ERA UMA VEZ

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ESTER
P A U L
L A W
ESTER
2ª edição
2009
Copyright © 2009 by Paulo Antonino Scollo Junior
Capa
Kmila Zaoldyeck
Diagramação
Fagner JB.
L415e
Law, Paul
Ester / Paul Law - Mogi Guaçu: 2009
128 p.: 15.24 x 22.86 cm
ISBN: 978-85-90986-40-9
1. Ficção brasileira. 2. Contos brasileiros .
I.
Título
CDD:
869
Todos os direitos reservados a Paulo Antonino Scollo Junior
[email protected]
Mogi Guaçu, SP – Brasil
Paulo, Maria de Lourdes e Giovanni, eterna família;
Para minha esposa Miriene;
Para minha filha Bárbara;
Aos amigos verdadeiros.
I
E RA
UMA VEZ
—P
or um acaso — perguntou Ester àquele
homem que encontrara em seu caminho —
sabe como faço para voltar para minha casa?
O homem surpreso pela pergunta e por ver alguém mais
além de si por ali, virou-se para a interrogadora:
— Onde moras? — baforou a fumaça do cigarro que
fumava.
— Moro na Rua das Seriemas! Na cidade — Ester
colocou a mão sobre os olhos para protegê-los do sol.
— Na cidade? Acho que não há nenhuma por estas
bandas.
A criança suspirou. Era uma menininha de oito anos e
de pele clarinha, já toda vermelha por causa do sol. Tinha o
vestido azulado com algumas rendas brancas, bem judiado
pelo tempo. Seus cabelos eram dourados, tecidos por cachos
grandes. Os olhos de um azul esverdeado e suas bochechas
bastante rosadas. Carregava consigo uma boneca de louça de
madeixas lisas e amareladas cujo nome era Amélia:
— Mas eu sei quem pode ajudá-la — o homem jogou a
PAUL LAW
bituca do cigarro no chão árido e pisou sobre ela. — O
Mascate Zeca vende de tudo e certamente terá um Caminho
Para Casa que possa vender a você.
Ester se alegrou como da oportunidade em que avistara
aquele pálido e magro senhor:
— Oh! Que maravilha! Onde eu encontro este tal
mascate? — depois de dizer, refletiu — E o que é um
mascate?
— Começando pela sua última pergunta, Mascate é toda
pessoa que vive do comércio! Aqueles que vendem as coisas,
entende?
A menininha assentiu com toda a sua atenção, mas
então, antes que sua primeira pergunta fosse respondida
ouviu-se passos firmes. Ester colocou a mão sobre os olhos
mais uma vez e fitou um pequeno exército que se
aproximava. Eles vestiam vermelho e lembravam muito
soldadinhos de chumbo. O homem pálido que agora parecia
desolado procurou outro cigarro em sua camisa rasgada:
— Lá vêm eles.
— São seus amigos? — Ester quis saber.
— Não — o homem acendeu outro cigarro. — Eles são
soldados. Estão aqui para me matar de novo — baforou.
Ester colocou a mão nos lábios, assustada:
— Matar você? Por que não foge?
— De que me adiantaria? Se escapar hoje, amanhã não
terei a mesma sorte. Morro uma vez por dia.
— Que fez para merecer esse castigo?
O homem magro e pálido tinha os cabelos castanhos e
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pintados pela poeira. Suas vestes, que estavam em farrapos,
consistiam em uma camisa xadrez velha e uma calça jeans
desbotada. Tinha 40 anos, ou um pouco mais e os olhos
castanhos cansados.
— Morrer todos os dias é a pena que recebi por ter
cometido um crime — respondeu ele.
Ester não pôde entender o que significava crime e nem
pena. Sabia que era algo muito ruim, tirando por base a cara
de leite azedo que seu novo amigo tinha feito:
— Venha comigo! Vamos fugir — a menina agarrou o
braço do homem.
— Não vai adiantar.
— Claro que vai! — a pequena criança forçou para
arrastar o desanimado — Corra!
Os solados de vermelho que estavam mais próximos
sacaram seus rifles de forma sincronizada e ao mesmo
tempo em que marchavam, miraram para a dupla que
pretendia fugir. Ao som dos disparos das armas de fogo,
Ester e seu novo amigo dispararam deserto adentro em fuga.
Como os soldados andavam apenas em ritmo de marcha
militar, com um pouco de esforço, conseguiram escapar.
Os pezinhos de Ester que batiam com força sobre o solo
árido daquela região, seguidos pelos do homem que deveria
morrer todos os dias, não descansaram até que não se ouviu
mais nenhum disparo e nem o som das botinas dos soldados.
— Estamos salvos! — a criança olhou para trás e não viu
nenhum inimigo. — Que bom.
— Passarei a noite vivo dessa vez — sorriu o homem.
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— Como chamas? Estamos a conversar e ainda não sei o
seu nome.
— Minha graça é Baltazar e a sua?
— Chamo-me Ester; como minha falecida avó se
chamava.
— Falecida? Por quantas vezes?
— Ah não! De onde venho, falece-se apenas uma vez...
— Entendo — fez-se uma pausa de alguns segundos. —
Como me ajudou a escapar dos soldados eu vou levá-la até o
Mascate! — Baltazar mesmo quebrou a quietude.
Ester havia se esquecido! O Mascate Zeca poderia lhe
ajudar a voltar para casa. Baltazar disse que ele poderia
vender-lhe um caminho de volta, agora lembrara:
— Sim, Baltazar! Eu ficaria imensamente grata!
O homem magro sorriu e balançou sua cabeça:
— Pois então me siga!
O Deserto onde a menina Ester tinha encontrado
Baltazar era um local muito estranho. De dia era muito
quente e durante a noite, muito frio. Não havia árvores,
casas ou pessoas por aquelas bandas. Existiam apenas
montes e montes de areia, um maior que o outro. Ester
chamou-os de colinas de areia. Não era possível saber para
onde deveria se seguir, pois todos os caminhos pareciam
levar a lugar algum. Contudo, Baltazar sabia bem para onde
seguir, notou Ester. Ele tinha convicção em seus passos,
como se vivesse por ali por muito tempo, bem diferente dela.
Quando o sol ia se escondendo por entre as colinas de areia,
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Baltazar parou:
— Veja, Ester! O pôr-do-sol! Faz tempo que não vejo
um. Sempre estou morto quando ele acontece.
Então Ester e Baltazar ficaram ali por alguns minutos
até que o sol se escondesse por completo e o frio substituísse
o calor escaldante. Tudo da noite para o homem pálido era
maravilhoso, dado o tempo que ficara sem ver aquelas
coisas. Comentava com Ester todas aquelas belezas
enquanto caminhava para o local onde estava o Mascate.
Dizia da lua, das estrelas, do acinzentado das cores pela falta
de luz e do barulho do vento.
— Brrrrr, estou com frio! — a menina agarrou seus
ombrinhos.
— O Deserto é assim durante a noite!
— Não sente frio?
— Sinto! Mas gosto de senti-lo! Faz tempo que não o
sentia por estar morto.
— Você é maluco — Ester franziu a testa.
Baltazar sorriu e depois continuou:
— Caminhamos por muito tempo! Acho que podemos
ficar por aqui para descansarmos para a caminhada de
amanhã. Está muito escuro e frio para continuar — Baltazar
colocou a mão em cima da cabeça amarela de Ester.
— Está bem! — assentiu a menina.
— Estou ansioso para dormir! Faz muitos anos que não
sei o que é dormir!
— Eu bem sei! Você está sempre morto quando é
chegado o momento de dormir — Ester imitou Baltazar
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PAUL LAW
falando.
— Isso mesmo!
O homem magro deitou sobre a areia quente daquele
deserto e fechou os olhos:
— Deite-se na areia! Apesar do frio provocado pelo
vento, o chão ainda está quente por causa do calor do dia.
A menina fez o que Baltazar tinha lhe dito:
— Que delícia! Está tão quentinha essa areia! — ela se
enfiou por de baixo de um montinho de areia.
— Boa noite, criança! — disse o homem por fim.
Ester lhe respondeu:
— Boa noite.
Então os olhos se tornaram pesados demais e a dupla
dormiu ali sob a guarda das estrelas e sob o calor da areia.
Ester infelizmente não pôde dormir por muito tempo, pois
uma voz fininha lhe chamou do mundo dos sonhos.
— Ester! Acorde! — dizia.
A menina abriu um olho e fez uma careta de sono. Aos
poucos a imagem de sua boneca de louça foi se fazendo em
pé, em frente às suas vistas. Ester distinguiu o vestido
avermelhado e de rendas brancas de Amélia que sacudia
com o vento.
— Ester, vamos brincar! — a boneca cruzou os braços —
Desde que nos perdemos de casa você não brinca comigo.
— Desculpe, Amélia! Ando preocupada por estar longe
de casa. Por que não dorme como Baltazar?
— Bonecas não dormem! — Amélia fez uma careta —
Nós brincamos!
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— Ah, Amélia! Estou cansada! Andei o dia todo, não
quero brincar com você.
— Você não gosta mais de mim, Ester! — Amélia saiu
correndo pela areia daquele deserto.
— Não é isso! Amélia volte aqui!
Ester afastou a areia que cobria o seu corpo e se
levantou apressada. Correu atrás da sua boneca deserto
adentro.
— Volte aqui! — gritou a menina.
Ao longe, Ester viu a boneca parada perto de uma
mulher. Ao se aproximar, a garota pôde notar que se tratava
de uma moça muito bonita, tinha os cabelos muito lisos e
compridos, extremamente negros. Vestia branco e estava
descalça. Mais perto, Ester parou de correr e viu que a
mulher tinha o rosto ameno e o olhar de um azul que se
parecia muito com cinza.
— Boa noite! — disse a menina. — Desculpe incomodála, mas minha boneca saiu correndo e vim buscá-la!
— Boa noite! — disse a mulher com desdém. — É um
prazer receber vocês aqui no Deserto — a mulher suspirou e
fitou as estrelas.
— O prazer é todo meu! Por um acaso você sabe como
faço para voltar para casa? Baltazar está me ajudando, mas
talvez você possa ser mais eficiente que ele! Não sei como
vim parar aqui.
Mas a mulher continuou a fitar as estrelas como se não
tivesse ouvido uma só palavra do que Ester tinha dito.
— A senhora parece tão estranha. Fala que é um prazer
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