Curso de Extensão Universitária A Precariedade do Trabalho no

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A Precariedade do Trabalho no Capitalismo Global
Texto Complementar No. 2 Individualidade pessoal de classe e genericidade humana Notas teórico‐criticas Nosso objetivo é esclarecer (e desenvolver) alguns elementos categoriais utilizados na aula 5 – a análise crítica do filme “Morte de um caixeiro‐viajante”. Nesse caso, iremos dar destaque ao problema da dialética entre individuo e sociedade, problema subjacente à construção categorial do conceito de individualidade pessoal de classe que temos utilizado com desenvoltura em nossas análises críticas. É importante compreender as implicações teóricas desta categoria de análise critica. Num primeiro momento, ela remete à problemática da dialética entre singularidade do homem singular e a universalidade concreta das individualidades de classe. Portanto, é interessante desvelar os nexos complexos da constituição do homem que trabalha em suas múltiplas determinações histórico‐ontológicas. A análise crítica de uma narrativa fílmica nos permite apreender a problemática das individualidades pessoais de classe porque ela é constituída por situações de particularidades típicas, onde os personagens – homens e mulheres que trabalham – são, em si e para si, individualidades pessoais de classe. Eles não são meras representações vivas da classe social, em sua dimensão contingente ou necessária, mas sim, individualidades pessoais, pessoas humanas, personalidades únicas que contém em si, numa articulação complexa, o singular e o universal‐concreto. Portanto, cada homem e mulher da sociedade burguesa é a síntese multiforme de determinações contraditórias que compõem a unicidade da pessoa humana sob as relações‐
capital. 1
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Texto Complementar No. 2 Por um lado, eles aparecem como individualidades pessoais, pessoas humanas únicas, marcadas pela singularidade do homem (e mulher) singular; por outro lado, são individualidade de classe, implicadas numa condição histórico‐social de alienação/estranhamento, dimensão universal‐concreta irremediável que imprime a sua marca numa imenso contingente de homens e mulheres que vivem da venda de sua força de trabalho. Essa disjunção individualidade pessoal – individualidade de classe que buscamos salientar é meramente heurística, pois as individualidades humanas em si e para si, sob a sociedade burguesa, são individualidades pessoais apenas na medida em que são individualidades de classe (e vice‐versa). Nos “Manuscritos econômico‐filosóficos” (1844), Karl Marx salientou a dimensão de genericidade do homem que trabalha, isto é, o ser genérico do homem. Esta dimensão genérica que constitui a nossa espécie não diz respeito a uma essência humana universal‐
abstrata, imutável e metafisica, mas sim a uma essência humana histórico‐concreta, que se explicita (e se constitui) no decorrer de sua própria efetivação em si e para si. Segundo a concepção histórico‐materialista, a essência humana do homem é o trabalho. E cabe salientar: trabalho social ou trabalho coletivo, isto é, trabalho mediado por relações sociais de produção. Foi o trabalho como atividade vital de objetivação/exteriorização/apropriação que transformou o macaco em homem. Na medida em que se desenvolve o complexo de trabalho, constituído por modos de produção e cooperação social, desenvolvem‐se as individualidades humano‐sociais, individualidades pessoais que, sob as condições histórico‐concretas da ordem burguesa, são, ao mesmo tempo, individualidades de classe. O homem burguês Individualidades pessoais Individualidades de classe pessoa humana classe social 2
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Texto Complementar No. 2 Na verdade, é sob o capitalismo histórico, a verdadeira “sociedade do trabalho”, que se explicita com intensidade e amplitude, processos de individuação que constituem, em si e para si, as individualidades pessoais de classe. Marx e Engels na “Ideologia Alemã” (1847), salientaram a contraposição objetiva entre individualidades pessoais e individualidades de classe. Esta contraposição objetiva entre pessoa humana e classe social decorre da própria relação‐capital marcada pela divisão social do trabalho que adquire uma existência autônoma na medida em que a vida de cada individuo está subsumida a um ramo qualquer de trabalho (o trabalho como atividade exclusiva – inclusive o trabalho do capitalista) e às condições históricas da relação‐capital (mercado e Estado político). Trabalhadores assalariados e capitalistas, como homens burgueses, não deixam de ser pessoas (ou individualidades pessoais), observam Marx e Engels, mas “sua personalidade está condicionada e determinada por relações de classe bem definida”. Isto é, são, acima de tudo, individualidades de classe, onde a relação (ou divisão) de classe surge apenas na oposição destes indivíduos a uma outra classe (a classe do proletariado – classe sem aspas ‐ se põem apenas na oposição à classe dos capitalistas, isto é, pelo menos enquanto possuírem a consciência de classe em si). Na sociedade burguesa, a pessoa está subsumida (ou subordinada organicamente) à classe social (tanto enquanto condição de proletariedade ou “classe”, com aspas; quanto classe do proletariado, ou classe sem aspas, que pressupõe, pelo menos, a consciência de classe em si). Esta é uma dimensão da alienação/estranhamento na sociedade burguesa: a cisão das individualidades humano‐sociais em pessoa versus classe. Dizem Marx e Engels: “A divisão entre o individuo pessoal e o individuo de classe, a contingencia das condições de vida para o individuo, aparecem apenas com a emergência da classe, que é, ela mesma, um produto da burguesia. Esta contingencia apenas é engendrada e desenvolvida pela concorrência e pela luta dos indivíduos entre si. Assim, na imaginação, os indivíduos parecem ser mais livres sob a dominação da burguesia do que antes, porque suas 3
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Texto Complementar No. 2 condições de vida parecem acidentais; mas, na realidade, não são livres, pois estão mais submetidos ao poder das coisas.” Portanto, a categoria de individualidade pessoal de classe é uma categoria histórica da sociedade burguesa onde a cisão da individualidade humano‐social se coloca intensa e amplamente, na medida em que se engendra a concorrência dos indivíduos entre si (a imposição das condições de mercado que subsume a pessoa à classe social). Sob a sociedade burguesa, o homem que trabalha está alienado de si como pessoa humana. Ele se vê apenas – ou tende a aparecer apenas como individualidade de classe. Marx e Engels salientam o mito da liberdade que emerge com a ordem burguesa: eles – os indivíduos – parecem ser mais livres do que antes, mas não são livres, pois estão submetidos ao poder das coisas (nessa época – 1847 – Marx ainda não tinha desenvolvido a teoria do fetichismo da mercadoria, mas demonstrava uma percepção genial sobre a natureza do mundo burguês). Na verdade, a dominância da classe social sobre a pessoa humana era expressão do poder das coisas – classe no sentido de condição de proletariedade, na medida em que o que se manifestava era o acaso e contingencia (ou acidentalidade) na qual estava subsumido os indivíduos pessoais. E mais adiante observam: “Para os proletários, a condição de sua existência, o trabalho, e com ela todas as condições de existência que governam a sociedade moderna, tornaram‐se algo acidental; algo que eles, como indivíduos isolados, não controlam e sobre o qual nenhuma organização social pode dar‐lhes o controle. A contradição entre a personalidade de cada proletário isolado e a condição de vida a ele imposta, o trabalho, torna‐
se evidente para ele mesmo, pois ele é sacrificado desde a juventude e porque, no interior de sua própria classe, não tem chance de alcançar as condições que o coloquem na outra classe.” Ora, a condição de proletariedade é marcada pelo trabalho como atividade exclusiva, trabalho alienado sob a qual os indivíduos isolados não possuem nenhum controle (eis mais um traço essencial da categoria de fetiche assinaladas por Marx e Engels em 1847!). Existe, portanto, uma contradição entre a personalidade de cada proletário isolado, a individualidade pessoal e a sua condição de vida a ele imposta (a condição de proletariedade). 4
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Texto Complementar No. 2 A condição de vida imposta às individualidades pessoais – a condição de proletariedade – oprime/obstaculiza o desenvolvimento humano‐pessoal. Eis o sentido heuristico da categoria de estranhamento a ser desenvolvida mais tarde por Georg Lukács na “Ontologia do Ser Social”. Nesse caso, Marx e Engels ampliam a dimensão do estranhamento para as condições de existência da classe – a alienação/estranhamento não está tão‐somente no trabalho propriamente dito, mas na reprodução social e vida cotidiana da existência da classe. Trata‐se de uma totalidade concreta da vida burguesa onde as individualidades pessoais eram reduzidas a individualidades médias ou individualidades de classe (a dimensão da classe obnubilava a dimensão da pessoa pressuposta). Na “Ideologia Alemã”, Marx e Engels sugerem – em breves linhas ‐ uma verdadeira ontologia da proletariedade como condição de classe. Trata‐se do que buscamos elaborar a partir da condição de proletariedade. Ao tratarem a classe como “coletividade estranhada”, eles observam que os indivíduos proletários aparecem apenas como “indivíduos médios”, isto é, não são, a rigor, individualidades humano‐sociais, mas meros membros de uma classe. É interessante que, em 1847, Marx e Engels vislumbram a dimensão do homem‐massa que caracterizaria o capitalismo industrial do século XX. “Indivíduos médios” ou não‐
individualidades pessoais são homens e mulheres que trabalham reduzidos às condições de sua existência de classe ou condições de proletariedade. Para se contrapor à coletividade da classe, Marx e Engels sugerem – no plano utópico‐
concreto – a “coletividade dos proletários revolucionários”, que é a coletividade das individualidades pessoais que, segundo eles, “tomam sob seu controle suas condições de existência e as de todos os membros da sociedade”. Podemos chama‐la de “coletividade das pessoas humanas” porque nela “os indivíduos participam como indivíduos”. Dizem eles: “É exatamente esta união de indivíduos (pressupondo naturalmente as atuais forças produtivas desenvolvidas) que coloca sob seu controle as condições de livre desenvolvimento e de movimento dos indivíduos – condições que até agora encontravam‐se à mercê do acaso e tinham assumido uma existência autônoma frente aos diferentes indivíduos precisamente por sua separação como indivíduos, por sua união necessária determinada pela divisão do trabalho e por sua separação transformada num vínculo alheio a eles.” 5
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Texto Complementar No. 2 Na verdade, Marx e Engels reiteram, mais uma vez, uma critica radical às condições de vida da ordem burguesa caracterizada pela ilusão da liberdade pessoal – ora, os indivíduos, homens e mulheres, estão desfrutando do acaso que é, nada mais e nada menos, que o poder das coisas. A idéia de alienação/estranhamento significa que os indivíduos – e nesse caso trata‐se de individualidades pessoais humano‐genericas – estão subsumidos às forças objetivas das condições de existência da classe (ou condição de proletariedade). À “coletividade das classes”, marcada pela divisão hierárquica do trabalho, Marx e Engels contrapõem a “coletividade (de uns e outros)” ou a “coletividade dos proletários revolucionários”, que é a verdadeira coletividade humana, onde “cada individuo encontra os meios de desenvolver suas capacidades em todos os sentidos; somente na coletividade, portanto, torna‐se possível a liberdade pessoal.” Portanto, a problemática da liberdade pessoal é para Marx e Engels a verdadeira problemática da emancipação do trabalho vivo, que, sob a ordem burguesa, está subsumido à coletividade alienada da classe – que é apenas uma “coletividade ilusoria”, pseudo‐coletivo que possui uma existência autônoma em relação aos indivíduos (dizem eles que, “na coletividade real, os indivíduos adquirem sua liberdade na e através de sua associação”). Assim, o que buscamos salientar é que, em nossa perspectiva, sob as condições históricas da sociedade burguesa, as dimensões pessoais e de classe constituem o em‐si (e para‐si) das individualidades humanas. Todo individuo humano‐social é, em si e para si, clivado pelas dimensões da pessoa e da classe (como dimensão alienada). É claro que, utilizando a sintaxe dialética, a relação entre pessoa humana (em sua singularidade única e seu núcleo humano‐genérico) e classe social (em sua dimensão histórico‐
social) remete as categorias lógico‐dialéticas de pressuposição e posição. Assim, o homem que trabalha – no sentido de espécime animal que se fez homem através do trabalho (trabalho vivo) – sob as condições históricas da relação‐capital esta posto como individualidade de classe que possui, por outro lado, como pressuposto negado, a individualidade pessoal. Portanto, o homem burguês é, em sua particularidade unilateral, um homem marcado pelo interesse egoísta enquanto individualidades de classe – ele é o capitalista ou ele é o 6
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Texto Complementar No. 2 trabalhador assalariado. Enfim, trata‐se, nesse caso, do bourgeois. Mas, ao mesmo tempo, está pressuposto – e apenas pressuposto ‐ na constituição do homem burguês, uma dimensão humano‐genérica, laço íntimo‐pessoal com a genericidade humana (o jovem Marx, na “Questão Judaica”, denominaria a dimensão humano‐genérica como sendo a dimensão do citoyen) . Na expressão “homem burguês”, o adjetivo “burguês”, que qualifica “homem”, tende a negá‐lo. Mas trata‐se de um movimento dialético – o que significa que a negação como aufhebung é “superar/conservando”. Por isso, sob a ordem burguesa, cada individualidade de classe (ou “indivíduos médios”), é produto do movimento de redução abstrata do trabalho como atividade exclusiva. O metabolismo social do trabalho abstrato tende a reduzir homens e mulheres proletárias que vivem da venda da força de trabalho à mera força de trabalho como mercadoria, “indivíduos médios” implicados com o mercado e suas determinações contingenciais e abstratas. Mas, ao mesmo tempo, as individualidades de classe são também – efetivamente (embora como pressuposto negado) – individualidade pessoal, que resistem, a seu modo, particular‐singular, às condições de existência da alienação/estranhamento. Portanto, o que buscamos salientar é que, sob a ordem do capital como metabolismo social, cada individualidade humano‐social, é marcada por um conflito íntimo entre a posição do ser burguês e a pressuposição do ser humano. O modo de organizar (e resolver) os conflitos íntimos que marcam a cisão do homem burguês é determinado pela personalidade social e múltiplas relações sociais de cada individualidade pessoal de classe. Ora, a personalidade como categoria social é a mediação entre o homem – em sua unicidade pessoal e núcleo humano‐genérico pressuposto – e sua situação‐no‐mundo do capital. Portanto, entre nós e o mundo está a personalidade social como síntese concreta de nossas múltiplas relações humano‐sociais com uns e outros. Por isso, diante da relação‐capital, nas instâncias da produção, reprodução) social e vida cotidiana, uns reagem (ou resistem) de um modo e outros reagem (ou resistem) de outro modo. Portanto, a personalidade como categoria social é o campo existencial das decisões alternativas. É através dela que se operam escolhas morais. O campo de constituição histórico‐
concreta da mediação personalidade como categoria social é o campo de luta da dinâmica 7
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Texto Complementar No. 2 sócio‐metabólica do capital, marcada pelos modos de dominação/manipulação das individualidades pessoais de classe. A categoria de personalidade na ótica histórico‐materialista deve ser considerada não apenas em seu viés psicológico, mas sim, como sendo uma categoria intrinsecamente social, tendo em vista que a mediação entre o homem que trabalha e o mundo social, cujos produtos materiais e mentais constituem o mundo no qual transcorrerá essa vida – a personalidade em si e para si ‐ se encontra no interior de um complexo social dado. Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem – eis o enunciado histórico‐ontológico que, traduzido para a instância da individualidade para‐si, pode ser dito da seguinte forma: as singularidades naturais, constituem‐se como singularidades pessoais ou individualidades pessoais (ou individualidades para–si) na medida em que fazem a si próprias através das escolhas entre decisões alternativas. Portanto, o homem singular pessoal é, em‐si, a síntese das múltiplas decisões alternativas tomadas no decorrer de sua vida pessoal, das mais insignificantes às mais cruciais. É na relação entre sua vida e a história social humana que cada ser humano constitui sua individualidade pessoal. O ato de nascimento do homem – ou individuo pessoal para‐si ‐ é a sua própria história, “história que é pare ele, uma história consciente, e que, portanto, como ato de nascimento acompanhado de consciência é ato de nascimento que se supera.” Mas o “ato de nascimento de nascimento que se supera” não ocorre sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defronta diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. O homem que trabalha – e animal que se faz homem através do trabalho como ato consciente – é um ser que dá respostas. Mas as respostas – que irão constituir o em‐si da personalidade pessoal, não são dadas sob circunstâncias escolhidas por ele (eis a dialética entre liberdade e necessidade que é intrínseca ao ser social). Entretanto, o ato de nascimento do homem pessoal que deixa de ser mera singularidade natural, implica não apenas escolhas conscientes sob circunstâncias transmitidas e legadas do passado, mas apropriação (significação/re‐significação) da tradição de acordo com referentes simbólico‐ideais que dão sentido ou significações às múltiplas escolhas tomadas. 8
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Texto Complementar No. 2 A questão é saber o que nós mesmos vamos fazer do que os outros fizeram de nós. Nesse caso, coloca‐se a prévia‐ideação simbólica, elemento compositivo da dimensão da utopia social. Nesse caso, a personalidade como mediação ativa do ato de nascimento do homem tende a determinar como nos apropriamos – no plano subjetivo‐valorativo – daquilo que efetivamente nos tornamos. Portanto, no plano da singularidade das individualidades pessoais de classe, é importante não apenas apreender aquilo que elas são em‐si efetivamente, como produto das escolhas conscientes entre decisões alternativas tomadas sob circunstâncias legadas e transmitidas do passado, mas também o que as escolhas significam para–si. Nesse caso, a mediação personalidade não está apenas implicada com decisões alternativas pretéritas, mas se projeta, através dos sonhos, expectativas e utopias de classe, no tempo futuro. É importante apreender, deste modo, a dimensão do sonho não apenas no sentido sociológico propriamente dito, mas no sentido profundo que eles possuem para a interioridade do ser singular em sua unicidade. Formação do homem singular (o trabalho da vida humano‐pessoal) Singularidade natural Singularidade pessoal (personalidade) Portanto, o homem singular forma a sua personalidade humana através das respostas dadas por ele, em si e para si, às experiencias vividas (sem desconsiderar, como salientamos acima, a cadeia de mediações lingüísticas que constituem as perguntas previamente formuladas que generalizam seus carecimentos). Eis a dialética complexa de transformação da singularidade natural em singularidades pessoais ou personalidade que marca o ato de nascimento do homem. 9
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Texto Complementar No. 2 Enquanto o capital busca constituir personalidades cada vez mais particularistas, o trabalho em sua dimensão emancipatória, visa constituir, por outro lado, personalidades pessoais comprometidas com os valores da “negação da negação”. Deste modo se coloca a centralidade politico (social) da formação da personalidade autêntica – no sentido de formação de pessoas humanas – como princípio da própria luta emancipatória pela abolição da relação‐capital ou alienação/estranhamento, isto é, a luta pelo socialismo e comunismo. Ora, até o momento, buscamos explicar o caráter dúplice/contraditório da expressão categorial “individualidade pessoal de classe”. Deste modo, explicitamos a centralidade do processo de formação/subjetivação na dinâmica da luta de classes. Isto é, a luta pelo socialismo do século XXI é a luta pela formação de personalidades autênticas. A luta contra a relação‐capital é essencialmente uma luta pela formação/subjetivação de individualidades pessoais capazes de escolhas morais autênticas. Esta bipolaridade do individuo humano‐social sob a relação‐capital (pessoa versus classe) se põe apenas sob o capitalismo histórico. É sob a sociedade burguesa – a única sociedade do trabalho na história humana – que se constituiu processos de individuação, isto é, processos de formação de individualidades humanas que, sob as condições da propriedade privada/divisão hierárquica do trabalho, adquirem um sentido contraditório. Isto é, o capitalismo como sociedade cada vez mais social, contribui, ao mesmo tempo, para a formação (e deformação) de individualidades humanas. Esta é a “contradição viva” do capital no plano da reprodução social e vida cotidiana. O capitalismo deforma a pessoa humana, na medida em que constitui individualidades de classe ou “indivíduos médios” (nesse caso, individualidade interverte‐se em individualismo ou “personalidades cada vez mais particularistas”). Talvez, o campo de cisão intima do homem burguês explique a constituição da psicanalise como economia politica da subjetividade burguesa, problemática e contraditória. Pergunta‐se: no âmbito categorial da “individualidade pessoal de classe” como conceber a relação da singularidade do homem singular – que constitui a unicidade da pessoa humana, no interior da qual está contido o núcleo humano‐genérico, ser genérico ou forma 10
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Texto Complementar No. 2 universal‐concreta que vincula (ou enlaça) a individualidade pessoal com a espécie homem que se fez homem através do trabalho; e a universalidade‐concreta da individualidade de classe, que – como imputação abstrata – implica homens e mulheres com atributos existenciais que impedem seu desenvolvimento humano‐pessoal autêntico? No sentido histórico‐ontológico, explica‐se a constituição da singularidade do homem que trabalha pelos atos de objetivação como objetivação/exteriorização. Na medida em que o trabalho humano é trabalho social historicamente determinado, a produção de objetivações sociais (produtos ou valores) é, ao mesmo tempo, produção de subjetividades ou individualidades pessoais. Movimento de exteriorização (Entäusserung) – ato de nascimento do homem Apropriação Significação Re‐significação Na verdade, o movimento de exteriorização – no sentido de apropriação/significação/re‐significação – é o verdadeiro movimento de produção de personalidades sociais. É pelo movimento de objetivação/exteriorização que o homem passa de singularidade natural para individualidade pessoal. Na medida em que o homem dá respostas, ele se cria a si mesmo. Como salientamos acima, o homem é resultado de sua própria práxis Mas, é claro, respostas pressupõem perguntas postas a partir de percepções consciente das alternativas concretas as quais se deve escolher. As circunstâncias legadas e transmitidas do passado delimitam o campo possível das respostas efetivas. A personalidade do homem singular – que é sempre personalidade social ‐ é o campo de mediação das perguntas. Por isso, o tipo de personalidade social tende a determinar não apenas o campo de perguntas ou percepção consciente das alternativas concretas, mas o modo de respostas às situações dadas. Um individuo no estado de particularismo, fechado em sua auto‐suficiência, aceitando a imediaticidade de sua condição – imposta pelo statu quo social – sem veleidade de 11
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Texto Complementar No. 2 transcendência e sem verdadeira aspiração à autodeterminação – como diria Lukács ‐ irá elaborar perguntas e dar respostas (ou decisões alternativas) substancialmente diferentes de uma personalidade mais particular no sentido de vinculada à genericidade em si e para si. A manipulação social – tema das próximas aulas – opera no âmbito das perguntas elaboradas pelas personalidades singulares. Ora, no princípio era o Verbo. Por isso, percebe‐se a centralidade ontológica – no plano do ato de nascimento do homem como individualidade pessoal (e não do homem como singularidade natural) da prévia‐ideação simbólica. A filogenia do homem não recapitula, em essência, a sua ontogenia. Na instância da formação/subjetivação do homem singular pessoal, a consciência (implicando em‐si, o complexo da linguagem) é o ato ontologicamente constitutivo do movimento de objetivação/exteriorização. Na espécie humana, antes de se apropriar efetivamente, apropriasse simbolicamente. O homem é um animal simbólico. Portanto, a personalidade do homem singular – a passagem da singularidade natural para a personalidade como pessoa humana efetiva – se constitui no movimento da objetivação/exteriorização, exteriorização que implica o processo de apropriação/significação/re‐significação do mundo objetual (ou objetivações sociais). Eis o sentido da exteriorização. Este é o espaço de autonomia da subjetividade, “espaço interior” do individuo onde se situa o campo da alienação/estranhamento. Um complexo de exteriorização estranhada – constituido por apropriação/significação/re‐significação alienadas, onde os individuos são meros agentes da reprodução social, imersos na pseudo‐concreticidade da vida cotidiana, tende a constituir personalidades estranhadas, cujo ato de apropriacão/significação/re‐
significação possuem um sentido particularista. Na verdade, estranhamento significa posição/colocação de obstáculos – no plano da apropriação/significação/re‐significação – ao desenvolvimento pessoal do homem que trabal. Nesse caso, os obstáculos estranhados podem ser objetos ou objetivações sociais (instituições, linguagem ou valores). Nega‐se o sentido da apropriação e auto‐apropriação propriamente dita. Ora, sob a sociedade da manipulação constituem‐se homens incapazes de se apropriarem do mundo, de si e dos outros no sentido emancipatório A apropriação (como experimentação) 12
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Texto Complementar No. 2 intervete‐se em manipulação no sentido de reiterar o sistema do capital. A apropriação faz progredir. A manipulação meramente reitera. Portanto, eis os termos categoriais que procuramos salientar neste esboço de uma teoria histórico‐ontológica da personalidade social, indispensável para uma critica radical do capitalismo manipulatório. Primeiro, a idéia de que o processo de objetivação como objetivação/exteriorização é que constitui a passagem da singularidade natural para a singularidade pessoal. Segundo, a dimensão da singularidade pessoal (ou individualidade pessoal propriamente dita) implica por um lado, a unicidade da singularidade do homem singular (o que nos distingue uns dos outros) e o núcleo humano‐genérico contido no interior de cada singularidade pessoal, laço ineliminável com aquilo que nos constituiu como especie (o trabalho vivo). Terceiro, a singularidade pessoal, na medida em que é ontologicamente ente social (o homem é um ente objetivo social) está implicada com as relações sociais do capital, tornando‐
se assim, universalidade‐concreta (isto é, individualidade pessoal que é individualidade de classe). Este “é” explícita um movimento de negação/pressuposição negada. Portanto, sob a relação‐capital, tende a negar‐se a singularidade pessoal (unicidade + núcleo humano‐genérico) e afirmar‐se a universidalidade‐concreta da classe social do proletariado com seus atributos existenciais. Temos o processo de despersonalização da pessoa humana. Eis o sentido da alienação/estranhamento. A “desconstrução da singularidade pessoal implica regressão à singularidade natural como singularidade abstrata/inautêntica (individualismo). Mas, como salientamos acima, abre‐
se um campo contraditório no interior das personalidades humanas (na verdade, a negação é virtual – e cabe dizer, o virtual é real). Alguns esclarecimentos: o campo da unicidade pessoal do homem singular é o campo ontogenético das individualidades naturais (a psicanálise e psicologia atuam neste campo material). Há legalidades especificas que atuam na formação da unicidade pessoal que – sempre vinculado contraditoriamente nas sociedades de classe com o núcleo humano‐
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Texto Complementar No. 2 genérico – tende a conformar perguntas/respostas singulares à situações dadas da condição de proletariedade. Mesmo no interior de um mesmo grupo social como a família, por exemplo, as perguntas/respostas são dadas a partir do conjunto intersubjetivo das forças atuantes das pulsões originais. O núcleo humano‐generico tem uma dimensão em si e para si. Na medida em que avança o processo civilizatório, põe‐se o para‐si como possibilidade concreta. Este fato histórico implica nova organização do âmbito íntimo das singularidades pessoais – a genericidade se coloca no horizonte perceptivo (mesmo mistificado) de homens e mulheres singulares, elevando‐os acima da mera unicidade e do particularismo de classe. Giovanni Alves (2009) 14
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