CONSTRUÇÕES MORFOLÓGICAS E CONSTRUÇÕES LEXICAIS: EXPRESSÕES V SN COM DAR E FAZER MARGARIDA BASILIO (PUC-RIO) RESUMO: Dentro da questão geral das fronteiras entre morfologia, sintaxe e léxico, o trabalho analisa, na perspectiva lexical, expressões verbais com os verbos dar e fazer seguidos de nomes deverbais, e propõe que estas expressões correspondem a formações lexicais alternativas aos verbos denominais. Na primeira parte, a autora mostra que as expressões estudadas apresentam verbos denominais correspondentes e têm motivação de mudança de classe equivalente à dos verbos denominais, embora apresentem diferença sistemática em relação a estes, dado o caráter de forma presa do radical do verbo denominal, em oposição à manutenção das propriedades plenas de substantivo no caso das expressões verbais. Em seguida, são focalizadas diferentes construções Dar SN e definidas, dentre estas, as expressões dar nom e fazer nom, focalizadas no trabalho. Após a caracterização das expressões, apontam-se tendências gerais de utilização das expressões verbais com dar e fazer, observando-se que estas dependem, sobretudo, de fatores de ordem semântica. A partir dos resultados da análise, coloca-se o paralelismo entre a formação morfológica de verbos denominais e a formação lexical, embora não morfológica, de expressões verbais dar nom e fazer nom e discute-se a questão das unidades lexicais de caráter não morfológico. O trabalho pretende contribuir para a discussão dos limites entre morfologia, sintaxe e léxico. Introdução Este trabalho se enquadra na questão geral da conveniência ou não de se estabelecer uma fronteira nítida entre morfologia, sintaxe e léxico. Nesta perspectiva, o trabalho analisa, do ponto de vista lexical, as expressões dar + nominalização e fazer + nominalização1 (doravante dar nom e fazer nom). As expressões abordadas se incluem no tipo definido em Neves (1999a, b) como construções com verbos suporte: constituem-se de um verbo transitivo geral, dar ou fazer, seguido de um substantivo deverbal. Neste tipo de construção, o verbo apresenta o significado mais geral (ação, estado, etc.), assim como as propriedades gramaticais de flexão e concordância, enquanto a forma nominalizada é responsável pela particularização do significado. Verbos de suporte, verbos leves ou verbos lexicais gramaticalizados vêm sendo estudados já há bastante tempo. Entretanto, o ponto de vista dos estudos tem sido fundamentalmente o sintático e o lexicográfico. Nestas abordagens, parte-se da existência de 1 2 Uma versão preliminar deste trabalho foi apresentada no III Congresso Internacional da ABRALIN (Rio de Janeiro, Março de 2003). determinadas expressões V SN que apresentam diferentes graus de discrepância semântica e autonomia sintática em relação aos termos componentes e se procura estabelecer algum tipo de classificação, seja por razões de descrição e teorização gramatical, seja com objetivos lexicográficos ou computacionais. No presente trabalho, tendo como preocupação central a questão da organização do léxico, argumentamos que expressões dar nom e fazer nom correspondem a esquemas lexicais de formações verbais, constituindo-se em padrões lexicais alternativos à formação de verbos denominais. Em outras palavras, nossa proposta é que, dentre os mecanismos produtivos de expansão lexical, existem não apenas processos de formação de verbos denominais (construções lexicais morfológicas), mas também padrões de formação de expressões verbais (construções lexicais não morfológicas). 1. Mudança de classe As expressões dar nom e fazer nom apresentam verbos denominais correlatos, conforme exemplificado a seguir: (1) a. dar um grito dar um salto dar um beijo dar incentivo b. gritar saltar beijar incentivar (2) a. fazer pressão fazer gargarejo b. pressionar gargarejar fazer massagem massagear 3 Estas expressões estão envolvidas, portanto, na possibilidade de se formar um signo verbal a partir de um substantivo, com a finalidade de designar um ato ou processo correspondente a este substantivo. A formação pode ser efetuada pelo acréscimo do sufixo derivacional, caso em que temos um verbo denominal, como em (1) e (2) b; ou pela formação de uma expressão V nom, como em (1) e (2) a. Do ponto de vista funcional da constituição do léxico, portanto, a construção V nom tem a mesma motivação que a formação do verbo denominal, a saber, a formação de uma construção verbal, cujo significado decorre naturalmente da conceptualização do ato verbal correspondente ao significado evocado pelo substantivo. Qual seria, então, a diferença entre as duas possibilidades? No caso da formação do verbo denominal, a incorporação do substantivo como elemento fundador do verbo implica em seu aprisionamento e na conseqüente perda de suas propriedades gramaticais de substantivo: o substantivo passa a ser um radical morfológico, embora se mantenha seu significado, que motiva o significado geral do verbo formado, em termos de relações estruturais (objeto, sujeito, locativo, etc.,)2 como vemos abaixo: (3) a. João fez pressão com o diretor e conseguiu entrar. b. João pressionou o diretor e conseguiu entrar (4) a. João deu um chute e a bola entrou no gol. 2 4 Para um detalhamento dessas relações estruturais, ver: Basilio e Martins (1996). b. João chutou e a bola entrou no gol. Embora apresente vantagens sobre a seqüência V nom no que tange ao grau de compactação que proporciona, a estrutura do verbo denominal tira do substantivo derivante suas propriedades de substantivo, no sentido de acolher determinações e qualificações; a rigidez própria da estrutura morfológica desautoriza qualquer possibilidade de abordagem especificatória na entidade que define o evento. Por exemplo, gritar é uma unidade significativa indecomponível, que designa o tipo de emissão vocal genericamente. Já a expressão dar grito permite a adjetivação, a determinação e a quantificação do produto que o ato constitui, conforme ilustramos a seguir: (5) Maria gritou. (6) a. Maria deu um grito desesperado b. Maria deu vários gritos desesperados c. Maria deu um só grito d. Maria deu um grito de arrepiar e. Maria deu uns gritos etc. Dentro de uma concepção do léxico como um sistema dinâmico que nos fornece unidades significativas relativamente estáveis para a construção de enunciados (BASILIO, 2004), segue-se naturalmente que, na formação de unidades de denotação 5 de processos verbais a partir de substantivos, o léxico será mais eficiente para o sistema lingüístico como meio de representação e comunicação se as duas alternativas de formação estiverem disponíveis: o verbo denominal, que funde ambas as funções de evocação simbólica e construção de enunciados num bloco rígido inamovível, como em gritar, pressionar, beijar ; e a expressão verbal, que mantém coeso um significado análogo, mas permite inserções de especificação e qualificação, como em dar beijo (um/vários/muitos); fazer pressão (muita/intensa/leve); dar grito ((um) (só) lancinante/desesperado). No que concerne à formação de substantivos, uma das funções mais básicas da formação de substantivos deverbais é a desverbalização, ou seja, a neutralização da obrigatoriedade de explicitação de categorias verbais como tempo, modo, pessoa, etc. Adicionalmente, no substantivo deverbal a presença de complementos deixa de ser sintaticamente obrigatória, sendo, antes, motivada pela maior ou menor necessidade de informação. Por exemplo, verbos como declarar exigem a explicitação de sujeito e complemento, assim como marcas de expressão de tempo, aspecto, modo e numero-pessoa; formas nominalizadas como declaração não apresentam tais requisitos sintáticos e morfológicos, podem ser determinadas, quantificadas e qualificadas, mas apresentam concordância de gênero e número, conforme verificamos abaixo: 6 (7) a. O ministro declarou à imprensa que os culpados seriam punidos. b. *O ministro declarou c. *O ministro declarar d. * Declarou à imprensa e. * Declarou que os culpados seriam punidos (8) a. A declaração do ministro à imprensa de que os culpados seriam punidos b. A patética declaração do ministro c. As declarações do ministro á imprensa d. A declaração duvidosa de que os culpados seriam punidos etc. No caso das expressões dar nom e fazer nom, ao termos o significado do verbo expresso por um nome deverbal precedido por um verbo de sentido geral, em vez de um verbo denominal, podemos qualificá-lo e quantificá-lo; e não há necessidade de complementação explícita. Quanto aos encargos verbais, estes passam a ser veiculados nos verbos dar ou fazer. Observamos, portanto, que a formação das expressões dar nom e fazer nom obedece às mesmas motivações gerais dos processos de mudança de classe das formas derivadas. Mais especificamente, assim como formamos substantivos deverbais para veicular a noção do verbo sem suas amarras gramaticais, do mesmo modo formamos expressões dar nom e fazer 7 nom para modificar as circunstâncias gramaticais da noção verbal no verbo denominal, através da utilização do nome deverbal correspondente precedido por dar ou fazer. 2. Tipos de construções dar nom Existem vários tipos de expressões Dar SN no português do Brasil. Neste trabalho, entretanto, focalizamos apenas expressões dar nom, isto é, expressões que se constituem do verbo dar seguido de um nome deverbal ou equivalente. Temos fundamentalmente dois tipos de expressões dar nom. Por um lado, existem as formações dar uma X-da, que apresentam a função de atenuação semântica ou discursiva do significado do verbo correspondente, conforme exemplificamos abaixo: (9) a. João saiu b. João deu uma saída (10) Ainda não li o livro, só dei uma lida. (11) Será que você pode dar uma encerada neste chão? Em (9), a frase b. abranda o fato de João ter saído. Em (10), a versão ligeira contrasta com a interpretação cabal de ler; e em (11) procura-se atenuar o pedido/ordem para encerar o chão. A par de uma função pré-determinada de atenuação, semântica e/ou pragmática, as expressões dar uma X-da apresentam restrições específicas de caráter morfológico, semântico, sintático 8 e discursivo, além de alto teor de produtividade e previsibilidade. Este conjunto de propriedades nos leva a uma descrição de caráter lexical para essas expressões, conforme argumentado em trabalhos anteriores (BASILIO, 1999 e 2001). Mais especificamente, restrições de ordem morfológica, semântica, sintática e discursiva mostram que não se trata de um fenômeno de caráter geral dos verbos, apesar do alto teor de produtividade; e a função de atenuação dessas expressões, totalmente previsível, impede a análise das mesmas como expressões idiomáticas. O alto teor de produtividade, a previsibilidade semântica das construções e as restrições configuram uma situação padrão nas formações lexicais, indicando, portanto, a maior adequação de uma descrição desses casos em termos de padrões lexicais. O segundo tipo de expressão dar nom é o que vimos focalizando no presente trabalho. Neste tipo de construção, o SN da expressão é um nome deverbal ou diretamente correlato a um ato verbal e o conjunto virtualmente equivale a um verbo denominal, como vemos em (12). (12) a. gritar, saltar, avisar, pular, ajudar, auxiliar, avançar b. dar um grito /salto /aviso /pulo /ajuda /auxílio /avanço 9 Finalmente, acrescentam-se ao tipo ilustrado em (12) as expressões dar nom em que dar se combina com vários tipos morfológicos de nomes deverbais, como em (13):3 (13) dar prosseguimento, dar informação, dar passagem, etc. Neste último caso, como no primeiro, não temos um verbo denominal ou nominalização regressiva correspondente, mas um verbo derivante relacionado à expressão dar nom; a relação entre o verbo e a expressão dar nom, entretanto, é equivalente: (14) a. Ele prosseguiu os trabalhos b. Ele deu prosseguimento aos trabalhos (15) a. Ele leu o artigo b. Ele deu uma lida no artigo (16) a. Ele ajudou Pedro b. Ele deu uma ajuda a Pedro Naturalmente, o verbo dar, com o significado de executar, fazer, levar a efeito, efetuar é também utilizado em larga escala em outras formações Dar SN em que, entretanto, o SN não é um nome deverbal. É este o caso das formações X-ada, homógrafas 3 Este breve arrolamento de tipos de expressões DAR SN está longe de ser exaustivo. 10 de X-da, mas morfologica e semanticamente distintas,4 que ocorrem em formações como as de (17), (17) dar uma facada / bolsada / dentada / unhada / patada as quais raramente apresentam um verbo correlato: (18) *facar, *bolsar, *dentar, unhar, *patar Essas expressões, e muitas outras como dar sorte, dar festa, dar susto, dar golpe, etc. não serão aqui focalizadas, na medida em que não se caracterizam como expressões dar nom. 3. Construções fazer nom Construções fazer nom foram menos estudadas do que as construções dar nom e apresentam um número mais reduzido de utilizações. Por exemplo, não há construções fazer nom com as características de dar uma X-da. Mas, assim como dar, fazer é um verbo altamente polissêmico e se presta igualmente à possibilidade de formar expressões verbais semanticamente coesas em que a noção verbal geral de fazer, efetuar, levar a efeito, concretizar, etc. se combina com um nome deverbal ou forma nominalizada que especifica o significado da construção como um todo. E, do 4 Um detalhado estudo das possibilidades de ocorrência sintática destas expressões é feito por Lisboa de Liz (2005), a partir de questões levantadas por essas expressões em Figueiredo Silva (2002). 11 mesmo modo que com dar, encontramos várias expressões fazer nom correspondentes a verbos denominais, como as abaixo: (19) a. fazer progresso, fazer inscrição, fazer pressão, fazer gracejo b. progredir inscrever pressionar gracejar Assim, na função de possibilitar o desmembramento de verbos denominais em expressões V nom em que o núcleo do significado é passível de diferentes modificações e interferências, o verbo fazer, embora de utilização aparentemente mais restrita, é equivalente ao verbo dar. 4. Grupos semânticos nas expressões dar nom e fazer nom Adicionalmente, podemos verificar que há tendências gerais de utilização seja de dar seja de fazer na formação dessas expressões verbais, dependendo em grande parte de fatores de ordem semântica. As expressões dar nom que apresentam um verbo denominal correlato se agrupam, sobretudo, nos seguintes conjuntos, a partir do significado de dar na expressão dar nom:5 (20) a. Dar corresponde a “conceder”: dar permissão, dar deferimento, dar abono, dar passagem, etc. 5 Para uma análise preliminar e parcialmente coincidente dos significados de dar nessas expressões, v. Dias e Martins (2001). 12 b. Dar corresponde a “fornecer”: dar prova, dar explicação, dar aval, dar incentivo, etc. c. Dar corresponde a “transmitir”: dar aviso, dar conhecimento, dar informação, dar notícia,etc. d. Dar corresponde a “emitir”: dar grito, dar gemido, dar grunhido, dar uivo, dar berro, etc. e. Dar corresponde a “executar ato físico pontual”: dar beliscão, dar bicada, dar chute, dar soco, etc. f. Dar corresponde a “executar ato performativo”: dar início, dar prosseguimento, dar cumprimento, etc. As expressões fazer nom, por outro lado, correspondem basicamente ao significado de “executar um ato”, havendo alguns tipos de ato razoavelmente bem discerníveis, como vemos em (21): (21) a. Ato de expressão (falada, escrita, gestual): fazer discurso, fazer proposta; fazer sinal, fazer aceno; fazer desenho, etc. b. Ato mental: fazer inferência, fazer análise, fazer cálculo, fazer previsão, etc. c. Ato físico contínuo: fazer carícias, fazer massagem, fazer gargarejo, fazer exercício, etc. d. Ato de estrutura social (jurídico, burocrático, comercial, de relações sociais, etc.): fazer acareação, fazer outorga; fazer matrícula, fazer inscrição; fazer negócio, fazer cobrança; fazer homenagem, fazer brinde, fazer convite, etc. e. Ato de representação: fazer cópia, fazer imitação, fazer descrição, fazer resumo, etc. Esta é apenas uma classificação preliminar, já que nosso objetivo, no momento, não é o de apresentar uma descrição detalhada dos dois processos de formação de expressões verbais. Mas, 13 mesmo neste estágio preliminar, nossos dados já indicam que a utilização de dar e fazer nas formações com nomes correlacionados a verbos não é aleatória. Em especial, podemos observar uma oposição sistemática entre dar nom para a emissão de voz (dar gemidos, grunhidos, gritos, berros) e fazer nom para atos de fala (fazer declarações, denúncias, propostas, sugestões, acusações); e entre dar nom para atos momentâneos (dar um pulo/ chute/beliscão/soco) em oposição a atos contínuos, expressos com fazer nom (fazer massagem, exercício, carícias). Estes dados consubstanciam, portanto, a hipótese de que, do mesmo modo que dar nom, a construção fazer nom, em que fazer corresponde ao significado de executar um ato de tipo determinado e a forma nominalizada corresponde à especificação deste ato, pode ser uma construção de unidades estáveis de significado. Os dados analisados, portanto, fortalecem a hipótese de que as expressões dar nom e fazer nom são expressões produtivas e regulares de cunho lexical, formadas com o objetivo de permitir a expressão do significado verbal derivado de um substantivo, mantendo-se as possibilidades de adjetivação e quantificação inerentes ao substantivo. 4. Expressões V Nom como construções lexicais Assim, ao lado da sufixação e da derivação parassintética, teríamos também na formação de verbos denominais a formação de expressões denominais V nom, de que os processos formadores 14 mais produtivos seriam baseados nos verbos dar e fazer. Ou seja, a mesma macroestrutura estaria operando não apenas na formação de verbos morfologicamente denominais, mas também na formação de composições denominais, entendendo-se o composto do ponto de vista lexical e não morfológico. Observe-se que a noção de composto lexical em oposição a composto morfológico não é nova; esta noção, inclusive, pelo fato de não ser explicitada, está na base de uma série de problemas na delimitação de unidades lexicais. Por exemplo, compostos tradicionalíssimos, como amor-perfeito e obra-prima, e mais recentes, como caixa-preta, exigem a operação de mecanismos de concordância, estando, portanto, longe da rigidez que caracteriza a palavra morfológica. Adicionalmente, também não é recente a idéia de que a composição corresponde ao aproveitamento de estruturas sintáticas para fins lexicais. É exatamente o que parece estar acontecendo com as expressões que ora examinamos. Devemos ressaltar, portanto, que a conceituação de composto não poderia ser identificada à de palavra composta. Um dos problemas que temos na literatura sobre o tema é justamente a identificação inadequada dos conceitos de palavra morfológica e unidade lexical.6 Assim, dos exemplos apontados acima, obraprima e amor-perfeito são compostos lexicais, mas não deveriam 6 Para uma discussão dos problemas de delimitação de unidades lexicais, v. Basilio 1999a; para um exame da questão em relação a compostos, v. Basilio 2000; para outra abordagem da questão léxico/sintaxe envolvida nestas expressões, v. Erman e Warren, 2000. 15 ser considerados como produtos de processos morfológicos de composição, já que apresentam evidências do mecanismo de concordância sintática entre o substantivo e o adjetivo. O caso das expressões dar nom e fazer nom se aproxima mais, talvez, do tipo proposto por Jackendoff (1997) para expressões idiomáticas do inglês, as quais apresentam um arcabouço constante em que um dos elementos pode variar. Tais construções, por ele denominadas de “constructional idioms”, são sintagmas verbais com um verbo de livre escolha e um número fixo de complementos. Dado que o verbo é de livre escolha, as construções em si não estariam armazenadas no léxico, mas apenas o arcabouço, ou seja, um conjunto de estruturas sintáticas recorrentes produtoras/formadoras de expressões idiomáticas. O caso das expressões Dar nom e Fazer nom em português é mais previsível e regularizado do que o abordado por Jackendoff, já que teríamos um elemento único (o verbo), seguido da forma nominalizada, de acordo com as especificações e restrições sugeridas na seção anterior. O conjunto assim formado teria um caráter de unidade lexical, mas não de unidade morfológica, podendo, portanto, comportar-se como outras unidades do nível da estrutura sintática. 5. Considerações finais Em suma, dentro de um quadro de estruturas de correspondência de classes de palavras na constituição do léxico, em que a 16 mudança de classe se instaura como um jogo de equivalências que utilizam vários meios de efetivação, em vez de uma situação superficial de derivação de caráter meramente morfológico, podemos dizer que construções lexicais como fazer pressão ou dar apoio são motivadas do mesmo modo que construções morfológicas como pressionar ou apoiar. O presente trabalho pretende ser uma contribuição para a discussão dos limites, certamente discutíveis, entre construções regulares na sintaxe e no léxico. Ainda usamos, por falta de alternativa, esses termos consagrados, que se tornam cada vez menos adequados para a descrição dos padrões com que nos defrontamos em nossa investigação sobre a constituição do léxico, o qual, por sua vez, também desafia nossas definições. 17 Referências bibliográficas: BASILIO, M. Questões clássicas e recentes na delimitação de unidades lexicais. In: BASILIO, M. (Org.) A Delimitação de Unidades Lexicais. Rio de Janeiro: Grypho, 1999a. ______. Padrões de Configuração Estrutural de Unidades Lexicais. In: DUARTE, L.P. (Org). Para sempre em mim: Homenagem à Professora Angela Vaz Leão. Belo Horizonte: Editora PUC-MINAS, 1999b. ______. Em torno da palavra como unidade lexical: palavras e composições. VEREDAS, 2000. v. 4, n. 2, p. 9-18. ______. “Expressões dar uma X-da: uma verificada informal”. In: NEVES, M.H.M. (Org.). Descrição do Português: definindo rumos de pesquisa. Araraquara: Cultura Acadêmica, 2001. ______. 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