram a
Secretaria de Vigilância em Saúde de Niterói, na sexta-feira, para pedir que
pudessem fazer exames” (Idem, grifo nosso). É muito curioso observarmos que
a morte de Édina ocorrera (como consta na matéria) no sábado, dia 25/07.
Logo, nos interrogamos: teriam corrido os colegas de trabalho (sem que
novamente se diga quais ou qual) da gerente de vendas para fazer exames
na sexta-feira, antes mesmo que ocorresse o óbito? Ou esta passagem
funciona como um dispositivo para a produção social de sentidos em torno de
uma relação direta morte-gripe H1N1? Um dos pontos que nos chama a
atenção é o salto, dentro do mesmo parágrafo, da Secretaria de Vigilância
em Saúde de Niterói para o Hospital de Clínicas São Sebastião que “não quis
falar sobre a morte, mas ontem, o médico da unidade, Luiz Augusto Carmo,
receitou Tamiflu para Íngride, que tem sintomas da gripe” (Idem, grifos nossos).
Em nossa avaliação, o Tamiflu coloca novamente em cena o Ministério
da Saúde, uma vez que o antiviral era o responsável por combater a Influenza
H1N1. Nesse sentido, quando a filha de Édina lamenta o fato de que “sua mãe
já tinha até comprado o vestido dela [Íngride tinha previsão de casar em
novembro de 2009]” (Idem, grifo nosso), parece plausível supor que o matutino
sugere que, não fosse “a falta de informações” ou a “morosidade no
tratamento da gerente [Tamiflu]”, provavelmente a vida de Édina não seria
abreviada. Se esta proposição é admissível, a construção enunciativa
presente na matéria é potencializada pelas propagandas que a seguem.
Trata-se de dois anúncios de universidade que, como projetos de vida, como
expectativa de vida futura, contrastam com a interrupção abrupta da vida da
niteroiense que “já tinha até escolhido seu vestido”.
Já no dia 28 de julho, voltamos a identificar as cartas enviadas por
leitores como estratégia que construção enunciativa sobre a H1N1. No
entanto, há uma modificação no enfoque, que passa a dar mais ênfase à
questão das estratégias de prevenção (mas igualmente críticas sobre
procedimentos adotados). Entretanto, não é menos perceptível o fato de as
49
mensagens que antecedem e sucedem às que são organizadas sob o título
“Gripe suína”, contribuírem para a produção de sentidos: a que “prepara” um
certo olhar sobre aquelas narrativas recebe o título “Choque de ordem” e as
que complementam esse olhar, “A ‘inconsistência’” (O Globo, 28/07/2009, p.6
[Cartas dos Leitores]). Assim, ao lermos que, por um lado, “Diagnóstico
precoce e digno: início do tratamento até 24 horas após os primeiros sintomas”
podem evitar uma epidemia, por outro, há uma carga sobre as ações,
personificada, nesta mensagem, no Ministério da Saúde que,
Determina que compete ao médico decidir quais
casos serão tratados. Pergunto: como? Pois os exames
são feitos em poucos e em determinados locais. E a
medicação Tamiflu é de exclusiva propriedade do
governo. Quanto aos infelizes que morreram, estão sendo
referidos pelas autoridades como negligência ou
incompetência médica. Atitudes como essa são
simplistas e procuram esconder a falência do nosso
planejamento em saúde (Idem, mensagem assinada por
Horácio de Azevedo Pereira).
Sobre
a
considerações,
carta
haja
acima,
vista
se
é
necessário
tratar
de
um
que
façamos
elemento
algumas
enunciativo
paradigmático: (1) trata-se da manifestação explícita de um determinado
pensamento que, ao ser assinada por um leitor, manifesta o caráter de
pluralidade anunciado pela imprensa; (2) trata-se de um elemento que
permite aos demais leitores se informarem – saber sobre que medidas podiam
ser tomadas para que se evitasse (?) uma epidemia – mas igualmente para
construírem juízo sobre os eventuais responsáveis por um surto epidêmico; (3)
trata-se da explicitação de dados que, se estão afastados pelo tempo,
permitem ao leitor perceber uma coerência no enfoque dado pelo periódico
– no dia 30/06 fora noticiado que “um dinamarquês teve gripe resistente ao
antiviral”, no dia 04/07 que “Dinarmarca, Japão e China tinham casos em que
o vírus ganhou resistência ao Tamiflu” e no dia anterior (27/08) “uma pessoa
morreu porque não foi medicada a tempo com o Tamiflu, que pertence ao
Ministério da Saúde”; (4) trata-se de uma avaliação sobre a ação do Estado
(Ministério da Saúde), na medida em que destaca a “falência do nosso
planejamento em saúde”. Assim sendo, não estaria aí sendo proposto o
sentido de que, face “A ‘inconsistência’” desse planejamento, só um “Choque
de ordem” seria capaz de produzir um planejamento correto e realizável?
50
Quando
passamos
ao
espaço
“celebrado”
como
estritamente
informativo, veremos o quanto, a despeito de uma tentativa de divisão estrita
entre informação e opinião, os sentidos são produzidos a partir da totalidade
de
textos
e
imagens
presentes
numa
determinada
edição
–
sem
negligenciarmos suas conexões com aquilo que foi objeto de atenção de
cada jornal em dias anteriores. Assim, ao nos determos sobre a informação
organizada sob o título “Gripe suína: 55 grávidas estão internadas” e subtítulo
“Quadro pulmonar grave leva de 6 a 12 horas para aparecer em gestantes;
morre mais uma com suspeita da doença” (O Globo, 28/07/2009, p. 11 [Rio]),
percebemos
a
pertinência
das
aproximações
acima
mencionadas.
Inicialmente, é importante que registremos que, de acordo com o texto, até a
data do fechamento da edição não havia confirmação se a causa da morte
era o vírus H1N1, só havia suspeitas. Outro ponto importante é sobre a
construção de uma memória sobre os desdobramentos do processo de
contaminação: “após a confirmação de um óbito na semana passada e da
suspeita de que mais duas gestantes morreram por causa do vírus H1N1 – uma
delas ontem, em Niterói” (Idem, grifos nossos).
Note-se que, nesse processo de produção de sentidos, para além da
memória, há quatro caracterizações que merecem ser mencionadas: a
primeira é sobre o protagonista da informação: “As grávidas com sintomas de
gripe suína têm sido uma das maiores preocupações das autoridades no Rio”
(Idem); a segunda é a avaliação do secretário estadual de Saúde, Sérgio
Côrtes, sobre a “necessidade de rapidez na identificação dos sintomas: ‘em
seis a 12 horas, as gestantes estão evoluindo para um quadro pulmonar
grave’” (Idem); a terceira, o reforço da noção de que a máscara é, se não o
mais eficaz, um dos principais métodos de prevenção do contágio: “na UPA
da Tijuca, pacientes com máscara aguardam atendimento” (Idem); por
último, um desenho do perfil de suscetibilidade da doença, ao registrar as
mortes provocadas pela influenza A: “grávida, de 22 anos, com cinco meses
de gestação (...), duas crianças, de três e cinco anos (...), homem, de 49 anos
(...) e uma comerciante, de 44 anos” (Idem). Ainda que tenhamos a
consciência de que o jornal cria dispositivos enunciativos para aproximar as
informações da realidade dos leitores, ao nos depararmos com tais
construções permitimo-nos fazer algumas observações. Ao nos determos sobre
51
a expressão “uma das maiores preocupações das autoridades no Rio”,
poderíamos nos interrogar: estariam as autoridades (e aí, todas) preocupadas
com o desenvolvimento da doença em particular no Rio ou só as autoridades
fluminenses é que mostrariam tal preocupação?
Longe de ser um simples preciosismo semântico, é na justa medida em
que há tal indeterminação na retórica do jornal que é possível se construir
sentidos associados ao tema. Ainda que o fragmento do final do parágrafo
anterior não seja suficiente para garantir uma única compreensão do texto,
não é menos verdadeiro o fato de que, ao “apagar” da informação o
Ministério da Saúde e “iluminar” a Secretaria estadual de Saúde e o secretário
Sérgio Côrtes (sem contar a menção aos hospitais do estado: Hospital Antônio
Pedro – sem a designação Universitário, que compõe sua sigla HUAP, o que
poderia estabelecer uma proximidade com a Universidade Federal Fluminense
–, Hospital Azevedo Lima, Hospital Infantil Getúlio Vargas Filho, Hospital Albert
Schweitzer) o matutino sugere que só as autoridades do Rio é que demonstram
preocupação, especialmente porque a “necessidade de rapidez na
identificação dos sintomas” contrasta com a morosidade do processo de
gestão do Ministério da Saúde, como já havia apontado o médico Roberto
Medronho (outra autoridade no Rio) no dia 03/07/2009. Por fim, porém não
menos significativo, é o fato de encontrarmos em O Globo uma espécie de
mapeamento de grupos/grau de suscetibilidade à doença, o que seria
completamente esquecido em 2010 ao destacar a discordância entre os
grupos/faixa-etária escolhidos como alvo da Campanha Nacional de
Imunização pelo Ministério da Saúde e os apontados pela Organização
Mundial da Saúde (OMS).
Ao observarmos a informação contida na matéria vinculada à das “55
grávidas estão internadas”, fica um pouco mais clara a proposição que
fizemos acima. Sob o título “Com mais 7 casos, número de mortes no país
chega a 45” e subtítulo “Governo recomenda a alunos com gripe que deixem
de ir à escola” (Idem, grifo nosso), o jornal informa aos leitores que “Mais sete
mortes foram confirmadas ontem no Brasil: quatro em São Paulo e três no
Paraná (todas em Curitiba)” (Idem). Ora, se morreram “ontem” mais sete
pessoas, das quais quatro em São Paulo e três no Paraná, em que estatística
52
estaria sendo computada a morte da “grávida, de 22 anos, que morreu ontem
em Niterói com suspeita de gripe suína” (Idem)? Tratar-se-ia de uma simples
imprecisão
das
informações?
Ou
o
apagamento
dessa
contradição
contribuiria para a construção do sentido de que (ainda que não fosse
justificável naquele momento – era 20 mortes em São Paulo, 16 no Rio Grande
do Sul, cinco no Rio e quatro no Paraná) o Rio de Janeiro merecia maiores
preocupações das autoridades, sustentando a manutenção do estado de
alerta na saúde?
Ao avançarmos sobre o texto, é possível notar que as preocupações
com o aumento do número de casos suspeitos não era uma prerrogativa “das
autoridades do Rio”, haja vista o fato de “o Grupo Executivo Interministerial,
integrado por 16 órgãos do governo federal, recomendar que todos os alunos
com sintomas de gripe evitem retornar às aulas até estarem totalmente
recuperados” (Idem). No entanto, não deve ser considerado um dado
periférico, mas sim uma pista de análise, o fato de em mais essa informação
não haver menção ao Ministério da Saúde. Por que não mencionar a
presença daquele que era exatamente o órgão do Grupo Executivo
Interministerial (GEI) responsável pela coordenação das ações responsáveis
por tentar evitar a propagação do vírus influenza em território nacional? Lapso,
esquecimento ou produção social de sentidos?
A afirmação de que se trata da consciência de que se produzia um
determinado sentido com as duas informações mencionadas nos parágrafos
acima pode ser sustentada pelo processo de construção narrativa organizado
pelo próprio jornal. A recomendação para que alunos com sintomas da gripe
evitassem retornar às aulas até estarem recuperados, assim como o uso de
máscaras, o asseio com as mãos, compunham um quadro de referência de
“ações preventivas para evitar a introdução do vírus responsável pela
influenza”, como determina o decreto presidencial que instituiu o Grupo.
Como parte do mesmo conjunto de competências do coordenador do GEI,
consta a determinação de se “promover as articulações necessárias para a
eficaz
implementação
das
ações
de
prevenção,
preparação
e
enfrentamento, inclusive com Estados e Municípios”. Talvez não seja
inoportuno destacar que tanto as ações quanto as articulações estavam
53
celebradas no decreto que estabelecia um Plano de Contingência Brasileiro
para a Pandemia de Influenza, assinado pelo presidente da República. Assim,
não nos parece fruto de inépcia a proposição enunciativa de que era de
iniciativa das autoridades do Rio medidas que buscassem proteger os
fluminenses, como tenta dar conta o box, cujo título “Cuidados que devem ser
tomados”, destaca que “o secretário Sérgio Côrtes disse, semana passada,
que todas as gestantes que apresentarem sintomas de gripe (...) serão
orientadas a procurar atendimento médico com urgência” (Idem, grifo nosso).
Na verdade, tais cuidados parecem também justificar que “a morte da
gestante com sintomas de gripe” era, antes de tudo, uma especulação.
A publicação, pelo matutino carioca, da manchete “Gripe faz Rio
também adiar volta às aulas” (O Globo, 30/07/2009, primeira página, grifo
nosso) parece validar as observações sobre a questão das medidas nacionais,
apontadas como regionais na edição do dia 28. Ainda que o subtítulo
“Eficácia da medida, válida só para a rede pública, é polêmica” (Idem) sugira
não haver consenso em torno da ação, não é menos verdadeiro que há uma
mudança de foco do noticiário, haja vista o fato de destacar que o
movimento preventivo no Rio segue “referências” de outros estados. Nessa
capa, há outro elemento de produz seus efeitos sobre a chamada da gripe.
Logo abaixo do logotipo do jornal (e acima da informação sobre a gripe
H1N1) é publicada uma imagem de um homem urinando numa árvore a
poucos metros de distância de um veículo da Secretaria Municipal de
Vigilância Sanitária.
Não vamos entrar aqui na discussão sobre a vinculação ou não desse
personagem à referida secretaria – a legenda afirma que “Um funcionário da
Vigilância Sanitária Municipal – responsável por fiscalizar as condições de
higiene em restaurantes – é flagrado urinando na Rua Visconde de
Albuquerque, no Leblon. A prefeitura vai tentar identificá-lo” (Idem) –,
especialmente porque a assertiva de que “vai tentar identificá-lo” não
significa que a prefeitura tenha garantido se tratar realmente de um
funcionário de seu quadro. Na verdade, o que parece realmente merecer
destaque é o título “Lambança Sanitária” (Idem), que orienta a leitura das
duas informações.
54
Cabe nesse momento nos remeter ao trecho anteriormente analisado,
que aborda as mensagens sobre Influenza H1N1 enviadas pelos leitores. Como
foi descrito, as cinco cartas organizadas sob o título “Gripe suína”, são
antecedidas pelas de título “Leis de trânsito” e sucedidas pelas de “Desordem
urbana”. Seria uma alusão ao veículo da Secretaria Municipal de Vigilância
Sanitária que estava parado com as quatro rodas na calçada e sob a placa
de “Proibido estacionar” e ao homem urinando na árvore? Vejamos o que
dizem as correspondências enviadas à redação do jornal. Talvez seja
desnecessário reproduzirmos as cinco. Mas, a fim de que possamos mostrar a
primazia de uma dada concepção que forjava-se no matutino, tomemos a
noção de que a “lambança sanitária”. Em Houaiss (2002) quando buscamos
os significados para a palavra sanitária, encontramos, dentre outras, as
designações: (a) “local público ou privado, equipado com vaso sanitário;
toalete, mictório”, que nos permite estabelecer uma relação direta com a
imagem da primeira página; e (b) “relativa à saúde pública ou individual, à
higiene”, que nos autoriza a associá-la as discussões presentes nas “Cartas dos
Leitores”. Assim, selecionaremos a primeira, a terceira e a quinta mensagens
para observar as relações existentes. Na primeira, destaca-se que:
Estamos vivendo uma ditadura na saúde pública.
Passamos a vida inteira pagando planos de saúde caros
e na hora de uma pandemia de gripe suína não
podemos recorrer aos nossos médicos particulares para
obtermos o único tratamento existente, que é o Tamiflu. O
governo deve ser responsabilizado por todas as mortes
ocorridas (...). O governo está brincando de marolinha
com a vida das pessoas (30/07/2009, p. 6 [Cartas dos
Leitores], grifos nossos. Assinada por Ana Peters).
Na terceira, celebra-se como
Corretíssima a atitude da Secretaria de Saúde de São
Paulo, que recomenda o prolongamento das férias
escolares em todos os níveis educacionais. Esta postura,
que aplica em toda a sua plenitude um dos paradigmas
básicos da medicina preventiva, deverá ter como
resultado a redução acentuada de novos casos relativos
à gripe suína (...). Que os demais estados do país, pelo
menos os mais suscetíveis, sigam o exemplo (Idem, grifos
nossos. Assinada por David Neto).
55
Já na última, coloca-se no ar uma desconfiança com relação às
estratégias, ao sugerir que
Tem alguma coisa errada: o governo diz que os casos
de mortes por gripe suína são menores que os de gripe
normal, e nunca houve adiamento das férias por causa
de resfriado. Então, de que adianta adiar em mais uma
semana as férias? Seria melhor cancelar o ano escolar
(...). Deve ter mais alguma coisa e não querem falar,
porque adiar a volta das férias por uma semana é uma
medida demagógica (Idem, grifos nossos. assinada por
Marcos Ferreira).
Não nos parece fortuito o fato de as cartas funcionarem como uma
espécie de mediação entre a primeira página e a 12 (especificamente nesta
edição), ainda que o leitor não a produza deliberadamente com essa
intenção. Também não é menos verdadeiro o fato de outras mediações virem
parar dentro do jornal, como podemos ver na primeira carta. Quando a leitora
(1ª carta) escreve sobre uma “ditadura na saúde pública” não poderia estar aí
sendo reificada a noção de que não é dada ao cidadão a possibilidade de
conhecer os verdadeiros números da doença, haja vista o fato de “a gripe
H1N1 requerer maiores cuidados que a gripe sazonal” e de “ter mais alguma
coisa e não querem falar (3ª carta)? Não estaria também sendo reforçada a
noção de “lambança sanitária” quando a leitora (novamente da 1ª carta)
afirma que o “governo deve ser responsabilizado por todas as mortes
ocorridas”?
Um claro exemplo dos efeitos concretos das mediações sobre o sentir, o
pensar e o agir (escrevendo, por exemplo, uma mensagem para o jornal) é a
presença da expressão marolinha na primeira mensagem. Ela é sintoma do
atravessamento das questões da saúde pelas da economia. Ou será que já foi
esquecido pela população (a imprensa permite esse tipo de esquecimento?)
que marolinha foi a expressão usada pelo presidente Lula para dar conta do
impacto da crise econômica mundial em nosso país? Na oportunidade, vários
veículos de comunicação chamavam a atenção para o fato de se tratar de
um discurso que visava dissimular a real situação da crise. Ora, o “tem alguma
coisa errada” e o “deve ter mais alguma coisa e não querem falar” (presentes
56
na 3ª carta) não é a apropriação de um discurso produzida pelos meios sobre
a marolinha do presidente Lula?
Já na editoria Rio, encontramos a matéria cuja chamada aparece na
primeira página dessa edição (título “Gripe faz Rio também adiar volta às
aulas” e subtítulo “Eficácia da medida, válida só na rede pública, é
polêmica”). É interessante observarmos que mais uma vez essa espécie de
duplo funciona na elaboração do informe do jornal: por um lado, e isso não há
como negar, temos a presença da informação que destaca a possibilidade
de adiamento do retorno das férias escolares; por outro, a produção dos
sentidos sociais ao enfatizar que a medida é polêmica. É por trabalhar com
essa perspectiva que optamos por aplicar o método da Análise dos Discursos
em detrimento de outros instrumentais de análise. Em nossa avaliação, uma
abordagem métrica, por exemplo, tende a valorizar uma das faces do
conteúdo de um veículo, o que, julgamos, não estamos fazendo na
abordagem que oferecemos. Dessa forma (e isso olhando ainda para a capa
do matutino), não está no âmbito do enunciado a estratégia de construção
da narrativa, que prima por “ouvir” os dois lados – “Para uns...” e “Outros
afirmam...” –, mas na enunciação: não se identificam que são esses “uns”
tampouco os “outros”. O importante para o leitor é saber que se tratam de
“especialistas”.
Assim, quando lemos a informação organizada sob o título “Gripe: Rio
‘cola’ de São Paulo” e subtítulo “Secretarias de Educação e Saúde resolvem
adiar a volta às aulas por precaução” (O Globo, 30/07/2009, p. 12 [Rio]), nos
interrogamos: estaria sendo antecipado um debate entre os “especialistas”
(gestores públicos) da área de saúde e educação e os do setor privado ou
entre “especialistas” (novamente gestores públicos) do Rio de Janeiro e de
São Paulo? Em nossa avaliação, tanto a primeira – “As escolas particulares têm
autonomia para decidir se seguirão, ou não, o conselho das secretarias de
Saúde” (Idem, grifos nossos) – quanto a segunda orientação – “um dia depois
de, na contramão de São Paulo, terem afirmado que manteriam o calendário
escolar, as secretarias municipal e estadual de Educação do Rio resolveram
seguir a recomendação (...) decidiram adiar a volta às aulas” (Idem, grifos
nossos) – estão presentes na reportagem. Na verdade, para além do
57
pseudodebate, há uma tomada de posição do jornal, especialmente porque,
na divergência sobre a eficácia da medida, são ouvidos cinco especialistas,
sendo três favoráveis – um professor da UFRJ, um da Unifesp e o presidente do
Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria – e dois
desfavoráveis – outro professor da Unifesp e o presidente da Sociedade
Brasileira de Infectologia.
Outro dado sobre o qual vale registro é a observação feita pelo
secretário municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Hans Dohmann, de que “a
medida [adiamento do retorno das férias] é mais radical em relação às
creches porque crianças de até 2 anos fazem parte de um grupo de risco da
gripe suína” (Idem, acréscimo nosso). Ainda que apareça no depoimento do
secretário, nos parece plausível supor que o jornal concorda com o
adiamento das férias (como medida de prevenção) haja vista a posição dos
especialistas sobre o assunto (três favoráveis contra dois desfavoráveis), a
concordância com a decisão em São Paulo e as informações veiculadas em
edições anteriores. Ora, mas por que o silêncio (em 2010) quando o Ministério
da Saúde elabora a lista dos grupos prioritários para receberem a vacina
contra o H1N1 através da Campanha Nacional de Imunização? Ao
observarmos o box “Fique atento”, ao lado da retranca com título
“Especialistas divergem sobre a eficácia”, onde estão identificados os “Grupos
de risco: idosos, crianças, gestantes, obesos, doentes crônicos, pessoas com
imunidade reduzida ou anêmicas” (Idem), é possível notar que, em alguma
medida, foi o próprio jornal que, mapeando os casos registrados, “apontou”
quem deveria ser o público-alvo da vacinação no ano seguinte.
Ao nos determos sobre a matéria que fecha o conjunto das informações
da página 12, encontramos a notícia, organizada sob o título “Estudantes
voltam doentes do Pará” e subtítulo “Grupo participava de congresso.
Apresentadora de TV também é infectada” (Idem, grifo nosso). Ainda que se
tratam de universitários, a palavra “estudantes” vincula esta comunicação às
outras. Porém, o jornal parece se servir particularmente desta para amplificar
os sentidos propostos no conjunto dos textos. Assim, quando mostra que “A
viagem de um grupo de 30 estudantes de direito de várias universidades do
Rio para um encontro nacional de universitários em Belém se transformou num
58
drama” (Idem, grifos nossos), a dramatização potencializa o problema da
gripe em todo o Brasil, e no Rio em particular (não só por estar na editoria Rio,
mas porque se tratavam de várias universidades do Rio). Nesse sentido,
novamente percebemos o quanto a questão do cuidado com as fronteiras do
estado fluminense é enunciada pelo matutino: “o grupo estava alojado em
salas de aula da UFP, que também hospedava outro congresso (...) quando
soube que seis alunos de diversos estados tiveram diagnóstico clínico de gripe
suína (Idem, grifos nossos).
Talvez não seja desnecessário destacar o quanto a última matéria
precisa “ser lida” através de sua relação com a eficácia da medida do
adiamento do retorno às aulas. Afinal, seria um mero detalhe o fato de os
alunos estarem alojados em salas de aula? O que o veículo não mostra é que
“se alojar” nas universidades que sediam tais eventos (congressos, por
exemplo) é uma prática relativamente comum entre estudantes universitários,
o que pode ser percebido que argumenta que “também hospedava alunos
de outro congresso”. No entanto, em nossa avaliação, importa mais a O
Globo evidenciar tais contatos (“seis alunos de diversos estados”) dos alunos
do Rio como excepcionais transformando-os “em drama”, do que apontar a
trivialidade do episódio. Assim, quando reproduz o depoimento de Fábio
Rafael (estudante fluminense), dizendo que “ele admitiu que o contágio foi
inevitável. Nas festas de confraternização organizadas entre os estudantes de
história e direito, era possível encontrar muita gente gripada no campus”
(Idem, grifos nossos), menos interessa ao periódico tratar se (a) Fábio Rafael
(estudante de direito ou história, não há indicação) reunia condições técnicas
para afirmar que realmente houve o contágio ou (b) se tratava da gripe H1N1
e mais evidenciar que a Influenza A tinha mais uma porta de entrada no
estado do Rio.
Esse também parece ser o sentido da presença de Sandra Annemberg
na mesma notícia. Pela forma como foi descrito a “jornalista também entrou
para a lista de vítimas do vírus da gripe suína” (Idem, grifo nosso). Longe de
queremos avaliar se de fato os estudantes ou a apresentadora do Jornal Hoje
contraíram o vírus H1N1, o que nos chama particularmente a atenção são os
elementos usados pelo próprio veículo para justificar (por efeito de
59
causalidade nem sempre evidente) a possibilidade de contágio. Note-se que,
“segundo informações do site G1 [também das Organizações Globo], Sandra
apresentou sintomas da doença, como febre, dores de cabeça e cansaço,
no último dia 22. Exames laboratoriais confirmaram a doença na terça-feira”
(Idem, acréscimo e grifos nossos). No entanto, e isso ainda de acordo com a
matéria, “Sandra está de repouso sob orientação médica desde o dia 23, mas
não tem mais sintomas da gripe” (Idem, grifos nossos). Pois bem, dia 22 de julho
foi numa quarta-feira. Segundo a informação, os exames (laboratoriais) só
confirmaram a doença na terça-feira (28/07). Pela narrativa, Sandra estava de
repouso, sob orientação médica, desde o dia 23. Ora, mesmo sem saber se o
que tinha era a gripe H1N1, cujo resultado só saiu no dia 28? Em nossa
avaliação, estamos diante de uma mesma operação em que menos
importam a credibilidade dos diagnósticos e mais enfatizar a materialidade da
contaminação, haja vista o fato de os “estudantes que voltam doentes do
Pará” serem potencialmente transmissores da doença contraída pela
profissional, que estava cobrindo as “férias de Fátima Bernardes no Jornal
Nacional” (a redação do JN é no Rio de Janeiro).
Agosto
Passados pouco mais de 20 dias e tendo em vista o fato de os números
da gripe Influenza H1N1 terem ficado abaixo dos da Influenza Sazonal, as
“polêmicas” apresentadas por O Globo dizem respeito mais à questão da
reposição de aulas, fruto do adiamento do retorno das férias escolares, do que
da pandemia em si. Assim, quando no dia 24 de agosto o jornal aborda o
tema, já não o faz em sua primeira página – o que pode ser um indicativo de
que a virtualidade dos efeitos da H1N1, anunciados em edições anteriores,
não ganhou a equivalente materialidade. No entanto, não podemos supor
que a gripe H1N1 deixou de ocupar importância relativa para o matutino, haja
vista o fato de aparecer a chamada “Reposição de aulas por causa da gripe
provoca polêmica”, tendo como lide o seguinte enunciado: “A reposição de
aulas devido a gripe suína divide educadores e deixa pais apreensivos com a
possibilidade de o ano letivo ser prejudicado” (O Globo, 24/08/2009, p. 2). Ora,
60
como destacamos na edição de 30 de julho, não foi o veículo favorável a essa
medida, que agora deixa o país apreensivo?
Ao observarmos a carta publicada no mesmo dia (dessa vez uma, e não
várias como acontecera anteriormente – o que pode representar um sintoma
de que os efeitos mais danosos da gripe já vinham se arrefecendo), nos vemos
diante de um quadro que, se por um lado, reconhece que a doença não
havia manifestado um quadro tão grave quanto o alerta nível 6 da OMS
sugeria, por outro, continua apostando na idéia de polêmica, de drama, de
catástrofe para construir sentidos sobre a H1N1. Sob o título “Tragédia da
gripe”, o leitor destacava que em breve “o Brasil seria o recordista mundial de
casos de gripe suína e de óbitos, graças à atuação do prepotente ministro da
Saúde”. A mensagem seguia apontando que “estamos caminhando para
uma tragédia maior. A classe média está impotente e a situação é tão grave
que merece a atenção do presidente da República, urgentemente” (Idem, p.
6 [Cartas dos Leitores], grifos nossos). Não deveria ser considerado um dado
marginal o fato de a correspondência ser datada de 17/08, isto é, uma
semana antes da edição sobre o qual estamos colocando foco. Tal carta é
reveladora por dois aspectos bastante sintomáticos: o primeiro é que, sendo
ela do dia 17/08, no dia 24/08 a possibilidade de uma pandemia já não atraía
a atenção por parte de leitores que se manifestavam sobre o tema no
matutino; o segundo é que, apesar de a possibilidade de uma pandemia (ou
mesmo de uma epidemia) arrefecer-se, O Globo continua mantendo a
estratégia de antecipar narrativamente uma tragédia que não se manifestava
concretamente.
Assim, ocupando pelo menos um terço do espaço antes destinado ao
tema H1N1, é possível perceber que a maior preocupação àquela altura era
com a polêmica da reposição das aulas. Sob o título “Reposição das aulas
divide opiniões de educadores e deixa pais apreensivos” e subtítulo “Diferença
entre calendários escolares pode trazer prejuízo aos estudantes” (O Globo,
24/08/2009, p. 11 [Rio], grifo nosso), o jornal mostra que houve mudança de
foco e novamente convoca especialistas para avaliarem a controvérsia. Não
nos parece ser um dado a ser negligenciado a perspectiva “futurista” com
que o veículo trata a Influenza H1N1, haja vista o fato de “poder trazer
61
prejuízos...” ou ainda o fato de que o “Brasil será muito em breve o recordista
mundial de casos da gripe suína e de óbitos”. Mas, tão relevante quanto essa
proposta
de
cobertura
jornalística
antecipatória
é
a
presença
dos
“especialistas” para sustentar as posições tomadas pelo veículo.
Ao lermos a matéria cujo título já anunciamos no parágrafo anterior, é
possível
perceber
como
funciona
a
presença
do
“especialista”
na
organização do texto noticioso. A editoria Rio, as escolas do Rio (como o CEL
no Jardim Botânico), a Associação de Pais e Alunos do Estado do Rio,
professores da UERJ, poderia sugerir a elaboração de um relato circunscrito ao
limites geográficos do Rio. Na informação, apesar da reposição de aulas ser a
grande preocupação de pais e de educadores, o Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem) parece ser também um grande antagonista do calendário
escolar pós-adiamento do retorno às aulas, como sugere o intertítulo “Para
educador Enem traz complicações”. Ao seguirmos as linhas pós intertítulo, nos
deparamos com o depoimento da consultora da Secretaria de Educação do
Espírito Santo, Viviane Mosé, afirmando que a “reposição não deve ser
acelerada”. Ora, mas não estaria a data da manutenção do Enem cumprindo
exatamente essa função, a de acelerar a reposição? Não podemos negar
que a presença da consultora (única personagem que não guardava relação
aparente com o Rio) despertou nossa atenção. Na verdade, tratava-se de
uma das comentaristas da rádio CBN (cuja trajetória profissional aponta
também para a participação durante alguns anos no programa Fantástico)
que, junto com Carlos Heitor Cony e Arthur Xexéo, integra o quadro Liberdade
de expressão. Nesse sentido, seria apenas uma coincidência a presença da
educadora naquela produção narrativa?
Já no dia 27, percebe-se que a profecia do leitor de O Globo (cuja
carta havia sido publicada no dia 24) havia se concretizado, o que aumenta a
credibilidade do veículo sobre o que fora dito e sobre futuras antecipações.
Sob o título “Gripe tem mais mortes no Brasil”, o jornal anuncia: “O Brasil é o
primeiro do mundo em número absoluto de mortes por gripe suína, seguido
pelos Estados Unidos (522) e Argentina (439). De acordo com levantamento do
Ministério da Saúde, divulgado ontem, foram confirmados 557 óbitos no país”
(27/08/2009, primeira página). Nas páginas internas, vamos localizar na editoria
62
Rio, o desdobramento da informação que foi objeto de destaque na capa.
Sob o título “Números de brasileiros mortos pela gripe suína já é o maior no
mundo”, é possível ler o matutino descrever que a “gripe suína já matou mais
brasileiros do que pessoas de qualquer outra nacionalidade na atual
pandemia” (O Globo, 27/08/2009, p. 13 [Rio]). Como o texto segue
esclarecendo que, com relação à taxa de mortalidade (isto é, a relação entre
o número de mortes e a população do país), o Brasil era o sétimo (com índice
de 0,29%), julgamos que é oferecida ao leitor a possibilidade de ler os dados
pela ótica do “número absoluto” ou da “taxa de mortalidade”.
Um segundo dado que merece nossas atenções, mas que no veículo
não chega a desfrutar de uma centralidade, é a identificação das regiões de
maior risco – “São Paulo concentrava 223 registros de mortes, seguido por
Paraná (151), Rio Grande do Sul (98) e Rio de Janeiro (55)” – e dos grupos
atingidos – “do total de gestantes com gripe, 12% morreram” –, o que
contribuiria em 2010 para a distribuição das doses de vacina na Campanha
Nacional de Imunização. No entanto, em nossa avaliação, o real do problema
não está nestes números, mas sim em outros, especialmente nos vinculados na
continuação da matéria:
O governo federal enviou ontem uma medida
provisória ao Congresso Nacional para liberação de R$
2,1 bilhões para o enfrentamento da pandemia. O
ministério informou que os recursos serão usados para a
aquisição de 73 milhões de doses da vacina contra a
doença, mas 11,2 milhões de tratamentos, equipamentos
para hospitalização, material de diagnóstico e aumentos
do número de leitos de UTI, além de capacitação de
profissionais (Idem, grifo nosso).
Examinemos esses elementos. Com a informação de que o governo
enviou medida provisória ao Congresso e a do número absoluto de mortes no
Brasil, confirma-se a previsão do leitor (carta publicada em 24/08) sobre a
tragédia da gripe. Entretanto, também não deve ser considerado um mero
detalhe a notícia que segue a matéria principal, organizada sob o título
“Suspeita de desvio de remédios” e subtítulo “Médico em Cabo Frio que teria
autorizado retiradas é afastado”, especialmente pela propaganda da
Tok&Stock. Ocupando duas colunas em toda extensão vertical da página, a
empresa traz como título de seu anúncio “Organize sua casa sem desorganizar
suas economias”. Do ponto de vista analítico, vamos inverter os termos entre
63
informação e propaganda, conferindo a esse último uma centralidade em
nossa análise.
O Globo, 27/08/2009
Como é uma tônica de O Globo criticar a forma como o Governo Lula
gasta seus recursos – talvez não seja desnecessário lembrar a complacência
que o modelo neoliberal, capitaneado pelo ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, merecia do veículo – não nos parece mero detalhe a propaganda
da Toc&Stock. “Organize suas casa sem desorganizar suas economias” não
estaria, na produção social de sentidos oferecida pelo periódico, sugerindo
que o governo gasta mal seus recursos, a ponto de enviar ao Congresso o
64
pedido de liberação de R$ 2,1 bilhões? Ou ainda: com o box sobre a “suspeita
de desvio de remédios” – que não deve ser lido separadamente, haja vista o
fato de estar abarcado pela informação principal da página e ladeado pela
propaganda – não estaria novamente sugerindo o matutino que, não fosse a
falta de fiscalização das autoridades de saúde sobre remédios existentes, não
haveria a necessidade de se contingenciar mais recursos financeiros,
desorganizando suas economias para organizar sua casa? Cremos que a
plausibilidade de nossas inferências é validada pelo próprio jornal que, mesmo
não tendo acesso ao médico envolvido no processo, veicula a informação
com base no trabalho de “uma equipe da Intertv de Cabo Frio, afiliada da
Rede Globo, que localizou as pessoas que tiveram seus nomes indevidamente
colocados em receita para retirada do medicamento (...) que pode ter sido
desviado” (Idem, grifo nosso). Aqui, menos importa se os remédios foram
desviados ou não, se se conhece a origem das tais pessoas ou não. O que
vale é formar opinião.
3.2 Folha de São Paulo
A Folha de S. Paulo construiu sentidos sobre a Influenza H1N1 sobre dois
eixos principais. O primeiro deles consistiu na caracterização da doença como
estrangeira. Por isso, deveria haver o reforço das fronteiras internas e externas.
O monitoramento e a fiscalização dos fluxos poderiam evitar o aumento da
disseminação, garantindo maior segurança ao país. Nesse sentido, enquanto
a previsão dos riscos está associada à prevenção, a própria prevenção é
parte da conquista da segurança. Como enfatizou o jornal, prevenir era não
viajar e manter-se afastado daqueles que tinha viajado e apresentavam
sintomas da doença: suspeitos do “crime” de adoecer. O estabelecimento
dessa relação do doente como criminoso esteve implícito em diversos textos
do jornal, colocando os doentes como responsáveis por terem trazido a
doença de fora para o território nacional e/ou regional.
Além daquelas medidas, outras foram destacadas como forma de
prevenção: o uso de máscara, álcool gel, evitar aglomerações. No entanto, a
ênfase maior foi na recomendação contra as viagens internacionais,
65
particularmente. Isso foi feito apesar da posição contrária do Ministério da
Saúde em relação à proibição de viagens.
O outro eixo temático a partir do qual muitos textos foram produzidos diz
respeito
à
desqualificação
da
doença
a
partir
de
parâmetros
da
racionalidade médico-científica e também da informativa. Inúmeras vezes o
jornal apresentou estudos que demonstravam que a doença não era tão
aterrorizante quanto se imaginava. No entanto, reconheceu o avanço da
doença
e
indicou
variadas
medidas
profiláticas.
Essa
tensão
entre
desqualificar e reconhecer os “perigos” intrínsecos à disseminação da doença
permeou os textos do jornal no período. Nessa situação, a Folha de S. Paulo
esperou do Ministério da Saúde a capacidade para gerenciar os riscos,
antecipando-se a possíveis ameaças futuras.
Caberia investigar como esses
e outros sentidos sobre a doença se apresentaram ao longo dos meses.
Maio
No dia 5 de maio de 2009, na editoria “Mundo” da Folha de S. Paulo,
saiu uma matéria com o seguinte título: “Brasil prevê gasto de R$ 141 mil em
prevenção”. O subtítulo trouxe essas informações: “Casos de pacientes
suspeitos de gripe A (H1N1) no país chegam a 25; outras 36 pessoas são
monitoradas em 16 estados”. O texto se concentra na disseminação do vírus
no território nacional, contando com um Box, “Tire dúvidas”, com as ditas
principais questões sobre a doença. Por que, então, a matéria foi publicada
na editoria internacional? Naquele momento, a incidência de casos da
doença se davam em maior número em países estrangeiros (EUA e México,
principalmente, naquele momento). Por isso, a Influenza H1N1 foi tomada
como uma doença estrangeira. Esse entendimento ficou evidente no
parágrafo de introdução da matéria, acima do lide e abaixo do subtítulo:
“Morte no Rio de mulher que voltara recentemente dos EUA é investigada,
embora ela não registrasse todos os sintomas ligados à doença” (Folha de S.
Paulo, 05/05/2009: A13).
A associação da doença ao estrangeiro também esteve presente no
lide:
66
No dia em que os casos suspeitos da gripe A (H1N1)
no Brasil subiram para 25, o Ministério da Saúde anunciou
o pedido de R$ 141 milhões para, principalmente, ampliar
a fiscalização nos portos e fazer campanha sobre a
doença. Segundo a pasta, o Ministério do Planejamento
está elaborando medida provisória para a liberação
(Folha de S. Paulo, 05/05/2009: A13 [grifos nossos]).
A dimensão internacional aparecia, portanto, nas fronteiras. O
monitoramento e a fiscalização do trânsito entre as fronteiras internacionais,
sejam elas aquáticas, terrestres ou aéreas. O problema principal do momento
é a movimentação. A morte da mulher que “voltara recentemente dos EUA”
apenas reforçava o fato de que a doença se adquiria no território estrangeiro
e era trazida para o Brasil.
A Folha de S. Paulo incorporou o discurso do gerente da Área de
Vigilância em Saúde e Gestão de Doenças da Organização Pan-americana
de Saúde (Opas), Jarbas Barbosa. Resumiu a reportagem: “Segundo ele, a
grande preocupação hoje é conseguir detectar a entrada do vírus num país
antes que haja dispersão” (Folha de S. Paulo, 05/05/2009: A13). Ou seja,
colocava-se a previsão como parte constituinte da prevenção, como uma
forma de vigilância do possível, um controle prévio para evitar um possível
acontecimento trágico. Essa previsibilidade permitia a construção de cenários,
tendências e situações que deveriam ser evitadas porque provocariam
prejuízos sociais. No caso do jornal, esse “acontecimento evitável” era o
avanço da expansão da Influenza H1N1 em território nacional. No entanto,
apesar do esforço do cálculo e das medidas preventivas, o risco e incerteza
continuaram presentes. A reportagem publicou a seguinte declaração de
Jarbas Barbosa: “Não há medidas 100% intransponíveis em nenhum aeroporto
do mundo, porque as pessoas podem estar chegando num período de
incubação do vírus” (Folha de S. Paulo, 05/05/2009: A13). Com base nessa fala,
o jornal colocou em evidência o modo como nos contextos de incerteza
predomina a aleatoriedade, a contingência e a indeterminação, o que nos
faz entender que as metodologias da análise de risco face aos contextos de
incerteza não são totalmente eficientes, na medida em que pressupõem a
aplicação de probabilidades matemáticas que visam mensurar e quantificar
os fenômenos aleatórios e imprevisíveis. Até mesmo por conta disso a
imprevisibilidade dos acontecimentos associa-se à previsibilidade dos cálculos.
67
Em seguida à fala da Opas, o jornal mostrou as medidas que estavam
sendo adotadas pela Anvisa nos aeroportos brasileiros com maior circulação
de vôos internacionais (Galeão e Cumbica) para combater o risco de
expansão da contaminação pelo vírus da nova gripe. No entanto, o
monitoramento era realizado pela observação de sintomas. Ainda não havia,
no país, o kit disponível nos EUA para a identificação de pessoas
contaminadas em trânsito, facilitando o controle.
A disposição das menções à Opas e à Anvisa reproduz a hierarquia
entre as duas organizações no campo da saúde. Nesse sentido, enquanto
caberia, naquele momento, à Opas refletir sobre estratégias preventivas, à
Anvisa caberia a execução.
O intertítulo, “Morte no Rio”, finalmente, introduz a notícia da morte de
uma mulher de 50 anos com suspeita de ter sido contaminada pelo vírus da
Influenza H1N1. A paciente não estava entre os suspeitos de terem contraído a
doença. A sua morte foi notificada ao CIEVS (Centro de Informações
Estratégicas em Vigilância em Saúde) “por precaução”, já que “a mulher
chegara do estado americano de Michigan dois dias antes” (Folha de S.
Paulo, 05/05/2009: A13). Esse fato, portanto, já fazia dela uma potencial vítima
fatal da doença. A sua morte já tinha uma causa: ela havia viajado aos EUA.
O jornal, ao final, apresentou uma situação: “a Secretaria Estadual de
Saúde [de São Paulo] informou que o caso não era 1 dos 3 considerados
suspeitos no estado por não preencher critérios estabelecidos pelo Ministério
da Saúde” (Folha de S. Paulo, 05/05/2009: A13). No lugar de criticar as formas
de previsão e controle dos riscos de adoecimento, o jornal acrescentou que o
Ministério da Saúde tinha afirmado que a Fiocruz havia coletado o material
sanguíneo dela para verificar a causa da morte. Apesar disso, o jornal
associava a morte dela à permanência nos EUA, confirmando, nessa lógica, a
contaminação por Influenza H1N1.
Assim, discursivamente, o texto fazia o reforço do espaço nacional em
relação ao estrangeiro. Esse reforço das fronteiras produzia uma nova forma
de nacionalismo, na qual a proteção do país correspondia a um
monitoramento mais ostensivo dos fluxos internacionais.
Nesse sentido, pelo
68
fato de a doença ser tomada como estrangeira, era necessário reforçar as
fronteiras nacionais e vigiar aqueles que vinham de fora, mais prováveis
portadores e disseminadores da doença em território nacional.
No dia 6 de maio, também na editoria “Mundo”, duas matérias foram
publicadas na mesma página. A primeira, “Brasil espera para poder fazer
diagnósticos”, ocupava a coluna esquerda da página. Ao seu final, aparecia
um anúncio da campanha da Ocean Air sobre o lançamento de 2 novos vôos
para Florianópolis. Outra grande parte da página foi ocupada por um outro
anúncio. A Transfolha anunciava seus serviços de transporte terrestre e aéreo
para todo Brasil: entrega expressa, logística reversa, armazenagem e
manuseio. Acima desse anúncio, estava a segunda matéria que compunha a
página e, de certa forma, criava dentro daquela editoria uma subeditoria,
que podemos chamar de saúde, para tratar do tema da Influenza H1N1. O
título da segunda matéria foi: “Para evitar gripe, país cancela conferência da
Unesco que seria realizada em Belém”.
69
Folha de São Paulo, 06 de maio de 2009
Uma foto une as duas matérias. A foto de um paciente na maca sendo
levado por um médico para dentro de uma ambulância é seguida da
seguinte legenda: “Ambulância com suspeita de ter gripe A (H1N1) em Minas
Gerais”. O fato do uso da palavra suspeita no gênero feminino chama a
atenção. Se estivesse no gênero masculino (suspeito), saberíamos que a
suspeição se referia ao paciente. Como a concordância nominal estava
relacionada à ambulância, outro sentido foi proposto. Era a ambulância a
suspeita de estar contaminada pelo vírus. Como ela continha um paciente
suspeito de estar contaminado, toda a ambulância também teria se
contaminado pela suspeição. A legenda estabeleceu naquela construção
textual uma relação de sentido que é característica da metonímia. Tomando
70
o continente pelo conteúdo, o texto dá a entender que, pelo fato de a
ambulância estar sendo ocupada por um paciente suspeito contaminado,
ela, como um todo, também era suspeita. Ela se contaminava pela suspeição,
por ter dentro dela um suspeito da doença.
Também não podemos deixar de considerar o uso excessivo da palavra
“suspeitos” para designar as pessoas com possíveis sintomas da doença. Essa
palavra, muito associada ao contexto legal e policial, refere-se a pessoas que
são acusadas pela probabilidade de terem cometido um crime mediante
provas e evidências que serão averiguadas. Como sabemos, a suspeição se
baseia na dúvida, na incerteza, na desconfiança e na probabilidade, naquilo
que pode ser provado ou não. Ao associar ao possível doente caracterizações
lexicais geralmente atribuídas a possíveis criminosos, o que estava sendo
destacado era a periculosidade e a ameaça que as aquelas pessoas
ofereciam até quando não fosse provada a sua inocência, que, nesse caso,
era não estar contaminado. Por outro lado, essa associação levava a um
entendimento de que os suspeitos de crimes podem ter tido seus corpos
tomados por um vírus e precisam ser isolados, tratados e medicados. Essa
prática também foi comum no caso dos portadores da Influenza H1N1. Assim
que provada uma suspeita, eles eram isolados e tratados. O isolamento, nesse
sentido, confirma uma lógica tradicional de repressão. Pune o “desvio”
daqueles que são isolados (doentes criminosos e criminosos doentes) e
consolida como “norma” aqueles que não foram infectados.
No caso da primeira matéria, a questão era a ausência de métodos e
técnicas confiáveis para a confirmação da contaminação de pessoas pela
doença. Até o momento era possível suspeitar, mas não confirmar os casos.
Essa aferição só seria possível pela chegada de kits dos EUA para fazer
diagnósticos precisos. Até a chegada dos kits, todos os suspeitos de estarem
com a doença eram tratados como contaminados pelo vírus.
A reportagem apresentou a situação da seguinte forma:
Há mais de uma semana monitorando casos suspeitos
de gripe suína, o Brasil ainda não dispõe do teste para
confirmar a doença. O Ministério da Saúde não sabe
informar ao certo quando o país vai recebê-lo e diz
apenas que os kits para diagnóstico devem chegar até o
final da semana (Folha de S. Paulo, 06/05/2009: A11).
71
A posição do texto era de que com a chegada dos kits, finalmente, os
diagnósticos seriam baseados em certezas e não mais em suspeitas. Assim,
consolidava-se a noção de que o dispositivo tecnológico era mais confiável
do que o humano. A desconfiança em relação à contaminação tinha
fundamento no contato com o exterior. Em seguida ao lide, estava escrito na
reportagem: “Até a tarde de ontem, o Ministério da Saúde acompanhava 28
casos suspeitos e 28 pessoas com sintomas, mas que não estiveram em países
com casos confirmados. Outros 73 casos haviam sido descartados” (Folha de
S. Paulo, 06/05/2009: A11). Isso demonstrava que o critério para a identificação
de indivíduos contaminados pelo vírus era, para além de apresentar os
sintomas, ter vindo do exterior, dos “países com casos confirmados”.
Todos os entrevistados da matéria comentam a espera pelos kits. David
Uip, diretor do Instituto Emílio Ribas, disse: “Estamos esperando os kits para
testar os casos suspeitos”. O secretário de Saúde do Estado de São Paulo, Luiz
Roberto Barradas Barata, disse que “o país optou esperar a chegada dos kits
porque, do contrário, a espera pelo resultado seria maior”. Marta Salomão,
diretora do Instituto Adolfo Lutz, falou que “não seria prático enviar amostras
brasileiras para os EUA, pois há 20 mil exames do México aguardando
resultado”. Maria do Carmo Timenetsky, diretora da Virologia do Instituto
Adolfo Lutz, afirmou que os diagnósticos são feitos por exclusão, a partir do
exame de mostras de secreção nasal. Por sua vez, a assessoria de imprensa da
Opas informou que os testes já tinham saído dos EUA e que estavam para
chegar no Brasil.
Essa justaposição de falas consolida uma justificativa. Justifica a
necessidade dos kits para ter um diagnóstico preciso. No entanto, não expõe
causas para essa falta. Isso, por outro lado, não significava que implicitamente
o governo federal e, particularmente, o Ministério da Saúde não estivessem
presentes como responsáveis pela encomenda dos kits. Nesse sentido, ao lado
da ampla crença nos kits como garantias da segurança e da confiança nos
diagnósticos, estava uma crítica a morosidade na chegada deles.
Aquela confirmação da doença como estrangeira também esteve
presente na outra matéria. O cancelamento da conferência da Unesco em
72
Belém foi narrado como uma interdição do trânsito internacional, bem como
uma forma de estabelecimento de fronteiras, de zonas protegidas da doença.
A abertura do texto chamava a atenção para uma oposição de
posições: “Ao mesmo tempo em que corrobora a decisão da OMS
(Organização Mundial da Saúde) de não restringir viagens ao exterior, o
governo federal recomendou o adiamento de pelo menos um evento
internacional devido à gripe suína” (Folha de S. Paulo, 06/05/2009: A11). Ou
seja, o cancelamento estava indo de encontro à recomendação da OMS.
Depois de apresentar como “real” essa versão, o jornal contou aquela que
seria a “oficial”. Em outro trecho, lemos o seguinte:
A medida foi acordada na reunião de um grupo
interministerial que coordena a atuação do Brasil frente à
circulação do vírus e comunicada anteontem à Unesco,
mas não foi divulgada pelo Ministério da Saúde.
Procurada ontem, a pasta informou que a questão foi
trazida pelo MEC e que a decisão considerou a
quantidade de pessoas que viriam. Segundo a Saúde,
continua a orientarão de que não há restrições para
viagens internacionais (Folha de S. Paulo, 06/05/2009:
A11).
A justificativa do adiamento não era, portanto, o trânsito internacional,
mas a aglomeração que seria provocada pela conferência e que poderia
facilitar o contágio. Era a aglomeração que aumentava a possibilidade de
propagação da doença. Como essa explicação, o Ministério da Saúde não
compromete o negócio das viagens internacionais.
O posicionamento do Ministério da Saúde não inviabilizou a postura da
matéria. Logo após aquela afirmação, o texto da notícia abriu um intertítulo,
“Fronteiras”. Os três parágrafos que seguiram merecem uma análise. O
primeiro continha o seguinte: “As medidas de vigilância nas fronteiras foram
mais uma vez reforçadas, com a busca de possíveis suspeitos também em
fronteiras terrestres” (Folha de S. Paulo, 06/05/2009: A11 [grifos nossos]). Nessa
construção textual, produziu-se um tipo de criminalização da doença. O
suspeito de estar contaminado era visto como potencial criminoso que
precisava ser perseguido, capturado e interditado. Por conta disso, era
necessário o monitoramento das fronteiras. Nesse contexto, era uma medida
preventiva.
73
O segundo parágrafo daquele trecho confirmava aquela criminalização
da doença:
Pela difusão dos pontos de entrada no país, a busca
por suspeitos é mais complicada do que em aeroportos e
será em colaboração com os municípios, principalmente
em fronteiras mais sensíveis, como Tabatinga (AM) e Foz
do Iguaçu (PR). A fiscalização será feita após barcos e
ônibus notificarem autoridades de saúde sobre casos
suspeitos a bordo (Folha de S. Paulo, 06/05/2009: A11
[grifos nossos]).
Esse tipo de construção reforçava a tomada da doença como crime.
Ou seja, sendo de responsabilidade individual, caberia ao Estado criar
instrumentos de controle da proliferação da doença, garantindo que a
doença fosse um problema coletivo na medida em que não havia
instrumentos confiáveis para desfazer as incertezas; e, na confirmação dos
doentes, colocá-los no isolamento, retirando-os do convívio social e da
possibilidade contaminar mais pessoas.
A construção da doença como estrangeira também apareceu no texto.
O uso da expressão “fronteiras mais sensíveis” explicitou a necessidade de
construção de fronteiras mais fortes e intransponíveis. Tabatinga é um
município brasileiro do estado do Amazonas. É conurbado com a cidade de
Letícia, capital da província do Amazonas, na Colômbia, sendo que são
interdependentes, onde o único marco limítrofe é um poste com as bandeiras
do Brasil, Colômbia e Peru. Já Foz do Iguaçu é um município brasileiro no
extremo oeste do estado do Paraná, na fronteira com a Argentina e com o
Paraguai. A “sensibilidade” daquelas fronteiras dizia respeito tanto ao intenso
trânsito de pessoas entre os países e ao fato de aqueles países estarem com
alto índice de contágio. Ou seja, essas cidades tinham “fronteiras mais
sensíveis”, porque ofereciam mais riscos de contaminação.
Essa preocupação com o estrangeiro era reforçada pelo último
parágrafo da matéria: “O diretor de portos, aeroportos e fronteiras da Anvisa,
Angenor Álvares, disse que a agência pode impedir que as pessoas com
sintomas, após avaliadas por médico de hospital de referência, embarquem
num avião com sintomas da doença” (Folha de S. Paulo, 06/05/2009: A11
[grifos nossos]). Apesar de o Ministério da Saúde ter declarado que não era
necessária a proibição de viagens internacionais, a Anvisa (órgão do Ministério
74
da Saúde) tinha a autoridade para impedir pessoas com sintomas de
embarcarem no avião. A repetição de “com sintomas” na caracterização das
pessoas em suspeição reforçava a criminalização da doença e necessidade
de exclusão daquelas pessoas do convívio social.
Como vimos, no todo daquela página, havia uma tensão entre o
reforço das fronteiras e o estímulo ao trânsito. Por um lado, a produção
jornalística mostrava que, naquele contexto de alastramento da doença, as
fronteiras (nacionais, especialmente) estavam tendo de ser “mais uma vez
reforçadas” e, com isso, recomendava a fixação no Brasil. Por outro lado, os
anúncios publicitários convidavam ao movimento, ao deslocamento, ao
encurtamento das distâncias. A tensão entre esses dois discursos se dava em
relação aos meios de transporte: o avião, especialmente. Eles estavam
permitindo tanto a aproximação quanto a contaminação. Eram, então, ao
mesmo tempo, “vilões” e “heróis”. E, naquele contexto, mais “vilões” do que
“heróis”.
No dia 9 de maio, na seção “Editoriais”, a Folha de S. Paulo publicou um
texto intitulado da seguinte forma: “A Gripe A no Brasil”. A proliferação da
doença no país era colocada como um teste para o governo: “Teste para
autoridades começa agora; desafio é identificar e contar casos de
transmissão de pessoa a pessoa no país”. Esse trecho, destacado pelo jornal
antecede ao corpo do texto. No entanto, ele ressalta o desafio que foi
lançado ao Estado pelo editorial. Ele deveria ser capaz de “identificar e
contar” o avanço da contaminação no país. Nessa concepção, o papel do
Estado seria o de gerenciar os riscos. Ou seja, ele deveria usar de
procedimentos e tecnologias para evitar a confirmação de possíveis cenários
futuros, marcados pelo fracasso. Nesse sentido, o Estado fracassaria se não
fosse capaz de “identificar e conter” o avanço da doença. O teste para o
Estado era se ele era capaz ou não de controlar e evitar o futuro aterrorizador
que se desenhava.
75
Folha de São Paulo, 09 de maio de 2009
Mais uma vez, os fluxos internacionais de pessoas eram tomados como
justificativa da expansão da doença:
Como era previsível, a gripe A (H1N1) teve sua
presença no país confirmada. Numa época em que as
viagens internacionais se tornaram lugar-comum, seria
ilusório esperar que medidas de controle pudessem
manter um vírus além das fronteiras nacionais. Bastou
chegarem os kits específicos de diagnóstico para se
detectasse a presença do agente em seis brasileiros sob
observação – cinco deles com viagens recentes ao
exterior, três ao México e dois aos Estados Unidos (Folha
de S. Paulo, 09/05/2009: A2 [grifos nossos]).
O fato de o jornal considerar as viagens internacionais um “lugarcomum” revelava o seu endereçamento ao público de classe média. Apesar
76
das facilitações das viagens internacionais, elas se tornaram muito mais
comuns naquela classe social. Essa possibilidade foi resultado das políticas
econômicas adotadas pelos governos brasileiros desde o Plano Real. Por
conta disso, o jornal apontou para um certo paradoxo na política
governamental: ao mesmo tempo em que ele permitiu o aumento das viagens
internacionais, àquela época, ele estava tentando praticar medidas de
controle que “pudessem manter um vírus além das fronteiras nacionais”. Para
o editorial, isso era impossível, ilusório. O problema, portanto, estaria no fato de
o governo ter possibilitado que as viagens internacionais deixassem de ser
bens mais restritos para se tornarem bens mais ampliados: um “lugar-comum”.
Além disso, ao apresentar daquela forma o avanço da contaminação, o
editorial da Folha de S. Paulo ainda trazia uma relação implícita: a Influenza
H1N1 era uma doença espalhada pela classe média.
O texto apresentava que, de um total de 2.843 casos, 1.204 infecções
foram documentadas no México para 44 mortes e 1.639 para duas mortes nos
EUA. A discrepância desses números foi explicada segundo duas hipóteses. A
primeira era que “no país latino-americano é mais reduzida a capacidade de
confirmar com rapidez”. Por essa ineficiência, o número real poder ser bem
maior do que o oficial. Àquela época, apenas os EUA contavam com os kits
que permitiam um diagnóstico preciso da infecção. A segunda hipótese era
quanto às “deficiências no sistema de vigilância sanitária e assistência à
saúde” no México. Ou seja, parte dos óbitos estaria ocorrendo pela “falta de
medidas preventivas ou cuidados aos doentes, numa população em média
bem mais pobre e vulnerável que a dos EUA”. A relação entre pobreza e
vulnerabilidade demonstra uma nova desigualdade social: enquanto os
pobres estão em perigo, os ricos estão em segurança. Uns estão mais expostos
às ameaças da vida cotidiana, a violência e a doença, do que outros. A
pobreza foi colocada, então, como uma variante que aumente o índice de
risco em potencial.
O editorial acreditava, convocando as afirmativas de infectologistas
não nomeados, que “as autoridades de saúde no Brasil demonstravam até
aqui dispor da capacidade técnica e institucional para enfrentar a
emergência” (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: A2 [grifos meus]). O uso da
77
expressão
temporal
“até
aqui”
designava
uma
desconfiança
na
potencialidade das autoridades de saúde brasileiras. Essa desconfiança
resultava
da
incerteza
da
capacidade
daquelas
autoridades
no
enfrentamento da situação. Nesse sentido, a capacidade do Estado estava
sendo medida, também, pelo sentimento de segurança e de confiança que
ele produzia. Apesar da desconfiança pressuposta, havia o reconhecimento
de que o Estado estava cumprindo o seu papel.
No entanto, o texto não afirmava que esse desempenho significava que
se devia “baixar a guardar”, em mais uma metáfora bélica. Além de
“enfrentar”, caberiam às autoridades de saúde não “baixar a guarda” diante
do reconhecimento de sua capacidade no enfrentamento da situação.
Afinal, estava acabando de começar “o grande teste para a vigilância
sanitária”. Da sociedade também se esperava uma ação: “Da sociedade
também se espera que mantenha a prontidão. Não há razão para alarme,
mas muito fará observando cuidados simples como lavar as mãos com
frequência – mesmo porque esse é um dos meios mais eficazes para prevenir a
transmissão de qualquer gripe” (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: A2). O vocábulo
“prontidão” reforçava a linguagem bélica utilizada pelo editorial. Enquanto
“enfrentar” e não “baixar a guarda” deveriam ser atributos do Estado, a
condição de “prontidão” era esperada pela sociedade. Essas expressões
confirmavam que se estava numa guerra contra a doença e que, numa
situação dessas, todos deveriam lutar e fazer sua parte.
Na mesma página da editoria “Opinião”, há uma charge, intitulada
“Gripe suína”. Nela aparecia um homem (vestido de calça e blusa azuis),
sentado num sofá verde, com uma máscara cirúrgica branca. Ainda
compunham o desenho, com destaque, a sombra do sofá e do homem
(formando uma televisão) e uma tomada (que também remete a um nariz de
porco). A charge apresentou vários níveis de significação. O olho do homem é
de espanto em relação à tomada. Como tomada, o medo poderia estar
relacionado a mais informações sobre a doença, que seriam transmitidas por
aquele virtual aparelho de televisão que se formava na sombra. Como nariz
de porco, o medo era da própria doença. Nesse sentido, ela retomava à
presença da Influenza H1N1 como pandemia. O fato de a televisão projetada
78
– e configurada – numa sombra não estar ligada à tomada podia demonstrar
que não é só pela televisão que se percebia a presença da doença como
realidade no mundo. A doença era uma ameaça presente não apenas na
virtualidade da informação, mas também no cotidiano da vida doméstica. Por
isso, em casa, o homem usa máscara cirúrgica, para se proteger. A
localização nacional de para onde se destina a ameaça foi identificada pela
combinação de cores utilizadas na cenografia (verde e amarelo) e no figurino
(azul e branco) que compuseram a charge. Dessa forma, o desenho não só
localiza o lugar de fala do personagem, como também o localiza no mundo
como brasileiro. Sendo assim, a ameaça era contra o Brasil e o medo era
brasileiro.
No dia 9 de maio de 2009, a editoria “Cotidiano” da Folha de S. Paulo
contou com duas páginas exclusivas sobre a Influenza H1N1. A C1 contava
com uma matéria principal, “Brasil tem 1ª transmissão interna da gripe”, uma
matéria vinculada, “Jovem doente viu jogo com grupo de amigos”, um
infográfico explicando a ação do vírus, uma notícia, “No Rio, Avisa já multou
companhias aéreas 12 vezes, e uma nota, “OMS: vigiar aeroportos não detém
o vírus, afirma entidade”.
Compunha o primeiro texto uma foto de uma enfermeira numa aérea
isolada para atender possíveis casos de gripe suína no Hospital das Clínicas,
em São Paulo. A foto foi tirada através de um vidro e mostra a enfermeira com
roupas e cabelos isolados por plásticos, a boca e o nariz, por máscara, e os
olhos, por óculos, mas as mãos estavam sem luvas, desprotegidas e
oferecendo risco. Dessa forma, o sentido geral da foto destacava que, mesmo
no isolamento, havia o risco da contaminação. Isso fica evidente no modo
como as mãos, livres de proteção, foram fotografadas: sobre a bancada da
pia e levemente inclinadas.
O subtítulo da matéria principal tinha como subtítulo o seguinte: “Os
dois novos registros da doença foram em Santa Catarina (uma menina de 7
anos) e no Rio, elevando o total para 6”. O texto foi construído sobre
declarações do Ministério da Saúde, José Gomes Temporão, sobre o primeiro
caso de transmissão da doença em solo brasileiro, o que fez o país se tornar o
79
sétimo no mundo a registrar transmissão autóctone. Na reportagem, a história
da vítima foi narrada da seguinte forma:
Um amigo do jovem brasileiro de 21 anos
contaminado pela gripe A (H1N1) em Cancun e que
manteve contato com ele após chegar do México foi a
primeira vítima a ter contraído a doença sem ter deixado
o país. O amigo do jovem manteve contato com ele no
domingo, após assistirem à final do Campeonato
Estadual de futebol do Rio. Apresentou sintomas na terçafeira e foi internado na quarta-feira. Permanece com
febre, mas em quadro estável (Folha de S. Paulo,
09/05/2009: C1).
O ministro da Saúde, por sua vez, reconheceu o caso, mas afirmou que
ele era algo isolado: “Trata-se de um caso isolado. Não há registro de
passagem para terceiros [além das duas vítimas]. Esse fato mostra que o
sistema está funcionando. Estamos identificando os casos e monitorando todas
as pessoas que tiveram contato” (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C1 [grifos
nossos]). Temporão declarou que todas as pessoas que apresentassem os
sintomas da gripe (principalmente aparecimento de febre alta súbita) e
estiveram em área afetada ou tiveram contato com alguém que viajou para
essas áreas deveriam procurar atendimento médico.
A matéria sintetizou as relações concessivas presentes nas afirmações do
ministro na seguinte frase: “Apesar do alerta, Temporão afirmou que a situação
no país está ‘sob controle’ e pediu tranquilidade à população” (Folha de S.
Paulo, 09/05/2009: C1). É característica da oração subordinada concessiva
representar a ideia menos importante no interior da oposição com a oração
principal. No caso das relações entre aquelas orações no encerramento do
texto da reportagem, isso também ocorre. Dessa forma, o jornal demonstrou
assumir posição semelhante àquela que representava como sendo a de
Temporão: naquele momento, era mais importante tranquilizar do que alertar.
Na matéria coordenada, “Jovem doente viu jogo com grupo de
amigos”, foi apresentado o caminho percorrido pelo contaminado pela
cidade do Rio de Janeiro, entre as zonas norte e sul:
O jovem brasileiro de 21 anos contaminado pela
gripe suína no México comemorou o tricampeonato
estadual do Flamengo com amigos em frente à boate La
80
Playa, na Ilha do Governador, zona norte do Rio, onde
mora, disse a mãe dele. Ele havia visto a final do
campeonato do Rio, no domingo, na churrascaria
Porcão, na zona sul (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C1
[grifos nossos]).
O texto estabeleceu duas dicotomias espaciais: uma entre o nacional e
o internacional (Brasil e México) e outra interna à cidade do Rio de Janeiro (a
zona sul e a zona norte). Essas oposições diziam respeito ao estabelecimento
de fronteiras, em primeiro lugar, entre os países (menos e mais afetados pelo
vírus) e, em segundo lugar, entre as regiões mais e menos nobres da cidade.
Essa marcação da diferença propunha como recomendação a imobilidade,
a ausência de movimento e de trânsito entre os países e dentro da cidade.
Afinal, era esse o movimento que estava aumentando a transmissão da
doença e trazendo-a para o Brasil. O uso do adjetivo brasileiro restringindo a
nacionalidade do jovem reforçava aquela recomendação.
O texto da matéria, por sua vez, assumiu uma recomendação do
Ministério da Saúde: “Ela [a mãe do jovem doente] disse que vai seguir a
recomendação do ministério e não sairá de casa até a semana que vem”
(Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C1 [grifos nossos]). A indicação, portanto, é não
se transitar para além das fronteiras da casa e não entrar em contato com
outras pessoas, para evitar o aumento das possibilidades de contágio.
Em seguida, o jornal publicou um infográfico intitulado “O Sequestrador
de Células” para explicar a ação do vírus da Influenza H1N1 na relação com
outras células do corpo da pessoa infectada. A utilização de metáforas para
explicar fenômenos biológicos e epidemiológicos é comum no campo da
saúde. No entanto, não se pode dizer que tais usos são neutros. As metáforas
propostas pelas palavras escolhidas fazem parte de um campo discursivo
outro que é convocado para explicar os processos que se dão entre as células
do corpo e o vírus. No caso, temos o vírus como sequestrador e as células
como vítimas. Nesse sentido, o jornal incorporou o senso comum, concebendo
o vírus como um criminoso e sendo, portanto, por excelência o lugar do mal. O
vírus é tanto invasor quanto sequestrador: “O vírus abre a parede da célula
sequestrada e injeta seu RNA no núcleo” (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C1).
A palavra sequestro pode ter vários significados, dentre as quais se
destacam: quando se refere a uma pessoa, é o ato de privar ilicitamente uma
81
pessoa de sua liberdade, e, quando se refere a um bem, é o ato de
apreender ou depositar um ou mais bens. A metáfora do sequestro utilizada se
aproxima do primeiro significado. Atribuiu subjetividade tanto a célula quanto
ao vírus. O vírus é o agente da ação. Ele é o sequestrador e, por isso, priva a
célula de sua “liberdade”, fazendo dela uma reprodutora de vírus.
O último texto jornalístico da página, “No Rio, Anvisa já multou
companhia aéreas 12 vezes”, apresenta informações sobre a ação do órgão
do Ministério da Saúde na punição às companhias aéreas que “descumpriram
os procedimentos definidos para evitar a entrada da gripe A (H1N1) no país”.
A noção de fronteira apareceu também neste texto. Afinal, o que deveria ser
evitado era a entrada de passageiros identificados como suspeitos. Ou seja,
essa noção aparece para determinar os limites e distinções entre suspeitos e
ameaçados. Nesse sentido, as companhias aéreas deveriam colaborar no
reforço do policiamento das fronteiras, para impedir a entrada da Influenza
H1N1. Numa relação metonímica, o vírus (a parte) substituiu os indivíduos (o
todo).
O texto ainda contou com uma declaração do publicitário Flávio Royo
que classificou como “assustador” o modo como profissionais da Anvisa
abordaram uma mulher com sintomas de gripe que estava voltando do Chile.
O passageiro contou:
Pensei que seria rotineiro e que iriam explicar algo
sobre a gripe suína, mas não. Com máscaras, os agentes
foram direto na passageira, não explicaram nada nem
perguntaram se mais alguém tinha sintomas. Por isso,
suponho que a mulher falou antes para a comissária
(Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C1).
Ao final do texto, para contrapor a declaração do passageiro, lia-se o
seguinte:
A Anvisa informou que o comandante é quem tem
de comunicar aos passageiros o que está acontecendo.
Diz ainda que a abordagem – feita por médicos,
enfermeiros e biólogos – foi correta e rápida, sem expor a
mulher (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C1).
A construção do texto deu maior destaque à opinião do passageiro
sobre a ação “assustadora” dos agentes da Anvisa. Isso ficou evidente no
título (“Anvisa faz inspeção ‘assustadora’ em vôo, diz passageiro”), no modo
82
como se estruturou o texto (3 parágrafos para a declaração do passageiro e
apenas 1 para a da Anvisa), no uso do discurso direto e indireto e na relação
entre pessoalidade e impessoalidade. Quanto a esses dois últimos, cabem
observações. O discurso indireto e o discurso direto designam modos distintos
de relação com o discurso de outrem: no caso do indireto, há a incorporação
da fala do outro na do enunciador e no do direito, a distinção formal entre a
fala de um e a do outro. Num há mais independência do que no outro. Em
relação ao passageiro, as duas modalidades de discurso apareceram. Sua
fala havia sido reapropriada pela notícia, mas também tinha tido relativa
autonomia formal da massa de texto do enunciador. Não é o caso da Anvisa
que apenas se fez presente pelo discurso indireto. Além disso, enquanto no
caso do passageiro foi convocado o discurso dele como pessoa, como
“testemunha da história”, no caso da Anvisa, ela aparece como instituição.
Ou seja, apesar de representar uma autoridade institucional, era destituída de
autoridade testemunhal.
Ao lado desse texto, lemos uma nota, “OMS: vigiar aeroportos não
detém vírus, afirma entidade”. Nessa disposição, a ação da Anvisa acabou
sendo desqualificada. A OMS considerava que “não era mais possível conter o
vírus” e que tais medidas causavam “mais transtornos do que resultados”.
Dessa forma, a classificação da inspeção da Anvisa como “assustadora” era
confirmada. A inspeção não era recomendada pelo maior órgão de saúde
pública do mundo.
Já a página C2 tinha uma matéria principal (“EUA examinaram brasileiro
que pede visto”) e duas vinculadas: “EUA superam México e já lideram casos”
e “Vírus não é mais grave que o de gripe comum, diz infectologista do Emílio
Ribas”. Além disso, havia uma foto, uma infografia e coluna intitulada “Tire suas
dúvidas”, com respostas para as principais questões sobre a doença.
A matéria principal, “EUA examinam brasileiro que pede visto”,
apresentou o seguinte subtítulo: “Desde 3ª, quem vai à embaixada americana
é submetido à ‘inspeção’; candidato com sintomas de gripe é orientado a
esperar”. O fato de a palavra inspeção estar entre aspas não apenas
significava um deslocamento de sentido, mas um complemento. Além da
inspeção convencional (para averiguar a periculosidade das pessoas que
83
entram no local e pedem para entrar nos EUA), fazia-se uma observação para
saber se a pessoa apresentava sintomas da doença. Na verdade, a
apresentação de sinais da gripe era o maior perigo. Por isso, os candidatos
com sintomas de gripe eram orientados a esperar a melhoria, a cura, para
poderem tentar o visto.
Para a reportagem da Folha de S. Paulo, o ministro
da Saúde, José Gomes Temporão disse o seguinte: “Imagina a situação dos
EUA. É um disparate”. A fala indignada do ministro foi precedida pelo seguinte
texto:
Os quatro consulados americanos no país levam ao
menos uma semana para processar os pedidos de visto
dos brasileiros, o que, na prática, faz com que o turista
eventualmente esteja doente de gripe no dia da
entrevista já tenha se recuperado quando for viajar
(Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C1).
De certa forma, esse texto suavizava a decisão da embaixada
americana no Brasil. Depois da fala de Temporão, a reportagem assumiu outro
tom. Apresentou dados sobre a contaminação no Brasil: “Entre os casos
confirmados no Brasil, três pacientes estiveram no México, dois viajaram para
os EUA e um outro contraiu a doença de um amigo no Rio”. Desse modo,
colocava a doença como sendo estrangeira. Nesse sentido, reforçava a
indignação do ministro. O texto continuava da seguinte forma: “Ontem, os
EUA passaram o México em número de infectados, com 1.639 casos em 43 dos
50 estados, contra 1.204 doentes mexicanos”. Ou seja, na verdade, eram os
EUA a maior ameaça para a contaminação.
Logo após esse texto, um parágrafo apresentou a seguinte informação:
“Apesar da medida, a embaixada americana informou que não houve recusa
de atendimento até agora”. O uso do discurso indireto, que pressupõe a
incorporação da fala do outro na fala própria, foi sucedido pela declaração
de um representante da embaixada, justificando a medida:
“Estamos adotando precauções para proteger a
saúde dos nossos funcionários e das pessoas que
solicitam vistos. Essas são preocupações normais para
evitar a transmissão de qualquer tipo de doença
contagiosa em áreas onde se reúnem muitas pessoas”,
declarou a representação, por e-mail (Folha de S. Paulo,
09/05/2009: C1).
A ausência da nomeação configura o anonimato e a impessoalidade.
Não se refere a um representante (uma pessoa), mas uma representação
84
(uma instituição). Dessa forma, uma instituição representa outra. Não há
pessoas que respondam pelas medidas tomadas, mas entidades abstratas e
virtuais. A declaração da representação da embaixada americana no Brasil
foi feita por e-mail. Nesse sentido, apesar de identificada a procedência da
fala, a ausência de um nome próprio acabava produzindo um déficit de
autoridade. Na ausência da nomeação, não se tem a identificação da
pessoa responsável pelo discurso.
A reportagem apresentou, ainda, que a embaixada americana não
tinha detalhado como seria o procedimento da inspeção, se seria feita por um
médico ou por algum funcionário. Produziu, também, uma possibilidade de
confronto ao mencionar que o Ministério das Relações Exteriores não se
pronunciou sobre o assunto e “nem se aplicará o princípio da reciprocidade
para cidadãos norte-americanos que pedem visto nos consulados brasileiros
nos EUA” (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C2).
Aumentando a polêmica, a matéria trouxe o depoimento do
infectologista Juvêncio Furtado, presidente da Sociedade Brasileira de
Infectologia. Para o especialista, a decisão da embaixada americana é
discriminatória. Isso também reforçava o tom de indignação presente na fala
atribuída ao ministro da Saúde.
Depois disso, a matéria abriu um intertítulo (“OMS”), para destacar a
posição da instituição. Muito mais cauteloso do que o ministro da Saúde,
Rúben Figueroa, gerente da unidade de prevenção e controle de Doenças da
OPAS/OMS, avaliou que “cada país adota as medidas que considera
necessárias” (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C2). Isso não significou uma
completa falta de posicionamento. Apesar de avaliar as ações do governo
como “corretas”, afirmou que “a revista de passageiros tanto na saída quanto
na entrada do país não é uma forma eficiente de conter a propagação da
doença” (Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C2). No entanto, o texto não
apresentou qual seria a forma mais eficiente e porque aquela não era.
Na matéria vinculada, “EUA superam o México e já lideram casos”, era
reforçado o sentido proposto pela principal: a maior ameaça – e o local – de
contaminação eram os EUA. Por mais que estivessem adotando medidas de
85
segurança na contenção de mais “ameaças” ao país, eram eles que
apresentavam o maior perigo. No texto foi destacado o fato de o surto
continuar limitado à América do Norte, configurando, portanto, uma prépandemia.
Na entrevista, “Vírus não é mais grave que o de gripe comum, diz
infectologista do Emílio Ribas”, manteve-se outra preocupação da matéria
principal: tranquilizar a população brasileira quanto aos efeitos do vírus. O
especialista
afirmou
que
o
“vírus
novo”
causava
pânico
pelo
“desconhecimento” do que iria ocorrer. Apesar da possibilidade de atingir boa
parte da população mundial, Caio Rosenthal afirmou que “o quadro clínico
provocado por esse vírus não é um quadro nem mais nem menos severo do
que qualquer outra gripe que acomete a população nos meses mais frios”
(Folha de S. Paulo, 09/05/2009: C2).
A matéria ainda apresentou dados comparativos entre a situação do
México (com 1.204 casos e 44 mortes) e dos EUA (com 1.639 casos e 2 mortes).
A resposta para essa discrepância estava na assistência médica, avaliada
como muito melhor nos EUA do que no México.
O texto também contava com uma expectativa sobre a vacina.
Comentou pesquisas feitas nos EUA para a produção da vacina para “eliminar
a doença”. Nesse sentido, a noção de saúde com que trabalha o jornal é
aquela que a coloca como oposto de doença. A doença ocupa papel
central no campo do conhecimento científico e tecnológico da saúde. No
entanto, os discursos mais comuns que demandam ações dos serviços de
saúde pública não dizem mais respeito apenas a ações preventivas. Como
podemos observar nessa expectativa do texto publicado pela Folha de S.
Paulo, a demanda se dá mais em relação à necessidade de produção de
mecanismos para a eliminação da doença. Isso é fundamentalmente feito por
meio de remédios (que podem garantir a restauração da “saúde”) e as
vacinas (que podem tentar assegurar a segurança no evitar da doença).
No dia 2 de junho, na seção “Tendências e Debates, foi publicado o
artigo “Pandemia de influenza: reflexões iniciais”, de autoria de Jarbas Barbosa
da Silva Jr, médico epidemiologista e gerente de Vigilância em Saúde,
86
Prevenção e Controle de Doenças da Opas/OMS. O especialista enfatizava a
necessidade de uma comunicação mais eficiente como garantia de maior
esclarecimento e racionalidade no momento: “A comunicação apropriada,
simples e baseada em boa ciência, é a melhor arma contra a natural angústia
que todos têm e que, equivocamente, chamamos de pânico ou alarmismo”
(Folha de S. Paulo, 02/06/2009: A3 [grifos nossos]). Nesse sentido, é feita uma
distinção entre o científico e o natural. Enquanto o científico estava
relacionado à racionalidade e ao controle, o natural está associado à certa
irracionalidade, à angústia e até mesmo ao pânico e ao alarmismo. A
comunicação, na sua concepção informacional, deveria ser um instrumento
na desconstrução dessas “angústias naturais”.
Nesse sentido, o médico propôs aquilo que considerava mais eficaz:
Esquecer as máscaras e lembrar de lavar as mãos
várias vezes ao dia, proteger a tosse e o espirro, de
preferência com lenço descartável, e não comparecer
ao trabalho ou à escola quando com sintomas. Tais
medidas, ao lado da suspensão localizada de aulas em
escolas onde se registram surtos, têm sido, até agora, as
mais efetivas (Folha de S. Paulo, 02/06/2009: A3).
Mesmo com as adoções dessa medida, ele não se mostra otimista, se as
ações não foram realizadas de forma racional:
Como é impossível prever o comportamento futuro
do vírus, torçamos pelo menor, mas nos preparemos para
o pior. As ações implantadas com base racional não
serão desperdiçadas, mesmo que se mantenha o atual
cenário. Fortalecer a vigilância epidemiológica, a
capacidade dos laboratórios de saúde pública, a
preparação dos serviços de saúde e a estruturação de
uma boa comunicação de risco são medidas que
servirão para enfrentar essa e qualquer outra emergência
de saúde pública que viermos a enfrentar no futuro
(Folha de S. Paulo, 02/06/2009: A3).
No dia 3 de junho, na seção “Folha Corrida”, foi conferido um destaque
para a seguinte notícia: “Só caso grave de gripe será internado diz ministro”. O
texto da chamada anunciava uma resolução: “O Ministério da Saúde
anunciou que só vai internar pacientes confirmados e suspeitos de gripe A
(H1N1) – conhecida como gripe suína – considerados clinicamente graves, de
acordo com uma avaliação médica” (Folha de S. Paulo, 03/06/2009: C10).
Aqui, foi desfeita a ambiguidade. O título propunha o sentido de que somente
os doentes pelo contágio da Influenza H1N1 em estado grave seriam
87
internados, excluídos outros pacientes. No entanto, a restrição era interna ao
grupo dos doentes e suspeitos de terem sido contaminados pela Influenza
H1N1.
No título da notícia em questão, “Só caso grave de gripe suína deverá
ficar em hospital, diz ministro”, ainda se manteve a ambiguidade. No entanto,
a novidade era a atribuição daquela fala ao ministro. Temporão apareceu na
reportagem em tom extremamente otimista: “O Brasil ainda não registrou
nenhum paciente considerado grave” (Folha de S. Paulo, 03/06/2009: C10). O
jornal, no entanto, demonstrou desconfiança, com uma construção textual
concessiva: “Ainda de acordo com o ministro, apesar de o país ter 23 casos –
ontem, foram confirmados mais dois, no Rio – confirmados da doença, sendo
14 deles registrados em menos de uma semana, não há evidências de que o
vírus esteja em circulação no Brasil” (Folha de S. Paulo, 03/06/2009: C10).
O texto ainda mostrou resultados de uma pesquisa do Datafolha
realizada entre 26 e 28 de maio apontando que 44% das pessoas (de um
universo de 5.129 entrevistas) afirmavam “estar bem informadas” sobre a
Influenza H1N1. Ao final do texto, a fala do ministro serviu para reforçar que o
fato de a doença não estar em alta circulação no Brasil não significar que as
pessoas deviam deixar de ser bem informadas: “As pessoas devem se manter
bem informadas sobre a gripe, evitar a automedicação e, em casos de
sintomas, procurar o serviço de saúde” (de onde saiu esta frase??). Nesse
sentido, a informação era tomada como promotora do conhecimento,
daquilo que daria liberdade das crenças e comportamentos desviantes e
permitiria ações mais corretas e racionais. Como podemos perceber, a
concepção de informação se aproximava de uma visão iluminista, pois
acreditava que o acesso a ela levaria ao esclarecimento e à emancipação
de comportamentos tidos como ignorantes.
No dia 30 de junho de 2009, em “Tendências e debates, a Folha de S.
Paulo publicou o artigo “Pandemia de gripe: desafios no atendimento”.
Assinado pelo médico e doutorando em medicina de urgência pela
Faculdade de Medicina da USP e ex-diretor clínico do Instituto de Infectologia
Emílio Ribas, Carlos Frederico Dantas Anjos, o texto menciona “alguns aspectos
de importância em saúde pública que dizem respeito ao atendimento
88
hospitalar de pacientes com suspeita da nova gripe”. A autoridade para o
articulista elencar aspectos era atribuída, textualmente, pela apresentação de
sua titulação. Dois elementos se destacavam: além de ser médico era
“doutorando em medicina de urgência” e ex-diretor clínico do Emílio Ribas.
Estava sendo agregado à experiência profissional o conhecimento científico
sobre o atendimento hospitalar.
Os aspectos levantados por ele foram os seguintes: a concentração dos
pacientes paulistas em um hospital de referência, o Instituto de Infectologia
Emílio Ribas, e a necessidade de as secretarias municipais e estaduais de
saúde orientarem os pacientes para procurarem outras unidades médicas,
reservando os hospitais de referência para os casos de maior gravidade ou
para os grupos de risco (idosos, gestantes, crianças, portadores de
imunodeficiências e outras doenças crônicas). Ele também destacou a
“eficiência das ações dos órgãos de saúde, tanto na proteção individual e dos
profissionais com medidas simples, como uso de máscaras, luvas e lavagem
das mãos quanto na proteção da comunidade, com medidas de controle de
portos, aeroportos e fronteiras, seguimento de contatos e quarentena, sempre
visando à redução do risco de infecção e transmissão” (Folha de S. Paulo,
30/06/2009: A3).
Essa fala legitimou as práticas que estavam sendo adotadas no
momento para promover a prevenção do contágio, tanto no cuidado
individual quanto nas medidas de segurança estatal. Como questão de
segurança, a prevenção àquela pandemia estava reforçando o trânsito e o
fluxo entre as fronteiras nacionais, sejam elas áreas terrestres ou marítimas. No
entanto, mais eficiente do que todas essas medidas era a vacina. A redução
do risco de infecção e transmissão somente poderia ser conquistada por
desenvolvimento de um medicamento que permitisse a imunização. Com essa
expectativa, o texto terminava: “Enquanto isso, esperamos que uma vacina
eficaz seja logo desenvolvido e possa ser aplicada com segurança em
benefício da humanidade” (Folha de S. Paulo, 30/06/2009: A3 [grifos nossos]).
Mais uma vez, a eficácia da vacina apareceu relacionada à garantia
de segurança e de proteção contra a possibilidade de adoecer. Mais do que
qualquer outra medida preventiva, a vacina era vista como um dispositivo
89
mais eficaz na manutenção do estado de saúde dos vacinados. Nesse
sentido, se confiava na vacina como modo de diminuir a exposição a fatores
de riscos que poderiam provocar doenças. Nesse caso, a segurança ficou
associada à saúde, mostrando que a prevenção é a forma de evitar a
presença da doença no corpo sadio.
A página C8, da editoria “Cotidiano”, foi praticamente toda dedicada
à Influenza H1N1. A principal matéria da página, “Vírus da gripe pode ter
vazado de laboratório”, apresentou um estudo publicado pela revista The New
England Journal of Medicine e pelo jornal inglês The Independent, apontando
que “a pandemia da gripe suína talvez pudesse não ter ocorrido se não fosse
um ‘acidente’ durante a pesquisa em algum laboratório no final dos anos
1970” (Folha de S. Paulo, 30/06/2009: C8). Por ter colocado a palavra acidente
entre aspas, podemos observar que houve a provocação de uma dúvida:
teria sido mesmo um acidente ou uma ação intencional? Essa linha de
argumentação, profundamente baseada no senso comum, se vale de uma
“teoria conspiratória” na qual a elaboração e a disseminação do vírus
poderiam ter sido resultados de um ato maquiavelicamente planejado. Esse
tipo de argumentação tem sido comum nas explicações sobre as realidades
sociais, nas quais se destaca a ação de indivíduos “maldosos” capazes de
moldar a realidade, ao invés de levarem em conta processos sociais
complexos.
Como mostrou o texto, o vírus da Influenza H1N1 teria desaparecido
completamente entre os humanos depois que houve uma pandemia de outra
linhagem de vírus em 1957. Somente em 1976 o vírus voltou a ser detectado e
então foram retomados os estudos a partir de cepas de vírus congelados
desde os anos 1950. A desconfiança é que, neste momento, algum laboratório
tenha deixado o vírus escapar acidentalmente. Em 1977, houve uma
pandemia. Depois dela, o vírus reapareceu anualmente, mas somente
naquele momento havia voltado a se tornou uma pandemia.
A revelação desse “acidente” foi o gancho para a discussão da
situação brasileira. O intertítulo “Casos no Brasil” contava as ações do
Ministério da Saúde: a correção do número de contaminados (de 627 para
625) e a inclusão do Reino Unido à lista de países que deveriam ser evitados
90
por crianças menores de dois anos, idosos com mais de 60 ou pessoas com
saúde comprometida. Neste caso, foi reforçada a iniciativa de controle e
vigilância dos fluxos internacionais. A construção jornalística da doença como
sendo estrangeira, uma ameaça externa, afirmava a necessidade de um
nacionalismo mais forte – marcado pelo reforço das fronteiras e do controle
dos movimentos humanos. Reforçava-se, assim, o “eu” (saudável) e o “outro”
(doente). Nesse sentido, as fronteiras entre “nós” e “eles” eram móveis. Apesar
de nacionais, elas eram erguidas na própria nação, para aqueles que
regressavam do exterior e eram suspeitos ou portadores do vírus.
Nessa lógica de consolidação das fronteiras como forma de prevenção,
o texto identificou a principal ameaça:
No Rio Grande do Sul, a Prefeitura de Itaqui (na
fronteira com a Argentina) decretou emergência após o
surgimento de três casos suspeitos de gripe suína em uma
família. A cidade, com 36 mil habitantes, é a segunda do
Estado a decretar emergência – a primeira foi São
Gabriel. As aulas em Itaqui estão suspensas (Folha de S.
Paulo, 30/07/2009: C8).
Nesse texto, a explicação para o estado de emergência está no fato de
município estar numa área de risco, isto é, na fronteira com a Argentina. O país
havia se tornado o locus da doença. Os efeitos danosos dessa proximidade
precisavam ser evitados e contidos. Por isso, a prefeitura local decidiu pela
suspensão das aulas. A decisão foi criticada pelo ministro José Temporão
numa entrevista à Rádio Gaúcha. Um trecho foi citado pelo jornal: “Mudar
profundamente a rotina de um município sem uma forte evidência técnicacientífica não me parece razoável, isso cria pânico”. O ministro, na sua
estratégia de desmistificação da doença e dos seus efeitos, colocou como
única
forma
de
aferição
dos
riscos
os
métodos
técnico-científicos,
desqualificando os subjetivos e, como estamos vendo, fazendo coro aos
discursos dos especialistas.
A confirmação do perigo da contaminação como sendo argentino se
deu também na continuidade daquela página. A próxima notícia, “Enterro de
caminhoneiro é feito com máscaras”, demonstra isso. Na cobertura sobre a
primeira morte no Brasil pela Influenza H1N1, o texto destacou: “Vial morreu
anteontem. Ele contraiu o vírus da nova gripe em viagem à Argentina e
apresentou sintomas da doença no dia 15, quando ainda estava em Buenos
91
Aires esperando para carregar o caminhão com um suprimento de azeitonas”
(Folha de S. Paulo, 30/06/2009: C8). Nesse sentido, não só a Argentina era
colocada como o lugar do perigo, mas também a viagem, o movimento e o
trânsito para além das fronteiras nacionais (especialmente em direção àquele
país) eram ameaças à saúde. Sendo assim, não viajar à Argentina era uma
medida profilática.
Como mostra a foto que compõe a matéria, o funeral do caminhoneiro
Vanderlei Vial, de 29 anos, foi caracterizado pelo uso de máscaras cirúrgicas.
O padre, os amigos e familiares, todos os presentes estavam usando o aparato
como forma de prevenção, mesmo no momento da dor provocada pela
perda. Além disso, o jornal trouxe a fala de Osmar Terra, secretário estadual de
Saúde, da seguinte forma: “Cada pessoa que vem [da Argentina] tem
contato com várias outras e isso deverá esgotar nossa capacidade de
monitoramento” (Folha de S. Paulo, 30/06/2009: C8). Esse trecho retomou
muitas noções. Destacamos duas: a de Estado e a da circulação. A
concepção da atuação do Estado na pandemia era, de certa forma,
restringida à sua “capacidade de monitoramento”. Nesse sentido, a soberania
do Estado dependeria da eficácia do seu monitoramento constante das
atividades dos seus cidadãos, vigiando-os e procurando evitar que as suas
condutas pudessem resultar em danos coletivos. É, portanto, uma ação
focada na prevenção e na previsibilidade.
Em “Chance de jovem saudável morrer é pequena, diz médico”, o jornal
tranquiliza outros jovens saudáveis. Nesse sentido, a morte do caminhoneiro
Vanderlei Vial foi uma exceção. Essa afirmação foi conferida ao infectologista
da Unifesp Celso Granito, para quem “as chances de uma pessoa jovem e
que não se enquadra em fatores de risco morrer por causa de uma gripe é de
uma em cada 1.000 ou 10.000” (Folha de S. Paulo, 30/06/2009: C8).
O jornal destacou o que considera os principais fatores de risco:
Entres esses fatores estão bronquite, cardiopatia,
diabetes, idade avançada, entre outros. Pessoas com
essas características integram o grupo que é o principal
alvo de recomendações das autoridades sanitárias,
como evitar viagens a locais com muitos casos a
exemplo de Argentina e Chile (Folha de S. Paulo,
30/06/2009: C8).
92
A associação entre juventude e saúde colocava outra relação, entre
velhice e doença. A “idade avançada” ficava relacionada entre as diferentes
doenças como bronquite, cardiopatia e diabetes e, assim, era entendia como
uma patologia. Além disso, o texto reforçava uma recomendação: evitar
viagens à Argentina e ao Chile. Como já dissemos, isso passou a ser parte das
medidas de prevenção.
A notícia “Dinamarca registra 1º caso de resistência a medicamento”
demonstrava que diante da possibilidade da ineficácia do Tamiflu era
necessário limitar o seu uso, assim como elaborar um novo medicamento.
Nesse texto, nenhuma medida profilática foi recomendada ou imaginada
uma alternativa de tratamento. O remédio era colocado como única – ou
mais eficaz – via para a cura. E quando um remédio deixava de ser eficaz,
outro deveria ser elaborado.
No dia 4 de julho, a Influenza H1N1 ganhou a capa da Folha de S. Paulo.
O título destacado foi “Saúde muda orientação para suspeita de gripe”,
anunciando uma reportagem sobre a recomendação do Ministério da Saúde
para que as pessoas com suspeitas não procurem diretamente hospitais de
referência. O objetivo era evitar a superlotação e garantir o atendimento aos
casos graves. As pessoas com suspeitas deveriam procurar, primeiro, os postos
de saúde ou médicos, para depois, se houver necessidade, serem
encaminhadas aos hospitais.
Essa decisão apareceu em oposição à situação da Argentina. Na foto
ao lado, com a legenda “Vizinho em alerta”, vemos a presidente da
Argentina, Cristina Kirchner, em visita a hospital de Buenos Aires. O local estava
lotado. Médicos e pacientes usavam máscaras, mas a presidente não. Esse
fato foi destacado pela legenda: “A presidente da Argentina, Cristina Kirchner
(sem máscara), visita hospital em Buenos Aires que trata pacientes da gripe
suína; a estimativa do número de casos no país era de 30 mil a 100 mil, e as
férias de 11 milhões de alunos foram adiantadas”.
A presidente apareceu na foto em primeiro plano, com rosto assustado,
voltando-se para trás e olhando em direção à câmera fotográfica. O registro
desse momento naquele contexto enunciativo demonstrava não só a
93
vulnerabilidade da presidente (assustada possivelmente pela presença de
repórteres
e
desprotegida
contra
a
contaminação),
mas
também
desorientada diante daquela situação. O fato de ela não estar de máscara
também pode ser visto como o seu desconhecimento das medidas
preventivas contra o vírus, sendo incapaz de controlar a expansão de sua
transmissão. Destacando a ausência do uso da máscara por ela, o jornal
assumia que esperava dela tal uso. A máscara, à época, era tida como uma
forma de prevenção e proteção. Por não usá-la, a presidente não estava
dando o exemplo.
Na página C2 da editoria “Cotidiano”, temos como matéria principal a
seguinte: “Casos de transmissão interna de gripa já são 23% no Brasil”. O
subtítulo retomou a recomendação do Ministério da Saúde, já anunciada na
capa: “Aumento do número de registros faz governo definir novas
recomendações para as pessoas com sintomas da doença”. Depois de
recorrentes afirmações de Temporão sobre não haver necessidade para tanta
preocupação, já que não havia transmissão interna, a postura mudou. Diante
do aumento da incidência, novas posições tinham de ser tomadas.
Outra recomendação que não tinha sido destacada pela capa era a
seguinte: “O ministro afirmou que o uso do Tamiflu só em casos graves tenta
evitar o surgimento de resistência do vírus ao remédio”. Essa cautela e a falta
de garantia da cura pelo medicamento reforçaram, de certa forma, a
necessidade de manutenção de formas de prevenção e proteção contra o
vírus. Além de isso ser destacado na legenda, comentava-se o fato de o “país
vizinho” ser o sétimo no total de casos confirmados.
Mais uma vez, apareceu a menção à vizinhança (“Vizinho em alerta”,
na capa, e “País vizinho”, nessa legenda) para se referir à Argentina. Essa
nomeação não destacava a cordialidade da proximidade, mas o fato de a
aproximação aumentar a ameaça. A confirmação do “perigo Argentino” se
confirmou na notícia “Argentina tem 100 mil infectados, estima ministro”. Ou
seja, a Argentina era uma “ameaça” para seu vizinho. Essa confirmação se
deu pela própria disposição do texto na página (logo depois da matéria o
aumento de casos no Brasil). Criou-se, dessa forma, uma relação explicativa,
de efeito e causa.
94
Em seguida, essa afirmação pela notícia “Apresentador doente faz
Globo cancelar viagens”. Seguindo a identificação do Ministério da Saúde
sobre os países com maior risco de contaminação (Argentina, EUA, México,
Chile, Canadá, Austrália e Reino Unido), a emissora decidiu não fazer mais
viagens para esses locais. O caso de contaminação era o do ator e
apresentador do Vídeo Show André Marques.
Também no dia 4 de julho, Drauzio Varela assinou o artigo “As
pandemias da gripe”. Na construção do texto, o médico construiu inúmeras
prosopopeias para explicar a ação do vírus. Assim, ele atribuiu características,
sentimentos e ações humanas a outros seres:
Na luta pela sobrevivência, cada vírus desenvolveu a
habilidade de infectar determinado tipo de tecido. Os
vírus da gripe tiveram a sabedoria de escolher as células
do trato respiratório porque, para se defender do ataque,
as mucosas infectadas produzem secreção abundante,
acessos de tosse e espirros. O muco nasal contamina as
mãos e os objetos manipulados pelos doentes; a tosse e
os espirros arremessam a metros de distância milhares de
gotículas prenhes de partículas virais. Existiria estratégia
de disseminação mais competente? (Folha de S. Paulo,
04/07/2009: E12).
Dessa forma, fazendo uso da prosopopeia (atribuindo características
animadas a seres inanimados), o médico associou competência, habilidade e
estratégia
como
partes
do
que
podemos
entender
como
uma
“racionalidade” do vírus. Nesse sentido, também ressaltou o fato de que “as
pandemias têm a predileção por determinadas regiões, enquanto poupam
outras”. Em mais uma exposição de sua explicação, foi didático ao ponto de
associar o “gosto” como próprio das pandemias. No entanto, confirmou, como
outros especialistas, que, diante de tantas dúvidas, a certeza de que jamais
“as ciências médicas estiveram tão preparadas para esclarecê-las” (Folha de
S. Paulo, 04/07/2009: E12).
No dia 27 de julho de 2009, a capa de Folha de São Paulo deu um
pequeno destaque à Influenza H1N1. Havia uma chamada para uma matéria
da editoria “Cotidiano”, “Rio Grande do Sul confirma mais 5 mortes pela gripe
suína”. Os maiores destaques daquela capa eram o esporte e a política. Do
lado esquerdo, a derrota do Corinthians para o Palmeiras, o afastamento do
risco de morte para o piloto Felipe Massa depois de um acidente, a vitória da
seleção masculina de vôlei na Liga Mundial e a superação de Michel Phelps
95
por César Cielo numa prova de revezamento foram noticiados. Do outro lado,
da política, foram destacados o pagamento de 203 milhões de reais pela
Petrobrás a uma empresa devedora da União, a volta do presidente deposto
de Honduras, Manuel Zelaya, ao posto e a recuada do PT-SP nas negociações
com Ciro Gomes para a candidatura ao governo daquele estado. A exceção
foi o destaque para uma descoberta científica. Pesquisadores da Universidade
de Utah encontraram cristal para a construção de circuitos eletrônicos na
carapuça de besouro brasileiro.
Na página C4, da editoria “Cotidiano”, exclusivamente destinada ao
tema da Influenza H1N1, o maior destaque foi para aquelas mortes, já
anunciadas na capa. A matéria principal foi “Gripe suína não deve impedir
crianças de irem a locais públicos”. O subtítulo, “Especialistas apontam que
pais não devem proibir seus filhos de irem a shows, igrejas, restaurantes ou
mesmo
à
escola”,
procurava
desqualificar
o
pânico
em
torno
da
contaminação motivada pela aglomeração. Àquela época o aumento da
possibilidade de contágio estava sendo associada à frequência de ambientes
coletivos. Esse receio foi marcado na própria palavra que antecedia o
vocábulo escola: “mesmo”. Esse uso servia para enfatizar, ou reconhecer, o
perigo. De todos os ambientes coletivos, a escola tinha sido tomada como o
de maior perigo para as crianças, subvertendo a concepção comum de sua
segurança. Nesse momento, as escolas estavam prorrogando as férias
justamente para evitar o contágio em grande escala.
Visualmente na matéria, o pânico foi desqualificado, além de estar
presente na ausência. A desqualificação foi de autoria de especialistas e
destacados pela reportagem por dois “olhos” (frases destacadas sob o título
ou no conjunto da página): “A letalidade dessa gripe não é maior que a
sazonal e não vejo motivo para pânico. Mas se um pai me disser que está
deixando o filho em casa, este é o direito dele. Trata-se de um vírus novo e há
muitas dúvidas sobre a gripe” (fala atribuía a David Uip, diretor do Instituto
Emílio Ribas) e “Não dá para saber [onde estão os casos], mas não vejo motivo
para pânico ou alterar hábitos” (fala atribuída a Caio Rosenthal, infectologista
do Instituto Emílio Ribas).
Nos dois casos, há uma minimização dos efeitos da doença em face do
pânico
social
provocado.
Essa
minimização
era
associada
a
uma
96
desqualificação dos temerosos, mas também uma desqualificação da
doença. Afinal, não havia “motivo” para pânico. A motivação, nesse sentido,
deveria estar baseada em princípios da racionalidade médico-científica. Ou
seja, os temerosos não tinham a percepção dos especialistas e se motivaram
pelo pânico social e não pelo conhecimento científico. No entanto, a
motivação era emocional.
A fala de David Uip foi menos contundente. Ele pôs em cena a dúvida e
a incerteza. Embora afirmasse que não havia motivo para pânico, reconhece
que, pelo fato de não haver ainda muitas informações sobre o novo vírus, ele
não se posicionava contra o pai que optasse por deixar seu filho em casa.
Folha de São Paulo, 27 de julho de 2009
A foto da reportagem mostrava uma unidade de atendimento para
casos suspeitos de Influenza H1N1, a AMA Parque Figueira Grande, no Jardim
97
São Luiz, zona sul de São Paulo. A imagem trazia cadeiras vazias, sem ninguém
à espera de atendimento. A justificativa da Secretaria Municipal de Saúde era
pelo fato de a população não estar “habituada ao novo horário de
atendimento, apesar da divulgação feita durante a última semana” (Folha de
S. Paulo, 27/07/2009: C4).
Ao observar essa foto no todo dos outros elementos gráfico-textuais
destacados, podemos observar duas coisas: a confirmação ou não do pânico.
A ausência de pessoas pode significar tanto o medo provocado pela
convivência em ambientes coletivos, apesar das negativas das falas
especializadas, quanto a inexistência de tantos doentes assim, confirmando as
afirmações especializadas sobre os casos da doença. No entanto, a
reportagem, além da fala daqueles especialistas, foi construída em torno de
outras vozes especializadas e com suficiente autoridade para desqualificar o
pânico social instalado. A minimização da doença também apareceu na fala
do infectologista Esper Kallas: “É normal. Todo outono e inverno são assim.
Qualquer tipo de gripe pode trazer problemas, pois, pode diminuir a defesa do
organismo. Não é à toa que o governo manda imunizar a população mais
velha” (Folha de S. Paulo, 27/07/2009: C4). Nesse sentido, o fato de ser
“normal” desqualificava qualquer pânico, medo ou receio. Tais sentimentos e
práticas eram tomados, portanto, como descabidos, sem motivação racional
para existirem.
No entanto, o texto da matéria reforçava a tensão entre a
preocupação e a despreocupação, entre o pânico e a racionalidade. A
preocupação apareceu nos textos como concessão, um fato contrário à
ação principal, mas que não a impede de acontecer. Isso ficou evidente no
texto destacado na abertura da matéria: “Embora defendam que não haja
motivo para pânico, médicos evitam condenar pais cautelosos, devido a
pouca informação existente (Folha de S. Paulo, 27/07/2009: C4). Essa relação
de co-dependência de sentidos entre o pânico e a racionalidade foi mantida
ao
longo
da
matéria.
Depois
de
avaliar
as
falas
de
especialistas
desqualificando a excessiva preocupação, a matéria confirmou a pertinência
da preocupação: pela “pouca informação existente” (tomando uma
concepção da informação como fonte promotora do conhecimento, do
esclarecimento e da racionalidade, próxima à perspectiva iluminista) e pelas
98
decisões das prefeituras no adiamento do início das aulas. Sobre esse aspecto,
estava escrito o seguinte: “Médicos aprovam as decisões das prefeituras que
adiaram a volta às aulas para conter a disseminação da gripe, já que a
temporada de frio favorece a transmissão” (Folha de S. Paulo, 27/07/2009: C4).
Mesmo sem citar os médicos que confirmaram isso, o texto apresentou essa
hipótese. Assim, assumiu para ele mesmo o lugar da autoridade médicocientífica pela sua fala jornalística.
A explicação para aquela situação foi dada pelo texto: “A origem do
medo é a sucessiva divulgação de casos de morte de pessoas que tinham
outros problemas de saúde” (Folha de S. Paulo, 27/07/2009: C4). Assim, o texto
apresentou um motivo para o pânico. Ele faz parte da experiência da
exposição midiática das mortes pelo vírus da Influenza H1N1. Desse modo,
ficaram em disputa a motivação como produto da experiência empírica ou
do conhecimento científico.
Nessa edição em particular se processa um caso de polifonia mostrada
(as vozes de diferentes agentes aparecem no texto). As falas dos especialistas
foram colocadas em disputa pelo verdadeiro conhecimento sobre a Influenza
H1N1 em confronto com o próprio enunciador jornalístico, mais aproximado
das categorias do senso comum. Se, para eles, a Influenza H1N1 não era muito
diferente
da
gripe
sazonal
(tanto
em
termos
infectológicos
como
epidemiológicos), para o enunciador, a cautela era necessária num momento
de tantas incertezas. Ou seja, diante de tantas dúvidas, era preciso adotar
medidas de segurança e prevenção: lavar as mãos, usar máscaras, usar álcool
gel, procurar um médico ao sentir os sintomas, evitar locais públicos e com
aglomeração etc.
Esse conjunto de informações foi sistematizado numa tira horizontal de
perguntas e respostas, que conta com uma comparação entre os sintomas da
“gripe suína” e da “gripe comum”. Ela fazia a divisão da página com outros
dois textos noticiosos: “Rio Grande do Sul confirma mais 5 mortes pela nova
doença” e “Grávida de 28 anos morre com os sintomas no Rio de Janeiro”.
Somente nesse momento foram feitas referências às mortes destacadas na
capa. Por conta disso, apesar do destaque das mortes, a questão mais
valorizada nesse conjunto de textos sobre Influenza H1N1 foi a tensão entre o
99
pânico e a racionalidade diante do aumento de mortes, suspeitas e
contaminações.
No dia 28 de julho de 2009, a capa destacou uma foto de uma criança
pegando água do bebedouro com um copo para evitar a contaminação. A
legenda da foto, “Cuidado na volta às aulas”, demonstrava a preocupação
com medidas profiláticas contra a Influenza H1N1. A legenda esclareceu:
“Rafaela Palis usa bebedouro do colégio Rio Branco, em São Paulo, que
reiniciou as aulas ontem; escolas redobram atenção à higiene para evitar
gripe suína, que já soma 44 mortes no país”. Assim, a doença foi associada à
sujeira, e a saúde, à limpeza. Nesse sentido, medidas de higiene eram medidas
para evitar o contágio pelo novo vírus.
A matéria principal da página C4 da editoria “Cotidiano”, “Na volta às
aulas, escolas têm ação antigripe”, apresentava as ações de colégios de São
Paulo na prevenção contra o vírus. Os colégios tomados como modelos pela
matéria eram o Rio Branco e o Mackenzie, ambos particulares e localizados
em Higienópolis. O primeiro foi elogiado para tomar medidas preventivas
como afixar cartazes no banheiro que “ensinavam os estudantes a lavar as
mãos corretamente”, disponibilizar copos plásticos para evitar que as crianças
encostem a boca nos bebedouros” e deixar álcool em spray nos corredores
“para que as crianças desinfetassem as mãos” (Folha de S. Paulo, 28/07/2009:
C4).
Em seguida, foi destacada uma matéria, “Mais 7 mortes pela gripe suína
são confirmadas”. A relação semântica dessa matéria com a anterior reforçou
a necessidade de medidas “antigripe”. Essa significação foi confirmada por
outra notícia, “Grávidas no Rio com suspeita de gripe já são 55”, ampliando a
necessidade de prevenção dos grupos de risco. Essa preocupação também
foi reforçada por um aparato gráfico-informativo específico. Ao pé dos três
textos, o jornal publicou uma tira informativa que dizia que quase metade dos
45 mortos possuía algum fator de risco: obesos (6), grávidas (6), hipertensos (3),
outros fatores (6) e sem fator ou não informado (24). Ao mesmo tempo em que
justifica, esse número aumenta a preocupação em relação às gestantes,
especialmente, e induz à necessidade da ampliação das medidas profiláticas.
A classificação dos grupos de risco se relaciona a uma recomendação a
100
corrigir pela reclusão e medidas de higiene e moralização daqueles que estão
em situação perigosa.
No mesmo dia, em “Painel do Leitor”, a Folha de S. Paulo publicou duas
opiniões de leitores bem críticas quanto à condução do SUS naquele contexto.
Carla Sousa, sentindo-se excluída dos discursos de políticos e especialistas,
escreveu o seguinte:
A gripe suína está aí e, segundo afirmações de
profissionais da área e políticos, só mata quem tem
algum problema de saúde, um histórico de doenças
preexistentes. O discurso mais comum é: “Ninguém
precisa se desesperar, porque a gripe só é grave para
pessoas com problemas preexistentes”. Logo, mães de
crianças prematuras, ou com alguma necessidade
especial, somos ninguém. Estão tratando os nossos filhos,
que lutaram tanto pela vida, como ninguém. Devemos
cobrar explicações claras sobre como agir com uma
criança de risco (exigir remédio nos primeiro sintomas,
mesmo antes de comprovar a doença? Tomar, sim, a
vacina contra a gripe comum e a pneumonia?”) (Folha
de S. Paulo, 28/07/2009: A3).
Já Julio Cesar Konevalik criticou a assistência e a gestão da saúde no
Brasil:
Depois que retornei de Manaus em um voo
internacional vindo da Venezuela, apresentei sintomas
que indicavam a presença do vírus H1N1. Passei por dois
hospitais e tive de procurar um médico particular. Fico
preocupado com a quantidade de pessoas que, dado
um quadro sintomático incompleto, estão sendo
dispensadas dos hospitais sem ao menos serem
superficialmente examinadas. O surto de gripe está
evidenciando ainda mais a ineficiência do sistema de
saúde público e privado brasileiro (Folha de S. Paulo,
28/07/2009: A3).
No dia 30 de julho de 2009, capa contou com dois destaques do tema
da Inluenza H1N1: uma fotografia e uma chamada. Sobre a fotografia, a
legenda informou: “Júlia Couto, 14 dias, deixa hospital em Uruguaiana no colo
do pai, Valdir; a mãe morreu de gripe suína, e ela nasceu prematuramente”. A
foto mostrava o pai segurando a filha no colo. Já a chamada tinha como
título “Escolas particulares de SP adiam aulas”. O texto da chamada contava
que, seguindo o exemplo da rede pública, pelo menos 38 escolas particulares
adiaram a volta às aulas, a fim de “conter a gripe suína”. O texto ainda
apresentava algumas outras preocupações com a preparação para os
vestibulares, a manutenção ou não dos calendários de provas e a definição
sobre a reposição de aulas.
101
Na primeira página da editoria “Cotidiano”, C1, temos como maior
destaque a prorrogação das férias em “Particulares adiam aulas, mas temem
prejuízos no Enem”. O subtítulo já trazia a resposta: “Decisão ocorre após
governo e prefeitura de SP prorrogarem férias; MEC não mudará data de
exame”. A reportagem mostrou os problemas no adiamento para as escolas
particulares, especialmente para os alunos do 3º ano que se preparam para o
Enem e para os vestibulares e para os pais que não tem como cuidar dos seus
filhos pequenos.
Uma notícia, “Grávida tem mais risco de morte, diz estudo”, reconfirmou
as grávidas como o principal grupo de risco. O estudo foi desenvolvido por
pesquisadores do CDC (Centro de Prevenção e Controle de Doenças) dos
EUA. A lista de grupos de risco ainda contava com mães de recém-nascidos,
crianças e jovens na faixa de 6 meses a 24 anos e pessoas de 25 a 64 anos
com asma, diabetes e doenças cardíacas. Já a nota, “Bebê que nasceu após
mãe morrer de gripe tem alta”, encerrou a história de Júlia, que nasceu em
parto prematuro com oito meses, em Uruguaiana, “na fronteira com a
Argentina, é uma das cidades mais afetadas pela doença no Estado, com
cinco mortes” (Folha de S. Paulo, 30/07/2009: C1). Mais uma vez, a fronteira
apareceu como um elemento de ameaça, perigo, tragédia e morte,
devendo, portanto, tanto o seu cruzamento quanto a proximidade dela
deveriam ser evitados como medida de segurança.
Por fim, a matéria, “65% dos mortos no Brasil tinham entre 20 e 44 anos”,
mostrou uma pesquisa que subvertia o entendimento que se tinha quanto aos
grupos de risco. O jornal vinha mostrando que outros grupos eram os mais
vulneráveis. Nesse texto, mostrou que os “jovens” eram os que mais tinham
morrido no Brasil:
A concentração das mortes entre adultos jovens é
uma característica dessa nova forma do vírus influenza, já
identificada em outros países, e difere da faixa etária
mais vulnerável a mortes pela gripe sazonal – que
ocorrem, geralmente, de complicações secundárias
(Folha de S. Paulo, 30/07/2009: C1).
No entanto, ao final, reforçou a ideia com que vinha trabalhando: “Os
fatores
de
risco
mais
identificados
no
levantamento
são
gestação,
hipertensão, cardiopatia, diabetes e obesidade – considerada de risco
102
apenas quando mórbida” (Folha de S. Paulo, 30/07/2009: C1). Nesse sentido,
apesar dos números divulgados, o jornal manteve a postura de afirmar a
necessidade de vigilância daqueles que tinham em seus corpos fatores de
risco.
Ainda nessa mesma editoria, foi publicado o artigo de Helio
Schwartsman, “O calendário da gripe”. O autor é membro da equipe de
articulistas da Folha de S. Paulo. Por esse motivo, podemos entender algumas
posições do jornal. No que diz respeito ao o adiamento das aulas, enquanto os
especialistas em saúde afirmam que a propagação do vírus é inevitável e que
adiar a volta seria apenas adiar o contágio, as autoridades estatais
apostavam no adiamento como forma de prevenção e de controle da
circulação do vírus. O artigo, como a Folha de S. Paulo, se posicionou a favor
do adiamento:
Embora os ganhos potenciais sejam incertos, a
aposta das atividades parece mais justificável quando se
considera que as crianças representam um importante
elo de transmissão do vírus. A primeira avaliação
científica do H1N1, feita no México, apurou uma taxa de
ataque clínico (infecção) de 29% para a população de
mais de 15 anos e de 61% para os menores (Folha de S.
Paulo, 30/07/2009: C2).
Na seção das cartas dos leitores desse dia, as opiniões sobre o assunto
eram variadas, elencadas em sequência. Arnaldo Lichetenstein, professor
colaborador da Faculdade de Medicina da USP, escreveu:
Questiono a atitude precipitada e alarmista do
Estado de São Paulo de prorrogar as férias escolares
(“Gripe adia início aulas e fecha creches”). A alternativa
seria manter as aulas, orientar os educadores para
identificar crianças gripadas, alertar pais, distribuir copos
descartáveis, alternar horários de recreios, instalar álcool
gel para limpeza das mãos, enfim, educar. Mas isso dá
trabalho.
Já Gabriel Henrique Santoro escreveu o seguinte:
Não parece haver o menor sentido em adiar as aulas.
Até parece que daqui a duas semanas não haverá mais
perigo de contágio. Quero ver como vão fazer as
pessoas que não têm com quem deixar os filhos.
David Neto, pelo contrário, concordava com a medida:
Corretíssima a atitude da Secretaria de Estado de
Saúde de São Paulo, que recomenda o prolongamento
103
das férias escolares. Esta postura, que aplica em toda a
sua plenitude um dos paradigmas básicos da medicina
preventiva, deverá ter como resultado a redução
acentuada de novos casos. Certamente, será muito mais
fácil repor as aulas que a saúde ou a própria vida de
possíveis novos infectados.
Por fim, Carlos Guimarães elogiou a cobertura do jornal:
A cobertura do jornal sobre a gripe suína tem sido de
extrema utilidade para desmistificar a doença. As
desinformações vão desde aqueles que acham que a
gripe A não é nada até os que propagam que há uma
catástrofe em curso e que estão escondendo de nós um
inimaginável número de mortos. Ela existe, é diferente da
outra gripe em alguns pontos e semelhante em outros e a
mortalidade atinge uma faixa diferente da gripe comum.
O jornal tem pautado todos estes dados com clareza e
correção (Folha de S. Paulo, 30/07/2009: C2).
Não foi à toa que essa opinião elogiosa foi publicada por último. Ela, de
certa forma, sintetizou a forma como o jornal estava cobrindo aquele
acontecimento sanitário, procurando desmistificar a potência do novo vírus,
mas sem deixar de abordar a necessidade de medidas profiláticas. Nesse
sentido, o cuidado não deveria se tornar um cuidado excessivo, aquém da
racionalidade e próprio da desinformação. Como já vimos, a noção de
informação aparecia, no mais das vezes, associada à de esclarecimento.
No dia 27 de agosto, a Influenza H1N1 contou com o seguinte
destaque: “Com redução de casos, epidemia de gripe A perde força no
Brasil”. O texto da chamada apresentou resultado de pesquisa do Ministério da
Saúde mostrando a queda de casos de contaminação pelo vírus. No entanto,
faz uma ressalva: “Apesar disso, o número de mortes no país chegou a 557. Em
termos absolutos, o Brasil libra o ranking no mundo – os EUA têm 522”. Mesmo
com essa situação, a opção da Folha de S. Paulo não foi criticar o governo ou
a estrutura assistencial de saúde no Brasil.
Na matéria “Gripe suína começa a perder força no Brasil”, o jornal
destacou que o otimismo com a situação era do governo do estado de São
Paulo: “O ministério adota um tom cauteloso e diz que a tendência de queda
pode não ser definitiva. O governo paulista, por outro lado, afirma que a
epidemia no Estado caminha para o final” (Folha de S. Paulo, 27/08/2009: C4).
Apesar de comemorar, Waldimir Taborda, assessor médico do governo de São
104
Paulo, afirmava que os cuidados com a higiene, como lavar as mãos com
freqüência, deveriam ser mantidos.
A fotografia que fazia parte da matéria mostrava alguns pacientes
usando máscaras enquanto aguardavam atendimento num hospital de
Ribeirão Preto. No primeiro plano da foto, dos três pacientes dois usavam
máscaras. Eles eram os únicos. Observando os outros planos, podemos ver que
ninguém mais utilizava máscaras. Por destacar o cuidado preventivo, o jornal
seguia o seu discurso entre a desmistificação e a cautela em relação à
Influenza H1N1, mesmo quando anunciava o “enfraquecimento” do vírus.
3.3 O Dia
Ao longo dos meses maio e agosto de 2009, a Influenza H1N1 foi tratada
de diferentes maneiras. Num primeiro momento, ela apareceu como uma
“nova gripe”, a “gripe suína”, que estava se alastrando pelo mundo e
chegando ao Brasil, com muitos casos suspeitos e poucos confirmados. Nesse
momento, o exterior foi construído como o lugar do perigo e deveria ser
evitado. Afinal, o trânsito para outros países, especialmente para a Argentina,
aumentava a exposição ao risco e, em alguma medida, era certeza da
contaminação. A doença, então, foi concebida como estrangeira. Por esse
fato, fronteiras foram sendo discursivamente estabelecidas para limitar o
trânsito
internacional
e
nacional.
Em
primeiro
lugar,
comentou-se
a
necessidade se evitar viagens internacionais, especialmente para países como
Argentina, México, EUA e Chile. Num segundo momento, o Rio de Janeiro
também deveria se “proteger” e “defender” as suas fronteiras com os outros
estados, principalmente com aqueles que estão mais ao sul do país e com
maior proximidade da Argentina, imaginada como o grande pólo de
contaminação e transmissão e, portanto, devendo ser um destino evitado.
Por mais lendária que seja a rivalidade entre o Brasil e a Argentina, na
produção narrativa dos jornais, essa construção da Argentina como lugar da
insegurança, do perigo e da doença teve ressonâncias materiais daquela rixa.
105
Não é à toa que repetidas vezes o jornal se concentrou nisso e pouco explorou
a situação de outros países latino-americanos, como o Chile e a Colômbia, por
exemplo.
A partir do momento em que mais casos foram sendo confirmados no
Brasil, O Dia se empenhou em prescrever medidas preventivas para evitar o
contágio. O uso de máscaras e a higienização das mãos com álcool em gel
foram alçados a símbolos do “combate” à doença. Além disso, foram
propostos hábitos considerados “mais seguros“, como fugir das aglomerações
e preferir atividades ao ar livre em dias de sol. As metáforas bélicas foram
freqüentes. Nesse caso, aqueles produtos e práticas eram “armas” contra a
Influenza H1N1.
Diferentes estratégias foram utilizadas para evitar a transmissão do vírus.
Entre elas, estavam as seguintes: o prolongamento das férias, o aumento da
distribuição de Tamiflu e a criação de um Disque-Gripe. A partir do momento
em que essas ações não estavam ocasionando a resolução do problema, O
Dia começou a denunciar o que entendia como “ineficiência” do Estado,
especialmente do Ministério da Saúde, da Secretaria Estadual de Saúde e
Defesa Civil e da Secretaria Municipal de Saúde. Depois de ter identificado o
verdadeiro “vilão” da história, o jornal passou a lançar mão do relato de
histórias de vidas, de dramas humanos, para confirmar suas denúncias à
falência da máquina estatal no gerenciamento dos riscos no contexto do
estado do Rio de Janeiro.
Maio
O texto da matéria “Infectados já são mais de mil”, publicado em O
Dia, em 5 de maio de 2009, margeia a foto de uma professora e alunos, numa
sala de aula, todos com máscaras cirúrgicas. A legenda “Máscaras em sala de
aula na Colômbia, país com um caso confirmado” associa o uso da máscara
ao da prevenção ao contágio da Influenza H1N1. O subtítulo, “Organização
Mundial de Saúde contabiliza 1.085 pessoas com a gripe suína em 21 países.
Brasil, que tem 25 casos suspeitos da doença em nove estados, receberá kits
que vão permitir diagnóstico rápido do novo tipo de vírus”, estabelece uma
106
relação de reforço dos sentidos propostos sobre o avanço da doença com o
com o título, a foto e a legenda. O título comenta a existência de mais de mil
infectados. O subtítulo informa que a OMS contabiliza 1.085 pessoas com gripe
suína em 21 países e que o Brasil tem 25 casos suspeitos da doença. A foto e a
legenda destacam as máscaras usadas por aqueles que querem evitar o
contágio. No caso da relação entre o título e subtítulo, notamos que se, por
um lado, há um detalhamento da notícia da contaminação de mais de mil
pessoas em 21 países, por outro, um comentário sobre os casos suspeitos no
Brasil. No entanto, mesmo que o país não tenha a comprovação de
infectados, ele receberá kits que permitirão o diagnóstico rápido. Ou seja,
eram precisos meios de instantânea confirmação da doença, para, assim,
confirmar as suspeitas e superar as incertezas. Na verdade, na construção
textual do subtítulo, uma confirmação prévia da suspeição: os kits apenas
confirmariam o que já estava sendo esperado e temido. Essa antecipação
implícita, então, reforçava a necessidade de medidas profiláticas, como o uso
das máscaras (como aparece na foto).
A necessidade de comprovação também esteve presente na matéria
que dividiu a página 16 da editoria Saúde de O Dia. “Teste comprova
malefícios dos refrigerantes” informa que pesquisas estão revelando que
aquelas bebidas “contêm substâncias ligadas a câncer e hipertensão, entre
outras doenças” (O Dia, 05/05/2009: 16). Nesse sentido, os dois testes servem
para comprovar a existência de doenças, contraídas seja através da ingestão
de refrigerantes, seja pela contaminação com o vírus.
Em relação ao texto de “Infectados já são mais de mil”, ficou evidente a
necessidade de confirmar a suspeição nos seguintes trechos:
No Brasil, o número de casos suspeitos subiu para 25,
em 9 estados – no Rio são três casos suspeitos. Até o fim
da semana, o Brasil receberá kits para o diagnóstico
rápido da gripe, que serão distribuídos na Fiocruz (Rio) e
nos institutos Butantan (São Paulo) e Evandro Chagas
(Belém) (O Dia, 05/05/2009: 16 [grifos nossos]).
Em contraposição aos mais de mil infectados no mundo, o Brasil
contava com 25 casos suspeitos e teria disponível um kit para a confirmação
da doença em casos suspeitos em nove estados. O jornal, cuja sede e público
estão no Rio de Janeiro, destaca que este estado conta com três casos.
107
Nenhum outro estado é mencionado. Então, não se sabe, comparativamente,
se o número é alto ou não. No entanto, reforça-se a suspeição e o alarme
social quanto à possibilidade de existência ou não de pandemia. Nesse
sentido, a necessidade de aferição mais ligeira e eficaz dos casos suspeitos de
contágio demonstra a vontade de ratificação da pandemia. Essa urgência
por prevenir a possibilidade de surto da doença no país é construída noutro
trecho:
Ontem, o secretário de Vigilância em Saúde, Gerson
Penna, anunciou um crédito adicional de R$ 141 milhões
para intensificar as ações de prevenção à nova gripe. O
ministro da Saúde, José Gomes Temporão, participou de
uma videoconferência com ministros da Saúde das
Américas, promovida pela Organização Pan-Americana
de Saúde das Américas para discutir estratégias para
enfrentar uma possível pandemia da gripe suína (O Dia,
05/05/2009: 16 [grifos nossos]).
Observa-se o recurso de metáforas bélicas, pelo uso de palavras como
“enfrentar”, para reforçar a urgência de estratégias para a luta contra a
pandemia do vírus da Influenza H1N1. Por isso, além dos esforços nacionais,
com o crédito adicional de “R$ 141 milhões para intensificar as ações de
prevenção à nova gripe”, era necessária uma cooperação latino-americana
para “enfrentar uma possível pandemia da gripe suína”. O texto da matéria
apresenta as estratégias para uma guerra ao risco, ao virtual, ao possível de
acontecer, mas que ainda não tinha acontecido. Além disso, já naquele
momento estava sendo ventilada a possibilidade de uma pandemia. Diante
das epidemias em vários países do mundo (EUA, México, Argentina), o jornal
assumia a possibilidade da infecção entre os homens em escala global. Nesse
contexto, o Brasil deveria se prevenir, monitorando as suas fronteiras.
É importante também sublinhar a recorrência de uso do vocábulo
“suspeitos” para designar possíveis casos de infecção ou de pessoas
infectadas. De uso corrente no discurso legal, a palavra está relacionada a
acusar uma pessoa da probabilidade de ter praticado um delito segundo
provas ou evidências cabais que elucidam sobre a participação dela num
caso. Esse mesmo termo é amplamente utilizado na saúde, mas nesse caso
específico de contaminação pelo vírus H1N1 isso assume um sentido ainda
mais agudo, pois estar infectado aproximava-se da idéia de praticar um delito,
violar as normas, oferecer riscos à vida de outros. Além disso, pressupõe-se que
108
não só o contágio poderia ser evitado, mas também que tanto o contágio
quanto a transmissão da doença são partes de um ato racional, estratégico e
intencional, cabendo haver tanto responsabilização quanto punição. Sendo
assim, antecipar-se ao acontecido (contando com métodos eficazes de
monitoramento da doença) era uma forma de garantir a segurança da
população. Essa relação esteve presente em outro trecho:
No Rio, o governador Sérgio Cabral e o prefeito
Eduardo Paes participaram de uma reunião para discutir
planos de contingência da gripe suína. Uma das decisões
é a criação de grupo de trabalho para desenvolver
ações sobre a epidemia com empresas privadas e
públicas com aglomerações de pessoas, como cinemas,
clubes e federações de comércio e indústria (O Dia,
05/05/2009: 16 [grifos nossos]).
Depois de “estratégias” elaboradas em esfera internacional e nacional,
“planos” são traçados para os âmbitos do estado e da cidade do Rio de
Janeiro, propondo novas condutas para os locais públicos ou privados com
aglomerações. A noção de “planos de contingência” está associada ao
“desenvolvimento de ações sobre a epidemia com empresas privadas e
públicas”. Nesse sentido, deve-se controlar o risco de epidemia com ações
que garantam o funcionamento de empresas. Enquanto caberia à Secretaria
de Vigilância em Saúde liberar dinheiro para promover ações de prevenção à
Influenza H1N1 e, ao Ministério da Saúde, participar de reuniões para “discutir
estratégias para enfrentar uma possível epidemia de gripe suína”, era função
dos governos da cidade e do estado do Rio de Janeiro a garantia do
funcionamento das empresas públicas e privadas.
A matéria contou o intertítulo “Morte no Rio”. Essa forma textual
antecipa a compreensão de que alguém morreu pelo contágio do vírus. No
entanto, o texto conta o seguinte: “Antes da morte, [uma mulher que foi
internada no Hospital Barra D’Or com febre e vômito] foi submetida a um teste
para verificar se tratava-se de um caso de gripe suína” (O Dia, 05/05/2009: 16
[grifos nossos]). Essa antecipação demonstra tanto a expectativa pela
realização da possibilidade de mortes por Influenza H1N1 quanto a
necessidade do controle de riscos. O então secretário municipal de Saúde,
Hans Dohmann, afirmou que, embora a possibilidade de ela ter contraído o
vírus seja pequena, todos aqueles que tiveram contatos com ela, desde a
109
possível infecção, “estão identificados e de sobreaviso” (O Dia, 05/05/2009: 16
[grifos nossos]). Ou seja, a identificação permite tanto a localização de
possíveis contaminados e novos focos de contaminação quanto a separação
e o isolamento. Ao mesmo tempo em que há essa identificação, há também o
sobreaviso.
As próprias pessoas deveriam reconhecer e se pronunciar sobre o
aparecimento de sintomas da doença, para que medidas fossem tomadas.
Nessa construção da expectativa pela possibilidade de concretização do
surto epidêmico no Brasil, até mesmo o contato com pessoas que tenham
pequena possibilidade de estarem com a doença já é mais do que suficiente
para medidas de vigilância e controle.
Confirmando essa construção jornalística, a matéria conta ainda com
um Box, “Pelo Mundo”. Ele traz dois números em destaque: 26 e 300. 26 é
relativo ao número de mortos no México e, 300, à quantidade de pessoas em
quarentena no Hotel Metropark de Hong Kong, onde “uma pessoa com
suspeita da doença ficou” (O Dia, 05/05/2009: 16 [grifos nossos]). Mais uma vez,
a própria suspeição já é motivo para a tomada de ações preventivas. Ela é,
portanto, baseada na probabilidade: no provável, no que se pode provar que
existirá, mas sobre o que não se tem certeza absoluta se realmente existirá.
Essa forma de significação também está proposta na matéria vinculada
à reportagem principal “Infectados já são mais de mil”. “Vírus está sofrendo
mutações” trata do pedido da OMS para que os países “não baixem a guarda
contra a gripe suína, apesar de as análises demonstrarem que o vírus parece
menos letal do que se temia” (O Dia, 05/05/2009: 16 [grifos nossos]). Na
construção dessa metáfora de guerra, nota-se que as medidas preventivas
são, na verdade, parte de um “enfrentamento militar”. Nesse sentido, pelo fato
de o inimigo (o vírus) se mostre mais fraco do que parecia ser, era mais do que
necessário vencer a guerra. Mesmo que o texto comente o recebimento de
kits para o diagnóstico rápido do vírus, em nenhum momento houve a
descrição da composição deles. O tema principal da matéria, todavia, foi a
construção da suspeição e da possibilidade de pandemia.
110
No dia 6 de maio, também da editoria Saúde, o jornal O Dia publicou a
reportagem “Alerta sobre a gripe”, que conta com o seguinte subtítulo:
“Vacinação no Brasil termina dia 8 e está longe de atingir meta de imunizar
80% dos idosos”. A foto traz agentes com máscaras cirúrgicas fazendo a
“higiene em ônibus na Cidade do México”, como está escrito na legenda (O
Dia, 06/05/2009: 16). Essas complementações de sentidos fazem crer que a
reportagem trata tanto da gripe comum quanto da gripe suína. Assim, acaba
dando um duplo sentido para o alerta sobre a expansão da contaminação
pela suína e campanha de vacina contra a gripe comum. O texto começa
assim:
A gripe suína já se espalhou por pelo menos 21 países,
contaminado 1.490 pessoas, segundo a Organização
Mundial de Saúde (OMS), das quais 31 morreram. No
Brasil, que não tem caso confirmado da nova doença, a
gripe normal e sua mais grave complicação, a
pneumonia, mataram nada menos do que 36.053
pessoas em 2005, segundo o Ministério da Saúde. Em
2006, foram 181 mortes por gripe e 42.321 por pneumonia
no país. Nos EUA, por ano, morrem cerca de 36 mil
pessoas por ano (O Dia, 06/05/2009: 16).
A comparação entre a “gripe suína” e a “gripe normal” demonstra o
quanto o primeiro agravo não teve a mortalidade do segundo, mais comum.
Nesse sentido, a “gripe normal” representa uma ameaça maior do que a
“gripe suína”. No entanto, o jornal afirma que “apesar dos riscos, o índice de
comparecimento de idosos aos postos de saúde para a Campanha Nacional
de Vacinação contra a gripe, que termina sexta-feira, está baixo, como
noticiou o ‘Informe do DIA’ domingo” (O Dia, 06/05/2009: 16). Nesse ponto,
duas considerações devem ser feitas. Em primeiro lugar, relaciona o maior risco
de contaminação à “gripe normal” e comenta que está havendo uma baixa
adesão à campanha. Esse dado é confirmado pelo próprio jornal em “Informe
do DIA”. Por não remeter a nenhum dado oficial do Ministério da Saúde, o
jornal se coloca como o lugar de referência para esse tipo de informação.
Todavia, para confirmar a eficiência e a segurança da vacina, o médico José
Cerbino Neto, superintendente da Vigilância em Saúde do Rio apareceu com
a seguinte fala sobre a vacina: “Ela protege contra a gripe, não contra
resfriados. Nesse período do ano, vírus que causam resfriados circulam. A
pessoa tem resfriados e, muitas vezes, acha que ficou gripada por causa da
vacina” (O Dia, 06/05/2009: 16). Essa declaração, ao mesmo tempo em que
111
reconhece a circulação de comentários sobre as reações adversas da vacina,
desqualifica-os. Ao reconhecer a possibilidade de haver resfriados depois da
vacinação, mesmo que ele afirmasse não terem a ver com a vacina, o
médico estava dando subsídios para a desconfiança quanto à segurança
dela. Como saber se realmente não haveria relações? As relações eram
garantidas por esses boatos e pela experiência de pessoas que se resfriam
depois de tomarem a vacina.
No box, ao lado do final da matéria e abaixo da foto, destaca-se o
título “31”, número referente aos mortos pela Influenza H1N1. Eram 29 mortos
no México e 2, nos EUA. Na matéria vinculada, “Estradas são monitoradas
contra vírus”, contamos com a seguinte abertura:
As fronteiras terrestres do Brasil passaram ontem a ser
monitoradas pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária como forma de prevenção da gripe suína,
segundo o diretor-presidente da agência, Dirceu Raposo
de Mello. A medida foi tomada porque a Colômbia
registrou um caso confirmado da doença. No Brasil, já são
28 os casos suspeitos da gripe (O Dia, 06/05/2009: 16).
O monitoramento das fronteiras é comum para combater as práticas de
contrabando de produtos, de tráfico de drogas e de imigrações ilegais. No
entanto, essa medida também passou a ser tomada como “forma de
prevenção da gripe suína”, quando descoberto um registro confirmado da
doença na Colômbia: o país do tráfico de drogas também era o reduto da
“gripe suína”. Nesse sentido, também seriam fiscalizados – e até mesmo
impedidos de entrar no país – aqueles que apresentassem sintomas da
doença. Esse sentido é confirmado pela representação da fala em discurso
indireto de Dirceu Raposo de Mello, diretor-presidente da Agência Nacional
de Vigilância Sanitária, , pelo jornal:
Segundo Dirceu, ônibus com passageiros de todos os
países da América do Sul receberão a mesma atenção
dos aviões e navios. O procedimento inclui a distribuição
de panfletos, além de orientação e busca de pessoas
que apresentam sintomas de gripe (O Dia, 06/05/2009:
16).
Esse uso do discurso indireto produz tanto a intimidade entre a fonte e o
jornal quanto entre o jornal e o público. Ao introduzir a fala do diretorpresidente com “segundo Dirceu”, produz-se uma aproximação, que pode
tornar mais confiável na informação assumida pelo jornal no uso dessa
112
modalidade discursiva, e um distanciamento, que coloca o outro (no caso, um
especialista) como referência para o discurso produzido.
No todo, a massa informativa desqualifica a possibilidade de pandemia
de “gripe suína” em detrimento da confirmação dos riscos provocados pela
“gripe normal”. Nesse sentido, o “alerta sobre a gripe” é para avisar que a
nova gripe não é tão letal quanto a mais antiga.
No dia 9 de maio de 2009, a reportagem “Mais um carioca com gripe
suína” publicada na editoria Saúde ganhou uma chamada na capa. O título
era “Novo caso de gripe suína: rapaz pegou vírus no Rio” vinha com o seguinte
texto:
O jovem de 26 anos é amigo do primeiro paciente
confirmado com a doença no Rio e também mora na
Ilha do Governador. Os dois assistiram juntos ao jogo
entre Flamengo e Botafogo, domingo. Pela primeira vez,
o vírus foi transmitido dentro do território brasileiro. O
Ministério da Saúde afirma que o contágio é limitado.
Existem seis infectados no Brasil (O Dia, 09/05/2009: 01
[grifos nossos]).
Em relação ao título da chamada, cabe mencionar o uso de “pegou”
no lugar de “contrair” ou equivalentes. Essa linguagem popular se constrói no
diálogo com o tipo de público a que o jornal se destina, mas também com o
lugar onde se deu o contágio: numa partida de futebol.
Quanto ao texto da chamada, além do cenário esportivo, é construída
uma ambigüidade. Após a menção à afirmação do Ministério da Saúde de
que o contágio é limitado, confirma que seis foram infectados no Brasil. Ou isso
confirma a limitação ou a desmente?
O título da matéria, “Mais um carioca com gripe suína”, constrói a
expectativa pela confirmação de uma nova pandemia na contabilização de
casos de contágio. O subtítulo, “Amigo do rapaz que pegou a doença no
Brasil, ele não viajou: é o primeiro caso de transmissão do vírus em território
nacional”, especifica o caso. Trata-se do primeiro caso de contaminação no
Brasil, sem que o doente tenha viajado a nenhum país com focos epidêmicos.
Acima do título, aparecem agentes de vigilância em Saúde em
computadores. A legenda informa o seguinte: “Centro de Estratégias em
Vigilância em Saúde foi montado para acompanhar os casos”. Enquanto
113
aumentam
os
contaminados,
os
agentes
sanitários
acompanham
as
incidências, sentados, sem maior interferência direta na realidade concreta.
Ao lado da foto, está um quadro, “Tire Suas Dúvidas”, explicando, num
passo a passo, a transmissão, os sintomas, o tratamento e a prevenção. Cada
um desses temas era seguido por um texto explicativo. Além dessas, havia mais
duas colunas informativas: uma, “Em caso de suspeita”, em que aconselha a
procura de assistência médica caso o leitor apresente sintomas, e outra
“Informações”, em que traz telefones e endereços de sites sobre o assunto.
Desse modo, além do jornal, o leitor tinha outros meios de informação.
Depois de comentar o caso da contaminação do jovem numa partida
de futebol, o texto da matéria traz a fala do ministro da Saúde:
Segundo o Ministério da Saúde, o contágio é limitado.
“Este é o único caso de transmissão pessoa a pessoa no
Brasil, sem que o vírus tenha passado a terceiros”,
garantiu o ministro da Saúde, José Gomes Temporão. “O
resultado eleva o Brasil ao sétimo país com este tipo de
transmissão” (O Dia, 9/5/2009: 20).
Independentemente de o contágio ser “limitado”, muitas pessoas
estavam sendo contaminadas, fazendo com que o Brasil fosse o “sétimo país
com este tipo de transmissão”. A reportagem, depois da fala tranqüilizadora
do ministro da Saúde, passa a apresentar relatos biográficos da experiência
com a suspeita de contaminação ou com a sua efetiva existência. No
entanto, os nomes dos doentes não foram revelados, para manter o sigilo.
O 6° caso confirmado é de uma criança de 7 anos
que esteve na Flórida com os pais e voltou ao Brasil dia 3.
A paciente, de Santa Catarina, recebeu alta ontem
depois de passar quatro dias internada. “É importante
não dar nomes das pessoas, para evitar a rejeição por
parte da população”, disse o ministro, acrescentando
que parentes das vítimas do Rio relataram episódios de
discriminação por parte dos vizinhos (O Dia, 9/5/2009: 20).
Esse processo de transformação da culpa pelo contágio coletivo como
fato individual também esteve presente em outros relatos. No quadro “Viva
voz”, que, no jornal aparece sempre que seja dada a voz a pessoas que
estejam diretamente relacionadas com o assunto abordado, temos duas
declarações. A primeira é de “B., primeiro paciente isolado, 21 anos”, assim
identificado pelo jornal. Em destaque, como um “olho”, está a seguinte frase:
“Fiquei com peso na consciência de transmitir o vírus”. Ou seja, ele se sente
114
culpado e responsável pela transmissão do vírus. Essa sensação confirma não
só as discriminações em relação aos portadores da doença, mas a culpa pela
transmissão, resultado de um processo contemporâneo de individualização da
prevenção da saúde e da manutenção de um estado de segurança sanitário
em relação aos demais membros da sociedade. Assim, ele poderia ser
discriminado porque é tomado como símbolo de ameaça, de insegurança e
risco. Ele traz a possibilidade da transmissão coletiva da doença com ele. É,
portanto, o próprio doente o responsável pela (possível) contaminação. Além
disso, a idéia de culpa, o recurso às iniciais e à discriminação evoca o que foi
anteriormente dito, sobre a criminalização das pessoas infectadas.
Já D., segundo paciente isolado, de 26 anos, diz o seguinte: “A febre
não passa e isso está me deixando preocupado”. A preocupação dele é com
o avanço da doença. Nesse sentido, enquanto a preocupação sanitária está
relacionada ao isolamento do doente para evitar o contágio coletivo, a
preocupação do doente é com a sua própria vida.
A matéria ainda contou com um quadro chamado “Sob investigação”.
Ele informa que 108 pessoas tiveram contato direto com os dois pacientes que
estão com o vírus. Além disso, afirma que 6 estão doentes no país. A matéria
ocupou a página inteira dedicada à editoria Saúde, demonstrando a
importância atribuída ao assunto.
Junho
No dia 2 de junho de 2009, a página da editoria Saúde saiu com uma
matéria principal, intitulada “Mais verbas para hospitais”. Logo abaixo, se
encontrava a matéria vinculada, “Ministro da Saúde defende Oscar Berro”.
Oscar Berro era diretor do Departamento de Gestão Hospitalar do ministério e
estava sendo acusado de corrupção. Mais abaixo, vemos a coluna
“Microscópio”, geralmente destinada a enfocar algum tema da saúde. Nesta
coluna encontramos duas notas. A principal versa sobre a Influenza H1N1
(“Gripe Suína fecha creche em SP”) e a outra, menor, (“Queimaduras”) é
sobre a morte de crianças provocadas por queimaduras. Assim, a coluna
115
mantém uma continuidade temática: as duas notas abordam temas da saúde
em relação a crianças.
A nota sobre a Influenza H1N1 informa o seguinte:
O Ministério da Saúde confirmou ontem o 21° caso de
gripe suína no Brasil. A paciente, uma moradora de
Campinas (São Paulo) que trabalha numa creche, está
internada. Devido ao risco de transmissão, o ministério
recomendou o fechamento da creche por dez dias,
período de incubação da doença. As 30 crianças que
freqüentam a creche e os demais funcionários do
estabelecimento estão sendo monitorados. O objetivo é
descobrir imediatamente alguma suspeita da doença,
caso
alguém
apresente
sintomas.
O
mesmo
monitoramento será adotado com outras pessoas que
tiveram contato com a paciente. Ela, por sua vez, esteve
com uma pessoa que veio do exterior com a doença (O
Dia, 02/06/2009: 20).
O texto parte de duas medidas preventivas para construir o risco da
transmissão do vírus. A primeira é o isolamento da área em que esteve uma
pessoa infectada (“fechamento da creche por dez dias”). Esse procedimento
permitirá observar se alguma pessoa que teve contato com a paciente irá
apresentar suspeitas da doença. A qualquer sinal suspeito o mesmo
procedimento será adotado: o local em que a pessoa esteve será isolado e as
pessoas que estiveram com ela serão monitoradas. Todas essas medidas
servem para controlar o risco do contágio da doença.
O monitoramento proposto está tanto associado à vigilância quanto ao
controle. O paciente será observado em relação à manifestação de sintomas
e será controlado quanto ao contato que possa a ter com outras pessoas.
Para isso, ele tem de ser isolado do convívio social. Aliás, para evitar novas
contaminações, também o estabelecimento onde o paciente trabalha tem
de ser fechado e todas as pessoas com que ela teve convívio, monitoradas.
O segundo eixo de medidas preventivas diz respeito ao afastamento de
pessoas que estiveram no exterior. Nesse sentido, o exterior é construído como
o lugar de onde provém a ameaça: a doença. A funcionária da creche, ao
entrar em contato com “uma pessoa que veio do exterior com a doença”,
contraiu o vírus e colocou em risco 30 crianças e os demais funcionários do
116
estabelecimento. Num certo sentido, também, nesse texto, imputa-se a culpa
da possibilidade de contágio no indivíduo.
Essa construção narrativa se liga àquelas outras que O Dia veio
construindo sobre o “medo do estrangeiro”, produzindo um certo tipo de
“xenofobia” sanitária. A partir do momento em que o jornal constatou que é o
contato com o estrangeiro que tem aumentado o contágio da doença no
Brasil, passou a definir a doença como estrangeira, como vinda do exterior, de
fora. Ou seja, ela não faz parte “de dentro”, do Brasil e dos brasileiros, mas do
contato dos “de dentro” com os “de fora”. Nesse sentido, acabou sendo
necessário monitorar – e reforçar – as fronteiras e as diferenças.
Na publicação do mês anterior, “Estradas são monitoradas contra vírus”
(06/05/2009), observamos algo semelhante: o jornal apresentou medidas
concretas de “monitoramento” das “fronteiras terrestres” do país, para evitar o
recrudescimento do contágio. Por outro lado, nessa nota, o estabelecimento
de
fronteiras
se
dá
também
internamente,
na
necessidade
de
estabelecimento de fronteiras com as pessoas que estiveram no exterior ou
com as que tiveram contato com elas, mais prováveis de desenvolveram a
doença. Por conta disso, outra medida preventiva ficava sendo a seguinte:
não entrar em contado direto ou indireto com pessoas que viveram do
exterior.
No dia 3 de junho, também na coluna “Microscópio”, seguiu a
contagem de casos de doentes. Em “Mais dois casos de gripe suína no Rio”,
temos o seguinte texto:
O Ministério da Saúde confirmou ontem mais dois
casos de gripe suína no Rio. As duas pessoas chegaram
dos Estados Unidos recentemente. Ao todo, já são 23 os
casos confirmados no Brasil. E outros são 25 suspeitos (O
Dia, 03/06/2009: 20).
Mais uma vez, foi feita a associação dos novos doentes com o fato de
eles terem chegado do exterior (“as duas pessoas chegaram dos Estados
Unidos recentemente”). Ou seja, de antemão, o texto descarta a possibilidade
de eles terem se contaminado no país, mas teriam, segundo o jornal, chegado
com ela.
117
Essa nota foi a primeira daquela coluna. Ela veio acompanhada de
mais duas. Em seqüência, “Dor de Cabeça no Espaço” e “Histórias de Vidas e
a Aids no Brasil”. Enquanto uma comenta que mais de 60% dos astronautas
têm dor de cabeça no espaço, a outra informa sobre um concurso de
crônicas de pessoas que têm ou convivem com soropositivos. Em uma,
comenta-se a doença vinculada ao espaço, ao fora, ao exterior em mais
amplo sentido e em outra, a convivência com a doença ou com os doentes.
Se, no primeiro caso, houve a constatação de uma doença do mundo,
permaneceu no espaço sideral, no outro, coloca-se a doença como parte da
vida e das formas de sociabilidade. Então, a Influenza H1N1 se definiu na rede
de sentidos propostos por aquela coluna por duas oposições: na relação
“dentro” e “fora” (a doença é trazida do exterior) e na exclusão da
convivência (os infectados e suspeitos são isolados). O procedimento do
isolamento não está colocado neste texto, mas, a julgar pelo texto anterior,
podemos classificá-lo como uma prática comum naquele momento.
Em relação aos dois outros textos jornalísticos que completam a página
da editoria de Saúde de O Dia, temos o seguinte: a matéria principal, “Cigarro
ligado na tomada”, um quadro “Viva Voz” com Marcos Pasquim e uma
notícia, “Cientistas do Rio criam presunto ‘magro”. A matéria trata de um
dispositivo eletrônico que é utilizado por fumantes que têm a intenção de
largar o vício. Além disso, trouxe o “Viva Voz” com o relato da experiência do
ator da TV Globo Marcos Pasquim, no uso do dispositivo e na diminuição do
seu vício. Já a notícia trata da experiência feita por pesquisadores da
Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) na substituição de elementos
danosos à saúde como o sódio e a gordura na produção do presunto.
A relação entre esses textos com os outros, da coluna “Microscópico”,
se dá na tomada, em maior ou menor grau de ênfase, da saúde pelo viés do
comportamento. No caso do vício pelo cigarro, a mudança de um
comportamento desviante para um normal, para aqueles que “desejam se
livrar do vício”. Na experiência de produção do presunto “magro”, o controle
da dieta tendo como modelo de saúde a magreza. No que diz respeito aos
novos casos da Influenza H1N1, a aproximação com os estrangeiros e com o
exterior. No caso dos astronautas, a ida ao espaço sideral. No caso do
118
concurso das melhores crônicas, a convivência com a Aids e com os
soropositivos.
No dia 30 de junho, na Editoria de Saúde, O Dia publicou a matéria
“Vírus resistente a remédio”. Junto com a vinculada “Situação crítica no sul do
Brasil”, forma o corpo da página dedicada ao tema. Ou seja, naquele dia o
tema da saúde estava limitado ao da Influenza H1N1, o que demonstrava
novamente a sua relevância para o jornal.
A matéria principal conta com uma foto na qual parentes e amigos
choram sobre o caixão de Vanderlei Vial, morto no Rio Grande do Sul em
função do contágio do vírus. Como destaca a legenda da foto, todos os
presentes estavam com máscaras: “Com máscaras, parentes e amigos foram
ontem ao enterro de Vanderlei Vial, morto no Rio Grande do Sul”. O uso desse
adjunto adverbial de modo no início da frase e separado por vírgula designa
importância e realce para o próprio adjunto. Esse relevo dado a “com
máscaras” enfatiza a necessidade do uso delas como medida preventiva, até
mesmo no momento de dor. Como todas as pessoas que aparecem na foto
estão usando máscaras, elas teriam, neste contexto, se tornado próteses
necessárias ao humano. Isso se confirma com a relação de sentido que a foto
e a legenda estabelecem com o título, atestando a ineficiência do remédio
contra o vírus e do subtítulo “Dinamarca registra 1º caso de paciente com
gripe suína que não responde a tratamento com Tamiflu”, o que aumenta a
confiança no uso de máscaras como medida preventiva.
119
O Dia, 30 de junho de 2009
A matéria principal apresenta o Tamiflu como “a principal substância
indicada contra a doença que avança no mundo, atingindo cerca de 71.000
pessoas em mais de 100 países”. Nesse sentido, o remédio é a “arma” principal
no combate à doença. Ele é tomado como capaz de controlar o avanço da
doença. Essa metáfora bélica é informada pelo “contra”, vocábulo cujo
significado está relacionado à rivalidade, contrariedade, oposição, conflito e
guerra. No caso, trata-se de uma guerra mundial. Uma vez que o avanço da
doença se dava em vários países, era preciso criar resistências para contê-lo.
Resistência também é uma palavra cuja semântica se associa ao conflito e à
oposição. Os movimentos de resistência se colocam na oposição de
determinadas instituições e poderes para propor mudanças sociais. Tais
120
movimentos são comumente armados. Nesse caso, repetimos, o remédio
assumia essa função.
O que se modifica é que a eficiência do Tamiflu no combate à doença
é questionado. O vírus havia se tornado resistente ao remédio. No entanto,
havia outro medicamento que proporcionava a cura:
O paciente foi curado com outro tipo de
medicamento, mas o episódio gerou preocupação entre
especialistas. Segundo eles, os vírus influenza – como o
H1N1, que provoca a gripe suína – têm grande
capacidade de mutação. A exposição exagerada ao
remédio pode aumentar o risco de ele se tornar
resistente, e o Tamiflu deixaria de fazer efeito contra a
doença (O Dia, 30/06/2009: 24 [grifos nossos]).
Em primeiro lugar, podemos observar a associação pelo jornal entre a
cura e o medicamento. Embora o Tamiflu já não seja tão mais eficiente, há
outro para substituí-lo. Todavia, não é citado o nome do novo remédio, de
uma nova conquista da cura. Essa ausência de nomeação – e, por isso, de
importância – demonstra que o estranhamento e a maior relevância estavam
relacionados ao fato de o Tamiflu não ser mais a garantia de cura. Ao longo
do mês de junho, O Dia, em sua Editoria de Saúde, por diversas vezes,
anunciou o Tamiflu como sendo essa garantia. A partir do momento em que
ele não era mais, o jornal se dedicou a buscar motivos para o remédio não ser
mais. A explicação enunciada é a da “exposição exagerada ao remédio”. Ela
pode ser destinada a médicos e pacientes que passaram a indicar ou a usar
remédio excessivamente. No entanto, essa exposição também se deveu ao
fato de os jornais anunciarem o Tamiflu como a cura, motivando o seu uso
exagerado e, com isso, a sua perda de resistência. Ao longo do mês de junho,
O Dia apresentou outras matérias sobre o assunto. A responsabilidade pela
ineficiência do remédio que promovia a cura é compartilhada por todos
aqueles que indiscriminadamente fizeram uso dele, anulando-lhe o efeito.
Em segundo lugar, percebemos o quanto o medicamento é tomado
como índice da cura. É preciso se medicar apropriadamente para se curar.
Ou seja, o uso exagerado é danoso. O remédio aparece, portanto, não só
como solução para a doença, ou a principal arma no combate à doença,
mas também como ameaçador se usado indiscriminadamente. A medicação
também precisa ser feita de modo responsável, com cuidado, controle e
121
conhecimento de causa. Somente assim, seria possível vencer a luta contra a
doença. Nesse sentido, a ocultação do nome do outro tipo de medicamento,
eficaz, seria para não provocar o mesmo exagero no uso do anterior.
A atestação dessa ineficiência do Tamiflu, como mostra a matéria,
motivou o Ministério da Saúde a restringir a medicação apenas aos casos mais
graves. Isso não acontecia:
Antes, todo paciente com suspeita da gripe era
medicado com o Tamiflu até 48 horas após o início dos
sintomas. Ontem, o ministro da Saúde, José Gomes
Temporão, em reunião com o presidente Lula, disse que
“a situação está sob controle”, mas que “o País está em
alerta absoluto” (O Dia, 30/06/2009: 24).
Na primeira frase, temos explicitado o procedimento adotado na
utilização do remédio. Depois de ter sido usado no aparecimento de qualquer
(possível) sintoma da doença, o Tamiflu passou a ser administrado somente
para os casos graves. Na segunda frase daquele trecho, lemos uma
contraposição entre duas afirmações do ministro da Saúde a primeiro diz que
“a situação está sob controle”. Já a outra comenta que “o País está em alerta
absoluto”. Lendo isoladamente essas orações, podemos dizer que a situação
a que o ministro se refere é ao avanço da doença no Brasil. Por isso, o governo
federal – representado pelo Ministério da Saúde – estava em “alerta absoluto”.
Esse estado correspondia às práticas de monitoramento e de prevenção à
doença. Caberia, portanto, ao Estado o controle e a promoção do estado
saudável.
Aquela seqüência de frases, no entanto, também permite entender
uma mudança nesse significado de situação. Ela passaria a se referir ao fato
de a situação que está sendo colocada “sob controle” pelo Estado era a do
uso exagerado de Tamiflu. Nesse sentido, o monitoramento era destinado a
coibir a prática que faz com que o vírus se tornasse resistente ao remédio.
De qualquer modo, ao citar o discurso do ministro numa condição
adversativa, o jornal questiona a propriedade de o Ministério da Saúde
garantir que a situação está sob controle se o país está em alerta absoluto.
Como é possível o controle estar atrelado ao alerta absoluto, sem uma
contradição de termos? Seria o controle falho? Nesse impasse, a posição do
Ministério da Saúde foi representada como indefinida, porque contraditória.
122
Afinal, quando se tem a situação sob controle é preciso estar em alerta
absoluto?
Na seqüência do texto, na próxima frase, lemos que “o Reino Unido
passou a fazer parte da lista de destinos para os quais o Ministério da Saúde
recomenda evitar, junto com Argentina, Chile, EUA, México e Canadá”. Esta
recomendação aparece como um exemplo de alerta. Aqueles eram os
lugares com maior número de doentes. Eram, portanto, para onde os
brasileiros não deveriam ir. Se fossem, seriam potenciais retransmissores da
doença.
A construção dessa seqüência de frases apresenta elos com a
produção discursiva quanto à localização da doença no exterior. Assim, como
já vimos, é uma doença que vem junto com o de fora. Nesse sentido, o Estado
estaria alerta à ameaça estrangeira. Assim, a função do Ministério era evitar o
trânsito e a circulação de brasileiros nos países com altos índices de contágio.
Mais uma vez, os sentidos construídos pelo jornal propõem uma representação
belicosa das medidas preventivas e do tratamento da doença.
Em seguida, após o intertítulo “Gripe nas Escolas do Rio”, o texto passou
a abordar um outro assunto. Não era mais o Tamiflu. Agora, era a
contaminação pela Influenza H1N1 nas escolas do Rio de Janeiro. Ao lado do
texto e embaixo da foto da matéria principal, há um quadro com os valores
dos casos de contaminação confirmados no Brasil (625) e os das pessoas que
desenvolveram a doença no estado do Rio de Janeiro (66).
Ao lado do foto, descendo até o final do texto, temos numa coluna a
matéria vinculada “Situação crítica no sul do Brasil”. O texto também confirma
a Influenza H1N1 como uma doença estrangeira:
Mais um município gaúcho – Itaqui – declarou ontem
estado de emergência devido à gripe suína. O decreto
informou que a medida foi tomada por causa da
proximidade com a fronteira argentina, além da
chegada do inverno. O mesmo ocorrera em outra
cidade, São Gabriel, na semana passada. Ontem, em
Erechim (RS), foi enterrado o caminhoneiro Vanderlei Vial,
que morreu domingo com a doença (O Dia, 30/06/2009:
24).
123
Nesse trecho, temos uma associação direta entre o “estado de
emergência devido à gripe suína” com a “fronteira argentina”. Essa já era a
condição principal para o decreto daquele estado. A Argentina, tomada
como lugar da doença, apresenta ameaça para todos os municípios
brasileiros que estão na região da fronteira. Enquanto a fronteira com a
Argentina é a condição principal para um estado de emergência sanitária, a
chegada do inverno se torna secundária. O termo “além” contribuiu na
proposição desse sentido, já que ele designa uma informação acessória, sem
tanta relevância quanto a que está presente na oração principal.
Nessa construção, podemos perceber uma associação implícita da
contaminação e da morte de Vanderlei Vival com a sua ocupação:
caminhoneiro. Por estar constantemente em trânsito, atravessando fronteiras,
ele se contaminou e morreu. Assim, o texto reforçou a construção do jornal da
doença como sendo estrangeira. Por ser “de fora”, a prevenção da doença
está sendo colocada também no reforço das fronteiras, entre países,
especialmente com a Argentina, e entre os estados. Não foi à toa o fato de o
jornal incluir a informação sobre a morte dele sob a matéria “Situação crítica
no sul do Brasil”, logo depois de informar a quantidade de pessoas que
desenvolveram a doença no estado do Rio de Janeiro. Sendo a doença
estrangeira e tendo avançado pelo Sul do Brasil, era preciso reforçar as
fronteiras terrestres do próprio país. A oposição entre a situação do Rio de
Janeiro (com 66 contaminados num universo de 625 brasileiros com a doença)
e a “situação crítica” do Sul constituiu uma prática discursiva: a de associar a
doença ao exterior, propondo, com isso, distinções entre “nós” e “eles”,
brasileiros e argentinos, cariocas e gaúchos, ameaçados e doentes, vítimas e
algozes.
Julho
No dia 3 de julho de 2009, O Dia trouxe na capa a seguinte manchete:
“Gripe suína deixa Huck e Angélica em quarentena e Globo alerta artistas”.
No comentário, lemos: “Resultado de André Marques comprova doença.
Como prevenção, emissora afasta profissionais que estiveram na Argentina
124
gravando programa Estrelas”. Já na capa, vemos o reforço da construção da
doença como estrangeira e particularmente argentina. Por isso, todos aqueles
que estiveram na Argentina e os que tiveram contato com aqueles que já
estiveram foram colocados em quarentena pela Rede Globo. Essa era uma
medida para evitar o avanço da contaminação.
Logo abaixo, a capa conta com uma foto de adultos e adolescentes
(na maioria) chorando num enterro. O título “O Rio chora com o luto na família
Pedro II” é seguido pelo comentário “Alunos do colégio fizeram homenagem a
Raianny Souza, 14 anos – um dos quatro mortos no acidente com a van que
bateu em um reboque e capotou na Linha Vermelha, quarta-feira. A menina
foi enterrada ontem no cemitério de Ricardo Albuquerque. Motorista da van
pediu perdão aos pais das vítimas”.
Na mesma capa, logo após aquela manchete sobre a contaminação
pela gripe suína de artistas da Rede Globo, a foto desse choro também teve
uma relação de significação com aquilo que o precedeu. Nesse sentido, o
choro, além de motivado pela morte de Raianny, era endereçado à
contaminação daqueles astros.
Na página da editoria Saúde daquele mesmo dia, foi colocada a
matéria principal, “Artistas estão em quarentena”. No subtítulo, lemos: “Exame
comprova que André Marques contraiu a doença em viagem à Argentina
para gravar Estrelas”. Mais uma vez, a Argentina foi concebida como o lugar
da contaminação. O exame médico, nesse sentido, apareceu como forma de
confirmação desse perigo.
125
O Dia, 03 de julho de 2009
O apresentador André Marques, do Vídeo Show, está
com gripe suína. Em quarentena desde a noite de
segunda-feira, quando surgiram os sintomas, ele teve
diagnóstico confirmado ontem. A Rede Globo divulgou
nota afirmando que “tomou todas as providências
recomendadas pelo Ministério da Saúde com relação à
suspeita de infecção pelo vírus dos profissionais que
estiveram gravando o programa Estrelas na Argentina” (O
Dia, 03/07/2009: 24 [grifos nossos]).
Na construção da doença como estrangeira e territorialmente
localizada na Argentina, o texto da matéria trabalha uma nova aproximação:
entre a Rede Globo e o Ministério da Saúde.
Algumas das celebridades que estiveram na
gravação, em Bariloche, além de André, são Angélica,
Reynaldo Gianecchini e Dudu Azevedo. A direção da
emissora não divulgou os nomes dos artistas, produtores e
126
técnicos que participaram o programa, mas afirmou que
“colocou os profissionais em quarentena” e suspendeu
novas viagens para áreas consideradas de risco – além
da Argentina, os EUA, México, Chile, Argentina, Austrália
e Reino Unido (O Dia, 03/07/2009: 24 [grifos nossos]).
A empresa, seguindo as recomendações do Ministério da Saúde com
relação às providências em casos de suspeita de infecção, teve como
medida preventiva afastar temporariamente todos os funcionários que
estiveram na Argentina (“colocou os profissionais em quarentena”). Além disso,
suspendeu as viagens para “áreas consideradas de risco”. Mais uma vez, as
fronteiras internacionais foram reforçadas como medidas de segurança contra
a possibilidade de infecção. Nesse sentido, o trânsito internacional era o maior
risco, pois fazia a doença circular. Aumentava, assim, o número de infectados
brasileiros. A oposição entre “nós” e “eles” se fazia novamente presente. A
questão, no fundo, era nacional. O problema era a contaminação de
brasileiros. Ou melhor, era a entrada de vírus no país pelos próprios brasileiros
que saiam das fronteiras nacionais, iam para as “áreas consideradas de risco”
e traziam a doença para o país. No caso de O Dia, a questão da fronteira
ainda tem uma nova conotação: é estatal. O Rio de Janeiro, como vimos em
outros textos, deveria se proteger do Sul do país, região de maior proximidade
com a Argentina e, portanto, de maior contato com a doença.
Não foi à toa, portanto, que o “olho” da matéria destacou o seguinte:
“Globo suspendeu viagens para áreas de risco. Rio teve confirmado mais 14
casos apenas ontem”. A sede da emissora fica no Rio de Janeiro. Então, o fato
de ela ter funcionários que viajaram para países com alto índice de infecção
a coloca como uma ameaça para o estado. Ao suspender aquelas viagens, a
emissora estava contribuindo para evitar a disseminação da doença.
Entre os países que apresentavam risco, a Argentina ganhou destaque
no texto. Ao anunciar os países mais perigosos, o jornal os listou depois da
locução prepositiva “além de”, pressupondo que o maior risco estava na
Argentina. Além daquele país, havia outros (os EUA, o México, o Chile, a
Austrália e o Reino Unido). No entanto, é curioso que, na enumeração dos
países, mais uma vez, aparece o nome da Argentina. Isso pode até ser visto
como um mero erro de digitação. Para a análise de discursos, pelo contrário,
faz parte de um regime de marcas textuais que iam redundando no fato de a
127
Argentina ser uma área de risco. A repetição do nome do país constituiu a
prática discursiva do jornal de, ao associar a doença como estrangeira,
relacioná-la com a Argentina.
Essa associação produziu a recomendação do Ministério da Saúde
como sendo colocar em quarentena os profissionais que foram à Argentina e
suspender viagens a áreas consideradas de risco. Nessa produção, o uso de
aspas tem a função de reproduzir integralmente a fala do outro, dando a
sensação de que ela está sendo trazida ao texto sem adaptações ou versões,
mas como foi dito. No entanto, a citação não traz consigo o seu contexto. Ela
é inserida num outro, no qual passa a produzir novos sentidos. Lançando mão
desse artifício, a reportagem apresenta a Rede Globo como cumpridora das
designações do Ministério da Saúde.
O texto apresenta essa adesão em alguns casos. O primeiro deles é o
de Angélica, que levou os seus filhos para a gravação na Argentina. Ela, junto
com o seu marido, o apresentador Luciano Huck, estão em quarentena. A
matéria destaca que a viagem foi realizada “três dias antes de o Ministério da
Saúde recomendar que gestantes, crianças menores de dois anos e
inumodeprimidos viajassem àquele país”. Ou seja, a recomendação do
Ministério chegou tarde demais para impedir que a apresentadora expusesse
a si e a sua família ao risco da contaminação.
Ana Maria Braga também esteve em Bariloche. No entanto, não
precisou ficar em quarentena. Ele voltou da Argentina há mais de uma
semana, período máximo de manifestação do vírus em adultos. Já em
crianças o período é o dobro, conforme informou o texto da reportagem.
A apresentadora Fiorella Matheis, apesar de não ter viajado, foi
colocada em quarentena por ter encontrado em contato com André
Marques, depois de ele ter voltado com a doença da Argentina já sentindo os
sintomas da doença.
Mesmo a emissora não tendo divulgado os nomes dos profissionais em
quarentena, a reportagem identificou os famosos. Somente depois dessa
identificação dos globais que estavam em quarentena, a reportagem
128
apresentava dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde sobre o
número de pessoas contaminadas, destacando que no Rio eram 14.
Ao lado do texto da reportagem, há uma foto com três dos
apresentadores do programa da Rede Globo Vídeo Show: Fiorella Matheis,
André Marques e Angélica. Eles estavam em quarentena. Ele estava se
recuperando da doença.
A coluna “Viva voz” trouxe o depoimento de André Marques:
Recebi dois telefonemas muito confusos do Ministério
da Saúde. Primeiro, dizendo que o resultado tinha dado
positivo e falando que iam providenciar remédios que eu
deveria tomar. Três minutos depois, outra pessoa ligou e,
quando questionei sobre os remédios (que já tomo desde
segunda-feira, quando tive a suspeita), me disseram que
eu só deveria ficar de quarentena até segunda-feira e
não precisaria de medicamentos. Quero um laudo oficial
que confirme esse resultado, porque estou achando tudo
isso muito confuso. Se pelo menos essa gripe servisse para
emagrecer... (risos). Porque estou aqui parado, mas me
sentindo ótimo, sem febre nenhuma (O Dia, 03/07/2009:
24 [grifos nossos]).
O relato comenta que a atuação do Ministério da Saúde na
identificação e no tratamento de pacientes com Influenza H1N1 estava sendo
“muito confusa”. Essa confusão foi vista por conta do desencontro de
informações e produziu uma sensação de falta de confiança no órgão. Esse
comentário no contexto daquela reportagem apresentou o Ministério da
Saúde de modo ambíguo: por um lado, ele é confiável (nele se baseiam as
medidas preventivas da emissora); por outro, não é eficiente, não divulgou a
recomendação
para
gestantes,
crianças
menores
de
dois
anos
e
imunodeprimidos não viajarem para a Argentina antes de Angélica levar seus
filhos para o país e não foi capaz de diagnosticar certeiramente André
Marques. Essa ambigüidade acabou conferindo às ações do Ministério da
Saúde uma desqualificação. Elas não eram tão confiáveis, já que eram “muito
confusas”.
Ao lado do relato de André Marques, há uma foto com dois alunos do
Santo Inácio (colégio tradicional, de classe média alta, do Rio de Janeiro). Eles
têm em mãos uma cartilha intitulada “Gripe A” e a lêem com atenção.
129
Logo abaixo da foto e seguindo até o final da coluna “Viva voz”, há
uma matéria vinculada, “Mais dois colégios particulares suspendem aulas”.
Além de destacar o fechamento temporário de colégios como a unidade da
Barra da Tijuca da Escola Parque (as aulas da Educação Fundamental até o
dia 9/07) e do São Vicente de Paulo , que depois de ter suspendido as aulas
de uma turma as férias foram antecipadas, o texto ressaltou que o Colégio
Santo Inácio, depois de 8 dias sem aula, tinha reaberto. A volta às aulas veio
com novidades:
Muito diferente do dia 23, em que as aulas foras
suspensas, o clima era de tranqüilidade e a 1ª aula em
todas as turmas teve um tema único: gripe suína. Com
uma cartilha, elaborada pela própria escola, professores
explicaram os principais sintomas e deram orientações
sobre como agir no colégio. Entre as medidas, está levar
garrafa com água de casa, para evitar o uso do
bebedouro. Preocupadas, as alunas Marcella Carvalho,
14, e Mariana Magalhães, 16, levaram álcool em gel para
limpar as mãos e dividiram com as amigas. “Trouxe por
causa da gripe e porque minha mãe me obrigou. Sempre
que ia para a sala limpava as mãos”, disse Mariana. A
escola disponibilizará álcool em gel para todos (O Dia,
03/07/2009: 24).
Não foi o Ministério da Saúde quem preparou a cartilha. Como
destacou o jornal num aposto, a cartilha foi “elaborada pela própria escola”.
O aposto naquela posição não só identifica quem produziu o material
educativo, mas também destaca essa produção. O texto foi elaborado pelos
professores do Santo Inácio. Não foi, portanto, produzida por profissionais da
saúde, especializados no assunto. Então, os professores foram aqueles que
“explicaram os principais sintomas e deram orientações sobre como agir no
colégio”. Eles, assim, se assumiram como autoridades no conhecimento da
prevenção à doença. O jornal comenta que uma das medidas adotadas é
“levar garrafa com água de casa, para evitar o uso de bebedouro”. No
entanto, outra medida foi destacada pelo jornal a higienização das mãos
com álcool gel. O texto se encerra com o seguinte anúncio: “A escola
disponibilizará álcool em gel para todos”. Essa prática demonstrou mais uma
iniciativa da escola em evitar a contaminação pelo vírus da Influenza H1N1.
Além disso, a higienização das mãos com álcool em gel foi tomada como
uma forma de evitar a doença.
130
No dia 4 de julho, o jornal publicou um grande texto ocupando duas
páginas em continuidade (2 e 3), com uma foto localizada no meio das duas
(metade em cada folha) e outras duas na página à direita (p.3). Tratava-se do
“Especial do Dia”, espaço reservado para reportagens especiais sobre
assuntos tomados como mais relevantes pelo jornal. Na ocasião, foi a matéria
com o seguinte título: “Gripe suína: TV Globo cancela ida ao Chile”. O subtítulo
(“Locação de novela passará a ser o Maranhão. Ministro anuncia restrição em
exames”) complementa a informação e insere uma nova. O lide da
reportagem apresenta o assunto da seguinte forma:
O medo da gripe suína fez a TV Globo cancelar
viagem ao Chile para gravações de Pelo Avesso, nova
novela das 18h, que vai substituir Paraíso. A viagem, que
incluía também um período na Bolívia, estava
inicialmente marcada para semanas atrás, mas foram
adiadas
algumas
vezes,
até
serem
suspensas
definitivamente devido ao perigo do novo vírus. A nova
locação será o Maranhão. As primeiras cenas da trama
das autoras Duca Rachid e Thelma Guedes, com direção
de Ricardo Waddington, seriam gravadas com os atores
Marcos Palmeira, Isabela Garcia e Carmo della Vechia
(O Dia, 04/07/2009: 02 [grifos nossos]).
A construção da condição do cancelamento da viagem da equipe da
TV Globo ao Chile para a gravação da novela Pelo Avesso (rebatizada como
Cama de Gato na ocasião de sua exibição) é feita a partir do medo. O
“medo da gripe suína” foi o que provocou o cancelamento. A justificativa não
é propriamente racional, mas baseada num sentimento. Nesse sentido, o
medo da possibilidade de contaminação se torna um impedimento concreto
para as ações e o trânsito, mas também para o reforço de fronteiras. Ou seja,
o Chile e a Bolívia, áreas consideradas de risco pelo Ministério da Saúde,
deveriam ser evitadas. Por isso, a produção da telenovela optou por um
território seguro. Ficou, então, no próprio Brasil e transferiu as gravações de
cenas que eram no exterior para o Maranhão.
131
O Dia, 04 de julho de 2009
O Dia destacou essa determinação de áreas de risco no seguinte
trecho da matéria:
Quinta-feira, quando foi confirmado diagnóstico de gripe suína do
apresentador do Vídeo Show André Marques, a emissora já havia
mencionado, em nota oficial, a ideia de cancelar novas viagens a
áreas consideradas de risco pelo Ministério da Saúde. André pegou a
doença em Bariloche, Argentina, durante gravações do programa
Estrelas, com Angélica e outras celebridades (O Dia, 04/07/2009: 02
[grifos nossos]).
Pelo fato de terem sido canceladas viagens para Chile e Bolívia,
podemos considerar que junto com a Argentina eram os países que
apresentavam maior risco. A Argentina ganhou mais destaque na reportagem.
O intertítulo que veio a seguir daquele texto citado anunciou: “Cem mil
doentes na Argentina”. Esse quantitativo confirmou, então, o medo em
relação àquele país. Ele tinha comprovação na realidade. No entanto, os
próprios números não eram de todo confiáveis.
O Dia faz uma confrontação entre os dados da Organização Mundial
de Saúde, que confirma 90 mil casos em todo mundo, e do Centro de
Controle e Prevenção de Doenças, que estimava 1 milhão de casos. O jornal,
132
então, concluiu que “o número real pode ser bem superior”. Nesse sentido, o
medo da Argentina – e da invasão exterior da doença – deveria ser bem
maior. Era o medo, afinal, que permitia a cautela e também o cuidado.
Depois de comentar o cenário internacional, a reportagem apresentou
as estratégias do Ministério da Saúde para diagnosticar a doença:
Também ontem, o ministro da Saúde, José Gomes
Temporão, anunciou novas medidas para o diagnóstico
da doença no Brasil. A partir de hoje, os exames para
detectar gripe suína ficarão restritos a três situações:
casos com sintomas graves, indivíduos do chamado
grupo de risco para influenza (idosos, menores de 2 anos,
gestantes, pessoas com diabetes, problemas cardíacos e
outras doenças) e pessoas que possam ter sido
contaminadas em surtos dentro de empresas ou escolas.
Segundo Temporão, o diagnóstico de pacientes com
sintomas leves de gripe deverá ser feito clinicamente na
unidade de saúde mais próxima, e não nos hospitais de
referência. De acordo com ele, a mudança tem como
objetivo evitar superlotação nesses centros, como o
Hospital do Fundão, para que eles possam garantir
atendimento ágil a pacientes com quadro grave e evitar
mortes (O Dia, 04/07/2009: 02 [grifos nossos]).
Para evitar o excesso de pacientes em hospitais, foi permitido o exame
clínico em unidades de saúde. O exame de sangue ficou restrito para os
pacientes graves. A preocupação do Ministério da Saúde com a superlotação
faz parte do medo anunciado pelo jornal. A qualquer sinal de sintomas leves
de gripe, pessoas estavam indo aos hospitais.
Temporão recomendou, ainda, que os médicos das unidades de saúde
não medicassem contra a Influenza H1N1 os pacientes que apresentassem
sintomas leves. A medida era para evitar que o vírus se tornasse resistente.
Essas estratégias, portanto, eram para evitar que o medo provocasse uma
situação muito pior, na qual não houvesse mais remédio eficaz para o
tratamento da doença.
A foto principal da reportagem, localizada no centro das duas páginas
abertas, contava com turistas posando para uma foto em frente à Casa
Rosada, sede do governo argentino. Todos os turistas que posam para a foto,
inclusive aquele que tira a foto, estavam com máscaras cirúrgicas. A medida
foi freqüentemente tomada para a evitar a contaminação. Os turistas, então,
combinaram o lazer à prevenção. Mesmo assim, estavam desconsiderando a
recomendação do Ministério da Saúde. Estavam viajando para a além das
133
fronteiras da segurança e se arriscando no país com alto índice de
contaminação.
No canto superior direito, encontramos uma foto do casal Angélica e
Luciano Huck; abaixo, a seguinte notícia: “Vídeo Show afasta apresentadores”.
Retomando a matéria do dia anterior, que anunciava o afastamento
temporário de André Marques e Fiorella Matheis, o jornal noticiou que os
demais apresentadores, Luigi Baricceli e Geovanna Tominaga, também foram
afastados. André Marques relatou que seus amigos estão deixando comida na
porta dele, para evitar contato. Luciano Huck, pelo Twitter, disse que era hora
de sua família ficar tranqüila, “sem ficar dando pinta por aí”. Nesse sentido,
outra fronteira era estabelecida, entre a “casa” e a “rua”. A casa é o espaço
da segurança e a rua, da ameaça. Então, para se proteger da doença, para
evitar a contaminação de outros ou para observar a manifestação de
sintomas, era necessário ficar em casa.
A foto abaixo da notícia mostra duas pessoas. A legenda informa que
uma delas é o “taxista André”, que foi se informar junto à Vigilância sanitária.
A outra, uma menina, está com uma máscara de porco e o jornal esclarece
que a fantasia é uma “alusão à gripe suína”. Na foto, a menina limpa o nariz
da máscara com o dedo. Esse ato simboliza comumente uma “porcaria”.
Estavam sendo relacionadas tanto a contaminação à imundice e aos maus
atos quanto a doença aos suínos. A produção dessa intertextualidade se deu
porque a Influenza H1N1, então chamada majoritariamente como “gripe
suína” é um tipo de gripe ocorrida em porcos. Naquele momento, essa
associação era reforçada por essa nomeação. O ato de nomear exerce um
poder de controle sobre os sentidos, propondo determinadas significações e
reconhecimentos. Ou seja, a contaminação substitui a “limpeza” da saúde
pela “sujeira” da doença. Isso se dava, também, pelo fato de a gripe ser de
origem suína.
No dia 27 de julho de 2009, mais uma matéria sobre a Influenza H1N1
ganhou a página dupla da seção “Especial do dia”. A reportagem
“Professores e famílias temem que gripe suína na volta às aulas” teve como
abertura o seguinte texto:
134
Medo, insegurança e muitas dúvidas colocam em
xeque a volta às aulas. Preocupados com o risco de
disseminação do vírus da gripe suína nas escolas,
representantes do Sindicato Estadual dos Profissionais de
Educação (Sepe) marcaram audiência com a Secretaria
Estadual de Educação para cobrar providências em
relação à segurança dos professores e alunos no regresso
às atividades escolares, e para discutir se a volta será
realmente no dia 3 (O Dia, 27/07/2009: 2 [grifos nossos]).
A insegurança e a conseqüente necessidade de segurança são
representadas pela foto principal da reportagem. Na sala do pólo de
atendimento há casos da doença na Gávea, a maioria das cadeiras é
ocupada por pacientes mascarados à espera de sua vez. A máscara é o
símbolo da segurança. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que ela é
resultado do medo, é também da possibilidade de prevenção em lugares de
grande aglomeração como hospitais e escolas.
Como conta o texto, para evitar os riscos da contaminação,
representantes de escolas públicas e privadas e técnicos da Secretaria
Municipal da Saúde se reuniram para “analisar a possibilidade de ampliar o
período de férias”. Afinal, a aglomeração dos alunos nos estabelecimentos de
ensino potencializava os índices de contágio. Segundo dados da OMS, os
jovens em idade escolar (12 a 17 anos) são os “mais atingidos pela nova
gripe”. Eram mais vulneráveis justamente porque o contato permitia o
alastramento da doença. O órgão, então, apresentou uma medida
preventiva mais eficaz. O espaço escolar passou a ser inseguro, porque são
“muito apertados e com muitas crianças”, tornando mais provável o aumento
do número de infectados.
A doença se tornou também da ordem da aglomeração. Ela era quem
permitia o aumento da transmissão. Nessa matéria, a ameaça não é o
estrangeiro, não é o trânsito entre as fronteiras, mas é a aglomeração de
pessoas. O convívio em grupos era ameaçador, causava insegurança e
dúvidas.
Depois do intertítulo “Falta de Tamiflu criticada”, o texto passou a tratar
de outro assunto. O jornal destacou a crítica do vereador Paulo Pinheiro (PPS),
da Comissão de Saúde da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, sobre a
falta do medicamento nos pólos de atendimento. A crítica, como destacou o
135
texto, foi realizada depois da denúncia feita por O Dia. O jornal, assim como o
vereador, concebeu o direito à saúde como direito ao medicamento. A
reportagem usou a seguinte afirmação do vereador em discurso indireto:
“Segundo Pinheiro, nos EUA, de cada três pacientes examinados dois
receberam o remédio, que combate à gripe suína”.
É característica do discurso direto escamotear na fala do outro a
opinião e os interesses próprios. Ao enunciar esse trecho da fala do vereador,
o jornal não só está positivizando a prática de medicalização como garantia
de recuperação do “estado saudável”, como também está reforçando e
delimitando a sua denúncia dos problemas da prevenção à doença no
estado do Rio de Janeiro. O aumento da contaminação no estado do Rio de
Janeiro foi motivado pela falta de remédio:
A Secretaria Estadual da Saúde informou que essa
semana haverá reunião para avaliar a possibilidade de
oferecer o Tamiflu em mais locais. Por determinação do
Ministério da Saúde, a administração do remédio
continua centralizada na secretaria e a distribuição no
Rio é só para os 4 hospitais de referência (O Dia,
27/07/2009: 2).
Nesse trecho, o jornal propôs certo antagonismo entre a Secretaria
Estadual de Saúde (que avaliaria a possibilidade de ampliar a distribuição de
Tamiflu em mais locais) e o Ministério da Saúde (que orientava para a
distribuição ser centralizada em quatro hospitais de referência). Nesse sentido,
a Secretaria Estadual de Saúde era tomada como mais preocupada com a
ampliação da medicalização (da possibilidade de cura) do que o Ministério
da
Saúde,
que
restringia
o
acesso.
Enquanto
uma
avaliava
a
descentralização, o outro determinava a centralização.
No entanto, diferentemente da reportagem do dia 30 de junho, em que
foi justificada a restrição do uso do Tamiflu pelo Ministério da Saúde (para
impedir que o vírus se tornasse resistente), nesse texto, O Dia ignorou essa
informação. Além da denúncia dessa possível negligência do Ministério da
Saúde, o jornal reforçou a lógica da medicalização, tomando a ampliação do
uso medicamento nos mais diferentes caos e suspeitas como única forma de
evitar riscos.
136
Outra crítica enunciada pelo vereador era em relação ao Disque-Gripe.
Para ele, era uma modalidade de atendimento que não é confiável, podendo
produzir vários erros em diagnósticos. Era importante a supervisão de um
médico.
A seção ainda contou com um quadro de recomendação das ações
que estão “em alta” (janelas abertas, programas diurno e ao ar livre, suco e
frutas críticas, alimentação regrada, copos individuais, lenço descartável e
filmes e DVD em casa) e “em baixa” (ambientes com ar condicionado, boates
e festas em locais fechados, bebidas alcoólicas, automedicação, lenço de
pano, grandes aglomerados, metrô, ônibus e trem lotados). Ao prescrever
aquilo que deve ou não ser feito, o que aumenta ou diminui o risco de
contaminação, o jornal amplia a sua autoridade jornalística para o campo da
saúde, colocando-se não só como “voz especializada”, mas como “voz da
verdade”. A prescrição de hábitos seguros era uma tentativa de controlar o
imponderável, evitando aquilo sobre o que não se tem total certeza.
“Especial do dia” conta, ainda, com uma matéria vinculada,
“Mudança na rotina com ameaça do vírus”, na qual o chefe do Serviço de
Doenças Infecciosas da UFRJ, Edmilson Migowky, chancela a prescrição
jornalística. Afirmou que o “cidadão precisa se adaptar aos tempos de gripe
suína, enquanto o vírus ainda for uma ameaça”. Disse que as academias,
assim como os teatros e cinemas, estão em baixa. Para ele, o lazer e exercício
ao ar livre são a melhor pedida.
O texto trouxe também relatos de pais com dificuldades de manter os
filhos em casa durante as férias. O mau tempo da ocasião se tornou a maior
justificativa para ficar em casa. No entanto, com a volta do sol pais e filhos,
poderiam curtir as férias, potencialmente mais seguros contra a ameaça do
vírus.
Uma foto encerrou a seção. Ela contava com pais e filhos brincando ao
ar livre. Nesse sentido, o sol e o ar livre poderiam garantir a felicidade e a
liberdade a eles, cativos em casa por conta do medo da contaminação.
No dia seguinte, o jornal manteve a sua prática de denúncia. A
manchete “Gripe suína: grávida só é atendida com força policial” estava
137
localizada abaixo de uma foto da grávida, com máscara, numa cadeira de
rodas sendo acompanhada por um policial militar (sem máscaras) e dois
profissionais de saúde (mascarados) para o hospital. A explicação para a
situação vinha no subtítulo: “Com febre e tosse, Miriam Santos recorreu a um
PM para obter socorro em hospital público da Zona Sul. Rio tem 55 gestantes
internadas com suspeita da doença”.
O destaque da capa também ganhou a página dupla de “Especial do
dia”. A reportagem, “Gripe suína: alerta para as grávidas”, desde o título
anunciava o seu tema principal, confirmado nas duas frases do subtítulo: “Mal
se agrava mais rápido entre elas. Secretário diz: toda gestante com sintomas
deve ser internada”.
Essa ênfase no mal denota a dimensão trágica da proliferação da
doença. No entanto, diferentemente da tragédia clássica, em que o mal
acomete a vida como obra do destino, do acaso, do inevitável. De certa
forma, essa característica se manteve, mas associada a outro promotor do
mal: o Estado, aquele que poderia controlar ou prever o inevitável, estava
sendo inábil no gerenciamento dos riscos à saúde. Por isso, reconhecendo a
culpa estatal, o jornal enunciou a ordem do secretário estadual da Saúde,
Sérgio Côrtes, de que “toda gestante com sintomas dever ser internada”.
A
recomendação
do
secretário
não
estava
sendo
cumprida.
Apresentado como déficit de autoridade, ele não teria capacidade de mudar
o mau atendimento hospitalar público. Mais ainda, talvez o quadro que ele
estivesse descrevendo (sobre a resistência das grávidas à internação e a
atuação de psicólogos e assistentes sociais para persuadirem-nas a
permanecerem no hospital) não fosse bem assim. A chamada de capa é
justamente a denúncia de que a grávida desejava permanecer mas que só
conseguiu ser atendida depois que um policial “usou sua autoridade junto aos
funcionários do hospital”. Por conta de tudo isso, as grávidas deveriam estar
alerta. Elas não tinham a garantia de um bom atendimento e para não
sofrerem as conseqüências maléficas disso deveriam recorrer a outras
instâncias para fazer valer o seu direito. O mal, nesse sentido, não é só o vírus,
mas também é o serviço público de saúde.
138
Uma notícia, “Planos de saúde podem aumentar”, faz adensar a crítica
ao serviço público. O movimento nos hospitais particulares de pessoas com
suspeita com da doença era a justificativa apresentada pelo jornal. No
entanto, no co-texto, podemos concluir que a explicação implícita era outra.
O mau atendimento nos hospitais públicos – e o mau funcionamento do
serviço público de saúde – estavam fazendo as pessoas recorrerem a serviços
particulares para se prevenirem ou se tratarem.
O texto de “Especial do dia” daquela edição se encerrou com um foto
de Sergio Côrtes na central de atendimento do Disque-Gripe. O jornal ressaltou
uma oposição. Enquanto o Ministério da Saúde recomendava aos pacientes a
ida a hospitais e pólos de atendimento no caso de suspeita de contaminação,
a secretaria estadual de Saúde ampliava o seu serviço de atendimento por
telefone, que já estava congestionado. Esse era mais um exemplo do “mau
atendimento” da saúde pública do estado do Rio de Janeiro apresentado
pelo jornal.
Em 30 de julho, mais uma capa com a manchete sobre a doença,
“Gripe suína: adiada volta às aulas de 2,8 milhões no Rio”. A justificativa para a
medida já apareceu no subtítulo: “Rede estadual, sete municípios fluminenses
e duas universidades públicas prorrogavam férias até o dia 10, porque o pico
do contágio pelo vírus acontece no início de agosto”. Ficou evidente nesse
trecho a forte aposta no controle do imponderável. A afirmação não deixa
espaço para a dúvida. A previsão é ela mesma uma confirmação.
Em mais uma reportagem publicada em “Especial do dia”, pela
declaração do secretário municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Hans
Dohmann: “O adiamento é necessário porque o pico de incidência da
doença deve ocorrer no início de agosto”. No entanto, não há a mesma
certeza taxativa do texto da capa. O impacto daquela certeza foi substituído
pela dúvida. O uso do verbo “dever”, flexionado no presente do indicativo, na
terceira pessoa do singular, propõe uma ideia de futuro, de algo possível a ser
realizado no tempo vindouro, mas sobre o qual não pode ter absoluta certeza.
O adiamento existiu por conta da possibilidade, da ameaça e do medo de
algo em potencial se tornar um acontecimento de fato.
139
Além disso, outra justificativa para o pico de contágio foi apresentada.
A fala da secretária municipal de Educação, Cláudia Costin, se concentrava
no seguinte: “A ideia é que os professores se sintam mais seguros para lidar
com a doença” [grifos nossos]. A garantia da segurança, da confiança no
lugar da desconfiança, da saúde no da doença, foi tomada como
fundamental para a decisão de prolongamento do tempo de férias.
Algumas escolas particulares, no entanto, não fizeram como as públicas
e mantiveram o calendário escolar, mas com algumas medidas profiláticas.
Entre elas, estava a instalação de cartazes educativos e reservatórios de
álcool em gel em todas as salas e corredores. O álcool em gel, mais uma vez,
apareceu como um “dispositivo de segurança” para evitar a contaminação
com o aumento da proteção. A foto principal da seção mostra a enfermeira
da Escola Corcovado higienizando suas mãos com o produto. Ela estava,
portando, dando o exemplo.
A seção contou ainda com uma nota e uma notícia. A primeira,
“Professoras gestantes terão prioridades”, comentou que as gestantes seriam
“as primeiras a receber vacina assim que estiver disponível, seguidas do
pessoal da área de saúde e crianças com doenças crônicas”. No entanto,
como sabemos, a campanha de vacinação sobre a Influenza H1N1 teve
profissionais de saúde e indígenas como primeiro grupo-alvo.
A notícia, “Distribuição de Tamiflu será ampliada”, trouxe novamente à
tona a auto-referenciação de O Dia ao seu caráter de denúncia:
A decisão foi tomada quatro dias após O Dia noticiar,
com exclusividade, que os pólos de acolhimento a
pacientes não tinha o remédio, e que a Secretaria
Estadual de Saúde havia pedido estoque extra para que
o produto fosse oferecido nos postos de atendimento.
Especialistas afirmam que a facilitação beneficia
pacientes e hospitais, já que o remédio deve ser
ministrado em até 40 horas após os primeiros sintomas (O
Dia, 30/07/2009: 03).
Desse modo, a denúncia foi associada pelo jornal à mudança de
postura do Estado. Essa relação direta, de causa e efeito, foi estabelecida
para confirmar a autoridade jornalística do veículo, capaz de alterar as
decisões estatais.
140
Além disso, a seção contou com um box, “Mais sobre o H1N1”, no qual
contava com breves notas sobre os seguintes assuntos: a alta da
apresentadora Sandra Annenberg, mais leitos para os hospitais federais do Rio
de Janeiro e um site com “informação segura” sobre a doença. Mais uma vez,
a segurança e a confiança são trabalhadas de modo equivalente e
relacional.
No dia 30 de julho, a editoria “Conexão” trouxe o e-mail do leitor Fábio
Tavares. O texto, intitulado “Esforço contra a gripe precisa ser de todos”, era o
seguinte:
A gripe que ficou conhecida como gripe suína tem
como forma de combate eficiente a higiene. Por
exemplo, lavar bem as mãos com água e sabão. Mas os
governos precisam fazer a sua parte. É preciso união nos
níveis federal, estadual e municipal. O esforço deve ser
de todas as instâncias, incluindo os poderes Legislativo e
Judiciário. Empresas e sociedade civil também serão
importantes nessa caminhada, já tenho visto boas
iniciativas de ONGs, igrejas, etc. Mas ainda é pouco. Fica
o alerta para todos os brasileiros (O Dia, 30/07/2009: 26).
Ao definir a higiene como iniciativa individual eficiente no combate à
doença, o leitor chama a atenção para o fato de ainda não haver uma ação
estatal organizada para no confronto contra a doença. A higiene como arma
na guerra contra o vírus era eficiente, mas não era suficiente. Enquanto a
sociedade civil estava organizando ações importantes, o Estado não fazia o
mesmo. Caberia aos brasileiros que ficassem alerta sobre a situação para
poderem cobrar.
Agosto
No dia 24 de agosto, a manchete de O Dia era a seguinte: “Órfã da
gripe suína luta para sobreviver”. O subtítulo explicava: “Filha de uma das nove
gestantes mortas pela doença no estado – os outros oito bebês morreram com
as mães –, Sofia Vitória, com 25 dias, recebe o carinho da avó Kátia, com
quem vai morar”.
De modo literal, denotativo, o título estabeleceu que aquela morte
pertencia à “gripe suína”. Fazendo parte da doença, a morte foi tomada
141
como agregada à doença. Nesse sentido, a morte não pode ser provocada
pela doença, mas a morte é propriedade da doença. Como sabemos, a
contração “da” (que normalmente conta com um significado de posse) foi
tomada como estabelecendo uma relação de causalidade (geralmente
associado a expressões como “por causa de”). Esse deslizamento de
significados, formando um segundo nível de significação, apenas é possível
compreender a partir do contexto dos acontecimentos.
O caso de Sofia Vitória era particular. Ela escapou à morte, porque não
se contaminou com a doença no ventre da mãe. Ou seja, ao mesmo tempo,
em que título informa uma relação de causalidade, ele também apresenta
uma relação de posse e determinação inerente a vontades alheia, existente
pela própria existência. Nesse sentido, a vitória de Sofia foi se salvar do
praticamente inevitável, do inesperado. Por isso, ela era excepcional.
Na editoria “Rio de Janeiro”, o jornal fez mais um trocadilho no título da
reportagem: “A vitória de Sofia, a única órfã da gripe suína no Rio”. Dessa vez,
o jogo de palavras foi feito com o nome da recém-nascida. Ou seja, ela tinha
vencido a gripe suína. Essa era a sua vitória.
A linguagem da reportagem foi predominantemente melodramática, já
na sua abertura:
Ela nasceu há 25 dias, aos 8 meses de gestação, com
33 cm e 2,4kg. Sofia Vitória começou a lutar pela vida
ainda no ventre da mãe, Clara Lima de Oliveira Gomes,
23 anos, uma das novas gestantes que morreram no
Estado do Rio com diagnóstico comprovado de gripe
suína. Há 10 dias, esbanjando saúde, a pequenina, que
não chegou a ser contaminada pelo vírus, recebeu alta
do CTI do Hospital Estadual Albert Schweitzer, em
Realengo. E se tornou a única órfã da gripe suína a
sobreviver no estado. Todos os bebês que eram
esperados pelas outras oito grávidas morreram com as
mães (O Dia, 24/08/2009: 04).
A singularidade de Sofia Vitória era que, diferentemente dos outros
bebês, ela tinha tido mais forças para “lutar” pela sua vida. Isso se configurava
então como algo louvável. Ela era uma heroína, porque nasceu “esbanjando
saúde” e sua “luta pela vida” não a deixou ser contaminada pelo vírus. Em
certo sentido, foi essa característica da recém-nascida que se destacou. Era
possível “lutar pela vida” e vencer a doença.
142
A vitória sobre a doença, no entanto, era uma das mais árduas. A mãe
de Carla de Oliveira, Kátia de Oliveira, em “Viva voz”, teve a seguinte fala
destacada: “Carla sobreviveu a bala perdida e veio morrer de gripe”. Nesse
sentido, a contaminação por Influenza H1N1 estava sendo entendida como
mais letal do que levar um tiro.
Nessa mesma página, uma notícia, “Mais de 300 mil voltam às aulas
hoje”, comentava que as escolas municipais estavam se preparando para
evitar a transmissão do vírus. A higiene das mãos com o uso de álcool em gel
foi tomada, mais uma vez, como medida preventiva fundamental.
No mesmo dia, na editoria “Conexão”, a leitora Mara Assaf escreveu o
seguinte e-mail, intitulado “Lula usa gripe para ressuscitar a CPMF”:
O governo Lula se aproveita da gripe H1N1 para criar
a nova CPMF (agora CSS), alegando precisar de verbas
para combater a pandemia e que o momento é de crise
e desonerações. Bom, o governo precisa se decidir: ou
essa gripe tem, como repete Temporão, menos
letalidade que as sazonais que nos acometem
anualmente, sendo uma marolinha de tosses e espirros;
ou o vírus é de tal letalidade e capacidade de
disseminação que justificaria reviver um imposto injusto e
que foi condenado à morte por sua vilania (O Dia,
24/08/2009: 04).
O texto apresenta um teor de denúncia que se aproxima da linguagem
do próprio jornal O Dia, que por vezes assume um tom sensacionalista. Foi
apresentado um impasse entre as posições do governo federal (do presidente
da República) com o Ministério da Saúde e seu ministro. Enquanto esse estaria
dizendo que a nova gripe não passava de uma “marolinha de tosses e
espirros”, Lula estaria fazendo uso do vírus para impor um novo imposto. Essa
denúncia atuou em dois níveis: num primeiro, mostrava a falta de unidade nas
posições do governo federal e, num segundo, o oportunismo do presidente de
se valer da doença para “reviver um imposto injusto” que já tinha sido
“condenado à morte por sua vilania”.
As metáforas que o texto estabeleceu trouxeram uma particular
intertextualidade. A “marolinha”, por exemplo, foi um termo usado por Lula,
em 2008, para afirmar que a crise econômica internacional da época não
teria muito impacto no Brasil. Do mesmo modo, então, estava sendo
apresentada a Infuenza H1N1 como um vírus que não teria muitas
143
conseqüências graves no país. Além disso, para reforçar a sua crítica, o texto
acaba sendo favorável à pena de morte, associando vilania com
condenação à morte. Ou seja, os atos maus deveriam ser exterminados. Essa
era a justiça concebida pelo texto: o simples extermínio.
No dia 27 de agosto, na editoria Saúde, a matéria principal, “Brasil já
lidera número de mortos por gripe suína”, reforçou a crítica da leitora,
especialmente no que dizia respeito à falta de um entendimento preciso sobre
a pandemia. O texto apresentou contradições entre as afirmações do
Ministério da Saúde com as de especialistas: “No boletim sobre o
monitoramente da gripe, o ministério mostra queda nos registros pela segunda
semana consecutiva. Mas técnicos afirmam que é cedo para garantir que a
tendência seja definitiva” (O Dia, 27/08/2009: 28). Enquanto os dados do
Ministério da Saúde eram questionados, a OMS trazia a “boa notícia”. O órgão
notificou que a tendência era que a gripe diminuísse no Hemisfério Sul no
segundo semestre.
No dia 30 de agosto, na editoria “Rio de Janeiro”, o jornal teve a
seguinte matéria destacada: “Mau atendimento contribuiu para mortes por
gripe e dengue”. O subtítulo foi este: “As duas epidemias têm em comum o
diagnóstico tardio e o precário socorro prestado às vítimas das doenças”. A
justificativa para tantas mortes era pelo mau atendimento púbico. Essa noção
já é confirmada no texto de abertura:
Eles não se conhecem, mas suas histórias de vida –
marcadas pela perda de pessoas queridas nas epidemias
de dengue e gripe suína – têm em comum o mau
atendimento médico, que culminou com as mortes de
filhos, irmãs e mulheres. “As histórias são iguais. Um horror
ver que mudam as pessoas, mudam as doenças, mas o
descaso e o fim são os mesmos”, desabafou Marcos Roig,
que perdeu o filho Rodrigo, 6 anos, com dengue no ano
passado, depois de passar por duas clínicas e receber o
diagnóstico de virose (O Dia, 30/08/2009: 08).
O “vilão” daquelas histórias de vida era o mesmo. Não eram as
epidemias de dengue ou de gripe suína, mas era o mau atendimento médico.
Foi por causa dele que pessoas morreram e famílias foram desestruturadas.
Essa identificação do culpado – o serviço de saúde público – colocou como
vítimas os pacientes mortos e seus familiares. Como vítimas, eles são dignos de
piedade e compaixão. Por isso, o jornal ressaltou as suas histórias de vida, para,
144
a partir do drama humano, ressaltar a crítica ao Estado. Mais uma vez, o
vereador Paulo Pinheiro, integrante da Comissão de Saúde da Câmara, teve a
fala convocada para criticar: “Nem sempre a doença é o pior. O
atendimento ruim e a demora no diagnóstico é que matam”.
Essa fala encerrou a matéria. É interessante o uso da expressão “é
que matam” em dois níveis: no denotativo, refere-se à morte (o mau
atendimento e a demora no diagnóstico provocam a morte) e, no conotativo,
concebe a expressão associa aqueles fatos a problemas. Eles são os grandes
problemas do serviço público de saúde no tratamento daquelas duas
epidemias. São eles que levariam à morte. Assim, aqueles dois níveis de
significação se fundiram numa única denúncia: da falência do Estado.
145
4. Considerações finais
A análise sobre a cobertura da Influenza H1N1 nos jornais O Globo, O Dia
e Folha de São Paulo entre maio e agosto de 2009 revelou a forte presença do
tema na mídia impressa neste período. Como foi dito, provavelmente isso se
relacionava com o caráter de novidade e incerteza que a doença
apresentava, mobilizando fortemente o imaginário social. No entanto, essa
presença foi assumindo configurações distintas ao longo dos meses. Em maio,
por exemplo, os textos se centraram na localização da doença no mundo e
nos modos como ela poderia impactar no Brasil. Em junho, com o surgimento
do primeiro caso no país e o progressivo aumento do número de infectados,
tanto no Brasil como no mundo – e a caracterização da doença como
“pandemia” - houve uma ênfase na abordagem dos cuidados para evitar sua
disseminação. Nesse momento, entre recomendações para a higiene, a
medicação e a internação, figuraram aquelas que diziam respeito aos
deslocamentos. As viagens internacionais, especialmente para países como
Argentina, EUA e México, foram tomadas como ameaças à saúde. Já em
julho, com a intensificação do inverno, os textos se concentraram na
circulação da doença, nos casos de contaminação e morte. Nesses casos, a
eficiência do Estado foi sendo questionada. Em agosto, a discussão se
concentrou em novas possibilidades para conter o avanço da doença e,
entre as medidas, foi proposto o prolongamento das férias escolares. Já nesse
momento os jornais anunciavam o declínio do ciclo da Influenza H1N1.
Do ponto de vista da análise dos discursos, observamos modos
específicos na construção da Influenza H1N1. Em O Globo, o tema foi tomado
como espaço de debate político. Dessa forma, houve acusações implícitas e
explícitas ao governo, especialmente aos modos como “medidas de
segurança” estavam sendo tomadas para evitar os riscos. Essas acusações
giram em torno da “falta de controle” sobre a doença, da fragilidade na
vigilância, da falta de informação, das dúvidas quanto ao remédio, entre
outras
coisas.
Por
vezes
as
“vozes
autorizadas”
do
governo
eram
desqualificadas, especialmente a do Ministro da Saúde, contrapondo suas
decisões com as opiniões de especialistas e com as manifestações da OMS.
146
O tom da cobertura era fundamentado na idéia de “alerta”, evocando
sentidos ligados a tensão, expectativa e medo. Isto se manifestava de forma
mais
evidente
através
das
cartas
dos
leitores
(que
freqüentemente
anunciavam a “tragédia” que estava por vir), nas entrevistas com vozes
autorizadas - da OMS – propagando a “inevitabilidade” da disseminação da
doença, sua “imprevisibilidade”, potencial mutação do vírus e etc., e também
de forma menos evidente em reportagens ou imagens não apaziguadoras,
como , por exemplo, ao noticiarem “a corrida atrás das máscaras”.
Além disso, também com a contribuição de especialistas, textos do
jornal estabeleceram associações e diferenciações entre a Influenza H1N1 e
outras gripes e entre a Influenza H1N1 e dengue. Essa era uma estratégia de
construção de uma memória discursiva. A partir de uma “nova gripe”, o jornal
desenvolveu um trabalho da memória sobre outras doenças (dengue) e gripes
para poder estabelecer, de modo comparativo, a especificidade da Influenza
H1N1
Um outro ponto de destaque na cobertura deste jornal foi o
estabelecimento da noção de “fronteiras” como prevenção. Aqui tratava-se
mais do que um elemento territorial e político, mas acima de tudo, simbólico. A
doença
foi
sendo
construída
como
estrangeira
e
o
estrangeiro,
principalmente, como argentino. Como veremos este elemento é comum a
outros periódicos, os quais também apresentam semelhanças tais como o
destaque da propagação da doença entre os artistas, mostrando a
generalização da contaminação (como se observou em O Dia). Ou seja,
como a doença está atingindo até os artistas, era porque a situação
realmente estava bastante crítica, e que o governo não teve condições para
evitá-la ou contorná-la.
A Folha de S. Paulo teve uma posição diferente de O Globo. A
pandemia não se constituiu em um espaço de manifestação de antagonismo
ao governo federal. Identificamos uma abordagem que revelava uma tensão
entre a desqualificação e o reconhecimento da doença. Diferente de O
Globo, a Folha de S. Paulo lança mão de recursos mais racionais, afastandose de palavras e modulaçãoes mais emocionais na sua cobertura. Em suas
metáforas bélicas, a informação e o conhecimento científico aparecem como
147
“armas” contra as angústias motivadas pela ignorância. Nesse sentido, o jornal
cobrou do Estado o papel de gerenciador dos riscos possíveis. Era necessária a
previsão mais acertada possível, porque era ela quem permitiria uma
prevenção mais eficaz. Ou seja, a avaliação do Estado se deu pela sua
capacidade preventiva e de “fazer diagnósticos precisos”,
em termos
epidemiológicos.
Em comum com os outros jornais, a Folha de S. Paulo também
recomendou o monitoramento das fronteiras como forma de prevenção.
Nesse sentido, por ser a doença estrangeira, foi estabelecida uma oposição
entre “nós” e “eles”. Afinal, os “perigos” da contaminação estavam
relacionados aos de fora. Sendo assim, a viagem foi tomada como ameaça e
o viajante como intruso. Por isso, havia a necessidade de controle dos fluxos e
vigilância dos corpos. Por conta disso, o jornal associou a doença ao crime e o
doente ao criminoso, quando insistiu em nomear como “casos suspeitos” os
possíveis infectados.
O jornal O Dia guarda algumas particularidades em relação ao outros
jornais. Do ponto de vista editorial, trata-se do jornal mais popular.
Diferentemente dos outros jornais que procuram se colocar como de
referência, O Dia conta com uma linguagem mais coloquial, com marcas da
oralidade e cotidianidade popular. Mas, além disso, se coloca como um
defensor das causas populares. Por isso, o jornal se arvorou o lugar de crítico
da ineficiência do Estado no gerenciamento da crise implantada na saúde
pública a partir da Influenza H1N1. No entanto, como os outros jornais, ele
procurou atenuar os efeitos da Influenza H1N1 na comparação com a gripe
comum. Como vimos, O Dia cobrou a necessidade de meios mais eficazes de
confirmação da doença. Entre as recomendações, estavam aquelas que
comentavam a necessidade das fronteiras do país. Assim como os outros
jornais, O Dia construiu a doença como estrangeira. Para evitar a
disseminação da Influenza H1N1, era necessário o reforço das fronteiras
nacionais e locais. Nesse jornal, a ameaça não foi apenas o argentino, mas
também outros estrangeiros e todos aqueles que tinha contato com o
estrangeiro. A ênfase no local, no Rio de Janeiro, em O Dia era muito maior do
que em O Globo e em Folha de S. Paulo, cujos protocolos enunciativos estão
148
estruturados como jornais nacionais ou, pelo menos, de alcance nacional. Por
isso, o jornal se dedicou mais ao Rio de Janeiro no centro da construção das
fronteiras discursivas. Por isso, O Dia frisou o quanto a circulação de pessoas
dentro da cidade e nas suas fronteiras se configuravam como ameaças à
saúde.
Essa circulação que possibilitava a contaminação no jornal se deu em
duas frentes. No primeiro caso, isso foi exemplificado pela maior ênfase nos
artistas de televisão contaminados ou com suspeitas, o que demonstrava,
certamente, a generalização da doença, mas também, assim como em O
Globo, apontava para uma outra dimensão: a importância da televisão na
cidade do Rio de Janeiro. Na Folha de S. Paulo, a contaminação de famosos
não mereceu atenção específica. No caso de O Dia, o maior destaque pode
ser explicado, além da localização carioca, pelo fato de ser um jornal
endereçado ao público popular. Por conta disso, o jornal se tornou uma
“televisão de papel”. Isso não se deu apenas pelo fato de o jornal ter mais
cores do que os jornais ditos de referência, mas também por se constituir como
uma extensão da própria paisagem televisiva, seus apresentadores e atores,
para as páginas do jornal.
Outra particularidade de O Dia, também na exemplificação da
circulação da doença no Rio de Janeiro, foi o uso de relatos biográficos.
Pessoas infectadas ou com a possibilidade de estarem com a doença tinham
os depoimentos de suas experiências publicados. Na sua aproximação à “fala
popular”, o jornal acabou se colocando como púlpito para a proferimento
das falas de anônimos e de famosos. Nessas falas, além das críticas à
ineficiência do Estado, houve a identificação da discriminação contra os
doentes e os “suspeitos”.
Nos três jornais, foram sendo delineados os “grupos de risco” (gestantes,
idosos, crianças, portadores de doenças crônicas). Assim, foram reconhecidos
aqueles que estavam mais vulneráveis à doença e necessitavam de proteção.
Essa proteção estava associada à produção de uma vacina. Já em 2009 a
vacina era esperada como a possibilidade mais eficaz de combate à doença.
Do ponto de vista temático, em geral, os textos noticiosos desqualificaram o
impacto da doença em comparação com outras gripes, especialmente com
149
a comum. Nesse sentido, os jornais se aproximaram da perspectiva do
Ministério da Saúde.
A análise da cobertura da Influenza H1N1 entre os meses de maio e
agosto de 2009 nos mostrou como o tema se descolou para outras searas. A
preocupação com a pandemia de uma “nova gripe” se associou, entre outros
elos discursivos, a críticas ao governo e ao Ministério da Saúde, a
regionalismos, ao nacionalismo, à medicalização e à criminologia. Nesse
sentido, a noção de risco trabalhada pelos jornais se estruturou em dois eixos:
nas fronteiras (no trânsito) e na ausência de meios eficazes para a
identificação e o tratamento da doença. Esses dois eixos se encontravam na
ineficiência do Ministério da Saúde na gestão daquela crise.
150
5. Anexo: Tabelas com os títulos dos textos sobre Influenza H1N1
Jornal
Data
O Dia
01/05/2009
O Globo
01/05/2009
Título na Capa
Pente-fino nos aviões que
vem do exterior.
México apela para povo
ficar em casa
Título da Matéria
Gripe suína: aviões e navios
que chegam ao Brasil são
desinfetados
México apela para povo
ficar em casa
OMS recomenda que
Hemisfério Sul se prepare
Folha de
S. Paulo
02/05/2009
Chegam a 7 casos suspeitos
da gripe no Brasil
Chegam a 7 casos suspeitos
da gripe no Brasil
Folha de
S. Paulo
02/05/2009
No México, toque de
recolher deixa as ruas
desertas durante feriado
Pobres perdem duas vezes
com a epidemia no México
O Dia
02/05/2009
Rio já tem um caso suspeito
de gripe suína
Gripe: No Rio já tem um
caso suspeito
O Dia
03/05/2009
Gripe suína: número de casos
suspeitos dobra no Brasil em
24 horas
Gripe: suspeitos em dobro
Folha de
S. Paulo
08/05/2009
Brasil confirma 4 casos da
gripe suína
Brasil confirma 4 casos da
gripe suína
O Dia
08/05/2009
Gripe suína chega ao Rio
Gripe Suína no Brasil: um
internado no fundão
O Globo
08/05/2009
Brasil confirma 4 casos de
gripe suína, um no Rio
Gripe Suína chega ao Brasil
Folha de
S. Paulo
09/05/2009
Brasil tem o 1º caso de gripe
suína transmitida no país
Brasil tem 1ª transmissão
interna da gripe
O Dia
09/05/2009
Grípe suína chega ao Rio
Novo caso de gripe suína:
rapaz pegou vírus no Rio
O Globo
09/05/2009
Rio tem o 1º caso da gripe
suína contraída no Brasil
O 1º caso de contágio no
Brasil
Folha de
S. Paulo
10/05/2009
Saúde reforça fiscalização
da gripe suína em aeroporto
do Rio
Rio reforça monitoramento
de passageiros
O Dia
10/05/2009
Com sintomas da gripe suína,
mãe de rapaz infectado é
internada
Rio pode ter novo caso de
gripe suína
151
10/05/2009
Gripe suína: mãe de
paciente é internada
Folha de
S. Paulo
11/05/2009
País tem mais dois casos de
gripe suína confirmados
O Dia
11/05/2009
Confirmado terceiro caso de
gripe suína no Rio. No Brasil já
são 8
Rio tem novo caso de gripe
suína
O Globo
11/05/2009
Gripe suína: país já tem 8
casos. No Rio, são 3
Mãe de rapaz infectado
está com a gripe.
O Globo
12/05/2009
OMS diz que não é hora de
baixar a guarda
Gripe: OMS diz que não é
hora para baixar a guarda
Folha de
S. Paulo
19/05/2009
Governo cria grupo para
desmentir boatos on-line
Governo cria grupo para
desmentir boatos on-line
Folha de
S. Paulo
21/05/2009
Casos confirmados de gripe
suína no mundo passam de
10,5 mil
Casos de gripe suína
chegam a 10 mil no mundo
Folha de
S. Paulo
22/05/2009
SP confirma mais um caso de
gripe suína
SP confirma mais um caso
de gripe suína
Folha de
S. Paulo
02/06/2009
Gripe suína faz escola de SP
antecipar férias
Gripe suína faz escola de SP
antecipar férias
Folha de
S. Paulo
12/06/2009
Gripe suína já é pandemia,
diz OMS
Gripe suína vira 1º
pandemia do século
O Globo
12/06/2009
Gripe suína chega a 74
países e vira pandemia
A 1ª Pandemia do século XX
O Globo
13/06/2009
Gripe suína: 1º vacina sem
teste é anunciada
Laboratório anuncia vacina
contra gripe
O Dia
19/06/2009
Secretário de Saúde está
com suspeita de gripe suína.
Côrtes e a gripe
Folha de
S. Paulo
20/06/2009
Gripe suína faz escola
antecipar férias
Gripe suína faz escola de SP
antecipar férias
O Globo
20/06/2009
Secretário diz que não tem
gripe suína
Secretário descarta ter gripe
suína
22/06/2009
Colégio Magno é o 2º em SP
a adiantar férias devido à
gripe suína
Mais um colégio de SP
antecipa férias após casos
da nova gripe.
O Globo
Folha de
S. Paulo
Folha de
S. Paulo
23/06/2009
EDITORIAIS- Lei Minipacotes,
que trata de incentivos a
setores ainda afetados pela
crise; e Sem Alarme, sobre a
gripe suína
Gripe suína pode ter feito
mais uma vítima no Rio
País tem mais dois casos de
gripe suína
Sem alarme
152
24/06/2009
Gripe faz ministro pedir
adiamento de viagens à
Argentina
Governo recomenda evitar
viagem à Argentina e ao
Chile
O Globo
24/06/2009
Ministro aconselha evitar
Chile e Argentina
Ministro: turistas devem
evitar Argentina e Chile
Folha de
S. Paulo
25/06/2009
Hospitais descumprem
orientação sobre gripe
Hospital descumpre
protocolo da gripe suína
O Dia
25/06/2009
Gripe suína fecha escola na
zona sul
Gripe suína fecha escola
O Globo
25/06/2009
Gripe suína fecha 1ª escola
no Rio
O medo chega à sala de
aula
Folha de
S. Paulo
26/06/2009
Gripe suína faz faculdade em
SP e PR e até posto de saúde
fecharem
Gripe suína faz faculdade
em SP e PR e até posto de
saúde fecharem
Folha de
S. Paulo
26/06/2009
Gripe suína faz faculdade em
SP e PR e até posto de saúde
fecharem
Controle da gripe em
fronteiras é ampliado
O Dia
26/06/2009
Gripe suína: procura de
pacotes para Argentina e
Chile já caiu 20%
Gripe suína estraga férias de
brasileiros
O Globo
26/06/2009
Cresce medo com a nova
gripe no Rio
Preocupação contagiante
Folha de
S. Paulo
29/06/2009
País registra 1ª morte
causada por gripe suína.
Primeira morte por gripe
suína é confirmada no país
O Globo
29/06/2009
Primeira morte por gripe
suína não faz Brasil mudar
estratégia
A 1ª morte por gripe no
Brasil
O Globo
30/06/2009
Lágrimas e máscaras
Lágrimas e máscara
O Dia
01/07/2009
André Marques tem suspeita
de gripe suína e deixa
Angélica desesperada
Medo da gripe suína após
viagem à Argentina - André
Marques está com sintomas
e outros artistas, como
Angélica, temerosos
O Globo
01/07/2009
Nova gripe fecha mais
escolas no Rio
Mais alunos de férias
forçadas
O Globo
02/07/2009
Nova gripe já afetou aulas
em 7 escolas
Gripe: mais duas escolas
suspendem aulas
O Dia
03/07/2009
Gripe suína deixa Huck e
Angélica em quarentena e
Globo alerta artistas
Artistas estão em
quarentena
O Dia
04/07/2009
Só caso grave fará exame de
gripe suína
Gripe suína: TV Globo
cancela ida ao Chile
Folha de
S. Paulo
153
O Globo
04/07/2009
Gripe suína: exames só para
os casos graves
Testes só para pacientes
graves
Folha de
S. Paulo
07/07/2009
Exército atuará contra gripe
suína na fronteira; país já tem
905 casos
Exército vai atuar contra a
gripe suína na área de
fronteira
O Dia
10/07/2009
Gripe (até sem ser suína) dá
direito a sete dias em casa
Sete dias longe do trabalho
Folha de
S. Paulo
11/07/2009
SP confirma sua 1ª morte por
gripe suína
SP tem 1ª morte provocada
pela gripe suína
O Globo
13/07/2009
Gripe suína: aumentam as
chances de surto
Especialistas temem
epidemia de gripe suína
Folha de
S. Paulo
14/07/2009
Antiviral é eficaz para
tratamento de gripe suína
aponta pesquisa
Antivirais são eficazes conta
a nova gripe, mostra estudo
O Globo
14/07/2009
Brasil registra terceira morte
por gripe suína
A terceira morte por gripe
suína
Folha de
S. Paulo
15/07/2009
SP confirma 2ª morte por
gripe suína no estado, a 4ª no
Brasil
SP registra 2ª morte por gripe
suína, a 4ª no país
Folha de
S. Paulo
17/07/2009
Gripe suína mata 11 e já
circula no país
Gripe fez 11 mortes e vírus
circula no país
Folha de
S. Paulo
17/07/2009
Vírus assusta mais por ser
novo
Letalidade no RS supera a
da Argentina
O Dia
17/07/2009
Gripe suína mata no Rio
Morta não era do grupo de
risco
O Globo
17/07/2009
Gripe mata 1 no Rio e mortes
são 11 no país
A primeira morte no Rio
Folha de
S. Paulo
18/07/2009
Mortes pela gripe suína
geram corridas aos hospitais
Gripe suína causa fila de
até 8h em hospital
O Dia
18/07/2009
Gripe suína deixa Niterói em
alerta. A ordem é evitar
cinemas e teatros
Gripe suína: niteroienses
devem evitar cinemas e
teatros
O Globo
18/07/2009
Gripe já provoca corrida a
hospitais
A longa espera por
atendimento
19/07/2009
Gripe suína deve atingir ao
menos 35 milhões no país
Gripe pode afeta até 67
milhões de brasileiros em
oito semanas
O Dia
19/07/2009
Grávida e bebê morrem após
longa espera por
atendimento em Bangu
Descaso mata grávida e
bebê
O Dia
20/07/2009
Gripe suína: mulheres são
isoladas em maternidade
Suspeita de gripe suína em
grávidas
Folha de
S. Paulo
154
20/07/2009
Hospital municipal manda
para estado os pacientes
com gripe
O jogo de empurra na gripe
O Globo
20/07/2009
Com casos no Sul, chega a
15 o número de mortos no
país
Com 4 casos no Sul, país já
registra 15 mortes
Folha de
S. Paulo
21/07/2009
Gripe suína põe 2 cidades
gaúchas sob emergência
Gripe põe duas cidades do
RS em emergência.
O Dia
21/07/2009
Rio ainda não tem médicos
para combate à gripe
Gripe suína: Rio terá de
contratar médicos às
pressas
O Globo
21/07/2009
Emergência contra gripe
suína
Gripe suína: prefeitura vai
contratar médicos
22/07/2009
Gripe Suína mata mais de 6
em SP; país já soma 22
mortos
SP registra mais 6 mortes por
gripe suína
O Dia
22/07/2009
Começam a funcionar hoje
pólos para atender suspeita
de gripe suína
Atendimento só para
pacientes com gripe
O Globo
22/07/2009
Gripe suína mata 6 em São
Paulo
SP confirma mais 6 mortes
por gripe suína
O Dia
23/07/2009
Ambulante grávida morre de
gripe suína e assusta
camelódromo
Gripe suína já matou 5 no
Rio, inclusive grávidas e
crianças
O Globo
23/07/2009
Gripe suína provoca mais 4
mortes no Rio
Gripe mata mais quatro no
Rio
O Dia
24/07/2009
Gripe suína pode adiar a
volta às aulas no Rio
Estudante gripado não
deve voltar à sala de aula
Folha de
S. Paulo
25/07/2009
Gripe comum matou 17 por
dia em 2008
Gripe comum mata em São
Paulo 17 pessoas por dia
O Dia
25/07/2009
Pólos para atendimento da
gripe suína não têm remédio
Pólos de atendimento a
gripados sem remédio
O Dia
28/07/2009
Gripe suína: grávida só é
atendida com força policial
Gripe suína: alerta para as
grávidas
Folha de
S. Paulo
29/07/2009
Gripe Suína faz adiar volta às
aulas
Gripe adia inicio das aulas e
fecha creches
29/07/2009
Gripe suína: mais vagas para
grávidas e reinício das aulas
é mantido
Hospitais abrem leitos para
grávidas com sintomas
gripais
29/07/2009
Gripe: SP adia volta às aulas
de 6 milhões
O Globo
Folha de
S. Paulo
O Dia
O Globo
São Paulo adia aulas, Rio
mantém calendário
155
O Dia
30/07/2009
Gripe suína: adiada a volta
às aulas de 2,8 milhões no
Rio
O Globo
30/07/2009
Gripe faz Rio também adiar
volta às aulas
Gripe: Rio
O Dia
31/07/2009
Bombeiros vão distribuir
remédio contra gripe suína
Estado amplia acesso a
remédio contra a gripe
suína
Folha de
S. Paulo
01/08/2009
Gripe Suína é mais grave
para Grávidas e Hipertensos
Gripe Suína é 3,5 vezes mais
letal para grávida e
cardíaco
Folha de
S. Paulo
01/08/2009
Drauzio Varela - Vírus atual
está há 90 anos à espreita da
humanidade
A gripe que não tem fim
O Dia
01/08/2009
Grávidas vão ter remédio
com qualquer sintoma de
gripe
Grávidas na frente
O Globo
01/08/2009
A notícia da morte
Gripe causa mais quatro
mortes
O Dia
02/08/2009
Gripe suína: grávidas
morrem, mas bebês são
salvos
Mortes suspeitas
Folha de
S. Paulo
03/08/2009
Aos 15, garota morre após
problemas respiratórios
Garota morre em vôo de
volta da Disney
O Dia
03/08/2009
Jovem morre na volta da
Disney
Morte na volta da Disney
O Globo
03/08/2009
Jovem morre em aviões com
sinais de gripe
Estudante de 15 anos morre
ao voltar da Disney
Folha de
S. Paulo
04/08/2009
Temporão critica o
adiamento de aulas
Para ministro, é um
"disparate" adiar aulas
O Dia
04/08/2009
Gripe mata mais 7 no Rio: três
grávidas
Gripe suína: Rio tem mais
sete mortes confirmadas
O Globo
04/08/2009
Gripe suína mata mais sete
no Estado do Rio
Gripe: mais sete mortes
confirmadas no Rio
Folha de
S. Paulo
05/08/2009
SP facilita acesso a remédio
para combate a gripe
SP amplia acesso a remédio
antigripe suína
O Dia
05/08/2009
Gripe: escolas podem ficar
de férias mais uma semana
Volta às aulas ameaçada
O Globo
05/08/2009
Volta às aulas deve ter novo
adiamento
Gripe suína adia volta às
aulas em sete cidades.
Volta às aulas pode ser
adiada para o dia 17
156
06/08/2009
Gripe suína é mais letal nos
sete dias após os primeiros
sintomas
Metade das vítimas da
gripe morre em até sete
dias
O Dia
06/08/2009
Gripe: férias na rede pública
vão até dia 17
Férias longas e forçadas
O Globo
06/08/2009
Gripe adia volta às aulas
pela 2a. vez
Gripe volta a prolongar as
férias
07/08/2009
Vacina contra gripe suína
começa a ser utilizada em 1
mês, diz OMS
Vacina contra a gripe sai
em 1 mês, diz OMS
O Globo
07/08/2009
Gripe afeta as escolas
particulares
Maioria das escolas
privadas também adia
aulas
O Dia
09/08/2009
Cientistas alertam: gripe
suína vai piorar
Gripe suína: vírus poderá dar
ainda três voltas ao mundo
O Dia
10/08/2009
Gripe: grávida dispensada
do serviço público
Servidoras grávidas
dispensadas
Folha de
S. Paulo
11/08/2009
Gripe faz SP limitar trabalho
de grávidas
Sp vai limitar trabalho de
grávidas em escola e
hospital
O Dia
11/08/2009
Gripe: sintoma em grávida foi
tratado como se fosse fome
"Seu problema é fome",
disse médica a menina
grávida
O Globo
12/08/2009
Gripe: vacina traz riscos,
alerta cientista
Alerta sobre nova vacina
antigripe
Folha de
S. Paulo
13/08/2009
Congresso pede lote
exclusivo do antiviral Tamiflu
Congresso que lote
exclusivo de Tamiflu
Folha de
S. Paulo
14/08/2009
Entidade de bancos
recomenda afastar grávidas
do serviço
Bancos devem afastar
grávidas
O Dia
14/08/2009
Taxistas criam estratégias
para escapar da gripe suína
Taxistas criam táticas para
evitar o vírus da gripe suína
O Globo
14/08/2009
Gripe adia campanha contra
pólio
Gripe suína adia vacinação
contra poliomielite
Folha de
S. Paulo
15/08/2009
Governo veta propaganda
de antigripal
Governo veta propaganda
de antigripal
15/08/2009
Sindicato dos docentes quer
tirar grávidas da sala de aula
Sindicato dos docentes quer
tirar grávidas da sala de
aula
15/08/2009
Governo proíbe propaganda
de remédios contra a gripe
Folha de
S. Paulo
Folha de
S. Paulo
Folha de
S. Paulo
O Globo
Gripe: Anvisa proíbe
propaganda de remédios
157
O Globo
15/08/2009
Sábado será dia de prova
Escolas estudam a
reposição
Folha de
S. Paulo
16/08/2009
Guia da gripe
Que bicho é esse?
O Dia
16/08/2009
Guia da gripe suína: proteja
seus filhos na volta às aulas
Gripe suína: volta às aulas
com mudança de hábitos
O Globo
17/08/2009
Escolas abrem com novas
medidas contra a gripe suína
Na volta às aulas,
prevenção é a primeira
lição
Folha de
S. Paulo
19/08/2009
Números do governo indicam
queda nos casos da gripe
suína
Hospitais atendem a menos
casos da gripe
OMS faz alerta para risco de
aumento de casos da gripe A
OMS alerta sobre expansão
da gripe suína
Folha de
S. Paulo
22/08/2009
O Dia
22/08/2009
Justiça ordena internação
por gripe suína
Gripe: UTI em 24 horas para
doentes
O Dia
24/08/2009
Órfã da gripe suína luta para
sobreviver
A vitória de Sofia, a única
órfã da gripe suína no Rio
O Dia
25/08/2009
Gripe: crianças pequenas na
escola exigem mais cuidado
Cuidados contra o vírus
O Globo
27/08/2009
Gripe tem mais mortos no
Brasil
Número de brasileiros
mortos pela gripe suína já é
o maior do mundo
No país, 2ª onda da gripe
deve vir em abril
158
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