registro da arquitetura residencial da Avenida Epitácio Pessoa

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UMA NOVA MORADIA PARA UMA CIDADE EM EXPANSÃO: registro
da arquitetura residencial da Avenida Epitácio Pessoa, João Pessoa
(1950 – 1970)
COSTA, SURAMA BATISTA VIEIRA DA (1); AFONSO, FILIPE VALENTIM (2);
MOURA FILHA, MARIA BERTHILDE (3)
1. Universidade Federal da Paraíba. Departamento de Arquitetura
Cidade Universitária - João Pessoa - PB - Brasil - CEP: 58051-900
[email protected]
2. Universidade Federal da Paraíba. Departamento de Arquitetura
Cidade Universitária - João Pessoa - PB - Brasil - CEP: 58051-900
[email protected]
3. Universidade Federal da Paraíba. Departamento de Arquitetura
Cidade Universitária - João Pessoa - PB - Brasil - CEP: 58051-900
[email protected]
RESUMO
Este artigo apresenta parte dos resultados obtidos a partir de um projeto de pesquisa que tem como
objetivo geral o estudo da arquitetura residencial, sendo o objeto específico de análise do presente
artigo as residências edificadas ao longo da Avenida Presidente Epitácio Pessoa, principal eixo de
estruturação da expansão da cidade de João Pessoa, capital da Paraíba, no recorte temporal que
compreende as décadas de 1950, 1960 e 1970. Por se constituir como primeira ligação efetiva entre o
Centro Tradicional e a praia de Tambaú, a avenida foi progressivamente se valorizando e se
transformando em uma vitrine, principalmente das famílias de alto poder aquisitivo que nela expunha
aquelas que eram consideradas as melhores formas de construir e "morar". No entanto, nas últimas
décadas a variedade de linguagens arquitetônicas que fora construída tem diminuído gradativamente,
devido à especulação e pressão imobiliária e às mudanças no uso do solo. Diante da necessidade de
evitar a perda ainda mais intensa da memória destas arquiteturas, "resgatamos" projetos residenciais
arquivados em setores da administração pública, os quais, em muitos casos, correspondem a
edificações que não mais estão presentes na imagem da avenida, compondo um registro das diferentes
expressões de cada tempo.
Palavras-chave: registro; arquitetura residencial; Avenida Epitácio Pessoa; João Pessoa.
Introdução
O seguinte artigo apresenta um recorte dos resultados obtidos a partir de um projeto de
pesquisa que tem como objetivo geral o estudo da arquitetura residencial edificada na
Avenida Presidente Epitácio Pessoa, principal eixo de direcionamento da expansão urbana da
cidade de João Pessoa, capital do estado da Paraíba. Para tanto, definimos o recorte
temporal que compreende as décadas de 1950, 1960 e 1970, quando a ocupação do percurso
em estudo tornou-se sistemática e marcada por edificações vinculadas ao momento de
arquitetura moderna brasileira.
A importância da produção arquitetônica do percurso reside no fato de que a avenida em
questão, idealizada em 1920, funcionou como primeira ligação efetiva entre o Centro
Tradicional da cidade, em formação desde a sua origem, no final do século XVI, e a praia de
Tambaú, contribuindo tanto para o crescimento da malha urbana, quanto para uma
redefinição da estratificação sócio-espacial da população, uma vez que atraiu grupos sociais
que antes residiam nas áreas centrais de João Pessoa.
Ao estudar a história da avenida percebemos diferentes momentos de ocupação,
intensificados conforme o status de "caminho para o mar" era valorizado, fato que
progressivamente serviu para atrair famílias de maior poder aquisitivo. Assim, na medida em
que bairros e conjuntos habitacionais surgiam ao longo de seu percurso, a via tornou-se uma
vitrine, principalmente de uma elite que nela expunha as melhores formas de construir e de
"morar" nos diversos momentos de sua ocupação, compondo um quadro de arquitetura
residencial heterogêneo.
Mas, a variedade de linguagens arquitetônicas presentes na avenida gradativamente tem
diminuído, num processo que se tornou mais evidente e desenfreado nas últimas três
décadas: por um lado, promovido pela especulação e pressão por parte do setor imobiliário e
pela concomitante mudança do uso do solo, cada vez mais dominado por comércio e serviços;
e por outro, facilitado pela falta de proteção legal para conservação dos imóveis mais antigos.
Por conseguinte, atualmente ao percorrer a avenida identificam-se "vestígios" da arquitetura
do passado nas ruínas de antigas moradias, nas residências abandonadas, e naquelas,
adaptadas a novos usos, para os quais as formas originais do imóvel não foram respeitadas.
Também se notam edificações comerciais e institucionais as quais, em suma, podem ser
consideradas "genéricas", pois não primam pela qualidade da arquitetura, se assemelham a
tudo que vem sendo construído em qualquer outro local da cidade e não compactuam com a
identidade que a avenida tinha no passado.
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Essas errôneas apropriações e desapego ao bem de interesse arquitetônico assinalam uma
grande perda material, agravada pela falta de estudos e registros da referida arquitetura. Tal
fato contrasta com a importância da avenida para a história local, reconhecida no âmbito
acadêmico por pesquisadores da evolução urbana de João Pessoa como Coutinho (2004) e
Silveira (2004) que a tomaram como objeto de estudo.
Percebendo a problemática instalada, recorremos a Prefeitura Municipal de João Pessoa em
busca de documentos que ajudassem a reconstruir a memória dessa arquitetura. O grande
número de projetos encontrados datados das décadas de 1960 e 1970 no Acervo Central da
Prefeitura Municipal de João Pessoa até o momento, nos leva a restringir o recorte temporal e
o tipo de arquitetura a ser exposto para o seguinte artigo. Além disso, o maior volume de
pesquisas acadêmicas sobre a arquitetura moderna em João Pessoa, analisada em textos de
autores como Fúlvio Pereira (2008), Roberta Costa (2011) e Carolina Galvão (2012), ajuda a
fundamentar nossos argumentos, visto que a avenida foi uma localidade basilar para difusão
dessa arquitetura. Ao longo dela, ainda é possível identificar alguns dos exemplares
modernos mais significativos da cidade, e outros mais modestos, que representam um
momento em que as soluções modernas foram incorporadas ao repertório de construção civil
da capital, enfim, corroborando a importância da construção de um quadro da arquitetura da
avenida para incrementar o conhecimento sobre a evolução da arquitetura brasileira.
A consolidação do uso residencial e a construção de uma imagem moderna
Nos primeiros anos que sucederam a abertura da Avenida Presidente Epitácio Pessoa,
ocorrida em 1920, a mesma permaneceu escassamente habitada. Nesta fase, apontam-se
apenas dois focos de ocupação que "seriam os extremos – o entorno do Sítio Cruz do Peixe e
a orla marítima – que se transformariam mais rapidamente, gerando os bairros da Torre e
Tambaú durante a década de 1920" (NOGUEIRA DA SILVA e LEITÃO apud COUTINHO,
2004, p. 64) (ver figura 1).
As décadas de 1930 e 1940, por sua vez, representaram um período de consolidação da
Avenida Epitácio Pessoa graças às operações realizadas no governo de Gratuliano de Brito
(1932-1934) e que se estenderiam até 1936 no governo de Argemiro de Figueiredo. Nesta
ocasião foi suavizada a inclinação no platô que descia para o Rio Jaguaribe, permitindo novo
aterramento de suas margens; também foi corrigida uma inflexão existente no traçado da via e
construída uma nova ponte sobre o rio, definindo, finalmente, o traçado atual da Avenida
Epitácio Pessoa e melhores condições para a sua circulação. Com esses investimentos,
viu-se a valorização do trajeto, reforçando a ideia de "caminho para o mar"; um status que
induziria a construção de moradias arrojadas e de maior porte, as quais davam
prosseguimento às inovações formais e construtivas que se manifestavam em João Pessoa.
Figura 1 – Recorte nosso na Planta da cidade de João Pessoa em 1930, uma versão modificada, feita
por Alberto Sousa, de planta elaborada por Alfredo Cihar. Destaca-se na planta a presença da Avenida
Epitácio Pessoa, eixo de ligação entre o Centro Tradicional e a praia. (A) e (B) representam os
primeiros focos de ocupação da avenida, os atuais bairros da Torre e Tambaú, respectivamente. (C)
mostra o traçado do Bairro dos Estados, que, embora já apareça na planta de 1930, só terá seu
loteamento aprovado em 1950. Fonte: SOUSA e VIDAL, 2010.
Mesmo após as reformas ocorridas na década de 1930, a Avenida Epitácio Pessoa
permaneceu num processo ocupacional lento, o qual perdurou durante os anos 40. Apenas na
década seguinte houve uma intensificação da sua ocupação, impulsionada pela
pavimentação da mesma em 1952, valorizando-a. Iniciou-se, então, o primeiro momento de
ocupação sistemática da via, no qual o próprio Governo Estadual atuou, promovendo a
construção de conjuntos habitacionais, que hoje consistem nos bairros Expedicionários (ao
lado da Torre) e Miramar (nas bordas do platô que desce para o vale do Rio Jaguaribe em
direção ao litoral). Com esses incentivos, o percurso atraiu uma classe média e média alta,
seduzida pela infraestrutura e pela proximidade com a praia. Além disso, os bairros
adjacentes à avenida ocupados até então – Torre e Tambaú – passaram a ser cobiçados,
devido ao status que o local ganhava. Acerca destes investimentos, Pereira (2008, p. 79)
afirma:
[...] aproximadamente a meio de seus seis quilômetros foi então construído o
Jardim Miramar, que estabeleceu um representativo encurtamento da
distância entre aquelas duas regiões, através do loteamento do anterior
campo de aviação da Imbiribeira. Empreendimento que tinha a participação
ativa do Estado, com o objetivo de gerar mais renda para o programa de
pavimentação realizado pelo governo estadual.
O Jardim Miramar tem um papel importante na ocupação da avenida, por representar um
encurtamento não apenas físico, mas também simbólico entre a praia e o centro (TRAJANO,
2006). Além disso, por ser bem servido de infraestrutura e serviços, atraiu moradores de
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classe média alta formando bairros com padrão construtivo de qualidade, que definiram
bastante a imagem da avenida, uma vez que esses conjuntos habitacionais "deixariam
reservados os lotes que margeavam a Avenida Epitácio Pessoa para edificações de maior
porte." (COUTINHO, 2004, p.115).
A partir da década de 1960 tem-se início um processo de consolidação da estrutura urbana da
avenida, adensando os espaços contíguos a esta, através da criação de conjuntos
habitacionais, desencadeada a partir da instituição do Sistema Financeiro de Habitação
(SFH), tendo a frente o Banco Nacional de Habitação (BNH), mudando a forma de
apropriação e as classes sociais envolvidas, consistindo num segundo momento de ocupação
sistemática da via.
Dessa forma, vemos que a partir da década de 1950 a arquitetura moderna que se difundia
pelo Brasil encontraria na Avenida Epitácio Pessoa um ambiente favorável a sua instalação
devido à disponibilidade de recursos financeiros dos novos moradores, bem como de espaço,
devido as maiores dimensões dos lotes, propiciando aos arquitetos uma maior liberdade na
disposição do edifício e conduzindo as residências a uma solução mais complexa (PEREIRA,
2008, p.96).
A arquitetura então instalada promoveu um novo modo de morar, pois representava, além da
evolução de estilo, uma evolução na setorização funcional dos ambientes e na integração
entre espaços interiores e exteriores, o que representou mudanças significativas em termos
de planta. Os espaços de convívio social da casa passaram a se relacionar de forma mais
efetiva com as áreas de lazer e com os jardins, “graças às varandas e a disposição das
aberturas em distintas orientações, que, por sua vez, sinalizavam a dissociação entre
fechamentos e estrutura” (PEREIRA, 2008, p. 87) e a preocupação com o conforto ambiental,
priorizando a ventilação predominante e a iluminação natural, sem deixar de proteger da
insolação direta tais aberturas por meio de dispositivos de proteção solar, como brises e
elementos vazados. Além disso, a continuidade espacial e a utilização, muitas vezes, de
pavimentos intermediários entre si, que garantiam a conexão visual entre os mesmos,
reforçavam a integração entre interior e exterior, fato que pode ser constatado na fala de
Lemos:
Com essa pretendida continuidade espacial, as paredes divisórias deixam de
ser efetivamente isoladoras de atividades para tornarem-se simplesmente
selecionadoras de ambientes, havendo uma intencional promiscuidade. [...]
Realmente, a tendência de muitos é "aproveitar" as vantagens das modernas
estruturas, com suas possibilidades de grandes voos ou largos espaços, para
sugerir um "novo" modo de vida. (LEMOS, 1989, p. 74)
Na Avenida Epitácio Pessoa destacamos três residências modernas construídas na década
de 1950 e projetadas pelo arquiteto carioca Acácio Gil Borsoi: Cassiano Ribeiro Coutinho
(1955), Joaquim Augusto da Silva (1957) e Renato Ribeiro Coutinho (1958). Estas
edificações, juntamente com o Esporte Clube Cabo Branco (cuja construção iniciou-se no ano
de 1956), também projeto do Borsoi, deram o pontapé inicial na produção da arquitetura
moderna propriamente dita ao longo da avenida, consistindo as mesmas em exemplares
locais de grande expressividade para este movimento.
Acerca da Residência Cassiano Ribeiro Coutinho (figura 2), situada no bairro da Torre, vale
ressaltar ser a única edificação da avenida a possuir proteção legal efetiva por ser tombada
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (IPHAEP). No entanto,
esta salvaguarda não tem impedido sua deterioração: este projeto, um dos mais
representativos da cidade, que contava com paisagismo de Roberto Burle Marx, sofre hoje
com o abandono e a pressão do mercado imobiliário, encontrando-se bastante alterado dado
os vários usos incompatíveis que abrigou afora o residencial.
Já as residências Joaquim Augusto da Silva (figura 2) e Renato Ribeiro Coutinho
exemplificam as diferentes formas de apropriação da arquitetura antiga na avenida. Enquanto
a primeira, ocupada pela Auto Escola Rainha da Paz, conserva a fachada e volumetria da
edificação, a segunda, na qual funciona atualmente a clínica Nova (figura 2), não levou em
consideração o projeto original, modificando suas fachadas completamente.
Figura 2 – Da esquerda para a direita: Residência Cassiano Ribeiro Coutinho, atualmente encontra-se
abandonada e descaracterizada; Residência Joaquim Augusto da Silva, funcionando como autoescola;
Clínica Nova, antiga residência Renato Ribeiro Coutinho. Fonte: Acervo Pessoal, 2012.
Afora os exemplares consagrados da alta elite pessoense, encontramos na Avenida Epitácio
Pessoa edificações dotadas de detalhes construtivos, soluções formais e sistemas estruturais
que expressam uma apropriação parcial e singela do modernismo na arquitetura. Podemos
exemplificar alguns desses esquemas através dos imóveis de número 3513 e 3208 (figura 3).
O primeiro, localizado em Miramar, edificado em 1962, caracteriza-se por uma volumetria
onde se destaca o corpo projetado na porção frontal do edifício apoiado sobre pilotis
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ultrapassando os limites das paredes laterais do térreo, referenciando uma forma de construir
moderna. Já o imóvel de número 3208, localizado em Tambauzinho, construído em 1975 e
projetado por Antônio Amaral, pode ser considerado excepcional devido às suas exímias
dimensões, à sua forma de implantação, desprovida de recuos laterais, e à sua estética,
baseada na utilização do concreto em estado aparente nos elementos estruturais.
Figura 3 – Dois dos poucos exemplares remanescentes dessa arquitetura na avenida. Edificações de
número 3513 e 3208, respectivamente. Fonte: Acervo Pessoal, 2013.
Vemos, assim, que o tipo de casa que resulta da difusão da arquitetura moderna na capital
paraibana vai se consolidar a partir da década de 1960, sendo este, um período de
confirmação e intensificação do caráter residencial da avenida, uma vez que seus "lotes foram
sendo ocupados sucessivamente, quase que preenchendo todos os vazios que
predominavam na fase anterior" (COUTINHO, 2004, p.118). Apoiando essas afirmações, em
uma nota de jornal datada de 1963 tem-se publicado que “[…] à Avenida Epitácio Pessoa,
nada menos de dez residências de fino acabamento estão sendo construídas, enquanto
outras tantas são edificadas em Tambaú, Miramar, Santa Júlia e Expedicionários” (CRESCE
a…, 1963, p.3 apud GALVÃO, p. 156), fato que reafirma o status da avenida, que continuou
representando uma das melhores localidades de se viver na cidade até meados da década de
1970.
Através dos projetos destinados ao uso habitacional encontrados no Acervo Central da
Prefeitura Municipal de João Pessoa constatamos pelo menos duas tendências que
marcaram a arquitetura produzida no percurso no último momento de ocupação intensiva: a
primeira, já mencionada, representada por casas com feições modernas, mas pouco
arrojadas quanto às suas soluções espaciais e de pequeno porte; e a segunda, de casas sem
vinculação a um estilo arquitetônico claramente definido na historiografia, resultante do gosto
de seus proprietários e/ou projetistas.
Este segundo grupo – que prevalece dentre os arquivos analisados, contabilizando 14
processos – é constituído por projetos de padrão médio, requeridos por profissionais liberais,
que não mais residem no local, e concebidos por projetistas de pouco renome, o que facilitou
a alteração ou substituição das edificações quando assumiram novas funções (figura 4).
Figura 4 – Da esquerda para a direita: Casa em Tambauzinho, de 1962; Residência de número 2080,
localizada em Tambauzinho, em arquivo do ano de 1975; Residência destinada a Sra. Analia Maria
Cardoso Fernandes, 1972; Residência José Bronzeado Sobrinho, de 1963, projeto do arquiteto Mário di
Láscio. Nenhuma destas edificações é reconhecida em levantamento atual. Fonte: Arquivo Central da
Prefeitura de João Pessoa.
É difícil – se não, impraticável – tentar classificar essa arquitetura coloquial com rigor;
entretanto, empregando os parâmetros que nos foram essenciais ao longo da pesquisa, como
a localização dessa arquitetura na cidade, a implantação do edifício no lote, a organização
espacial, a linguagem estética e os materiais e técnicas construtivas, podemos situar e
compreender melhor essa produção arquitetônica na cidade. Constatamos que muitas das
edificações em questão ordenam-se segundo uma lógica funcional de resolver as
fenestrações, a circulação e a coberta, em detrimento de uma maior expressividade formal.
Nos projetos, nota-se um recorrente uso de terraços, pergolados e jardins mais próximos ao
espaço interior, revelando um atributo das moradias modernas que foi difundido, embora as
espacialidades obtidas, em geral, sejam pouco exploradas, dada as dimensões enxutas dos
ambientes e a pouca ou inexistente variedade de níveis intermediários e pés-direitos duplos.
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Da imagem residencial ao lugar "genérico"
A transição para a década de 1970, por sua vez, foi marcada por fatos que ajudam a prever as
mudanças pelas quais a Avenida passaria: a pavimentação asfáltica com a criação de mais
uma faixa de rolamento, devido ao fluxo de carros que aumentava, mudando, assim, o
aspecto da via; além do surgimento de novos usos, cujo intuito era dar suporte a população
local.
A implementação do primeiro Plano Diretor de João Pessoa, criado em 1975, veio afirmando
essa tendência, pois, a Avenida passava a ser considerada "a primeira Zona Comercial Eixo
onde prevalecia uma baixa densidade – aproximadamente 50 hab/hectare." (COUTINHO,
2004). A legislação ainda previa, além do predominante uso habitacional, um pequeno
comércio, como, lanchonetes, bares, restaurantes, instalações institucionais, setor de
prestação de serviços, bancos, entre outros. Contudo, tal vocação foi acentuada na revisão do
Plano Diretor, em 1979, que desenhava uma via com novas tipologias, usos e maior
adensamento, facilitando o surgimento de supermercados e prédios multifamiliares,
demonstrando uma lógica que visava o aproveitamento da localização da Avenida para servir
os bairros adjacentes, tornando-a um eixo de circulação e apoio, que nas próximas décadas
se expandiria.
A partir de, aproximadamente, 1985, surgiram empreendimentos imobiliários de maior porte
no trecho litorâneo da Avenida; enquanto isso, ao longo da via, ocorria um movimento de
substituição do uso residencial unifamiliar pelos uso comercial e de serviços, através de
pequenas reformas, de caráter efêmero, tentando aproveitar os espaços das construções
existentes, mas interferindo na leitura da paisagem.
Na maioria dos casos prevaleceria uma intenção epidérmica, quando as
fachadas ganham lambris de alumínio, ou estruturas semelhantes que pouco
contribuiriam para a formação de um identidade da paisagem – uma vez que
os elementos introduzidos pouco ou nada tinham de especial, podendo estar
em qualquer outro ponto da cidade. De uma certa forma, podemos identificar
uma crescente pauperização nos elementos morfológicos uma vez que esse
tipo de reforma, pelo seu caráter efêmero, não procura se apropriar das linhas
arquitetônicas das antigas residências, e sim escondê-las por trás desses
elementos parasitários (COUTINHO, 2004).
Assim, paulatinamente, esses novos usos e funções da via foram se tornando mais
expressivos e numerosos na medida em que seus moradores se deslocavam para os setores
habitacionais próximos a praia. A via, que já havia sido símbolo de progresso e modernidade,
atraindo a população de alta e média renda que morava no Centro Tradicional, perdia seu
status social de morar bem para os bairros litorâneos, Tambaú, Cabo Branco e Manaíra, que
começavam a se conformar como uma nova centralidade de João Pessoa.
De modo geral, a partir dos anos 1990, as transformações na Avenida deram prosseguimento
aos movimentos instalados até então: a verticalização e especulação imobiliária no trecho
compreendido entre o litoral e o Rio Jaguaribe; e, no restante da via, a difusão do uso
comercial, prevalecendo edificações horizontalizadas, ora se apropriando da arquitetura
produzida nas décadas anteriores e adaptando-a aos novos usos, ora destruindo os
exemplares subsistentes e construindo outros, em geral, compromissados apenas com sua
função, cooperando para uma confusão visual proporcionada pelo excesso de platibandas e
placas com logomarcas e cores chamativas; edificações de pequeno, médio e grande porte
que lidam com diferentes escalas, não seguem um ordenamento e, em geral, não apresentam
soluções volumétricas inovadoras.
Desse modo, torna-se difícil ilustrar sua trajetória histórica, que corresponde à parte da
história da cidade de João Pessoa do século XX e que vem se perdendo sem que haja
esforços para conservar a diversidade e a narrativa da evolução da moradia na capital da
Paraíba
que
as
residências
construídas
nesta
Avenida
representaram.
A
sua
descaracterização e perda no conjunto edificado residencial tem como agravante o fato dessa
arquitetura ainda não ser reconhecida como patrimônio, não contando, portanto, com
proteção legal mais efetiva, à exceção da Residência Cassiano Ribeiro Coutinho, mencionada
anteriormente.
Percebemos que, apesar de a Avenida Epitácio Pessoa apresentar grande importância
funcional e estruturadora na cidade, o cenário atualmente constituído, em grande parte pelas
edificações que a margeia, carece de uma identidade capaz de criar um vínculo com a
população. O uso constante, mas rápido que caracteriza este corredor viário com excessivo
fluxo de transporte coletivo, impossibilita que o usuário tenha uma percepção espacial mais
profunda e absorva sutilezas na paisagem como, por exemplo, as poucas edificações
residenciais subsistentes, construídas entre 1940 e 1970, além daquelas que ainda
preservam em sua fachada características originais, embora se encontrem adaptadas, com
máscaras publicitárias, ou ainda em ruínas. Pelo contrário, no diário "ir" e "vir" saltam aos
olhos as edificações que destoam da paisagem, seja pela forma incomum, pela
desproporcionalidade, pelo uso notável. Essa situação instalada, em que edificações
padronizadas viram pontos de referência e as originais passam a não ser notadas, tende para
que a Avenida Epitácio Pessoa perca sua história ao longo da ação tempo e se torne cada vez
mais impessoal e genérica, restando poucos indícios do que existiu no passado, tornado
nossa pesquisa relevante para a história local.
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Considerações finais
A predominância de tais concepções de moradia, enfocadas em uma resolução satisfatória do
programa de necessidades, assinalam um momento de transformação do perfil e aspecto da
Avenida Epitácio Pessoa. Além da arquitetura, também são sinais dessa mudança a
pavimentação asfáltica com a criação de mais uma faixa de rolamento, devido ao fluxo de
carros que aumentava; e o surgimento de novos usos, cujo intuito era dar suporte a população
local, residente nos bairros adjacentes à avenida.
O significativo número de projetos voltados ao uso habitacional encontrados no Acervo
Central da Prefeitura Municipal de João Pessoa, datados das décadas de 1960 e 1970,
confirma a consolidação deste uso e da linguagem modernista, caracterizando a imagem do
percurso. Estes projetos encontrados em levantamento, em sua maioria, não podem mais ser
observados na avenida, nos fazendo supor que foram destruídos, ou tiveram suas formas
alteradas devido a outras funções que assumiram, ou mesmo, nunca foram concluídos. De
qualquer forma, validamos nossos "achados" por eles contarem um momento da história da
cidade até então pouco estudado, nos revelando várias soluções formais, funcionais e
técnicas experimentadas na época, que induziram a uma nova forma de viver.
Atualmente essas edificações sofrem com o descaso, degradação e descaracterização
ocasionada pela falta de proteção legal, e principalmente, por não serem reconhecidas como
um bem cultural que ajude a construir uma memória coletiva. Continuamente verificamos que
construções estandardizadas, que não contribuem nem para a sustentação da identidade da
via e nem para a formação cultural da população, assumem papel dominante e referencial na
paisagem, colaborando para uma lógica capitalista e padronizada de manutenção da cidade.
Considerando todas as questões expostas vemos que a Avenida Epitácio Pessoa é um eixo
de notável relevância para o funcionamento da cidade, merecendo, portanto, melhorias na
qualidade de sua imagem. É necessário um planejamento urbano que a trate com tanto
cuidado e atenção quanto outros bens tombados e áreas patrimoniais consagradas:
estabelecendo limites e padrões nos anúncios publicitários ao longo do percurso; implantando
melhorias na sua infraestrutura e qualidade da esfera pública; educando a população acerca
de sua história; destacando e requalificando as edificações antigas. Para tanto, são
indispensáveis estudos ainda mais profundos acerca da avenida, que registrem as
arquiteturas de outrora, abrangendo também, além das modernas, aquelas do tempo mais
pretérito como as moradas neocoloniais, os bangalôs e os sobrados construídos no Conjunto
Miramar, que embora não abordadas nesse artigo, também tem grande importância. Que se
valorize todas essas linguagens arquitetônicas do século XX as quais subsistem a duras
custas na avenida e se encontre um balanço entre o passado e presente, desenvolvendo-a de
forma equilibrada.
Referências
COSTA, Roberta Xavier da. Casa modernas na orla marítima de João Pessoa – 1960 a
1974. Dissertação (mestrado). Natal, 2011.
COUTINHO, Marco Antônio Farias. Evolução Urbana e Qualidade de Vida: O caso da
Avenida Epitácio Pessoa. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento em Meio Ambiente).
João Pessoa, 2004.
GALVÃO, Carolina Marques Chaves. Casa (moderna) brasileira: difusão da arquitetura
moderna em João Pessoa 1950-60’s. Dissertação (mestrado). São Carlos, 2012
LAVIERI, João Roberto; LAVIERI, Maria Beatriz Ferreira. Evolução urbana de João Pessoa
pós-60. In: GONÇALVES, Regina Célia et al. A questão urbana na Paraíba. João Pessoa:
Ed. Universitária/UFPB, 1999. (Coleção História Temática da Paraíba, v.3).p. 39-65.
LEMOS, Carlos A. C. História da Casa Brasileira. São Paulo: Contexto, 1996. (Repensando
a história).
PEREIRA, Fúlvio Teixeira de Barros. Difusão da arquitetura moderna na cidade de João
Pessoa (1956-1974). Dissertação de Mestrado. São Carlos, 2008.
SILVEIRA, José Augusto Ribeiro da. Percursos e processo de evolução urbana: o caso
da Avenida Epitácio Pessoa na cidade de João Pessoa-PB. Tese de Doutorado. Recife,
2004.
SOUSA, Alberto; VIDAL, Wylnna. Sete plantas da capital paraibana, 1858 – 1940. João
Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2010.
TRAJANO FILHO, Francisco Sales. Do rio ao mar. Uma leitura da cidade de João Pessoa
entre duas margens. Arquitextos, São Paulo, 07.078, Vitruvius, nov 2006. Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.078/298>. Acesso em: abr 2012.
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