PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM DIREITO TEREZA CRISTINA ZABALA HUMANISMO INTEGRAL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: SOMOS MAIS DO QUE IGUAIS, SOMOS TODOS IRMÃOS. MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2016 TEREZA CRISTINA ZABALA HUMANISMO INTEGRAL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: SOMOS MAIS DO QUE IGUAIS, SOMOS TODOS IRMÃOS. MESTRADO EM DIREITO Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para o título de Mestre em Direito, sob orientação da Professora LivreDocente Carolina Alves de Souza Lima. SÃO PAULO 2016 BANCA EXAMINADORA _________________________________ _________________________________ _________________________________ Dedico esta obra aos meus pais, José (in memória) e Maria, que me deram a vida e, também, ao meu esposo Régis (in memória), que me trouxe a paixão do amor. José, apesar da ausência física, sempre esteve presente nas lembranças de meu espírito. Maria, pelo amor caridoso e presença sólida, pelas orações feitas, do começo ao fim, ao longo de toda minha criação, sempre empreendeu todos os esforços para garantir que eu tivesse as melhores oportunidades. Régis, pela compreensão com minhas ausências, pela união de pensamento e pelo amor incondicional, que sempre me apoia nos projetos de minha vida em todas as horas, ao longo dos 13 anos que estivemos juntos. AGRADECIMENTOS A Deus. A todos que me acompanharam nesta instigante tarefa de analisar o Humanismo Integral e o desenvolvimento sustentável e contribuíram, direta ou indiretamente, para a elaboração deste trabalho. À Professora Carolina Alves de Souza Lima, orientadora dedicada e paciente, exemplo de professora, incansável incentivadora desta pesquisa, com sugestões precisas e pontuais. Ao Professor Wagner Balera, pelo fraterno acolhimento na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, notável cultor de Direitos Humanos, sempre incentivando-me nos caminhos instigantes do Direito e do Humanismo. Ao Professor Willis Santiago Guerra Filho, por acolher-me de braços abertos na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, cujo vasto conhecimento, com a reflexão filosófica do Direito, foi encorajamento e exemplo. Ao Professor Luiz Alberto David Araujo, cuja sapiência do Direito Constitucional foi estímulo e inspiração. Ao Professor Eduardo Dias de Souza Ferreira, pelos ensinamentos ministrados em sala de aula e valiosas contribuições no estudo dos Direitos Humanos. À Professora Roberta Soares da Silva, pela carinhosa amizade e impulso nos estudos dos Direitos Humanos. Ao CNPQ, pelo apoio financeiro para o desenvolvimento deste trabalho de pesquisa. Aos amigos, Rui e Rafael, da Secretaria da Pós-Graduação em Direito da PUC-SP, por seu profissionalismo e paciência. Cântico das Criaturas, de São Francisco de Assis Altíssimo, Onipotente, Bom Senhor Teus são o Louvor, a Glória, a Honra e toda a Bênção. Louvado sejas, meu Senhor, com todas as Tuas criaturas, especialmente o senhor irmão Sol, que clareia o dia e que, com a sua luz, nos ilumina. Ele é belo e radiante, com grande esplendor; de Ti, Altíssimo, é a imagem. Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã Lua e pelas estrelas, que no céu formaste, claras. preciosas e belas. Louvado sejas, meu Senhor. pelo irmão vento, pelo ar e pelas nuvens, pelo sereno e por todo o tempo em que dás sustento às Tuas criaturas. Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã água, útil e humilde, preciosa e casta. Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão fogo, com o qual iluminas a noite. Ele é belo e alegre, vigoroso e forte. Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa, produz frutos diversos, flores e ervas. Louvado sejas, meu Senhor, pelos que perdoam pelo Teu amor e suportam as enfermidades e tribulações. Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a morte corporal, da qual homem algum pode escapar. Louvai todos e bendizei o meu Senhor! Dai-Lhe graças e servi-O com grande humildade! RESUMO A teoria do Humanismo Integral elaborada por Jacques Maritain e assumida pela Doutrina Social da Igreja e pela ONU na Declaração Universal dos Direitos Humanos como critério de dignidade da pessoa humana individual, coletiva e solidária destaca o homem e suas responsabilidades numa relação sólida com o meio ambiente e a natureza como eixo, finalidade e efetividade do desenvolvimento sustentável. No cenário atual de crise ecológica, o tema e o problema do desenvolvimento, para atingir o aspecto de sustentável, depende de uma verdadeira solidariedade entres os seres humanos e a Terra. A mudança está em como Jacques Maritain, no Humanismo Integral, reconhece e valoriza a pessoa partindo de sua criação à imagem e semelhança de Deus, como projeto de amor e solidez, capaz de compor uma nova estrutura social e ambiental. O ponto de partida é o conceito de Humanismo Integral, segundo o plano de Jacques Maritain, cuja concepção de pessoa humana lhe imprime um desenvolvimento integral e exige um desenvolvimento sustentável. Palavras-chave: Humanismo Integral. Pessoa Humana. Meio Ambiente. Natureza. Solidariedade. Efetividade. Desenvolvimento Sustentável. ABSTRACT The theory of Integral Humanism developed by Jacques Maritain and assumed by the Social Doctrine of the Church and the United Nations in the Universal Declaration of Human Rights as a criterion for the dignity of the individual human person, collective and solidarity highlights the human being and their responsibilities in a solid relationship with the environment environment and nature as axis, purpose and effectiveness of sustainable development. In the current scenario of ecological crisis and the theme Development of the problem to achieve the aspect of Sustainable depends only on true solidarity mid humans and the Earth. The change is in how Jacques Maritain, in Integral Humanism recognizes and values the person starting from its creation to image and likeness of God, as a project of love and strength, able to compose a new social and environmental structure. The starting point is the concept of Integral Humanism, according to Jacques Maritain plan, whose conception of the human person gives it an Integral Development and calls for a sustainable development. Keywords: Integral Humanism. Human Person. Environment. Nature Solidarity. Affectivity. Sustainable Development. SUMÁRIO INTRODUÇÃO………………………………………………………..... 1 HUMANISMO INTEGRAL: DESDOBRAMENTOS JACQUES HISTÓRICOS, 11 MARITAIN, FILOSÓFICOS E NORMATIVOS................................................................................ 14 1.1 Jacques Maritain........................................................................... 14 1.2 Humanismo.................................................................................... 19 1.3 Humanismo Integral...................................................................... 22 1.3.1 Pessoa e dignidade humana........................................................... 34 13.2 Sociedade e solidariedade.............................................................. 40 1.4 O bem comum................................................................................ 48 1.4.1 O Estado e o bem comum............................................................... 56 1.4.2 A propriedade privada e o bem comum.......................................... 58 1.4.3 A criação e o meio ambiente, bens comuns universais.................. 63 1.4.4 A filosofia da natureza para Jacques Maritain................................. 68 1.5 Humanismo e desenvolvimento................................................... 71 1.5.1 Desenvolvimento Integral................................................................ 73 2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: DESDOBRAMENTOS, CONCEITOS FILOSÓFICOS E NORMATIVOS............................. 87 2.1 Crise ecológica e ação humana como raiz deste problema...... 87 2.2 Historicidade e tendência............................................................. 94 2.3 O Humanismo Integral de Maritain contra a crise ecológica e a favor da efetividade do desenvolvimento sustentável........... 102 Linhas de orientação e ação........................................................... 115 2.3.1.1 Laudato Si’....................................................................................... 115 2.3.1 2.3.1.2 Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (dos ODM aos ODS)................................................................................................ 3 CONCLUSÃO: DESENVOLVIMENTO INTEGRAL 120 E SUSTENTÁVEL.............................................................................. 126 REFERÊNCIAS............................................................................... 131 11 INTRODUÇÃO No Humanismo Integral de Jacques Maritain, o homem é concebido a imagem e semelhança de Deus, o que lhe garante uma dignidade humana especial, ou seja, é uma pessoa humana. Neste humanismo há o pressuposto de que o homem não é um ser (animal) constituído somente de razão. É também pessoa. Pessoa como universo de natureza espiritual dotada de liberdade e inteligência. Nele, o homem não se constitui exclusivamente de matéria. Assim, não se compõe exclusivamente de parte física. No Humanismo Integral ele é um ser feito de matéria e espírito. Apenas as duas substâncias incompletas, unidas entre si tão fortemente são capazes de compor uma única substância existente por conta própria, ou seja, a pessoa humana. Porém, para a plena dignificação do “homem todo e de todos os homens”1, dele se espera o dever de cuidar do meio ambiente e da natureza. O respeito ao planeta Terra igualmente impõe um dever solidário para com todos os pobres do mundo e as futuras gerações, como exigência para o desenvolvimento sustentável. Contudo, na atualidade estamos sofrendo uma crise ecológica e moral, já anunciada por Jacques Maritain ao identificar como insatisfatória a frieza artificial do conhecimento técnico-científico no trato da pessoa e do meio ambiente, o que torna o desenvolvimento sustentável um desafio a ser superado. Diante da análise desse contexto, segundo o conceito do Humanismo Integral de Jacques Maritain, surge o tema central deste trabalho. Indaga-se se o Humanismo de Jacques Maritain poderá ser um caminho efetivo para a conquista do desenvolvimento sustentável. 1 PAULO VI. Populorum progressio. Ponto 42. 26 de março de 1967. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum.html. Acesso em: 19 abr. 2016. 12 Para responder essa ideia central, o trabalho foi dividido em dois capítulos. O primeiro intitulado Humanismo Integral: Jacques Maritain, Desdobramentos Históricos, Filosóficos e Normativos, apresenta uma visão do pensamento de Jacques Maritain, por meio dos conceitos fundamentais desenvolvidos pelo filósofo. Trata primeiro de trazer referência, sob o olhar de Tristão Athayde, da pessoa e do filósofo Jacques Maritain, como ainda do conceito de Humanismo Integral. Em seguida, trata de alguns dos conceitos fundamentais desse Humanismo, tais como: pessoa humana e dignidade, sociedade e solidariedade, bem comum e Humanismo Integral, assim como o desenvolvimento. O segundo capítulo intitulado Desenvolvimento Sustentável: desdobramentos, conceitos filosóficos e normativos, aborda a crise ecológica e a ação humana como raiz deste problema. Na sequência, cuida da historicidade e da tendência do desenvolvimento sustentável. Por fim, cuida do Humanismo Integral de Jacques Maritain contra a crise ecológica e a favor da efetividade do desenvolvimento sustentável, acrescido de duas linhas de orientação e ação, a partir dos princípios do humanismo: a Encíclica Laudato Si’ e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (dos ODM aos ODS). A pesquisa bibliográfica foi desenvolvida em obras nacionais e estrangeiras, tanto no campo jurídico, quanto em outras áreas do conhecimento. Com maior enfoque a área de filosofia de Jacques Maritain. Por último, serão apresentadas, de forma sintética, as considerações finais acerca dos temas estudados ao longo do trabalho. As conclusões aqui apresentadas, certamente, irão propiciar discussões, críticas e reflexões acerca do tema tratado. Trata-se de um tema inovador, pois parte do conceito de Humanismo Integral de Jacques Maritian, para se chegar à efetividade do desenvolvimento sustentável. A escolha de um assunto mais voltado à prática e a realidade do mundo é consequência da real necessidade de assegurar efetividade ao Direito Humano do desenvolvimento sustentável. 13 De acordo com esta posição, afirma Norberto Bobbio: “Creio que uma discussão sobre os direitos humanos deve hoje levar em conta, para não correr o risco de se tornar acadêmica, todas as dificuldades procedimentais e substantivas”.2 Dessa forma, o objetivo do estudo é trazer não só para o meio acadêmico, mas para toda a sociedade, a discussão sobre o tema tão instigante e importante, visando sempre ao aperfeiçoamento e ao alcance do direito ao desenvolvimento sustentável, como um direito humano. 2 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 44. 14 1 HUMANISMO INTEGRAL: JACQUES MARITAIN, DESDOBRAMENTOS HISTÓRICOS, FILOSÓFICOS E NORMATIVOS 1.1 Jacques Maritain Descrever, friamente, a biografia3 de Jacques Maritain, apenas nos acarretaria perder de vista à grandiosidade desde filósofo e de suas obras. Adotaremos como referência, para contar brevemente a sua vida, com a finalidade de imprimir um olhar mais caloroso sobre ela, o encontro dele com Alceu Amoroso Lima4, para quem Maritain veio mostrar a toda uma geração, a toda a inteligência moderna, a toda a civilização secularizada de nossos dias, a necessidade imprescindível desse novo e verdadeiro renascimento, que é da essência de todo cristianismo. Veio dar, ao nosso paladar moderno, o gosto renovado das verdades eternas5. Lima nos conta que, em 1936 foi publicado o livro Humanismo Integral de Maritain, pouco depois traduzido para o português por Afrânio Coutinho. Essa publicação acarretou-lhe o epíteto de “marxista cristão”. Se bem que é destino de todos os renovadores, diante dos demais correligionários enquadrados à rotina, que menos facilmente lhes perdoam o esforço de renovar ou perecer. Assim, sua obra, 3 INSTITUTO MARITAIN CHILE. Jacques Maritain Biografía. Disponível em: http://www.maritain.cl/. Acesso em: 17 abr. 2016. Jacques Maritain foi um Filósofo francês. Ele nasceu em Paris, a 18 de novembro de 1882 e faleceu em 28 de abril de 1973, em Touselouse. Estudou na Sorbonne, licença da filosofia (1900-1901). Naquela Universidade conheceu Raíssa (imigrante Judia Russa), com quem casou-se em 26 de novembro de 1904. Neste mesmo ano foi recepcionado no concurso de agregação de filosofia. Durante a segunda guerra mundial, que durou de 1939 a 1945, ele e Raíssa se mudaram para os Estados Unidos. Com a morte de sua esposa, em 04 de novembro de 1960, o filósofo retira-se do mundo, e ingressa na Congregação Religiosa Católica fundada pelo Padre René Voillaume. Na Congregação aos 88 anos de idade, professou os votos. Morreu em 28 de abril de 1973. (tradução livre) 4 LIMA, Alceu Amoroso. Jacques Maritain, por Alceu Amoroso Lima. In: PUSSOLI, Lafaiete; LIMA, Jorge da Cunha (coord.). Presença de Maritain (Testemunhos). São Paulo: LTr, 1995, p. 23-68. 5 LIMA, Alceu Amoroso. Jacques Maritain, por Alceu Amoroso Lima. In: PUSSOLI, Lafaiete; LIMA, Jorge da Cunha (coord.). Presença de Maritain (Testemunhos). São Paulo: LTr, 1995, p. 23. 15 igualmente sua pessoa, é um exemplo vivo de independência de pensamento e de liberdade de consciência. Todavia, isso em nada impediu sua imensa repercussão universal. Esse “anti-moderno” toma o partido do futuro, conservando apenas do passado o que tinha de eterno. No início do século XX, Maritain tinha 18 anos, e iria ser um dos mais modernos e, ao mesmo tempo, dos mais anti-modernos dos pensadores desse momento da história da humanidade. Sua atuação sobre os modernos está assentada nas fontes tomistas puras, aliada a uma modernidade de linguagem e de atitude perante os acontecimentos da realidade da vida. Sua conversão ao cristianismo católico no ano de 1906 fê-lo abandonar o racionalismo puro, para encontrar na fonte autêntica da verdade, no próprio Coração do Cristo, o amor da sabedoria, a filosofia, como vida completa de realidade cuja perspectiva é “um projeto cristificável de sociedade humana secular e não sacral” 6. Pois para Maritain O tomismo não é somente algo histórico. Devemos, sem dúvida, estudá-lo historicamente, como as outras doutrinas da Idade Média e de todas as épocas. Mas como (em certo sentido) as outras grandes metafísicas da Idade Média e de todas as épocas – em de modo absoluto, mais do que todas elas, a título eminente, porque as reconcilia, ultrapassando-as, em uma síntese absolutamente transcendente -, ele contém uma substância que domina o tempo, por causa de seu alcance universal. Ele responde aos problemas modernos, na ordem especulativa e na ordem prática, tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspirações e inquietudes do tempo presente. Assim, o que esperamos dele é, na ordem especulativa, a salvação atual dos valores da inteligência; na ordem prática, a salvação atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos. Resumindo, é com um tomismo vivo e não com um tomismo arqueológico que estamos lidando. Nosso dever é tomar consciência da realidade e das exigências de tal filosofia É preciso que mostremos que esta sabedoria é sempre jovem, inventiva e traz em si uma necessidade profunda, consubstancial, de engrandecer-se e renovar-se - isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixá-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva7. 6 LEPARGNEUR, Hubert. Evocação da vida e da obra. In: PUSSOLI, Lafaiete; LIMA, Jorge da Cunha (coord.). Presença de Maritain (Testemunhos). São Paulo: LTr, 1995, p. 144. 7 MARITAIN, Jacques. Sete lições sobre o ser e os primeiros princípios da razão especulativa. Tradução Nicolás Nyimi Campanário. São Paulo: Loyola, 1996, p. 11 (introdução). 16 Abrir um parêntese sobre o tomismo vivo, a que se refere Maritain, é oportuno. Deste modo e segundo Araújo Na filosofia tomista, viver para o homem é o mesmo que se realizar na existência extramental. É vivenciar o outro. Nesta concepção possuímos a capacidade cognoscente de além de o próprio Ser, possuir imaterialmente outros seres que conhecemos. Portanto, inteligência é a vida. Isso, no imprime a indagação: vivenciamos porque inteligimos ou inteligimos porque vivenciamos? A resposta é inteligimos porque vivenciamos. Segue Araújo, explicando o que é essa existência com base no fundamento de Tomas de Aquino Considerando a existência extramental. A existência, fundamentada na concepção de Santo Tomás de Aquino, na Suma Teológica (I, q. 85, a. 2 rep), demonstra que as ‘espécies inteligíveis’ (ou ideias) abstraídas das nossas ‘representações imaginárias se referem a nosso intelecto como aquilo que é conhecido (coisa real). Santo Tomas de Aquino considera que o que conhecemos é o mesmo que trata as ciências: “Se aquilo que conhecemos fosse somente as espécies inteligíveis (limitadas às impressões sensíveis), todas as ciências não seriam de coisas que estão fora do homem, mas somente das espécies inteligíveis que estão no homem”. (I, q. 85). “Se o gosto não sente senão a própria impressão, aquele que tem o gosto sadio julga o mel doce, julgará com verdade; e igualmente julgará com verdade aquele que tem o gosto imperfeito e que julga o mel amargo. Um e outro julgam segundo é afetado o próprio gosto. Assim toda opinião será verdadeira”; não havendo conformidade entre um e o outro. (I, q. 85). Assim, a espécie inteligível (ideia) é a similitude da coisa real em nós. Significa afirmar que a partir de uma existência dada pensamos. Continua Araújo No tomismo nos debruçarmos sobre a realidade extramental, constatamos como tal realidade material se torna a similitude imaterial em nós, isto é, nos empenhamos em conhecer o processo construtivo do conhecimento sensível e intelectual. O conhecimento verdadeiro é sempre a semelhança da realidade atual ou possível em nós; pois atuamos no real enquanto vivenciamos em conformidade com ele. Sendo assim, o saber que provém da língua latina 17 sapere, e significa tanto "saber" como "saborear", é valorizado no seu segundo sentido, pois saboreamos, vivenciamos a existência dada. Deste modo, argumenta Araújo que, segundo o tomismo vivo, a compreensão da realidade se dá quando a vivenciamos. E, assim, finaliza o autor A realidade (existência extramental) é o ponto de partida de todo conhecimento natural, não há possibilidades de conhecer sem existir; e se negarmos a existência extramental por meio da dúvida; negamos a ordenação essencial da inteligência ao ser existente; o que é equivalente a viver na ilusão, na demência, e tornar-se escravo da própria imaginação. Compreendemos a realidade (inteligir) a partir de nossas vivencias. Na perspectiva tomista o realismo do conhecimento é eminente. Nele o homem se realiza na certeza da sua apreensão Na vivencia que o intelecto atualiza-se pensando as “espécies inteligíveis” (ou idéias); assim, constata-se um processo de identificação intencional gradativa com a existência extramental, e nunca como diriam alguns filósofos, que apenas possuímos em nossas mentes retratos ou pinturas das coisas reais. Portanto, fundamentando-se no realismo do conhecimento8. Fechamos nosso parêntese. Para Lima, a personalidade e a obra de Jacques Maritain se ergueram como uma mensagem de renovação após as trombetas apocalípticas de 1914, de 1917, de 1921 e de 1933 da Guerra, do Comunismo e do Nazi-Fascismo. Desde 1933, o filósofo engrenou no debate dos temas que se abriam ao mundo contemporâneo em razão do surto do nazismo, na Alemanha e, que de modo particular o preocupava, devido ter sido casado com uma moça russa judia (chamada Raíssa). Naquele momento, a humanidade vivenciava uma grave crise social e moral diante dos conflitos armados, e culturais hasteadas pela direita e pela esquerda radicais. Segundo Lima, partiu de Maritain, a ideia de uma nova democracia apoiada no conceito de comunidade e de direitos sociais, de que o capital é um elemento puramente instrumental. Os direitos do homem amplamente analisados nos 8 ARAÚJO, Adriano. O realismo do conhecimento. Disponível em: http://tomismovivo.blogspot.com.br/2006/08/o-realismo-do-conhecimento.html. Acesso em: 2 ago. 2016. 18 fundamentos no cristianismo católico, representava um caminho novo na solução da crise política e social. A ideia do filósofo cristão, Jacques Maritain, funda-se sobre um realismo. Procura o ser e não o vir a ser. A primazia do espiritual (coloca sob o signo de Deus e do Homem Deus, o Cristo Jesus). Ele tem a pretensão de revelar essa sua verdade como uma totalidade, como uma integridade de todas as realidades materiais e espirituais, não apenas ontológicas, mas sociológicas. Nas palavras de Lima Como se fosse seu destino passar de um extremo a outro na apreciação dos homens apressados e dilacerados dos nossos dias, nesta sociedade em estado de passagem e tensões extremadas, em que é difícil compreender a riqueza imensa da verdade contida numa filosofia da proporcionalidade e do equilíbrio dinâmico, como a filosofia perene (...) a meditação do filósofo não o leva nem à ‘tentação de recusar a condição humana’, nem a ‘aceitar pura e simplesmente a condição humana’, mas a transcendê-la 9. Deste modo, Lima conclui que recebemos de Maritain o ensinamento de conciliação com a inteligência. Esse novo ensinamento veio revelar a inteligência como que ultrapassando a razão, mas no seu próprio sentido e nos abrindo a todo universo, desde a matéria bruta até o ato puro. Toda a filosofia especulativa e prática de Maritain colocam-se sob o signo do logos, cuja teologia cristã, no Evangelho de João, se refere a Jesus Cristo como o logos, ou seja, a Palavra10. Deste modo, os movimentos de ideias de Maritain, na década de 30-40, que recebeu o nome de “maritainismo”, preparou o terreno para a 9 LIMA, Alceu Amoroso. Jacques Maritain, por Alceu Amoroso Lima. In: PUSSOLI, Lafaiete; LIMA, Jorge da Cunha (coord.). Presença de Maritain (Testemunhos). São Paulo: LTr, 1995, p. 41 - 44. 10 BIBLÍA. Mensagem de Deus. São Paulo: Loyola, 1983, p. 1573. "No princípio existia o Verbo, o Verbo estava voltado para Deus, e o Verbo era Deus. O Verbo estava, pois, voltado para Deus no começo. Tudo foi feito por ele, e sem ele nada se fez de tudo o que foi criado. Nele estava a vida,e a vida era a luz dos homens" João 1:1-4. 19 revolução branca que João XXIII iria desencadear com suas Encíclicas Sociais e o Concílio da Doutrina Social da Igreja Católica11. Igualmente, alguns dos valores éticos desenvolvidos por Maritain, em especial a dignidade da pessoa e solidariedade foram acolhidos nos sistemas de proteção dos Direitos Humanos a nível internacional, como também nas várias constituições de inúmeros países. 1.2 Humanismo Conforme Brito12, na obra “O humanismo como categoria constitucional”, que usaremos como referência para tratamos da presente temática, o Humanismo consigna três significações: ilustração mental, doutrina de exaltação ou culto à humanidade e expressão de vida coletiva civilizada. Como ilustração mental, o Humanismo é vocábulo plurissignificativo. Um dos sentidos do verbete é de importante conhecimento das línguas e literaturas antigas. Assim, logo se percebe que humanista é a pessoa conhecedora nas referidas línguas ou, então com capacidade para as ciências sociais. Outro aspecto do vocábulo é a de vocação ou gosto pelas ciências ditas humanas. Entende o autor, para quem o Humanismo como doutrina de exaltação ou culto à humanidade consiste num conjunto de princípios que se juntam pelo culto ou atenção a esse sujeito universal que é a humanidade inteira. O ser humano como obra prima da Criação, na máxima teológica de que todos nós fomos feitos à imagem e semelhança de Deus, nos assegura uma dignidade inata. 11 MARCOCCIA, Rafael Mahfoud. O humanismo integral e a centralidade da pessoa. In: SOUZA, Carlos Aurélio Mota de; CAVALCANTI, Thais Novaes. Princípios humanistas constitucionais: reflexões sobre o humanismo do século XXI. São Paulo: Letras Jurídicas, 2010, p. 303. Para Rafael Mahfoud Marcoccia a expressão Doutrina Social da Igreja designa o conjunto de escritos e de mensagens – cartas, encíclicas, exortações, pronunciamentos, declarações - que compõem o pensamento do magistério católico a respeito da questão social. Não tem caráter dogmático nem intraeclesial: são os problemas sociais, políticos e econômicos os seus objetos. 12 BRITO, Carlos Ayres. O humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 15-29. 20 Conforme Brito, ser a pessoa humana portadora de uma dignidade inerente é o próprio Direito a reconhecê-la com tal, ou seja, o Direito tem o papel de declarála e não o de constituí-la, porque a circunstância do humano em nós é que nos confere uma dignidade primaz. Dignidade que o Direito reconhece como fator legitimante dele próprio e fundamento do Estado e da sociedade. Ainda no sentir de Brito “ao reconhecer por modo jurídico a inata dignidade da pessoa humana a sociedade resulta por se autoconferir o título de civilizada” 13. O que para o mesmo jurista significa o terceiro significado do Humanismo: “traduzir uma vida em comum que mereça o reconhecimento de culturalmente avançada” 14. Entre os domínios de interação humana como detentora de Humanismo (sociedade culturalmente avançada), para Brito E em se tratando de direitos ambientais, sociais e do tipo fraternal, a sua efetividade se eleva à condição de dado conceitual de toda a economia do País. É dizer, economia que já não restringe a sua noção de dinamismo à abertura para as inovações tecnológicas e aos ganhos de produtividade; tem que passar pelo atendimento às necessidades de preservação do meio ambiente e às postulações de segurança social e de uma decidida integração comunitária (logo, fraternal). Convém repetir, com ligeiros acréscimos: focado pelo prisma dos interesses do todo social, o desenvolvimento tem que ser mais do que um mecânico ou linear crescimento econômico. Ele há de exibir uma dimensão política ou de soberania nacional, pela exigência que se lhe faz de ser um desenvolvimento do tipo autossustentado ou sem temerária dependência externa. Como também há de exibir três outras dimensões: a) a dimensão da pura justiça social, a se dar por um progressivo compartilhamento dos seus frutos com todos os estratos de que a sociedade se compõe; b) a dimensão do mesmo e respeitoso tratamento para os referidos grupos de pessoas que até hoje experimentam o travo da discriminação social (por isso que destinatárias da compensação em que se traduz a ferramenta das ações afirmativa; c) a definitiva absorção da ideia de equilíbrio ecológico enquanto elemento de sua própria definição15. 13 BRITO, Carlos Ayres. O humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 27. 14 BRITO, Carlos Ayres. O humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 27. 15 BRITO, Carlos Ayres. O humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 28-29. 21 Apesar das últimas considerações emprestadas de Brito, data vênia, devemos nos questionar se uma sociedade pode autodeclarar-se civilizada em face de reconhecer o valor da dignidade da pessoa humana em seu ordenamento, quando por vezes não a efetiva. Não nos custa lembrar o que diz Douzinas Pessoas são assassinadas, torturadas e morrem de fome graças a governos, leis e instituições nacionais. Os maiores crimes contra a humanidade foram conduzidos em nome da nação, da ordem ou do bem comum, e não há qualquer evidência convincente de que isso possa chegar ao fim porque a humanidade foi declarada sacrossanta 16. Ainda, Douzinas O cinismo dos poderosos é bem conhecido e tem sido tratado com sorrisos amarelos de escritores e poetas. Shakespeare, tanto quanto Brecht, era fascinado pelo modo como os falcões da guerra vestiam a casaca do moralismo e da pregação a fim de melhor persuadir soldados e cidadãos quanto à importância de morrer e matar em nome de uma causa 17. Assim, um Estado ao ser dotado de um conjunto de direitos humanos, cujo maior pressuposto é o direito a vida, e com dignidade, requer a urgência das liberdades e da participação política e social, como bem expôs Sen: É preciso ver a democracia como criadora de um conjunto de oportunidades, e o uso dessas oportunidades requer uma análise diferente, que aborde a prática da democracia e direitos políticos. (...) A democracia realmente cria oportunidades, que está relacionada tanto à sua ‘importância instrumental’ como a seu ‘papel construtivo’. Mas a força com que as oportunidades são aproveitadas depende de vários fatores, como o vigor da 16 DOUZINAS, Costas. O fim dos Direitos Humanos. Tradução Luzia Araújo. São Leopoldo - RS: Editora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2009, p. 140. 17 DOUZINAS, Costas. O fim dos Direitos Humanos. Tradução Luzia Araújo. São Leopoldo - RS: Editora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2009, p. 141. 22 política multipartidária e o dinamismo dos argumentos morais e da formação de valores18. 1.3 Humanismo Integral Hoje, ao se falar em Humanismo, é fundamental mencionar o nome de Jacques Maritain e as principais ideias por ele desenvolvidas. Diante da realidade do mundo, o seu “sistema de referência é aquele que bem se pode esperar de um filósofo cuja vida inteira foi inspirada pelo pensamento de Tomás de Aquino” 19. No prefácio da obra Humanismo Integral, das palavras do filósofo se extrai Concernem as questões aqui tratadas a esta parte da filosofia que Aristóteles e Santo Tomás chamam Filosofia pratica, porque envolve de uma maneira geral toda filosofia o agir humano. (...) A filosofia pratica é filosofia, é um conhecimento de modo especulativo; à diferença porem da metafísica e da filosofia da natureza, é ordenada desde o princípio a um objeto que é a ação, e tão grande seja nela a parte da comprovação, qualquer atenção que deva dar aos condicionamentos e às fatalidades históricas, é ela antes de tudo uma ciência da liberdade20. Para Maritain, no domínio das afirmativas práticas, especialmente na ação em direção a liberdade do homem, há o esforço coletivo de tornar os projetos aceitáveis a todos, independentemente das divergências relativas às perspectivas teóricas. Quando se trata De uma ideologia básica prática e dos princípios básicos de ação, implicitamente reconhecidos em nossos dias – de uma maneira vital, se bem que não formulada, pela consciência dos povos livres – acontece que isso constitui, grosso modo, uma espécie de resíduo comum, uma espécie 18 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 204-205. 19 MARITAIN, Jacques. A filosofia moral. Tradução Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: Agir, 1973, p. 15. 20 MARITAIN, Jacques. Humanismo integral. Uma visão nova da ordem cristã. Tradução Afrânio Coutinho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p. prefácio. 23 de lei comum não escrita, no ponto de convergência prática de ideologias teóricas e tradições espirituais extremamente diferentes21. Pode-se dizer que, o Humanismo de Maritain exige a preservação e a garantia da dignidade da pessoa humana no plano de uma ação prática, igualmente nos direitos do homem e no ideal de liberdade, igualdade e fraternidade. Contudo, ao proteger os direitos da pessoa ele não tem a pretensão de idolatrá-lo como um ser acima dos outros seres da natureza. Ele contesta expressamente o humanismo antropocêntrico individualista e burguês que colocou o homem no centro das coisas. Deste modo, afirma: “Devemos ser advertidos em qualquer caso em não definir o humanismo pela exclusão de toda ordenação ao super-humano e pela abjuração de toda transcendência”22. Segue Maritain Digamos que o humanismo tende essencialmente a tornar o homem mais verdadeiramente humano, e a manifestar sua grandeza original fazendo-o participar de tudo o que o pode enriquecer na natureza e na história (concentrando o mundo no homem, como dizia mais ou menos Scheler, e dilatando o homem no mundo); ele exige ao mesmo tempo em que o homem desenvolva as virtualidades nele contidas, suas forças criadoras e a vida da razão, e trabalhe por fazer das forças do mundo físico instrumento de sua liberdade. Assim entendido, o humanismo é inseparável da civilização ou da cultura, 23 tornando-se estas duas palavras como sinônimas . O Humanismo de Jacques Maritain restabelece a ideia de fraternidade universal de Jesus Cristo, colhido no Direito Natural, cujos valores ele fez questão de incorporar às suas obras. 21 MARITAIN, Jacques. O homem e o Estado. Tradução Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1952, p. 93. 22 MARITAIN, Jacques. Humanismo integral. Uma visão nova da ordem cristã. Tradução Afrânio Coutinho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p. 2. 23 MARITAIN, Jacques. Humanismo integral. Uma visão nova da ordem cristã. Tradução Afrânio Coutinho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p. 2. 24 Anota Lopes, que foi Tomás de Aquino quem condensou e consolidou em seu estudo a Lei Eterna e a Lei Natural. Eis que No que diz respeito à lei natural, para o aquinate ela não é senão a participação da lei eterna na criatura racional, ou seja, a lei eterna que é a ordem divina, promulgada no homem por meio da razão natural. Deus ao criar o homem e todo o universo colocou uma ordem em cada natureza, através do que cada ser age de acordo com o fim da sua natureza e, portanto, qualquer homem ao nascer está sujeito à lei e deve agir conforme ela. Deus (...) concriou a lei natural aos seres que ele chamava à existência e como o fato de existirem se dá por uma participação analógica com o ser divino, assim também analogicamente participam da Sua lei eterna, pois a regra da sua atividade está inscrita na própria essência e estrutura do seu ser24. Informa Lopes, que a preocupação com a dignidade e a liberdade humanas, e os Direitos Humanos é tratada com grande destaque no trabalho de Aquino, pois: “O valor da pessoa, sua liberdade, seus direitos, pertencem à ordem das coisas naturalmente sagradas, marcadas pelo sinete do Pai dos seres, e que têm nele o termo de seu movimento”25. Assim, para Maritain, a ideia de que as pessoas humanas possuem uma natureza comum, porque todas são frutos da obra de Deus, ajusta-se a ideia de que há uma lei natural a indicar os propósitos de suas ações. Portanto, segundo nosso filósofo cristão, há uma ordem superior das coisas, que é prevalente até mesmo a formação social. Estas compõem regras de ouro da natureza humana, verdadeiros dons para se fazer o bem e evitar o mal, capazes de promover na sociedade a paz. Como explica Maritain 24 LOPES, Jorge Filipe Teixeira. A filosofia jusnaturalista de São Tomás. Disponível em: http://presbiteros.arautos.org/2013/09/a-filosofia-jusnaturalista-de-s-tomas/. Acesso em: 5 ago. 2016. 25 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural. Tradução Afrânio Coutinho. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora. 1967, p. 17. 25 (...) há, uma virtude mesmo da natureza humana, uma ordem ou disposição que a razão humana pode descobrir, e segundo a qual a vontade humana deve agir a fim de se pôr de acordo com os fins necessários do ser humano. A lei não escrita ou o direito natural não é outra coisa26. E ele continua A lei natural é uma lei não escrita. É uma lei não escrita no sentido mais perfeito desta expressão. O conhecimento que dela temos não é obra de uma livre conceptualização. Resulta de uma conceptualização ligada às inclinações essenciais do ser, da natureza viva e da razão que se encontram em ação no homem. É uma lei não escrita ainda porque se desenvolve proporcionalmente ao grau da experiência moral e da reflexão do homem sobre si mesmo, bem como da experiência social de que o homem é capaz nas várias idades da sua história27. Para Balera e Sayeg o cristianismo serve que como um auxílio para que a humanidade progressivamente atinja maior consciência moral de sua conduta comum, sendo que “ideia autentica da lei natural é uma herança do pensamento greco-cristão”28. Jesus Cristo vai além e, com sua mensagem de fraternidade universal, instaura o humanismo antropofilíaco em face de todo o gênero humano, que é decifrado para o direito em sua concepção de direito natural com os ensinamentos aristotélicos de São Tomás de Aquino 29. Na proposta do Humanismo Integral de Jacques Maritain, segundo um novo humanismo solidário a ser concretizado num tipo original de cristandade secular e não sacral, a ideia do Direito Natural a partir da cultura cristão tornou-se uma lei impressa na essência da pessoa. 26 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural. Tradução: Afrânio Coutinho. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora. 1967, p. 59. 27 MARITAIN, Jacques. O homem e o Estado. Tradução Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1952, p. 111. 28 MARITAIN, Jacques. O homem e o Estado. Tradução Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1952, p. 100. 29 SAYEG, Ricardo; BALERA, Wagner. O capitalismo humanista. Filosofia humanista de Direito Econômico. Petrópolis – RJ: KBR, 2011, p. 84. 26 Novamente Balera e Sayeg, a cosmovisão cultural apresentada pelo cristianismo proclama que a dignidade humana abrange a igualdade de relações entre os homens, pois esses não são apenas iguais, mas são irmãos entre si e todos filhos do mesmo Deus 30. Maritain adere esse humanismo antropofilíaco, ao mesmo tempo em que não concorda com o absoluto individualismo da pessoa humana. Ele rebate explicitamente as definições de humanismo individualista-burguês e antropocêntrico. Afirmar que Do ponto de vista do humanismo integral, está bem comprometido esse tipo burguês de humanidade, e é merecida sua condenação (...) é preciso mudar o homem burguês, sim; e por isto é mesmo também necessário mudar o homem, sim, e é o que no fundo somente nos importa: quero dizer, no sentido cristão, fazer desaparecer o homem velho e dar lugar ao homem novo, que se forma lentamente – na história do gênero humano como em cada um de nós – até a plenitude do tempo, e em quem se efetuam os votos mais profundos de nossa essência. Exige, contudo essa transformação, de um lado, que se respeitem as exigências da natureza humana, e esta imagem de Deus, e este primado dos valores transcendentes que permitem justamente e escorvam um renovamento; de outro lado, que se compreenda que tal modificação não é obra do homem sozinho, mas de Deus, em primeiro lugar, e do homem com ele. 31 Deste modo, ele se ocupa de tratar da Lei Universal da Fraternidade, ao considerar O amor é a plenitude da lei. É o amor que nos faz cumprir, verdadeira e realmente, todos os outros mandamentos. Onde existe o amor, não há mais servidão. Uni caritas et amor, ibi Deus est. O amor de caridade – o amor do próximo, isto é, de todos os homens, amados em Deus e por Deus, e que sendo por nós amados se tornam nossos próximos e como outros nós mesmos (e este dois amores não são mais que um só e mesmo amor) – o amor de caridade vai por si mesmo ao bem32. 30 SAYEG, Ricardo; BALERA, Wagner. O capitalismo humanista. Filosofia humanista de Direito Econômico. Petrópolis – RJ: KBR, 2011, p. 84. 31 MARITAIN, Jacques. Humanismo integral. Uma visão nova da ordem cristã. Tradução Afrânio Coutinho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p. 90-91. 32 PAULO, Santo. O pensamento vivo de São Paulo, apresentado por Jacques Maritain. Tradução Oscar Mendes. São Paulo: Martins, Ed. da Universidade São Paulo, 1975, p. 69. 27 Destaca Balera e Sayeg 33 , ser o Humanismo Integral o mapa que decifra o Direito Natural da fraternidade em favor do homem todo e de todos os homens, bem como do planeta. Como disse Maritain A lei natural trata dos direitos e dos deveres que estão ligados de modo necessário ao primeiro princípio: ‘faze o bem e evita o mal’. Eis o motivo por que os preceitos da lei não escrita são, por si próprios ou pela natureza das coisas (não me refiro ao conhecimento que os homens tenham deles), universal e invariáveis. (...) Existe um dinamismo que impele a lei não escrita a florescer na lei humana e a tornar essa última cada vez mais perfeita e justa, no próprio campo das suas determinações contingentes. Em concordância com esse dinamismo é que os direitos da pessoa humana assumem forma política e social na comunidade34. Ao explicar o pensamento de Maritain, diz Pozzoli O cristianismo retoma o ensinamento judaico e grego, procurando aclimatar no mundo, por meio da evangelização, a ideia de que cada pessoa humana tem um valor absoluto no plano espiritual, pois Jesus chamou a todos para a salvação. (...). Neste sentido, o ensinamento cristão é tido como um dos elementos formadores da mentalidade que tornou possível o tema dos direitos humanos.35 Ainda Balera e Sayeg Inoculados dessa inspiração cristã, portanto, os direitos humanos correspondem modernamente ao direito natural admitido pelos povos do planeta, integrando a consciência universal que os afirma e não tem mais dúvidas sobre sua existência e legitimidade36. 33 SAYEG, Ricardo; BALERA, Wagner. O capitalismo humanista. Filosofia humanista de Direito Econômico. Petrópolis – RJ: KBR, 2011, p. 86. 34 MARITAIN, Jacques. O homem e o Estado. Tradução Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1952, p. 114-118. 35 PAZZOLI, Lafayette. Humanismo - Dignidade da pessoa humana. Disponível em: http://revista.univem.edu.br/index.php/emtempo/article/view/126/151. Acesso em: 21 abr. 2016. 36 SAYEG, Ricardo; BALERA, Wagner. O capitalismo humanista. Filosofia humanista de Direito Econômico. Petrópolis – RJ: KBR, 2011, p. 94. 28 Assim, para Maritain os Direitos Humanos se referem à interpretação da Lei Natural. Por conseqüência, a sociedade, ao promover e garantir as leis que regularão as relações entre as pessoas deve atentar para que elas não estejam em desacordo com o Direito Natural37. Nesse contexto, em razão das exigências da vida política, há um apelo ao ser humano para que se constitua conforme aquilo que a sua natureza lhe indica, pelo que a lei natural pode ser determinada e precisada numa lei positiva que cada circunstância social ou determinada época histórica suscitam. Fica claro que essa contingência e precisão a que é sujeita a lei natural não pode de forma alguma sujeitá-la a ponto de distorcer a razão do seu fundamento. Uma lei positiva que não lhe seja conforme nunca poderá ter o estatuto de lei38. Conclui Maritain, ao dizer: “Estou plenamente convencido de que o meu modo de justificar a crença nos direitos do homem e no ideal de liberdade, de igualdade e de fraternidade é o único que se baseia na verdade”39. Como assevera Amoroso Lima 40, no seu Preâmbulo41 a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, está contida a filosofia política humanista 37 MOREIRA, Edson Fábio Garutti. Humanismo de Maritain e a burocracia. São Paulo: Loyola, 2001, p. 25. 38 LOPES, Jorge Filipe Teixeira. A filosofia jusnaturalista de São Tomás. Disponível em: http://presbiteros.arautos.org/2013/09/a-filosofia-jusnaturalista-de-s-tomas/. Acesso em 5 ago. 2016. 39 MARITAIN, Jacques. O homem e o Estado. Tradução Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1952, p. 93. 40 LIMA, Alceu Amoroso. Os direitos do homem e o homem sem direitos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1974, p. introdução. 41 Preâmbulo Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Considerando que o desprezo e desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade, e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade, Considerando ser essencial que os direitos do homem sejam protegidos pelo império da lei, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão, Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor de pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla, Considerando que os Estados Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do homem e a observância desses direitos e liberdades, Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso, 29 de Maritain que a inspirou e constitui a base de sua importância para a geração presente e também para as gerações futuras. Para Amoroso Lima, são sete os considerandos em que se baseia o Preâmbulo. Primeiro informa que toda a filosofia deste Código, fundamental para humanidade, é de base humanista, porque parte do reconhecimento da inerente dignidade da pessoa humana e de que cada um em particular, com direitos iguais e inalienáveis, acima de todas as distinções, constituem a unidade na diversidade, (condição própria da humanidade). Essa unidade acima da pluralidade, mas sem desprezo dessa, compõe a condição essencial para que as relações entre os homens todos se realizem na base da liberdade, da justiça e da paz. Da mesma forma, esse texto é a confirmação do regime democrático, ou seja, da participação pessoal de cada membro de um povo na organização do seu próprio regime político, como sendo aquele a que querer toda a humanidade. Ainda como terceiro considerando, segundo Amoroso Lima o direito é redenção da força, ao colocar a força sob seu domínio e a seu serviço, o que torna a coação um elemento essencial do direito, quando este passa de sua formulação abstrata, como justiça, para sua norma concreta e aplicada, como lei. Nesse sentido um Estado de Direito espelha uma autoridade legal, baseada na justiça e nas leis. Na sequencia o quarto ponto humanista refere-se ao espírito de interdependia entre as nações do mundo. Em seguida exige-se mais que o mero reconhecimento dos direitos fundamentais do homem, mas o efetivo respeito ao progresso social e às condições de vida. Agora, portanto, A Assembleia Geral proclama a presente “Declaração Universal dos Direitos do Homem” como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição. 30 O sexto considerando abordado por Amoroso Lima, revela-nos a Declaração como “uma arma moral insubstituível e praticamente exequível” 42. E por ser assim, um documento recheado por valores perenes e inalienáveis, se mostra inteiramente capaz de iluminar e guiar os fatos, mas estes não confundidos e nem mesmo confrontados com eles. Pois assim dialoga Amoroso Lima com seu leitor ao dizer que “o plano das ideias é intrinsecamente superior ao plano dos fatos. É esse um dos postulados, ou melhor, uma das conclusões do mais sadio realismo. O mundo é uma realidade das ideias de Deus. Não de nossas ideias” 43. Nesta perspectiva autônoma do mundo dos valores, a Declaração, firmada a 10 de dezembro de 1948, não se dirige ao passado nem ao presente, mas principalmente ao futuro. “O âmago e o sentido do profundo desse código de normas de conduta individual e coletiva, em cada nacionalidade e nas relações entre elas, visam a servir de roteiro para as perspectivas de uma nova era de civilização universal e futura”44. Desta forma, a Declaração de Direito não tem pretensão de ser encarada como as “cartas do taro”, como que antecipando o futuro fictamente, pelo contrário, ela tem sentido realista e mesmo imperativo, de um roteiro universal, baseado no bom senso, na razão natural e na experiência histórica de todo o passado e o presente da humanidade. O espírito de universalidade e o reconhecimento da unidade da família humana constituem a base de todo o documento, o que segundo o autor é sétimo ponto prestigiado. Especialmente, no mundo moderno, que se encontra cada vez mais uno em face do progresso da tecnologia. Fazer acontecer concomitantemente o progresso tecnológico e o progresso moral e social é uma das finalidades 42 LIMA, Alceu Amoroso. Os direitos do homem e o homem sem direitos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1974, p. introdução. 43 LIMA, Alceu Amoroso. Os direitos do homem e o homem sem direitos. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 1974, p. 22. 44 LIMA, Alceu Amoroso. Os direitos do homem e o homem sem direitos. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 1974, p. 22. 31 precípuas do conjunto de normas de bem viver e conviver que a Declaração representa. Deste modo, todos os esforços para que todas as Nações, os povos e a pessoas individualmente participem solidariamente, desse objetivo, é uma das condições fundamentais para que essa Carta de Direitos não seja apenas uma declaração, mas sim um compromisso de uma realidade existencial e natural da humanidade. Com a finalidade que esse código de normas se concretizasse os Estados entenderam que era preciso dar efetividade aos valores reconhecidos na Declaração, e então criaram três documentos: Pacto dos Direitos Civis e Políticos45, Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais46 e Declaração e Programa de Ação de Viena47. A Declaração de Viena aponta como necessária a consciência global de ser atingido um planeta de homens livres, iguais e fraternos, onde prospere a paz. Esse planeta deve ser estruturado por uma ordem jurídica de Direitos Humanos que prevalece sobre qualquer ordem jurídica nacional e internacional. Proclama o item 8 da Declaração e Programa de Ação de Viena da Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, de 1993: a democracia, o desenvolvimento e o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais são conceitos interdependentes que se reforçam mutuamente. 45 Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992. Pacto internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm. Acesso em: 3 ago. 2016. 46 Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm. Acesso em: 3 ago. 2016. 47 Declaração e programa de ação de Viena, Conferência Mundial sobre Direitos Humanos (AS/CONF. 157/12, de 12 de julho de 1993). Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/viena.htm. Acesso em: 3 ago. 2016. 32 A Encíclica Pacem in terris, apesar ter tido sua publicação 15 anos posteriores à Declaração, há concordância com esse documento internacional. Segundo João XXIII, somente a dignidade do homem é capaz de desvendar a ordem querida por Deus, que nos são revelados como: a verdade, a justiça, o amor e a liberdade. Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz do mundo. (1º preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos). Neste sentido a filosofia da Declaração parte do reconhecimento da singular dignidade de todos os homens e homem todo. Portanto o valor, ou seja, o fim almejado como uma ação possível inserida neste documento é a dignidade da pessoa humana. Devemos, ainda, nos recordar que o Humanismo Integral traz a ideia de solidariedade na fraternidade como centro de gravidade, elemento gravitacional de união entre ela própria, a liberdade e a igualdade. Esse ideal está consagrado no Artigo 1º da Declaração Universal de Direitos Humanos, 1948: “Art. I. Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”. Aliás, Balera, em texto sobre “Direitos de solidariedade configuram cidadania mundial”, destaca A solidariedade impõe atitudes de apoio, de atenção e de cuidados para com os outros...exige abertura ao diálogo, à aceitação do outro e à tolerância. (...) A dimensão da fraternidade (solidariedade) quer o diálogo em torno de questões que são de interesse comum a todos os povos. Assim, se coloca o direito à paz, pressuposto para o exercício dos demais direitos humanos (...) Do mesmo modo se define o direito ao desenvolvimento, que se caracteriza como a comum aspiração de todos a um progresso econômico e social equitativo (...) Assim também se situa o direito ao meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado (...) Por fim, os direitos de solidariedade implicam na utilização do patrimônio comum da humanidade mediante a configuração de novas bases de 33 convivência mundial, o que envolve a utilização moderada e adequada dos recursos naturais48. Como categoria jurídica constitucional, a fraternidade no Brasil é reconhecida na Constituição Federal de 1988 49 , como valor, tal como consta no Preâmbulo quanto nos objetivos de uma sociedade solidária. Ela também está disposta como o objetivo de erradicação da pobreza e da marginalização, bem como das desigualdades sociais e regionais. Igualmente esta positivada no capítulo do meio ambiente ao prever a cooperação entre as gerações. Assim, a ideia do Humanismo Integral, de Maritain, numa evidente referência ao elemento central da solidariedade, se refere: ao reconhecimento da singular dignidade do gênero humano e de cada pessoa; a consagração do regime democrático mediante a participação de cada membro de um povo na organização do seu próprio regime político; o direito como a redenção da força; a integração dos homens e das Nações ligados segundo o espírito de interdependência; às boas estruturas, instituições e leis para que o ser humano respeite e seja respeitado quanto aos Direitos Humanos em todas as suas dimensões; o compromisso com os interesses do coletivo, pois “o único conhecimento prático que os homens têm natural e infalivelmente em comum é que é necessário fazer o bem e evitar o mal” 50 ; a universalidade e o reconhecimento da unidade da natureza humana. 48 BALERA, Wagner. Direitos de solidariedade configuram cidadania mundial. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2005-out-12/direitos_solidariedade_configuram_cidadania_mundial. Acesso em: 28 jun. 2016. 49 Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. PREÂMBULO. Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 50 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural. Tradução Afrânio Coutinho. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora. 1967, p. 60. 34 Concluímos, segundo Amoroso Lima, a síntese da Carta de Direito, de 1948, ao mesmo tempo da ideia do Humanismo Integral, de que deve haver Um esforço comum pela instalação de uma nova ordem moral e jurídica internacional, efetivamente aplicada, que permita aos homens e às nações conviverem pacificamente em regimes autônomos, mas substancialmente unidos por normas impessoais, que garantam a liberdade e a justiça, no respeito à dignidade de cada ser humano51. 1.3.1 Pessoa e dignidade humana No humanismo, de Maritain, o homem é mais do que uma dimensão corpórea, ele é uma presença espiritual sutil, que o torna insatisfeito de suas conquistas puramente terrenas. Como escreveu Lima: O nome pessoa é reservado às substancias que possuem essa coisa divina, o espírito, e por isso constituem, cada uma por si só, um mundo, superior a toda a ordem dos corpos, um mundo espiritual e moral que, propriamente, não é uma parte desse universo e cujo segredo é inviolável, mesmo ao olhar natural dos anjos (...). Ao passo que o nome de individuo é comum ao homem, ao animal, à planta, ao micróbio, ao átomo. A pessoa existe para Deus e a coletividade existe para a pessoa, isto é, para a sua cessão à vida moral e espiritual e aos bens divinos52. Mondin, ao compreender o homem como ser cultural, livre e espiritual, se propõe a defini-lo como pessoa. Segundo suas palavras: “O nosso argumento se propõe a definir a pessoa como ser subsistente na ordem do espírito. O homem, como se viu, é espírito, mas é pessoa justamente porque subsiste do espírito”53. 51 LIMA, Alceu Amoroso. Os direitos do homem e o homem sem direitos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1974, p. introdução. 52 LIMA, Alceu Amoroso. Os direitos do homem e o homem sem direitos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1974, p. 14-15. 53 MONDIN, Battista. Definição filosófica da pessoa humana. Tradução Ir. Jacinta Turolo Garcia. Bauru-SP: EDUSC, 1998, p. 26. 35 Na formulação de Jacques Maritain, em obra chamada “Os Direitos do homem e a lei natural”, todo homem é pessoa humana. Ao afirmar que o homem é uma pessoa, queremos significar que ele não é somente uma porção de matéria, um elemento individual na natureza, como um átomo, um galho de chá, uma mosca ou um elefante são elementos individuais na natureza.54. Ainda, seguindo a lição de Maritain O homem é um animal e um indivíduo, porém diferente dos outros. O homem é um individuo que se sustenta e se conduz pela inteligência e pela vontade; não existe apenas de maneira física, há nele uma existência mais rica e mais elevada, que o faz superexistir espiritualmente em conhecimento e amor 55. Ele completa: “Somos nascidos para tender à perfeição do amor, de um amor que envolve realmente a universalidade dos homens, sem deixar lugar para o ódio contra nenhum deles, e que transforma realmente nosso ser”56. A partir do cristianismo se instaura a noção decisiva de pessoa humana, e começa a ser defendido o seu valor como absoluto. Na Encíclica Mater et magistra, de João XXIII, aliás, é conhecida a extrema relação do ser humano e a sua realidade, a transcendência. O cristianismo é, de fato, a realidade da união da Terra com o Céu, uma vez que assume o homem, na sua verdade concreta de espírito e matéria, inteligência e vontade, e o convida a elevar o pensamento, das condições mutáveis da vida terrena até ás alturas da vida eterna, onde encontrará, sem limites, a plenitude da felicidade e da paz (Ponto 2) 57. 54 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural. Tradução Afrânio Coutinho. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora. 1967, p. 16. 55 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural. Tradução Afrânio Coutinho. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1967. p. 17. 56 MARITAIN, Jacques. Humanismo integral. Uma visão nova da ordem cristã. Tradução Afrânio Coutinho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p. 88. 57 JOÃO XXIII. Mater et magistra. 15 de maio de 1961. Ponto 2. 13 ed. São Paulo: Paulinas, 2010. 36 Com isso, porque o homem possui um espírito, ele é um valor absoluto, digno do mais profundo respeito. Ele compreende um elemento incorruptível, imortal, que lhe assegura uma dignidade valorativa incondicional. Se ele fosse formado só de carne e osso seria um valor instrumental, ou seja, somente um meio. Essa posição foi defendida por Lafer ao escreve sobre este princípio fundamental O homem, e apenas ele, não pode ser empregado como um meio para a realização de um fim, pois é fim de si mesmo, uma vez que, apesar do caráter profano de cada indivíduo, ele é sagrado, já que na sua pessoa pulsa a humanidade58. Contudo a pessoa humana não é o Absoluto, o Ser Supremo, o Infinito, o Imortal. “Ele é absoluto na ordem axiológica, não na ordem ontológica” 59 . Assim, retomando Maritain, apesar de um ser mortal o homem é dotado de valor absoluto porque deriva de Deus, por isto descobre o fundamento do próprio valor. Como diz Marcoccia, por que: “O homem é filho de Deus. Sendo Deus um valor absoluto, fundamento de todos os valores, consequentemente também quem se torna participante de sua natureza divina goza de sua mesma dignidade, de seu absoluto valor”60. Com a argumentação de que o entendimento atual da dignidade da pessoa humana possui origens religiosas e filosóficas, Barroso conceitua: “A dignidade humana, como atualmente compreendida, se assenta sobre o pressuposto de que 58 LAFER, Celso. A reconstrução dos Direitos Humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 117. 59 MARCOCCIA, Rafael Mahfoud. O humanismo integral e a centralidade da pessoa. In: SOUZA, Carlos Aurélio Mota; CAVALCANTI, Thais Novaes (coord.). Princípios humanistas constitucionais: reflexões sobre o humanismo do século XXI. São Paulo: Letras jurídicas, 2010, p. 307. 60 MARCOCCIA, Rafael Mahfoud. O humanismo integral e a centralidade da pessoa. In: SOUZA, Carlos Aurélio Mota; CAVALCANTI, Thais Novaes (coord.). Princípios humanistas constitucionais: reflexões sobre o humanismo do século XXI. São Paulo: Letras jurídicas, 2010, p. 308. 37 cada ser humano possui um valor intrínseco e desfruta de uma posição especial no universo”61. A dignidade da pessoa é fundada sobre aquilo que ela é enquanto tal. Deste modo o valor da vida humana ou da pessoa humana é incomensurável: o seu valor intrínseco não depende e não é acrescido por outra qualidade. De fato, toda a grandeza do homem lhe provém do fato de ser pessoa. Deste modo, a natureza humana é composta de matéria, corpo, razão e transcendência. O Humanismo Integral exige esse humanismo inteiro, sem que haja qualquer redução. É necessário compreender o homem a partir do princípio do Criador, sendo Deus o ato puro, o Absoluto, aquilo que não se pode definir. Numa concepção tomista, natureza pode designar a essência humana. Segundo Lopes A palavra natureza designa a essência humana, o que quer dizer que não se refere somente à percepção sensorial, num sentido empírico da observação, mas a uma certa essência inteligível destacada da experiência. A natureza humana tem uma capacidade própria da sua natureza de conhecer o mundo que a rodeia, transcendendo-o, entretanto, pela sua inteligibilidade e abstração. Por outro lado, as exigências da natureza têm uma força de lei em razão da lei eterna, pois é a razão divina a única criadora da lei natural e reguladora dessa lei na razão humana, donde se pode compreender o caráter sagrado dessa mesma lei. Os preceitos da lei natural (...) são lhe conhecidos através de uma inclinação ou conaturalidade. E por lhe serem assim conhecidos, a razão humana não intervém na sua idealização, pois ela, a lei natural, tem por sua única razão de existência a razão divina 62. Dentro do contexto da dignidade da pessoa e sua relação de interdependência com o mundo criado por Deus, a natureza também está associada à emergência da vida. Com Landim, pode-se dizer 61 BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Tradução Humberto Laport de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 14. 62 LOPES, Jorge Filipe Teixeira. A filosofia jusnaturalista de São Tomás. Disponível em: http://presbiteros.arautos.org/2013/09/a-filosofia-jusnaturalista-de-s-tomas/. Acesso em: 5 ago. 2016. 38 A natureza é a mãe de todos os entes finitos. Cada ente recebe uma natureza própria e individual. As naturezas são organizadas segundo uma ordem de dignidade, formando a ‘scala rerum’. Diz Tomás de Aquino: ‘Nenhuma coisa natural, nem os elementos que naturalmente pertencem às coisas, podem existir fora da ordem’. Portanto, a ordem surge da constituição ontológica de cada ente: ‘A natureza é a causa da ordem’. Por isso, o lugar de cada ente na scala rerum é estabelecido a partir da menor para a maior perfeição ontológica. Assim escreve São Tomás: “As coisas que só têm vida, como as plantas, existem em função dos animais e estes existem para o homem’, ‘No universo, só o homem como criatura inteligente existe para si mesmo; todas as outras coisas existem para ele’. Ademais, todos os seres possuem uma natureza análoga à dos outros e todos se referem ao princeps analogatus, Deus, criador de tudo. A ordem natural e hierárquica funda e cria uma solidariedade cósmica, da qual o homem, como o único ser inteligente e livre, é o principal responsável. Ele é o ser ético por excelência e o líder da criação. Ele, porém, não pode destinar as coisas segundo sua vontade; pelo contrário, é a ordem hierárquica das coisas, estabelecida por Deus, que determina ao homem os comportamentos e as atitudes básicos que ele deve adotar face aos seres naturais. Isto é, o homem deve ter uma atitude justa e condizente com a natureza de cada ente. Por isso, segundo Santo Tomás, toda a ética poderia ser organizada a partir do conceito de justiça, tomado como o esforço do homem de respeitar cada coisa em seu nível ontológico, segundo a ordem natural, criada por Deus63. Em comunhão com essa colocação, nos propõe Francisco Nós e todos os seres do universo, sendo criados pelo mesmo Pai, estamos unidos por laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal, uma comunhão sublime que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde (Ponto 89) 64. Dentro da noção de dignidade própria e diferenciada da pessoa encontra-se alinhada a proteção da natureza. Sarlet sustenta Sempre haverá como sustentar a dignidade da própria vida de um modo geral, ainda mais numa época em que o reconhecimento da proteção do meio ambiente como valor fundamental indicia que não mais está em causa apenas a vida humana, mas a preservação de todos os recursos naturais, incluindo todas as formas de vida existentes no planeta, ainda que se possa argumentar que tal proteção da vida em geral constitua, em última análise, exigência da vida humana e de uma vida humana com dignidade, tudo a 63 LANDIM, Maria Luiza P.F. A relação homem-natureza em Tomás de Aquino e na modernidade. In: STEIN, Ernildo. (org.) A cidade dos homens e a cidade de Deus. Porto Alegre: EST, 2007, p. 79. 64 FRANCISCO. Laudato Si’, louvado sejas: sobre o cuidado da casa comum. 24 de maio de 2015. Ponto 89. São Paulo: Paulus, 2015. 39 apontar para o reconhecimento do que se poderia designar de uma dimensão ecológica ou ambiental da dignidade da pessoa humana65. Segue Sarlet Verifica-se, portanto, que também nessa perspectiva a dignidade da pessoa humana (independentemente, no nosso sentir, de se aceitar, ou não, a tese da dignidade da vida não humana) há de ser compreendida como um conceito inclusivo, no sentido de que a sua aceitação não significa privilegiar a espécie humana acima de outras espécies, mas sim, aceitar que do reconhecimento da dignidade da pessoa humana resultam obrigações para com outros seres e correspondentes deveres mínimos e análogos de proteção66. Não perdendo de vista, a proposta de Maritain, de que o homem é um ser espiritual encarnado. Nele há uma conjunção, uma dupla perspectiva: a matéria e o espiritual. O corpo é necessário para o espírito, porque é através dele que o homem ocupa um lugar no espaço e no tempo, e pode desenvolver as mais diversas atividades em prol de seu desenvolvimento, a vista de que “o progresso não é o resultado de uma simples concatenação de causa e efeito, mas é, sobretudo, um esforço de liberdade”67. Matéria e espírito são substâncias incompletas, que sozinhas não são capazes de ser pessoa. Apenas as duas substâncias incompletas, unidas entre si tão fortemente são capazes de compor uma única substância existente por conta própria, ou seja, a pessoa. Dessa complexidade, derivam algumas características, enumeradas num rol não taxativo: a inalienabilidade, a completude, a intencionalidade e relacionalidade. A primeira característica é a inalienabilidade. A pessoa não pode ser anulada por nada. Disto decorre a sua irrepetibilidade, ou seja, uma pessoa é única 65 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade (da pessoa) humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 10. ed. Porto Alegre: 2015, p. 42. 66 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade (da pessoa) humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 10. ed. Porto Alegre: 2015, p. 43. 67 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 61. 40 na sua singularidade. Em seguida, o segundo aspecto é a completude, e, portanto, “é assim de algum modo um todo, e não somente uma parte, é em si mesmo um universo, um microcosmo”68. A terceira e a quarta características são a intencionalidade e a relacionalidade, que apontam, respectivamente, a abertura para o mundo e para os outros no qual o homem “pelo amor pode dar-se livremente a seres que são como outras tantas encarnações de si próprias” 69. Como escreveu Maritain, “a pessoa é um todo, mas não um todo fechado. É um todo aberto (...) que por sua própria natureza tende para a vida social e para a comunhão” 70 . Há, portanto, verdadeira compatibilidade entre a pessoa humana e a sociedade. Daí que, João XXIII, assinalou Em uma convivência humana bem constituída e eficiente, é fundamental o princípio de que cada ser humano é pessoa; isto é, natureza dotada de inteligência e vontade livre. Por essa razão, possui em si mesmo direitos e deveres, que emanam direta e simultaneamente de sua própria natureza. Trata-se, por conseguinte, de direitos e deveres universais, invioláveis e inalienáveis. 71 (Ponto 9) 1.3.2 Sociedade e solidariedade No Humanismo de Maritain a dignidade não é atribuía a pessoa, apenas no seu individualismo, mas inserida na sua vocação de ser social, para encarnar-se no ideal de uma sociedade fraterna e solidária. 68 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a Lei Natural. Tradução Afrânio Coutinho. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1967, p. 17. 69 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a Lei Natural. Tradução Afrânio Coutinho. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1967, p. 17. 70 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a Lei Natural. Tradução Afrânio Coutinho. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1967. p. 19. 71 JOÃO XXIII. Pacem in Terris. 11 de abril de 1963. Ponto 9. 6. ed. São Paulo: Paulinas, 2004. 41 Este novo humanismo, sem medida comum com o humanismo burguês, e tanto mais humano quanto menos adora o homem, mas respeita realmente e efetivamente a dignidade humana e dá direito às exigências integrais da pessoa, nós o concebemos como que orientado para uma realização socialtemporal desta atenção evangélica ao humano, a qual não deve existir somente na ordem espiritual, mas incarnar-se, e também para o ideal de uma comunidade fraterna.72 Passos significativos nesse sentido foram dados anteriormente na doutrina do Período Clássico, na Grécia Antiga, como na obra “Política”, Aristóteles conclui que “o homem é por natureza, um animal social”73 e, posteriormente Cícero, ao escrever “Da república” afirma que “a primeira causa de agregação de uns homens a outros é menos a sua debilidade do que um certo instinto de sociabilidade a outros em todos inatos”74 a vista de que “a espécie humana não nasceu para o isolamento e para a vida errante, mas com uma disposição que, mesmo na abundancia de todos os bens, a leva a procurar o apoio comum” 75 . Mais adiante, na Idade Moderna, esse modo de entender a essência dos homens também foi partilhado por Locke, para quem Deus os criou como seres sociáveis, inclinados naturalmente a viver em paz e assistência mútua 76. Não muito distante, no século XX, a visão sociável da natureza humana foi também abordada por Chevallier, ao testemunhar que a ampla liberdade de disporem de si mesmos e de seus bens, nela não está incluído o direito de atacar ou destruir outra criatura, a não ser para se defender, dado que não há hierarquia, assim todos são iguais e ninguém deve lesar o outro em sua vida, sua saúde, sua liberdade ou seus bens, pois todos são obra de um único Criador77. 72 MARITAIN, Jacques. Humanismo integral. Uma visão nova da ordem cristã. Tradução Afrânio Coutinho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p. 6. 73 ARISTÓTELES. Política. 3. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985, par. 1253a. 74 CÍCERO, Marco Tulio. Da república. São Paulo: Abril Cultural, 1973, Livro I, par. XXV. 75 CÍCERO, Marco Tulio. Da república. São Paulo: Abril Cultural, 1973, Livro I, par. XXV. 76 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escritos: ensaios sobre a origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. 3. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2001, p. 84. 77 CHEVALLIER, Jean-Jacques. História do pensamento político: o declínio do Estado-Nação Monárquico. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1983, p. 42-43. 42 Ao que parece, segundo os filósofos ora citados, o homem está fundado na fraternidade e proximidade como uma relação pela qual o outro é trato como nós mesmo. Convence seus argumentos, que a pessoa sente uma necessidade de encontrar-se em relação com as outras pessoas para satisfação de sua vida material, intelectual e moral. Igualmente esta relação tem como causa a generosidade radical inscrita no próprio ser da pessoa, como universo aberto às comunicações da inteligência e do amor, que não pode estar só. A sociabilidade é a consequência imediata das faculdades mais ligadas ao homem, que são o conhecimento, a corporeidade, a linguagem, a liberdade e o amor. Portanto, a estrutura social é um dado original da natureza da pessoa humana. Como prolongamento necessário desse estado natural, observa Sevegnani A natureza humana está biológica e sensitivamente impregnada por valores de solidariedade, de forma a conduzir o homem, não para uma vida egoísta e voltada unicamente ao bem próprio, mas para uma compreensão da sua dimensão universal, que compreende a sua individualidade única e a sua sociabilidade inata 78. No campo da biologia, na obra “A origem do homem e a seleção sexual”, segundo as observações de Darwin, as emoções mais complexas são comuns aos animais superiores e aos homens, e que os animais amam e compartilham sofrimento de seus semelhantes, como também estendem sua compaixão a outras espécies, o que confere a capacidade de sobrevivência ao mais apto como aquele capaz de estabelecer cooperação, reciprocidade e simbiose79. Maritain aceita o evolucionismo biológico, ao acreditar na integração entre o tempo e a eternidade. Amoroso Lima exprimiu com muita propriedade esse entendimento do filósofo ao dizer que “seu Hino à Matéria é uma página maravilhosa 78 SEVEGNANI, Joacir. A solidariedade social no estado constitucional de direito no Brasil. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2014, p. 15. 79 DARWIN, Charles. A origem do homem e a seleção sexual. São Paulo: Hemus, 1974, p. 123142. 43 sobre a presença de Deus no tempo e nas criaturas, sem qualquer espécie de imanentismo” 80. A concepção da sociabilidade da pessoa está presente no Artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, segundo Sanfelice O homem não pode considerar apenas a sua existência individual. Deve sempre perceber que, enquanto homem, permanece em contínua com seus semelhantes, e tais relacionamentos devem se desenvolver fraternalmente. Ou seja: o reconhecimento e o respeito à alteridade devem imperar nas relações humanas81. Nesse viés, o homem é uma espécie social e solidária, no qual sua coexistência é uma condição primária, porque o “significado da vida é formar relações com outros para sentir, de maneira mais profunda possível, a realidade da existência” 82 . Ao integrar-se na convivência social, ele deixa de adotar uma atitude passiva, para assumir deveres para com todos e tudo, porque “a comunidade com o próximo começa nas minhas obrigações com a sua segurança, seu resguardo. O próximo é irmão” 83. A pessoa nasce livre e igual em dignidade. A vida em sociedade é uma expansão natural do seu ser para a solidariedade e para maior garantia dos seus direitos e cumprimento de seus deveres, pela existência de um regime institucional e jurídico. Assim, a pessoa constitui a sociedade como protetora dos seus direitos e palco de seus deveres, para a crescente expansão de sua personalidade, de sua essência. 80 LIMA, Alceu Amoroso. Jacques Maritain, por Alceu Amoroso Lima. In: PUSSOLI, Lafaiete; LIMA, Jorge da Cunha (coord.). Presença de Maritain (Testemunhos). São Paulo: LTr, 1995, p. 42-43. 81 SANFELICE, Patrícia de Mello. Artigo I. In: BALERA, Wagner (coord.). Comentários à Declaração Universal dos Direitos Humanos. 2 ed. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p. 17. 82 SEVEGNANI, Joacir. A solidariedade social no estado constitucional de direito no Brasil. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2014, p. 14. 83 MONDIN, Battista. Definição filosófica da pessoa humana. Tradução Ir. Jacinta Turolo Garcia. Bauru-SP: EDUSC, 1998, p. 33. 44 Acredita Sevegnani, que Jacques Maritain é um pensador que contribui para a formulação de um solidarismo conformado à realidade atual com seu Humanismo Integral, vez que esse edifica sobre as bases da pessoa humana, conferir-lhe a dignidade, partindo de uma proposta integradora que reúne, especialmente, a liberdade da pessoa e o bem comum. Do que se entende O solidarismo configura-se hodiernamente como o sistema social e político que erigido sobre os princípios da solidariedade social, do bem comum, da liberdade, da subsidiariedade e da dignidade da pessoa humana, tem por objetivo proporcionar uma convivência humana que, respeitando a individualidade da pessoa, atribui-lhe, juntamente com o Estado, a responsabilidade pelo bem-estar da coletividade84. Daí decorre, de que a acepção de solidariedade não se confunde com a caridade e o assistencialismo. A solidariedade somente poderá ocorrer numa relação de equilíbrio e partilha que une as pessoas umas as outras. Num diálogo entre o Papa Francisco, o Rabino Abraham Skorka e Marcelo Figueroa, fica clara a sua dimensão de corresponsabilidade A finalidade da solidariedade é a inclusão, que pode ser comparada a um abraço real, pois “em toda a sociedade no qual existem indigentes de toda espécie (...) esse ser que está jogado com a mão estendida, em essência, tem um problema enorme de afeto (...). Quando alguém está totalmente jogado e quebrado, é difícil dar-lhe o abraço, é difícil ele aceitar o carinho. É preciso dar uma estrutura muito mais complexa. (...) Eu tenho que começar a lhe dar carinho, dar-lhe força, dar-lhe oportunidades, incluí-lo no sistema, e depois dizer: ‘Agora estamos iguais, eu não estou em pé nem você jogado no chão’. Agora o abraço é uma coisa diferente, meu coração já está na mesma frequência que o seu, não é um coração desesperado 85. 84 SEVEGNANI, Joacir. A solidariedade social no estado constitucional de direito no Brasil. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2014, p. 132. 85 BERGOGLIO, Jorge Mario, SKORK, Abraham, FIGUEROA, Marcelo. A solidariedade. Tradução Sandra Martha Dolinsky. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 8. 45 No mesmo sentido, a solidariedade possui uma estreita relação com a fraternidade, mas não se confunde com esta. Defende Balera A expressão fraternidade originalmente inscrita na terminologia dos revolucionários, não naturalmente carregada com o sentido moral de que se acha revestida foi, a pouco e pouco, adquirindo expressão jurídica, trata-se agora da solidariedade, modo de ser jurídico da fraternidade 86. Na lição de Sevegnani a fraternidade poder ser entendida como um valor, enquanto a solidariedade como um princípio: A fraternidade pode ser concebida como a razão primeira e mais profunda a motivar as relações sociais. Nesta perspectiva, afigura-se como um valor que guia toda a convivência humana. Os documentos constitucionais têmlhe atribuído, com frequência, uma configuração valorativa, como forma de servir de base antropológica a todo o ordenamento jurídico, mas sem um caráter normativo. Por outro, lado como uma derivação da fraternidade, a solidariedade social consolidou-se como norma jurídica diretiva, fundamentadora de princípios e regras ou de eficácia normativa imediata 87. Conforme Machado a fraternidade não pode ser compreendida nos apertados limites de uma solidariedade vertical, baseada exclusivamente na intervenção direta dos Estados para somente socorrer determinadas necessidade de setores menos favorecidos da sociedade, mas o que se prende é uma dimensão horizontal da solidariedade, que consiste na responsabilidade de socorro mútuo entre membros de uma mesma família, geradas pelos mesmo Criador – Deus 88. 86 BALERA, Wagner. Direito ao desenvolvimento. Disponível em: <http://www.cjlp.org/direito_ao_desenvolvimento.html>. Acesso em: 10 abr. 2016. 87 SEVEGNANI, Joacir. A solidariedade social no estado constitucional de direito no Brasil. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2014, p. 59. 88 MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A fraternidade como categoria constitucional. In: SOUZA, Carlos Aurélio Mota de; CAVALCANTI, Thais Novaes (coord.). Princípios humanistas constitucionais: reflexões sobre o humanismo do Século XXI. São Paulo: Letras Jurídicas, 2010, p. 106. 46 Ao cogitar sobre a fraternidade, convém abrir necessário parêntese sobre as dimensões dos Direitos Humanos. Das distintas dimensões dos Direitos Humanos é consenso identificá-las com a tríade da Revolução Francesa – liberdade, igualdade e fraternidade. Esses três valores condensam o que pode ser chamado de bem comum. Conforme, Guerra Filho é melhor se falar em dimensões por que Os direitos ‘gestados’ em uma geração, quando aparecem em uma ordem jurídica que já trás direitos da geração sucessiva, assumem uma outra dimensão, pois os direitos de geração mais recente tornam-se um pressuposto para entendê-los de forma mais adequada – e, consequentemente, também melhor realizá-los89. Em combinação com essa noção, Sidney Guerra explica Os direitos humanos são apresentados, por grande parte da doutrina, por gerações ou dimensões. Essa abordagem é interessante para demonstrar como se desenvolveram os direitos humanos e a necessidade de serem todos observados (não apenas os direitos civis e políticos) para o reconhecimento da dignidade. (...) podem ser apresentados os direitos humanos de primeira, segunda e terceira gerações90. Prossegue o autor Quanto aos direitos de terceira geração, também denominados diretos dos povos, direitos de solidariedade ou direitos de fraternidade, surgem como resposta à dominação cultural e como reação ao alarmante grau de exploração não mais da classe trabalhadora dos países industrializados, mas das nações em desenvolvimento e por aquelas já desenvolvidas, bem como pelos quadros de injustiça e opressão no próprio ambiente interno dessas e de outras nações revelados mais agudamente pelas revoluções de descolonização ocorridas após a Segunda Guerra Mundial. Atuam ainda como afirmação contemporânea de interesses que desconhecem limitações de fronteiras, classe ou posição social e se definem como direitos globais ou 89 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 6. ed. São Paulo: SRS Editora, 2009, p, 43. 90 GUERRA, Sidney. Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 63-64. 47 de toda a Humanidade. Fala-se também do direito à autodeterminação dos povos e ao meio ambiente equilibrado 91. paz, à Fechamos, com a citação acima, nossa observação. Como deve ter ficado evidente, pelo exposto até aqui, a solidariedade é o que move a prosperidade material e riqueza espiritual das vidas individuais e coletivas de todos os membros da sociedade humana, ou seja, é ela quem move o bem comum. Sem a solidariedade, na comunidade, na família, na sociedade política, no Estado não se chega a esse objetivo. A família é o primeiro círculo de sociedade natural da pessoa. No convívio caseiro as experiências e os conhecimentos são transmitidos por vontade livre de geração em geração. O segundo círculo é o da sociedade política. A sociedade é fruto do trabalho da razão e da vontade, e livremente consentida pela pessoa, por isto não lhe é externa, nem lhe é superior. Assim acontece porque a “sociedade é um todo cujas partes são em si mesmas outros todos, e é um organismo feito de liberdades, não de simples células vegetativas” 92, como igualmente forma-se como algo exigido pela natureza93. Na perspectiva da construção de uma sociedade justa e fraterna, segundo Garutti Moreira “o fim da pessoa humana, ao menos durante a vida terrena, é utilizar sua liberdade, respeitando os outros, e desenvolver, assim, cada vez mais, seu espírito” 94. 91 GUERRA, Sidney. Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 68. MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural. Tradução Afrânio Coutinho. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1967, p. 19. 93 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural. Tradução Afrânio Coutinho. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora. 1967, p. 18. 94 MOREIRA, Edson Fábio Garutti. Humanismo de Maritain e a burocracia. São Paulo: Loyola, 2001, p. 28. 92 48 Contudo, para Maritain, a rigor dos seus princípios de Filosofia Política, distingue a noção de comunidade e sociedade, para atribuí-las a duas espécies de grupos sociais. Neste sentido ele afirma Tanto a comunidade como a sociedade são realidades éticos-sociais, verdadeiramente humanas, e não apenas realidades biológicas. Uma comunidade, porém, é mais uma obra da natureza, estando assim mais próxima do plano biológico; uma sociedade é, antes, uma obra da razão, relacionando-se mais estreitamente com as propriedades intelectuais e espirituais do homem. Para compreender essa distinção, devemos recordar que a vida social, como tal, reúne os homens por motivo de certo objeto comum. (...). Em uma comunidade, o objeto é um fato que precede as determinações da inteligência humana e da vontade, objeto esse que atua independente delas, para criar uma psique inconsciente comum, estruturas psicológicas e sentimentos comuns, assim como costumes comuns. Mas, em uma sociedade, o objeto é uma tarefa a ser feita ou um fim a ser atingido, que dependem das determinações da inteligência e da vontade humanas e são precedidas pela atividade, seja uma decisão, seja pelo menos um consentimento da razão dos indivíduos95. A sociedade política existe para o homem, e não o contrário. Ela visa uma finalidade própria, diferente da soma dos interesses individuais, que consiste no bem comum de seus membros. 1.4 O bem comum Segundo exposto por Balera96, na aula ministra sobre “Bem comum, humanismo e direitos humanos”, o bem nos Direitos Humanos não é uma coisa. Ele é na verdade algo que pertence ao homem. É uma virtude inerente a pessoa humana, que nasce e morre com ela. Assim, tirar o bem do homem é retirar o próprio homem, é aniquilá-lo. 95 MARITAIN, Jacques. O homem e o Estado. Tradução Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1952, p. 11-12. 96 BALERA, Wagner. Bem comum, humanismo e direitos humanos. Aula ministrada na Pontifícia Universidade católica de São Paulo (PUC-SP), 19 de agosto de 2015, Pós Graduação de Direito, área de Direitos Humanos. 49 Sobre a virtude, vale lembrar as palavras de Aristóteles Costuma-se dizer que nada há que acrescentar nem tirar nas coisas bemfeitas, considerando-se que o excesso ou a falta destrói a perfeição e a justa medida a conserva (...). E a virtude que é mais perfeita e melhor que toda a arte, do mesmo modo que a natureza, tenderá para o meio. (...). Chamo meio da coisa o igualmente distante dos extremos, que é um e idêntico para todos, meio a respeito de nós, o que não é excesso nem falta. E este não é único nem idêntico para todos97. (ARISTÓTELES, III) Ainda, para Aristóteles A virtude é uma disposição adquirida voluntariamente, consistindo, em relação a nós, em uma medida, definida pela razão conforme a conduta de um homem que age refletidamente. Ela consiste na medida justa entre dois extremos, um pelo excesso, outro pela falta.98 (ARISTÓTELES, VI) Segundo Aristóteles, existe uma categoria que é a virtude. Essa virtude está em nível ético, e por excelência é a justiça. Por conseguinte, a justiça é a equidade, a moderação, e o afastamento do excedente. Assim, o ser humano dotado de prudência e habituado ao exercício de tal, encontra no justo meio entre os extremos de seus atos e decisões a virtude. Em um sentido ético, a virtude é uma qualidade positiva do indivíduo que faz com que este aja de forma a fazer o bem para si e para os outros. [...] Na filosofia moderna, a palavra "virtude" passou a designar a força da alma ou do caráter. Neste sentido moral, designa uma disposição moral para o 99 bem. [...] a coragem, a justiça, a lealdade . 97 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução Edson Bini. 3. ed. Bauru-SP: Edipro, 2013, Aristóteles, III. 98 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução Edson Bini. 3. ed. Bauru-SP: Edipro, 2013, Aristóteles, VI. 99 JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeira: Zabar, 1996, p. 271. 50 Novamente, com o apoio em Balera100, o bem está numa dimensão individual. Contudo numa relação humanista é imprescindível saber qual é o bem do outro, e assim não impor aquilo que é apenas o meu bem como uma medida. Portanto, nessa forma de relação social é objetivo do Estado o bem comum, ou seja, promover o bem de todos. O bem comum é definido como um pensamento político católico, base da Doutrina Social da Igreja. Do ponto de vista filosófico, os seus maiores teóricos são Tomás de Aquino e Maritain. Tomás de Aquino101 nasceu no castelo de Roccasecca, perto de Aquino (Reino das Duas Sicílias), em 1225. Estudou teológica inicialmente sob a orientação dos monges beneditinos da Abadia de Montecassino e, em 1244, ingressou na Ordem dos Dominicanos. No ano de 1259, tornou-se doutor em teologia, e lecionou em várias cidades da Itália. Neste país faleceu em 07 de março de 1274, no convento dos Cistercienses de Fossanova, com 49 anos de idade. Nos seus estudos se empenhou em ordenar o saber teológico e moral acumulado na Idade Média. Foi influenciado pelos filósofos gregos Platão e Aristóteles, os árabes e judeus, escolásticos e especialmente por Santo Agostinho e mais ainda, por Alberto Magno, seu mestre. Em 1231, com maior relevo em Paris, houve intensos conflitos intelectuais, que opunha o conhecimento pela fé ao conhecimento pela razão. Esses se intensificam com a divulgação da filosofia aristotélica, isto porque à primeira vista, Aristóteles ignorava as noções de Deus criador e providente, bem como as de alma imortal, queda e redenção do homem, todas fundamentais à doutrina cristã. Em face da aparente distancia dos dogmas cristãos, a filosofia aristotélica ganhou adeptos. Desde então, e segundo as ordens do Papa Gregório IX, as obras 100 BALERA, Wagner. Bem comum, humanismo e direitos humanos. Aula ministrada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), 19 de agosto de 2015, Pós-Graduação de Direito, área de Direitos Humanos. 101 STO. TOMÁS DE AQUINO. Sto. Tomás de Aquino – vida e obra. Bauru-SP: Nova Cultura, 1996, p, 5-13. 51 do filósofo grego passariam por aquilo que foi chamado cristianização da filosofia aristotélica, realizado por Tomás de Aquino. Este foi o ponto de partido para o tomismo, cuja obra consistiu, graças à capacidade de ordenação metódica e habilidade dialética do teólogo, a revelação cristã do pensamento de Aristóteles. O termo bem comum é de origem medieval. Tomás de Aquino contribuiu para o seu entendimento à medida que afirmou Há muitas coisas na vida da sociedade em que é necessário que todos procedam segundo a mesma norma, sendo que lei civil, que deve assegurar a ordem, estabelecer a concordância entre os esforços de todos, e criar um ambiente favorável para que cada um exerça a sua actividade em vista do seu fim último 102. Ao transmitir seu pensamento Aquino nos indica que a lei civil tem como fundamento a Lei Natural, e por isso seu papel é auxiliar àqueles que compõem a sociedade na obtenção do seu fim último (bem comum), não se esquecendo de que a pessoa não pode privar os outros do bem que por natureza lhes pertence, como ainda nenhuma sociedade pode desprezar os direitos de outras sociedades. Maritain é o defensor da dignidade da pessoa humana enquanto construtora de um sistema social e político fundado no ideal do bem comum efetivamente participado por todos os homens e mulheres que compões a sociedade 103. Por sua vez, o bem comum numa relação humanista encarna a ideia do Humanismo Integral, de Maritain O bem comum da cidade não é nem a simples coleção dos bens privados, nem o bem próprio de um todo (...) que somente diz respeito a si próprio e sacrifica as partes em seu proveito; é a boa vida humana da multidão, de uma multidão de pessoas, isto é, de totalidade a um tempo carnais e espirituais. (...) O bem comum da cidade é sua comunhão no bem-viver; é, pois, comum ao todo e às partes, quero dizer às partes como todas elas 102 BARROS, Manuel Corrêa. Lições de filosofia tomista. Porto: Livraria Figueirinhas, 1945, p. 378. SANTOS. Francisco de Araujo. Humanismo de Maritain no Brasil de hoje. Ciência, arte e sociedade. São Paulo: Loyola, 2000, p. 16. 103 52 próprias, porquanto a noção mesma de pessoa significa totalidade; é comum ao todo e às partes, sobre as quais ele transborda e as quais devem tirar proveito dele 104. Segue Maritain Ele implica e exige o reconhecimento dos direitos fundamentais da pessoa; e comporta como valor principal a mais larga possibilidade de acesso (isto é, compatível com o bem do todo) das pessoas à sua vida de pessoa e à sua liberdade de expansão. Assim aparece um primeiro caráter essencial do bem comum: ele implica uma redistribuição, deve ser redistribuído às pessoas e ajudar o seu desenvolvimento. O segundo caráter diz respeito à autoridade na sociedade. O bem comum é o fundamento da autoridade, pois, a fim de conduzir uma comunidade de pessoas humanas para seu bem comum, para o bem do todo como tal, é mister que alguns em particular sejam encarregados dessa tarefa, e que as direções que eles imprimem, as decisões que tomem a este sejam seguidas ou obedecidas pelos outros membros da comunidade. Tal autoridade, visando o bem do todo, dirige-se a homens livres. Um terceiro caráter diz respeito à moralidade intrínseca do bem comum, (...) essencialmente retidão de vida, boa e íntegra vida humana da multidão. A justiça e a retidão moral são assim essências do bem comum. É por isso que o bem comum exige o desenvolvimento das virtudes na massa dos cidadãos105. Da mesma forma, como assevera, Galvão de Souza “referindo-se ao fim do Estado ou á prosperidade pública”106 O bem comum resulta das condições exteriores que a sociedade deve proporcionar aos seus membros. (...). Podemos dizer que o bem comum é a organização de todos estes bens particulares. Não a simples soma dos bens individuais, como ensina o liberalismo, nem a absorção dos bens particulares pelo Estado, como prega o socialismo. A missão do Estado reside nessa tarefa organizada ou coordenadora107. 104 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural. Tradução Afrânio Coutinho. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1967, p. 20. 105 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural. Tradução Afrânio Coutinho. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora. 1967, p. 20-22. 106 SOUZA, José Pedro Galvão de. Iniciação à teoria do estado. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1976, p. 14. 107 SOUZA, José Pedro Galvão de. Iniciação à teoria do estado. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1976, p. 15-16. 53 Segue Galvão de Souza, ao se referir sobre o conteúdo do bem comum, esse dividido na ordem pública e nos bens espirituais e materiais Entre as condições da felicidade social está em primeiro lugar a ordem jurídica, isto é, o reconhecimento dos direitos de cada um e sua tutela eficaz pelo Poder Público. (...) O Direito é, pois, condição sine qua non de ordem e paz na sociedade. Sem o respeito à vida e aos bens de cada um, nem sequer a coexistência humana seria possível. Eis por que se destaca, num plano de importância vital, a ordem jurídica entre os elementos que constituem o bem comum. Não basta assegurar a existência do todo social e a convivência pacífica dos seus membros. Os homens querem naturalmente viver bem. A tendência para a perfeição é inata nos homens, e essa tendência, transporta para o plano social, gera o progresso. (...) O bem comum exige que se distribuam também, entre todos, os bens espirituais, sobretudo os que decorre, da instrução e principalmente da educação108. O bem comum é evocado explicitamente por João XXIII na Encíclica Mater et Magistra de 15 de maio de 1961: “O Supremo Pastor indica, como princípios fundamentais, o regresso do mundo econômico à ordem moral e a subordinação da busca dos lucros, individuais e de grupos, às exigências do bem comum (Ponto 34)” 109 . Na Encíclica Pacem in Terris, ao alertar que “todo o cidadão e todos os grupos intermediários devem contribuir para o bem comum110” (Ponto 53). Disto deriva que devem ajustar os próprios interesses às necessidades dos outros. Como reafirma sua definição, anteriormente proposta na Encíclica Mater et Magistra: “o bem comum consiste no conjunto de todas as condições de vida sociais que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana 111. “ (Ponto 58). 108 SOUZA, José Pedro Galvão de. Iniciação à teoria do estado. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1976, p. 14. 109 JOÃO XXIII. Mater et Magistra. 15 de maio de 1961. Ponto 34. 13. ed. São Paulo: Paulinas, 2010, p. 12. 110 JOÃO XXIII. Pacem in Terris. 11 de abril de 1963. Ponto 53. 6. ed. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 31. 111 JOÃO XXIII. Pacem in Terris. 11 de abril de 1963. Ponto 53. 6. ed. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 33. 54 João Paulo II, na Mensagem da Paz de 1999, afirmou Gostaria de partilhar convosco esta minha convicção: quando a promoção da dignidade da pessoa é o princípio orientador que nos inspira, quando a busca do bem comum constitui o empenho predominante, estão a ser colocados alicerces sólidos e duradouros para a edificação da paz. Ao contrário, quando os direitos humanos são ignorados ou desprezados, quando a procura de interesses particulares prevalece injustamente sobre o bem comum, então inevitavelmente está-se a semear os germes da instabilidade, da revolta e da violência (Ponto 1) 112. Antes, em 1990, também para a celebração do Dia Mundial da Paz, João Paulo II, considera A terra é essencialmente uma herança comum, cujos frutos devem reverter em benefício de todos. Deus destinou a terra e tudo o que ela contém para uso de todos os homens e de todos os povos, reafirmou o Concílio Vaticano II (Const. Gaudium et spes, n. 69) (Ponto 8) 113 O mesmo Pontífice quanto à questão ecológica e o meio ambiente, como um bem comum de direito e responsabilidade de todos, enfatizou: Mesmo os homens e mulheres que não têm particulares convicções religiosas, também eles, levados pelo sentido das próprias responsabilidades em relação ao bem comum, reconhecem o dever de 114 contribuir para o saneamento do ambiente. (Ponto 15) . 112 JOÃO PAULO II. Mensagem da paz, de 1999. No respeito dos Direitos Humanos, o segredo da verdadeira paz. Ponto 1. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/messages/peace/documents/hf_jp-ii_mes_14121998_xxxiiworld-day-for-peace.html. Acesso em: 08 fev. 2016. 113 JOÃO PAULO II. Mensagem da paz, de 1990. Paz com Deus criador, paz com toda a criação. Ponto 8. Disponível em: <https://w2.vatican.va/content/john-paulii/pt/messages/peace/documents/hf_jpii_mes_19891208_xxiiiworld-day-for-peace.html>. Acesso em: 08 fev. 2016. 114 JOÃO PAULO II. Mensagem da paz, de 1990. Paz com Deus criador, paz com toda a criação. Ponto 15. Disponível em: <https://w2.vatican.va/content/john-paulii/pt/messages/peace/documents/hf_jpii_mes_19891208_xxiiiworld-day-for-peace.html>. Acesso em: 08 fev. 2016. 55 Por fim é importante ressaltar, a Constituição Federal de 1988 apresenta em diversos preceitos o princípio do bem comum. Constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos115. Como anota Maradiaga A opção pela justiça e a superação da pobreza exigem uma revisão dos deveres do Estado e da Política. Não adianta muita teoria para identificar a direção para qual caminhar. É preciso agir em função da realização das necessidades fundamentais, ‘ativas’ e ‘passivas’, que constituem o que chamamos de ‘bem comum’116. Da mesma forma a ordem econômica brasileira tende para a satisfação do bem de todos. Segundo nossa Constituição Federal de 1988, a ordem econômica e financeira, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios da função social da propriedade 117 e a defesa do meio ambiente118. 115 Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Art. 3º, inciso IV. MARADIAGA, Óscar. Sem ética não há desenvolvimento. Tradução Carlos Alberto Dastoli. Petrópolis-RJ: Vozes, 2015, p.38. 117 Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. 118 Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Art. 170, incisos II, III e VI. 116 56 1.4.1 O Estado e o bem comum O Estado pertence à ordem da sociedade. O corpo político ou a sociedade política é o todo. O Estado é uma parte – a parte principal desse todo, e como tal inserido a esse corpo. No que diz respeito à obra comum a ser realizado pelo Estado para uma civilização solidária, na posição de Maritain Seria a ideia – não estóica nem kantiana, mas evangélica – da dignidade da pessoa e de sua vocação espiritual, e do amor fraternal que lhe é devido. A obra da cidade seria realizar uma vida comum terrena, um regime temporal verdadeiramente conforme a esta dignidade, a esta vocação e a este amor119. Talvez um Estado pautado na amizade fraternal seria utópico, visto que ele não é capaz de torna os homens, tomados individualmente, bons e irmãos uns aos outros. Entretanto, pode-se e deve-se exigir-lhe que tenha estruturas sociais, instituições e leis boas inspiradas do espírito de amizade fraterna, capazes de permitir a adesão consciente e não simples aderência obtida pela força ou por um conformismo público. O papel do Estado, em face da pessoa humana, é a concretização do bem comum. Esta é a posição adotada por João XXIII, Pacem in Terris Essa realização do bem comum constitui a própria razão de ser dos poderes públicos, os quais devem promovê-lo de tal modo que, ao mesmo tempo, respeitem os seus elementos essenciais e adaptem as suas exigências às atuais condições históricas (Ponto 54)120. 119 MARITAIN, Jacques. Humanismo integral. Uma visão nova da ordem cristã. Tradução Afrânio Coutinho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p. 195. 120 JOÃO XXIII. Pacem in Terris. 11 de abril de 1963. Ponto 54. 6. ed. São Paulo: Paulinas, 2004. 57 Na atual lição de Maritain O Estado é unicamente a parte do corpo político que se refere especialmente à manutenção da lei, ao fomento do bem comum e da ordem pública e à administração dos negócios públicos. O Estado é uma parte que se especializa no interesse do todo. Não é um homem ou um grupo de homens; é um conjunto de instituições combinadas em uma máquina altamente aperfeiçoada. Tal obra de arte foi construída pelo homem e serve-se dos cérebros e das energias humanas e nada é sem o homem; constituída, todavia, uma encarnação superior da razão, uma superestrutura impessoal e duradoura, cujo funcionamento pode ser considerado como racional em segundo grau, na medida em que a atividade racional nele envolvida, articulada pela lei e por um sistema de normas universais 121. No campo político, Maritain revela a adequação natural entre a liberdade e o bem comum, segundo uma teoria instrumentalista que estabelece a noção política do Estado. Para se atingir o que é bom para o corpo político, é preciso ter como valência máxima a dignidade da pessoa humana. O Estado como uma parte desse corpo, a este subordinado e dotado de autoridade devido às exigências do bem comum e dentro dos seus limites, é “um instrumento a serviço do homem” 122. Deste modo, o bem comum tende a atingir a felicidade de todos, preservando os direitos humanos e a liberdade das pessoas, e para tanto exige a formação do Estado dotado de um poder superior para a realização primacial da justiça e a efetividade da lei. Contudo, como o Estado não é nem o todo, nem um sujeito de direito, nem uma pessoa, mas uma criação humana ele não tem dignidade, é apenas um meio do homem alcançar seu fim como pessoa, através do bem comum. Assim, segundo um dos fundamentos do humanismo integral, não é o fim último da pessoa satisfazer o Estado, mas ao contrário123. 121 MARITAIN, Jacques. O homem e o Estado. Tradução Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1952, p, 22. 122 MARITAIN, Jacques. O homem e o Estado. Tradução Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1952, p, 23. 123 MARITAIN, Jacques. O homem e o Estado. Tradução Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1952, p. 35. 58 Buscar o bem comum é a tarefa fundamental do Estado, mas isto só poderá ser realizado com a colaboração de todas as pessoas, pois Só então poderá essa suprema instituição, que a civilização moderna tornou cada vez mais necessária à pessoa humana no seu progresso político, social, moral e mesmo intelectual e científico, deixar de ser, ao mesmo tempo, uma ameaça não só às liberdades da pessoa humana, mas também às da inteligência e da ciência. Somente então poderão as mais altas funções do Estado – garantir a lei e facilitar o desenvolvimento livre do corpo político – ser restauradas e readquirido pelos cidadãos o sentido do Estado124. 1.4.2 A propriedade privada e o bem comum Maritain propõe o ideal de um novo regime temporal de concepção profana cristão, ou seja, de um estado laico e solidário. Resume Chehoud A cidadania que hoje se requer numa sociedade plural, pois constituída por diversos grupos sociais e raciais, não é mais aquela constituída nos moldes do tradicional Estado Nacional, mas sem aquela que procura combinar 125 igualdade com respeito à diferença . E continua Chehoud, referindo-se que, aquilo que podemos chamar de um Estado Constitucional Cooperativo cujo caminho é a solidariedade, apresenta três características: a primeira é a abertura global dos Direitos Humanos e de sua realização cooperativa, a segunda é o potencial constitucional ativo, voltado ao objeto de realização internacional conjunta das tarefas como sendo da comunidade dos Estados, de forma processual e material, e a terceira é a solidariedade estatal 124 MARITAIN, Jacques. O homem e o Estado. Tradução Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1952, p. 29. 125 CHEHOUD, Heloisa Sanches Querino. Liberdade religiosa e laicidade: evolução histórica e análise constitucional. Dissertação de Mestrado apresentada perante a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: Boblioteca NGK – PUC/SP, 2010, p. 45. 59 de cooperação para além de suas fronteiras, como por exemplo, assistência ao desenvolvimento e na proteção do meio ambiente126. Junto a Maritain, sua proposta apresenta notas características que são ao mesmo tempo oposta à do liberalismo inumano e inversa ao ideal histórico medieval sacral cristã temporal. A sua ideia evidenciada no mundo sobrenatural é a da liberdade da pessoa humana que a graça une a Deus. O Ser, o Eterno orienta do alto como que uma estrela iluminada os caminhos da humanidade. Uma das características dessa nova sociedade profana cristã é a conquista ou realização da liberdade. Ora, de que liberdade se pode tratar antes de tudo para uma civilização? Não, segundo a concepção liberal, da simples liberdade de escolha do individuo (não é esta mais do que o começo ou raiz da liberdade); e não, segundo a concepção imperialista ou ditatorial, da liberdade de grandeza e de poder do Estado; mas sim, antes de tudo, da liberdade de autonomia das pessoas, que se confunde com sua perfeição espiritual127. Para a humanidade cumprir esse papel libertador na sociedade deve seguir a lei do uso comum, com especial atenção à propriedade dos materiais, por que No que diz respeito à propriedade dos bens materiais, ensina S. Tomás, como se sabe, que, de um lado, em razão antes de tudo das exigências da personalidade humana, considerada como força que elabora e trabalha a matéria e a submete às formas da razão, deve ser privada a apropriação dos bens, sem o que se exerceria mal a atividade trabalhadora da pessoa, mas que, doutro lado, em razão da destinação primitiva dos bens materiais à espécie humana, e da necessidade que tem cada pessoa destes meios para poder dirigir-se ao seu fim último, o uso dos bens individualmente 128 apropriados deve ele próprio servir ao bem comum de todos . 126 CHEHOUD, Heloisa Sanches Querino. Liberdade religiosa e laicidade: evolução histórica e análise constitucional. Dissertação de Mestrado apresentada perante a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: Boblioteca NGK – PUC/SP, 2010, p. 45-46. 127 MARITAIN, Jacques. Humanismo integral. Uma visão nova da ordem cristã. Tradutor Afrânio Coutinho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p. 171. 128 MARITAIN, Jacques. Humanismo integral. Uma visão nova da ordem cristã. Tradutor Afrânio Coutinho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p. 171. 60 Assim, dentro dessa proposta de Maritain, as coisas da Terra foram entregues aos homens para dela cuidarem, prosperem e bem viverem. Tudo que há no planeta e ele mesmo é uma herança comum, cujos frutos devem abastecer a todos. Conforme compreendeu Maritain: “O direito à propriedade privada dos bens materiais pertence à lei natural, na medida em que a humanidade tem o direito de possuir, para o seu próprio uso comum, os bens materiais da natureza”129. O direito à propriedade é um atributo intrínseco à pessoa, pois se situa na órbita dos direitos da dignidade da pessoa humana e da necessidade de titularizar bens para prouver sua subsistência. Contudo, esse mesmo direito natural comporta o dever de exercê-lo com responsabilidade; como um fator de estabilidade e prosperidade social. Contudo, por mais territórios que já conquistaram, nações poderosas brigam por mais posses, e o planeta é retalhado em face de inúmeras guerras e formas egoístas de apropriar-se da terra. O remédio para esses abusos do individualismo no uso da propriedade não é a supressão do interesse privado, mas o purificar ao prendê-lo em estruturas sociais orientadas para o bem comum, e também transformá-lo interiormente pelo senso da comunhão e da amizade fraternal. Na fórmula de Maritain, segundo um Humanismo Integral A questão é dar a cada pessoa humana a possibilidade real e concreta de aceder (sob modos que podem ademais variar muito, e que não excluem, quando são necessárias certas coletivizações), às vantagens da propriedade privada dos bens terrestres130. 129 MARITAIN, Jacques. O homem e o Estado. Tradução Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1952, p. 177. 130 MARITAIN, Jacques. Humanismo integral. Uma visão nova da ordem cristã. Tradutor Afrânio Coutinho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p.178. 61 A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 reconhece o direito à propriedade, ao declarar “Art. XVII – 1. Todo homem tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade”. Amoroso estabelece com precisão o sentido desse instituto para a humanidade. Ela é assumida como um instrumento para a liberdade, todavia sem adquirir um caráter absoluto. Eis, sua conclusão A propriedade é uma instituição consequente às exigências da pessoa humana, a primeira das quais é precisamente a sua expansão. A propriedade é a expansão da pessoa em direção às coisas, no sentido de as transformar em meios de realização de suas próprias potencialidades. Logo, a propriedade existe para a liberdade. E está naturalmente submetida às limitações naturais desta última. Assim como não há liberdade absoluta, também não deve haver propriedade absoluta. Logo, a propriedade é um direito essencial à plena expansão da vida humana desde que exista em função de sua finalidade131. Deste modo, o privatismo ou o coletivismo da propriedade privada não correspondem à expansão da pessoa completa. É assim, que a propósito o considera João XXIII O direito de propriedade privada, mesmo sobre bens produtivos, tem valor permanente, pela simples razão de ser um direito natural fundado sobre a prioridade ontológica e finalista de cada ser humano em relação à sociedade (Ponto 109). (...) o direito de propriedade privada sobre os bens, possui intrinsecamente uma função social. (Ponto 118) 132. Paulo VI, também aborda a questão da propriedade 131 LIMA, Alceu Amoroso. Os direitos do homem e o homem sem direitos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1974, p. 96. 132 JOÃO XXIII. Mater et Magistra. 15 de maio de 1961 Pontos 109 e 118. 13. ed. São Paulo: Paulinas, 2010. 62 Deus destinou a terra com tudo o que ela contém para uso de todos os homens e povos; de modo que os bens criados devem chegar equitativamente às mãos de todos, segundo a justiça, secundada pela caridade. Sejam quais forem as formas de propriedade, conforme as legítimas instituições dos povos e segundo as diferentes e mutáveis circunstâncias, deve-se sempre atender a este destino universal dos bens. Por esta razão, quem usa desses bens, não deve considerar as coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si, mas também aos outros. (...). De resto, todos têm o direito de ter uma parte de bens suficientes para si e suas famílias (Ponto 69) 133. Como anota Silveira e Silva, nossa atual Constituição Federal dispõe o direito à propriedade à luz da dignidade da pessoa humana. Não bastasse a expressa previsão da Carta Constitucional, o fundamento teleológico que atribui função social à propriedade seria estabelecido pela própria condição humana. Jungida à condição humana encontra-se a dignidade. A dignidade está a impedir que o fato de ter propriedade seja um fim em si mesmo. Impõe-se, aí, a função social da propriedade. (...). Com intuito meramente elucidativo, pode-se afirmar que a função social da propriedade é a imposição normativa que limita o exercício arbitrário da propriedade134. A Constituição Federal expressamente impõe limitações a propriedade privada em face de seu uso exigir uma destinação social, nos termos dos artigos 5 º, incisos XXII e XXIII135 e 170. Instituída o seu fim social aplica-se a todos os tipos de propriedade. A responsabilidade de bom uso e de preservação do meio ambiente está incluída nesta finalidade. São alguns modelos típicos de propriedades as empresas, onde se desenvolvem agronegócios, construção de imóveis para moradia e comércio. 133 PAULO VI. Gaudium et spes. Sobre a Igreja no mundo atual. 7 de dezembro de 1965. Ponto 69. Disponível em: http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vatii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html. Acesso em: 9 mai. 2016. 134 SILVA, Frederico Silveira e. Artigo XVII. In: BALERA, Wagner. Comentários à Declaração Universal dos Direitos Humanos. 2 ed. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p. 121. 135 Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; 63 Quanto aos princípios do art. 170 e seus incisos da Constituição Federal, esses vinculam a ordem econômica a fins sociais, visando o bem comum acima de finalidades meramente lucrativas. A atividade econômica só se legitima quando cumpre a finalidade maior de assegurar a todos existência digna das pessoas, de acordo com os ditames da justiça social. Por fim, pontua Derani que o princípio da função social, como princípio da ordem econômica, positivado no Art. 170 da Constituição Federal está imediatamente conectado ao meio ambiente, por que O capítulo do meio ambiente da Constituição brasileira trata de um fator básico da produção econômica: o fator natureza. Ao mesmo tempo, dispõe sobre sua proteção e limites de sua apropriação. Outrossim, seu objetivo não difere, fundamentalmente, daquele previsto no art. 170. Pois, como venho pretendendo demonstrar, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, é um dos elementos que compõem a dignidade da existência, princípio-essência apresentado no art. 170136. 1.4.3 A criação e o meio ambiente, bens comuns universais O Gênesis relata que Deus criou o mundo e “viu que era bom” (Gênesis 1,31)137. Em seguido Deus formou o homem e a mulher da própria terra e colocou-os como os agentes históricos para ordenar a criação. “No plano da criação, os bens da terra são primordialmente destinados à subsistência digna de todos os seres humanos (Ponto 118)” 138. Entenda-se por criação, o que é falado por Francisco 136 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 237. BIBLÍA. Mensagem de Deus. São Paulo: Loyola, 1983, p. 24. 138 JOÃO XXIII. Mater et Magistra. 15 de maio de 1961. Ponto 118. 13. ed. São Paulo: Paulinas, 2010. 137 64 Na tradição judaico-cristã, dizer ‘criação’ é mais do que dizer natureza, porque tem a ver com um projeto de amor de Deus, em que cada criatura tem um valor e um significado. A natureza entende-se habitualmente como um sistema que se analisa, compreende e gere, mas a criação só se pode conceber como um dom que vem das mãos abertas do Pai de todos, como uma realidade iluminada pelo amor que nos chama a uma comunhão universal139. Já o meio ambiente, podemos acompanhar o contorno que lhe dá a Lei n. 6938/81, “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” 140. Ainda, a definição de Coimbra é bem-vinda: “Meio Ambiente é a realidade complexa resultante da interação da sociedade humana com os demais componentes do mundo natural, no contexto do ecossistema planetário da Terra”141. As narrações sobre a criação, na sua linguagem simbólica e narrativa, trazem ensinamentos importantes sobre a existência humana, e que está se baseia sobre três relações fundamentais intimamente ligadas: com Deus, com o próximo e com a Terra. Juntamente ela se assenta na indissolúvel união entre a ação responsável da humanidade e sua unidade com tudo que foi criado neste planeta. Neste sentido Francisco, na Laudato Si’, observa que a Terra é nossa irmã porque todos somos irmãos nascidos da obra de Deus criador. Ao mesmo tempo a Terra nos foi dada como uma mãe zelosa e cuidadora que tudo dá a seus filhos. Cabe a cada um de nós através de gestos individuais e coletivos cuidarmos com amor de nossa irmã Terra que nos acompanha durante a jornada da vida e especialmente tratar com respeito e dedicação da nossa Mãe Terra142. 139 FRANCISCO. Laudato Si’, louvado sejas: sobre o cuidado da casa comum. 24 de maio de 2015. Ponto 76. São Paulo: Paulus, 2015. 140 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 182. 141 COIMBRA, José de Ávila Aguiar. O outro lado do meio ambiente: uma incursão humanista na questão ambiental. Campinas-SP: Millennium, 2002, p. 33. 142 FRANCISCO. Laudato Si’, louvado sejas: sobre o cuidado da casa comum. 24 de maio de 2015. Ponto 1. São Paulo: Paulus, 2015. 65 O respeito à criação revela-se pela preservação dos Direitos Humanos e dos bens naturais. Ora, fica aqui, suficientemente estabelecida a aliança dos Direitos da Natureza aos Direitos Humanos. Entre o Uno e o Múltiplo não pode haver contradições: o Homem é superior à Natureza, ontologicamente, devido à dignidade de sua pessoa, mas é parte inafastável da ordem natural, devendo conviver pacífica e construtivamente com os “não humanos”, para poder usufruir e gozar de seus bens, sem, contudo, exauri-los, para si ou para as gerações vindouras143. Contudo, foi rompida a harmonia existencial com o Criador, a humanidade e toda a criação, porque esquecemo-nos desse parentesco formado pelos laços de amor e agimos como se fossemos proprietários e dominadores absolutos sobre as criaturas, incluindo os humanos e não humanos. A violência, que esta no coração do homem logo é visto nos sintomas de doença apresentados no solo, na água, no ar e nos seres vivos. Sofremos de um agudo sintoma de descaso a exigências de respeito à vida. Nossa indiferença ao mesmo tempo alcança a segurança de disponibilidade dos recursos naturais para a sobrevivência das gerações futuras. Sem contar, que milhares de pessoas, em vários países e regiões da Terra, provam dificuldades enormes e sobrevivem na mais absoluta miséria, resultado de políticas pautadas unicamente no interesse econômico desajustado e na prevaricação do interesse comum. A propósito “entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que geme e sofre as dores do parto” 144. 143 SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Fundamentos humanistas do bem comum: família, sociedade, Estado. In: SOUZA, Carlos Aurélio Mota de; CAVALCANTI, Thais Novaes (coord.). Princípios humanistas constitucionais: reflexões sobre o humanismo do Século XXI. São Paulo: Letras Jurídicas, 2010.p. 123. 144 FRANCISCO. Laudato Si’, louvado sejas: sobre o cuidado da casa comum. 24 de maio de 2015. Ponto 2. São Paulo: Paulus, 2015. 66 Aceitarmos, como premissa, a pessoa humana “é espírito e vontade, mas é também natureza”, nos permitira adotar a criação e o meio ambiente como parte do nosso pensar e agir, como também nos imprime o fato que estes foram dados por Deus a todos, “constituindo o seu uso uma responsabilidade que temos para com os pobres, as gerações futuras e a humanidade inteira”145 A herança da criação pertence à humanidade inteira, como um bem comum universal a ponto de que “o presente e o futuro do mundo dependem da salvaguarda da criação, porque existe uma interação constante entre a pessoa humana e a natureza” (Ponto 10)146. Cada comunidade pode tirar da Terra aquilo de que necessita para a sua sobrevivência, mas tem também o dever de protegê-la e garantir a continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras. O meio ambiental natural como um bem universal, por certo, é o entendimento aderido por Maritain, conforme se pode considerar no pensamento citado Podemos imaginar, que os advogados de um tipo de sociedade liberalindividualista, de uma sociedade comunista ou de uma sociedade personalista redijam listas similares, porventura idênticas, de direitos do homem. Nenhum das três, entretanto, tocará o instrumento da mesma maneira. Tudo dependerá do valor supremo, de acordo com o qual todos esses direitos serão ordenados e se limitarão mutuamente. É em virtude da hierarquia de valores à qual nos subordinamos que determinaremos o caminho pelo qual os diretos do homem, econômico-sociais e individuais, deveriam, a nossos olhos, passar para o plano da existência. Aqueles que por falta de melhor nome, acabamos de caracterizar como advogados de um tipo de sociedade liberal-individualista, vêem a marca da dignidade humana, antes e acima de tudo, no poder que tem cada pessoa de apropriar-se individualmente dos bens naturais para poder fazer livremente o que quiserem. Os advogados de um tipo comunista de sociedade vêem a marca da dignidade humana, antes e acima de tudo, no poder de submeter esses mesmos bens ao comando coletivo do corpo social, de modo a ‘libertar’ o trabalho humano (submetendo-o à comunidade econômica), e conquistar assim o comando da história. Os advogados de um tipo personalista de sociedade vêem a marca da dignidade humana, antes e acima de tudo, no poder de colocar esses mesmo bens naturais a serviço da conquista comum de bens intrinsecamente humanos, morais e espirituais 145 BENTO XVI. Caritas in veritate. Sobre o desenvolvimento humano integral na caridade e na verdade. 29 de junho de 2009. Ponto 48. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2009. 146 JOÃO PAULO II. Mensagem da paz, de 1999. No respeito dos Direitos Humanos, o segredo da verdadeira paz. Ponto 10. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/messages/peace/documents/hf_jp-ii_mes_14121998_xxxiiworld-day-for-peace.html. Acesso em: 08 fev. 2016. 67 e da liberdade humana de autonomia. Esses três grupos, inevitavelmente, acusarão uns aos outros de ignorarem certos direitos essenciais de ser humano. Trata-se de saber qual deles traça uma imagem fiel e qual uma imagem falsa do homem. Quanto a mim, bem sei em qual das três posições me encontro: na terceira corrente que acabo de mencionar147. O artigo 225, caput, da Constituição Federal de 1988, define o meio ambiente como um bem comum. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, 148 bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida , impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (nossos grifos) O bem comum acomoda um dever na defesa e preservação de todo bem que podemos usufruir e gozar, mesmo que não haja sua propriedade individual. Coincidem tanto o direito de ordem pessoal (das partes), como o direito de ordem social ou coletivo (do todo). Do exposto, concluímos conforme Mota de Souza Ser superior pela inteligência, o Homem domina a natureza, utiliza os bens naturais como próprios, e esta apropriação é uma decisão ético-política, decidida pelos próprios homens entre si (conquistadores), ou dirigida pelo Poder Público mediante concessões ou políticas públicas. Em todas essas relações e distribuições deveria presidir o sentido de construção do bem comum149. 147 MARITAIN, Jacques. O homem e o Estado. Tradução Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1952, p. 125-126. 148 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituições do direito ambiental. v.1. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 61. Para Rodrigues, a titularidade do direito ao meio ambiente, pela sua complexidade, demanda uma análise mais profunda do que a simples avaliação do sentido da expressão todos (humanos), porque é na caracterização do bem ambiental – grifado pela fórmula do equilíbrio ecológico – que será extraído do caput do art. 225 do CF a opção do legislador quanto ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o que parece bastante ampla com a possibilidade de se defender todas as formas de vida como titulares. 149 SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Fundamentos humanistas do bem comum: família, sociedade, Estado. In: SOUZA, Carlos Aurélio Mota de; CAVALCANTI, Thais Novaes (coord.). Princípios humanistas constitucionais: reflexões sobre o humanismo do Século XXI. São Paulo: Letras Jurídicas, 2010.p. 124. 68 1.4.4 A filosofia da natureza para Jacques Maritain Nas palavras de Araujo Santos: “A significativa superioridade de Maritain está no detalhe, na erudição e na ousadia com que enfrentou não só os filósofos modernos, mas também as especulações feitas pelos próprios gênios da física moderna”150. Jacques Maritain nos propõe uma filosofia da natureza como o problema central para o debate sobre uma necessária explicação ontológica ou filosófica da natureza sensível distinta daquela das ciências experimentais, mas vindo complementá-la, pois propõe O realismo objetivo, como contato direto com as essências do mundo material, legitimando o conhecimento em termos humanos, existenciais e universais, em oposição ao restrito artificialismo da epistemologia moderna151. Assim, a base de todo o conhecimento é o nosso contato imediato com o mundo que nos envolve, o que leva Maritain a defender A análise de tipo ontológica, na visualização abstrativa da primeira ordem – a análise de que se serve o saber próprio do filósofo da natureza, honra a percepção dos sentidos mais do que o saber de tipo empiriológico, espera mais dela. No saber ontológico no primeiro grau de abstração, a intuição dos sentidos é assumida no movimento do espírito em direção ao inteligível, seu valor de conhecimento, digo seu valor especulativo, atinge o seu grau máximo152. 150 SANTOS, Francisco de Araujo. Humanismo de Maritain no Brasil de hoje. Ciência, arte e sociedade. São Paulo: Loyola, 2000, p. 26 151 SANTOS, Francisco de Araujo. Humanismo de Maritain no Brasil de hoje. Ciência, arte e sociedade. São Paulo: Loyola, 2000, p.26 152 MARITAIN, Jacques. A filosofia da natureza: ensaio crítico sobre suas fronteiras e seu objeto. Tradução Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Edições Loyola, 2003, p. 76. 69 Segue Maritain Pelo contrário, na análise empiriológica, e sobretudo físico-matemático, é notável que os sentidos estão presentes apenas para recolher indicações fornecidas por instrumentos de observação e de medição, e que lhes é recusado tanto quanto possível um valor de conhecimento propriamente dito, de obscura apreensão real. Como seria diferente no universo sem vida, sem alma nem carne, sem profundidade qualitativa, da quantidade abstrata pela natureza? Descartes tinha suas razões para reduzir a percepção dos sentidos a uma mera advertência subjetiva exclusivamente pragmática153. Ainda Maritain A verdadeira filosofia da natureza honra o mistério da percepção sensorial, ela sabe que esta só ocorre porque o imenso cosmos foi ativado pela causa primeira, cuja moção passa por todas as atividades físicas para fazê-las produzir, na extrema fronteira onde a matéria desperta para o ‘esse spirituale’, um efeito de conhecimento sobre um órgão animado. A criança e o poeta não estão errados em pensar que, na luz da estrela que nos chega através dos tempos, a inteligência que vela sobre nós nos acena de longe, de muito longe154. Desde modo, o homem ao acolher a objetividade direta e imediata de seu conhecimento, estará reconhecendo o primado de existir como núcleo essencial do ser. Como Araujo Santos, aponta O importante para Maritain é que esse existir já se revela ao pensante em sua primeira e mais direta asserção. O ser ou é captado – pelo menos implicitamente – na primeira asserção, ou sempre haveremos de viver sem o atingirmos. Para Maritain, o grave erro do pensamento moderno, a partir de Descartes, foi desligar o homem ontologicamente de seu contato ‘direito’ com o mundo objetivo do existir. Uma vez negada essa via direta, o homem estará confinado a seu mundo interior, a seu próprio pensamento: ‘Já não são filósofos; são ideósofos’155. 153 MARITAIN, Jacques. A filosofia da natureza: ensaio crítico sobre suas fronteiras e seu objeto. Tradução Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Edições Loyola, 2003, p. 76 154 MARITAIN, Jacques. A filosofia da natureza: ensaio crítico sobre suas fronteiras e seu objeto. Tradução Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Edições Loyola, 2003, p. 77. 155 SANTOS, Francisco de Araujo. Humanismo de Maritain no Brasil de hoje. Ciência, arte e sociedade. São Paulo: Loyola, 2000, p. 29. 70 Chama, ainda, atenção Maritain de que a pessoa não é apenas uma realidade orgânica, mas uma realidade organizada, que tem algo de angélico, inseparável do que tem de animal. Em sendo assim, Coimbra explica A vida, como fato existencial, clama não apenas por algo, mas por muito mais: clama pelo infinito. Não obstante, dentro da nossa própria realidade biconstitucional, encaramos as funções vegetativas e sensitivas como dotadas de intrínseca nobreza; além do que, elas, constituem suporte para as funções intelectuais e racionais. Daí a grande importância que assume o psicossomático em cada passo do cotidiano156. O que os nossos sentidos apreenderam e transformaram numa espécie de conhecimento, será convertido em sensação, emoção, ação e reação. Estas são manifestações vitais de cada um. Todavia, em cada um o grau de consciência muda muito. Como a pessoa é um animal capaz de dirigir os meios para a obtenção dos fins. Esta sua faculdade deve ser usada para efetivar seu desenvolvimento, e igualmente saber dispor os recursos à sua volta a fim de bem educar-se, ele próprio, e assegurar-se uma qualidade-de-vida em padrões satisfatórios. Coimbra chega à conclusão de que Os sentidos não são apenas órgão sensores dos elementos físicos com os quais nossa esfera psicossomática interage. Não se limitam a aprovar ou reprovar a qualidade desses elementos. Eles podem, mais do que isso, fornecer-nos muitas outras dimensões do mundo exterior. Permitem-nos ver o ‘outro lado’ das coisas, porquanto retransmitirão, para o recanto mais íntimo das sensações e do conhecimento, realidades que não costumamos ou não temos podido perceber. É impossível separar o conhecimento sensorial, uma reminiscência, uma vaga aspiração do nosso ser, de alguma simbologia157. 156 COIMBRA, José de Ávila Aguiar. O outro lado do meio ambiente: uma incursão humanista na questão ambiental. Campinas-SP: Millennium, 2002, p. 165. 157 COIMBRA, José de Ávila Aguiar. O outro lado do meio ambiente: uma incursão humanista na questão ambiental. Campinas-SP: Millennium, 2002, p. 166. 71 E continua O imenso arquivo dos nossos conhecimentos foi elaborado, lentamente construído, com a ajuda dos sentidos, desde as lembranças mais arquetípicas até os cálculos e projeções mais avançadas da Ciência moderna. Tudo quanto se observou, anotou e formatizou; tudo aquilo que se experimentou, sentiu, manifestou e comunicou; enfim, o acervo total da cultura humana passou pelos nossos sentidos, tanto no processo de entrada (input) quanto no de saída (output). A percepção e o conhecimento sensorial retroalimentaram, sem cessar, o fluxo das civilizações e a construção continuada das culturas158. Contudo a míngua das nossas percepções das coisas e do mundo estão comprometendo a estrutura e as funções de nossa existência, e de modo consequente nosso desenvolvimento e a sustentabilidade. Mas, há ainda outra forma de comprometimento, está inevitável, segundo Coimbra É o comprometimento da vida (fato biológico) com a existência (fato existencial), pois é desse comprometimento que nasce o verdadeiro sentido da passagem do Homem sobre a Terra. Em suma, daí nasce o comprometimento da espécie humana com o ecossistema planetário. Se nossos sentidos, como nossas ideias, estão massificados, não há outro caminho senão o de retorno à percepção genuína da Natureza e do próprio Homem como ser ambiental159. 1.5. Humanismo e desenvolvimento Como ensina Balera, no capítulo “Humanismo e desenvolvimento” 160 na obra “Princípios Humanistas Constitucionais”, o universo jurídico é composto de três tipos de normas: os valores, os princípios e as regras. Os valores apreendem a realidade 158 COIMBRA, José de Ávila Aguiar. O outro lado do meio ambiente: uma incursão humanista na questão ambiental. Campinas-SP: Millennium, 2002, p. 166. 159 COIMBRA, José de Ávila Aguiar. O outro lado do meio ambiente: uma incursão humanista na questão ambiental. Campinas-SP: Millennium, 2002, p. 167. 160 BALERA, Wagner. Humanismo e desenvolvimento. In: SOUZA, Carlos Aurélio Mota de; CAVALCANTI, Thais Novaes (coord.). Princípios humanistas constitucionais: reflexões sobre o humanismo do Século XXI. São Paulo: Letras Jurídicas, 2010, p. 399. 72 como algo bom (esfera axiológica), enquanto os princípios e as regras estabelecem a realidade como algo devido – dever ser (esfera deontológica). O desenvolvimento como um dos valores reconhecido no Preâmbulo da Constituição brasileira de 1988, nos interessa saber qual o seu papel de transformação, em perspectiva humanista, das estruturas sociais combinada com o meio ambiente e a natureza. Deste modo, uma análise humanista do evento do desenvolvimento deve acolher a concepção integral do ser humano, segundo a formulação de Jacques Maritain. Ao recordamos os ensinamentos de Maritain, podemos asseverar que “uma pessoa é como tal um todo”161, e como “pessoa ela subsiste de maneira independente”162 na medida de que “tem uma dignidade absoluta porquanto está em uma relação direta com o absoluto”163. Todavia, ela “não pode estar só”164, o que lhe exige “a vida política, a vida em sociedade, e não somente quanto à sociedade familiar, mas também quanto à sociedade civil”165 , cujo fim é “o bem comum da cidade é sua comunhão no bem-viver”166. “A sociedade existe para cada pessoa e lhe é subordinada” 167 , e em virtude disso aquela esboça quatro características: personalista, comunitária, pluralista e teísta ou cristã. No movimento dinâmico entre pessoa e sociedade, diz Maritain 161 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1967, p. 17. 162 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1967, p. 17. 163 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1967, p. 18. 164 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1967, p. 19. 165 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1967, p. 19. 166 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1967, p. 21. 167 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1967, p. 24. a lei natural. Tradução Afrânio Coutinho. 3. ed. a lei natural. Tradução Afrânio Coutinho. 3. ed. a lei natural. Tradução Afrânio Coutinho. 3. ed. a lei natural. Tradução Afrânio Coutinho. 3. ed. a lei natural. Tradução Afrânio Coutinho. 3. ed. a lei natural. Tradução Afrânio Coutinho. 3. ed. a lei natural. Tradução Afrânio Coutinho. 3. ed. 73 A evolução da humanidade deve ser encarada como a continuação da evolução da vida inteira, em que progresso significa ascensão da consciência e em que ascensão da consciência é ligada a um grau superior de organização168. Segue o filósofo É na ‘atração comum’ exercida por um centro transcendente, que é Espírito e Pessoa, e em que os homens podem realmente amarem-se uns aos outros, que o desenvolvimento da humanidade, assim animado e elevado na própria ordem da história temporal, encontra sua lei suprema169. Com efeito, o conceito de desenvolvimento deverá absorver as categorias do Humanismo Integral. 1.5.1 Desenvolvimento Integral O desenvolvimento pode ser entendido como uma lei da vida. É fato de que as coisas e a própria vida devem continuar e desenvolver-se. Para Bento VI “não é uma poesia, mas uma acurada leitura da realidade” 170 . O que nos leva a crer, em harmonia com Maradiaga que “viver não é apenas existir, mas existir de um certo modo. É a oportunidade que nos é frequentemente oferecida para vir a ser”171. 168 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural. Tradução Afrânio Coutinho. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1967, p. 24. 169 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural. Tradução Afrânio Coutinho. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1967, p. 24. 170 BENTO XVI. Caritas in veritate. Sobre o desenvolvimento humano integral na caridade e na verdade. 29 de junho de 2009. Ponto 68. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2009. 171 MARADIAGA, Óscar. Sem ética não há desenvolvimento. Tradução Carlos Alberto Dastoli. Petrópolis-RJ: Vozes, 2015, p. 22. 74 A palavra “desenvolvimento” é intrinsecamente dinâmica. Não indica um ponto de chegada, mas um percurso que tem um sentido, que segue uma direção precisa: um crescente, do “menos” para o “mais”172. Deste modo, “realizar, conhecer e possuir mais, para ser mais”173, porque “todo homem traz em si um vestígio de Deus, Verdade-Amor; todo homem sente, fortíssima e contínua, a atração pela verdade e o desejo de amor” 174. O desenvolvimento não é algo mecânico, que ocorre por programação ou realização técnica, pelo contrário precisa de alguém que dele se encarregue livremente. O desenvolvimento, de fato, é uma vocação, é um dever que nos convém. Maritain requer a construção da sociedade segundo liberdade e justiça, numa concepção ideal e histórica de uma civilização pelo amor, com vista à unificação da humanidade e o ideal profano cristão não sacral de uma única família dos povos, solidária na fraternidade. O humanismo integral propõe a igualdade através do desenvolvimento do homem todo e de todos os homens. Maritain exige O movimento progressivo da humanidade (...) reconhece a justiça e a amizade cívica como os fundamentos essenciais dessa comunidade de pessoas humanas que é a sociedade política; e em consequência insiste também sobre o papel fundamental da igualdade, não somente da igualdade de natureza, que está na raiz, mas da igualdade a conquistar como um fruto da justiça e como um fruto do bem comum revertido sobre todos175. 172 BERETTA, Simona. O desenvolvimento na caritas in veritate. In: SANTOS, Antonio Carlos Alves dos. (et. al.) (orgs). Princípios humanistas constitucionais: reflexões sobre o humanismo do Século XXI. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2010, p. 37. 173 BENTO XVI. Caritas in veritate. Sobre o desenvolvimento humano integral na caridade e na verdade. 29 de junho de 2009.Ponto 11. 2 ed. São Paulo: Paulinas, 2009. 174 BERETTA, Simona. O desenvolvimento na caritas in veritate. In SANTOS, Antonio Carlos Alves dos. (et. al.) (orgs). Princípios humanistas constitucionais: reflexões sobre o humanismo do Século XXI. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2010, p. 37. 175 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural. Tradução: Afrânio Coutinho. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora. 1967, p. 42 e 43. 75 O desenvolvimento será como que o âmago desta nova sociedade de raiz sólida, convidando a todos a moverem-se segundo a cultura do amor de Cristo. Neste sentido, compreende Paulo VI É um humanismo pleno que urge promover. Que significa isso, senão o desenvolvimento integral do homem todo e de todos os homens? Poderia aparentemente triunfar um humanismo fechado, refratário aos valores do espírito e a Deus, fonte desses mesmos valores. O homem pode, seguramente, organizar a Terra sem Deus; mas sem Deus só pode organizar contra o Homem. O humanismo exclusivo é um humanismo desumano. Não há, portanto, verdadeiro humanismo, senão ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação que dá da vida humana a noção verdadeira (Ponto 42).176 Este modelo de desenvolvimento foi, portanto, acolhido por Paulo IV, na Populorum progressio, para quem desenvolvimento é uma ideia, de que somente haverá a paz se houver o desenvolvimento. Desenvolvimento é o novo nome da paz (...). Combater a miséria e lutar contra a injustiça é promover, com o bem-estar, o progresso humano e espiritual de todos e, portanto, o bem-comum da humanidade. A paz não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário das forças. Edifica-se, dia a dia, mediante a busca de uma ordem desejada por Deus, que implica mais perfeita justiça entre os homens (Ponto 76) 177. Deste modo, conforme Maritain, o verdadeiro desenvolvimento do homem, somente diz respeito unitariamente à totalidade da pessoa em todas as suas dimensões. De fato, ele exige uma visão transcendente da pessoa, e acaba requerendo a presença de Deus, o que torna a pessoa livre. 176 PAULO VI. Populorum progressio. 26 de março de 1967. Ponto 42. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum.html. Acesso em: 19 de abr. 2016. 177 PAULO VI. Populorum progressio. 26 de março de 1967. Ponto 76. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum.html. Acesso em: 19 de abr. 2016. 76 A realidade do desenvolvimento, ao levar em consideração a pessoa na sua integralidade, está intimamente ligada a força com que as pessoas estão abertas ao transcendente e respondem à atração do Criador, amor, que existe em cada pessoa. De fato, “a abertura à vida está no centro do verdadeiro desenvolvimento” 178 . A dimensão econômica do desenvolvimento deverá inserir-se nessa integralidade da pessoa humana, partindo da consideração de que o desenvolvimento, não é somente material, mas “no centro da questão está a liberdade humana, que age como conhecimento e ação”179. Nesse contexto, o desenvolvimento integral é essencialmente uma vocação e, logo exige uma livre e solidária responsabilidade por parte de todos. A questão foi bastante delineada por Bento XVI Dizer que o desenvolvimento é vocação equivale reconhecer, por um lado, que o mesmo nasce de um apelo transcendente e, por outro, que é incapaz por si mesmo de atribuir-se o próprio significado último. (Ponto 16) (...) A vocação é um apelo que exige resposta livre e responsável. O desenvolvimento humano integral supõe a liberdade responsável da pessoa e dos povos: nenhuma estrutura pode garantir tal desenvolvimento, prescindindo e sobrepondo-se à responsabilidade humana. (Ponto 17) (...) Além de requerer a liberdade, o desenvolvimento humano integral enquanto vocação exige também que se respeite a sua verdade. (...) A verdade do desenvolvimento consiste na sua integralidade: se não é desenvolvimento do homem todo e de todo o homem, não é verdadeiro desenvolvimento. (Ponto 18) (...). Finalmente, a concepção do desenvolvimento como vocação inclui nele a centralidade da caridade. (...) A razão, por si só, é capaz de ver a igualdade entre os homens e estabelecer uma convivência cívica entre eles, mas não consegue fundar a fraternidade. Esta tem origem numa vocação transcendente de Deus Pai, que nos amou primeiro, ensinando-nos por meio do Filho o que é a caridade fraterna (Ponto 19) 180. Vale regatar o que foi explicado por Balera 178 BENTO XVI. Caritas in veritate. Sobre o desenvolvimento humano integral na caridade e na verdade. 29 de junho de 2009. Ponto 28. 2 ed. São Paulo: Paulinas, 2009. 179 BERETTA, Simona. O desenvolvimento na caritas in veritate. In SANTOS, Antonio Carlos Alves dos. (et. al.) (org.). Princípios humanistas constitucionais: reflexões sobre o humanismo do Século XXI. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2010, p. 39. 180 BENTO XVI. Caritas in veritate. Sobre o desenvolvimento humano integral na caridade e na verdade. 29 de junho de 2009. Pontos 16,17,18,19 . 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2009. 77 Portanto, a solidariedade é a conditio sine qua non do desenvolvimento integral. Esta solidariedade passa, assim, a integrar como componente necessária a vida da humanidade reunida em torno das ideias do bem comum. A vida social é um todo cujas partes integrantes são, em si mesmas consideradas, outros todos. Há um todo de liberdades – que podem ser cognominadas liberdades públicas. Há um todo de igualdades e, também um todo de solidariedade181. Através da atitude de solidariedade não podemos admitir que nenhum de nossos irmãos e irmãs deixem de assumir o seu futuro, para ocupar o lugar que lhes compete na sociedade. Conforme a indicação de Maradiaga A participação de todos e o fim da desigualdade significam ter acesso às oportunidades sociais, culturais, econômicas, e poder, por conseguinte, decidir a própria vida. Daí decorre a responsabilidade de cada indivíduo de ser solidário com os outros. De um ponto de vista cristão, a liberdade é um direito que permite a cada ser humano dar uma forma à própria vida, de modo responsável e solidário182. Novamente Balera, indica ter a redação da Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA) dedicado todo o Capítulo VII, ao Tema do Desenvolvimento Integral, afinada com a concepção humanista sustentada por Maritain183. Assim se encontra escrito o documento Capítulo VII DESENVOLVIMENTO INTEGRAL Artigo 30 - Os Estados membros, inspirados nos princípios de solidariedade e cooperação interamericanas, comprometem-se a unir seus esforços no sentido de que impere a justiça social internacional em suas relações e de que seus povos alcancem um desenvolvimento integral, condições indispensáveis para a paz e a segurança. O desenvolvimento integral abrange os campos econômico, social, educacional, cultural, científico e tecnológico, nos quais devem ser atingidas as metas que cada país definir para alcançá-lo. 181 BALERA, Wagner. Direito ao desenvolvimento. Disponível em: <http://www.cjlp.org/direito_ao_desenvolvimento.html>. Acesso: 10 abr. 2016. 182 MARADIAGA, Óscar. Sem ética não há desenvolvimento. Tradução Carlos Alberto Dastoli. Petrópolis-RJ: Vozes, 2015, p.29. 183 BALERA, Wagner. Humanismo e desenvolvimento. In: SOUZA, Carlos Aurélio Mota de; CAVALCANTI, Thais Novaes (coord.). Princípios humanistas constitucionais: reflexões sobre o humanismo do Século XXI. São Paulo: Letras Jurídicas, 2010, p. 402. 78 Artigo 31 - A cooperação interamericana para o desenvolvimento integral é responsabilidade comum e solidária dos Estados membros, no contexto dos princípios democráticos e das instituições do Sistema Interamericano. Ela deve compreender os campos econômico, social, educacional, cultural, científico e tecnológico, apoiar a consecução dos objetivos nacionais dos Estados membros e respeitar as prioridades que cada país fixar em seus planos de desenvolvimento, sem vinculações nem condições de caráter político. Artigo 32 - A cooperação interamericana para o desenvolvimento integral deve ser contínua e encaminhar-se, de preferência, por meio de organismos multilaterais, sem prejuízo da cooperação bilateral acordada entre os Estados membros. Os Estados membros contribuirão para a cooperação interamericana para o desenvolvimento integral, de acordo com seus recursos e possibilidades e em conformidade com suas leis. Artigo 33 - O desenvolvimento é responsabilidade primordial de cada país e deve constituir um processo integral e continuado para a criação de uma ordem econômica e social justa que permita a plena realização da pessoa humana e para isso contribua. Artigo 34 - Os Estados membros convêm em que a igualdade de oportunidades, a eliminação da pobreza crítica e a distribuição eqüitativa da riqueza e da renda, bem como a plena participação de seus povos nas decisões relativas a seu próprio desenvolvimento, são, entre outros, objetivos básicos do desenvolvimento integral184. O documento sem dúvida alguma requer o abandono do caduco modelo econômico do capitalismo fomentador da avareza, em detrimento dos mais pobres e das gerações que nos sucederão. Esse antigo modelo de vida da humanidade nos impõe a pergunta, anteriormente cantada por Renato Russo: “será que vamos ter que responder pelos erros a mais eu e você?” 185. A Carta da Organização dos Estados Americanos aponta para um novo caminho para o desenvolvimento. Há a proposta de um modelo equitativo baseado no dever livre e solidário em relação à coletividade, com vista a diminuir desigualdade entre ricos e pobres. Existe a preocupação de construir um mundo cooperativo e solidário no qual vivamos unidos na paz como irmãos e irmãs. Ao ponto de que 184 CARTA DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Disponível em: http://www.oas.org/dil/port/tratados_A41_Carta_da_Organiza%C3%A7%C3%A3o_dos_Estados_Ame ricanos.htm#ch7. Acesso em: 12 jun. 2016. 185 VILLA-LOBOS, Dado; RUSSO, Renato; BONFÁ, Marcelo. Legião Urbana. Será. Disponível em: https://www.vagalume.com.br/legiao-urbana/serasem-cifra.html.Acesso em: 12 jun. 2016. 79 A grandeza da humanidade é determinar-se essencialmente na relação com o sofrimento e com quem sofre. Isso vale tanto para o indivíduo como para a sociedade. Uma sociedade que não consegue aceitar os que sofrem e não é capaz de contribuir, mediante a com-paixão, para fazer com que o sofrimento seja compartilhado e assumido, mesmo interiormente, é uma sociedade cruel e desumana (ponto 38) 186. Esse discernimento ético do deve-se humanizante é assentado na Carta magna dos Estados Americanos. In verbis Artigo 40 Os Estados membros reafirmam o princípio de que os países de maior desenvolvimento econômico, que em acordos internacionais de comércio façam concessões em benefício dos países de menor desenvolvimento econômico no tocante à redução e abolição de tarifas ou outras barreiras ao comércio exterior, não devem solicitar a estes países concessões recíprocas que sejam incompatíveis com seu desenvolvimento econômico e 187 com suas necessidades financeiras e comerciais . Segundo Maradiaga O campo da ética é a questão da percepção humana em todos os âmbitos que têm um impacto sobre a pessoa e a sociedade. O humanizante ou “desumanizante” representa os critérios éticos que sustentam toda ação que realiza a dignidade e a solidariedade humana. Do mesmo modo, esses critérios denunciam toda ação que lesa ou fere essa dignidade e essa 188 solidariedade . Deste modo, ainda seguindo posição de Maradiaga, a visão ética do desenvolvimento, introduz um componente de racionalidade que não permite separar a questão do como fazer as coisas da questão do porque fazê-las. Deste modo, o elemento ético está inserido nos problemas de ordem econômica, social, 186 BENTO XVI. Spe Salvi. 30 de novembro de 2007. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20071130_spesalvi.html. Acesso em: 12 jun. 2016. 187 CARTA DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Disponível em: http://www.oas.org/dil/port/tratados_A41_Carta_da_Organiza%C3%A7%C3%A3o_dos_Estados_Ame ricanos.htm#ch7. Acesso em: 12 jun. 2016. 188 MARADIAGA, Óscar. Sem ética não há desenvolvimento. Tradução Carlos Alberto Dastoli. Petrópolis-RJ: Vozes, 2015, p. 48. 80 política ou humana em geral. Trata-se de uma dimensão constitutiva de qualquer problema humana, o que impõe aos planos, estratégias e políticas para atingir o desenvolvimento a exigência de uma série de procedimentos racionais, que a articulem com a análise cientifico-social, econômica e política em um processo de participação capaz de fortalecer a democracia189. Dentro das várias problemáticas que rodeiam a humanidade, o tema do ambiente é um ponto muito importante, porque se pensarmos sobre o muro ainda que invisível a olho nu e quase que intransponível entre ricos e pobres, em nível de pessoas humanas e sociedade, e ainda também ao consideramos as necessidades vitais das futuras gerações, podemos de fato nos dedicar com solidez e clareza à transformação do mundo que temos para aqueles que desejamos. A abertura à vida é essência do verdadeiro desenvolvimento, enquanto que o desenvolvimento do homem, ligado ao ambiente, diz respeito ao próprio respeito pela vida, como focaliza Bento XVI na Caritas in veritate O tema do desenvolvimento aparece, hoje, estreitamente associado também com os deveres que nascem do relacionamento do homem com o ambiente natural. Este foi dado por Deus a todos, constituindo o seu uso uma responsabilidade que temos para com os pobres, as gerações futuras e a humanidade inteira. (...) A natureza é expressão de um desígnio de amor e de verdade. Precede-nos, tendo-nos sido dada por Deus como ambiente de vida. Fala-nos do Criador (cf. Rm 1, 20) e do seu amor pela humanidade. Está destinada, no fim dos tempos, a ser ‘instaurada’ em Cristo (cf. Ef1, 9-10; Col 1, 19-20). Por conseguinte, também ela é uma ‘vocação’. A natureza está à nossa disposição, não como ‘um monte de lixo espalhado ao acaso’, mas como um dom do Criador que traçou os seus ordenamentos intrínsecos dos quais o homem há-de tirar as devidas orientações para a ‘guardar e cultivar’. (Gn 2, 15)190. Isso nos impõe a pensar que poucos dos cantos da Terra, incluindo o Brasil têm ocorrido o verdadeiro desenvolvimento. Ele é confundido com o implemento industrial e o avanço tecnológico sobre a matéria viva e sobre os seres animados 189 MARADIAGA, Óscar. Sem ética não há desenvolvimento. Tradução Carlos Alberto Dastoli. Petrópolis-RJ: Vozes, 2015, p. 59-64. 190 BENTO XVI. Caritas in veritate. Sobre o desenvolvimento humano integral na caridade e na verdade. Ponto 48. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2009. 81 que somos, com a acumulação de riquezas e a penúria alimentar, com os apelos aos mecanismos da lei de mercado e do lucro ilimitado e o chamado progresso. Ao inverso disso O desenvolvimento humano integral está intimamente ligado com os deveres que nascem da relação do homem com o ambiente natural, considerado como uma dádiva de Deus para todos, cuja utilização comporta uma responsabilidade comum para com a humanidade inteira, especialmente os pobres e as gerações futuras (Ponto 2) 191. Para Francisco, todo o anseio de responsabilizar-se pelo mundo requer mudanças significativas nos estilos de vida, nos modelos de crescimento e de consumo, nas estruturas de poder que governa as sociedades. O nascimento de uma nova cadência que supera o dualismo que separou o tema da ética humana e da ética ambiental para compor enfim uma ecologia humana, que nos implica A ter consciência de que vivemos e agimos a partir de uma realidade que nos foi previamente dada, que é anterior às nossas capacidades e à nossa existência. Por isso, quando se fala de ‘uso sustentável’, é preciso incluir sempre uma consideração sobre a capacidade regenerativa de cada ecossistema nos seus diversos setores e aspectos (Ponto 140).192 O Pontífice mantém seu pensamento, ao relembrar João Paulo II na Carta Encíclica Sollicitudo rei socialis, e ao mesmo tempo conclui que a Terra nos foi confiada segundo uma ordem de cuidado. Como elo de relação de interdependência dependemos de seus elementos para mantermos a vida com qualidade 191 BENTO XVI. Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação. Mensagem da Paz, 2010. Ponto 2. Disponível em: https://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/messages/peace/documents/hf_benxvi_mes_20091208_xliii-world-day-peace.html. Acesso: 9 mai. 2016. 192 FRANCISCO. Laudato Si’, louvado sejas: sobre o cuidado da casa comum. 24 de maio de 2015. Ponto 140. São Paulo: Paulus, 2015. 82 ‘O progresso autêntico possui um caráter moral e pressupõe o pleno respeito pela pessoa humana, mas deve prestar atenção também ao mundo natural e ter em conta a natureza de cada ser e as ligações mútuas entre todos, num sistema ordenado’. Assim, a capacidade de o ser humano transformar a realidade deve desenvolver-se com base na doação originária das coisas por parte de Deus (Ponto 5) 193. Portanto, como se vê o desenvolvimento integral somado ao desenvolvimento pleno das coisas que existem na Terra já era uma preocupação da sociedade do final do século XX, devidamente representado por João Paulo II, na Sollicitudo rei socialis, ao aferir O caráter moral do desenvolvimento também não pode prescindir do respeito pelos seres que formam a natureza visível, a que os Gregos, aludindo precisamente à ordem que a distingue, chamavam o ‘cosmos’. Também estas realidades exigem respeito, em virtude de três considerações sobre as quais convém refletir atentamente. A primeira refere-se às vantagens de tomar ainda mais consciência de que não pode fazer-se impunemente uso das diversas categorias de seres, vivos ou inanimados — animais, plantas e elementos naturais — como se quiser, em função das próprias exigências econômicas. Pelo contrário, é preciso ter em conta a natureza de cada ser e as ligações mútuas entre todos, num sistema ordenado, qual é exatamente o cosmos. A segunda consideração funda-se, por sua vez, na convicção, dir-se-ia mais premente, da limitação dos recursos naturais, alguns dos quais não são renováveis, como se diz. Usá-los como se fossem inexauríveis, com absoluto domínio, põe em perigo seriamente a sua disponibilidade, não só para a geração presente, mas sobretudo para as gerações futuras. A terceira consideração relaciona-se diretamente com as consequências que tem um certo tipo de desenvolvimento, quanto à qualidade da vida nas zonas industrializadas. Todos sabemos que, como resultado direto ou indireto da industrialização, se dá, cada vez com maior frequência, a contaminação do ambiente, com graves consequências para a saúde da população (Ponto 34) 194 . O respeito das exigências morais é imprescindível para o desenvolvimento, assim como o uso e a utilização dos recursos naturais. 193 FRANCISCO. Laudato Si’, louvado sejas: sobre o cuidado da casa comum. 24 de maio de 2015. Ponto 5. São Paulo: Paulus, 2015. 194 JOÃO PAULO II. Sollicitudo rei solialis. 30 de dezembro de 1987. Ponto 34. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_30121987_sollicitudorei-socialis.html. Acesso em: 19 mai. 2016. 83 Não há uma liberdade de usar e abusar ou de dispor das coisas como melhor agrade a pessoa. A limitação no domínio do planeta mostra-se com clareza nas relações com a natureza visível, submetidas à mesma lei que nos reconhece uma dignidade inata, e também moral, que não podem impunemente ser transgredidas. Portanto, sustentável 195 o fato propulsor do desenvolvimento integral, e ainda é a solidariedade na fraternidade, no chamado a responder com amor ao próprio irmão196, numa profunda comunicação entre os homens, capaz de gerar O verdadeiro desenvolvimento exige, portanto, a mudança das estruturas econômicas e sociais; o engajamento efetivo dos Estados, dos organismos internacionais e das organizações não governamentais, sob a inspiração do humanismo197. O direito ao desenvolvimento é um direito humano, inalienável em virtude do qual todas as pessoas e todos os povos estão habilitados a participarem do desenvolvimento econômico, político, social e cultural. A ele contribuir e dele desfrutar no qual todos os Direitos Humanos de liberdade fundamental possam ser plenamente realizados. Isto é o que Maritain chama de desenvolvimento integral. O desenvolvimento integral está expresso na Declaração do Direito ao Desenvolvimento, de 1986198. Segundo Rister, “hoje, dentro do desenvolvimento 195 SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2009, p. 71-72. Segundo Sachs, sobre a sustentabilidade, por muitas vezes o termo é utilizado para expressar a sustentabilidade ambiental. Mas, no entanto, o conceito tem diversas outras dimensões, entre elas: a) a sustentabilidade social vem na frente, por se destacar como a própria finalidade do desenvolvimento, b) um corolário: a sustentabilidade cultural, c) a sustentabilidade do meio ambiente vem em decorrência, d) outro corolário: distribuição territorial equilibrada de assentamentos humanos e atividades, e) a sustentabilidade econômica, f) sustentabilidade política. g) um corolário: a sustentabilidade do sistema internacional para manter a paz. 196 PAULO VI. Populorum progressio. 26 de março de 1967. Ponto 3. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum.html. Acesso em: 19 de abr. 2016. 197 BALERA, Wagner. Humanismo e desenvolvimento. In: SOUZA, Carlos Aurélio Mota de, CAVALCANTI, Thais Novaes (coord.). Princípios humanistas constitucionais: reflexões sobre o humanismo do Século XXI. São Paulo: Letras Jurídicas, 2010, p. 405. 198 Declaração do Direito ao Desenvolvimento. Assembleia Geral das Nações Unidas (A/RES/41/128). 84 progressivo de uma ordem mundial, a expressão ‘direito ao desenvolvimento’ implicaria uma atividade” 199. Nesse sentido A Assembléia Geral, por meio da Resolução 41/128, de 4 de dezembro de 1986, proclamou o direito ao desenvolvimento, pelo que é hoje considerado um dos direitos humanos de terceira geração, também denominados direitos de vocação comunitária, como o direito à autodeterminação dos povos, direito ao meio ambiente e direito à paz. É reconhecido hoje o direito ao desenvolvimento como inalienável e parte integrante dos direitos fundamentais200. Tal como indica Rister, essa Declaração teria feito com que a pessoa humana deixasse de ser vista como mero fator de produção e passasse a ocupar uma posição central no seu desenvolvimento, cabendo ser seu sujeito ativo e seu credor201. Igualmente, o documento situaria como sujeito ativo ou beneficiário do direito ao desenvolvimento os povos, razão pela qual este direito também seria concebido como direito de titularidade coletiva 202. Quanto aos Estados, segundo Rister, esse ocuparia uma titularidade passiva, visto que em face de ser um direito humano incumbe-lhes sua participação no que se refere à revisão das relações internacionais, ao passo que no artigo da Declaração 199 RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento: antecedentes, significados e consequencias. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 61. 200 RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento: antecedentes, significados e consequencias. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 63. 201 Declaração do Direito ao Desenvolvimento. Assembleia Geral das Nações Unidas (A/RES/41/128). Art. 2. 1. A pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento e deve ser participante ativo e beneficiário do direito ao desenvolvimento. 2. Todos os seres humanos têm, individual e coletivamente, a responsabilidade pelo desenvolvimento, levando em consideração a necessidade do pleno respeito aos direitos humanos e liberdades individuais, assim como seus deveres para com a comunidade, que por si só pode assegurar a livre e plena realização do ser humano, e, por conseguinte devem promover e proteger a ordem política, social e econômica apropriada para o desenvolvimento. 202 Declaração do Direito ao Desenvolvimento. Assembleia Geral das Nações Unidas (A/RES/41/128). Art. 1. 1. O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual todo ser humano e todos os povos têm direito de participar em, contribuir com e desfrutar de um desenvolvimento econômico, social, cultural e político, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais podem ser plenamente realizadas. 85 1. Os Estados têm o dever de adotar, individual e coletivamente, medidas para a formulação de políticas internacionais de desenvolvimento, destinadas a facilitar a plena realização do direito ao desenvolvimento. 2. É necessária a ação permanente para promover um desenvolvimento mais rápido dos países em desenvolvimento. Como complemento dos esforços destes países, é indispensável uma cooperação internacional eficaz para proporcionar a tais países os meios e facilidades apropriadas para incrementar seu desenvolvimento integral203. Como pontua Balera De fato, o desenvolvimento integral é o caminho real e o percurso obrigatório para a construção de nova e melhor ordem econômica internacional, da qual a sustentabilidade seja esteio natural. (...) O desenvolvimento deve constituir-se em movimento forte, que envolve a todos, compreendido como algo absolutamente essencial para a concretização do ideário dos direitos humanos.204 Confirma Rister ter a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento um caráter global, assim como multidimensional, sendo os aspectos econômico, social, civil, cultural e político indivisíveis, interdependentes e complementares. “Os direitos civis, políticos, econômicos e culturais deveriam ser tratados sempre conjuntamente e o direito ao direito ao desenvolvimento poderia ser considerado como um direito que representa essa posição”205. O direito ao desenvolvimento é consagrado como um direito fundamental, na Conferência de Viena, das Nações Unidas (AS/CONF. 157/12, de 12 de julho de 1993). Nela ficou estipulada a obrigação de os Estados cooperarem um com os outros para garantir o desenvolvimento e eliminar os obstáculos para alcançá-lo206. 203 Declaração do Direito ao Desenvolvimento. Assembleia Geral das Nações Unidas (A/RES/41/128). Artigo 4. 204 BALERA, Wagner. Declaração sobre o direito ao desenvolvimento anotada. Curitiba: Juruá, 2015, p. 102. 205 RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento: antecedentes, significados e consequencias. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 65. 206 Declaração e programa de ação de Viena, Conferência Mundial sobre Direitos Humanos (AS/CONF. 157/12, de 12 de julho de 1993) Art. 10. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reafirma o direito ao desenvolvimento, previsto na Declaração sobre Direito ao Desenvolvimento, como um direito universal e inalienável e parte integral dos direitos humanos fundamentais. 86 Por fim, fechando este primeiro capítulo, comungamos com a opinião de Rister, para quem, para se garantir a realização desse direito, reconhecido nas declarações é necessário ter uma visão humanista de desenvolvimento, com vista a dignidade da pessoa humana207. Como afirma a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, a pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento. Embora o desenvolvimento facilite a realização de todos os direitos humanos, a falta de desenvolvimento não poderá ser invocada como justificativa para se limitar os direitos humanos internacionalmente reconhecidos. Os Estados devem cooperar uns com os outros para garantir o desenvolvimento e eliminar obstáculos ao mesmo. A comunidade internacional deve promover uma cooperação internacional eficaz visando à realização do direito ao desenvolvimento e à eliminação de obstáculos ao desenvolvimento. O progresso duradouro necessário à realização do direito ao desenvolvimento exige políticas eficazes de desenvolvimento em nível nacional, bem como relações econômicas eqüitativas e um ambiente econômico favorável em nível internacional. 207 RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento: antecedentes, significados e consequencias. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 67. 87 2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: CONCEITOS FILOSÓFICOS E NORMATIVOS DESDOBRAMENTOS, 2.1 Crise ecológica e o ser humano como a raiz deste problema Ao tratar sobre a ecologia integral, Francisco nos relembra que tudo está unidamente relacionado e que os problemas ambientais e sociais demandam reflexão sobre as dimensões humanas e sociais. Insistir que tudo está interligado. (...). Assim como os vários componentes do planeta – físicos, químicos e biológicos – estão relacionados entre si, assim também as espécies vivas formam uma trama que nunca acabaremos de individuar e compreender (Ponto 138). Quando falamos de ‘meio ambiente’, fazemos referencia também a uma particular relação: a relação entre a natureza e a sociedade que a habita. Isto impede-nos de considerar a natureza como algo separado de nós ou como uma mera moldura da nossa vida. Estamos incluídos nela, somos parte dela e compenetramo-nos. (...) Dada a amplitude das mudanças (...) É fundamental buscar soluções integrais que considerem as interações dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais. Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socioambiental (Ponto 139)208. A crise ecológica está intimamente ligada à realidade social. Neste contexto, nos indaga Chiavenato sobre o porquê do homem não mudar essa situação. E, o mesmo autor responde que o homem não acredita na verdade. Sendo que “a dominação política e social abusa dos conceitos da religião judaico-cristã. Com esse abuso, tenta-se justificar os sistemas sociais e que vivemos” 209 . Em reforço a essa opinião, as palavras de Unger, “para quem o momento atual se marca, sobretudo nos mais jovens, por uma crise de valores que questiona o caminho apontado pela razão científica-positivista” 208 210 . Essa crise ecológica na FRANCISCO. Laudato Si’, louvado sejas: sobre o cuidado da casa comum. Pontos 138-139. 24 de maio de 2015. São Paulo: Paulus, 2015. 209 CHIAVENATO, Júlio José. O massacre da natureza. São Paulo: Moderna, 1989, p. 9. 210 UNGER, Nancy Mangabeira. O encantamento do humano: ecologia e espiritualidade. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2000, p. 26. 88 verdade é uma crise de ordem ética, pois é justamente o comportamento do homem por meio de suas práticas exploratórias desmedidas e gananciosas que gera a degradação de todos os seres que compõe o Planeta, especialmente acaba por se voltar contra ele próprio e comprometer os seus direitos humanos, igualmente sua dignidade e vida. A ética, segundo Rister, “pode ser considerada como o sistema global de normas objetivas, reguladoras do comportamento humano, as quais impõem a uma coletividade de pessoas a preservação de valores nela vigentes” 211 . Não nos custa recordar, que o valor a que estamos trabalhando nessa dissertação é da dignidade da pessoa humana. A dignidade é um valor fonte, isto é, todos os demais valores no âmbito jurídico derivam desse valor. Assim sendo, ela é também uma constante, uma invariante axiológica, para dela ser deduzida as demais consequências. Deste modo, anima a interpretação e a integração de todos os demais valores, porque quando se fala na indivisibilidade dos Direitos Humanos (sendo este o discurso mais moderno) se deve supor que existe um elemento que “cola” todos os direitos para que sejam indivisíveis. Essa liga, essa cola é a dignidade humana que une o conjunto todo, por isso que está referido no Preâmbulo da Constituição Federal de 1988 como uma premissa e no direito positivo, do raciocínio positivista ela é prevalecente a própria Constituição 212. A respeito do comportamento humano e de sua necessária observação a dignidade, segundo o olhar de Unger Se todas as coisas que têm sentimento, assim que os têm sentem o mal da sujeição e procuram a liberdade (...) A liberdade se funda na amizade; a tirania, no seu esquecimento (...) Ali onde esta amizade é ‘esquecida’, ali onde o diálogo e a troca são substituídos pelo projeto de dominação e controle, o homem se isola em face da natureza e dos outros homens. (...) Ao recusarmos nossa condição de ‘sendos’, recusamos no mesmo movimento nossa amizade com o real e nos tornamos, por assim dizer, 211 RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento: antecedentes, significados e consequencias. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 87. 212 BALERA, Wagner. A dignidade da pessoa humana. Aula ministrada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), 16 de setembro de 2015, Pós Graduação de Direito, área de Direitos Humanos. 89 existencialmente autistas. Entendida aqui como inserção do homem no mundo, postura existencial, a amizade, fundamento da liberdade, passa por uma abertura fundamental ao dinamismo do real. É co-hecimento como conascimento: nascer com o Outro nesta mutualidade do ‘nós’ que fundamos em cada relação. (...) A amizade, por sua vez, se liga à gratuidade: ela se dá quando assumimos que nossa vocação existencial não é de subjugar as coisas, mas de deixá-las se manifestarem enquanto tais, e não enquanto objetos cujo valor reside em como podem servir a algum objetivo humano. Ser amigo é acolher o Mundo, o Outro, ‘na sua libérrima existência, na sua total e gratuita inutilidade’. Sendo gratuidade, amizade é autonomia: não serve para nada (pois amigo se é ‘de graça’); por isso, não serve a ninguém (pois sua ação se realiza a partir de si mesma). Assim, a liberdade, só a vivemos quando abrimos mão de nosso projeto de controle do processo de realização do real: retornamo-nos os ‘sendos’ que já somos quando deixamos ser. Liberdade e amizade falam do mesmo213. Deste modo, podemos apontar que muitos dos progressos científicos e tecnológicos de hoje são obras de sérios desajustes ambientais e sociais, especialmente no campo industrial e agrícola, são realizados a mercê da vocação de solidariedade fraternal do homem para participar de modo responsável na construção de um mundo melhor e sustentável. Apesar da introdução de técnicas cada vez mais sofisticadas, o aumento da disponibilidade de recursos e a elevação dos padrões de vida, grande parcela da humanidade sofre a urgência de não conseguir satisfazer suas necessidades. Aqui, a ideia mesma de necessidade humana encontra-se relacionada ao essencial e possibilidade de assegurar a todos as mesmas oportunidades. Com Furtado, pode dizer-se que a Ação produtiva do homem tem cada vez mais como contrapartida processos naturais irreversíveis, tais como a degradação de energia, tendentes a aumentar a entropia do universo. O estímulo às técnicas apoiadas na utilização intensiva de energia, fruto da visão a curto prazo engendrada pela apropriação privada dos recursos não-renováveis, agrava essa tendência, 214 fazendo do processo econômico uma ação crescentemente predatória . 213 UNGER, Nancy Mangabeira. O encantamento do humano: ecologia e espiritualidade. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2000, p. 48-49. 214 FURTADO, Celso. Introdução ao desenvolvimento: enfoque histórico-estrutural. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 22. 90 Esses desajustes tornaram-se um fator de preocupação mundial, devido sua importância para a manutenção da qualidade de vida para a humanidade, o que levou a Assembleia Geral das Nações Unidas, mediante pedido da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, preparar uma “agenda global para mudança”, ou seja, um apelo à ação política, o que viria ser chamado “Nosso futuro comum”, de 1987 215. O “Nosso futuro comum”, também conhecido como relatório Brundtland, expõe de maneira clara as questões reais sobre o meio ambiente, a economia, o social e o desenvolvimento Meio ambiente e desenvolvimento não constituem desafios separados; estão inevitavelmente interligados. O desenvolvimento não se mantém se a base de recursos ambientais se deteriora; o meio ambiente não pode ser protegido se o crescimento não leva em conta as consequencias da destruição ambiental. Esses problemas não podem ser tratados separadamente por instituições e políticas fragmentadas. Eles fazem parte de um sistema complexo de causa e efeito216. Segue o relatório A economia e a ecologia devem integrar-se perfeitamente nos processos decisórios e legislativos, não só para proteger o meio ambiente, mas também para proteger e promover o desenvolvimento. A economia não é apenas a produção de riqueza, e a ecologia não é apenas a proteção da natureza; ambas são também muito importantes para que a humanidade viva melhor217. 215 COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 1991, p. prefácio da presidente. 216 COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 1991, p. 40. 217 COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 1991, p. 41. 91 Pensa, do mesmo modo, Sachs A economia e a ética estavam interligadas, desde Aristóteles, por duas questões centrais de fundo: - o problema da motivação humana (como deveríamos viver?); - a avaliação das conquistas sociais218. Igualmente, a mudança climática e o aquecimento do globo terrestre provocada pela crescente difusão de indústrias unicamente comprometidas com seus lucros, das grandes concentrações urbanas desenvolvidas de forma desajustada com os aspectos da paisagem natural e necessidades humanas, e dos consumos de energia poluentes, podem levar a alterações irreversíveis no Planeta. O aquecimento da atmosfera decorre da emissão das escórias e gases produzidos pela combustão de petróleo e gás natural, cuspidos pelas chaminés das indústrias e dos motores dos veículos automotores, do uso de agrotóxicos nas agriculturas, e da deflorestação e queimadas dos biomas naturais. Sustenta sobre esse assunto Lovelock Dessa vez, realmente precisamos levar a sério a possibilidade de que o aquecimento global pode estar a ponto de eliminar as pessoas da Terra. (...) Acima de tudo, estou pessimista porque as empresas e os governos parecem estar aceitando cegamente uma crença de que a mudança climática é fácil e lucrativamente reversível. (...). Não temos a menor noção de quando nosso endividamento ambiental trará uma ruína ainda maior, somente que é provável que aconteça. (...). Dizem que a verdade é a primeira vitima da guerra, e parece que isso vale também para a mudança climática219. O que falar das perversas condições da produção que prevalece sobre a dignidade do trabalhador e os interesses econômicos que são colocados acima do bem de cada uma das pessoas, senão de sobre beneficio de populações inteiras. De 218 SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008, p. 13. 219 LOVELOCK, James. Gaia: alerta final. Tradução Jesus de Paula Assis e Vera de Paula Assis. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010, p. 15-24. 92 igual modo, a subjugação e destruição do ambiente são fruto de uma visão interesseira e inatural, fruto de um genuíno desprezo ao homem. Mas o sinal mais relevante e grave das implicações éticas, impresso na problemática ecológica, é constituído pela falta de respeito pela vida, como se pode verificar nos comportamentos humanos dirigidos para o seu progresso. Não podemos nos esquecer de que a pessoa compõe um universo todo. Assim, não se reduz ao ter, vez que jamais poderá ser reduzido unicamente aos aspectos econômicos e técnicos. Pode-se dizer, como se nota nas palavras de Penna O egoísmo produzido pela cultura da sociedade atual faz com que as pessoas valorizem muito mais o êxito pessoal – manifestado principalmente na exibição de riqueza – do que a responsabilidade social e ambiental. O comportamento econômico, a partir de uma certa fase do capitalismo, separou-se da ética e dos valores humanos220. Maritain ao propor um Humanismo Integral, já analisava a crise do mundo moderno, e igualmente denunciava o desvio no processo cultural ao nos alertar que “as essências querem ser respeitadas” 221. Seguindo uma tendência anti-materialista, João Paulo identifica o problema do consumismo ligado ao problema da questão da crise ecológica; ao se referir que atualmente a humanidade dá mais atenção ao desejo do ter e do prazer, do que ao desejo de ser e de crescer. Com isso, ele diz 220 PENNA, Carlos Gabaglia. O estado do planeta. Sociedade de consumo e degradação ambiental. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2012, p. 45. 221 MARITAIN, Jacques. Humanismo integral. Uma visão nova da ordem cristã. Tradutor Afrânio Coutinho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p. 297. 93 Além da destruição irracional do ambiente natural, é de recordar aqui outra ainda mais grave, qual é a do ambiente humano, a que se está ainda longe de prestar a necessária atenção. Enquanto justamente nos preocupamos, apesar de bem menos do que o necessário, em preservar o ‘habitat’ natural das diversas espécies animais ameaçadas de extinção, porque nos damos conta da particular contribuição que cada uma delas dá ao equilíbrio geral da terra, empenhamo-nos demasiado pouco em salvaguardar as condições morais de uma autêntica ‘ecologia humana’.Não só a terra foi dada por Deus ao homem, que a deve usar respeitando a intenção originária de bem, segundo a qual lhe foi entregue; mas o homem é doado a si mesmo por Deus, devendo por isso respeitar a estrutura natural e moral, de que foi dotado. Neste contexto, são de mencionar os graves problemas da moderna urbanização, a necessidade de um urbanismo preocupado com a vida das pessoas, bem como a devida atenção a uma ‘ecologia social’ do trabalho. O homem recebe de Deus a sua dignidade essencial e com ela a capacidade de transcender todo o regime da sociedade, rumo à verdade e ao bem. Contudo está fortemente condicionado também pela estrutura social em que vive, pela educação recebida e pelo ambiente. Estes elementos tanto podem facilitar como dificultar o seu viver conforme à verdade. As decisões, graças às quais se constitui um ambiente humano, podem criar estruturas específicas de pecado, impedindo a plena realização daqueles que vivem de diversos modos oprimidos por elas. Destruir tais estruturas, substituindo-as por formas de convivência mais autênticas é uma tarefa que exige coragem e paciência. (Ponto 38) 222. Finalmente, concordamos com Brundtland de que há uma urgência de um novo comportamento solidariedade e ação participativa das famílias e aos administradores de hoje, pois Se não conseguirmos traduzir nossas palavras numa linguagem capaz de tocar os corações e as mentes de jovens e idosos, não seremos capazes de empreender as amplas mudanças sociais necessárias à correção do curso do desenvolvimento. (...). As mudanças de atitude, de valores sociais e de aspirações que o relatório encarece dependerão de amplas campanhas educacionais, de debates e da participação pública. (...). Sua participação será vital para orientar o mundo no rumo do desenvolvimento sustentável, para estabelecer os alicerces de Nosso Futuro Comum. O processo de elaboração desse relatório prova que é possível unir esforços, identificar objetivos comuns e estabelecer uma ação comum. Cada membro da Comissão, se estivesse escrito o relatório sozinho, teria escolhido palavras diferentes. Contudo, conseguimos chegar a acordo sobre a análise, os remédios em geral e as recomendações para que o curso do desenvolvimento não sofra interrupções. Em última análise, o que importa é estimular a compreensão comum e o espírito de responsabilidade comum, tão evidentemente necessários num mundo dividido223. 222 JOÃO PAULO II. Centesimus annus. 1 de maio de 1991. Ponto 38. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_01051991_centesimusannus.html. Acesso: 19 de maio de 2016. 223 COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 1991, p. prefácio da presidente. 94 2.2 Historicidade e tendência O humanismo de Maritain, concretizador da dignidade da pessoa humana revela O abandono da postura ancorada na antropologia unilateral em beneficio de uma postura fundada numa espécie de antropologia baseada na solidariedade decorre de um reposicionamento eminentemente ético, trazendo à balia o debate acerca da efetiva contribuição das normas jurídicas nesse sentido224. Pois a resposta à efetivação e concretização dos Direitos Humanos em suas múltiplas dimensões, dando satisfação à dignidade da pessoa assentada pelo humanismo antropofilíaco solidário, Maritain exige que: A cidade pluralista é uma cidade autoritativa; a lei, que tem por oficio constranger os protervi, os insensatos, a um comportamento de que não são capazes por si mesmos, e também fazer a educação dos homens para que no fim cessem de estar sob à lei (porque fazem eles próprios, voluntaria e livremente, o que prescreve a lei, - o que só acontece com os sábios), encontraria nela a lei seu oficio moral, seu oficio de pedagoga da liberdade. E, sem duvida, os supremos valores, em relação aos quais regula a escala de suas prescrições e sanções, seriam (...) algo de verdadeiramente e já naturalmente santo, a vocação da pessoa humana para uma realização espiritual e para a conquista de uma verdadeira liberdade, e as reservas de integridade moral requeridas para isto 225. Completa Maritain 224 VENTURA, Victor Alencar Mayer Feitosa. Direito humano ao meio ambiente sadio. Afirmação histórica e critica jurídica. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer; FRANCO, Fernanda Cristina Oliveira; PETERKE, Sven; VENTURA, Victor Alencar Mayer Feitosa (orgs.). Direitos humanos de solidariedade: avanços e impasses. Curitiba-PR: Appris, 2013, p. 106. 225 MARITAIN, Jacques. Humanismo integral. Uma visão nova da ordem cristã. Tradutor Afrânio Coutinho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p. 176. 95 Se é, porém, absurdo esperar da cidade que torne todos os homens, tomados individualmente, bons e irmãos uns dos outros, pode-se e deve-se exigir-lhes, o que é coisa muito diferente, que ela tenha estruturas sociais, institucionais e leis boas e inspiradas do espírito de amizade fraterna, e que oriente cada vez mais poderosamente as energias da vida social para uma amizade tal que, embora fundamentada na natureza, é mais difícil aos filhos de Adão226. Não há duvidas, de que o homem se arrisca a perder o sentido do que é realmente bom para ele no que se refere ao seu autêntico desenvolvimento em conformidade com sua natureza terraquiana, diante da multissecular história de depreciação do meio ambiente do planeta Terra, da depreciação de sua qualidade de vida e o desperdício de tantos recursos naturais. Ainda mais, enquanto mantiver seu espírito alucinado pela tecnologia e do comodismo egoísta, agravado pelos velhos instintos indisciplinados. Por outro lado, não existe outra possibilidade a não ser ele próprio, cuidar de si. Todavia, já existe um despertar da sua consciência ecológica e da necessidade de um autêntico desenvolvimento do homem e da natureza A preservação ambiental – e assim dos recursos ambientais – esta na base do próprio desenvolvimento. Este se inviabilizará caso seja reduzido o estoque de matéria-prima (bens oferecidos pela natureza) ou, em algumas hipóteses, até se esgote. Deve se considerar, ainda, que a alteração da quantidade de alguns recursos ambientais pode influenciar no processo produtivo e na qualidade de vida das pessoas, dificultando o 227 desenvolvimento sustentável, tal como ocorre com a poluição das águas . Guerra chega à conclusão, de que A emergência de múltiplos problemas ambientais propicia graves prejuízos para o desenvolvimento do indivíduo, devendo ser coordenados esforços em prol da criação de uma verdadeira cultura de preservação do ambiente. Além disso, evidenciou-se a necessidade de se estabelecer um sistema 226 MARITAIN, Jacques. Humanismo integral. Uma visão nova da ordem cristã. Tradutor Afrânio Coutinho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p. 196. 227 MARQUES, José Roberto. O desenvolvimento sustentável e sua interpretação jurídica. São Paulo: Editora Verbatim, 2011, p. 15. 96 protetivo internacional do ambiente pelo fato de este ter natureza transnacional228. Daqui, seguimos adiante, com as considerações de Sidney Guerra expostas pelo autor no texto “Desenvolvimento sustentável à luz do direito internacional ambiental: breves comentários sobre as grandes conferências da ONU sobre o meio ambiente”229, como que um pano de fundo para apresentarmos esse ponto do trabalho. Diz o autor que no final da década de sessenta teve início a conscientização por parte de Estados europeus em relação à crise ambiental, diante dos sinais de esgotamento dos recursos planetários. No ano de 1968, o Conselho Europeu consagrou duas Declarações, cuja finalidade era a proteção do meio ambiente: Carta Europeia da Água230 e a Declaração sobre princípios da luta contra a poluição do ar. A Assembleia Geral das Nações Unidas, sensível as questões ambientais, convocou no ano de 1968 aquela que constituiria uma nova etapa para a evolução do tratamento das questões ligadas ao ambiente no plano internacional e também no plano interno de grande parte de países: a Conferência de Estocolmo. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, foi realizado em Estocolmo, na Suécia, no ano de 1972. Foi produzida a Declaração de Estocolmo sobre o meio ambiente humano, de 1972231. O documento consagra um 228 GUERRA, Sidney. Desenvolvimento sustentável à luz do direito internacional ambiental: breves comentários sobre as grandes conferências da ONU sobre o meio ambiente. In: CAÚLA, Bleine Queiros; MARTINS, Dayse Braga; ALBUQUERQUE, Newton de M; CARMO, Valter M. do. Diálogo ambiental, constitucional e internacional. Fortaleza: Premius, 2013, p. 373. 229 GUERRA, Sidney. Desenvolvimento sustentável à luz do direito internacional ambiental: breves comentários sobre as grandes conferências da ONU sobre o meio ambiente. In: CAÚLA, Bleine Queiros; MARTINS, Dayse Braga; ALBUQUERQUE, Newton de M; CARMO, Valter M. do. Diálogo ambiental, constitucional e internacional. Fortaleza: Premius, 2013, p. 373-402. 230 Carta Européia da Água. Disponível em: Disponível http://www.pucsp.br/ecopolitica/documentos/seguranca/docs/carta_europeia_agua.pdf. em: 3 ago. 2016. 231 Declaração de Estocolmo sobre o ambiente humano, de junho de 1972. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio-Ambiente/declaracao-de-estocolmo-sobre-oambiente-humano.html. Acesso em: 3 ago. 2016. 97 conjunto de valores, desenha novos rumos, estabelecendo um instrumento jurídico de cunho moral (soft Law) a ser aceita e aplicada gradativamente pelos Estados, porém sem efeito vinculatório. Desta Conferência nasce o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Passados alguns anos e como desdobramento das Conferência de 1972, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas aprovou, no ano de 1983, a criação de uma Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, tendo à frente da presidência do trabalho a ex-ministra da Noruega Gro Harlem Brundtland. Essa Comissão publicou seu relatório, no ano de 1987, chamado “Nosso futuro comum” (Relatório Brundtland). Cunhou-se a partir daí a tese do desenvolvimento sustentável O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades. Ele contém dois conceitos-chave: - o conceito de necessidade, sobretudo as necessidades essenciais dos pobres do mundo, que devem receber a máxima prioridade; - a noção das limitações que o estágio da tecnologia e da organização social impõe ao meio ambiente, impedindo-o de atender às necessidades presentes e futuras232. Portando, segundo o relatório, o conceito de desenvolvimento sustentável fornece uma estrutura para a integração de políticas ambientais e estratégias de desenvolvimento – sendo que o desenvolvimento supõe uma transformação progressiva da economia e da sociedade. A busca do desenvolvimento sustentável exige mudanças nas políticas internas e internacionais de todas as nações. 232 COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 1991, p. 46. 98 Da mesma forma, para que haja um desenvolvimento sustentável, é necessário que todos tenham atendidas as suas necessidades básicas e lhes sejam proporcionadas oportunidades de concretizar suas aspirações a uma vida melhor. Em essência, o desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações humanas233. Ainda, nos propõe o relatório, que a persuasão ou motivação de fazer as pessoas agirem no interesse comum de seu desenvolvimento sustentável poderá se dar em parte pela educação, pelo desenvolvimento das instituições e pelo fortalecimento legal, mas especialmente Todos estariam em melhor condição se cada um considerasse os efeitos de seus atos sobre os demais. Mas ninguém está disposto a crer que os outros agirão desse modo, e assim todos continuam a buscar seus próprios interesses. As comunidades ou os governos podem compensar essa situação mediante leis, educação, impostos, subsídios e outros métodos234. Contudo, segue o relatório A imposição do interesse comum é muitas vezes prejudicada porque as áreas de jurisdição política não coincidem com as áreas de impacto. (...). Não existe uma autoridade supranacional que resolva tais questões, e só é possível fazer valer o interesse comum por meio da cooperação internacional235. 233 COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 1991, p. 49. 234 COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 1991, p. 50. 235 COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 1991, p. 51. 99 O relatório sugeriu também à Assembleia Geral da ONU a necessidade para a realização de uma nova Conferência Internacional, com vista a formatar os rumos de uma concreta cooperação internacional. Em 22 de dezembro de 1989, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Resolução nº 44/228, que convocou a Conferência do Rio de Janeiro. O encontro ocorreu no Rio de Janeiro, no período de 3 a 14 de junho de 1992, e foi chamado Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e Desenvolvimento. Ela também ficou conhecida como Cúpula da Terra, como também Rio 92. Nela foram produzidos os seguintes documentos: a Declaração de Princípios sobre Florestas236, a Convenção sobre Diversidade Biológica 237, a Convenção sobre Mudanças Climáticas238, a Agenda 21239 e a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento240. A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento contém vinte e sete princípios, muito deles já reconhecidos na Declaração de Estocolmo, onde se buscou Estabelecer uma nova e equitativa parceria mundial através da criação de novos níveis de cooperação entre os Estados, os setores-chave das sociedades e os indivíduos, trabalhando com vistas á conclusão de acordos internacionais que respeitem os interesses de todos e protejam a 241 integridade do sistema global de meio ambiente e desenvolvimento . 236 Declaração de princípios sobre florestas. A/CONF. 151/26 (vol. III). Rio de Janeiro, 3.14 junho de 1992. Disponível em: http://www.meioambiente.pr.gov.br/arquivos/File/agenda21/Declaracao_de_Principios_sobre_Floresta s.pdf. Acesso em: 4 ago. 2016. 237 Decreto Legislativo nº 2, 1994. Convenção sobre diversidade biológica – CDB. Disponível em: http://www.mma.gov.br/biodiversidade/convencao-da-diversidade-biologica/item/7513. Acesso em: 4 ag. 2016. 238 Decreto nº 2.652, de 1º de julho de 1998. Convenção-Quadro das nações Unidas sobre Mudanças do Clima, assinada em Nova York, em 9 de maio de 1992. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2652.htm. Acesso em: 4 ago. 2016. 239 Agenda 21. Disponível em: http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda21/agenda-21-global. Acesso em: 4 ago. 2016. 240 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direito-ao-Desenvolvimento/declaracao-sobre-meioambiente-e-desenvolvimento.html. Acesso em: 4 ago. 2016. 241 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 1531. 100 Em relação à Agenda 21, segundo Milaré, este foi um documento formatado como que uma “cartilha básica do desenvolvimento sustentável”242, com a finalidade de concretizar um compromisso político de alto nível. Na linguagem da Agenda 21, as considerações ambientais abrem caminho para o tratamento de questões socioeconômicas estruturais, e vice-versa. (...) A natureza mesma da Agenda 21, como documento programático e consensual de ampla abrangência, deixa claro que ela não se imiscui em questões jurídicas ou legais. Seu objetivo é subsidiar ações do Poder Público e da sociedade em prol do desenvolvimento sustentável 243. Quanto à Convenção sobre Mudanças Climáticas, deve-se salientar o Protocolo de Quioto244, criado em 1997, como um documento composto por metas e instrumentos destinado a propor uma mudança no sistema energético de países desenvolvidos e aqueles em vias de desenvolvimento. Conforme Guerra, esses documentos definiram o contorno das políticas essenciais na tentativa de se alcançar um modelo de desenvolvimento sustentável que atendesse às necessidades dos pobres, reconhecendo os limites impostos pelo homem à natureza com a finalidade de satisfazer as necessidades das gerações presentes e futuras. Outro encontro de suma importância relativo ao tema do desenvolvimento sustentável, na ordem internacional, ocorreu entre 8 de agosto e 4 de setembro de 2002: a Conferência de Joanesburgo, na África do Sul. A Cúpula sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em Joanesburgo, em 2002 - o conceito de desenvolvimento sustentável foi refinado, levando a importantes avanços epistemológicos. Para os propósitos deste texto, é suficiente enfatizar que a sustentabilidade social é um componente essencial deste conceito245. 242 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 104. MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 103-106. 244 Protocolo de Quioto. Disponível em: http://mudancasclimaticas.cptec.inpe.br/~rmclima/pdfs/Protocolo_Quioto.pdf. Acesso em: 4 ago. 2016. 245 SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008, p. 36. 243 101 Outro evento, com a chancela da Organização das Nações Unidas, a Conferência Rio+20, ocorrido em maio de 2012, cujo resultado foi a aprovação do documento intitulado “O futuro que queremos” 246. O desabrochar do movimento ambiental também ocorreu no plano nacional. O desenvolvimento sustentável na Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, na abordagem de Machado Preceitua o art. 225, caput, da CF: ‘Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial á sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações’. A Constituição não utiliza a expressão ‘desenvolvimento sustentável’, mas a inserção do dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e as futuras gerações representa a essência do princípio da sustentabilidade. Trata-se de um princípio implícito247. Vale, ainda, resgatar as palavras de Morato Leite Com efeito, o texto constitucional assevera uma unidade de cooperação, da mesma forma inovadora, que pede um comportamento social ativo do cidadão em face da coletividade e da necessidade de proteção do patrimônio ambiental. Com isso, exige ou pressiona o Estado na elaboração de normas contemporâneas, voltadas a concretizar essa cooperação nas decisões da esfera ambiental. Portanto, essa norma constitucional, em seu conteúdo, obriga ao exercício de uma cidadania participativa e com responsabilidade social ambiental. Tal responsabilidade é uma obrigação com as gerações presentes e futuras, incluindo, obviamente, o uso racional dos bens e a solidariedade248. 246 Declaração final da conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável. (Rio +20). O futuro que queremos. 20 a 22 de junho de 2012. Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama/processos/61AA3835/O-Futuro-que-queremos1.pdf. Acesso em: 4 ago. 2016. 247 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 78-79. 248 LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes, MORATO, José Rubens (orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p, 190. 102 Apesar de todas as regulamentações legais sobre o meio ambiente e a natureza para o pleno desenvolvimento sustentável da humanidade, será nas palavras de Maritain: Vã toda regulação externa se não tem por fim desenvolver na pessoa o senso da responsabilidade criadora e o senso de comunhão. Sentir-se responsável de seus irmãos não diminui a liberdade, ao contrário lhe dá um peso muito maior249. 2.3 O humanismo moderno de Maritain contra a crise ecológica e a favor da efetividade do desenvolvimento sustentável O desenvolvimento humano integral e sustentável é uma vocação, é um chamado. A melhor qualidade de vida para todos e o desenvolvimento mais humano e sustentável é o caminho para se conquistar e usufruir a paz. Isto implica deixar de lado a ganância do lucro e do poder, como ainda abandonar condutas opressivas contra a pessoa, o povo ou a nação. O planeta foi criado para abrigar e manter a vida da pessoa humana, o que lhe impõe obrigações a favor de sua boa manutenção, como também estabelece uma relação íntima entre os homens e a inteira criação, e ainda ao seu ambiente. Assim, se dá devido um imbricamento da vida natural e da vida humana. E, o homem ao negar essa conexão existencial renúncia a si mesmo, ao outro homem e aos demais seres naturais. Na lição de Balera e Sayeg, o universo está se expandindo. Ao expandir-se, percorre um caminho e, se caminha, é certo entender que segue para a evolução. Está é a missão do homem e do universo: trilhar o caminho. Deste modo, a solidariedade na fraternidade abarca a totalidade das pessoas, dos demais seres 249 MARITAIN, Jacques. Humanismo integral. Uma visão nova da ordem cristã. Tradução Afrânio Coutinho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p. 175. 103 vivos, e das coisas, convergindo para a explicação física da conexão universal em eterna expansão250. O Humanismo Integral não é outra coisa, senão essa ideia de que a pessoa deverá trilhar seu desenvolvimento em parceira com todos e tudo que estão ao seu redor. Logo O humanismo integral presente nestas reflexões não é teocêntrico, nem muito menos um retrocesso ao fundamentalismo cristão medieval. Tampouco representa a aceitação do humanismo antropocêntrico individualburguês: é, sim, um humanismo antropofilíaco com uma proposta de relacionamento universal, abrangente e includente entre os homens, entre tudo e todos, que se concretiza pelo amor fraterno251. Esse humanismo integral que vem sendo realizado na linha do tempo da humanidade requer que a pessoa humana se desenvolva em todas as suas dimensões, tendo o homem como um fim em si mesmo. Nesse sentido, seguindo a lição de Maritain Uma pessoa é um universo de natureza espiritual dotado da liberdade de escolha e constituindo, portanto, um todo independente em face do mundo, não podendo nem a natureza nem o Estado tocar neste universo sem a sua permissão. E Deus mesmo, que está e age no seu intimo, age de um modo particular e com uma delicadeza particularmente preciosa, que patenteia a importância que lhe dá; respeita sua liberdade, no coração da qual habita, entretanto; solicita-a, e jamais a obriga252. Há, portanto, a necessidade de um novo caminho para o desenvolvimento, no qual o valor da dignidade da pessoa individual e coletivamente, pregado pelo Humanismo Integral seja levado a efeito concreto. Esse humanismo requer que o 250 SAYEG, Ricardo, BALERA, Wagner. O capitalismo humanista. Filosofia humanista de Direito Econômico. Petrópolis – RJ: KBR, 2011, p. 96. 251 SAYEG, Ricardo, BALERA, Wagner. O capitalismo humanista. Filosofia humanista de Direito Econômico. Petrópolis – RJ: KBR, 2011, p. 96-97. 252 MARITAIN, Jacques. Humanismo integral. Uma visão nova da ordem cristã. Tradutor Afrânio Coutinho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p. 10. 104 desenvolvimento esteja baseado na solidariedade, a partir das ideias do bem comum. A solidariedade cristã pressupõe que o próximo seja amado não só como ‘um ser humano com os seus direitos e a sua igualdade fundamental em relação a todos os demais, mas (como) a imagem viva de Deus Pai, resgatada pelo sangue de Jesus Cristo e tornada objeto da ação permanente do Espírito Santo, como um irmão. ‘Então a consciência da paternidade comum de Deus, da fraternidade de todos os homens em Cristo, ‘filhos no Filho’, e da presença e da ação vivificante do Espírito Santo conferirá – lembra João Paulo II – ao nosso olhar sobre o mundo como que um novo critério para o interpretar, para o transformar253. Assim, o desenvolvimento deve ser encarado como a liberdade de escolha da pessoa – esse universo de natureza espiritual. Todavia, adverte Galvão de Souza Não só de pão vive o homem, ensina-nos o Evangelho. De nada valeria aos homens reunidos em sociedade alcançar uma cópia superabundante de bens matérias, perfeitamente distribuídos entre todos, se lhes faltasse o nutrimento do espírito, o bem da alma. Por sua vez, o progresso que fosse apenas um progresso técnico seria ilusório, e aliás, em nossos dias, estamos vendo como as conquistas da técnica mais aperfeiçoada muitas vezes acarretam a destruição da própria sociedade (haja a ‘bomba atômica)254. As pessoas somente atingiram o desenvolvimento quando existir para todas a justa partilha dos resultados do desenvolvimento, ou seja, que todas possam desfrutar do processo econômico, social, político, cultural e espiritual, que visa ao permanente crescimento de se viver bem, mediante uma participação ativa e livre. 253 FRANCISCO. Mensagem da paz, de 2014. Fraternidade, fundamento e caminho para a paz. Disponível em: https://w2.vatican.va/content/francesco/pt/messages/peace/documents/papafrancesco_20131208_messaggio-xlvii-giornata-mondiale-pace-2014.html. Acesso em: 8 ago. 2016. 254 SOUZA, José Pedro Galvão de. Direito natural, direito positivo e estado de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 70. 105 Contudo, os meios a serem escolhidos não pode ser condicionado pelos programas ditados pelos que já chegaram a superiores estágios de desenvolvimento. Como indica Sen A expansão da liberdade humana é tanto o principal fim como o principal meio do desenvolvimento. O objetivo do desenvolvimento relaciona-se à avaliação das liberdades reais desfrutadas pelas pessoas. As capacidades individuais dependem crucialmente, entre outras coisas, de disposições econômicas, sociais e políticas. (...) Os fins e os meios do desenvolvimento exigem que a perspectiva da liberdade seja colocada no centro do palco. Nessa perspectiva, as pessoas têm de ser vistas como ativamente envolvidas – dada a oportunidade – na conformação de seu próprio destino, e não apenas como beneficiárias passivas dos frutos de engenhosos programas de desenvolvimento. O Estado e a sociedade têm papéis amplos no fortalecimento e na proteção das capacidades humanas. São papéis de sustentação, e não de entrega sob encomenda. A perspectiva do desenvolvimento merece toda a nossa atenção 255. Numa franca solidariedade entre as nações exigi-se que os países de maior desenvolvimento econômico hajam de modo a propiciar a redistribuição dos benefícios de uma economia bem organizada, de modo a permitir que as demais alcancem igual estágio de desenvolvimento. Esse será, conforme Balera O verdadeiro desenvolvimento exige, portanto, a mudança das estruturas econômicas e sociais; o engajamento efetivo dos Estados, dos organismos internacionais e das organizações não governamentais, sob a inspiração do humanismo256. Esse enfoque, de uma proposta de equilíbrio entre o econômico e o social foi adotada pela Assembleia Geral da ONU, de dezembro de 1986, ao editar a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento. Os esforços mais diligentes para 255 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 76-77. 256 BALERA, Wagner. Humanismo e desenvolvimento. In: SOUZA, Carlos Aurélio Mota de; CAVALCANTI, Thais Novaes (coord.). Princípios humanistas constitucionais: reflexões sobre o humanismo do Século XXI. São Paulo: Letras Jurídicas, 2010, p. 405. 106 compreensão desse tema foram empreendidos por Wagner Balera, chegando à conclusão Permanente deve ser a pauta do desenvolvimento. Neste tempo em que muitas nações estão enfrentando os dissabores da crise e muitas daquelas que nunca saíram da crise sofrem ainda mais, devem reconhecer de boa vontade que tanto os mais poderosos quanto os mais humildes terão que unir esforços para que, em caráter permanente, cuidem do tema e do problema do desenvolvimento257. O Direito ao Desenvolvimento deriva como um direito ao bem comum. O que mobiliza o bem comum é solidariedade. Essa, por sua vez, acontece da interdependência entre a pessoa e a sociedade. Esta relação, colocada em sentido do Humanismo Integral, é de ser considerada como estabelecimento de laços econômicos e sociais entre os diferentes Estados, como ainda da comunidade internacional para com cada um dos seus partícipes. A solidariedade internacional é consagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujo artigo XXVIII proclama: “Art. XXVIII. Todo o homem tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados”. O mesmo documento também já reconhecia uma solidariedade com vista ao equilíbrio entre os Estados na fruição das novas tecnologias e o progresso científico, numa perspectiva de cooperação social e ambiental: “Artigo. XXVII.1. Todo homem tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de fruir de seus benefícios”. Para completar o arcabouço do documento de 1948, a Assembleia Geral expediu a Resolução n. 2.200-A, em 16 de dezembro de 1966, editou o Pacto dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais258 e o Pacto dos Direitos Civis e Políticos259. 257 BALERA, Wagner. Declaração sobre o direito ao desenvolvimento anotada. Curitiba: Juruá, 2015, p. 123. 258 O Congresso Nacional ratificou esse Pacto por intermédio do Decreto Legislativo n. 226, de dezembro de 1991, e o Poder Executivo o promulgou por meio do Decreto n. 591, de 1992. 107 Os três documentos compõem a Carta Internacional dos Direitos Humanos (International Bill of Rights). O dever de cooperação se expressa no parágrafo 1º do artigo 2º do Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, cujo teor é o seguinte Artigo 2º - 1. Cada Estado Parte do presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas. Igualmente, a cooperação está disposta no Pacto dos Direitos Civis e Políticos, no seu parágrafo 2º do artigo 1º Artigo 1º - 2. Para a consecução de seus objetivos, todos os povos podem dispor livremente se suas riquezas e de seus recursos naturais, sem prejuízo das obrigações decorrentes da cooperação econômica internacional, baseada no princípio do proveito mútuo, e do Direito Internacional. Em caso algum, poderá um povo ser privado de seus meios de subsistência. Neste contexto, a democracia é um instrumento para o desenvolvimento, vez que ela é um conjunto de oportunidades através da via política. A democracia é apenas um dos aspectos do desenvolvimento, contudo sem ela os outros não se concretizam. E, acrescentaríamos, considerando o presente estudo sobre desenvolvimento sustentável num olhar humanista, ter ocorrido nos documentos internacionais sobre desenvolvimento e meio ambiente a mesma diligência com o reconhecimento da necessária solidariedade e cooperação. 259 O Congresso Nacional ratificou esse Pacto por intermédio do Decreto Legislativo n. 226, de dezembro de 1991, e o Poder Executivo o promulgou por meio do Decreto n. 592, de 1992. 108 A Declaração de Estocolmo sobre o meio ambiente humano, de 1972, expressa com todas as letras a participação ativa e a cooperação como fundamentais para se alcançar a paz e o desenvolvimento econômico e social em todo o mundo, em conformidade com a realidade do meio ambiente. É teor do parágrafo 7 do preâmbulo 7. Para se chegar a esta meta será necessário que cidadãos e comunidades, empresas e instituições, em todos os planos, aceitem as responsabilidades que possuem e que todos eles participem eqüitativamente, nesse esforço comum. Homens de toda condição e organizações de diferentes tipos plasmarão o meio ambiente do futuro, integrando seus próprios valores e a soma de suas atividades. As administrações locais e nacionais, e suas respectivas jurisdições, são as responsáveis pela maior parte do estabelecimento de normas e aplicações de medidas em grande escala sobre o meio ambiente. Também se requer a cooperação internacional com o fim de conseguir recursos que ajudem aos países em desenvolvimento a cumprir sua parte nesta esfera. Há um número cada vez maior de problemas relativos ao meio ambiente que, por ser de alcance regional ou mundial ou por repercutir no âmbito internacional comum, exigem uma ampla colaboração entre as nações e a adoção de medidas para as organizações internacionais, no interesse de todos. A Conferência encarece aos governos e aos povos que unam esforços para preservar e melhorar o meio ambiente humano em benefício do homem e de sua posteridade. A paz, o desenvolvimento e a proteção ambiental são interdependentes e indivisíveis no chamado sólido de participação, consagrado na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, ao dispor nos seus princípios, elencados: Princípio 4. Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento, e não pode ser considerada isoladamente deste. Princípio 5. Todos os Estados e todos os indivíduos, como requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável, devem cooperar na tarefa essencial de erradicar a pobreza, de forma a reduzir as disparidades nos padrões de vida e melhor atender as necessidades da maioria da população do mundo. Princípio 6. A situação e as necessidades especiais dos países em desenvolvimento relativo e daqueles ambientalmente mais vulneráveis, devem receber prioridade especial. Ações internacionais no campo do meio ambiente e do desenvolvimento devem também atender aos interesses e às necessidades de todos os países. Princípio 7. Os Estados devem cooperar, em um espírito de parceria global, para a conservação, proteção e restauração da saúde e da integridade do 109 ecossistema terrestre. Considerando as distintas contribuições para a degradação ambiental global, os Estados têm responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Os países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que têm na busca internacional do desenvolvimento sustentável, em vista das pressões exercidas por suas sociedades sobre o meio ambiente global e das tecnologias e recursos financeiros que controlam. Conforme consta, a solidariedade e a cooperação são exigidas nos documentos internacionais de Direitos Humanos em consonância ao direito ao desenvolvimento sustentável. Não há apenas uma exigência de ordem moral. Seu fundamento jurídico encontra-se ancorado desde a composição da Carta das Nações Unidas. É impositivo o dever de solidariedade entre os povos, segundo as responsabilidades internacionais, na esfera econômica, social e ambiental, que obrigam cada qual na medida das respectivas posições políticas e estratégicas no mundo. Contudo, estamos vivenciando uma crise ecológica, cuja causa esta intimamente relacionada ao próprio conceito de desenvolvimento e a visão do homem e das suas relações com os seus semelhantes e com todos os demais seres da Terra. Nestas condições, o dever de solidariedade, ainda que precisamente expresso nos documentos, que ecoaram em favor do direito humano ao desenvolvimento sustentável a partir da Carta das Nações Unidas, não encontra seu pleno cumprimento. A crise moral que assola o homem, sem dúvida, desencadeia um desenvolvimento predatório contra ele mesmo e todo o resto do universo, o que tem como efeito direto a crise ecológica. Essa crise abrange todos os aspectos do bem viver. Há situações de crise de caráter econômico, alimentar, ambiental, social e cultural. 110 O desenvolvimento sustentável exige que as nações e povos acolham o ideário do bem comum, colocados sob a perspectiva da pessoa humana individual e na vida comunitária. Perfilar-se com os valores do Humanismo Integral, pregados por Jacques Maritain, poderá, ao que nos parece, contribuir no papel histórico que incumbe a todos os povos e homens do planeta no trato da pessoa humana e sua imbricada relação com o ambiente e a criação. Daqui, resgatamos nosso questionamento inicial: o Humanismo de Jacques Maritain poderá ser o caminho efetivo para a conquista do desenvolvimento sustentável. Como é sabido, Maritain não escreveu um livro ou artigos específicos, mas podemos encontrar alusões ao tema que deixam sua posição esclarecida. Há pistas que estimulam a elaboração de caminhos novos, adaptados à característica do problema do desenvolvimento sustentável. Assim, este tema do desenvolvimento sustentável não passou despercebido no Humanismo Integral de Jacques Maritain. Um novo regime de civilização que se caracteriza por um antropocentrismo solidário com vista a uma renovação cultural participativa e inclusiva de todas as formas de vida. Enquanto manifestação dessa nova sociedade podemos trazer Tomás de Aquino concentra na justiça toda a ética natural que emerge da natureza do homem e do texto bíblico: ‘Todos os preceitos do decálogo pertencem à justiça’. Segundo essa perspectiva, existem três atitudes justas fundamentais: a possessão, o respeito e a adoração. Assim a justiça em relação aos seres inferiores se exprime na atitude de possessão; justiça em relação ao homem igual a todos os outros homens, consiste no respeito à pessoa e, finalmente a justiça em relação ao ser Supremo se exprime pela adoração. Explicitemos esta tese. Primeiramente, o homem exerce um comportamento possessivo em relação a todos os seres que se situam abaixo dele na escala rerum: ‘Dominai a terra’ – ordena a Bíblia. Observemos, porém, que, nas épocas bíblicas e grego-medieval, o poder de posse se limitava a forças naturais do homem. O homem era considerado rei da natureza, mais ou menos como o leão é considerado o rei da floresta e dos animais. Isto é, na Antiguidade, o homem não desenvolveu forças especiais que pudessem destruir ou esmagar a natureza. Muito pelo contrário, em muitos momentos, o homem foi vítima de cataclismas e de pestes. 111 A segunda atitude ética é do respeito ao seu semelhante, é o comportamento justo e conveniente dentre os seres que ocupam igual posição na escala rerum. O mínimo que a justiça exige é o respeito pela vida do outro: ‘Não matarás, não é lícito levantar falsas afirmações em relação ao outro, nem roubá-lo nem violentá-lo etc. Enfim, a justiça em relação ao outro abrange tudo que hoje entendemos por direitos humanos. Finalmente, a terceira atitude é a adoração ao Ser Supremo, Criador da natureza. É o comportamento justo face ao Ser que confere à natureza o existir, o viver e o mover-se. Sem dúvida, justiça assim entendida constitui o fundamento sólido para se erguer uma ética cósmica que regula as atitudes devidas a todos os seres materiais, vivos, humanos e divinos. O homem que é antes de tudo um ser natural, não se pode arvorar-se em déspota da natureza. Isto é inconcebível, uma ética da justiça260. Este novo humanismo encarnar-se para o ideal de uma comunidade solidária e justa, onde os homens “sacrificam-se” por uma vida melhor para os seus irmãos e pelo bem concreto desse sujeito universal que é a humanidade inteira, deslocada para o meio difuso de todas as coisas. Pois, somente um humanismo baseado na verdade da amizade sólida, a fazer passar na ordem do social e nas estruturas da vida comum, é capaz de engrandecer os homens na comunhão consigo próprios e tudo o que há no universo. Por isto que ele não poderia ser outro senão um humanismo heróico. A solidariedade, diante da questão do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável irá requerer um laço desse todo universo que é o homem e desse todo universo que é o ambiente. Num encontro da visão contemplativa e da visão mística do mundo São Francisco de Assis, no Cântico das Criaturas, nos dá o exemplo, de um comportamento solidário em favor da vida. Através do ambiente a pessoa humana trilhará o seu caminho em direção ao desenvolvimento, não somente numa esfera social-temporal, mas também espiritual. 260 LANDIM, Maria Luiza P.F. A relação homem-natureza em Tomás de Aquino e na modernidade. In: STEIN, Ernildo (org.) A cidade dos homens e a cidade de Deus. Porto Alegre: EST, 2007, p. 80. 112 São valores reconhecidos na Declaração de Estocolmo, no seu preâmbulo 1. O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. Em larga e tortuosa evolução da raça humana neste planeta chegou-se a uma etapa em que, graças à rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o homem adquiriu o poder de transformar, de inúmeras maneiras e em uma escala sem precedentes, tudo que o cerca. Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida mesma261. Numa ótica mística o mundo ou o cosmos é uma criação. Contudo, a exaltação da grandeza do Universo revela-nos o sentimento de responsabilidade de tudo que nos cerca, contudo isso não se confunde com uma imobilidade passiva diante da natureza ou com uma sina do mundo criado. As aspirações do homem com o Cosmos, na sua dimensão existencial e história constata-se conforme Coimbra interpreta o Cântico das Criaturas de Francisco de Assis, ao entender: O Cântico das Criaturas é um código que compendia seu comportamento diante da natureza criada. A atitude franciscana passa a ser um padrão cada vez mais necessário de comportamento, o antídoto para o racionalismo mecanicista que marca a tecnologia moderna e para o vazio 262 que se alarga no espírito humano . Prega Maritain, da mesma forma, sobre a postura do ser humano em face da natureza e a favor do desenvolvimento sustentável. Afirma ele 261 Declaração de Estocolmo sobre o ambiente humano, de junho 1972. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio-Ambiente/declaracao-de-estocolmo-sobre-oambiente-humano.html. Acesso em: 3 ago. 2016. 262 COIMBRA, José de Ávila Aguiar. O outro lado do meio ambiente: uma incursão humanista na questão ambiental. Campinas-SP: Millennium, 2002, p. 237. 113 Uma comunhão, em uma mesma fé viva, da pessoa humana com as outras pessoas reais e concretas, e com Deus que elas amavam, e com a criação inteira, tornava, no meio de muitas misérias, o homem fecundo em heroísmo assim como em atividade de conhecimento e em obras de beleza; e nos corações mais puros um grande amor, exaltando no homem a natureza acima dela própria, estendia às próprias coisas o senso da piedade fraterna; então, um S. Francisco compreendia que antes de ser explorada em nosso serviço por nossa indústria, a natureza material reclama em qualquer sorte ser adestrada por nosso amor; quero dizer que amando as coisas, e nelas o ser, o homem as atrai ao humano, em lugar de fazer passar o humano sob a sua medida263. Portanto, as coisas do mundo, celebradas por São Francisco e reivindicadas a serem amadas por Maritain, constituem uma linguagem natural da pessoa humana tomada de espírito de solidariedade. Segundo Francisco264, cantava São Francisco de Assis Laudato Si’, mi’ Signore – Louvado seja, meu Senhor, celebrando as coisas que podem ser imaginadas, valorizadas e ordenadas em nossa casa comum, que ora pode se comparar a uma irmã, com quem compartilhamos nossa existência, ora a uma generosa mãe que nos guarda e nos alimenta a nossas duas dimensões, a corporal e a espiritual. Essa comunhão solidária e responsável foi proposta por Francisco de Assis, e exigida por Maritain Francisco de Assis é visto como uma figura exemplar de grande irradiação. Com fina percepção sentia o laço de fraternidade e de sororidade que nos une a todos os seres. O coração de Francisco significa um estilo de vida, a expressão genial do cuidado, uma prática de confraternização e um renovado encantamento pelo mundo. Recriar esse coração nas pessoas e resgatar a cordialidade nas relações poderá suscitar no mundo atual o mesmo fascínio pela sinfonia do universo e o mesmo cuidado com irmã e mãe Terra265. 263 MARITAIN, Jacques. Humanismo integral. Uma visão nova da ordem cristã. Tradutor Afrânio Coutinho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p. 5. 264 FRANCISCO. Laudato Si’, louvado sejas: sobre o cuidado da casa comum. 24 de maio de 2015. São Paulo: Paulus, 2015. 265 FRANCISCANOS. O cântico das criaturas. Disponível em: http://www.franciscanos.org.br/?page_id=3124)%20%20See%20more%20at:%20http://www.francisca nos.org.br/?page_id=3124. Acesso em: 10 ago. 2016. 114 O meio ambiente é um bem comum a que todos têm o direito de desfrutar e o dever de cuidar, cujo dever de responsabilidade e cuidado cabe ao Estado e a participação ativa de todas as pessoas. Ao mesmo tempo ele é um caminho de liberdade responsável para o desenvolvimento integral e sustentável, cabendo ao direto ser o instrumento capaz de estimular a compreensão comum e o espírito de responsabilidade comum para que a pessoa humana consiga livremente e ativamente a transformação do mundo com vista ao acolhimento dos pobres e das presentes e futuras gerações. Maritain já propugnava essa ordem das coisas A mesma lei natural que determina os nossos deveres mais fundamentais, e em virtude da qual toda lei obriga, é a mesma lei que nos concede os nossos direitos fundamentais. O fato de estarmos integrados na ordem universal, nas leis e nas normas do cosmos e da imensa família das naturezas criadas (e, finalmente, na ordem da Sabedoria Criadora) e ainda o fato de termos o privilégio de participar, ao mesmo tempo, da natureza espiritual é que determinam os direitos que temos em relação a outras pessoas e a todo o conjunto das criaturas. Em última análise, visto como toda criatura atua em virtude do seu Princípio, que é o Ato Puro; visto como toda autoridade digna desse nome (isto é, justa) obriga em consciência, em virtude do Princípio dos seres, que é a pura Sabedoria, - assim, também todo e qualquer direito possuído pelo homem é possuído em virtude do direito de Deus, que é pura Justiça, de ver respeitada, obedecida e amada por toda inteligência a ordem da sua Sabedoria em todas as coisas. É essencial à lei ser uma ordem da ‘razão’. Ora, a lei natural, ou seja, a normalidade do funcionamento da natureza humana que se nos revela mediante um conhecimento por inclinação, só é lei, isto é, só obriga em consciência, porque a natureza e as inclinações da natureza manifestam uma ordem da razão, - isto é, da Razão Divina. A lei natural só é lei por ser uma participação da Lei Eterna266. A lei enquanto manifestação de uma ordem da razão elege o direito como uma infraestrutura para o desenvolvimento sustentável, como seu fomentador. 266 MARITAIN, Jacques. O homem e o Estado. Tradução Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1952, p. 112-113. 115 “O direito desperta o homem para a consciência de sua dignidade” 267 , ou que equivale dizer, na lição de Galvão de Souza O fundamento próximo da ordem natural e jurídica é a lei natural, ou seja, a própria natureza humana, pois o homem traz em sim mesmo a sua lei, e os preceitos da reta razão lhe indicam o modo de agir humanamente. Por outras palavras, o exato conhecimento da natureza humana permite conhecer as normas que o homem deve obedecer para viver como homem, isto é, conforme à sua natureza268. Por fim, concluímos com Maritain, segundo seu registro de uma civilização solidária A civilização moderna é uma vestimenta muita usada, não se pode colar nela novos pedaços, é uma reconstrução total e como que substancial que está em causa, uma subversão dos princípios da cultura, pois que se trata de atingir a um primado vital da qualidade sobre a quantidade, do trabalho sobre o dinheiro, do humano sobre a técnica, da sabedoria sobre a ciência, do serviço comum das pessoas humanos sobre a ambição individual de enriquecimento indefinido ou a vontade estática de poder ilimitado 269. 2.3.1 Linhas de orientação e ação 2.3.1.1 Laudato Si’ A Carta Encíclica “Laudato Si, louvado sejas”, sobre o cuidado da casa comum, do Papa Francisco 270, não foi feita apenas para os católicos, mas para toda a humanidade, de todas as religiões, crentes e não-crentes. 267 SOUZA, José Pedro Galvão de. Direito natural, direito positivo e estado de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 70. 268 SOUZA, José Pedro Galvão de. Direito natural, direito positivo e estado de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 55. 269 MARITAIN, Jacques. Humanismo integral. Uma visão nova da ordem cristã. Tradutor Afrânio Coutinho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p. 199. 270 FRANCISCO. Laudato Si’, louvado sejas: sobre o cuidado da casa comum. 24 de maio de 2015. São Paulo: Paulus, 2015. 116 Este documento que integra a Doutrina Social da Igreja traz uma ligação consistente entre a crise ecológica, a crise social e o modelo de desenvolvimento globalizado, caracterizado pelo paradigma atual de coisificação do mundo, pela atitude pragmática mercantilista e expansão descontrolada da tecnologia como uma profunda crise de valores e do modo de vida. Deve-se ter em vista que a religião constitui um considerável patrimônio entre todos os povos e através de todos os tempos. Segundo Coimbra, o fato religioso tem uma dimensão transcendental histórica: “que não só exerce enorme influencia sobre a sociedade, como ainda, chega até os escaninhos do coração humano, onde apenas o amor ou o ódio encontra seu último reduto”271. Na história do ocidente há uma fortíssima presença do Cristianismo. Como um fato cultura o Cristianismo revela-se inspiração e fator do comportamento do ser humano em face do meio ambiente e da natureza. Na encíclica, Francisco nos convida, a todos, através do encontro com Deus, a ver na natureza, revelada pela criação, o reconhecimento e a imagem divina, chegando assim a descobrir e a aceitar, verdadeiramente, a criação como parte que nos integra e vice-versa, e dessa maneira maturar um amor que se torna cuidado dela e por ela. Diante disso, Francisco nos apresenta na Laudato Si, no capítulo V algumas linhas de orientação e ação, dividido em cinco subtítulos. São eles: 1. O diálogo sobre o meio ambiente na política internacional, 2. O diálogo para novas políticas nacionais e locais; 3. Diálogo e transparência nos processos decisórios; 4. Política e economia em diálogo para a plenitude humana, e 5. As religiões no diálogo com as ciências. 271 COIMBRA, José de Ávila Aguiar. O outro lado do meio ambiente: uma incursão humanista na questão ambiental. Campinas: Millennium, 2002, p. 232. 117 Francisco delineou “grandes percursos de diálogo que nos ajudem a sair da espiral de autodestruição onde estamos afundando” 272. Assim, contribui com alguns caminhos, cuja proposta é integral e capaz de considerar a interdependência dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais. O pontífice, na proposta de um “diálogo sobre o meio ambiente na política internacional”, ressalta ter o planeta Terra um caráter de casa comum da humanidade. Assim, em um mundo interdependente as soluções devem ser propostas segundo a perspectiva de alcançar o bem comum global e não apenas para defesa dos interesses de alguns países. Portanto, devemos assumir nossas responsabilidades e decidir quem deverá suportar os maiores custos no esforço para a proteção ambiental e social. Igualmente, a decisão política deve tomar a punho os acordos ambientais globais, como por exemplo, a Declaração de Estocolmo de 1972, com adequados mecanismos de controle, revisão periódica e sanção das violações. Ao tratar sobre do tema “o diálogo para novas políticas nacionais e locais” Francisco aponta que as questões relacionadas com o meio ambiente e com o desenvolvimento econômico já não se podem ser acolhidas apenas a partir das diferenças entre países, mas exigem que se preste atenção nas políticas nacionais e locais. Deste modo, deve o Estado planificar, coordenar, vigiar e sancionar dentro do seu território. A política deve trabalhar com base em grandes princípios e pensando no bem comum a longo prazo. Neste contexto, cabe a sociedade, por meio de organismos não governamentais e associações intermediárias, forçar os governos a desenvolver normas, procedimentos e controles mais rigorosos. O cidadão, ao controlar o poder político (nacional, regional e municipal), combate os danos ambientais. 272 FRANCISCO. Laudato Si’, louvado sejas: sobre o cuidado da casa comum. 24 de maio de 2015. Ponto 163. São Paulo: Paulus, 2015. 118 Deste modo, nos interroga Francisco Como pode a sociedade organizar e salvaguardar o seu futuro num contexto de constantes inovações tecnológicas? Um fator que atua como moderador efetivo é o direito, que estabelece as regras para as condutas permitidas à luz do bem comum (Ponto 177) 273. Mais uma sugestão dada por Francisco, diz respeito “ao diálogo e transparência nos processos decisórios”. Ele sugere uma imperiosa necessidade de processo políticos transparentes e sujeitos a diálogos, afastados do veneno da corrupção. “É necessário haver sinceridade e verdade nas discussões científicas e políticas, sem se limitar a considerar o que é permitido ou não pela legislação” 274 . Na sequência, o Pontífice fala sobre “política e economia em diálogo para a plenitude humana”. Ele deixa claro que A política não deve submeter-se à economia, e esta não deve submeter-se aos ditamos e ao paradigma eficientista da tecnocracia. Pensando no bem comum, hoje precisamos imperiosamente que a política e a economia, em diálogo, coloquem-se decididamente a serviço da vida, especialmente da vida humana (Ponto 189)275. É imperioso refletir responsavelmente sobre o sentido da economia e seus objetivos, considerando que ético somente é um comportamento em que os custos econômicos e sociais nascidos no uso dos recursos ambientais comuns sejam reconhecidos de maneira transparente e totalmente suportados por quem deles usufrui e não por outras populações nem pelas gerações futuras. Igualmente reforça ter a produção uma ligação com as variáveis da economia, e nos adverte de que se não tivermos vista curta, poderemos descobrir 273 FRANCISCO. Laudato si’, louvado sejas: sobre o cuidado da casa comum. 24 de maio de 2015. Ponto 177. São Paulo: Paulus, 2015. 274 FRANCISCO. Laudato si’, louvado sejas: sobre o cuidado da casa comum. 24 de maio de 2015. Ponto 183. São Paulo: Paulus, 2015. 275 FRANCISCO. Laudato si’, louvado sejas: sobre o cuidado da casa comum. 24 de maio de 2015. Ponto 189. São Paulo: Paulus, 2015. 119 que pode ser muito rentável a variedade de uma produção mais inovadora e com menor impacto ambiental. “Trata-se de abrir caminho a oportunidades diferentes que não implicam frear a criatividade humana nem o seu sonho de progresso, mas orientar essa energia por novos canais” 276. Ainda, requer o desenvolvimento sustentável uma redução no consumo, para que todas as pessoas do mundo possam viver de acordo com sua dignidade humana. E quanto a política devemos nos ater ao princípio da subsidiariedade, que dá liberdade para o desenvolvimento das capacidades presentes a todos os níveis, mas simultaneamente exige mais responsabilidade pelo bem comum de quem tem mais poder. A política deve gerar uma reformulação integral, através de mais estratégia de mudança real que exige repensar a totalidade dos processos, pois não basta incluir considerações ecológicas superficiais enquanto não se puser em discussão a lógica subjacente à cultura atual. Por fim ao se referir sobre “as religiões com as ciências” nos alerta que as ciências empíricas são incapazes de acolher a sensibilidade estética, a poesia e ainda a capacidade de a razão perceber o sentido e a finalidade das coisas. Por outro lado, acredita que os princípios éticos podem aparecer através da linguagem religiosa. E assim, convida “aos crentes para se abrirem a graça de Deus e se nutrirem das próprias convicções sobre o amor, a justiça e a paz” 277. Assim, é preciso o “regresso à respectivas fontes que permite às religiões responder melhor às necessidades atuais”. Como também se torna imprescindível estabelecer diálogos entre as várias religiões, do mesmo modo entre as próprias ciências e também dos diferentes movimentos ecologistas. 276 FRANCISCO. Laudato si’, louvado sejas: sobre o cuidado da casa comum. 24 de maio de 2015. Ponto 191. São Paulo: Paulus, 2015. 277 FRANCISCO. Laudato si’, louvado sejas: sobre o cuidado da casa comum. 24 de maio de 2015. Ponto 200. São Paulo: Paulus, 2015 120 A gravidade da crise ecológica obriga-nos, a todos, a pensar no bem comum e a prosseguir pelo caminho do dialogo que requer paciência, ascese e generosidade, lembrando-nos sempre que ‘a realidade é superior à ideia’ (Ponto 201) 278. 2.3.1.2 Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (dos ODM aos ODS) Com apoio em Balera, vale dizer O Direito ao Desenvolvimento objetiva outorgar a todo o homem os meios necessários à respectiva qualificação como personalidade, é dizer, como sujeito apto a realizar seus fins naturais e temporais neste mundo, sem prejuízo de seu direito à objetiva conquista do destino sobrenatural a que se acha vocacionado desde sempre279. O humanismo requer que se integrem todas as diferentes vias do desenvolvimento – econômica, política, social, cultural e ambiental. Igualmente preconiza que é o homem, sempre o homem, o seu sujeito. O Direito ao Desenvolvimento surge como o direito ao bem comum. O que move o bem comum é a solidariedade. Essa decorre da interdependência existente entre a pessoa e a sociedade. A solidariedade, proposta numa perspectiva humanista, é de ser considerada um dever da comunidade internacional. Como reflexo do dever de cooperação, e seguindo o conjunto de aspirações do bem comum, a Assembleia Geral das Nações Unidas realizou a Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social, na cidade de Copenhague, em 1995. 278 FRANCISCO. Laudato si’, louvado sejas: sobre o cuidado da casa comum. 24 de maio de 2015. Ponto 201. São Paulo: Paulus, 2015. 279 BALERA, Wagner. Humanismo e desenvolvimento. In: SOUZA, Carlos Aurélio Mota de; CAVALCANTI, Thais Novaes (coord.). Princípios humanistas constitucionais: reflexões sobre o humanismo do Século XXI. São Paulo: Letras Jurídicas, 2010, p. 406. 121 Da Cúpula de Copenhague resultaram dois documentos: a Declaração sobre o Desenvolvimento Social e o Programa de Ação da Cúpula de Copenhague280. Conforme entende Balera, essa reunião imprimiu a fisionomia política humanista ao desenvolvimento, visto que A Declaração de Copenhague, associando-se a essa ideia considera a erradicação da pobreza como ‘imperativo ético, social, político e econômico’ O desenvolvimento surge, destarte, como o termo perficiente da vida em comunidade e como, em nossos dias, o princípio dos princípios do humanismo integral281. Dando sequência aos esforços de Copenhague, as Nações Unidas realizaram a denominada Cúpula do Milênio, que reuniu, no ano de 2000, representantes de 189 países que fixaram os Objetivos de Desenvolvimento Milênio até 2015. No documento intitulado “Nós, os Povos, o Papel das Nações Unidas no Século XXI”282, do Secretário –Geral da ONU, Kofi Annan, fixou um roteiro para o desenvolvimento. Os Oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) são os seguintes Erradicar a extrema pobreza e a fome Atingir o ensino básico universal Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres Reduzir a mortalidade infantil Melhorar a saúde materna 280 Declaração e programa de ação da cúpula mundial sobre desenvolvimento social – Copenhague – 1995. 06 à 12 de março de 1995. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Confer%C3%AAncias-de-C%C3%BApula-dasNa%C3%A7%C3%B5es-Unidas-sobre-Direitos-Humanos/declaracao-e-programa-de-acao-da-cupulamundial-sobre-desenvolvimento-social.html. Acesso em: 4 ago. 2016. 281 BALERA, Wagner. Humanismo e desenvolvimento. In: SOUZA, Carlos Aurélio Mota de; CAVALCANTI, Thais Novaes (coord.). Princípios humanistas constitucionais: reflexões sobre o humanismo do Século XXI. São Paulo: Letras Jurídicas, 2010, p. 411-412. 282 ANNAN, Kofi. Nós, os povos, o papel das Nações Unidas no século XXI. Disponível em: https://www.unric.org/html/portuguese/uninfo/Nosospovos.pdf. Acesso: 29 jul. 2016. 122 Combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças Garantir a sustentabilidade ambiental Estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento Nesse documento Annan revela nítida preocupação com a questão social e ambiental, e reforça que as medidas tomadas são muito aquém do que aquelas necessárias para preservar a vida com qualidade no planeta Terra. Revela com clareza que mesmo com criação na ONU em 1945, a humanidade não consegue assumir a sua responsabilidade e a grave crise social e ambiental. Em 1945, não podiam prever a necessidade urgente que enfrentamos hoje de garantir uma terceira liberdade, a de as gerações futuras poderem continuar a viver neste planeta. Não estamos a conseguir garantir essa liberdade. Pelo contrário, temos dilapidado o patrimônio dos nossos filhos por meio de práticas insustentáveis do ponto de vista ambiental. O meio natural presta-nos, gratuitamente, serviços básicos, sem os quais a nossa espécie não poderia sobreviver. A camada de ozônio filtra os raios ultravioletas do sol que são nocivos para as pessoas, animais e plantas. Os ecossistemas ajudam a purificar o ar que respiramos e a água que bebemos. Convertem resíduos em recursos e reduzem os níveis de carbono na atmosfera que, de outro modo, contribuiriam para o aquecimento do planeta. A biodiversidade constitui uma fonte abundante de medicamentos e produtos alimentares e mantém a variedade genética, que reduz a vulnerabilidade a pragas e doenças. Mas estamos a degradar e, em alguns casos, a destruir a capacidade de o ambiente continuar a fornecer-nos esses serviços essenciais à vida283. O documento final da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, Rio+20 dispôs que o desenvolvimento de objetivos e metas, tal qual aplicado em relação aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, seria útil na busca do desenvolvimento sustentável, por meio de ações focadas e coerentes. Decidiu-se estabelecer um processo intergovernamental inclusivo e transparente que fosse aberto a todos, com vistas a elaborar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). 283 Annan, Kofi. Nós, os povos, o papel das Nações Unidas no século XXI. Disponível em: https://www.unric.org/html/portuguese/uninfo/Nosospovos.pdf. Acesso: 29 jul. 2016. 123 No ano de 2015, durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, em Nova York, foi discutida na Assembleia Geral das Nações Unidas a agenda em favor de toda a humanidade e do planeta. Nesta reunião, 193 Estados-membros adotaram um novo programa de desenvolvimento sustentável, com o objetivo de acabar com a pobreza, lutar contra a desigualdade e a injustiça e combater as mudanças climáticas. Assim, num segundo momento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) foi adotada pela Assembleia Geral os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)284. Esses vão além dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Busca melhorar a vida de todos, em todos os lugares e criar um mundo melhor para as gerações futuras. São um convite para que a humanidade prevaleça sobre a política. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável é uma agenda de desenvolvimento sustentável pós-2015, a ser trabalhada pelas Nações Unidas junto aos governos, sociedade civil e demais parceiros. Eles são um programa para equilibrar a prosperidade humana com a proteção do planeta. Deste modo, compõe uma programação universal importante para todas as nações, o que exige, com maior razão, dos países mais desenvolvidos o comprometimento efetivo para tornar os objetivos uma realidade. A política, através de seus governantes, deve promover o bem comum para que todos possam ter a mínima base material e espiritual para viver com dignidade e para formar e manter uma família. São Dezessete os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que compõe um conjunto de ações a serem adotados para todas as pessoas e para o planeta e o caminho para o sucesso. 284 NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. 17 objetivos para transformar nosso mundo. Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/. Acesso em: 30 jul. 2016. 124 O Secretário Geral da ONU, Ban Ki-Moon, elege como os quatro pilares dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS): as pessoas, o planeta, a paz e a prosperidade. Portanto, a sua roupagem é humanista. O relatório “O caminho para a dignidade em 2030”, propõe a união da solidariedade ao direito ao desenvolvimento sustentável. Diz Ki-Moon 159. Temos de tomar os primeiros passos determinados no sentido de um futuro sustentável e com dignidade. A transformação é o nosso propósito. Temos de transformar as nossas economias, o nosso ambiente e as nossas sociedades. Temos de mudar as nossas mentalidades ultrapassadas, comportamentos e padrões destrutivos. Temos de abraçar os elementos essenciais integrados da Dignidade, Pessoas, Prosperidade, Planeta, Justiça e Parceria. Temos de desenvolver sociedades coesas, procurando a paz e a estabilidade internacional. E, temos de estabelecer prioridades para as boas soluções internacionais através de uma perspectiva do interesse nacional de todos os Estados-Membros. 160. Um futuro assim é possível se mobilizarmos de forma coletiva a vontade política e os recursos necessários para fortalecer as nossas nações e o sistema multilateral. Temos os meios e os métodos para satisfazer estes desafios se decidirmos usá-los e se trabalharmos juntos. Se os EstadosMembros mobilizarem agora o mundo em torno do desenvolvimento sustentável ̶ a nível nacional e internacional ̶ a Organização das Nações Unidas comprovará o seu valor como o principal organismo universal que cumpre os princípios e objetivos da Carta das Nações Unidas285. Segue Ki-Moon 161. No geral, o nosso trabalho é agora um desafio sério e inspirador. Estamos no limiar do ano mais importante do desenvolvimento desde a fundação da Organização das Nações Unidas. Temos de dar significado à promessa desta Organização de ‘reafirmar a nossa fé na dignidade e no valor da pessoa humana’ e conduzir o mundo para um futuro sustentável. Com este processo extraordinário e a liderança sem precedentes que testemunhou, temos uma oportunidade história e o dever de agir de forma corajosa, vigorosa e expedita, para tornar a realidade numa vida digna para 286 todos, não deixando ninguém para trás . 285 KI-MOON, Ban. O caminho para a dignidade até 2030: erradicar a pobreza, transformar todas as vidas e proteger o planeta. Disponível em: http://www.cases.pt/0_content/noticias/images/5527SR_advance%20unedited_final_PT.pdf. Acesso em: 30 jul. 2016. 286 KI-MOON, Ban. O caminho para a dignidade até 2030: erradicar a pobreza, transformar todas as vidas e proteger o planeta. Disponível em: http://www.cases.pt/0_content/noticias/images/5527SR_advance%20unedited_final_PT.pdf. Acesso em: 30 jul. 2016. 125 A mesma proposta foi anteriormente pregada pelo Humanismo Integral, de Jacques Maritain. A erradicação da pobreza, a proposta de fome zero e agricultura sustentável, a busca da saúde e bem-estar, a promoção da educação de qualidade, a conquista da igualdade de gênero, a garantia de água potável e saneamento, a geração de energia limpa e acessível, o fomento do trabalho decente e crescimento econômico, a criação de indústria, inovação e infraestrutura, a redução das desigualdades, a construção de cidades e comunidades sustentáveis, o estimulo ao consumo e produção responsáveis, a ação contra a mudança global do clima, a proteção da vida na água, a proteção da vida terrestre, a construção da paz, justiça e instituições eficazes e as parcerias e meios de implementação para cooperação entres os povos compõe os Dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). 126 3 CONCLUSÃO: DESENVOLVIMENTO INTEGRAL E SUSTENTÁVEL Aprofundar as ideias seminais contidas no pensamento do Humanismo Integral de Jacques Maritain e aplicá-las às novas facetas de nossa realidade, foi o esforço construtivo dessa dissertação. Jacques Maritain publicou o livro Humanismo Integral em 1936. Poucos anos depois ele foi traduzido para o português por Afrânio Coutinho. A conversão do filósofo ao cristianismo no ano de 1906 o fez procurar, no chamado cultural do diálogo da solidariedade estampado no Coração de Jesus Cristo, a base de sua filosofia a partir do valor da dignidade humana. A ideia de uma sociedade humana solidária, um novo regime temporal de concepção profana cristão, com notas características que se afasta de um liberalismo inumano e ao mesmo tempo afasta a imposição de um Estado confessional compõe a ideia deste humanismo. Há, portanto, o compromisso com um Estado laico, no qual a dignidade da pessoa humana como um “valor guia” dos direitos fundamentais, possibilitará aos diversos direitos fundamentais uma coexistência harmônica no domínio da hermenêutica constitucional, não obstante os seus diferentes conteúdos normativos287. Como aduz Casamasso O reflexo do princípio da dignidade da pessoa humana sobre os princípios da laicidade e da liberdade religiosa deve ser considerado a partir da tendência de valorização da liberdade religiosa enquanto direito fundamental, concebida como parte integrante da formação e do desenvolvimento da personalidade da pessoa humana em sua singularidade. Aqui, o princípio da dignidade da pessoa humana repercute sobre o direito fundamental da liberdade religiosa pondo em evidencia a sua função promocional 288. 287 CASAMASSO, Marco Aurélio Lagreca. Política e religião: o Estado laico e a liberdade religiosa à luz do constitucionalismo brasileiro [Dissertação de Doutorado apresentada perante a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. São Paulo: Biblioteca NGK – PUC/SP, 2006 288 CASAMASSO, Marco Aurélio Lagreca. Política e religião: o Estado laico e a liberdade religiosa à luz do constitucionalismo brasileiro [Dissertação de Doutorado apresentada perante a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. São Paulo: Biblioteca NGK – PUC/SP, 2006 127 Como também, na fonte do tomismo vivo revelado por Tomás de Aquino, do ensinamento deixado por Aristóteles, o filósofo Maritain requer o realismo de vivenciar o outro, na certeza de que o homem se realiza nessa apreensão. Portanto, inteligência é vida. Ao evitar a ditadura do relativismo e revelar a importância do real, Jacques Maritain, através de seu conceito sobre a pessoa humana, nos revela ser esta um valor absoluto na ordem axiológica. No ideal do Humanismo Integral, a dignidade da pessoa lhe é um valor inato, fonte de todos os Direitos Humanos e de todos os ordenamentos jurídicos. A proposta desse humanismo foi bem exposta por Alceu Amoroso Lima, na obra “Os direitos do homem e o homem sem direitos”, ao tratar sobre o Preâmbulo da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948. As ideias centrais do Humanismo Integral são: reconhecer a inerente dignidade da pessoa humana, o regime democrático como o necessário para a efetivação dos Direitos Humanos, o direito como um instrumento de reação a arbitrariedade, a cooperação entre os Estados, uma ordem política organizada com vista à realização do bem comum e à universalidade e o reconhecimento de uma mesma família humana. No humanismo de Maritain, o homem é uma pessoa humana composta, não somente de uma dimensão corpórea, mas de um microcosmo, um todo na medida em que tem uma dignidade absoluta porquanto está em relação direta com o Absoluto, assim ele se conduz pela inteligência e pela vontade. Daí decorre que as pessoas possuem uma natureza comum, por serem frutos de uma mesma origem, o que as tornam mais do que iguais, mas são irmãs entre si. A pessoa humana não se contenta tão somente com sua dignidade pessoal. Essa pessoa requer uma transformação solidária das estruturas sociais, para que se 128 proporcione a plena dignificação do homem todo e de todos os homens. Este é um traço vivo na proposta de Maritain, um humanismo antropofilíaco. Para tanto, a filosofia Humanista Integral exige a aplicação da solidariedade como o requisito para o bem comum, cujo princípio primeiro é de que todos devemos fazer o bem e evitar mal. A solidariedade é o que gera o progresso material e a plenitude espiritual das vidas individuais e coletivas de todos os membros da sociedade humana, ou seja, é o pressuposto que movimenta o bem comum, a boa vida humana na multidão. A sociedade é fruto do trabalho e da vontade humana, e o Estado pertence a essa ordem. Ao Estado incumbe a realização de uma finalidade, que se realiza em condições exteriores para que as pessoas possam exercer seus direitos e cumprirem seus deveres. Assim, o Estado tem como finalidade a realização do bem comum. O meio ambiente como um bem comum universal exige que a dignidade da pessoa humana prevalecente e acima de tudo, coloque esses bens naturais a serviço da conquista comum da nossa comunidade de pessoas e da liberdade humana de autonomia, com vista ao desenvolvimento. Dentro da filosofia prática de Maritain há uma leitura acurada da realidade que nos faz vivenciar que o desenvolvimento deve ser tomado como uma lei natural da vida. É uma verdade de que as coisas e a própria vida devem continuar e caminhar em direção ao melhor. O desenvolvimento como o novo nome da paz é a própria abertura à vida. O verdadeiro desenvolvimento da pessoa deve englobar a sua totalidade, abranger todas as suas dimensões, o que impõe de fato a sua relação de dependência e 129 interdependência do ambiente natural, que no contexto desse trabalho ganhou mesmo o formato de criação. Este desenvolvimento concebido na integralidade da pessoa, com vista a sua promoção econômica, social, política, cultural e ambiental, requer uma liberdade responsável, como ainda a igualdade das conquistas como fruto da justiça e do bem comum e a centralidade da solidariedade. O desenvolvimento da pessoa ligada ao ambiente, trata-se do próprio respeito à vida. O tema do desenvolvimento está imbricado com os deveres que nascem do relacionamento e ligação do homem com o ambiente natural, constituindo o seu uso e apropriação uma responsabilidade para com os pobres, as gerações futuras e a toda a humanidade. Ademais, diante da crise ecológica que assola o planeta e toda a humanidade, devemos nos atrair a aceitar esse convite de ação solidária, para assim assumirmos as rédeas de nosso desenvolvimento com a finalidade de assumir nossos deveres de compor um plano de viagem que contemple todos os homens e as demais criaturas e coisas da Terra. Essa crise de ordem ecológica (composta pela crise ambiental e crise social) é na verdade uma crise de ordem ética, pois é precisamente o comportamento da pessoa por meio de suas práticas destrutivas que gera a violação dos Direitos Humanos de milhares de pessoas, e ainda compromete a manutenção da boa qualidade de vida dos outros componentes do universo. Diante desta situação planetária, já existe certa consciência ecológica e social, que se propagou num sistema de proteção internacional e nacional sobre desenvolvimento e ambiente, que resultou numa nova proposta de desenvolvimento sustentável. O desenvolvimento sustentável é um processo de transformação, a fim de atender às necessidades e aspirações humanas. Maritain, ao recordar Francisco de 130 Assis, nos requisita um novo estilo de vida, uma verdadeira transformação, que nos aproxime de nossa ecologia humana, e também da ecologia ambiental. Requer-se uma responsabilidade sólida para com todos e tudo, através de mudanças significativas nos estilos de vida, nos modelos de crescimento individual e social, nas estruturas do poder político e na maneira de se fazer a economia. Diante da urgente necessidade de uma nova solidariedade entre os homens, os povos e os Estados o direito será um instrumento capaz de desperta na pessoa sua dignidade inerente, fazendo-o participar de forma sólida no seu desenvolvimento sustentável. O Humanismo Integral de Jacques Maritain, como fundamento intelectual de nossa proposta de investigar seu apoio na efetividade do desenvolvimento sustentável, revela-se ao final do trabalho como positivo, no sentido que poderá ser considerado uma contribuição valiosa para a realização desse direito humano. No projeto do humanismo solidário de Maritain, se propõe a dignidade da pessoa humana como um valor fonte do desenvolvimento sustentável, com a finalidade de se operar a transição pacífica e democrática das fórmulas corruptas e egoístas de desenvolvimento exclusivamente econômico e técnico para um estágio superior de convivência social e ambiental, baseado nos Direitos Humanos. 131 REFERÊNCIAS Agenda 21. Disponível em: http://www.mma.gov.br/responsabilidade- socioambiental/agenda-21/agenda-21-global. Acesso em: 4 ago. 2016. ANNAN, Kofi. Nós, os povos, o papel das Nações Unidas no século XXI. Disponível em: https://www.unric.org/html/portuguese/uninfo/Nosospovos.pdf. 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