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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA
PROGRAMA DE MESTRADO EM BIOCIÊNCIAS E SAÚDE
LILIAN TANIA AMORIM
HIV/AIDS NO MEIO-OESTE DE SANTA CATARINA:
COMORBIDADES, PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO.
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Joaçaba
2015
LILIAN TANIA AMORIM
HIV/AIDS NO MEIO-OESTE DE SANTA CATARINA:
COMORBIDADES, PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO.
“Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Biociências e Saúde, como
requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em Biociências e Saúde da
Universidade do Oeste de Santa Catarina.”
Orientador: Prof. Dr. Bruno Schlemper Junior
Joaçaba
2015
LILIAN TANIA AMORIM
HIV/AIDS NO MEIO-OESTE DE SANTA CATARINA:
COMORBIDADES, PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO.
Esta dissertação foi julgada e aprovada como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Biociências e Saúde no Programa de Mestrado em Biociências e
Saúde da Universidade do Oeste de Santa Catarina
Joaçaba, 12 de fevereiro de 2016.
_______________________
Prof. Dr. Jovani Stefani
Coordenador do Programa
BANCA EXAMINADORA
___________________________
Prof. Dr. Bruno Schlemper Junior
Orientador
___________________________
Prof. Dr. Elcio L. Bonamigo
Examinador Interno
___________________________
Profa. Dra. Vilma Beltrame
Examinadora Interna
___________________________
Prof. Me. Osvaldo Vitorino Oliveira
Examinador Externo
Dedico este trabalho aos pacientes
que dividiram comigo suas angústias
e temores, sem os quais este
trabalho não seria possível.
AGRADECIMENTOS
À Maria Fernanda, Ana Carolina e Alice, meus maiores tesouros.
Aos meus pais, a quem devo tudo.
Às minhas irmãs, Dirce e Leila, pelo apoio e amizade incondicionais.
Ao professor Bruno, por dividir comigo seus conhecimentos e tornar meu
sonho uma realidade.
Aos professores, por compartilharem suas experiências e nos mostrarem
novos caminhos.
Ao professor Jovani, por me fazer acreditar que seria possível.
Aos colegas, pela alegria e companheirismo.
Às funcionárias do Centro de Testagem de aconselhamento, pelo exemplo de
trabalho competente e humanizado.
À Secretária Marli, pela ajuda inestimável.
“Nunca é tarde para iniciarmos uma nova jornada”.
RESUMO
O HIV/AIDS continua sendo um sério problema de saúde pública. No ano de 2012,
ocorreram 2,3 milhões de novos casos em todo o mundo, e essa infecção foi
responsável por 1,6 milhão de mortes. O estigma e a discriminação relacionados à
doença são um aspecto importante a ser considerado, pois causam grande
sofrimento psíquico e são responsáveis por atraso no diagnóstico com consequente
piora no prognóstico. Este trabalho tem como objetivo avaliar os aspectos clínicos e
epidemiológicos, as coinfecções e comorbidades mais prevalentes e o preconceito e
a discriminação sofridos pelos pacientes soropositivos atendidos em um serviço
público de referência no Meio-Oeste de Santa Catarina. Para os dois primeiros
objetivos, foram analisados os prontuários clínicos dos 143 pacientes em
acompanhamento efetivo no CTA do município de Joaçaba, SC, no período de
dezembro de 2014 a setembro de 2015. Para avaliar os aspectos referentes ao
preconceito/discriminação, foram entrevistados 92 desses pacientes e todos os
profissionais médicos, enfermeiros e dentistas que trabalhavam nas Unidades
Básicas de Saúde do referido município, no período em questão. Os resultados
mostraram um predomínio de pacientes do sexo masculino, brancos, casados ou em
união estável, com baixa escolaridade e com idade entre 31 e 50 anos. A forma de
transmissão mais prevalente foi a heterossexual. Todos os pacientes em
acompanhamento estavam em uso de terapia antirretroviral e 66,55% apresentaram
carga viral indetectável no último exame realizado. Coinfecção com hepatite C
ocorreu em 3,5% da amostra, hepatite B em 2,1%, sífilis em 4,2% e tuberculose em
4,9%. Infecções oportunistas ocorreram em 38,46% da amostra e as mais
prevalentes foram Herpes Zoster, Diarreia e Emagrecimento, Moníliase oral e
Esofagiana e Pneumonias. Entre os pacientes entrevistados, 19,57% foram
discriminados por profissionais de saúde, 47,83% por colegas de trabalho, familiares
e amigos e 91,30% declararam que o fato de ser soropositivo foi um determinante
negativo para sua qualidade de vida. O medo da discriminação foi o principal motivo
para esconder a doença. Médicos e técnicos de enfermagem foram os profissionais
que mais discriminaram e o maior número de atitudes discriminatórias ocorreu nas
Unidades Básicas de Saúde. Os profissionais de saúde entrevistados eram, em sua
maioria, do sexo feminino, com idade entre 21 e 40 anos e com menos de 10 anos
de atividade profissional; 33,33% deles admitiram sentir desconforto ao prestar
atendimento aos pacientes soropositivos, 40,74% referiram usar medidas extras de
biossegurança ao realizar procedimentos nesses pacientes e 7,41% se recusariam a
prestar atendimento a eles, caso fosse possível. A análise dos dados mostrou que a
doença é prevalente, ainda existe desconhecimento das formas de contágio e
alguns profissionais de saúde não estão preparados para atender os pacientes
soropositivos.
Palavras-chave: HIV, AIDS, Comorbidade, Coinfecção, Preconceito, Discriminação.
ABSTRACT
HIV/AIDS still remains a health problem. In 2012 2.3 million new cases were
diagnosed and 1.6 million persons died due to the disease. The prejudice related to it
should be taken into account, because it is responsible for great psychological
suffering and delay in the diagnoses leading to worst prognosis. This project aims to
evaluate clinical and epidemiological aspects, the most prevalent coinfections and
opportunistic diseases, and the prejudice suffered for seropositive patients treated at
the reference service in the middle east of Santa Catarina. 143 clinical files were
analyzed between December of 2014 and September of 2015 to collect clinical and
epidemiological data. 92 patients were interviewed to evaluate prejudice related
aspects. Results showed that most of the patients were men, white, married, low
education level, and aging between 31 and 50 years. The most prevalent form of
disease transmission was heterosexual. All patients were under antiretroviral therapy
and 66.55% of them presented undetected viral load in the last test. Regarding the
coninfections 4.9% were with hepatitis C, 2.1% with hepatitis B, 4.2% with syphilis
and 4.9% with tuberculosis. 38.46% of the patients presented opportunistic diseases.
19.57% of the interviewed patients have suffered prejudice and 91.30% considered
being HIV positive negative to their quality of life and a reason to not disclose their
status. Physicians, nursing technicians and dentists showed the highest level of
prejudice. The health professionals were mainly females, aging between 21 and 40
years and with less than 10 years of work. 33.33% of them confirmed some
discomfort when dealing with HIV positive patients, 40.74% used extra security
measures when treating these patients and 7.41% would refuse treatment to
seropositive individuals. In conclusion the disease remains highly prevalent, the
forms of transmission remain unknown and the health professionals are not prepared
to deal with this patients.
Keywords: HIV, AIDS, Comorbity, Coinfection, Prejudice, Discrimination.
LISTA DE ABREVIATURAS
AIDS
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Sigla em Inglês)
ART
Anti Retroviral Therapy
AZT
Zidovudina
CDC
Centers for Disease Control and Prevention
COAS
Centros de Orientação e Apoio Sorológico
CTA
Centro de Testagem e Aconselhamento
DSTs
Doenças Sexualmente Transmissíveis
FDA
Food and Drug Administration
GRI
Gay-Related Immune Deficiency
HAART
Highly Active Antiretroviral Therapy
HBV
Hepatite B vírus
HCV
Hepatite C vírus
HIV
Human immunodeficiency virus
HSH
Homens que fazem Sexo com Homens
LER
Lesão por Esforço Repetitivo
SIM
Sistema de Informação sobre Mortalidade
SINAN
Sistema de Informação de Agravos de Notificação
SUS
Sistema Único de Saúde
TARVAE
Terapia antirretroviral de alta eficácia
UDI
Usuários de Drogas Injetáveis
UNAIDS
United Nations Program on HIV/AIDS
WHO
World Health Organization
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
Perfil epidemiológico dos pacientes HIV/AIDS atendidos no
CTA/Joaçaba/SC, no período de dezembro de 2014 a setembro
de 2015, por sexo, idade, cor e estado civil..................................
Tabela 2
45
Perfil epidemiológico dos pacientes HIV/AIDS atendidos no
CTA/Joaçaba/SC, no período de dezembro de 2014 a setembro
de 2015, por escolaridade e situação profissional........................
Tabela 3
46
Características clínicas dos pacientes HIV/AIDS atendidos no
CTA de Joaçaba/SC no período de dezembro de 2014 a
setembro de 2015, conforme o tempo de diagnóstico, uso de
terapia anterretroviral, tempo de medicação e mecanismo de
infecção.......................................................................................... 46
Tabela 4
Carga viral dos pacientes HIV/AIDS registrados nos prontuários
de 143 pacientes atendidos no CTA de Joaçaba/SC no período
de dezembro de 2014 a setembro de 2015, no momento do
diagnóstico e na atualidade..........................................................
Tabela 5
47
Valores de CD4 dos pacientes atendidos no CTA/Joaçaba/SC
no período de dezembro de 2014 a setembro de 2015 no
momento do diagnóstico e na atualidade....................................
Tabela 6
47
Frequência absoluta e relativa de infecções oportunistas
registradas nos prontuários de 143 pacientes com HIV/AIDS
atendidos no CTA/Joaçaba/SC no período de dezembro de
2015 a setembro de 2015..............................................................
Tabela 7
48
Frequência absoluta e relativa de coinfecções registradas nos
prontuários de 143 pacientes HIV/AIDS atendidos no CTA de
Joaçaba/SC no período de dezembro de 2014 a setembro de
2015..............................................................................................
Tabela 8
49
Perfil sociodemográfico dos 27 profissionais de saúde das
Unidades Básicas de Saúde de Joaçaba/SC entrevistados,
sobre preconceito/discriminação aos pacientes HIV/AIDS............ 53
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1
Prevalência de infecções oportunistas em relação à carga
viral no momento do diagnóstico de 143 pacientes
HIV/AIDS em acompanhamento no CTA de Joaçaba/SC no
período de dezembro de 2014 a setembro de 2015.............
Gráfico 2
48
Prevalência de infecções oportunistas em relação à
contagem de células CD4 no momento do diagnóstico de
143 pacientes HIV/AIDS em acompanhamento no CTA de
Joaçaba/SC no período de dezembro de 2014 a setembro
de 2015.................................................................................
Gráfico 3
49
Frequência relativa em 92 pacientes HIV/AIDS em
acompanhamento no CTA de Joaçaba/SC e que relatam
ter sofrido algum tipo de discriminação nos serviços de
saúde....................................................................................
Gráfico 4
50
Frequência relativa dos serviços de saúde em que os 92
pacientes HIV/AIDS em acompanhamento no CTA de
Joaçaba/SC relatam terem sido discriminados...................... 51
Gráfico 5
Frequência
relativa
de
92
pacientes HIV/AIDS
em
acompanhamento no CTA de Joaçaba/SC e que relatam
algum tipo de preconceito em outros setores da sociedade.. 51
Gráfico 6
Frequência
relativa
de
92
pacientes HIV/AIDS
em
acompanhamento no CTA de Joaçaba/SC e que relatam
sofrer preconceito em seus locais de Trabalho...................
Gráfico 7
52
Frequência relativa de 92 pacientes que consideram que
“ser soro positivo” é um fator determinante negativo para a
sua qualidade de vida............................................................
Gráfico 8
52
Frequência relativa de 27 profissionais de saúde das
Unidades Básicas de Saúde de Joaçaba/SC entrevistados
sobre preconceito/discriminação a pacientes HIV/AIDS e
que admitiram sentir desconforto ao prestar atendimento a
essas pessoas.......................................................................
54
Gráfico 9
Frequência relativa dos 27 profissionais de saúde das
Unidades Básicas de Saúde de Joaçaba/SC entrevistados
sobre preconceito/discriminação a pacientes HIV/AIDS e
que admitiram usar medidas extras de biossegurança
durante o atendimento a essas pessoas...............................
Gráfico 10
54
Frequência relativa dos 27 profissionais de saúde das
Unidades Básicas de Saúde de Joaçaba/SC entrevistados
sobre preconceito/discriminação a pacientes HIV/AIDS e
que já observaram alguma atitude discriminatória aos
pacientes soropositivos por parte de membros das equipes
de saúde................................................................................
Gráfico 11
55
Frequência relativa dos 27 profissionais de saúde das
Unidades Básicas de Saúde de Joaçaba/SC entrevistados
sobre preconceito/discriminação a pacientes HIV/AIDS e se
revelariam seu diagnóstico para os colegas de trabalho
caso fossem soropositivos para o vírus HIV .......................
Gráfico 12
55
Frequência relativa de 27 profissionais de saúde das
Unidades Básicas de Saúde de Joaçaba/SC entrevistados
sobre preconceito/discriminação a pacientes HIV/AIDS e se
concordam ou não que os soropositivos são discriminados
nos serviços de saúde.........................................................
Gráfico 13
56
Frequência relativa dos 27 profissionais de saúde das
Unidades Básicas de Saúde de Joaçaba/SC entrevistados
sobre preconceito/discriminação a pacientes HIV/AIDS e
sua opinião sobre recusar ou não em atender pacientes
soropositivos,
se
possível
biossegurança
durante
o
medidas
extras
atendimento
a
de
essas
pessoas.................................................................................
56
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO .........................................................................................13
2
OBJETIVOS .............................................................................................17
2.1
OBJETIVO GERAL ...................................................................................17
2.2
OBJETIVOS ESPECÍFICOS.....................................................................17
3
REFERENCIAL TEÓRICO .......................................................................18
3.1
A DOENÇA ...............................................................................................18
3.2
INFECÇÕES OPORTUNISTAS ................................................................23
3.3
COINFECÇÕES .......................................................................................30
3.4
O ESTIGMA E A DISCRIMINAÇÃO .........................................................34
4
MATERIAL E MÉTODOS .........................................................................42
4.1
ETAPAS DA PESQUISA ..........................................................................42
4.1.1
Pacientes com HIV/AIDS- Dados sociodemográficos e estudo
clínico sobre infecções oportunistas ...................................................42
4.1.2
Estudo sobre preconceito/discriminação sofrido pelos pacientes ....43
4.1.3
Estudo sobre preconceito/discriminação entre os profissionais
de saúde ..................................................................................................43
4.2
ANÁLISE ESTATÍSTICA...........................................................................43
5
RESULTADOS .........................................................................................45
5.1
RESULTADOS DA ANÁLISE DOS PRONTUÁRIOS CLÍNICOS ..............45
5.2
RESULTADOS DAS ENTREVISTAS COM OS PACIENTES...................50
5.3
RESULTADOS DAS ENTREVISTAS COM OS PROFISSIONAIS DE
SAÚDE .....................................................................................................53
6
DISCUSSÃO ............................................................................................57
7
CONCLUSÕES ........................................................................................66
8
CONSIDERAÇÕES EM RELAÇÃO À INTERDISCIPLINARIDADE ........68
REFERÊNCIAS ........................................................................................70
APÊNDICES .............................................................................................89
13
1 INTRODUÇÃO
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) é causada pelo Vírus da
Imunodeficiência Humana (HIV), um Lentivirus da família Retroviridae, que pode causar
muitas doenças neurológicas e imunológicas; 85% dos casos diagnosticados em
humanos são determinados pelos tipos HIV-1 e HIV-21. Até hoje a origem desses dois
tipos de vírus permanece desconhecida, mas alguns autores acreditam que os dois
entraram na população humana como uma zoonose2, 3, 4. Os primatas africanos são os
grandes reservatórios naturais da doença com possibilidade de infectar outras
espécies1.
Os primeiros casos no Brasil foram diagnosticados na década de 1980 e a
doença disseminou-se muito rapidamente causando uma epidemia, inicialmente
entre homens homossexuais. Nos dias atuais, mesmo com a identificação do agente
etiológico, das formas de transmissão e de todos os avanços relacionados à
prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento, a AIDS continua sendo um grave
problema de saúde pública em todo o mundo. No Brasil, segundo dados do
Ministério da Saúde, no ano de 2012, aproximadamente, 46 mil pessoas portadoras
da doença foram atendidas pela primeira vez nos centros de atendimento
especializado e 313 mil pacientes receberam medicamentos antirretrovirais pelo
Sistema Único de Saúde (SUS). A taxa de incidência em nível nacional no ano de
2011 foi de 20,2 por 100.000 habitantes. Neste mesmo ano, no estado de Santa
Catarina, essa incidência foi de 36,4 por 100.000 habitantes 5.
A AIDS é definida como uma epidemia complexa que se manifesta de formas
diferentes de acordo com as características socioeconômicas dos países. O Brasil
teria uma epidemia dita concentrada, que se caracteriza por ter uma prevalência
maior que 5% em um ou mais dos chamados grupos de risco, mas com prevalência
menor que 5% nas gestantes atendidas em clínicas de pré-natal. A epidemia sofreu
grandes transformações ao longo do tempo. No início, tratava-se de uma doença
que atingia homens com comportamento homossexual ou bissexual (71% dos casos
em 1984), com maior poder econômico e restrita aos grandes centros urbanos. Hoje
ocorre um aumento progressivo de casos em mulheres devido ao aumento da
transmissão heterossexual. Ao mesmo tempo, observa-se a interiorização e
14
pauperização da epidemia com notificação crescente de casos em municípios de
pequeno porte e entre a população de menor escolaridade6.
O primeiro caso de AIDS notificado em Santa Catarina foi o de um paciente
masculino na cidade de Chapecó no ano de 1984. Pelos dados do TabNet, o
primeiro caso de paciente do sexo feminino ocorreu em 1987. No início, a razão era
de cinco casos masculinos para um feminino; no entanto, com o aumento da
transmissão heterossexual, essa relação passou a ser de um para um. A
transmissão entre os usuários de drogas injetáveis diminuiu devido às campanhas
de prevenção e a transmissão vertical diminuiu drasticamente com o aumento da
cobertura das ações de prevenção durante o pré-natal. As taxas de incidência e de
mortalidade no estado de Santa Catarina são maiores que as nacionais, o que pode
ser explicado pelo diagnóstico tardio, baixa adesão ao tratamento e à profilaxia de
doenças oportunistas e dificuldade de acesso ao acompanhamento especializado 7.
Santa Catarina faz parte da rota do tráfico de drogas no sul do país; por isso,
no início da epidemia, houve um número expressivo de casos entre usuários de
drogas injetáveis. Isso ocorreu pela grande oferta de drogas que existe nos
municípios do litoral que ficam próximos aos principais portos e aeroportos do
estado por onde escoam as drogas comercializadas pelo crime organizado. Esses
municípios litorâneos são os que apresentam as maiores taxas de incidência até os
dias atuais. Nos anos subsequentes, com as medidas de prevenção e redução de
danos, essa forma de contaminação teve uma redução drástica. A lei n. 11.063, de
28 de dezembro de 1998, autorizou a Secretaria Estadual de Saúde a comprar e
distribuir seringas e agulhas descartáveis, o que foi decisivo para manter a
disseminação entre os usuários de drogas injetáveis em níveis mais baixos 8.
Em Santa Catarina, no período de 1984 a 2011, a principal categoria de
exposição foi a heterossexual, responsável por 62% dos casos. O maior número de
casos ocorreu na faixa etária de 20 a 49 anos de idade. A taxa de incidência
apresentou crescimento até o ano de 2002, teve uma queda nos anos de 2003 a
2005 e voltou a subir em 2006. Atualmente a epidemia atinge quase a totalidade dos
municípios do estado; até o ano de 2011, 86% dos municípios catarinenses tinham
notificado pelo menos um caso da doença 9.
Entre 1984 e 2014, foram detectados 37.747 casos de AIDS em Santa
Catarina e a doença causou 10.710 mortes. No ano de 2014, a taxa de detecção foi
de 39,4/100 mil habitantes, número ligeiramente maior que o registrado no ano
15
anterior (34,3/100 mil habitantes). Neste mesmo ano, foram notificados 2.649 novos
casos e ocorreram 676 óbitos. Pelos dados do Ministério da Saúde (Tabnet), os
primeiros dois casos de AIDS no município de Joaçaba foram notificados no ano de
1992. Desde então, já são 88 casos confirmados10.
Desde o início da epidemia, a sociedade demonstrou reações negativas em
relação às pessoas infectadas pelo HIV, que passaram a receber um tratamento
hostil no momento em que mais necessitavam de suporte social. O estigma não está
relacionado apenas ao fato de ser uma doença desconhecida, extremamente
contagiosa
e
fatal,
mas,
sobretudo,
por
atingir
grupos minoritários cujo
comportamento é considerado inconveniente pela sociedade. Homens que fazem
sexo com homens, profissionais do sexo e usuários de drogas injetáveis foram os
mais atingidos pela epidemia nos primeiros anos. A relação era tão estreita com
homossexuais que o primeiro nome sugerido para essa síndrome foi Gay-Related
Immune Deficiency (GRI)11.
A AIDS trouxe ao mundo não apenas uma doença incurável que causa pânico
na população, mas, também, um desafio que exige uma reavaliação de conceitos e
comportamentos. Ela obrigou a sociedade brasileira a discutir sobre desigualdades,
preconceitos, falência dos sistemas de saúde, injustiça e fragilidade das relações
pessoais. Ela fez entender que tão importante como combater o vírus é combater o
preconceito imposto pela sociedade ao paciente soropositivo que se mantém até
hoje, quase trinta anos depois do início da epidemia12.
Outro ponto a ser considerado na epidemia de AIDS é o atraso no diagnóstico
e no início do tratamento, fato este que aumenta a incidência de doenças
oportunistas. Uma revisão bibliográfica ampla sobre doenças oportunistas mostrou
que, apesar de ter ocorrido uma diminuição drástica da incidência de pneumonia por
P. jirovecii, toxoplasmose cerebral e doenças pelo complexo Mycobacterium avium
após a introdução da terapia antirretroviral de alta atividade, elas continuam sendo a
maior causa de internação entre os pacientes com AIDS. Isso ocorre devido ao
atraso no diagnóstico e no início do cuidado e a não aderência ao tratamento, o que
facilita o surgimento de resistência viral. Os autores referem ainda que os dados no
Brasil sobre as comorbidades são escassos e que pesquisas nessa área são
urgentemente necessárias para que se estabeleçam políticas públicas de saúde que
visem diminuir as complicações nos pacientes soropositivos 13.
16
O primeiro produto para a testagem contra o HIV foi liberado pela Food and
Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos em 198514. Em 1986, o Estado de
São Paulo aprovou a Lei 5/90 de 20/06/1986, que tornava obrigatória a triagem
sorológica para o HIV em todos os bancos de sangue daquele estado. Somente dois
anos mais tarde a triagem tornou-se obrigatória em todo o território brasileiro. Os
Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA) começaram a ser organizados no
país a partir de 1987. No início eram conhecidos como Centros de Orientação e
Apoio Sorológico (COAS). O primeiro a entrar em funcionamento foi o de Porto
Alegre, RS, em 1989. A partir de 1994, o Ministério da Saúde firma convênio com o
Banco Mundial para estimular a implantação de CTAs em todo o território nacional 15.
O Centro de Testagem e Aconselhamento de Joaçaba foi criado por
intermédio do convênio n. TC222/96, firmado entre o município e o Programa
Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde aprovado no dia 7 de novembro de
1996. Em 2003 o município foi habilitado para desenvolver atividades de prevenção
e atendimento aos pacientes HIV/AIDS e portadores de hepatites virais como
referência regional. Desde sua criação até 09/09/2014, o CTA realizou 10.587 testes
sorológicos para o vírus. De todos os pacientes acompanhados neste serviço até
setembro de 2014, foram a óbito 15 homens e 19 mulheres. Atualmente, estão em
acompanhamento 143 pacientes de 19 municípios da região do Meio-Oeste de
Santa Catarina.
Em nossa experiência pessoal na prática médica diária em unidade de saúde
no Meio-Oeste Catarinense, observa-se um aumento de casos de HIV/AIDS e de
outras doenças sexualmente transmissíveis, como sífilis e blenorragia, fato que
corrobora com a hipótese de que, apesar de todas as informações divulgadas pela
mídia e pelos órgãos de saúde, a população não tem adotado as medidas
preventivas necessárias contra as doenças sexualmente transmissíveis.
17
2 OBJETIVOS
2.1 OBJETIVO GERAL
Identificar o perfil clínico dos pacientes portadores de HIV/AIDS e as possíveis
atitudes discriminatórias sofridas durante atendimentos nos serviços de saúde.
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
 Analisar as características sociodemográficas dos pacientes portadores do
vírus HIV/AIDS estudados;
 identificar
as
principais
comorbidades
apresentadas
pelos
pacientes
portadores do vírus HIV/ADS;
 determinar a prevalência de atitudes discriminatórias por parte dos
profissionais de saúde durante o atendimento nos serviços de saúde aos
pacientes portadores do vírus HIV/AIDS;
 conhecer e analisar a percepção dos profissionais de saúde entrevistados
quanto à discriminação dos pacientes soropositivos em seus locais de
trabalho.
18
3 REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 A DOENÇA
Os primeiros casos de AIDS foram descritos em 1981, nos Estados Unidos,
quando se observou um número crescente de casos de pneumonia por
Pneumocystis jirovecii e sarcoma de Kaposi em pacientes homossexuais masculinos
previamente hígidos. Essa doença, que ficou conhecida como Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida, é causada pelo vírus Human immunodeficiency vírus
(HIV), identificado em 1983. A disputa pela paternidade da descoberta entre
pesquisadores franceses e americanos arrastou-se até 1991 quando ficou evidente
que as cepas usadas pelos dois grupos eram idênticas e o crédito da descoberta foi
dado ao grupo Francês16. Esse vírus é hoje conhecido como HIV-1 e é o
responsável pela maioria de casos de infecção em todo o mundo. O HIV-2 é uma
variante que tem uma diferença de até 50% na composição de seu genoma e foi
isolado de amostras obtidas de dois pacientes africanos e enviadas ao instituto
Pasteur por médicos portugueses; sua incidência é restrita a algumas regiões da
parte oeste da África Central 1.
Muitos autores admitem que o homem não seja o hospedeiro natural do vírus
HIV e que a infecção nos humanos foi resultado de uma zoonose transmitida por
primatas africanos – os maiores reservatórios de lentivirus com capacidade para
infectar outras espécies.
Estudos mostram que o genoma do vírus da
imunodeficiência em símios tem alto grau de homogeneidade com os vírus HIV,
sendo que a semelhança é maior com o HIV-12,3,4. Esses vírus apresentam grande
capacidade de adaptação ao meio ambiente humano e, em sua replicação, sofrem
inúmeros erros, o que determina uma série de mutações que podem ocorrer por
substituições genéticas, deleções, recombinações, repetições ou inserções. Essa
enorme variabilidade do vírus HIV tem grandes implicações tanto para o diagnóstico
laboratorial quanto para o tratamento e ainda é a maior barreira para o
desenvolvimento de uma vacina17,18.
A infecção pelo HIV inicia com uma fase aguda, passa por uma fase de
latência e, por fim, o paciente pode apresentar as chamadas doenças definidoras e
evoluir para a morte. O tempo médio entre o contágio e o aparecimento dos
19
sintomas é de cerca de 10 anos. A fase aguda vai desde o contágio até o
aparecimento dos anticorpos (soroconversão), o que geralmente ocorre na quarta
semana após a contaminação. Nessa fase, a viremia é muito elevada e o indivíduo
altamente infectante. Os sintomas são os mesmos de outras viroses, o que dificulta
o diagnóstico. Na fase de latência, o exame físico costuma ser normal e o paciente
não apresenta sintomas. Pode ocorrer linfadenopatia e algumas alterações
laboratoriais, mas sem repercussão clínica. À medida que a infecção progride e o
sistema imunológico vai se deteriorando, os sintomas constitucionais como febre,
emagrecimento e diarreia tornam-se mais frequentes. Candidíase oral é um
marcador precoce da imunodepressão. Nessa fase, a contagem de CD4 costuma
estar entre 200 e 300 células/mm3 19.
Em 2012, 35 milhões de pessoas estavam vivendo com o HIV no mundo, 67%
na África Sub-Sahariana. Neste mesmo ano, 2,3 milhões de pessoas foram
infectadas e ocorreu 1,6 milhões de mortes causadas pela AIDS20. Conforme dados
do Ministério da Saúde, neste mesmo ano, foram notificados 46.000 mil novos casos
de HIV no Brasil. Os casos acumulados no país entre 1980 e 2012 atingiram a cifra
de 656.701. A taxa de incidência, de forma geral, vem caindo no país, mas com
grandes diferenças entre as regiões. Enquanto no sudeste há uma importante
tendência de queda, nas demais regiões o número de novos casos aumenta
progressivamente. Rio Grande do Sul e Santa Catarina são os estados com maior
número de casos novos no país, 41,4 e 33,5/100.000 habitantes, respectivamente.
Em nível de Brasil, a taxa de incidência é de 20,2/100.000 habitantes5.
Os esforços para o controle da epidemia em nosso país estão concentrados
no diagnóstico precoce e no tratamento das pessoas vivendo com HIV/AIDS. A
cobertura de testagem da população sexualmente ativa é de 36,5% (45,6% entre as
mulheres e 27,2 entre os homens) semelhante ao que ocorre nos Estados Unidos 21.
Pelas estimativas, a taxa de prevalência da infecção é de 0,6% da população geral,
sendo que 80% de todos os casos estão diagnosticados. O número de pessoas
usando terapia antirretroviral mais do que dobrou entre 2002 e 2012, mas ainda
existe um número considerável de pacientes com indicação de tratamento que não
estão recebendo medicação. Dos pacientes em tratamento 76% apresentam carga
viral indetectável (menor que 50 cópias/mL de sangue) 21.
O surgimento da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida em 1981 foi um
marco na história da humanidade pelas suas características e impacto na vida das
20
pessoas. Desde os primeiros anos se destacou pela alta taxa de transmissão, pelos
danos causados na saúde e pelo grau de preconceito que desperta nas pessoas.
Atualmente o que chama a atenção é a enorme mudança no perfil epidemiológico,
pois deixou de ser uma doença predominantemente masculina, homossexual e
restrita aos grandes centros urbanos; ela vem sofrendo
uma
crescente
interiorização, feminização e pauperização. A feminização é consequência direta do
aumento da transmissão heterossexual. Outra constatação importante é o aumento
do número de casos entre pessoas de menor escolaridade e piores condições
socioeconômicas6.
Um estudo sobre as tendências da epidemia de AIDS no Brasil, no período de
1980 a 2004, mostrou que no início da epidemia os casos entre homossexuais ou
bissexuais eram responsáveis por 63,6% das notificações. A incidência foi crescente
nesse grupo até 1998 quando passou a apresentar um ligeiro declínio. A incidência
entre as mulheres e os heterossexuais masculinos foi crescente durante todo o
período analisado. Os casos de contaminação entre os usuários de drogas injetáveis
tiveram seu pico máximo de incidência em 1995, mas, depois dessa data, esse tipo
de contaminação teve um declínio muito acentuado. Este declínio ocorreu por dois
motivos principais: a mudança no perfil de uso de drogas que migrou do uso de
cocaína injetável para a forma aspirada (crack) e à politica de redução de danos
adotada no Brasil22,23,24.
Em Santa Catarina, a primeira notificação de AIDS ocorreu em 1984. Como
em todo país, no início era uma doença predominantemente masculina com uma
razão de 4,8 homens para uma mulher em 1987. Com o passar dos anos, essa
razão foi progressivamente diminuindo e hoje a incidência é praticamente igual em
ambos os sexos. Até 1994, a maioria dos casos ocorria entre pessoas de 20 a 29
anos. A partir de 2005, a maioria das notificações era de pessoas na faixa etária de
40 e 49 anos. No estado também se observa um crescimento de casos em pessoas
com mais de 50 anos. Embora tenha ocorrido uma interiorização da epidemia, com
registro de casos em praticamente todos os municípios, ainda hoje o maior número
de casos notificados concentra-se nos municípios de Florianópolis, Joinville e Itajaí 9.
Estudo realizado no município de São José em Santa Catarina mostrou uma
incidência semelhante dos casos de AIDS em ambos os sexos, o que mostra o
aumento da transmissão heterossexual. Houve um predomínio de casos nos
pacientes com idade entre 41 e 50 anos, solteiros e com baixa escolaridade (50,6%
21
tinham cursado apenas o ensino fundamental). A maioria relatou a prática sexual
com homens como forma de contágio; 58,8% dos pacientes entrevistados eram
assintomáticos; 43,5% revelaram estar satisfeitos com sua saúde e 54,1%
consideravam que sua qualidade de vida era boa 25
Uma pesquisa sobre os aspectos epidemiológicos da AIDS em Florianópolis,
SC, comparando o período de 1986 a 1995 com 1996 a 2006 pelos dados do
Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN-AIDS) e do Sistema de
Informação sobre Mortalidade (SIM), demonstrou que nesse período foram
notificados 2.160 casos em homens e 1.049 em mulheres. No primeiro período
analisado, houve um expressivo predomínio de pessoas do sexo masculino; no
entanto, de 1996 em diante ocorreu um grande aumento de casos em mulheres. A
maioria eram pessoas de cor branca, com idade entre 30 e 39 anos e com
escolaridade fundamental. A via de transmissão predominante foi a heterossexual 26.
Com o mesmo propósito, uma pesquisa realizada no município de Tubarão,
SC, analisou 476 prontuários de indivíduos infectados pelo HIV. A análise dos
resultados mostrou que 58,2% dos pacientes eram homens, a idade média foi de
39,9 anos e 40,7% eram assalariados. A principal via de transmissão foi a sexual.
Do total de pacientes infectados 45,2% já tinham critérios clínicos para diagnóstico
de AIDS, sendo que a caquexia foi o sinal mais prevalente. Dos pacientes com carga
viral indetectável 64,3% estavam em uso de terapia antirretroviral. Os autores
sugerem que estudos em municípios de pequeno e médio porte são importantes,
pois os perfis epidemiológico e clínico dos pacientes nesses locais são
desconhecidos. É preciso conhecer essas realidades para poder melhorar a
assistência aos pacientes que residem fora dos grandes centros
27
.
Uma análise sobre a ocupação e a posição socioeconômica das pessoas que
vivem com HIV/AIDS em Florianópolis, SC, demonstrou que, com o decorrer da
epidemia, houve um aumento de casos entre estudantes e aposentados e/ou
pensionistas, naqueles com menor escolaridade e com profissões com menor
remuneração. As mulheres soropositivas, em sua maioria, realizam atividades
ligadas aos afazeres domésticos. Para evitar julgamentos e discriminação, elas
procuram desenvolver atividades para geração de renda na informalidade; isso
porque é mais fácil manter o sigilo sobre o diagnóstico 28.
A epidemia de AIDS, em seu início no Brasil, ocorreu predominantemente na
população jovem, mas a partir de 1989 observou-se um aumento da notificação de
22
casos em indivíduos com idade mais avançada. A incidência de AIDS em pessoas
com mais de 60 anos foi avaliada pela análise das fichas de notificação compulsória
do núcleo de vigilância epidemiológica do Hospital São José de Doenças Infecciosas
no Ceará. No período de 1º de janeiro de 1989 a 31 de dezembro de 2004, foram
notificados 107 casos nessa faixa etária, sendo que 78,5% eram do sexo masculino.
Houve um predomínio da transmissão sexual entre homens e mulheres, apesar da
transmissão entre homens com prática homo-bissexual ser relevante. A grande
maioria dos casos (77,5%) foi diagnosticada em pacientes com idade entre 60 e 69
anos de idade, mas 6,7% dos casos ocorreram em pacientes com mais de 80 anos.
Desses pacientes 53,2% morreram em decorrência da AIDS 29.
Em decorrência do envelhecimento populacional e da descoberta de um
tratamento mais efetivo, existe hoje um número crescente de casos novos em
pessoas com mais de 50 anos e, por outro lado, um número expressivo de pessoas
com mais idade fazendo uso crônico de antirretrovirais, drogas que, por sua
toxicidade, causam desordens metabólicas e têm grande impacto no sistema
cardiovascular.
Esses
fatos
fazem
com
que
os
esquemas
terapêuticos
frequentemente precisem ser modificados. Outro ponto a ser considerado é que a
recuperação do sistema imunológico nos pacientes com mais idade é mais lento e o
diagnóstico da doença é feito em estágios mais avançados, porque os profissionais
não cogitam a possibilidade da infecção pelo HIV nos idosos. Por terem outras
doenças crônicas, esses pacientes fazem uso de um número maior de medicações
que interagem entre si e aumentam a toxicidade para o organismo. Todos esses
aspectos fazem com que a AIDS nos idosos seja um desafio ainda maior aos
serviços de saúde30.
Com a finalidade de construir um modelo probabilístico, o estudo ATHENA,
realizado na Alemanha, acompanhou 10.278 pacientes no período de 1996 a 2010.
O objetivo do estudo foi avaliar a relação da incidência de doenças crônicas não
transmissíveis nos pacientes que fazem uso de terapia antirretroviral. Segundo os
dados desse modelo, em 2030 o número de pessoas com mais de 50 anos vivendo
com o HIV vai chegar a 73% do total de infectados, 84% dessas pessoas terão ao
menos uma
doença
crônica
não
transmissível,
78% terão
uma
doença
cardiovascular, 17% serão diabéticos e 17% apresentarão algum tipo de câncer.
Como consequência, esses doentes necessitarão de maior número de medicações e
a interação entre as drogas vai ser um grande desafio. Pelas projeções do estudo,
23
devido a essa interação, 53% dos pacientes terão contraindicação para o tratamento
antirretroviral de primeira linha 31.
Um estudo realizado no Rio Grande do Sul, para avaliar os conhecimentos
dos idosos sobre essa infecção, mostrou que os pacientes soropositivos com idade
mais avançada têm pouco conhecimento sobre a doença e que um grande número
não usa preservativos nas relações sexuais. Esses fatos associados à maior
expectativa de vida, ao aumento da atividade sexual e à fragilidade da mucosa
vaginal após a menopausa colaboram para o aumento da contaminação e
disseminação da infecção nas pessoas dessa faixa etária32.
As características da infecção pelo HIV diferem nas diferentes décadas da
vida. Nos pacientes com idade superior a 50 anos, a transmissão homossexual
(HSH-Homens que fazem sexo com homens) é menos prevalente. O número de
comorbidades aumentou com a idade e as doenças mais prevalentes foram
diabetes, dislipidemia, hipertensão, doenças cardiovasculares, disfunção erétil,
disfunção renal e neoplasias. Nos pacientes com idade entre 50 e 59, a incidência
de depressão foi maior que nas demais faixas etárias estudadas. Um fato
interessante observado no estudo foi que a prevalência de tabagismo é muito menor
entre os pacientes com idade superior a 60 anos; muitos deles eram tabagistas no
passado e abandonaram o vício33.
3.2 INFECÇÕES OPORTUNISTAS
Como o alvo do vírus HIV é o sistema imunológico, a consequência da
infecção é uma grande depleção das células de defesa. O que caracteriza a AIDS é
o aparecimento de inúmeras doenças oportunistas que podem ser infecciosas ou
tumorais. Segundo a definição da Organização Mundial da Saúde, doença
oportunista é aquela que não causaria problemas em pessoas saudáveis, mas afeta
as pessoas com deficiência imunológica. Por esse conceito, a tuberculose não é
considerada uma doença oportunista, pois, embora ocorra com maior frequência em
pessoas com alterações do sistema imunológico, não é uma doença exclusiva de
pacientes imunodeprimidos. Tais doenças complicam a evolução e o prognóstico
dos pacientes soropositivos e sua frequência é influenciada por fatores ambientais e
por fatores intrínsecos do paciente. No início da epidemia, a incidência dessas
24
doenças
era
alta
devido
ao
desconhecimento
do
agente
causador
consequentemente, das medidas profiláticas e de um tratamento efetivo
e,
34,35,36
.
Segundo o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o manejo da infecção
pelo HIV em adultos, são consideradas infecções oportunistas: criptococose,
neurotoxoplasmose, pneumocistose, doença citomegálica, candidíase oral e
esofágica e histoplasmose. Além dessas infecções, é importante ressaltar a infecção
concomitante com as hepatites B e C, turberculose e sífilis, pois essa associação
tem sérias implicações no prognóstico e no tratamento 37.
Outro ponto a ser ressaltado são os critérios para a definição de um caso de
AIDS, pois algumas doenças são consideradas como definidoras de caso, mesmo
na ausência de positividade nos testes sorológicos. Os primeiros critérios foram
elaborados pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos Estados
Unidos da América em setembro de 1982. A definição de caso de AIDS em adultos
no Brasil passou por sucessivas revisões que tiveram como objetivo principal a
adequação dos critérios às condições diagnósticas laboratoriais e ao perfil de
morbidade do país. Em 1992, foi elaborado um critério inédito, baseado na
identificação clínica de sinais, sintomas e doenças, a partir de experiências
acumuladas por alguns serviços de saúde no Rio de Janeiro, sendo descrito com o
nome de Critério Rio de Janeiro/Caracas. Segundo esse critério, considera-se como
caso: dois testes de triagem reagentes ou um teste confirmatório para detecção de
anticorpos para o HIV; somatório de, pelo menos, 10 pontos de acordo com uma
escala de sinais, sintomas ou doenças; menção de AIDS/SIDA ou termo equivalente
em qualquer dos campos da declaração de óbitos 37.
Os critérios para definição de caso de AIDS – Rio de Janeiro/Caracas são os
seguintes:
25
Quadro 1 – Critérios para definição de caso de AIDS – Rio de Janeiro/Caracas
Sinais/Sintomas/Doenças
Sarcoma de Kaposi
Tuberculose disseminada/extrapulmonar/pulmonar não cavitária
Candidíase oral ou leucoplasia pilosa
Tuberculose pulmonar cavitária ou não especificada
Herpes Zoster em indivíduo com até 60 anos de idade
Disfunção do sistema nervoso central
Diarreia por um período igual ou superior a um mês
Febre igual ou superior a 38ºC, por um período igual ou superior a um mês
Caquexia ou perda de peso corporal superior a 10%
Astenia por um período igual ou superior a um mês
Dermatite persistente
Anemia e/ou linfopenia e/ou trombocitopenia
Tosse persistente ou qualquer pneumonia (exceto tuberculose)
Linfadenopatia maior ou igual a 1cm, presente em pelo menos dois sítios
extrainguinais e por um período igual ou superior a um mês.
Pontos
10
10
5
5
5
5
2
2
2
2
2
2
2
2
Fonte: Ministério da Saúde (1992).
As infecções oportunistas tanto infecciosas quanto neoplásicas surgem à
medida que diminui a contagem dos linfócitos CD4 no sangue periférico e são as
principais causas de morbidade e mortalidade nos doentes com AIDS. Elas surgem,
geralmente, quando essa contagem cai para níveis inferiores a 200 células/mm3 16.
Muitos estudos38,39,40 demonstraram que se pode correlacionar a contagem total de
linfócitos com o número de CD4. Esse recurso é usado, principalmente, em locais
nos quais a atenção à saúde é precária e onde é difícil quantificar o CD4.
Geralmente um número total de linfócito inferior a 1400/mm 3 corresponde a um CD4
inferior a 200/mm3
16
. Existem pequenas variações geográficas na frequência das
infecções oportunistas, mas, de modo geral, as mais comuns afetam o aparelho
respiratório, o trato gastrointestinal e o sistema nervoso central. Essas doenças
precisam ser diagnosticadas e tratadas precocemente, pois costumam ter uma
evolução clínica rápida e fatal 16.
Um grande impacto no controle e tratamento da epidemia foi a descoberta do
AZT (Zidovudina) em 1987, primeira droga que se mostrou eficaz no combate à
replicação viral. Desde então, as descobertas sobre o comportamento e replicação
do vírus possibilitaram o surgimento de novas drogas que permitiram uma terapia
antirretroviral combinada e mais efetiva conhecida como Highly Active Antiretroviral
Therapy (HAART). Graças a essa terapia, que teve início em 1996, foi possível a
supressão da replicação viral com consequente recuperação do sistema imunológico
e diminuição da incidência de doenças oportunistas. Com isso, as taxas de
26
mortalidade caíram de forma expressiva e a AIDS passou a ser considerada uma
doença crônica41,42,43.
O surgimento de maior número de drogas antirretrovirais vem proporcionando
uma redução da carga viral e a diminuição da ocorrência de infecções oportunistas,
principalmente nos pacientes em que ocorre um aumento do número das células TCD4. Apesar disso, essas doenças ainda são a maior causa de hospitalizações e
morte entre os pacientes com AIDS provavelmente devido ao diagnóstico tardio e
consequente
falência
do
sistema
imunológico.
Em razão
da
diversidade
epidemiológica observada nas diferentes regiões do Brasil, estudos sobre a AIDS
são importantes para a criação de políticas públicas direcionadas às necessidades
de cada região44.
As medidas de prevenção e controle da infecção pelo HIV associadas à
terapia antirretroviral de alta eficácia (TARVAE) mudaram a história da AIDS em todo
o mundo45. Segundo dados do Ministério da Saúde, 313.000 pacientes com AIDS
estavam recebendo terapia antirretroviral no ano de 2012 e 76% deles
apresentavam carga viral indetectável 46. O Brasil foi um dos primeiros países em
desenvolvimento a garantir a distribuição gratuita da medicação por meio do Sistema
Único de Saúde. Essa distribuição foi normatizada pela Lei 9313/96 aprovada em 13
de novembro de 1996 que, em seu parágrafo primeiro, declara: “Art. 1º Os
portadoras do HIV (vírus da imunodeficiência humana) e doentes de AIDS
(Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) receberão, gratuitamente, do Sistema
Único de Saúde, toda a medicação necessária a seu tratamento.”47
As diretrizes para o tratamento do HIV no Brasil foram atualizadas em 2013;
elas recomendam que o tratamento antirretroviral seja iniciado o mais precocemente
possível, pois, embora baseadas apenas em estudos observacionais com muitas
limitações, há evidências de que o tratamento precoce diminui a morbimortalidade e
é uma ferramenta importante na redução da transmissão do HIV. O início da terapia,
antes que ocorra a queda dos níveis das células CD4, permite a recuperação do
sistema imunológico, o que evita o surgimento de doenças oportunistas 19.
O National Institutes of Health publicou, em 27 de maio de 2015, uma nota
enfatizando os benefícios do início precoce do tratamento baseado nos resultados
preliminares do Strategic Timing of AntiRetroviral Treatement study (START), o
primeiro e maior ensaio clínico randomizado para estabelecer os benefícios do
tratamento precoce nos indivíduos infectados pelo HIV, que deverá ser concluído no
27
final de 2016. Segundo os dados coletados até o momento, quando se inicia o
tratamento antirretroviral sem esperar que ocorra o declínio na contagem das células
CD4, ocorre a prevenção tanto de eventos relacionadas ao HIV quanto de outros
problemas não
relacionados diretamente
a
essa
doença,
como
doenças
cardiovasculares, doença renal terminal, doenças hepáticas e alguns tipos de
câncer48.
Em uma revisão comparando a incidência de doenças oportunistas nos
últimos 30 anos, foram analisados 25 estudos em países desenvolvidos e 12 em
países em desenvolvimento, sendo quatro no Brasil. Todos mostraram que, após a
introdução da terapia antirretroviral, houve redução significativa nas taxas de
incidência de doenças oportunistas, mas essa redução foi menor nos países menos
favorecidos economicamente. Os melhores resultados foram observados na Europa
onde as taxas, que eram de 30,7/100 habitantes na era pré-ART (Anti Retroviral
Therapy), caíram para 2,5/100 habitantes após a introdução dessa medicação.
Observou-se que o número de estudos é muito maior nos países com melhores
condições econômicas. Os estudos realizados no Brasil analisaram apenas a
incidência global das doenças ao longo dos 30 anos da epidemia. Nenhum deles
analisou a incidência anual 13.
O uso da terapia antirretroviral diminuiu a incidência de complicações, reduziu
a mortalidade e aumentou a expectativa e a qualidade de vida dos pacientes
soropositivos, mas os medicamentos exigem disciplina no uso e ainda causam
muitos efeitos colaterais, o que determina a não aderência e o desenvolvimento de
resistência ao vírus. Com o aumento da sobrevida, os pacientes têm maior chance
de desenvolver infeções oportunistas que interferem no prognóstico. A dependência
do álcool e de outras drogas e os pacientes que vivem em condições de grande
exclusão social são os que têm pior adesão, pois não conseguem entender os
benefícios da terapia e o uso correto da medicação. Esses e outros fatos fazem da
AIDS uma epidemia única, pois, apesar de um agente etiológico comum, a doença
evolui de modo diferente de acordo com as condições de cada indivíduo 49.
O aumento da expectativa de vida consequente ao surgimento de drogas
antirretrovirais mais potentes e efetivas é um desafio para os serviços de saúde. Nos
próximos anos, haverá um grande número de pacientes com idade avançada
vivendo com o vírus HIV e com outras doenças, como diabetes, hipertensão e
problemas hepáticos. Como fazer o manejo desses casos e quais as consequências
28
das interações entre os medicamentos usados para o tratamento dessas doenças e
os antirretrovirais são alguns dos questionamentos que terão de ser respondidos
pelos profissionais de saúde50.
Outro ponto importante abordado é que os pacientes soropositivos têm hoje
uma expectativa de vida muito próxima àquela de pacientes não portadores do vírus
HIV desde que usem os medicamentos de forma correta e adotem hábitos de vida
saudável. A não aderência ao tratamento pode levar ao aparecimento de mutações
e surgimento de cepas resistentes. Fazer o diagnóstico e iniciar o tratamento o mais
precocemente possível é crucial para evitar a falência do sistema imunológico e o
surgimento das infecções relacionadas ao HIV/AIDS. O desafio que se impõe é fazer
com que os pacientes usem corretamente uma medicação que deverá ser tomada
durante toda a vida50.
O surgimento das doenças oportunistas é determinado pelo nível de depleção
do sistema imune causado pelo HIV, mas é influenciado pelo tipo de patógenos
existentes no meio ambiente. As doenças oportunistas que incidem em países
desenvolvidos são diferentes daquelas encontradas naqueles com piores condições
econômicas e sanitárias. Algumas são comuns e de tratamento pouco dispendioso,
como a candidíase oral, candidíase vaginal, herpes simples e herpes zoster. Outras
são mais raras e exigem tratamentos mais caros e maior infraestrutura para o
diagnóstico, como a meningite criptocócica e as micoses sistêmicas. Um grande
desafio é conseguir diagnosticar, tratar e monitorar essas doenças oportunistas sem
ultrapassar a capacidade técnica e financeira dos sistemas de saúde. Elas podem
ser bacterianas, virais, fúngicas, neoplásicas ou serem causadas por protozoários 51.
A análise de 4.339 pacientes portadores de HIV/AIDS atendidos na clínica de
Rustenburg na África entre abril de 2004 e novembro de 2005 mostrou que, nos que
apresentaram infecções oportunistas (21,2%), a letalidade foi 2,8 vezes maior. As
doenças mais prevalentes foram a tuberculose, que ocorreu em 13,3% dos
pacientes, e a candidíase esofágica, que foi diagnosticada em 3,9% deles. As
doenças com maior letalidade foram a síndrome de desgaste (síndrome do desgaste
significa a perda da massa corporal, principalmente perda de massa muscular), o
sarcoma de Kaposi e a meningite criptococócica. Muitos casos eram sugestivos de
toxoplasmose do sistema nervoso central, mas o diagnóstico não pôde ser
confirmado, fato comum em locais com menor infraestrutura laboratorial 35.
29
Um estudo de coorte prospectivo, na região de Pune na Índia, acompanhou
457 pacientes soropositivos durante 15 meses com o objetivo de analisar a
incidência de infecções oportunistas. Nesse período, 65 pacientes apresentaram 147
infecções oportunistas. A incidência foi mais elevada em pacientes do sexo
masculino, com idade mais avançada, com baixos níveis de CD4 e que não faziam
uso de terapia antirretroviral. A tuberculose foi a infecção mais comum seguida por
hepes zoster e candidíase oral. Meningite criptocócica e outros tipos de meningite
tiveram uma incidência pouco significativa52.
Os prontuários médicos do Ambulatório de Doenças Infecciosas e
Parasitárias do Hospital de Base na cidade de São José do Rio Preto, SP, foram
analisados no período de janeiro de 1988 a dezembro de 2008. A análise revelou
que as infecções oportunistas permanecem frequentes mesmo após a introdução da
terapia antirretroviral e também entre os pacientes que têm acesso considerado
razoável aos serviços de saúde. Os dados mostraram também que a chance de
contrair pneumonia por Pneumocistys jerovecii, nerurotoxoplasmose, candidíase
esofágica, tuberculose pulmonar disseminada e neurocriptococose é maior em
pacientes com contagem de CD4 inferior a 200 células /mm 3. Outra constatação
importante foi que as taxas de mortalidade são maiores em pacientes coinfectados
com hepatite C e B53.
Uma revisão dos registros de 390 pacientes que internaram no Hospital
Universitário de Neiva na Colômbia, no período de janeiro de 2007 a dezembro de
2012, mostrou que 76,5% desses pacientes já tinham diagnósticos prévios de HIV e
que apenas 45,6% faziam uso de terapia antirretroviral. As causas mais comuns de
internação foram toxoplasmose cerebral (52,4%), candidíase mucocutânea (35,3%)
e tuberculose pulmonar (21,3%). Esses dados mostram que, apesar de todos os
avanços terapêuticos, as infecções oportunistas continuam sendo a principal causa
de internação54.
Entre as causas de mortalidade nos pacientes com AIDS, destacam-se as
doenças que atingem o sistema nervoso central. A mais comum delas é a
toxoplasmose, mas os casos de criptococose, tuberculose, leucoencefalopatia
multifocal progressiva, encefalopatia do virus HIV e a síndrome do desgaste são
vistas em muitos pacientes em diferentes regiões. É importante ressaltar que, para
muitas dessas doenças, não existe um tratamento específico e que os
medicamentos usados podem, muitas vezes, ter uma interação desfavorável com as
30
drogas usadas para o combate ao vírus. Com a imunodepressão, elas costumam ter
manifestações atípicas e um paciente pode ter doenças em outros locais além
daquela no sistema nervoso central, o que atrasa o diagnóstico e piora o
prognóstico55,35.
As pneumopatias são diagnosticadas frequentemente nos portadores do vírus
HIV. Essas doenças modificam as condições de saúde desses pacientes,
influenciam de forma significante o prognóstico, sendo, muitas vezes, a causa do
óbito. A análise dos prontuários dos pacientes soropositivos que foram internados no
Hospital Nereu Ramos de Florianópolis com diagnóstico de pneumopatias no
período de 2000 a 2003 mostrou que 78% eram do sexo masculino. A maioria tinha
de 5 a 10 anos de diagnóstico. Os sintomas mais comuns foram febre, tosse
produtiva, dispneia e dor torácica. Pneumocistose, tuberculose e pneumonia
bacteriana foram responsáveis por 71,2% das internações. Dos pacientes que
internaram nesse período, 33,9% foram a óbito, sendo que as pneumopatias foram
responsáveis por 81,6% das mortes56.
3.3 COINFECÇÕES
Diferentemente do que ocorre com as infecções oportunistas, tem-se
observado um aumento da incidência de complicações crônicas decorrentes das
hepatites virais entre os pacientes infectados pelo vírus HIV. A explicação para isso
está no fato de que o aumento da sobrevida pelo uso da terapia antirretroviral
propiciou tempo para que os vírus HBV (Hepatite B vírus) e HCV (Hepatite C vírus)
desenvolvessem todo o seu potencial letal nos organismos dos pacientes
coinfectados57.
Estima-se que, atualmente, 160 milhões de pessoas estejam contaminadas
pelo vírus HCV e 360 milhões pelo vírus HBV ao redor do mundo 58. Pelos dados da
Organização Mundial da Saúde, 36,9 milhões de pessoas estão contaminadas pelo
vírus HIV. Esses vírus possuem vias de transmissão semelhantes especialmente
através do contato com sangue e seus derivados, compartilhamento de seringas
entre os usuários de drogas e entre os indivíduos que praticam sexo sem proteção.
A coinfecção pelo vírus da hepatite B é mais comum que aquela produzida pelo
vírus HCV entre os pacientes com HIV/AIDS, mas esta última exige maior atenção
31
por causar uma doença hepática mais grave, acelerar a progressão para AIDS e
aumentar as taxas de mortalidade59.
As taxas de prevalência de coinfecção HIV-HCV no Brasil variam de 9,2 a
54,7% dependendo da distribuição geográfica e dos fatores de risco da população
estudada. As maiores taxas encontram-se entre os usuários de drogas injetáveis.
Em relação à associação HIV-HBV, as prevalências situam-se entre 5,3 a 24,3%57.
Na Europa 40% dos pacientes com HIV estão coinfectados com HCV e 2/3 com o
HBV60.
Nos pacientes coinfectados, as lesões hepáticas progridem mais rapidamente
e a reposta ao tratamento é muito mais pobre. A interação entre os medicamentos
usados para o HIV e o HCV é potencialmente grave, pois muitos dos antirretrovirais
são extremamente tóxicos para o tecido hepático. Por todos esses fatos, o
tratamento das hepatites virais crônicas nos pacientes com HIV/AIDS é muito
complexo e deve ser realizado em centros especializados 57.
As hepatites B e C e a infecção pelo HIV estão entre as 10 maiores causas de
mortes por doença infecciosa no mundo. Embora compartilhem as mesmas rotas de
transmissão, diferem quanto à sua capacidade infectante e à taxa de prevalência
nas diferentes regiões do mundo. São também muito variadas de acordo com a
população estudada. A prevalência de Hepatite B é alta no sudoeste da Ásia e na
África sub-Saharina e baixa nos Estados Unidos, na Austrália e no Oeste da Europa.
A Hepatite C tem uma prevalência muito alta no norte da África, principalmente no
Egito e muito baixa no norte da Europa e no Reino Unido. Com relação à infecção
pelo HIV, a maior taxa de prevalência é observada na África sub-Sahariana, que
responde por cerca de 65% de todos os casos ao redor do mundo 61.
Numa revisão dos prontuários de pacientes soropositivos do Serviço de
infectologia do Hospital Nossa Senhora da Conceição de Porto Alegre, RS, foi
realizada uma análise aleatória de 587 dos 5.870 prontuários existentes nos
arquivos. Em 343 constava a pesquisa de marcadores sorológicos para hepatites B
e C. A taxa de prevalência foi de 4,6% para Hepatite B e 38,2% para Hepatite C.
Apenas 2,4% dos pacientes eram positivos para ambas as hepatites 62.
Para conhecer a prevalência de HIV e hepatites B e C na região do Portal de
Paranapanema no estado de São Paulo, foram testados sistematicamente para HIV,
HBV e HCV 1.228 pacientes e encaminhados para a referência de Infectologia
dessa parte do estado de São Paulo situada no Hospital Regional Universitário Dr.
32
Domingos Leonardo Cerávolo na cidade de Presidente Prudente. Deste total 249
(20,3%) eram monoinfectados pelo HIV, 173 (14%) pelo HCV e 73 (5,9%) pelo HBV,
sendo que 49 pacientes (4%) tinham coinfecção HIV/HCV e 5 pacientes (0,4%)
HIV/HBV63.
Dados do Ministério da Saúde, no período de 1999 a 2010, foram analisados
com a finalidade de estimar a prevalência de infecções pelos vírus HBV e HCV entre
os casos de AIDS notificados no Brasil. Nesse período, foram notificados 370.672
casos de AIDS, sendo 50,7% registrados na região sudeste. Os dados mostraram
que 3.724 (1%) apresentaram coinfecção com HBV e 5.932 (1,6%) com o HCV. A
grande maioria dos casos ocorreu em homens e observou-se que a chance de
infecção aumentou com a idade. Quando comparados com indivíduos com idade
inferior a 24 anos, os pacientes mais velhos apresentaram três vezes mais chance
de ter coinfecção com o HBV e 12 vezes mais chance de ter infecção associada com
HCV. A maior parte dos casos de HIV ocorreu por transmissão sexual, mas a
associação com as hepatites foi mais prevalente entre os usuários de drogas
injetáveis64.
No estado do Mato Grosso do Sul, no período de novembro de 2009 a julho
de 2011, foram realizados testes sorológicos para hepatite B em 849 pacientes com
sorologia positiva para HIV. O resultado dos testes mostrou uma prevalência de
2,5% de pacientes coinfectados. Os fatores de risco para essa coinfecção foram
sexo masculino, idade mais avançada, história familiar de hepatite, uso de drogas
ilícitas e atividade homossexual 65.
Num estudo para determinar a prevalência de coinfecção com hepatites B e C
em pacientes HIV positivos tratados em um serviço público de saúde na cidade de
Goiânia, foi observada uma positividade de 3,8% para o vírus HBV e 9,7% para o
vírus HCV. A infecção concomitante pelos dois vírus esteve presente em 4,4% dos
pacientes. É importante ressaltar que 52,6% dos pacientes portadores de hepatite B
e 54,2% daqueles positivos para hepatite C não tinham conhecimento desses
diagnósticos. Metade deles referiu ter tido uma doença sexualmente transmissível
no passado, sendo que as mais citadas foram gonorreia e sífilis66.
Segundo dados do Ministério da Saúde, os grupos com maior risco para HIV
e outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) são Homens que fazem Sexo
com Homens (HSH), usuários de drogas injetáveis (UDI) e profissionais do sexo 5.
Estudo realizado no estado de Santa Catarina, nas cidades de Tubarão, Laguna e
33
Imbituba, pesquisou 147 profissionais do sexo com a finalidade de determinar a
prevalência de HIV, hepatites B e C e sífilis. Os resultados mostraram que 8,8%
tinham HIV, 8,8% HCV, 23,1% HBV (ativa ou passada) e 19,7% foram positivos para
sífilis. Dos 13 pacientes que foram positivos para o HIV, três estavam coinfectados
pelo HCV, quatro tinham sífilis e cinco eram positivos também para o HBV 27.
A prevalência da coinfecção HIV-sífilis foi analisada em um hospital
universitário na cidade do Rio de Janeiro em 2005. Dos 830 pacientes
acompanhados no ambulatório de HIV/AIDS, 22 (2,7%) tiveram sorologia positiva
para sífilis. A relação entre homens e mulheres foi de aproximadamente 4:1, sendo
que os homossexuais masculinos foram os mais acometidos. Do total dos pacientes
com sífilis 73% já tinham tido a doença no passado, o que significa que, apesar de
serem
portadores
do
HIV,
esses
pacientes
continuam
tendo
relações
desprotegidas67.
A tuberculose é o maior problema global de saúde, sendo a principal causa de
morte no mundo quando associada ao HIV. A Organização Mundial de Saúde estima
que ocorreram 9,6 milhões de novos casos dessa doença em 2014 e 12% deles
acometeram pacientes infectados pelo HIV68. O Brasil é um dos 22 países
priorizados pela OMS que concentram 80% dos casos de tuberculose no mundo
com um coeficiente de incidência de 38/10mil habitantes. São Paulo é o estado com
maior número de casos. Apesar de ser uma doença prevenível e curável, ainda é
responsável por cerca de 4,5 mil mortes anuais no país 69.
Estudo realizado no ambulatório de infectologia do Hospital Santa Casa de
Misericórdia, em Vitória, ES, analisou os dados de todos os pacientes HIV positivos
atendidos nesse serviço, no período de janeiro de 2010 a abril de 2011, para avaliar
a prevalência de tuberculose. Foram 715 pacientes no total; destes, 80 tiveram
diagnóstico de tuberculose, o que demostra uma prevalência elevada. Durante o
estudo, dois pacientes foram a óbito em decorrência dessa infecção e os dados
demonstraram que os pacientes com contagem de CD4 inferior a 200 células/mL
são os mais suscetíveis70.
Foram analisados retrospectivamente os casos de tuberculose ativa
diagnosticados no período de janeiro de 1995 a dezembro de 2010 em pacientes
com HIV/AIDS na cidade de São Paulo. Do total de 599 pacientes soropositivos
acompanhados, 41 (6,8%) preencheram os critérios para definição de caso de
tuberculose. Doença pulmonar foi encontrada em 30 deles e 11 tinham doença
34
extrapulmonar. Observou-se que, em geral, os pacientes com tuberculose são
homens jovens e com carga viral elevada. Outro dado importante encontrado nesse
estudo foi que a taxa de mortalidade foi maior entre os pacientes com tuberculose. A
probabilidade de sobreviver até 10 anos após o diagnóstico do HIV é de 75% para
os pacientes com tuberculose e de 96% para aqueles com outras doenças
oportunistas71.
3.4 O ESTIGMA, O PRECONCEITO E A DISCRIMINAÇÃO
A Unaids, em nota publicada em 2014, define estigma como sentimentos e
crenças negativas em relação às pessoas infectadas pelo HIV e discriminação como
um tratamento injusto e desleal para com essas pessoas. Afirma, também, nesta
nota, que o estigma e a discriminação são as maiores barreiras para a prevenção, o
diagnóstico e o tratamento da infecção pelo HIV72. Pelo dicionário discriminação
significa “[...] Tratamento pior ou injusto dado a alguém por causa de características
pessoais; intolerância e preconceito” 73, enquanto preconceito é definido como
“Opinião ou crença admitida sem ser discutida ou examinada, internalizada pelos
indivíduos sem se darem conta disso e influenciando seu modo de agir e de
considerar as coisas”74.
No início da epidemia, a AIDS era uma doença característica de grupos
marginalizados
pela
sociedade.
Essa
associação
com
prostituição,
homossexualismo e uso de drogas injetáveis determinou o grande estigma
associado a essa virose. Nos últimos 30 anos, com os conhecimentos adquiridos
sobre o vírus e as formas de transmissão, houve uma drástica mudança no perfil
epidemiológico. A AIDS deixou de ser uma doença de grupos de risco, mas o
preconceito em relação aos pacientes continua o mesmo dos primeiros anos 75, 76.
Não é possível fazer qualquer abordagem sobre o HIV/AIDS sem levar em
conta o real significado das palavras estigma, preconceito e discriminação. Estigma
é uma palavra que tem sempre um sentido negativo, pois se trata de um fator de
diferenciação injustificado que determina a exclusão social de uma pessoa em
decorrência de uma característica que ela possua: sexo, raça, cor, língua, religião,
opinião, características físicas ou uma doença. O preconceito é o aspecto subjetivo
da discriminação, pois se relaciona a um julgamento prévio e injustificado que se faz
35
sobre pessoas estigmatizadas e a discriminação é o ato de dar preferência a uns ou
excluir outros sem uma causa que justifique tal comportamento 77.
A AIDS como doença apresenta quatro características que se relacionam ao
estigma. A primeira é ser contraída, na maioria dos casos, através de
comportamentos de risco, ou seja, as pessoas consideram que o paciente adquiriu a
doença por meio de um comportamento imoral que poderia ser evitado e, portanto, é
culpado por estar infectado. Em segundo lugar, apesar dos avanços no diagnóstico
e tratamento, ela continua sendo vista como uma doença incurável, ou seja, ligada à
morte. O terceiro ponto que determina estigma é o fato de o HIV, apesar de todo
conhecimento atual sobre as formas de contágio, ser considerada uma doença
altamente contagiosa, e muitos ainda acreditam que o contágio pode ocorrer pelo
simples convívio social. A última característica que determina a associação com o
estigma é por ser uma doença que, nos estágios finais, causa uma dramática
transformação na aparência dos pacientes78.
O estigma é um fenômeno complexo e multifatorial, caracterizado por um
atributo que rouba a identidade social do indivíduo tornando-o diferente daquilo que
é esperado pela sociedade em que vive79. Transtornos mentais, drogadição,
prostituição, homossexualismo, raça e HIV/AIDS são condições consideradas não
normais pela maioria das sociedades e, por isso, geram preconceito e discriminação.
A experiência pessoal do estigma é muito subjetiva e depende do meio em que a
pessoa vive e do desvio da normalidade que ele apresenta80.
Pode-se também entender o estigma como um processo social que ocorre
quando pessoas são rotuladas por determinadas características e, em decorrência
disso, são isoladas e perdem espaço na sociedade em que vivem. Ele é criado pelo
desconhecimento sobre a doença, pelos mitos sobre as formas de transmissão,
pelas dificuldades de acesso aos serviços de saúde e pela irresponsabilidade dos
meios de comunicação81. Todas as formas de estigma têm grande impacto na saúde
pública, pois os atos de discriminação associados a elas produzem iniquidade social.
O estigma pode ser considerado ainda como uma forma de controle social que
define normas e pune aqueles que não as seguem82,83.
A atitude de rejeição, exclusão, culpa ou desvalorização direcionada a uma
pessoa ou grupo é baseada em um julgamento social que é influenciado pelo
contexto social e cultural. Quando o estigma está relacionado a um problema de
saúde, o limite entre comportamento discriminatório e a medida sanitária de
36
precaução é, muitas vezes, difícil de ser estabelecido, pois vai depender do tipo de
doença e do estágio em que ela se encontra. Isolar pacientes com tuberculose
pulmonar, por exemplo, é uma medida totalmente justificada, pois impede a
transmissão do bacilo, porém essa mesma atitude seria considerada discriminatória
se fosse direcionada a um paciente com sorologia positiva para o HIV 84.
Mesmo que necessárias para evitar a transmissão do bacilo, as medidas de
isolamento causam grande sofrimento aos pacientes. Isso foi demonstrado em
estudo que entrevistou 30 pacientes em tratamento por tuberculose nas cidades de
El Passo no Texas e Ciudad Juarez no México. Esses pacientes referiram tristeza,
depressão, dúvidas sobre a possibilidade de cura e medo de serem rejeitados pelos
familiares e colegas de emprego. Alguns se sentiram agredidos por ter de dormir
separadamente de seus familiares durante o período de doença e por não poder
segurar, abraçar e beijar os filhos85.
Conduta semelhante foi tomada em relação aos pacientes soropositivos em
Cuba entre os anos de 1986 a 1989. Nesse período, todos os pacientes infectados
pelo HIV eram confinados em sanatórios. Eram locais agradáveis e neles os
pacientes recebiam todo o suporte para o tratamento, porém os pacientes perdiam
sua liberdade e todo o contato com seus familiares. O primeiro caso de HIV/HIDS
em Cuba foi diagnosticado em 1985, mas a decisão de se estabelecer o isolamento
dos pacientes foi tomada com base em uma lei de 1982, que permitia o isolamento
de todo indivíduo portador de uma doença que fosse uma ameaça à saúde pública 86.
A tuberculose tem uma característica particular, pois teve significados
distintos em diferentes momentos da história. No início do século XIX, era vista como
uma doença relacionada à paixão que acometia pessoas ligadas às artes,
principalmente os poetas, músicos e filósofos. Ter a doença significava ter um
espírito privilegiado. A partir da segunda metade deste século, com a revolução
industrial, as pessoas passaram a viver aglomeradas em lugares insalubres e a
doença disseminou-se entre as classes menos favorecidas. Passou a ser
estigmatizada por estar relacionada a uma desordem social e, principalmente, à
pobreza. Ter algum familiar morto pela doença passou a ser motivo de vergonha e
humilhação87.
As doenças que mais determinam estigma são aquelas que causam
desfiguração corporal, as altamente contagiosas, as incuráveis e progressivas e
aquelas que causam dificuldades ou impossibilidade de realizar as tarefas da vida
37
diária. Muitas dessas características estão presentes na AIDS. Por medo de serem
discriminados, os pacientes não procuram voluntariamente a testagem, o que atrasa
o diagnóstico. Muitos deles não aderem ao tratamento, pois não querem que amigos
e familiares descubram o diagnóstico através da medicação. Portanto, o estigma não
afeta os pacientes soropositivos apenas no lado psicológico, mas, de modo indireto,
interfere negativamente em sua evolução clínica 88.
Embora o estigma relacionado à AIDS seja resultado da epidemia, a
associação de estigma com doenças não é um fenômeno novo. Na história da
humanidade, muitas epidemias geraram atitudes discriminatórias contra pessoas e
grupos sociais afligidos por doenças contagiosas dificultando o tratamento e a
prevenção e causando um sofrimento adicional aos pacientes e seus familiares89.
A tuberculose e a hanseníase também são doenças infecciosas relacionadas
com estigma e, muitas vezes, o impacto psicológico e social do estigma traz mais
sofrimento aos pacientes do que os próprios sintomas da doença. A desqualificação
social determinada pelo estigma é responsável por carga adicional de sofrimento e
interfere no prognóstico da doença, porque pode levar a atraso na procura por
atendimento e abandono do tratamento 84.
Como citado, uma das doenças mais relacionadas à questão do estigma e à
discriminação ao longo da história da humanidade foi a hanseníase, por ser
causadora de morte e mutilação. Pelo medo da contaminação, até os primeiros anos
do século XX, as pessoas acometidas eram isoladas em comunidades hospitalares
em muitos locais do nosso país. Esse isolamento causava mudanças dramáticas na
vida dos pacientes e um grande sofrimento psíquico 90.
Estudo conduzido com pacientes institucionalizados em Santa Catarina
mostrou que, devido a uma política autoritária e discriminatória no período de 1940 a
1960, os pacientes diagnosticados com hanseníase eram compulsoriamente
internados perdendo suas relações familiares e sua identidade social 91.
Atualmente, a hanseníase é uma doença curável; sabe-se que, após o início
do tratamento, o paciente deixa de ser transmissor, mas, mesmo assim, o estigma
permanece fazendo com que, por medo da segregação social, os pacientes
escondam o diagnóstico até mesmo de seus familiares. Muitas vezes, a orientação
para ocultar o diagnóstico é dada pelos próprios profissionais da saúde, o que
confirma que o preconceito é mais resistente que a própria doença 92.
38
Em pesquisa realizada com 19 pacientes portadores de hanseníase atendidos
em um centro de referência em Cuiabá, MT, em 2014, observou-se que o
preconceito à doença era claramente percebido pelos pacientes; muitos deles
relataram nas entrevistas que não revelavam seu diagnóstico aos colegas de
trabalho por vergonha, por medo do isolamento e pelo medo de perder o emprego 93.
Quanto ao HIV/AIDS, o preconceito não está relacionado apenas às
características da doença, por exemplo, fácil transmissão, grande número de
complicações e alta letalidade. Essa doença gera maior carga de atitudes
discriminatória pelo fato de estar associada às minorias com comportamentos
considerados não normais pela sociedade. Desde o início da epidemia, os pacientes
sofreram rejeição e até mesmo agressões físicas. Atitudes discriminatórias e
preconceituosas são também direcionadas para grupos considerados de risco
mesmo que não infectados. Muitos pacientes foram demitidos de seus empregos e,
até mesmo, expulsos do convívio familiar. A discriminação é maior nos setores de
emprego, assistência médica, seguros e educação 89.
Esse preconceito relacionado às minorias estigmatizadas pela sociedade foi
comprovado em pesquisa realizada com estudantes matriculados no ano de 2014 na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que analisou o preconceito em relação
aos homossexuais. Os níveis mais altos de preconceito foram observados entre os
estudantes de engenharia, agricultura e geologia. Os estudantes da área de saúde
mostraram níveis moderados ou baixos. Níveis mínimos foram encontrados entre os
alunos das áreas de ciências humanas, linguística e artes 94.
Dados de pesquisa realizada nos Estados Unidos demonstraram que
experiências relacionadas ao estigma tiveram efeito negativo na aderência ao
tratamento, dificultaram o equilíbrio psicológico e foram o principal motivo para os
pacientes não revelarem seu status sorológico. Aqueles que vivenciaram maior
número de experiências discriminatórias necessitaram de mais atendimentos
psiquiátricos e foram os que tiveram maior número de faltas nas consultas
agendadas no ano anterior à pesquisa. Os mecanismos que relacionam a baixa
adesão ao tratamento com estigma ainda não estão bem esclarecidos, mas o medo
de ter seu diagnóstico revelado pelo uso da medicação é uma das hipóteses mais
prováveis95.
Por mais paradoxal que possa parecer, existe preconceito por parte dos
profissionais de saúde quanto aos pacientes soropositivos, o que faz com que,
39
muitas vezes, eles sejam discriminados nos serviços de saúde. As atitudes
discriminatórias se manifestam pela recusa de atendimento, pelo uso de medidas
profiláticas excessivas e diferenciadas, encaminhamentos desnecessários e até por
aconselhamentos equivocados, como a indicação de realização de aborto.
Profissionais da enfermagem e médicos são os que mais discriminam e a
discriminação é mais observada nos serviços públicos de saúde 96.
Pesquisa realizada na Índia mostrou que muitos pacientes soropositivos são
discriminados por seus familiares, nos locais de trabalho, assim como nos serviços
de saúde. Muitos hospitais se negam a prestar cuidados aos pacientes com
diagnóstico
de
HIV/AIDS.
Profissionais
de
saúde
manifestam
atitudes
discriminatórias revelando o status sorológico aos familiares sem o consentimento
dos pacientes, queimando as camas após a alta hospitalar e usando luvas durante
qualquer interação97.
No México, pouco se tem estudado sobre as percepções que os
trabalhadores de saúde têm acerca dos grupos relacionados à infecção pelo vírus
HIV e também sobre as atitudes desses profissionais durante os atendimentos a
esses pacientes nos serviços de saúde. Em 2003 foram entrevistaram 373
profissionais de saúde, 285 deles trabalhavam em hospitais e 88 em unidades de
medicina de família. Os dados coletados mostraram que os pacientes soropositivos
sofreram discriminação desde o momento em que entraram nos serviços de saúde,
principalmente nas emergências, pois ainda existe uma ligação entre HIV/AIDS com
morte. Os pacientes infectados tinham uma tarja de identificação em suas fichas
clínicas e eram vistos como não recuperáveis e, por esse motivo, negligenciados.
Um dos cirurgiões entrevistados deu a seguinte resposta: “Eles vão morrer, por isso
não há necessidade de nos expormos ao risco de infecção operando estes
pacientes”98.
Esse estudo mostrou, ainda, que existe uma grande falta de informação sobre
a doença. Para 25% dos profissionais entrevistados, não existe diferença entre ser
soropositivo e ter AIDS. Dentre estes, 11% eram médicos. Um número significativo
(12%) acredita que o vírus não é transmitido através do leite materno. Para 14% os
pacientes assintomáticos não transmitem o vírus e 70% admitiram ser necessário
usar medidas extras de proteção durante procedimentos realizados em pessoas
portadoras do vírus HIV. Mas o que mostra claramente o estigma e o preconceito
sofrido por esses pacientes é que 38% dos profissionais acham que o diagnóstico
40
deve ser revelado aos chefes de serviço e administradores das empresas e que a
testagem deveria ser obrigatória para profissionais do sexo, homens que fazem sexo
com homens e usuários de drogas injetáveis 98.
Os profissionais médicos graduados em 1984, ou antes, apresentam maior
dificuldade para prestar atendimento aos pacientes HIV/AIDS, pois, como os
primeiros casos foram registrados em 1981, esses profissionais não receberam
informações sobre a doença em sua formação. Isso foi demonstrado em um estudo
realizado em Barbados, onde foi constatado que os profissionais formados no
período anterior à epidemia atenderam um menor número de pacientes durante suas
carreiras, tinham menos conhecimentos sobre a clínica e o tratamento da doença,
mais propensão a sentir desconforto durante o atendimento, sentiam-se menos
habilitados para prestar aconselhamento pré-teste e eram favoráveis à testagem
sem consentimento dos pacientes dos grupos de risco. Essa última constatação
configura claramente uma atitude discriminatória99.
Pesquisa realizada na cidade de São Paulo entrevistou 17 pacientes
soropositivos masculinos e heterossexuais com o objetivo de analisar as implicações
do HIV/AIDS nas relações de trabalho. Os dados obtidos mostraram que a doença
tem impacto negativo na vida profissional, pois o tratamento exige idas constantes
aos serviços de saúde, o que causa desconfiança e força a revelação do
diagnóstico. Alguns desses pacientes não suportam a pressão e solicitam demissão,
outros são demitidos. Nas entrevistas de trabalho, revelar que é soropositivo
significa ser rotulado como homossexual ou promíscuo. Muitas vezes, a única saída
para evitar o preconceito e a discriminação é a aposentadoria. Numa sociedade em
que a identidade social masculina está associada ao papel de trabalhar e prover o
sustento da família, a aposentadoria é um atestado de exclusão social aos pacientes
heterossexuais100.
A ilegalidade do preconceito e da discriminação tem grande embasamento
jurídico em nosso país. A Constituição Federal do Brasil de 1988, no capítulo I, que
trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, em seu artigo 5º, diz que todos os
brasileiros são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza; em seu
artigo 196, afirma que a saúde é um direito de todos e um dever do estado e que
todos têm direito ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde. A
Lei 8080, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação
da saúde, em seu capítulo II, artigo IV, determina a obrigatoriedade da igualdade da
41
assistência à saúde sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie. Em junho
de 2014, foi promulgada a Lei 12.984, que define como crime punível com reclusão
de 1 a 4 anos e multa a discriminação dos pacientes HIV/AIDS 101,47,102 A Declaração
Universal de Bioética e Direitos Humanos da UNESCO também se refere a este
tema em seu artigo 11 que diz “Nenhum indivíduo ou grupo deve, em circunstância
alguma, ser submetido, em violação da dignidade humana, dos direitos humanos e
das liberdades fundamentais, a uma discriminação ou a uma estigmatização 103.
A discriminação é proibida pela Constituição, mas as condições de saúde não
são consideradas como fator discriminatório. Esse fato tem implicações importantes
na prática, pois os profissionais acometidos por alguma doença são considerados
menos capazes, menos produtivos e menos eficientes que os saudáveis. São
constantemente estigmatizados e recebem tratamento constantemente diferenciado
em suas relações de trabalho. Admitir ser portador de doenças como LER (Lesão
por
Esforço
Repetitivo)
ou
HIV/AIDS
tem
como
consequência
menores
oportunidades. Esses pacientes excluídos do mercado de trabalho tornam-se vítimas
tanto da doença que padecem quanto do preconceito e da discriminação a eles
direcionadas104.
O estigma e a discriminação são desafios que precisam ser vencidos se
quisermos chegar a uma resposta efetiva ao HIV e acabar com os níveis epidêmicos
da AIDS até 2030. Essa foi uma das conclusões do painel de especialistas durante o
10º Congresso de HIV/AIDS realizado em João Pessoa, PA, no período de 17 a 20
de novembro de 2015. A Diretora do UNAIDS no Brasil, Georgiana Braga-Orillard
enfatizou que “Precisamos começar a mensurar, de alguma forma, os atos
relacionados ao estigma e à discriminação em relação ao HIV”. Para isso, é
necessária a construção de um índice capaz de medir a percepção de estigma e
discriminação no Brasil, a exemplo do que já existe para muitos países na América
Latina. Esse indicador é um instrumento importante para subsidiar a construção de
políticas públicas nessa área105.
42
4 MATERIAL E MÉTODOS
Estudo qualitativo e quantitativo, exploratório, de corte transversal no serviço
público de saúde no município de Joaçaba, no Meio-Oeste do estado de Santa
Catarina, no período de dezembro de 2014 a setembro de 2015. A pesquisa teve
como foco:
a) pacientes com HIV/AIDS residentes no Meio-Oeste de Santa Catarina
cadastrados no Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) do município
de Joaçaba, SC, e em acompanhamento efetivo, no período do estudo;
b) prontuários de todos os pacientes portadores de HIV/AIDS atendidos nesse
centro de referência, desde o início de sua atividade;
c) profissionais médicos, enfermeiros e dentistas que trabalhavam nas equipes
de saúde da família do referido município no período da pesquisa.
O CTA de Joaçaba é uma unidade pública especializada no atendimento aos
portadores do vírus HIV, mantido pela Secretaria de Saúde de Joaçaba e que
atende, por livre demanda, pacientes de toda região do Meio-Oeste de Santa
Catarina. O acesso livre ao serviço permite que os pacientes busquem atendimento
fora de seu domicílio. Os municípios que compõem a região de abrangência deste
estudo são considerados de pequeno e médio porte.
4.1 ETAPAS DA PESQUISA
4.1.1 Pacientes com HIV/AIDS- Dados sociodemográficos e estudo
clínico sobre infecções oportunistas
Para o levantamento dos dados sociodemográficos e clínicos, foram
analisadas as informações contidas nos prontuários médicos de todos os pacientes
cadastrados, em acompanhamento efetivo, mantidos no CTA do município de
Joaçaba, SC. Para isso, foi obtida a autorização do Secretário Municipal de Saúde
de Joaçaba e da coordenação do serviço. Levantamento prévio identificou que 143
pacientes estavam cadastrados e em acompanhamento, enquanto 80 prontuários
estavam inativos por morte (35 óbitos), abandono ou transferência.
43
4.1.2
Estudo
sobre
preconceito/discriminação
sofrido
pelos
pacientes
Os
dados
sobre
preconceito/discriminação
sofridos
pelos
pacientes
portadores do vírus HIV/AIDS foram obtidos por meio de uma entrevista individual
realizada pela pesquisadora nos dias em que eles compareceram ao CTA para
receber as orientações e medicações, utilizando-se um questionário previamente
elaborado
pela
pesquisadora
responsável
(Apêndice
A).
Pelo
cálculo
de
determinação do tamanho da amostra para população finita, sob a orientação do
Professor Dr. Gerson Azulim Muller, foram selecionados 105 pacientes, 92 deles
concordaram em participar da pesquisa.
4.1.3
Estudo
sobre
preconceito/discriminação
entre
os
profissionais de saúde
Para a pesquisa sobre preconceito/discriminação com os profissionais de
saúde, foram entrevistados todos os médicos, dentistas e enfermeiros que
trabalhavam nas equipes da Estratégia de Saúde da Família do município de
Joaçaba no momento do estudo (9 médicos, 9 enfermeiros e 9 dentistas). Todos
esses profissionais foram visitados em seus locais de trabalho e entrevistados pela
pesquisadora, após concordarem em participar da pesquisa e assinar o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). As entrevistas foram orientadas por um
questionário elaborado pela pesquisadora responsável (Apêndice B).
4.2 ANÁLISE ESTATÍSTICA
Os dados obtidos no presente estudo tiveram sua normalidade e
homogeneidade determinadas pelo teste estatístico de Kolmogorov-Smirnov
(Lilliefors) e Levene, respectivamente. Posteriormente, as distribuições com
tendência normal foram analisadas por testes estatísticos paramétricos e as
distribuições com outras tendências foram analisadas por testes estatísticos não
44
paramétricos. Assim, foram utilizados os testes estatísticos de Qui-quadrado (χ2),
teste exato de Fisher, teste G e teste de correlação de Pearson (Zar, 1996).
O nível de significância utilizado no emprego dos testes estatísticos foi de
95% (p<0,05) e o programa computacional utilizado foi o Excel do pacote Microsoft
Office 2010 e o programa GraphPad Prism 2007. O Professor Dr. Gerson Azulim
Muller foi o responsável pelas análises estatísticas referidas.
45
5 RESULTADOS
5.1 RESULTADOS DA ANÁLISE DOS PRONTUÁRIOS CLÍNICOS
A maioria dos pacientes acompanhados no CTA de Joaçaba, SC, era do sexo
masculino, com idade entre 31 e 50 anos, branca, casada ou em união estável
(Tabela 1).
A escolaridade mais encontrada foi de primeiro grau incompleto, seguida por
primeiro grau completo. Apenas 15,58% dos pacientes tinham nível superior. Quanto
à profissão, a maior parte dos pacientes trabalhava como profissional liberal ou
autônomo e 67,13 % deles eram trabalhadores ativos (Tabela 2).
Tabela 1 – Perfil epidemiológico dos pacientes HIV/AIDS atendidos no CTA/Joaçaba/SC, no período
de dezembro de 2014 a setembro de 2015, por sexo, idade, cor e estado civil
Característica
Sexo
Masculino
Feminino
N
%
80
63
55,94
44,06
Idade (anos)
< 21
21 - 30
31 - 40
41 - 50
51 - 60
>60
1
16
46
46
28
6
0,70
11,19
32,17
32,17
19,58
4,19
Cor
Branco
Negro
Pardo
110
9
24
76,92
6,29
16,79
Estado Civil
Casado/União estável
Separado
Solteiro
Viúvo
83
16
38
6
58,04
11,19
26,57
4,20
46
Tabela 2 – Perfil epidemiológico dos pacientes HIV/AIDS atendidos no CTA/Joaçaba/SC, no período
de dezembro de 2014 a setembro de 2015, por escolaridade, profissão e situação
profissional
Características
Escolaridade
Analfabeto
1º grau incompleto
1º grau completo
2º grau incompleto
2º grau completo
Superior
Situação profissional
Aposentado
Beneficiário
Desempregado
Trabalhador ativo
N
%
5
57
19
14
26
22
3,50
39,86
13,29
9,79
18,18
15,38
17
21
9
96
11,89
14,69
6,29
67,13
O tempo de diagnóstico foi, na maioria dos casos, entre 5 e 10 anos. Todos
os pacientes estavam em uso de terapia antirretroviral e o contágio, na grande
maioria dos casos, foi através de relação sexual. Um número considerável de
pacientes (11,18%) já fazia uso de terapia há mais de 10 anos (Tabela 3).
Tabela 3 – Características clínicas dos pacientes HIV/AIDS atendidos no CTA de Joaçaba/SC no
período de dezembro de 2014 a setembro de 2015, conforme o tempo de diagnóstico,
uso de terapia anterretroviral, tempo de medicação e mecanismo de infecção
Características
Tempo de diagnóstico (anos)
<1
1–5
5,1 - 10
> 10
N
%
9
67
45
22
6,29
46,85
31,47
15,39
Terapia antirretroviral
Sim
Não
143
0
100,00
0,00
Quanto tempo usa ou usou a medicação (anos)
<1
1–5
5,1 - 10
> 10
26
76
25
16
18,18
53,15
17,48
11,19
Como se contaminou
Desconhecida
Drogas injetáveis
Relação sexual (heterossexual)
Relação sexual (homossexual)
9
2
118
13
6,29
1,40
82,52
9,09
47
Quando se compara a carga viral dos pacientes no momento do diagnóstico
com a encontrada no último exame realizado, foi possível observar diferenças
significativas (χ2= 127,3; g.l.= 3; p= 0,001), ou seja, a terapia antirretroviral
determinou importante redução na carga viral dos pacientes. (Tabela 4).
Tabela 4 – Carga viral dos pacientes HIV/AIDS registrados nos prontuários de 143 pacientes
atendidos no CTA de Joaçaba/SC no período de dezembro de 2014 a setembro de
2015, no momento do diagnóstico e na atualidade
Carga Viral (cópias/mL)
Diagnóstico
N (%)
Atual
N (%)
< 10.000
10.000 – 100.000
> 100.000
Indetectável
Não informado/abandonou
43 (30,07)
65 (45,45)
27 (18,88)
6 (4,20)
2 (1,40)
38 (26,57)
7 (4,89)
9 (6,29)
88 (61,55)
1 (0,70)
Em relação aos níveis de células CD4 apresentados pelos pacientes no
momento do diagnóstico e no último exame realizado, foi possível observar
diferenças significativas (χ2= 190,4; g.l.= 2; p= 0,001). Assim, na atualidade, após o
tratamento, são observadas maiores quantidades de CD4 do que no momento do
diagnóstico (Tabela 5).
Tabela 5 – Valores de CD4 no CTA/Joaçaba/SC no período de dezembro de 2014 a setembro de
2015 no momento do diagnóstico e na atualidade
Células CD4+
(células/mm3)
≤ 100
101 - 499
≥ 500
Não informado/abandonou
Diagnóstico
N (%)
Atual
N (%)
14 (9,79)
103 (72,03)
24 (16,78)
2 (1,40)
0 (0,0)
3 (2,10)
140 (97,90)
0 (0,0)
Obs.: indivíduos que não tiveram carga viral informada ou que abandonaram o tratamento foram
excluídos dessa análise.
Em relação à ocorrência de infecções oportunistas, 55 (38,46%) dos
pacientes apresentavam alguma doença relacionada ao HIV/AIDS e 88 (61,54%)
pacientes não. As infecções oportunistas que constavam nos prontuários clínicos
estão listadas na Tabela 6.
48
Tabela 6 – Frequência absoluta e relativa de infecções oportunistas registradas nos prontuários de
143 pacientes com HIV/AIDS atendidos no CTA/Joaçaba/SC no período de dezembro de
2015 a setembro de 2015
Infecções Oportunistas
Citomegalovírus
Diarreia
Emagrecimento
Herpes genital
Herpes Zoster
Lesões de pele
Linfoma de Hodgkin
Linfoma Não Hodgkin
Monilíase esofágica
Monilíase oral
Neurotoxoplasmose
Pneumonia
N
3
8
7
2
12
6
1
1
4
5
6
8
%
2,10
5,59
4,89
1,40
8,39
4,19
0,70
0,70
2,80
3,50
4,19
5,59
Obs.: Alguns pacientes apresentaram mais de uma infecção oportunista.
Conforme o Gráfico 1, não houve diferença estatisticamente significante entre
a carga viral no momento do diagnóstico e a incidência de infecções oportunistas
(Teste exato de Fisher; p= 0,587).
Gráfico 1 – Ocorrência de infecções oportunistas em relação à carga viral no momento do diagnóstico
de 143 pacientes HIV/AIDS em acompanhamento no CTA de Joaçaba/SC no período de
dezembro de 2014 a setembro de 2015
No de indivíduos
100
Sim
Não
80
60
40
20
0
 10.000
> 10.000
Carga viral (cópias/mL)
Quanto à ocorrência de infecções oportunistas em pacientes soropositivos,
observou-se que indivíduos com contagem de CD4 inferior a 200 células/mm3
apresentaram uma incidência estatisticamente significante maior (Teste exato de
Fisher; p= 0,001).
49
Gráfico 2 – Ocorrência de infecções oportunistas em relação à contagem de células CD4 no momento
do diagnóstico de 143 pacientes HIV/AIDS em acompanhamento no CTA de Joaçaba/SC
no período de dezembro de 2014 a setembro de 2015
No de indivíduos
150
Sim
Não
100
50
0
 200
> 200
CD4+
No que se refere à ocorrência de coinfecção, quatro foram relatadas: Hepatite
C, Hepatite B, Sífilis e Tuberculose; dos 143 pacientes analisados, apenas 21
(14,68%) apresentavam alguma delas. A Tabela 7 mostra a frequência relativa
absoluta de cada uma delas
Tabela 7 – Frequência absoluta e relativa de coinfecções registradas nos prontuários de 143
pacientes HIV/AIDS atendidos no CTA de Joaçaba/SC no período de dezembro de 2014
a setembro de 2015
Coinfecção
Hepatite B
Hepatite C
Sífilis
Tuberculose
Sem coinfecção
Total
N
3
5
6
7
122
143
%
2,10
3,50
4,19
4,89
85,32
100,00
Quando se compara a proporção de ocorrência de coinfecções em pacientes
soropositivos com carga viral e contagem de CD4 no momento do diagnóstico, não
foram observadas diferenças estatisticamente significantes (Teste exato de Fisher;
p= 0,656 e p= 0,788 respectivamente).
Pelos dados dos prontuários, 13 pacientes (9,1%) faziam uso abusivo de
álcool, 4 (4,35%) usavam drogas ilícitas. Entre estes pacientes 6 (35,29% dos
usuários de álcool e drogas) tinham baixa adesão ao tratamento.
50
Depressão foi referida por 24 pacientes (26,08%).Nos prontuários de 8 destes
pacientes constava baixa adesão ao tratamento. Isto significa que 33,33% dos
pacientes depressivos não fazia uso correto da medicação antirretroviral.
5.2 RESULTADOS DAS ENTREVISTAS COM OS PACIENTES
Foram entrevistados 92 pacientes nos dias em que compareciam ao CTA
para realizar os exames de acompanhamento ou para buscar medicação. O perfil
epidemiológico em relação a sexo, idade, cor, estado civil, escolaridade, profissão e
situação profissional foi o mesmo encontrado quando da análise dos prontuários.
Quanto à terapia antirretroviral, 93,48% referiram fazer uso correto da medicação
(dose e horário).
Como demonstra o Gráfico 3, 18 dos pacientes entrevistados relataram algum
tipo de discriminação durante o atendimento nos serviços de saúde e 74 deles não.
Gráfico 3 – Frequência relativa em 92 pacientes HIV/AIDS em acompanhamento no CTA de
Joaçaba/SC e que relatam ter sofrido algum tipo de discriminação nos serviços de
saúde
19,57%
80,43%
Não
Sim
No que diz respeito aos profissionais que tiveram algum tipo de atitude
discriminatória, um dos pacientes relatou ter sido discriminado pelo dentista (5,26%),
dois por enfermeiros (10,53%), cinco (26,32%) por técnicos em enfermagem, oito
(42,10%) por médicos e três (15,79%) por outros profissionais envolvidos em seu
atendimento nos serviços de saúde. É importante destacar que cada paciente
51
poderia indicar mais do que um profissional na sua resposta para esse
questionamento.
O maior número de atitudes discriminatórias ocorreu nas Unidades Básicas
de Saúde, mas os pacientes também foram discriminados em Hospitais e/ou
Emergências, Laboratório de Análises Clínicas e em Consultório médico (Gráfico 4).
Gráfico 4 – Frequência relativa dos serviços de saúde em que os 92 pacientes HIV/AIDS em
acompanhamento no CTA de Joaçaba/SC relatam terem sido discriminados
11,11
%
5,56%
l
UBS
22,22%
61,11%
Hospital/Emergência
Laboratório
Consultório
Dos 92 pacientes entrevistados, 46,74% nunca sofreram preconceito em
outros setores da sociedade e 53,26% responderam que sim (Gráfico 5).
Gráfico 5 – Frequência relativa de 92 pacientes HIV/AIDS em acompanhamento no CTA de
Joaçaba/SC e que relatam algum tipo de preconceito em outros setores da sociedade
53,26%
46,74%
Não
Sim
52
Quanto ao preconceito nos locais de trabalho, apenas 22,83% referiram ter
sofrido algum tipo de discriminação por parte de colegas e empregadores (Gráfico 6)
Gráfico 6 – Frequência relativa de 92 pacientes HIV/AIDS em acompanhamento no CTA de
Joaçaba/SC e que relatam sofrer preconceito em seus locais de trabalho
22,83%
77,17%
Não
Sim
.
Também foi perguntado se ser soro positivo era um determinante negativo
para a qualidade de vida do indivíduo pesquisado; seis responderam que não e 86
(91,30%) responderam que sim (Gráfico 7).
Gráfico 7 – Frequência relativa de 92 pacientes que consideram que “ser soro positivo” é um fator
determinante negativo para a sua qualidade de vida
8,70%
91,30%
Não
Sim
53
5.3 RESULTADOS DAS ENTREVISTAS COM OS PROFISSIONAIS DE
SAÚDE
Os profissionais que trabalham nas Unidades Básicas de Saúde do município
de Joaçaba, SC, são, em sua maioria, mulheres jovens, com idade entre 21 e 40
anos e com menos de 10 anos de profissão (Tabela 8).
Tabela 8 – Perfil sociodemográfico dos 27 profissionais de saúde das Unidades Básicas de Saúde de
Joaçaba/SC entrevistados, sobre preconceito/discriminação aos pacientes HIV/AIDS
Característica
Sexo
Masculino
Feminino
Idade (anos)
21 – 30
31 - 40
41 - 50
51 - 60
Profissão
Dentista
Enfermeiro
Médico
Tempo de profissão (anos)
<1
1a 5
6 - 10
> 10
N
%
5
22
18,52
81,48
13
10
1
3
48,15
37,04
3,70
11,11
9
9
9
33,33
33,33
33,33
2
10
10
5
7,41
37,04
37,04
18,51
O Gráfico 8 evidencia que, dos 27 profissionais da saúde, 9 (33,33%)
admitiram sentir algum desconforto ao atender um paciente HIV positivo e 18
(66,67%) relataram não ter problemas em relação a esses pacientes.
54
Gráfico 8 – Frequência relativa de 27 profissionais de saúde das Unidades Básicas de Saúde de
Joaçaba/SC entrevistados sobre preconceito/discriminação a pacientes HIV/AIDS e que
admitiram sentir desconforto ao prestar atendimento a essas pessoas
33,33%
66,67%
Não
Sim
Sobre a adoção de medidas de biossegurança, 40,74% dos profissionais
disseram que, quando atendem pacientes soropositivos, usam medidas que não
usariam se o paciente não fosse portador do HIV (Gráfico 9).
Gráfico 9 – Frequência relativa dos 27 profissionais de saúde das Unidades Básicas de Saúde de
Joaçaba/SC entrevistados sobre preconceito/discriminação a pacientes HIV/AIDS e que
admitiram usar medidas extras de biossegurança durante o atendimento a essas
pessoas
40,74%
59,26%
Não
Sim
O Gráfico 10 mostra que 16 (59,26%) dos profissionais já observaram algum
tipo de atitude discriminatória aos pacientes portadores do HIV por parte de algum
dos membros da equipe de saúde.
55
Gráfico 10 – Frequência relativa dos 27 profissionais de saúde das Unidades Básicas de Saúde de
Joaçaba/SC entrevistados sobre preconceito/discriminação a pacientes HIV/AIDS e que
já observaram alguma atitude discriminatória aos pacientes soropositivos por parte de
membros das equipes de saúde
59,26%
40,74%
Não
Sim
O mesmo número de profissionais não revelaria para os colegas de equipe se
houvesse um exame positivo para o HIV (Gráfico 11).
Gráfico 11 – Frequência relativa dos 27 profissionais de saúde das Unidades Básicas de Saúde de
Joaçaba/SC entrevistados sobre preconceito/discriminação a pacientes HIV/AIDS e se
revelariam seu diagnóstico para os colegas de trabalho caso fossem soropositivos para
o vírus HIV
40,74%
59,26%
Não
Sim
Um grande número dos profissionais de saúde (77,88%) acredita que os
pacientes ainda são muito discriminados nos serviços de saúde (Gráfico 12).
56
Gráfico 12 – Frequência relativa de 27 profissionais de saúde das Unidades Básicas de Saúde de
Joaçaba/SC entrevistados sobre preconceito/discriminação a pacientes HIV/AIDS e se
concordam ou não que os soropositivos são discriminados nos serviços de saúde
22,22%
Não
77,88%
Sim
O Gráfico 13 mostra que, dos 27 profissionais da saúde pesquisados, apenas
2 (7,41%) responderam que, se fosse possível, se recusariam a atender um paciente
soropositivo e 25 (92,59%) responderam que não.
Gráfico 13 – Frequência relativa dos 27 profissionais de saúde das Unidades Básicas de Saúde de
Joaçaba/SC entrevistados sobre preconceito/discriminação a pacientes HIV/AIDS e sua
opinião sobre recusar ou não em atender pacientes soropositivos, se possível
7,41%
Não
92,59%
Sim
57
6 DISCUSSÃO
Dos 143 pacientes com HIV/AIDS estudados nesta pesquisa, 55,94% eram do
sexo masculino e 63 (44,06%) do sexo feminino (Tabela 1). Deve ser lembrado que,
no início da epidemia, o predomínio absoluto era de homens homossexuais. O maior
número de pacientes do sexo masculino também foi observado em outros
estudos23,27. No entanto, os dados dos órgãos responsáveis pelo controle da AIDS
no Brasil e no mundo mostram que o número de pacientes do sexo feminino tem
aumentado desde 199626. A relação homem/mulher, que era de 24:1 em 1985,
passou para 6:1 em 1990; desde 1997, permanece estabilizada em 2:16.
Por sua vez, a idade dos pacientes acompanhados no serviço de referência
pesquisado variou de 18 a 68 anos, com maior prevalência na faixa etária de 30 a 49
anos (66,4%) (Tabela 1). Essa é a faixa etária mais acometida no Brasil, segundo
dados do Ministério da Saúde46 e é coerente com outros estudos que mostraram
percentuais semelhantes nessa mesma faixa etária26,27,106. Ainda em relação às
faixas etárias mais atingidas, em Santa Catarina, a partir de 2005, o maior número
de diagnósticos ocorreu em pessoas com idade entre 40 e 49 anos9 enquanto outros
estudos mostram um aumento de incidência em outras faixas etárias; por exemplo,
em Florianópolis está ocorrendo um aumento de casos entre estudantes e
aposentados ou pensionistas26. No estado do Ceará, o número de pacientes idosos
com diagnóstico positivo para o HIV vem crescendo desde 1989 29. Nesta pesquisa,
32,9% dos pacientes têm idade igual ou superior a 50 anos e, em São Paulo, em
estudo realizado no período de 1993 a 2001, a porcentagem nesta mesma faixa
etária
foi
de
21,7%106,
confirmando
a
mudança
desse
importante
perfil
epidemiológico.
Sobre a raça (Tabela 1), o estudo mostrou que a maioria dos pacientes é da
raça branca (75,5%) (Tabela 1), o que se justifica pela forte migração italiana e
alemã no oeste catarinense. Esses resultados diferem dos dados registrados no
país, pois, em 2012, 47,4% dos pacientes notificados no Sistema de Informação de
Agravos de Notificações (SINAN) se autodeclararam brancos, 41,3% pardos e
10,4% negros46. Número semelhante ao encontrado em nossa pesquisa foi
observado em estudo realizado no município de Divinópolis, MG, onde pacientes de
raça branca representavam 71,57% da amostra 107; por um estudo realizado em um
58
centro de referência de Tubarão, SC, no ano de 2010, 87,4% dos pacientes
portadores de HIV/AIDS eram da raça branca27.
Quanto ao estado civil (Tabela 1), a pesquisa mostrou que a maioria (57,3%)
dos pacientes acompanhados no CTA de Joaçaba se declarou casada ou vivendo
em união estável, enquanto no município de São Paulo, no período de 1993 a 2001,
39,3% dos pacientes atendidos no ambulatório do Hospital São Paulo, Instituição de
Ensino da Universidade Federal de São Paulo, eram casados ou viviam em união
consensual106. Por sua vez, percentual intermediário foi detectado na cidade de São
José, litoral de Santa Catarina, onde 44,7% dos pacientes tinham relação duradoura
no período de julho de 2009 a junho de 2010 25. Um maior número de pacientes
vivendo em união estável tem impacto na epidemia, pois casais soro discordantes e
gestantes soropositivas demandam uma maior atenção das equipes de saúde no
sentido de evitar a transmissão vertical e a contaminação dos parceiros.
A análise dos prontuários em nosso estudo mostrou que o nível de
escolaridade (Tabela 2) dos pacientes HIV/AIDS é baixo, pois 3,5% são analfabetos,
39,9% não concluíram o primeiro grau e apenas 15,4% têm curso superior completo.
Esses dados ilustram a grande alteração do perfil epidemiológico da infecção viral,
haja vista que, nos primeiros anos da epidemia no Brasil, 76% dos pacientes
soropositivos tinham um bom nível de escolaridade, porém, a partir de 1985,
pessoas com menor poder aquisitivo passaram a ser contaminadas com maior
frequência e, no período de 1999 a 2000, 74% dos pacientes eram analfabetos ou
tinham apenas o ensino fundamental 6. Resultados semelhantes foram registrados
no município de São Paulo, numa análise dos casos de HIV/AIDS no período de
1993 a 2001: 47,8% dos homens e 50,8% das mulheres não tinham terminado o
primeiro grau106. Essa mesma baixa escolaridade nos indivíduos infectados pelo HIV
foi observada também no estudo realizado no município de São José, SC, no
período de 2009 a 2010, uma vez que 50,6% dos pacientes tinham apenas o
primeiro grau25. Pacientes com baixa escolaridade têm menor entendimento sobre a
doença e sobre a medicação o que facilita a disseminação e prejudica a adesão ao
tratamento.
O presente estudo procurou identificar a situação laboral (Tabela 2) dos 143
pacientes no momento de seus registros no CTA/Joaçaba, e os resultados
evidenciaram que a maioria (66,4%) se encontrava inserida no mercado de trabalho
e que apenas 6,3% estão desempregados. Esses dados vêm ao encontro da
59
realidade da população economicamente ativa da região do Meio-Oeste do estado
de Santa Catarina, uma vez que, segundo dados do IBGE, 55% da população dessa
região está inserida no mercado de trabalho 108. Estudo realizado no Brasil, com
pacientes em uso de terapia antirretroviral, em 2008, mostrou que 44,9% dos
homens e 38,1% das mulheres estavam desempenhando normalmente eu suas
funções e que 38,9% dos homens e 25,8% das mulheres encontravam-se
aposentados em consequência da doença 42. Este número expressivo de pacientes
inseridos no mercado de trabalho é uma demonstração inequívoca de que a AIDS
deixou de ser uma doença aguda e incapacitante.
Os pacientes de nossa pesquisa informaram ao CTA/Joaçaba que seu
contágio foi majoritariamente por relação heterossexual (82,52%) (Tabela 3),
enquanto 9,09% deles declararam ter sido por transmissão homossexual. Apenas
em 1,40% a contaminação teria ocorrido pelo uso de drogas injetáveis. Inúmeros
estudos demonstram que a transmissão sexual foi a principal forma de contágio 25,27.
Na maioria dos municípios com população menor ou igual a 50.000 habitantes do
Brasil,
semelhante
a
do
município
de
Joaçaba,
a
transmissão
é,
predominantemente, por contato heterossexual. Essa forma de transmissão
heterossexual parece ter sido determinante para a redução da relação de incidência
entre os sexos em pacientes HIV positivos que, no ano de 1995, era de 24:1, vindo,
posteriormente, a sofrer uma redução expressiva para 2:1, em 1997, e se mantendo
estável desde então6.
No entanto, esses resultados devem ser considerados com cautela, pois
interessante pesquisa conduzida no México revelou que a maioria dos pacientes
masculinos (32/50) que haviam declarado, na notificação do caso, que haviam sido
contaminados por relação heterossexual, modificou sua informação durante uma
entrevista pessoal, confirmando serem homo ou bissexuais. Os autores concluíram
que existem erros nesses registros com subnotificação da transmissão homo ou
bissexual109.
Importa ressaltar que todos os pacientes HIV/AIDS se encontram em uso de
medicação antirretroviral disponibilizado pelo CTA em cumprimento ao Protocolo
Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção pelo HIV em Adultos, de
2013, do Ministério da Saúde, o qual preconiza que se ofereça o tratamento logo
após o diagnóstico para preservar o sistema imunológico, diminuir a carga viral e,
com isso, diminuir a possibilidade de o paciente ser fonte de infecção. Para o
60
Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH), iniciar a terapia antirretroviral
precocemente (sem esperar o declínio da contagem das células CD4) reduz
significativamente a ocorrência tanto de doenças oportunistas quanto de outras
complicações não relacionadas com a AIDS, como doenças cardiovasculares
hepáticas e renais48. Na África, ante as enormes dificuldades de acesso à
medicação para AIDS, ainda se preconiza iniciar o tratamento apenas quando a
contagem do CD4 está abaixo de 200 células. Estudo nesse sentido, realizado na
República de Camarões, mostrou que apenas 5,4% dos pacientes estão em uso
efetivo da medicação38.
Quanto aos exames complementares para acompanhamento da infecção, os
dados levantados nos prontuários dos pacientes mostraram níveis de respostas
diferentes aos medicamentos, a exemplo do já observado na literatura 46. Assim, em
66,55% deles, a resposta terapêutica foi muito boa, pois apresentaram carga viral
indetectável e aumento na contagem das células CD4 no último exame realizado;
em 36,4% houve uma diminuição acentuada da carga viral e melhora dos níveis de
CD4; em 16,1%, houve falha no tratamento com aumento da carga viral e diminuição
das células CD4. A supressão da carga viral foi inferior à observada em estudo
realizado na China, no qual 95,4% dos pacientes em uso de terapia antirretroviral no
período de 2004 a 2012 apresentaram supressão da carga viral 110.
Por outro lado, os pacientes tratados no CTA/Joaçaba apresentaram resposta
à terapêutica melhor que a média no Brasil, pois, enquanto 2/3 dos pacientes do
Meio-Oeste catarinense tiveram carga viral indetectável, os dados no Ministério da
Saúde, no ano de 2012, mostravam que apenas 1/3 (33%) dos pacientes em uso de
terapia antirretroviral no país teve carga viral indetectável. As causas dessa falha
terapêutica são de várias naturezas, sobretudo decorrentes da baixa adesão dos
pacientes (quando os medicamentos são tomados nas doses e horários prescritos
em menos de 80% das vezes), potência virológica insuficiente e resistência viral 46.
Entre os pacientes que não apresentaram resposta ao tratamento, 34,8%
eram alcoolistas, 30,4% depressivos e todos tinham baixa adesão. Desse total, 8,7%
abandonaram o tratamento. Em 26,1% deles houve, provavelmente, resistência viral
aos medicamentos havendo, porém, necessidade de realização da genotipagem.
Pacientes com menor escolaridade, piores condições de emprego, pouco suporte
familiar/comunitário e usuários de drogas ilícitas têm menor adesão aos
medicamentos111.
61
Um estudo realizado com pacientes do Hospital de Base da cidade de São
José do Rio Preto, SP53, e outro na região noroeste do estado do Paraná 49 também
encontraram associação entre baixa escolaridade e baixa renda com a falta de
adesão ao tratamento e concluíram que essas duas variáveis estão fortemente
relacionadas com pouca informação sobre a doença. Para os autores de um estudo
com 1.300 pacientes cadastrados em um serviço público de saúde no Distrito
Federal, pessoas que abandonaram o tratamento por conta própria anteriormente
têm grande chance de não serem aderentes em uma segunda tentativa 41.
Conforme retratado na Tabela 3, o tempo de acompanhamento dos 143
pacientes cadastrados no presente estudo variou de 3 meses a 22 anos, devendo-se
destacar que expressivo contingente de cerca de 80% está em acompanhamento há
mais de dois anos. Cabe ressaltar que, nos últimos 10 anos, o Brasil apresentou um
aumento de 67,8% nas taxas de detecção em pacientes jovens (15 a 24 anos) do
sexo masculino e uma redução de 12,2% entre as mulheres nessa mesma faixa
etária46. Em nossa casuística, 17 (11,2%) dos pacientes têm 30 anos ou menos de
idade, sendo que não houve diferença significativa entre os sexos (9 masculinos e 8
femininos).
Foram observados 55 registros de doenças oportunistas (38,46%) e alguns
pacientes apresentaram mais de uma. Herpes Zoster, Monilíase (oral e esofágica),
Pneumonia, Diarreia, Emagrecimento e Toxoplasmose Cerebral foram as mais
prevalentes, como consta na Tabela 5. Os registros dos prontuários sobre essas
doenças eram escassos, não tendo nenhuma referência aos exames e nem aos
tratamentos instituídos. Por essa razão, foi conduzida pesquisa adicional nos
arquivos do Hospital Universitário Santa Terezinha (HUST), de Joaçaba, e
identificados registros de três dos seis pacientes de neuroxoplasmose do presente
estudo. Constatou-se que os diagnósticos foram confirmados por exames de
imagem, sendo dois por tomografia computadorizada e um por ressonância
magnética. A incidência dessas infeções varia de acordo com o país estudado, mas
candidíase, pneumonias, infecções pelo vírus herpes e toxoplasmose são citadas
em vários estudos como as mais prevalentes35,36,52,54,112. É importante ressaltar que,
em países em desenvolvimento, o diagnóstico etiológico muitas vezes não pode ser
confirmado por falta de ferramentas apropriadas 36.
A análise de nosso estudo mostrou não haver diferença estatisticamente
significativa entre a carga viral no início do tratamento e incidência de infecções
62
oportunistas. Independentemente de ter carga viral maior ou menor que 10.000
cópias, a incidência dessas infecções foi semelhante. Esse dado difere do
observado em estudo realizado em São José do Rio Preto, SP, entre 1998 e 2008,
que mostrou que a incidência de infecções oportunistas foi significantemente maior
naqueles que tinham uma carga viral maior ou igual a 10.000 cópias no momento do
diagnóstico53.
Quanto à contagem das células CD4, a incidência de infecções oportunistas
foi significantemente maior nos pacientes que tinham contagem de CD4 inferior a
200 células/mm3. Esse fato também foi observado no estudo realizado nos Estados
Unidos, para avaliar as infecções oportunistas diagnosticadas entre 1994 e 2007113,
e também no estudo brasileiro realizado na cidade de São José do Rio Preto, SP53.
A introdução da terapia antirretroviral de alta eficácia a partir de 1997 diminuiu
de forma significativa a incidência de doenças oportunistas por diminuir a carga viral
e, com isso, permitir a recuperação do sistema imunológico dos pacientes 41,42,43,114.
A análise dos prontuários clínicos no presente estudo mostrou uma diminuição
significativa da carga viral quando comparados os últimos exames realizados pelos
pacientes com aqueles feitos no momento do diagnóstico (Tabela 4). Houve também
uma recuperação do sistema imunológico comprovada pelo aumento das células
CD4 (Tabela 5). Esses dados podem justificar a baixa ocorrência dessas doenças
oportunistas na casuística da presente pesquisa, levando, ainda, em consideração, a
pronta disponibilidade no fornecimento dos medicamentos pelo CTA/Joaçaba e a
elevada adesão ao tratamento.
Dos pacientes acompanhados no CTA de Joaçaba que apresentaram
coinfecções (Tabela 6), a Hepatite C foi observada em 3,5% e Hepatite B em 2,1%.
Esses números diferem dos encontrados em um estudo realizado no Portal do
Paranapanema, SP, onde as taxas foram de 4,0% e 0,4% respectivamente63 e
também dos ocorridos entre os anos de 2008 a 2010 em um hospital de referência
para tratamento de doenças infecciosas no estado do Ceará, onde a análise dos
prontuário médicos mostrou que 5,7% dos pacientes estavam coinfectados pelo
HCV e 3,7% pelo HBV115. Uma análise de todos os casos notificados no país no
período de 1999 a 2010 mostrou que as taxas de coinfecção HIV/HCV e HIV/HBV
foram de 1,6% e 1,0%, respectivamente64.
Em relação às outras coinfecções (Tabela 7), a sífilis, em nossa casuística,
acometeu 6 pacientes (4,2%), todos com sorologia positiva. Na cidade do Rio de
63
Janeiro, no ano de 2005, um estudo realizado em um hospital universitário mostrou
que a prevalência dessa doença entre os pacientes soropositivos acompanhados no
ambulatório para HIV/AIDS era de 2,7%. O fato importante daquele estudo foi que
73% dos pacientes já tinham sido tratados e voltaram a se infectar, o que demonstra
que, mesmo sendo portadores do HIV, os pacientes continuam a manter relações
sexuais desprotegidas67.
O diagnóstico de tuberculose foi registrado nos prontuários de 7 pacientes, o
que corresponde a uma taxa de 4,9%, valor muito inferior aos observados em outros
estudos. Na cidade de Vitória, ES, em uma amostra de 715 pacientes, a prevalência
de tuberculose foi de 11,8%70; na cidade de São Paulo, uma análise retrospectiva
dos casos de tuberculose diagnosticados numa amostra de 599 pacientes
acompanhados entre os anos de 1995 a 2010 mostrou que 41 pacientes
apresentaram a doença, o que corresponde a uma taxa de 6,8%71. Na cidade de
Porto Alegre, no período de 2007 a 2011, foram registrados 3.998 casos de
tuberculose e a taxa de coinfecção com o HIV foi de 30% (chegou a ser de 67% em
alguns bairros)116. O fato de existir poucos aglomerados populacionais na região
com condições de moradia melhores que as da periferia de grandes centros urbanos
poderia ser uma explicação para a baixa prevalência desta infecção. Joaçaba, o
município polo desta região, está classificada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) como uma das 10 melhores cidades do país com menos de
50.000 habitantes e com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,827.
A prevalência de transtornos depressivos em pacientes infectados pelo HIV
varia de 12% a 66% e não é diagnosticada em 50% a 60% dos casos; esse quadro
clínico pode se associar a respostas inadequadas ao tratamento antirretroviral 117.
Em nossa pesquisa nos prontuários do CTA de Joaçaba, 24 (26,08%) dos pacientes
tinham diagnóstico de depressão; destes, 9 (36% do total de depressivos) tinham
baixa adesão ao tratamento.
Sobre o uso de drogas pelos pacientes do corrente estudo, os prontuários
clínicos mostraram que 13 (9,1%) faziam uso abusivo de álcool e 4 (4,35%) de
drogas ilícitas. Uma revisão sistemática da literatura mostrou que, em 85,7% dos
artigos analisados, houve uma associação significativa entre uso/abuso/dependência
de álcool com baixa adesão ao tratamento, menor supressão da carga viral e pior
desfecho clínico118.
64
A AIDS, por ter acometido no início da epidemia, preferencialmente,
homossexuais, profissionais do sexo, usuários de drogas injetáveis e levar,
inexoravelmente os pacientes à morte, constitui uma doença que ainda hoje gera
preconceito
e
discriminação.
Mesmo
tendo
ocorrido
mudança
no
perfil
epidemiológico, o preconceito e a discriminação permanecem75,76. Na Índia, os
profissionais de saúde dos hospitais chegavam a queimar as camas usadas pelos
pacientes soropositivos e revelavam o diagnóstico para os familiares, mesmo sem a
autorização deles97. Em Cuba, a testagem era obrigatória e, no início da epidemia,
os pacientes eram confinados em sanatórios86.
Na entrevista conduzida com 92 pacientes do CTA/Joaçaba, como parte do
presente estudo, cerca de 20% deles referiram ter sofrido algum tipo de
discriminação por parte dos profissionais de saúde. Constatou-se que 61,11% dos
casos ocorreram nas Unidades Básicas de Saúde, o que pode ser um viés, tendo
em vista que esse é o serviço de saúde mais frequentado pelos pacientes. Por sua
vez, conforme informado pelos próprios pacientes, os Médicos e Técnicos de
Enfermagem foram os que mais discriminaram, 42% e 26,32%, respectivamente.
Números um pouco diferentes foram observados em estudo realizado nos
municípios de Araçatuba, SP, Birigui, SP, Uberlândia, MG, e Dourados, MS, no qual
32,4% das atitudes discriminatórias foram praticadas por profissionais da
enfermagem, 34,2% por médicos e 31,6% por dentistas 119. Em Três Lagoas, MS,
49,3% dos pacientes com HIV sofreram algum tipo de discriminação por parte de
profissionais de saúde, 41,2% das vezes por parte de profissionais da enfermagem e
35,3% por parte dos médicos, dos quais 85% dos casos ocorreram nos serviços
públicos de saúde7.
Os estudos mostram que o preconceito se manifesta pelo uso de medidas
excessivas de biossegurança, por negativa de atendimento 7 ou pela revelação não
consentida do diagnóstico97. No México, um estudo mostrou que 66% dos
prestadores de serviço de saúde acham que a testagem deveria ser obrigatória para
todos os homens que fazem sexo com homens 98. Em parte, isso foi comprovado em
nossa pesquisa, pois 66,67% dos profissionais revelaram que se sentem
desconfortáveis quando atendem pacientes soropositivos, 40,74% deles tomam
precauções extras durante esses atendimentos, e o que é mais relevante: dois
médicos se recusariam a prestar o atendimento, se fosse possível.
65
O fato de usar medidas extras de biossegurança mostra falta de
conhecimento em relação às formas de transmissão. Estudo realizado no México
mostrou que os profissionais de saúde ainda têm pouco conhecimento sobre a
doença, pois 23% dos que trabalham nos serviços de urgência acreditam que o HIV
não é transmitido pelo leite materno e 12% dos profissionais da enfermagem
responderam que, se o paciente soropositivo for assintomático, não transmite o
vírus98.
Os indivíduos portadores de HIV/AIDS sofrem preconceito em outros setores
da sociedade; por esse motivo, um grande número deles não revela o diagnóstico
nem para os familiares e amigos11,75. Na Rússia, 71% dos pacientes soropositivos
referiram não revelar seu diagnóstico mesmo quando questionados; 21% revelam
apenas aos companheiros e amigos muito próximos. Disseram agir desse modo por
medo de sofrer algum tipo de agressão e rejeição 120. Dentre os 92 pacientes
entrevistados nesta pesquisa, 68,47% não revelaram seu diagnóstico aos colegas e
amigos e 33,69% não revelaram nem para
os profissionais de saúde.
Provavelmente, essa é a explicação para o fato de que apenas 22,83% deles
referiram algum tipo de discriminação no trabalho.
Pela associação da doença com grupos de comportamento considerado
incorreto, os pacientes soropositivos sofrem discriminação em diversos segmentos
da sociedade, principalmente por parte dos familiares e no trabalho 89. Na Índia,
estudo realizado com 400 pacientes soropositivos no ano de 2009 mostrou que 27%
deles tinham sofrido severas formas de preconceito, como rejeição social e perda de
emprego121. Embora já tenham decorrido mais de 30 anos desde o início da
epidemia, o preconceito continua e os dados de nossa pesquisa confirmam isso,
pois 8,69% dos pacientes declararam que já foram discriminados por seus familiares
e 16,3% pelos amigos.
Os profissionais que terminaram sua formação anteriormente ao ano de 1984
têm maior preconceito em relação ao paciente HIV/AIDS e menor conhecimento
sobre a doença; além disso, ao longo de sua atuação profissional, atenderam um
menor número de pacientes com esse diagnóstico99. Em nossa pesquisa, um dos
dois profissionais que respondeu que, se possível, recusaria realizar um
procedimento em um paciente soropositivo tinha mais de 30 anos de profissão,
podendo sugerir uma relação como acima referido.
66
7 CONCLUSÕES
O presente trabalho mostrou que, seguindo a tendência nacional, a infecção
pelo HIV no Meio-Oeste de Santa Catarina é mais comum entre pacientes do sexo
masculino, brancos, casados e/ou em união estável e com baixa escolaridade. Foi
observado que os pacientes HIV/AIDS têm um baixo conhecimento sobre a doença
e sobre os meios de evitar a contaminação, pois a forma mais comum de
transmissão foi a heterossexual, o que significa que a população mantém atividade
sexual desprotegida. Esse fato é corroborado pela prevalência de sífilis e hepatites
na amostra, doenças que são também de transmissão sexual.
O número de pacientes coinfectados com tuberculose foi muito menor que o
encontrado em outros estudos. Por este motivo é importante que se realizem mais
pesquisas com a finalidade de determinar se a menor prevalência desta infecção é
determinada por melhores condições sanitárias ou porque está ocorrendo uma
subnotificação dos casos.
Os resultados do estudo mostram que parte significativa dos pacientes
soropositivos sofreu discriminação nos serviços de saúde e metade deles foi
discriminada no trabalho ou em outros setores da sociedade. Um grande número
esconde o diagnóstico, não só dos familiares e amigos, mas, também, dos
profissionais de saúde por medo do preconceito. Ainda, constatou-se que a grande
maioria refere que ser soropositivo é um determinante negativo na qualidade de
vida.
O fato de muitos profissionais de saúde sentirem desconforto ao atender um
paciente soropositivo e, mais ainda, usar medidas extras de proteção durante esses
atendimentos, demonstra falta de conhecimento e de preparo em relação às formas
de contágio do HIV.
Pelo exposto, parece que as campanhas de prevenção não estão sendo
efetivas, pois a população continua se expondo ao risco de contaminação através de
relações desprotegidas. Como a epidemia está ocorrendo mais intensamente em
camadas sociais menos favorecidas é preciso estabelecer novas formas de
abordagem que consigam ser entendidas pelas pessoas com menor nível de
escolaridade.
67
Por fim, é necessário melhorar a formação profissional daqueles que
trabalham nos serviços de saúde, para que consigam prestar um atendimento de
melhor qualidade e mais humanizado aos pacientes HIV/AIDS. Não é aceitável que
depois de mais de 30 anos do início da epidemia, esses profissionais ainda não
tenham entendido que as medidas de prevenção devem ser usadas no atendimento
de qualquer paciente e que, se isso for feito, as possibilidades de contaminação são,
praticamente, nulas.
Os resultados obtidos sugerem a realização de novas pesquisas sobre
HIV/AIDS em municípios de menor porte com o objetivo de avaliar as características
da epidemia e analisar a relação dos pacientes com os serviços de saúde onde a
manutenção do sigilo é mais difícil. Os dados destes estudos poderiam embasar a
elaboração de políticas públicas de saúde voltadas à realidade da região com
economia de recursos e melhora da qualidade de vida da população infectada pelo
HIV.
68
8 CONSIDERAÇÕES EM RELAÇÃO À INTERDISCIPLINARIDADE
O modelo reducionista da ciência moderna fragmentou o conhecimento e,
com isso, as grandes conquistas tecnológicas geradas pelo desenvolvimento das
várias áreas do saber não se traduziram em melhoria da qualidade de vida para uma
grande parcela da população. Diante dos limites desse paradigma reducionista do
saber, a interdisciplinaridade passou a ser desenvolvida na tentativa de interrelacionar os vários campos do saber na busca de solução para os problemas mais
complexos da realidade122.
A complexidade dos problemas enfrentados pelas pessoas vivendo com
HIV/AIDS requer atenção integral e interdisciplinar por parte das equipes de
saúde123. Na saúde, a interdisciplinaridade faz com que a integração dos saberes e
práticas dos diferentes profissionais se integrem de forma horizontalizada para a
solução de problemas mais complexos. Essa integração valoriza e potencializa o
conhecimento das diferentes áreas124.
A atenção à saúde dos pacientes com HIV/AIDS é um bom modelo para se
analisar ações de integralidade em saúde pela complexidade da infecção viral por
suas repercussões clínicas, epidemiológicas, sociais e psicológicas e pela estrutura
diversificada envolvida nas diferentes etapas do atendimento, tanto na prevenção
quanto nas diferentes abordagens posteriores. Nesta pesquisa, a preocupação com
o trabalho interdisciplinar esteve presente na observação pessoal sobre o fluxo de
atendimento, nas entrevistas com os diferentes profissionais envolvidos e nas
informações dos pacientes, o que permitiu perceber que há um esforço pessoal na
promoção da saúde dos pacientes, mas, ao mesmo tempo, ausência de um trabalho
integrado nos diferentes setores públicos.
A complexidade da atenção à saúde dos indivíduos com HIV/AIDS precisa de
uma
integralidade
nas
ações,
o
que
exige
a
participação
de
equipes
multiprofissionais na construção de uma prática interdisciplinar. Ou seja, é
inquestionável a importância de um trabalho interdisciplinar para evitar a
fragmentação do trabalho em equipe, lembrando que a integralidade do cuidado não
se realiza em um único serviço, mas é uma responsabilidade da rede de serviços, a
qual tem múltiplas entradas e múltiplos fluxos. A busca das articulações e a
69
definição de papéis e limites de atuação das equipes de saúde são desafios diários
e exigem o empenho constante de todos para que ocorra a necessária
transformação. Assim, é imprescindível a adoção de uma postura inovadora, que
propicie a conexão entre os diferentes protagonistas do cuidado e que permita a
construção, pela equipe, de um projeto assistencial comum.
Pode-se concluir que o modelo de estudo desta pesquisa sobre atenção ao
paciente HIV/AIDS, além de revelar importantes aspectos epidemiológicos e clínicos
da virose e sobre as condutas dos pacientes, possibilitou a observação de ausência
de práticas interdisciplinares, o que sugere a necessidade de educar os profissionais
e gestores para que compreendam essa importância da integração dos diversos
setores envolvidos.
É importante que a troca de informações entre os membros das equipes não
se atenha apenas ao compartilhamento de dados coletados pelos diferentes
profissionais, o
que
caracterizaria apenas um trabalho
multidisciplinar. A
interdisciplinaridade ocorre quando os diferentes saberes se unem de maneira
horizontal em busca da melhor solução para os problemas mais complexos
apresentados pelos pacientes.
70
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88
APROVAÇÃO ÉTICA DO PROJETO:
O presente projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa em Seres Humanos da Unoesc, na data de 12 de dezembro de 2014, sob
Parecer n. 916.863.
89
APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Pacientes
Você está sendo convidado(a) como voluntário(a) a participar da pesquisa:
“HIV/AIDS NO MEIO OESTE DE SANTA CATARINA: Preconceito e
Comorbidades”
O motivo que nos leva a propor este estudo é possibilidade de estar ocorrendo
preconceito e discriminação gerados pelo diagnóstico desta infecção, bem como
pelo fato de que o atraso no diagnóstico e a consequente destruição das células do
sistema imunológico pelo vírus HIV favorecem o aparecimento de doenças
oportunistas (comorbidades) que são a principal causa de agravo à saúde nestes
pacientes. A pesquisa se justifica, pois com os dados coletados será possível
conhecer as manifestações clínicas dos pacientes portadores de HIV/AIDS e as
possíveis atitudes discriminatórias que possam ter sofrido durante atendimentos nos
serviços de saúde, visando ampliar o conhecimento sobre a doença na região do
Meio-Oeste de Santa Catarina, divulgando aos profissionais envolvidos os
resultados encontrados de modo a proporcionar um atendimento mais adequado nas
unidades especializadas.
METODOLOGIA A SER USADA: As informações sobre eventuais atitudes
discriminatórias serão coletadas por meio de uma entrevista individual, orientada por
um questionário, previamente agendada e que será realizada pela pesquisadora
responsável no Centro de Testagem e Acompanhamento (CTA) de Joaçaba com os
58 (cinquenta e oito) primeiros pacientes que forem atendidos a partir da aprovação
deste estudo. A entrevista terá caráter sigiloso e tem uma duração prevista de cerca
de 30 (trinta) minutos. O estudo clínico será realizado no seu prontuário existente no
CTA, de modo a serem obtidos os dados pessoais e da forma clínica de sua doença
(comorbidades). Para tanto, solicita-se sua autorização para que a pesquisadora
responsável possa acessar seu prontuário, cujos dados serão mantidos em sigilo e
usados exclusivamente, na presente pesquisa.
DESCONFORTOS, RISCOS E BENEFÍCIOS: A participação neste estudo não
deverá causar riscos físicos à sua saúde, pois você não vai ser submetido a nenhum
tipo de procedimento ou de coleta de material. Poderá existir apenas um mínimo
risco de caráter psicológico, caso você sinta algum constrangimento em conversar
sobre sua doença ao ser entrevistado(a). Espera-se que os resultados divulgados
possam contribuir para a melhoria da atenção à saúde nas unidades especializadas
de Joaçaba, podendo, assim, trazer benefícios futuros a você e a outros portadores
do vírus HIV.
GARANTIA DE ESCLARECIMENTO, LIBERDADE DE RECUSA E GARANTIA DE
SIGILO: Você poderá solicitar esclarecimento sobre a pesquisa em qualquer etapa
do estudo. Você é livre para recusar-se a participar, retirar seu consentimento ou
interromper a participação na pesquisa a qualquer momento, seja por motivo de
constrangimento e ou outros motivos. A sua participação é voluntária e a recusa em
participar não irá acarretar qualquer penalidade ou perda de benefícios. A
pesquisadora irá tratar a sua identidade e os dados de seu prontuário com padrões
90
profissionais de sigilo. Você não será identificado(a) em nenhuma publicação que
possa resultar deste estudo. Este consentimento está impresso e assinado em duas
vias, uma cópia será fornecida a você e a outra ficará com a pesquisadora
responsável.
CUSTOS DA PARTICIPAÇÃO, RESSARCIMENTO E INDENIZAÇÃO: A
participação no estudo, não acarretará custos para você e não será disponibilizada
nenhuma compensação financeira, pois sua entrevista será realizada quando você
for ao CTA dentro da rotina de atendimento. Se você tiver algum constrangimento
ou dano psicológico poderá entrar em contato com a pesquisadora que prestará
apoio e fará os encaminhamentos que se fizerem necessários, sem custo para você.
Eu,_______________________________________________________________fui
informado(a) dos objetivos da pesquisa de maneira clara e detalhada e esclareci
minhas dúvidas. Sei que em qualquer momento poderei solicitar novas informações
e ou retirar meu consentimento. Os responsáveis pela pesquisa certificaram-me de
que todos os meus dados serão confidenciais. Estou ciente que autorizei a
pesquisadora responsável a acessar meu prontuário existente no CTA e que as
informações obidas manterão minha identidade em sigilo. Em caso de dúvidas
poderei chamar a pesquisadora responsável, Lilian Tania Amorim pelo telefone (49)
9127-6266 ou entrar em contato no seu endereço na rua Pará número 97, Bairro
Santa Tereza, no município de Joaçaba/SC ou, ainda, entrar em contato com o
Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Unoesc e Hust, Rua Getúlio
Vargas, nº 2125, Bairro Flôr da Serra, 89600-000- Joaçaba – SC, Fone: 49-35512012. Declaro que concordo em participar desse estudo. Recebi uma cópia deste
termo de consentimento livre e esclarecido e me foi dada a oportunidade de ler e
esclarecer as minhas dúvidas.
Assinatura:
___________________________________________________________________
Nome legível:
___________________________________________________________________
Lilian Tania Amorim
Pesquisadora
Joaçaba,______/______/______
91
APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO –
Profissionais
Você está sendo convidado(a) como voluntário(a) a participar da pesquisa:
“HIV/AIDS NO MEIO OESTE DE SANTA CATARINA: Preconceito e
Comorbidades”
O motivo que nos leva a propor este estudo é o estigma, o preconceito e a
discriminação que podem ser gerados pelo diagnóstico desta infecção, bem como
pelo fato de que o atraso no diagnóstico e a consequente destruição das células do
sistema imunológico pelo vírus HIV favorece o aparecimento de doenças
oportunistas que são a principal causa de óbito nestes pacientes. A pesquisa se
justifica, pois com os dados coletados poderemos conhecer as manifestações
clínicas dos pacientes portadores de HIV/AIDS e as possíveis atitudes
discriminatórias que possam ter sofrido durante atendimentos nos serviços de
saúde, visando ampliar o conhecimento sobre a doença na região do Meio-Oeste de
Santa Catarina, divulgando aos profissionais envolvidos os resultados encontrados
de modo a proporcionar um atendimento mais resolutivo e humanizado nas
unidades especializadas.
METODOLOGIA A SER USADA: Sua avaliação sobre eventuais atitudes
discriminatórias de sua parte serão obtidas por meio de uma entrevista individual,
orientada por um questionário, previamente agendada e que será realizada no seu
local de trabalho, incluindo-se os profissionais enfermeiros, médicos e dentistas que
trabalham nas equipes de saúde do município de Joaçaba. Sua identidade será
preservada e o sigilo mantido de forma absoluta.
DESCONFORTOS, RISCOS E BENEFÍCIOS: A participação neste estudo não
deverá causar riscos físicos à sua saúde, pois você não vai ser submetido a nenhum
tipo de procedimento ou de coleta de material. Poderá existir apenas um mínimo
risco de caráter psicológico, caso você sinta algum constrangimento em responder
as questões sobre atitudes discriminatória do questionário. Espera-se que os
resultados divulgados possam contribuir para a melhoria da atenção à saúde nas
unidades especializadas de Joaçaba, podendo, assim, trazer benefícios ao seu
desempenho profissional e à saúde dos portadores do vírus HIV.
GARANTIA DE ESCLARECIMENTO, LIBERDADE DE RECUSA E GARANTIA DE
SIGILO: Você poderá solicitar esclarecimento sobre a pesquisa em qualquer etapa
do estudo. Você é livre para recusar-se a participar, retirar seu consentimento ou
interromper a participação na pesquisa a qualquer momento, seja por motivo de
constrangimento e ou outros motivos. A sua participação é voluntária e a recusa em
participar não irá acarretar qualquer penalidade ou perda de benefícios. A
pesquisadora irá tratar a sua identidade com padrões profissionais de sigilo. Você
não será identificado(a) em nenhuma publicação que possa resultar deste estudo.
Este consentimento está impresso e assinado em duas vias, uma cópia será
fornecida a você e a outra ficará com a pesquisadora responsável.
CUSTOS DA PARTICIPAÇÃO, RESSARCIMENTO E INDENIZAÇÃO: A
participação no estudo, não acarretará custos para você e não será disponibilizada
92
nenhuma compensação financeira. Se você tiver algum constrangimento ou dano
psicológico poderá entrar em contato com a pesquisadora que prestará apoio e fará
os encaminhamentos que se fizerem necessários, sem custo para você.
Eu,_______________________________________________________________fui
informado(a) dos objetivos da pesquisa de maneira clara e detalhada e esclareci
minhas dúvidas. Sei que em qualquer momento poderei solicitar novas informações
e ou retirar meu consentimento. Os responsáveis pela pesquisa certificaram-me de
que todos os meus dados serão confidenciais. Em caso de dúvidas poderei chamar
a pesquisadora responsável, Lilian Tania Amorim pelo telefone (49) 9127-6266 ou
entrar em contato no seu endereço na rua Pará número 97, Bairro Santa Tereza, no
município de Joaçaba/SC ou, ainda, entrar em contato com o Comitê de Ética em
Pesquisa em Seres Humanos da Unoesc e Hust, Rua Getúlio Vargas, nº 2125,
Bairro Flôr da Serra, 89600-000- Joaçaba – SC, Fone: 49-3551-2012. Declaro que
concordo em participar desse estudo. Recebi uma cópia deste termo de
consentimento livre e esclarecido e me foi dada a oportunidade de ler e esclarecer
as minhas dúvidas.
Assinatura:
___________________________________________________________________
Nome legível:
___________________________________________________________________
__________________________
Lilian Tania Amorim
Pesquisadora
Joaçaba,______/______/______
93
APÊNDICE C - Questionário Pacientes
1. Número: ________
2. Idade: ________
3. Sexo: (
) Masculino
(
)Feminino
4. Estado civil
(
) Solteiro
(
) União Estável
(
) Casado
(
) Viúvo
(
) Divorciado/separado
5. Escolaridade:
(
) Analfabeto
(
) Primeiro grau incompleto
(
) Primeiro grau completo
(
) Segundo grau incompleto
(
) Segundo grau completo
(
) Superior incompleto
(
) Superior completo
6. Situação Profissional:
(
) Trabalhando
(
) Recebendo benefício
(
) Aposentado
(
) Desempregado
7. Profissão: _________________________________________________
8. Renda: _______________________________
94
9. Tempo de diagnóstico:________________________________________
10. Usa TARV
(
) Sim
(
) Não
11. Usa corretamente e regularmente a medicação?
(
) Sim
(
) Não
12. Há quanto tempo faz uso da medicação: _________________________
13. Alguma vez você se sentiu discriminado durante um atendimento nos serviços
de saúde de Joaçaba
(
) Sim
(
) Não
14. a) Caso a resposta para a pergunta anterior seja sim, em que local você
se sentiu discriminado
(
) Unidade básica de saúde
(
) Centro de testagem e aconselhamento
(
) Hospital/Emergência
(
) Clínica odontológica
(
) Outro
14. b) Você poderia descrever em palavras como foi essa discriminação?
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
14. Por parte de qual tipo de profissional você foi discriminado?
(
) Médico
(
) Enfermeiro
(
) Dentista
(
) Técnicos de enfermagem
(
) Pessoal da administração
95
(
) Recepcionistas
(
) Outros
15. Você já sentiu preconceito em outros setores da sociedade?
(
) Sim
(
) Não
16. Você já teve problemas no trabalho por ser soropositivo?
_________________________________________________
17. Você acha que o fato de ser soro positivo é um determinante negativo em
suas condições de vida?
(
) Sim
(
)Não
96
APÊNDICE D – Questionário Profissionais de Saúde
1. Número: ________
2. Idade: ________
3. Sexo: (
) Masculino
(
)Feminino
4. Profissão: ___________________________________________________
5. Você se sente desconfortável ao atender um paciente com diagnóstico
positivo para HIV?
(
) Sim
(
) Não
6. Você toma precauções extras de biossegurança quando atende um paciente
soropositivo?
(
) Sim
(
) Não
7. Você já observou algum tipo de preconceito por parte de um membro de sua
equipe de trabalho em relação aos pacientes soropositivos?
(
) Sim
(
) Não
8. Você revelaria aos seus colegas caso fosse soropositivo?
(
) Sim
(
) Não
9. Você acha que os pacientes soropositivos são discriminados nos serviços de
saúde em geral?
(
)Sim
(
)Não
10. Se fosse possível você se recusaria a prestar atendimento eletivo para um
paciente soropositivo?
(
)Sim
(
)Não
Por quê?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
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