Quem tem fome arregala os olhos: aranhas famintas investem mais em construção de teia? Manoela Borges, Gustavo Requena, Thiago Gonçalves-Souza, Wanessa Almeida Introdução que constroem teias orbiculares podem usar A teoria do forrageamento ótimo prevê desde fios arranjados em pequenas redes que para um organismo aumentar a sua aptidão seguras pelas pernas I e II, como os é necessário que minimize o custo energético deinopídeos, até malhas de teia fixadas no para adquirir alimento (Begon et al., 2006). substrato, como os araneídeos (Viera et al., Predadores espreita 2007). O comportamento de construção de teia permanecem parados em um local à espera de também pode variar na mesma espécie, de presas móveis, o que poderia reduzir o gasto de acordo com o tamanho do indivíduo, quantidade energia associado à procura de alimento de ovos produzida, lugar onde a teia foi feita, (Enders, 1976). Para um predador que utiliza tamanho da presa e disponibilidade de alimento essa estratégia de forrageamento seria útil (Heiling & Herberstein, 1998). Como o gasto possuir mecanismos que aumentassem sua energético capacidade de detecção e subjugação de consideravelmente presas. Em aranhas, por exemplo, a construção aranhas saciadas normalmente não investem na de teias de interceptação aumenta a área de construção percepção e captura de presas do indivíduo, contrapartida, uma vez que possibilita a detecção da presa por grande quantidade de energia para aumentar a estímulos vibratórios transmitidos pelos fios de densidade da teia e atacar presas de maneira seda (Viera et al., 2007), e também permite fixar menos seletiva (Sherman, 1994; Herberstein et armadilhas em locais com alta disponibilidade al., 2000). que caçam por de alimento (Riechert & Gillespie, 1986). As teias orbiculares possuem uma para de construir grande teias (Opell, muito aranhas teias 1998), densas. famintas é Em investem Após a captura de uma presa, aranhas aumentam drasticamente o volume do moldura externa de fios que formam uma opistossoma, que é a região do corpo na qual se armação fixada no substrato por fios-âncora. localizam Essa armação é conectada ao centro da teia por armazenamento vários fios radiais, sobre os quais a aranha Herberstein, 1998), portanto a densidade deposita uma espiral de fios adesivos. Aranhas corporal é um bom preditor da condição os órgão de de reservas digestão e (Heiling & 1 alimentar do indivíduo (Moya-Laraño et al., em Densidade corporal = Massa total / (Volumeprossoma + Volumeopistossoma). preparação). De fato, trabalhos anteriores apontaram que o sucesso de forrageamento tem O volume de cada parte do corpo das um efeito positivo sobre a condição corporal dos fêmeas foi estimado a partir do volume da esfera indivíduos em aranhas (e.g., Jakob et al., 1996). [Volume = (π*Comprimento3) / 6]. Para calcular Neste sentido, o objetivo deste trabalho foi testar a densidade da teia contamos o número de se a necessidade nutricional de fêmeas de uma espiras por centímetro no fio de maior diâmetro espécie do gênero Araneus (Araneidae) está da teia. Realizamos uma regressão linear relacionada com a densidade de espiras simples, considerando a densidade corporal das presentes em suas teias. Esperamos que fêmeas como a variável independente e a quanto maior a densidade corporal da aranha, densidade de espiras na teia como a variável menor será a densidade da teia. dependente. Material & métodos Resultados Realizamos o estudo em uma área de Encontramos 29 fêmeas de Araneus sp. várzea na ilha da Marchantaria (03°15’S; associadas a quatro diferentes bancos de 59°58’O), localizada no rio Solimões, a cerca de macrófitas. Embora os bancos fossem formados 15 km da cidade de Manaus, no município de por diferentes espécies vegetais, os indivíduos Iranduba, Amazonas. Localizamos teias de amostrados fêmeas adultas de Araneus sp. em bancos de crassipes (Pontederiaceae) e Paspalum repens macrófitas nas margens da ilha. Para cada (Poaceae) como suporte para construção de fêmea, medimos o comprimento do fio de maior suas teias. Observamos 10 machos na diâmetro da teia e contamos o número de vegetação, sem teias de captura e sempre espiras que o cruzavam. Coletamos todas as próximos a teias de fêmeas. A média da fêmeas e as levamos para o laboratório onde densidade corporal das fêmeas foi de 2,396 ± pesamos e medimos o comprimento do 0,584 mg/mm³ e a média da densidade de prossoma e opistossoma de cada indivíduo. espiras das teias foi de 0,347 ± 0,071 Como estimativa de saciedade das aranhas, espiras/cm. calculamos a condição corporal (densidade) dos significativa entre a densidade corporal das indivíduos, dada pela fórmula: fêmeas e a densidade de espiras nas teias (R² = utilizaram Não apenas encontramos Eichhornia relação 0,001; p = 0,431; Figura 1). 2 Figura 1. Relação entre a densidade das teias e a densidade corporal das fêmeas de Araneus sp. na Ilha da Marchantaria, Amazônia Central. Discussão densidade corporal das fêmeas de Araneus sp. e a densidade de espiras de suas teias. A produção de teias para captura de Em uma ampla revisão da literatura, presas é uma atividade que envolve um alto Wise (1993) demonstrou que a maioria das custo de energia (Opell, 1998). Alguns trabalhos aranhas está faminta na natureza. Essa mostram que, para aranhas que constroem teia conclusão orbicular, a construção da teia pode ser indiretas, tais como o fato de existir uma grande influenciada pelo grau de saciedade do indivíduo variabilidade no tamanho corporal entre os (veja Herberstein et al., 2000). Esses estudos indivíduos mostram também que aranhas em jejum espécies de aranhas. Outro indicador da aumentam o tamanho de suas teias e atacam condição do indivíduo é a sua densidade presas de maneira pouco seletiva, enquanto corporal (Moya-Laraño et al., em preparação). aranhas saciadas diminuem o tamanho da teia Em nosso estudo, a variância na densidade de captura e rejeitam presas menos nutritivas. corporal das fêmeas (s2 = 0,005) foi muito baixa Entretanto, não observamos evidências deste se comparada com a variância na densidade de padrão para a população estudada, uma vez espiras em suas teias (s2 = 0,342), indicando que não encontramos nenhuma relação entre a que os indivíduos amostrados apresentam foi em sustentada populações por de evidências diferentes condições alimentares parecidas. Como existe 3 uma grande abundância de insetos terrestres Enders, F. 1976. Clutch size related to hunting associados a bancos de macrófitas (Junk, manner of spider species. Annals of 1970), podemos inferir que existe uma alta Entomological Society of America 69: 991- disponibilidade de presas no ambiente de 998. várzea e que as fêmeas de Araneus sp. não estejam famintas. Podemos 2007. concluir que os níveis similares de saciedade entre as fêmeas de Araneus Gonzaga, M.O; A.J. Santos & H.F. Japyassú. sp. nos bancos de macrófitas Ecologia e comportamento de aranhas. Interciência, Rio de Janeiro. Heiling, A.M. & M.E. Herberstein. 1998. The web of Nuctenea sclopetaria (Araneae, possivelmente não influenciaram o investimento Araneidae): relationship between body and na construção de teias mais densas. Como a web design. The Journal of Arachnology 26: variação na densidade corporal das fêmeas foi 91-96 muito pequena, experimentos controlando o Herberstein, M.E.; A.C.Gaskett; D. Glencross; S. tempo de jejum dos indivíduos associados à Hart; S. Jaensch & M.A. Elgar. 2000. Does conformação das subseqüentes teias podem the presence of potential prey affect web fornecer um teste mais apropriado da nossa design in Argiope keyserlingi (Araneae, hipótese. Outra sugestão para trabalhos futuros Araneidae)? The Journal of Arachnology, 28: seria a comparação entre a densidade de 346–350. espiras nas teias de indivíduos adultos e juvenis. Jakob, E.M.; S.D. Marshall & G.W. Uetz. 1996. Seria esperado que, durante a fase juvenil, os Estimating fitness: a comparison of body indivíduos condition indices. Oikos, 77: 61-67. maximizassem a ingestão de alimento e investissem na produção de teias Junk,W.J. 1970. Investigations on the ecology mais densas do que as de adultos, garantindo o and production biology of the floating armazenamento de energia para as próximas Meadows (Paspalum–Echinochloetum) on fases de desenvolvimento. the middle Amazon. Part I: the floating vegetation and its ecology. Amazoniana, 2: Referências bibliográficas 449-495. Opell, B.D. 1998. Economics of spider orb-webs: Begon M.; C.R. Townsend & J.L. Harper. 2006. the benefits of producing adhesive capture Ecology: from individuals to ecosystems. thread and of recycling silk. Functional Blackwell Publishing. Malden, USA. Ecology, 12: 613–624. 4 Riechert, S.E. & Gillespie, R.G., 1986, Habitat Viera, C.; H.F. Japyassú; A.J. Santos & M.O. choice and utilization in web-building Gonzaga. 2007. Teias e forrageamento. In: spiders, pp. 23–48. In: Spiders: Web, Ecologia e comportamento de aranhas behavior, and evolution (W.A. Shear, ed.). (M.O. Gonzaga; A.J. Santos & H.F. Stanford University Press, California. Japyassú, org.). Interciência, Rio de Janeiro. Sherman, P.M. 1994. The orb-web: an energetic Wise, D.H. 1993. Spiders in ecological webs. and behavioural estimator of a spider´s Cambridge University Press, Cambridge, dynamic foraging and reproductive success. UK. Animal Behavioural, 48: 19-34. Orientação: Jorge Nessimian 5