letícia ramos ribeiro poliana casemiro lorena rios dos santos

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LETÍCIA RAMOS RIBEIRO
POLIANA CASEMIRO LORENA RIOS DOS SANTOS
“PONTO E VÍRGULA”
UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS–SP
2015
1
LETÍCIA RAMOS RIBEIRO
POLIANA CASEMIRO LORENA RIOS DOS SANTOS
PONTO E VÍRGULA
Proposta de Projeto Experimental de
caráter
profissional,
elaborado
como
requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel
em
Comunicação
Social,
habilitação em Jornalismo.
Orientação: Frediano Cunha dos Santos
UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS–SP
2015
2
AGRADECIMENTOS
Estas páginas foram escritas por várias mãos. O conhecimento adquirido
durante o um ano desta pesquisa e dos quatro anos do curso de Jornalismo são o
resultado deste trabalho. Cada linha foi tecida em conjunto pelo que construímos ao
longo da nossa caminhada, com a ajuda de professores, colegas, médicos,
psicólogos, órgãos públicos e as mulheres que abriram sua vida para nós.
Aprendemos ao longo do projeto a nos abrir para o que a academia e para o
que a vida quis nos ensinar e temos muitas pessoas a quem ser gratas.
Abrimos essa página agradecendo, primeiramente, às mulheres que nos
confiaram sua intimidade, aos médicos que abriram suas agendas sem medir
esforços, aos especialistas que tiveram a paciência de explicar tudo o que sabiam
para pessoas que não sabiam nada.
Agradecemos também aos amigos Vitor Morais, Paula Vinhas, Gabriela
Oliveira, Pedro Vidal, Katia Zanvettor e Luiz Malheiros que nos apoiaram e se doaram
de alguma maneira para que pudéssemos concretizar este trabalho como
sonhávamos. Não podemos deixar de lembrar do nosso parceiro Lucaz Mathias, que
deu vida ao nosso livro com o projeto gráfico.
Ao nosso orientador, Fredy Cunha, que dedicou seus finais de semana,
feriados e noites em que o procurávamos. Obrigada pelo apoio, por acreditar nesta
ideia, por nos ajudar a transformar tudo o que queríamos da melhor maneira possível
num projeto realizável. Somos profissionais melhores por tudo que nos ensinou.
Aos profissionais Flávio Salgado, Yasmin Shukai, Cláudia Francisco e Katia
Ferrer que nos ofereceram a experiência de viver de perto a realidade do câncer de
mama.
Às nossas famílias, a Deus, aos colegas que contribuíram com a verba
necessária para a produção dos livros a serem doados e aos amigos que nos
auxiliaram diante das dificuldades que nos deparamos ao longo desta caminhada.
3
RESUMO
A proposta deste estudo acadêmico é mostrar, por meio de um livro-reportagem
sobre câncer de mama, a incidência da doença nas mulheres e a importância de um
diagnóstico precoce no que se refere às chances de cura da paciente, por meio de
histórias de vida. Além disso, o resultado obtido servirá de apoio para que mulheres
que estejam passando pela mesma situação possam se enxergar nas histórias de luta
e para estimular o diagnóstico precoce naquelas que ainda não vivenciaram nada em
relação a este tipo de câncer.
Palavras-chave: livro-reportagem, câncer de mama, mulheres, neoplasia
maligna de mama feminina.
4
ABSTRACT
The purpose of this academic study is to show, through a reporting-book about
breast cancer, the incidence of the disease in women and the importance of early
diagnosis in relation to the healing chances of the patient, telling life stories. Besides,
the results obtained will serve as a support for women who are going through the
same situation they can see themselves in the stories of struggle and to encourage
early diagnosis in those who have not experienced anything about this type of
cancer.
Keywords: reporting-book, breast cancer, women, malignant neoplasm of
female breast.
5
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Nesta imagem mostra-se como uma célula normal terminaria seu ciclo e logo
abaixo como é o processo de continuação de divisão celular das células cancerígenas. ..... 13
Figura 2 - Diferença entre carcinoma in situ (não invasivo) e carcinoma invasivo. ................. 21
Figura 3 - Característica de um carcinoma in situ (não invasivo). .............................................. 22
Figura 4 - Tipos de biópsia para diagnóstico de câncer de mama. biópsia com agulha fina
(A), biópsia com agulha grossa (B), biópsia excisional (C) e mamografia (D). ........................ 24
Figura 5 - Reconstrução mamária do tipo TRAM (utilização de retalho micutâneo do reto
abdominal). .......................................................................................................................................... 28
6
Sumário
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 9
Capítulo 1 - O câncer ................................................................................................................... 12
1.1 Definição .............................................................................................................................. 12
1.2 Tipos de câncer e grau de diferenciação .................................................................... 13
1.3 Sintomas da doença ......................................................................................................... 14
1.4 Diagnóstico e Estadiamento ........................................................................................... 15
1.5 Tratamento .......................................................................................................................... 16
1.6 Fatores de risco para surgimento do câncer ............................................................. 18
Capítulo 2 - O câncer de mama ................................................................................................ 20
2.1 Definição .............................................................................................................................. 20
2.2 Fatores de risco ................................................................................................................. 20
2.3 Tipos de câncer de mama ............................................................................................... 21
2.4 Sinais e sintomas .............................................................................................................. 23
2.5 Diagnóstico e estadiamento ........................................................................................... 23
2.6 Tratamentos cirúrgicos e clínicos................................................................................. 25
2.7 Reconstrução Mamária .................................................................................................... 26
3.1 O problema da verba ........................................................................................................ 30
3.2 A lei dos repasses ............................................................................................................. 32
Capítulo 4 - O fator psicológico................................................................................................ 33
Capítulo 5 - Direitos do paciente com câncer....................................................................... 35
5.1 Direitos gerais .................................................................................................................... 35
5.2 Direitos da paciente com câncer de mama................................................................. 36
Capítulo 6 – O livro-reportagem ............................................................................................... 38
6.1 Escolha do livro-reportagem .......................................................................................... 38
6.2 A grande reportagem impressa ..................................................................................... 39
6.3 Histórias de vida ................................................................................................................ 40
6.4 Jornada do Herói ............................................................................................................... 42
Capítulo 7 – A produção do livro-reportagem ...................................................................... 45
7.1 Capítulos e entrevistas .................................................................................................... 45
7.2 - Projeto gráfico.................................................................................................................. 52
Capítulo 8 – Considerações Finais .............................................................................................. 55
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................. 57
ANEXOS .............................................................................................................................................. 62
7
1. OBJETO ...................................................................................................................................... 62
2. OBJETIVOS ............................................................................................................................... 62
2.1. Objetivo geral .................................................................................................................... 62
2.2. Objetivos específicos ...................................................................................................... 62
3. PROBLEMA ................................................................................................................................... 63
4. HIPÓTESE ...................................................................................................................................... 64
5. JUSTIFICATIVA............................................................................................................................. 65
6. MODALIDADE ............................................................................................................................... 67
6.1 Livro-reportagem ................................................................................................................... 67
6.2 A reportagem .......................................................................................................................... 68
6.3 A Grande reportagem ........................................................................................................... 69
7. METODOLOGIA ............................................................................................................................ 71
8. CRONOGRAMA ............................................................................................................................ 73
ENTREVISTAS ................................................................................................................................... 74
8
INTRODUÇÃO
O câncer de mama feminino é o tipo mais comum de neoplasia maligna.
Segundo o Inca (Instituto Nacional do Câncer), ele corresponde a 22% dos
diagnósticos de novos casos anuais.
Além dos altos índices no registro da doença, essa neoplasia ainda é o tipo de
câncer que mais mata mulheres em todo o Brasil. O último relatório do instituto,
referente ao ano de 2011, mostra que a neoplasia na mama é responsável por 20%
dos óbitos por câncer no sexo feminino, levando 13.225 mulheres à morte naquele
ano1.
No Vale do Paraíba, de janeiro a agosto de 2014, a Secretaria Estadual de
Saúde realizou 833 mil mamografias e, em 2012, foram mais de 1,2 milhão de exames
feitos. No entanto, apesar das medidas preventivas, o Inca (Instituto Nacional do
Câncer) registrou, entre 2011 e 2012, a morte de 325 mulheres durante o combate à
doença na RMVale (a Região Metropolitana do Vale do Paraíba).
Diante dos números, as autoras deste estudo decidiram desenvolver, como
resultado desta pesquisa, um livro que abordasse o câncer para além dos algarismos.
A ideia era ressaltar a prevenção, tratamento e todos os aspectos que circundam a
doença por meio das histórias de mulheres que enfrentam ou enfrentaram o
diagnóstico. O passo mais importante desta pesquisa é mostrar, que além de índices,
gráficos e planilhas, esses símbolos representam pessoas.
O primeiro passo foi entender o câncer, suas características. Por isso,
dedicamos o primeiro capítulo ao tema. Segundo o Inca, o câncer é o nome dado a
um conjunto de doenças, que engloba mais de 100 tipos espalhados por todo o corpo
humano. No capítulo, falamos de vários subtipos, o diagnóstico e os tratamentos
aplicados.
Posteriormente, analisamos o produto desta pesquisa, o câncer de mama e
todas as suas características. A seguir, fechamos a doença na localidade escolhida
para o estudo: municípios de São José dos Campos e Taubaté. Neste capítulo,
1
Em www.inca.com.br. Acesso em 20 de maio de 2015.
9
destrinchamos a situação da doença nas duas cidades, os índices, a falta de verba e
a realidade dos hospitais.
No capítulo quatro, falamos de outro aspecto importante no câncer, mas muitas
vezes ignorado: o fator psicológico. O câncer de mama é uma doença que toca na
imagem da mulher, em sua identidade feminina e sexual. Exploramos os tratamentos,
o cuidado com o psicológico e o reflexo deste fator no tratamento.
Bem como qualquer outro paciente, o câncer de mama traz à paciente uma
série de direitos. Muitos são conhecidos, como acesso ao tratamento, às
medicações... Mas outros nem tanto, como a aposentadoria, a isenção de impostos e
a preferência em processos judiciais.
No sexto capítulo, descrevemos a modalidade do produto desta pesquisa: o
livro-reportagem. Buscou-se o que melhor encaixasse com os objetivos das autoras e
com o tema. Neste caso, escolheu-se trabalhar com o modelo livro-reportagem de
perfil, que permite a aproximação do assunto por meio do reconhecimento da situação
humana abordada.
Lima (2004) define o livro-reportagem de perfil como:
Uma obra que procura evidenciar o lado humano de uma
personalidade pública ou de uma personagem anônima que, por
algum motivo, torna-se de interesse. No primeiro caso, trata-se em
geral, de uma figura olimpiana. No segundo momento, a pessoa
geralmente representa, por suas características e circunstâncias de
vida, um determinado grupo social passando como que a personificar
a realidade do grupo em questão (LIMA, 2004, p. 52).
Ainda no sexto capítulo, tratamos sobre Histórias de Vida, um instrumento de
investigação científica originário das ciências históricas, da sociedade e da psicologia,
segundo Jorge Pedro (2006, p. 735). Trabalhamos com este conceito por abordar
histórias que só podem ser descritas por relatos dos indivíduos que vivenciaram
determinada experiência.
O sétimo capítulo conta como foi a construção do livro, as dificuldades,
peculiaridades de cada história e o que mudou durante a apuração em campo.
Seguido do capítulo com a análise da identidade do material, com o projeto gráfico.
10
Esperamos que nosso trabalho, quando distribuído, alcance mulheres em
diagnóstico, servindo como material de apoio para que ela conheça o passo a passo
da doença e, mulheres que podem ser diagnosticadas, como método de alerta para a
prevenção. Nas mãos de profissionais da medicina, que este seja um toque de
sensibilidade para um olhar além dos números.
11
Capítulo 1 - O câncer
1.1 Definição
Segundo o Inca, o câncer é o nome dado a um conjunto de doenças, que
engloba mais de 100 tipos espalhados por todo o corpo humano. Elas acontecem
através de uma alteração na divisão das células do corpo, as quais passam a crescer
desordenadamente, infiltrando-se em órgãos e tecidos humanos.
É preciso entender que o processo celular normal acontece em três etapas:
crescimento, multiplicação e morte das células de forma ordenada.
Buzaid, Maluf & Varella, (2014) explicam que as células normais, quando
sofrem uma mutação, passam por um reparo, eliminando a possibilidade de tornar-se
maligna ou, ainda, morrem de acordo com o ciclo. Entretanto, quando se tem a
incidência de uma célula cancerígena, o que acontece é que ao invés de morrer, ela
passa a se multiplicar ainda mais e formar cada vez mais partículas anormais. Na
maioria das vezes, são acumuladas várias mutações, que resultam em proliferação
descontrolada espalhada pelo corpo.
Sendo assim, de acordo com o Ministério da Saúde, o câncer se caracteriza
pela perda do controle da divisão celular e pela capacidade de invadir outras
estruturas orgânicas.
Em outras palavras, Buzaid, Maluf & Varella (2014) definem o câncer da
seguinte forma: “proliferação anormal e descontrolada de células oriundas de uma
célula previamente normal, que sofreu uma ou mais mutações, e que tem a
capacidade de se espalhar pelo organismo” (Buzaid, Maluf & Varella, 2014, p.31).
12
Figura 1 - Nesta imagem mostra-se como uma célula normal terminaria seu ciclo e logo abaixo como é o processo
de continuação de divisão celular das células cancerígenas.
1.2 Tipos de câncer e grau de diferenciação
O grau de diferenciação do câncer, segundo o Inca, vai servir como uma das
medidas de classificação da doença em mais ou menos agressiva. Para entender
como acontece o grau de diferenciação é preciso saber primeiramente como acontece
a composição celular do corpo humano.
Buzaid, Maluf & Varella (2014) explicam que as células do corpo humano são
originárias da célula ovo, aquela que é formada através da junção entre
espermatozoide e óvulo, e que possui a capacidade de criar diversas outras
semelhantes, cada uma diferente entre si, as quais vão compor o corpo humano.
Portanto, essa capacidade de gerar células diferentes é chamada de diferenciação.
Porém, segundo eles, o corpo humano possui partículas ainda mais especiais,
aquelas que chamamos de diferenciadas. Elas não são mais células normais, mas
passam a compor tecidos e órgãos especializados, como cérebro, os músculos,
fígado, etc.
13
Do outro lado, temos as células cancerosas, aquelas que não fazem o percurso
normal da diferenciação celular, mas sim o contrário. Elas percorrem a
indiferenciação, quando as características originais das células dos tecidos ou órgãos
que deram origem ao tumor são perdidas.
Assim, se as células do câncer forem mais parecidas com as do tecido ou órgão
que originou o tumor, elas são chamadas mais diferenciadas – isso faz com que o
câncer seja mais favorável a sua vítima. Todavia, se as células do tumor e as do tecido
ou órgão originário forem pouco parecidas, aí então elas são chamadas de menos
diferenciadas ou indiferenciadas. Nestes casos, em que as células cancerosas
possuem menos diferenciação com as células do tecido ou órgão, fala-se em um
câncer mais agressivo.
Hoje em dia, os tipos mais comuns de câncer conhecidos pela medicina são:
anal, de bexiga, de boca, de cabeça e pescoço, colorretal, do útero, de endométrio,
de estômago, de esôfago, de fígado, de laringe, leucemia, linfoma de Hodking, linfoma
não-Hodking, de mama, de ovário, de pâncreas, de pele melanona, de pele não
melanona, de pênis, de próstata, de pulmão, de rim, sarcomas de partes moles, de
testículo, de tireoide, tumores cerebrais e tumores de Ewing.
1.3 Sintomas da doença
Qualquer célula do corpo humano pode sofrer transformação e tornar-se
maligna. Por isso, os sintomas do câncer variam muito de acordo com o local onde a
doença é instalada. É preciso estar atento a todos os sinais iniciais que a enfermidade
pode apresentar.
De acordo com o livro “Vencer o Câncer”, alguns sintomas comuns são:

Tosse por mais de três semanas, escarros com sangue e dores torácicas
(câncer de pulmão).

Rouquidão persistente (câncer de laringe).

Sensação de empachamento depois das refeições e/ou eliminação de fezes
semelhantes à borra de café (câncer de estômago).

Dificuldade e/ou dor para engolir (câncer de esôfago).
14

Diarreia que se alterna com prisão de ventre e/ou presença de sangue vivo nas
fezes (câncer de cólon e reto)

Presença de sangue na urina (câncer de rim, ureter ou bexiga).

Sangramento vaginal excessivo, especialmente quando ocorre na menopausa
(câncer uterino).

Lesões na pele que sangram e/ou demoram muito para cicatrizar (câncer de
pele).

Pintas que crescem, coçam, mudam de cor ou sangram (melanoma).

Convulsões, dor de cabeça persistente, visão dupla, alteração da fala e
confusão mental (tumores cerebrais).

Linfonodos (gânglios ou ínguas) aumentados nas axilas, no pescoço ou nas
virilhas (diversos tipos de câncer).

Dor em faixa na parte alta do abdômen que se irradia para as costas,
acompanhada de perda de apetite e emagrecimento (câncer de pâncreas).

Nódulos (caroços) endurecidos que crescem no tecido subcutâneo de qualquer
região do corpo (diversos tipos de câncer).
1.4 Diagnóstico e Estadiamento
Após as suspeitas de desenvolvimento de câncer, o médico oncologista
precisará de um diagnóstico preciso sobre a doença. Para isso, é necessária a
realização de uma biópsia, na qual uma parte da lesão é retirada e encaminhada para
um laboratório para uma análise no microscópio (exame anatomopatológico).
Além desse método, também podem ser necessários exames de sangue, de
urina e de medula óssea, bem como radiografias, ultrassonografias, tomografias,
ressonâncias nucleares magnéticas e endoscopia, entre outros.
Durante a análise laboratorial será dada a palavra final sobre a doença e o
médico oncologista poderá, então, passar a avaliar e estabelecer em qual fase ou
estadiamento o câncer se encontra.
Segundo Buzaid, Maluf & Varella (2014), o estadiamento é um processo muito
importante para que o médico possa saber qual é a extensão da doença,
encaminhando o paciente para o tratamento adequado. A extensão do câncer – que
15
costuma ser classificada em estádios de I a IV, sendo o primeiro os tumores mais
iniciais e o quarto os casos mais avançados – é importante também para estimar a
probabilidade de cura. Assim, os procedimentos usados no estadiamento podem ser
clínicos, cirúrgicos e anatomopatológicos.
1.5 Tratamento
Atualmente, existem oito tipos de tratamento para o câncer, que podem ser
combinados de formas diferentes de acordo com a aceitação do organismo, segundo
Buzaid, Maluf & Varella (2014). Os tipos são: cirurgia, radioterapia, quimioterapia,
hormonioterapia, terapia-alvo, imunoterapia, geneterapia e transplante de medula
óssea.
A cirurgia é o método mais antigo e está cada vez mais avançado. Há muitos
anos, algumas cirurgias de câncer acabavam na perda de órgãos, porém, atualmente,
o tumor, como o das mamas, é retirado sem que precise, necessariamente, remover
os seios.
A radioterapia foi o segundo método identificado para tratar os tumores
malignos. A descoberta aconteceu em 1898 e logo no ano seguinte já começou a ser
utilizada para tratar os pacientes com câncer de pele. Por volta de 1915, o método
começou a ser utilizado também para tratar tumores no colo uterino e, a partir deste
ano, a radioterapia começou a avançar cada vez mais.
O método, que atravessa os tecidos, libera tanta energia através de raio X que:
Surgem partículas carregadas eletricamente e átomos de oxigênio
altamente reativos, que vão reagir com as moléculas de DNA,
provocando defeitos na dupla hélice que podem levar à morte celular
por dois mecanismos: apoptose, a morte celular programada, ou perda
de capacidade de dividir-se (Buzaid, Maluf & Varella, 2014, p. 52).
A radioterapia é, na maioria das vezes, administrada em doses diárias, cinco vezes
por semana, com duração de 20 minutos cada uma. O tempo total de tratamento
dependerá da quantidade ministrada todos os dias, da sensibilidade do tumor e do
estadiamento da doença.
16
Já a quimioterapia foi criada durante a Segunda Guerra Mundial, quando alguns
médicos trabalhavam no estudo de um gás venenoso, chamado de mostarda
nitrogenada. Depois de algumas pesquisas, eles começaram a perceber que havia
queda no número de glóbulos brancos dos técnicos que manipulavam os produtos.
Assim, o elemento começou a ser testado em alguns tumores que apresentam um
aumento no número de leucócitos, como leucemias e linfomas. Os resultados obtidos
foram surpreendentes, dando origem à quimioterapia.
Outro tipo de tratamento é a hormonioterapia. Este método é indicado àqueles
tipos de câncer que dependem dos hormônios produzidos pelo organismo, como o de
mama, próstata, tireoide, etc. De acordo com o livro Vencer o Câncer (2014), a ação
se dá segundo dois mecanismos básicos:
Através da supressão da produção de hormônios, com a finalidade de
privar as células malignas dos estímulos necessários para entrar em
divisão. Através do bloqueio da ligação dos hormônios com seus
receptores (chamado bloqueio periférico). Em ambos os casos
ocorrem diminuição da velocidade de multiplicação e indução de morte
celular programada (Buzaid, Maluf & Varella, 2014, p. 58).
Um método em crescimento é a terapia-alvo, quando se emprega anticorpos e
moléculas para impedir a transmissão dos sinais enviados para o núcleo da célula, os
quais ativam os genes que controlam a reprodução celular. Assim, esse tratamento
procura bloquear, com a ação desses anticorpos e moléculas, a formação das células
malignas.
O transplante de medula óssea é mais um dos possíveis tratamentos. Ele pode
ser feito de duas formas: autólogo, quando se retira as células da medula do próprio
paciente antes de iniciar a quimioterapia ou a radioterapia e congela o material para
que posteriormente seja injetado na veia do doente para repor os leucócitos e
plaquetas afetados pelo tratamento; e alogênico, quando as células da medula de
outro paciente saudável e compatível ao que está recebendo as células são coletadas
e injetadas na veia do enfermo.
O último método de tratamento, ainda pouco utilizado, é a imunoterapia. O
objetivo é fazer com que o próprio sistema imunológico seja capaz de reconhecer que
17
algo não está bem em seu organismo e elimine as células malignas. Porém, isso não
é fácil de acontecer, pois elas possuem diversos mecanismos que não permitem que
o corpo as reconheça. É um método que ainda está sendo estudado a fim de criar
estímulos para que o sistema imunológico reconheça as células cancerígenas.
Também é importante destacar que todos esses tratamentos podem causar
efeitos colaterais ao paciente, como náuseas, vômitos, diarreia, infecções diversas,
perda de apetite, fadiga, lesões na mucosa bucal, disfagia, boca seca, problemas na
pele, queda de cabelo, inchaço, anemia, distúrbios no sistema nervoso, sintomas de
menopausa e problemas de fertilidade.
1.6 Fatores de risco para surgimento do câncer
O câncer acontece pela transformação de uma célula normal em uma célula
maligna. Essa mutação pode estar ligada a uma série de eventos genéticos, mas
também ocorre de ser induzida por outros fatores como o fumo, a ingestão de bebidas
alcoólicas, dieta não equilibrada, infecções, obesidade e vida sedentária, radiação,
exposição a luz ultravioleta e interação com agentes químicos.
É importante entender que esses fatores de risco são características pessoais,
que aumentam as chances de desenvolver o câncer e que alguns deles podem ser
controlados, como manter uma alimentação mais controlada e diminuir a ingestão de
bebidas alcoólicas, porém outros, como a predisposição genética, não podem ser
evitados. Embora as características de risco sejam, em alguns casos, determinantes
para o surgimento do câncer, devemos lembrar também que a presença de um ou
mais fatores não é condição necessária para o desenvolvimento da doença. Assim
como pessoas que possuem com mais chances podem não desenvolvê-la, outras sem
nenhum fator de risco acabam apresentando e desenvolvendo o câncer.
Segundo Buzaid, Maluf & Varella (2014), alguns dados bastante interessantes
sobre a incidência do câncer são:

Cerca de 30% do número total de casos de câncer no mundo é causado pelo
fumo.
18

O câncer de pulmão é o maior responsável por mortes. Entre 85% e 90% das
pessoas que desenvolvem esse tipo são fumantes ativos e/ou passivos, além
de pessoas que abandonaram o vício.

Mulheres que praticam pelo menos quatro horas de atividade física por semana
possuem 60% a menos de chance de desenvolverem câncer de mama.

Obesidade e sedentarismo são responsáveis por 20% dos casos de câncer de
mama, 50% dos casos de carcinomas de endométrio e 25% dos tumores
malignos do cólon.

Calcula-se que 15% dos tumores malignos diagnosticados no mundo sejam
causados por infecções.

No mínimo 80% das mulheres que desenvolvem câncer de colo de útero e
canal anal estão infectadas pelo HPV subtipo 16.

Mais de 90% dos casos de melanoma (tumor que se origina em "pintas" na
pele) são atribuídos à exposição intensa e intermitente aos raios solares
Esses são apenas alguns dados que podem estar relacionados aos diversos tipos
de câncer. Por isso, os médicos alertam que é preciso tomar alguns cuidados e fazer
o máximo possível para prevenir o seu desenvolvimento. Além disso, há também
cirurgia preventiva e quimioprevenção.
É preciso também fazer exames e se consultar regularmente com médicos.
19
Capítulo 2 - O câncer de mama
2.1 Definição
As mamas são órgãos projetados com uma principal função para as mulheres:
a produção de leite para amamentação. De acordo com o oncologista Dráuzio Varella,
quando as células do seio passam a dividir-se de forma desordenada, um tumor
maligno pode se instalar principalmente nos ductos, onde o leite é conduzido até os
mamilos, e, mais raramente, nos lóbulos, onde o líquido é formado (Varella, Buzaid &
Maluf, 2014 p. 183).
Este é o câncer mais comum entre as mulheres em todo o mundo. Somente no
Brasil, segundo Inca, cerca de 50 mil novos casos são descobertos a cada ano. A
probabilidade é de que uma em cada nove ou dez mulheres receba este diagnóstico
se viver até os 90 anos de idade.
2.2 Fatores de risco
O câncer de mama é uma neoplasia que pode ser encontrada tanto em
mulheres quanto em homens, porém pertencer ao sexo feminino já é o primeiro fator
de risco para se adquirir o câncer de mama. Além disso, existem outros fatores que
podem estar diretamente ligados ao aparecimento da doença. Segundo Buzaid, Maluf
& Varella, alguns deles são: primeira menstruação antes dos 12 anos; histórico de
casos na família; diagnóstico de hiperplasia ductal atípica em biópsia prévia de mama;
idade avançada; e ser portador da mutação nos genes BRCA1 e BRCA 2.
Ainda segundo os autores, o principal fator do aparecimento é a mutação
genética:
Mulheres portadoras de mutações em um desses genes (BRCA1 e
BRCA2) geralmente pertencem a famílias com diversos casos de
câncer de mama e/ou de ovário, especialmente em parentes mais
próximos (mães, irmãs, avós). No decorrer da vida, essas mulheres
correm risco maior do que 50% de chance de desenvolver a doença.
(Maluf, Buzaid, Varella, 2014, p. 184)
20
2.3 Tipos de câncer de mama
Existem diversos tipos de câncer de mama. Segundo o Instituto Oncoguia, os
mais comuns são: Carcinoma Ductal In Situ, Carcinoma Lobular In Situ, Carcinoma
Ductal Invasivo e Carcinoma Lobular Invasivo2. Segundo Buzaid, Maluf & Varella, o
carcinoma ductal invasivo é o tipo mais comum e corresponde a 85% dos casos de
câncer de mama.
A classificação In Situ e Invasivo são circunstâncias referentes ao local onde
nasceu o câncer e como ele está instalado. De acordo com Buzaid, Maluf & Varella
(2014), quando as células cancerosas estão inscritas ao local em que nasceram, sem
invadir uma camada do tecido, chama-se In situ, já quando entram na membrana,
podendo penetrar nos tecidos adjacentes, chama-se invasivo.
Figura 2 - Diferença entre carcinoma in situ (não invasivo) e carcinoma invasivo.
O Carcinoma Ductal In Situ é considerado não invasivo e acontece nos ductos,
sem que se espalhe para o tecido mamário nas proximidades. Em alguns casos, ele
é considerado pré-câncer, pois pode se desenvolver e passar a ser carcinoma ductal
invasivo3.
2Em
<http://www.oncoguia.org.br/conteudo/tipos-de-cancer-de-mama/1382/34/>. Acesso em 4 de
maio de 2015
3Em <http://www.oncoguia.org.br/conteudo/tipos-de-cancer-de-mama/1382/34/>. Acesso em 4 de
maio de 2015
21
Figura 3 - Característica de um carcinoma in situ (não invasivo).
O carcinoma lobular in situ é considerado o estágio 0 do câncer de mama. Isso
porque ele começa nas glândulas produtoras de leite, chamadas de lóbulos, mas não
se espalha além das paredes dos lóbulos.
Carcinoma ductal invasivo é o mais comum. Segundo o Instituto Oncoguia 4,
essa categoria se inicia em um duto de leite, rompe a parede do mesmo e cresce no
tecido adiposo da mama, podendo se espalhar para outras partes do corpo
(metástase).
Outro tipo bastante comum é o carcinoma lobular invasivo. Este, segundo o
Instituto Oncoguia5, começa nos lóbulos, que são as glândulas produtoras de leite.
4Em
<http://www.oncoguia.org.br/conteudo/tipos-de-cancer-de-mama/1382/34/> Acesso em 5 de
maio de 2014.
5Em <http://www.oncoguia.org.br/conteudo/tipos-de-cancer-de-mama/1382/34/> Acesso em 5 de
maio de 2014.
22
Ainda de acordo com o Instituto, ele também pode se espalhar para outras regiões do
corpo.
Existem também outras modalidades de câncer de mama que são menos
comuns, correspondendo a apenas 5% dos casos, segundo Varella, Buzaid& Maluf
(2014). De acordo com o Inca6, as formas mais raras de câncer mamário são: câncer
de mama inflamatório, câncer de mama bilateral, sarcoma mamário e câncer de mama
masculina.
2.4 Sinais e sintomas
Buzaid, Maluf & Varella (2014) explicam que a queixa mais frequente do câncer
de mama é a percepção de um caroço em uma das mamas. Existem também alguns
sinais como endurecimento localizado no seio, presença de nódulos rígidos em uma
das axilas ou aumento no volume mamário. Eles completam ainda que as dimensões
do tumor estão diretamente ligadas aos índices de cura (Buzaid, Maluf & Varella, 2014
p. 186).
Segundo o Inca7, podem surgir alterações na pele que recobre a mama, como
abaulamentos ou retrações, inclusive no mamilo, ou um aspecto semelhante a casca
de laranja. A secreção no mamilo também é um sinal de alerta.
2.5 Diagnóstico e estadiamento
Para diagnosticar um câncer de mama é preciso passar por uma biópsia. De
acordo com Buzaid, Maluf & Varella (2014) existem quatro formas de proceder à
biópsia: com agulha fina, com agulha grossa, excisional (procedimento cirúrgico que
consiste na remoção do nódulo) e mamografia.
6Em
<http://www.inca.gov.br/rbc/n_47/v01/pdf/normas.pdf> Acesso em 5 de maio de 2015
<http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/tiposdecancer/site/home/mama/sintomas> Acesso
em 5 de maio de 2015
7Em
23
Figura 4 - Tipos de biópsia para diagnóstico de câncer de mama. biópsia com agulha fina (A), biópsia com agulha
grossa (B), biópsia excisional (C) e mamografia (D).
Segundo o Hospital do Câncer de Barretos 8 , referência em tratamento
oncológico no Brasil, os estágios do câncer de mama são formas de os médicos darem
notas para o momento da doença do paciente. No tipo abordado por este Projeto
Experimental, ele é dividido em cinco etapas:
Estágio 0: quando a doença está restrita ao local onde começou.
Estágio1: a doença invadiu a região local, mas possui no máximo 2cm .
Estágio 2: a doença invadiu a região local, mas possui entre 2 e 5cm de
tamanho e ínguas pouco comprometidas na axila.
8
Em <http://www.hcancerbarretos.com.br/pesquisas/92-paciente/tipos-de-cancer/cancer-demama/164-tratamento-do-cancer-de-mama> Acesso em 20 de maio de 2015.
24
Estágio3: a doença invadiu a região local, mas possui tamanho maior que 5cm
ou ínguas muito comprometidas na axila.
Estágio4: quando a doença invadiu outras partes do corpo como: ossos,
pulmões, fígado, etc.
2.6 Tratamentos cirúrgicos e clínicos
O câncer de mama possui métodos cirúrgicos e clínicos para ser tratado.
Quando se falada primeira categoria, são os procedimentos chamados de
tumorectomias e quadrantectomias, mais conversadores, e também as chamados
mastectomias, que são tratamentos mais radicais. Na tumorectomia apenas o tumor
é retirado, enquanto na quadrantectomia é retirado o tumor e uma parte do tecido
normal que o envolve e o tecido que recobre o seio abaixo do tumor são removidos.
Segundo Franco, a tumorectomia é um procedimento cirúrgico conservador, que
consiste na remoção do tumor com margens de tecido circunjacente de 1 cm, sendo
necessário que elas estejam histologicamente negativas, este procedimento é
indicado para tumores de até 1,5 cm de diâmetro (FRANCO, 1997, p. 208). Ele diz
ainda que a quadrantectomia consiste:
Na remoção de um quadrante ou segmento da glândula mamária onde
se localiza um tumor maligno, e as margens circunjacente de tecido
normal entre 2 e 2,5 cm, sendo que em conjunto com o esvaziamento
axilar radical e a radioterapia proporciona melhores resultados em
tumores de até 2 cm, mas dependendo do tamanho da mama podendo
ser usado em tumores de até 3 cm de diâmetro. (FRANCO, 1997, p.
208)
Já as mastectomias, segundo Franco, podem ser dos tipos:
Mastectomia Radical Halsted, quando há a extirpação da mama, músculo
grande peitoral, músculo pequeno peitoral e esvaziamento axilar radical (FRANCO,
1997, p. 210).
Mastectomia Radical Modificada, quando há extirpação total da mama com o
esvaziamento axilar radical com a conservação do músculo grande peitoral, com ou
25
sem preservação do pequeno peitoral, podendo ser divididas em Mastectomia Radical
Modificada Patey ou Mastectomia Radical ModificadaMadden (FRANCO, 1997, p.
211).
Mastectomia Radical Modificada Patey: quando há a remoção da glândula
mamaria e músculo pequeno peitoral de suas inserções na apófise coracóide, terceiro,
quarto e quinto espaços intercostais, em monobloco, com esvaziamento axilar radical
(níveis I, II e II) linfonodos interpeitorais, aponeurose anterior e posterior do músculo
grande peitoral (FRANCO, 1997, p. 212).
Mastectomia Radical Modificada Madden: quando consiste na remoção da
glândula mamaria, juntamente com a aponeurose anterior e posterior do músculo
grande peitoral e no esvaziamento axilar (níveis I, II e II) e linfonodos interpeitorais,
sendo preservado o músculo grande e pequeno peitoral (FRANCO, 1997, p. 212).
Mastectomia Total: quando há a remoção da glândula mamaria, aponeurose
anterior do músculo grande peitoral e segmento cutâneo incluindo a cicatriz cirúrgica
da Biopsia, sem esvaziamento axilar (FRANCO, 1997, p. 212).
Mastectomia Ultrarradical: quando incidem na retirada da mama, músculos,
pequeno e grande peitoral, esvaziamento axilar radical e da cadeia mamaria interna
(FRANCO, 1997, p. 212).
Mastectomia Subcutânea: quando constitui a retirada da glândula mamaria,
conservando os músculos peitorais e suas aponeuroses pelo e complexo aureolo
papilar (FRANCO, 1997, p. 212).
Os tratamentos cirúrgicos geralmente ocorrem juntamente com tratamentos
clínicos, podendo ser por meio dequimioterapia, hormonioterapia e radioterapia.
2.7 Reconstrução Mamária
A cirurgia mamária é considerada também como um tratamento do câncer de
mama, sendo autorizada pelos convênios médicos e pelo SUS (Sistema Único de
Saúde), após a mulher ter passado pela retirada da mama nos casos de câncer nessa
área.
26
Um estudo feito por Daniela Barsotti Santos e Elisabeth Meloni Vieira 9 , da
Universidade de São Paulo (USP), campus Ribeirão Preto, mostra que mulheres que
foram submetidas à mastectomia podem fazer a reconstrução imediata da mama ou
algum tempo depois. A pesquisa também mostra que a reconstrução do seio pode ser
feita em mulheres que se submeteram a cirurgias conservadoras da mama, visando
corrigir alguma deformidade do seio, quando há a extração de grande parte dele.
Além disso, as autoras mostram que membros do sexo feminino submetidos à
mastectomia radical, sem reconstrução da mama, apresentam maiores índices de
insatisfação com a própria imagem corporal, juntamente com um descontentamento
pelo resultado estético da cirurgia, se comparadas às mulheres que fizeram outros
procedimentos cirúrgicos como tratamento.
Elas analisam ainda o impacto que a cirurgia mamária causa no cotidiano da
mulher com câncer na área, apontando um estudo feito para comparar as
mastectomizadas com outros grupos submetidos a diferentes cirurgias. O confronto
concluiu que mulheres mastectomizadas sem reconstrução mamária apresentaram
um desejo maior por uma nova cirurgia estética, quando comparadas àquelas que
fizeram cirurgias conservadoras, mesmo após um longo período de tempo.
Segundo o Hospital Sírio Libanês 10 , existem basicamente quatro tipos de
reconstrução mamária: utilização de retalhos com músculos e peles de outra região
(retalho micutâneo do reto abdominal – TRAM – e retalho micutâneo do grande
dorsal), implantes de próteses expansoras, implantes de silicone e próteses
expansivas com silicone.
Sobre o procedimento TRAM, Biazús, Melo&Zucatto (2012) afirmam:
O método de retalho miocutâneo do reto abdominal permite transferir
uma grande quantidade de tecido da região abdominal inferior para a
região anterior do tórax, reparando a perda de tecidos provocada por
uma mastectomia e permitindo modelar uma neomama. É a técnica
preferencial sempre que necessita repor grande volume ou perda
cutânea e sempre que o biótipo da paciente permitir. A longo prazo é
9
Disponível em http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n5/a21v16n5.pdf. Acesso em 20 de maio de 2015.
Disponível em www.hospitalsiriolibanes.org.br/hospital/especialidades/nucleomastologia/Paginas/reconstrucao-mamaria.aspx. Acesso em 20 de maio de 2015.
10
27
a técnica que apresenta os melhores resultados estéticos. (Bizaús,
Melo&Zucatto, 2012, p. 340)
Figura 5 - Reconstrução mamária do tipo TRAM (utilização de retalho micutâneo do reto abdominal).
A reconstrução pode ser feita imediatamente após a mastectomia ou algum
tempo depois. Essas decisões são tomadas em conjunto pelo médico oncologista,
cirurgião plástico e paciente. De acordo com o Hospital Sírio Libanês, a aréola e papila
não são refeitas na mesma cirurgia, já que nesse momento ocorreriam muitas
aberturas cirúrgicas na mama. Elas são reconstruídas posteriormente, com tatuagens,
enxertos de pele da raiz da coxa, tecido do lábio da vulva ou transferência de parte do
outro mamilo.
Ainda segundo o hospital, o processo de tratamento oncológico clínico não
sofre interferência com a reconstrução. Assim, a paciente pode continuar com o
tratamento clínico, seja ele quimioterápico ou radioterápico, quando necessário.
Entretanto, de acordo com a instituição, a radioterapia em mama reconstruída com
silicone aumenta um pouco a frequência de complicações, como endurecimentos,
retrações e assimetrias.
28
Capítulo 3 - O câncer de mama em Taubaté e São José dos Campos
Sabe-se que o câncer de mama feminino é a primeira causa de morte entre
mulheres. Em Taubaté e São José dos Campos, de acordo com o levantamento do
Inca, de 2010 a 2012, 204 mulheres morreram em decorrência da doença, sendo 133
em São José dos Campos e 71 em Taubaté.
Por isso, a doença e suas medidas profiláticas merecem atenção especial dos
órgãos de gestão de saúde. No entanto, durante essa pesquisa, encontramos um
cenário um tanto diferente.
As autoras deste projeto entraram em contato com o Ministério da Saúde,
Secretaria de Estado da Saúde, Inca e Secretarias Municipais. Em geral, foram
descobertos problemas como a ausência de dados sobre o número de mulheres em
tratamento da doença, a falta de verba e o descumprimento de leis.
Em Taubaté, a Secretaria Municipal de Saúde do município informou que não
tinha em plataforma digital os números de mulheres em tratamento. Segundo a pasta,
a digitalização dos dados só começou a ser feita em setembro de 2014. Desse modo,
só se tem as informações a partir desse ano, sendo impossível saber o cálculo anterior
para qualquer comparativo.
De acordo com os dados da Secretaria, de setembro de 2014 até março de
2015, em Taubaté, haviam 29 mulheres em tratamento contra o câncer de mama.
Isso demonstra um problema de gestão, que pode impactar, por exemplo, na
transferência da verba, já que o Ministério da Saúde repassa pelo SUS os valores
necessários para o tratamento em regionais.
Depois desta resposta, procurou-se a Secretaria de Estado da Saúde, já que
os dados de câncer têm que ser inseridos no Sismama (Sistema de Informação do
Câncer de Mama), para o cálculo da base nacional de pacientes com a enfermidade,
além dos acompanhamentos dos diagnósticos e das mulheres com exames alterados.
No âmbito estadual, foi informado que o Inca teria os dados regionalizados. Ao
ser questionada, a assessoria de imprensa da instituição respondeu que se tratando
29
de um órgão nacional, recebem os dados já compactados das Secretarias de Estado
da Saúde e, portanto, deveriam procurar o gestor local.
Inicialmente, a gestora estadual negou que tivesse os números, mas, posteriormente,
tendo encaminhado as respostas dos demais órgãos, respondeu que teriam que fazer
o levantamento. Por telefone, um dos assessores informou que talvez fosse
impossível por conta da falta de digitalização dos dados.
3.1 O problema da verba
Quando as autoras iniciaram as buscas por personagens para este projeto
encontraram inúmeras denúncias de demora no tratamento. Diante disso, apurou-se
o que poderia causar esse problema e constatou-se que o principal problema é a falta
de verba.
Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado da Saúde, de São
Paulo, em resposta à TV Vanguarda, emissora regional que produziu uma matéria
sobre a fila de espera para o tratamento do câncer, veiculada no dia 28 de abril de
2015, a falta de repasse de verba ministerial para o Estado gera dívidas em hospitais
da RMVale, como o GAAC, Pio XII, Frei Galvão, entre outros. Esse impacto no
orçamento faz com que as unidades médicas encaminhem os pacientes para o
Hospital Regional (HR) do Vale do Paraíba, localizado em Taubaté. Em 2014, o
Regional realizou cerca de 17 mil sessões de quimioterapia e 84 mil de radioterapia,
um total de 101 mil procedimentos para tratamento do câncer em geral. O valor é
maior do que o contratado pela unidade, que era de cerca de R$ 47 mil.
Com isso, o HR fechou 2014 com um estouro do teto financeiro do tratamento
oncológico de 230%. Segundo o Estado, o Governo Federal repassou R$ 7,6 milhões
para investimento oncológico na unidade e o investimento estadual ultrapassou a casa
dos R$ 24 milhões.
As autoras procuraram a Defensoria Pública do Estado de São Paulo e foram
informadas de que há uma denúncia no Ministério Público sobre o caso. Segundo o
defensor público de Taubaté, Warger Giron de La Torre, de janeiro a abril, a unidade
atendia cerca de quatro pessoas por dia com pedidos de ordem judicial para o início
30
de tratamento oncológico. O órgão foi a raiz do problema e pediu ao DRS
(Departamento Regional de Saúde) o raio-x do tratamento na região.
Giron descobriu que a unidade de tratamento oncológico do Regional, administrada
pela Fundação São Camilo, havia fechado as portas em janeiro por conta da falta de
verba. Sendo assim, a unidade deixava na fila de espera 600 pessoas. A unidade
ainda não foi reaberta, mas o Estado inclui os pacientes em espera na lista de
tratamento de unidades da grande São Paulo.
Além do HR, outra unidade que faz o tratamento do câncer de mama feminino
escolhida para a pesquisa é o Hospital Pio XII, de São José dos Campos. Segundo a
denúncia entregue ao Ministério Público, a unidade realizou 5,5 mil sessões de
quimioterapia, quando o teto era de 2,7 mil. Com isso, a unidade teve um estouro no
orçamento de mais de R$ 4 milhões. As autoras procuraram a assessoria de imprensa
do hospital para saber as consequências do estouro, mas foram aconselhadas a
procurarem a Secretaria Municipal de Saúde. O contato foi feito no dia 25 de maio de
2015, mas até o fechamento deste projeto não houve retorno.
De acordo com a nota enviada para a emissora de TV, o Ministério da Saúde
informou que os municípios de Taubaté, Jacareí, São José dos Campos e
Guaratinguetá receberam em 2014, R$ 43,2 milhões para o custeio de cerca de 242
mil procedimentos oncológicos, entre radioterapia, quimioterapia e cirurgia
oncológica. O recurso foi 20% maior do que em 2012, quando foram repassados R$
36 milhões para a realização de, aproximadamente, 206 mil tratamentos. Nos quatro
municípios, os atendimentos são realizados por sete hospitais habilitados em
atendimento oncológico. Em 2014, o Estado de São Paulo recebeu R$ 668,5 milhões
para o pagamento de procedimentos contra o câncer, representando aumento de 20%
em relação ao valor de 2012, que foi de R$ 556,8 milhões.
As autoras tiveram dificuldade no que diz respeito ao levantamento dos dados
e respostas às denúncias junto aos órgãos nas esferas municipal, estadual e federal.
Apesar de serem informações públicas, não se sabe qual é a realidade deste setor,
uma vez que as fontes principais não se manifestaram ainda para esclarecer esses
questionamentos – barreira característica dos Poderes Públicos.
31
Vale ressaltar que essas informações são fundamentais, pois geram um efeito
dominó. A falta de verba fecha leitos e reduz sessões, deixando pacientes na fila de
espera além do permitido pela lei 12.732/2012, que estipula limite máximo de 60 dias
para o início do tratamento, a ser contato a partir do diagnóstico (leia mais sobre tais
leis no Capítulo 5), ocasionando a morte de doentes oncológicos.
3.2 A lei dos repasses
Para compreender melhor como funciona o repasse da gestão da verba
enviada aos municípios é preciso saber que não há um montante enviado pelo
Governo Federal ao Governo Estadual apenas para o tratamento do câncer. A doença
faz, hoje, parte do programa Assistência Hospitalar e Ambulatorial Especializada, o
qual abrange pacientes de outras doenças.
Com esse projeto, o Governo Federal designa um número variável de verba a
cada ano, levando em consideração os dados de procedimentos e pacientes dos
Sistemas de Informações Ambulatoriais (SAI/SUS) e do Sistema de Informações
Hospitalares (SIH/SUS), além de discussões das Comissões Intergestoras Bipartide
(CIB) e Comissão IntergestoresTripartide. (CIT). (FAVERO, 2009, p. 21)
Após o levantamento, o Governo Federal limita um teto, ou seja, o valor limite
de verba da saúde destinado ao tratamento de doenças dentro do grupo MAC (Média
e Alta Periculosidade). O valor é repassado para os Estados conforme a necessidade
apontada e os gestores estaduais designam os valores a serem repassados para cada
município e hospital.
O teto está livre para a consulta pelo site do Ministério da Saúde11. Segundo os
dados disponíveis, no ano de 2014, o montante para o Estado de São Paulo foi de R$
4,1 bilhões.
Segundo a resposta do Governo Federal para a produção de jornalismo da TV
Vanguarda, no dia 24 de abril de 2015, as Comissões Intergestoras Bipartide (CIB) se
reuniram para discussão do estudo de um novo teto para o estado paulista.
11Em
http://sismac.saude.gov.br/. Acessado em 18 de maio de 2015.
32
Capítulo 4 - O fator psicológico
Tratar o câncer não se restringe apenas ao combate ao tumor que atinge uma
área específica. O tratamento se expande para um todo, pois o diagnóstico da doença
afeta desde a mente até o entorno do paciente. A busca não é só pela cura, mas
também pela qualidade de vida. Essa expansão é necessária para auxiliar o paciente
e para garantir a maior eficácia do tratamento aplicado (Gimenes, 1998).
O câncer de mama feminino, além dos impactos da doença em si, gera os
questionamentos acerca da autoimagem e do gênero. Segundo Quintana, Santos,
Russowsky & Wolff (1999) o seio é a representação cultural da feminilidade,
sexualidade e maternidade da mulher. Qualquer mudança –desde a retirada do tumor
ou a mastectomia total–toca a identidade feminina. Compreender essa interpretação
é importante para o tratamento no plano geral.
O câncer de mama e seu tratamento interferem na identidade
feminina, levando, geralmente, a sentimentos de baixa autoestima, de
inferioridade e medo de rejeição do parceiro. Ao afastarem-se do ideal
de mulher, as doentes de câncer de mama julgam-se incapazes de
poder gratificar e proporcionar experiências positivas, tanto a seus
companheiros
quanto
a
seus
filhos
(QUINTANA,
SANTOS,
RUSSOWSKY &WOLFF, 1999, p. 45-52).
Durante o tratamento, é comum que a distorção da autoimagem gere
dificuldades no desenvolvimento das relações familiar e sexual com parceiros. Esses
distúrbios estão relacionados a sintomas psicológicos, como a ansiedade e a baixa
autoestima (BARROS, 2008). Para isso, a psicologia designa uma área específica de
acompanhamento às pacientes, aos parceiros e aos familiares no enfrentamento da
doença: a psico-oncologia.
Segundo Costa, a área pode ser descrita como:
Campo interdisciplinar da saúde que estuda a influência de fatores
psicológicos sobre o desenvolvimento, o tratamento e a reabilitação
de pacientes com câncer. Entre os principais objetivos da psicooncologia está a identificação de variáveis psicossociais e contextos
ambientais em que a intervenção psicológica possa auxiliar o processo
33
de
enfrentamento
da
doença,
incluindo
quaisquer
situações
potencialmente estressantes a que pacientes e familiares são
submetidos (COSTA, 2001, p. 36-43).
O acompanhamento também é importante durante o processo psicológico
posterior. Conforme as indicações do Inca mostram, as chances de sobrevivência são
de 80%, sendo assim esse número de sobreviventes precisam de acompanhamento
para garantir o efetivo sucesso do tratamento, a garantia da qualidade de vida pós
câncer (BARROS, 2008, p. 40).
Além da assistência individual, o
instituto indica que a equipe médica
encaminhe a paciente para participação de grupos de apoio. O compartilhamento das
informações, a identificação de possíveis conflitos pessoais e a aprendizagem
interpessoal são necessidades, e a eficácia desse tipo de acompanhamento é
fundamental (MELLO, 2000, p. 435).
Como já citado, por diversas vezes a doença é diagnosticada de forma tardia,
o que dificulta a busca por possibilidades de combate e acaba por decretar sentenças
ao paciente. As etapas finais do paciente exigem cuidados específicos, definidos
como paliativos.
De acordo com o Inca, trabalhos paliativos específicos são requeridos ao
enfermo nas últimas semanas ou nos últimos seis meses de vida, quando se torna
claro que ele está em estado progressivo de declínio12.
O objetivo dessa etapa é prolongar a qualidade de vida, muito além da
manutenção desta. Entre as recomendações do Instituto, está o processo de não
retardar a morte e entendê-la como um ciclo natural da vida13.
12Em
13Em
< http://www1.inca.gov.br/conteudo_view.asp?ID=474>. Acesso em 4 de maio de 2015
< http://www1.inca.gov.br/conteudo_view.asp?ID=474>. Acesso em 4 de maio de 2015
34
Capítulo 5 - Direitos do paciente com câncer
5.1 Direitos gerais
Receber o diagnóstico de uma doença grave gera um impacto sem precedentes
na vida da pessoa e daqueles que convivem com ela, como familiares e amigos. O
primeiro reflexo é a busca por uma forma de cura e as preocupações sobre o
tratamento.
É garantido a todo o cidadão o direito à saúde, de forma gratuita e igualitária,
por meio da Constituição Federal de 1988:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação
(Constituição Federal de 1988, artigo 196).
Desse modo, o tratamento em todas as etapas deve ser acessível e gratuito
pelo SUS. Levando em consideração que o câncer está no guia de doenças crônicas
do Ministério da Saúde14, exige-se acompanhamento imediato. No entanto, sabe-se
que esse sistema muitas vezes é lento por conta do grande número de pacientes.
A Câmara dos Deputados criou em 2012 a lei 12.732, que obriga o Estado a
garantir ao doente oncológico o início do tratamento em, no máximo, 60 dias.
O paciente com neoplasia maligna tem direito de se submeter ao
primeiro tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS), no prazo de
até 60 (sessenta) dias contados a partir do dia em que for firmado o
diagnóstico em laudo patológico ou em prazo menor, conforme a
necessidade terapêutica do caso registrada em prontuário único (Lei
12732/2012; artigo 2º).
14
Em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt0874_16_05_2013.html. Acesso em 17
de maio de 2015.
35
Esta diretriz inclui não somente procedimentos cirúrgicos ou radioterapia e
quimioterapia, mas também medicamentos, os quais devem ser distribuídos
gratuitamente pelo SUS.
A criação de leis que regem o tratamento para doentes oncológicos é um sinal
de que o acesso não é simples – como exige a Constituição Federal –, mas demanda
uma incansável espera. A luta passa a ser contra o tempo. Em entrevista para as
autoras, o defensor público de Taubaté, Vagner Giron, afirmou que cerca de 600
pessoas com câncer – dos mais diversos tipos – procuraram o órgão para exigir o
cumprimento da Lei 12.732, em resultado da demora na espera pelo início do
tratamento.
5.2 Direitos da paciente com câncer de mama
Entre os tratamentos aplicados às pacientes com câncer de mama, está a
mastectomia. Apesar de tratar da retirada do seio, a cirurgia pode ser parcial ou
completa.
A mulher que passa por esse procedimento cirúrgico tem de imediato a
mudança em sua autoimagem, já que a mama é o símbolo universal da feminilidade,
sexualidade e maternidade. Como já citado neste estudo acadêmico, os impactos
psicológicos estão diretamente ligados ao sucesso do tratamento da doença.
Desde 1999, o Estado é obrigado a fazer a reconstrução mamária pósmastectomia. A lei foi sancionada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,
mas, em 2013, foram incluídos outros dois parágrafos que tratam sobre o período em
que a reconstrução deve ser feita.
Segundo a lei 9.797, de 6 de maio de 1999, cabe ao SUS, por meio de sua rede
de unidades públicas ou conveniadas, prestar o serviço de cirurgia plástica de
reconstrução mamária, conforme o art. 1º, utilizando-se de todos os meios e técnicas
necessárias.
Esse regimento não previa, no entanto, o momento em que a cirurgia poderia
ser feita, o que acarretava na demora para a realização do procedimento. Em 2013,
36
com a Lei 12.802, foram acrescentados outros dois parágrafos para sanar essa
brecha. O primeiro trecho diz que, quando existirem condições técnicas, o
procedimento será efetuado no mesmo tempo cirúrgico. Já a última parte ressalta que,
no caso de impossibilidade de reconstrução imediata, a paciente será encaminhada
para acompanhamento e terá garantida a realização da cirurgia assim que atingir as
condições necessárias.
Segundo o Inca, em 2012 o valor investido para esse tipo de cirurgia pelo SUS
foi de R$ 1,1 milhão15, para a realização de 1.934 cirurgias reparadoras. Não há dados
regionalizados sobre esse procedimento, mas sabe-se que, de acordo com o Datasus
– sistema que reúne todos os procedimentos feitos pelo SUS –, de janeiro a março de
2015, 262 mulheres fizeram a cirurgia de reconstrução mamária em toda a região
sudeste do país.
15Em
http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/agencianoticias/site/home/noticias/2013/reconstrucao_imed
iata_mama_em_caso_cancer_sancionada_presidente_dilma. Acessado em 17 de janeiro de 2015.
37
Capítulo 6 – O livro-reportagem
6.1 Escolha do livro-reportagem
O câncer de mama feminino não é uma temática nova no jornalismo, muito se
fala sobre a doença e sobre as campanhas de prevenção. O que instiga a ir além do
que as matérias oferecem é a observação do número de casos existentes e de fatores
que circundam a doença, o tratamento e a autoimagem da mulher que passa por este
processo.
Observando os 370 mil resultados encontrados na pesquisa pelas palavraschave ‘câncer de mama feminino’ e ‘reportagem’ em um buscador da internet,
percebe-se que são inúmeras as abordagens, mas são desligadas, ou seja, não estão
na mesma reportagem, o que não traz ao leitor uma compreensão ampla do assunto.
Isso é uma característica do jornalismo diário, que depende do espaço do dia.
Sendo assim, voltam-se os olhares para outro formato: o livro-reportagem. A
ideia deste Projeto Experimental é trazer as informações para além dos números. Mais
do que as porcentagens e estimativas apresentadas nas reportagens, esses dados
são mulheres. A apresentação desta forma permitiria o olhar humano sobre o assunto,
além das questões do lead, como o que, quem, quando, como, onde e por quê.
O conceito é muito mais amplo. Significa potencializar os recursos do
jornalismo, ultrapassar os limites dos acontecimentos cotidianos, proporcionar visões
amplas da realidade, exercer plenamente a cidadania, romper as correntes
burocráticas do lead, evitar os definidores primários e, principalmente, garantir
perenidade e profundidade aos relatos (PENA, 2007, p. 13). Lima (2004) define o livroreportagem como:
A extensão da função informativa e orientativa do jornalismo impresso
cotidiano uma vez que cobre vazios deixados pela imprensa, e amplia,
para o leitor, a compreensão da realidade. Essa complementação não
deve ser entendida no sentido estrito dos fatos isolados do cotidiano,
mas sim no sentido mais amplo da leitura da contemporaneidade
(LIMA, 2004, p.52).
38
Com isso, além dos ganchos e abordagens feitas no jornalismo diário, o livroreportagem permitiria a compreensão sobre a doença e todos os aspectos que influem
sobre o número de casos.
Essa modalidade pode assumir diferentes aspectos, variando de acordo com a
temática abordada e com os objetivos dos autores. Lima (2004) identificou 13 subtipos
de livro-reportagem. São eles: perfil, depoimento, retrato, ciência, ambiente, história,
consciência, imediato, atualidade, antologia, denúncia, ensaio e viagem.
Buscou-se o que melhor encaixasse com os objetivos das autoras e com o
tema. Neste caso, escolheu-se trabalhar com o modelo livro-reportagem de perfil, que
permite a aproximação do assunto por meio do reconhecimento da situação humana
abordada.
Lima (2004) define o livro-reportagem de perfil como:
Uma obra que procura evidenciar o lado humano de uma
personalidade pública ou de uma personagem anônima que, por
algum motivo, torna-se de interesse. No primeiro caso, trata-se em
geral, de uma figura olimpiana. No segundo momento, a pessoa
geralmente representa, por suas características e circunstâncias de
vida, um determinado grupo social passando como que a personificar
a realidade do grupo em questão (LIMA, 2004, p. 52).
Após a escolha, definiu-se que cada capítulo traria uma etapa da doença,
sendo tratada por meio do personagem, como define o subtipo. No entanto, eles
seriam compostos por grandes reportagens.
6.2 A grande reportagem impressa
Para trabalhar a temática, escolheram-se etapas essenciais, como o
diagnóstico da doença, o tratamento – que varia entre a quimioterapia, radioterapia e
mastectomia –, a mudança cotidiana com os impactos deste tratamento e a evolução
do quadro clínico. Cada uma destas etapas ilustraria um capítulo por meio da grande
reportagem.
39
Esta forma de reportagem diferencia-se de notícia no quesito profundidade, que
para Lima (2004), divide-se em dois aspectos: extensivo e intensivo. O primeiro amplia
o conhecimento do leitor sobre o tema por meio de dados e o segundo o faz de forma
qualitativa, com os efeitos, causas, consequências e desdobramentos da temática
trabalhada.
Segundo Pessa (2009), a prática da grande reportagem “possibilita um
mergulho de fôlego nos fatos e em seu contexto e oferece ao seu autor uma dose
ponderável de liberdade para superar os padrões e fórmulas convencionais do
tratamento da notícia”. Desta forma, suprindo os objetivos deste trabalho.
6.3 Histórias de vida
Não se sabe ao certo quando o gênero História de Vida foi usado pela primeira
vez na comunicação, mas uma hipótese de seu início é na publicação da revista norteamericana The New Yorker, com uma publicação da repórter Lillian Ross, que fez o
perfil do jornalista e escritor Ernest Hemingway.
A história de vida é um instrumento de investigação científica originário das
ciências históricas, da sociedade e da psicologia, segundo Jorge Pedro (2006, p. 735).
A forma permite que um fato seja explorado segundo a visão e experiência de vida do
personagem.
Segundo Jorge Pedro, os métodos dentro de História de Vida são a história
oral, a sociobiografia – as relações de comunicação nos grupos sociais –, e a
psicobiografia. Na realização deste projeto acadêmico, utilizamos a história oral para
contar momentos da vida de personagens que foram vítimas do câncer de mama.
Lima atrela o método de pesquisa ao formato de perfil no jornalismo:
No meu entender, os perfis são uma espécie de história de vida cuja
proposta é desenhar o retrato de um momento selecionado, atual, do
protagonista. Naturalmente, elementos do passado surgem aqui e ali
para contextualizar o presente, tal como esboços do futuro aparecem,
ocasionalmente. (LIMA, 2002, p. 100)
40
Segundo ele, essa relação entre história de vida e perfil acontece uma vez que
as histórias de vida são narrativas centradas em indivíduos ou grupos sociais, cujo
objetivo é elucidar situações e questões bem demarcadas, prioritariamente
interessadas em focalizar a participação humana no desenrolar da história
contemporânea em movimento.
Lima diz ainda, em seu artigo Histórias de Vida em Jornalismo Literário
Avançado, que:
Faz parte do ideário do jornalismo uma desejável busca pela
humanização. Em nenhum outro espaço do universo de possibilidades
esse ideal é melhor cultivado do que no perfil, matéria de caráter
biográfico que retrata concisamente momentos de uma vida, por meio
de entrevistas, descrições, narrações de episódios marcantes.
(Comunicarte, v. 19, n 0 25, Campinas – SP, PUC-CLC, 2002).
Assim, ele entende que uma história de vida bem mapeada permite não só
ampliar a visão de mundo do entrevistado, mas que a semelhança dos fatos entre o
entrevistado e o leitor permite aumentar a consciência deste.
E foi pensando nessa ampliação de visão de mundo que em nosso projeto de
um livro-reportagem sobre câncer de mama escolhemos a modalidade perfil com
histórias de vida. Assim, atingimos nosso objetivo de fazer com que as mulheres
ampliem sua visão sobre a doença e possam ser mais informadas sobre o diagnóstico
precoce. Além disso, aquelas que já foram diagnosticadas com a doença podem
encontrar nessas páginas uma semelhança nas suas histórias, uma forma de não
deixá-las sozinhas neste momento de suas vidas.
No jornalismo contemporâneo, esses relatos podem acontecer em 1ª ou 3ª
pessoa, sendo que, no caso de ser uma narrativa em 3ª pessoa, é utilizado um
narrador onisciente, que possuirá conhecimento da história, por meio de entrevistas
com o seu personagem.
No livro-reportagem ‘Ponto e Vírgula’, as histórias são narradas por um
narrador onisciente, assim essas personagens contaram suas histórias às autoras que
puderam ter conhecimento de uma fase de sua vida para que pudessem colocá-las
dentro dos capítulos deste livro.
41
É importante ressaltar que, nestes casos, uma ferramenta bastante importante
é a documentação, mesmo que ela não seja utilizada integralmente no conteúdo
publicado. É preciso olhar documentos e saber todas as minúcias da história de vida
para que o autor entre na vida do personagem para escrever sua história da forma
mais real possível, montando um contexto social e histórico da história de vida.
6.4 Jornada do Herói
Segundo Lima, no artigo Histórias de Vida em Jornalismo Literário Avançado16,
quando se fala em história de vida, uma característica fundamental é a incorporação
de elementos da Jornada do Herói, que é uma classificação idealizada pelo mitólogo
norte-americano Joseph Campbell, no final dos anos 1940, que traz uma estrutura
narrativa mítica e que começou a ser desenvolvida pelos estúdios da Disney nos anos
1980.
O idealizador, Joseph Campbell, lançou um livro chamado “O herói de mil
faces”, que teve sua primeira publicação em 1949 após muitos estudos sobre as
estruturas dos mitos, lendas e fábulas. Ao observar essas narrativas, Campbell
percebeu algo em comum nas histórias: todas tinham um herói e a história girava em
torno das atitudes deste personagem. Por isso, a estrutura passou a ser chamada de
Jornada do Herói, que nem sempre significava que este herói era um ser humano.
Esses heróis poderiam ser grupo de pessoas, animais ou figuras mitológicas.
Apesar de ter o nome “herói”, este tipo de escrita não é restrito a
personalidades. Ele abrange também pessoas comuns, como as histórias que
estamos contando dentro do livro-reportagem ‘Ponto e Vírgula’. Assim, valoriza-se a
história oral, para dar voz aos anônimos.
No caso do livro-reportagem ‘Ponto e Vírgula: histórias de vida com o câncer de
mama’, os heróis são seres humanos que estão concentrados em um grupo de
16
http://www.edvaldopereiralima.com.br/index.php/jornalismo-literario/pos-graduacao/memoria-portalabjl/179-historias-de-vida-em-jornalismo-literario-avancado Acesso em 5 de novembro de 2015.
42
pessoas, cujas atitudes levam à luta contra uma doença muito forte e comum entre as
mulheres.
Entendemos que a comunicação é feita para seres humanos, no nosso caso as
mulheres que podem vir a ser diagnosticadas com o câncer ou também aquelas que
já foram diagnosticadas. Por isso, as narrativas foram centradas nas histórias dessas
personagens que já tiveram um contato real com a doença, mostrando seu caráter
psicológico e sua luta, para que a humanização seja explorada a fim de atingir um
público em potencial.
A hipótese é de que a Jornada do Herói e a Biografia Humana, adaptadas ao
universo de comunicação social, sejam um caminho possível para nortear a produção
de textos envolventes que deem satisfação tanto às autoras, pela qualidade obtida
com o trabalho, quanto aos leitores, pela amplitude e fruição do texto.
Por isso, a ligação das histórias de vida com a Jornada do Herói acontece
porque as histórias humanas são muito valiosas e sagradas. De acordo com Martinez:
A questão das histórias humanas como “altamente preciosas”,
sagradas no sentido de serem profundas e dignas de respeito,
“exemplares e significativas”, nos conduz ao que o mitólogo norteamericano Joseph Campbell define como a função pedagógica do
mito. Por extensão, permite ao leitor que imerge na história de vida de
um indivíduo relacioná-la à própria trajetória, tirando ensinamentos
que pode utilizar em sua própria existência. Neste cenário, propostas
como a Jornada do Herói facilitam a compreensão dos estágios da
vida, como a passagem da infância para a maturidade, da vida de
solteiro para a de casado, enfim, da mudança dos diversos papéis que
levam o indivíduo a assumir novas funções sociais, fornecendo
exemplos práticos para que o leitor tire conclusões que o ajudem a
refletir sobre sua própria vida. (MARTINEZ, 2008, p. 39).
No caso do projeto do livro-reportagem ‘Ponto e Vírgula’, a ideia é facilitar a
compreensão de mulheres que passam pela luta contra o câncer de mama e, ao
mesmo tempo, facilitar a compreensão de todas as mulheres para a importância do
diagnóstico precoce desta doença, fazendo com que elas façam uma reflexão de suas
vidas.
43
No Brasil, Edvaldo Pereira Lima foi o pioneiro nesta modalidade. Ao estudar
este novo gênero, ele percebeu um potencial na Jornada do Herói como possível
ferramenta para a construção de histórias de vida de pessoas reais e, assim, agregou
essa estrutura narrativa mítica à sua proposta de jornalismo literário avançado.
Ele ressalta que um dos diferenciais dessa metodologia é trazer à tona os
elementos da trajetória humana que muitas vezes não estão visíveis tão facilmente na
sociedade.
Para ele, as etapas da construção das histórias de vida são:
1ª etapa: cotidiano – apresentação do mundo comum.
2ª etapa: chamada à aventura – momento de ruptura e de repensar nos valores
e crenças.
3ª etapa: recusa – quando o herói hesita em aceitar ou recusar ao chamado.
4ª etapa: desafios.
5ª etapa: caverna profunda – quando o herói está próximo ao momento mais
crítico, que é o momento da provação.
6ª etapa: testes.
7ª etapa: recompensa.
8ª etapa: retorno - após sua experiência de vida, o personagem retorna ao
mundo cotidiano.
44
Capítulo 7 – A produção do livro-reportagem
7.1 Capítulos e entrevistas
Para a construção deste livro pensamos nas etapas da doença para a divisão
de capítulos, contando o ciclo por meio da vida do personagem. Consultamos médicos
e dividimos a doença em seis etapas, criando as pautas.
Dividimos o livro em sete capítulos, que são: descoberta, tratamento,
mastectomia, reconstrução, recidiva e morte. O último capítulo fala sobre a visão das
autoras ao passar esses doze meses estudando a doença e os casos de mulheres
vítimas da doença.
O primeiro passo foi entender a doença e essas etapas. Existe mais de um tipo
de câncer de mama e mais de um tipo de tratamento e forma de recidiva. Foram cerca
de seis meses de estudo do objeto para que então fossemos a campo, sabendo por
onde estávamos passando.
Primeiramente, tentamos entender a realidade do câncer nas duas cidades de
estudo: Taubaté e São José dos Campos. Em São José encontramos a saúde pública
em boas condições de atendimento. No entanto, em Taubaté, o principal hospital da
cidade, Hospital Regional, foi fechado. A falta de verba o impossibilitou de continuar
operando. Durante cerca de seis meses, 600 pessoas ficaram na fila de espera, sem
respostas.
Depois da cobrança das autoridade políticas, a unidade foi incluída na rede
Hebe Camargo, que possibilita um outro pacote de verbas. O hospital permaneceu
fechado, mas os pacientes foram transferidos para hospitais da grande São Paulo.
Durante esta etapa da pesquisa, encontramos inúmeros obstáculos. Apesar da
lei da transparência, não é fácil fazer a leitura dos microdados e entender cada termo
especificado na área da saúde. Foram semanas compilando dados até conseguirmos
os valores destinados. Tentamos o acesso pela imprensa dos órgãos públicos, alguns
nos atenderam, apesar de não fornecerem todas as informações, como a Secretaria
Estadual de Saúde. Outros, como o Ministério da Saúde, barrou qualquer informação
por tratar-se de um estudo acadêmico e não de um veículo.
45
A maior parte das informações foi compilada de sites como o portal da
transparência e do banco de dados do ministério, o Dada Sus. As notas foram
disponibilizadas pela TV Vanguarda, que cobriu o impasse entre o governo estadual
e federal que impactava a saúde em Taubaté. As pedras que encontramos no caminho
motivaram ainda mais o andamento do estudo em questão.
Depois, decidimos que tema de forma humanizada. Durante nossa pesquisa,
vimos muitas planilhas, números cheios de casas e vírgulas, termos clínicos.
Queríamos apresentar o câncer além disso. Quem eram esses números? A ideia era
trazer histórias de pessoas que teriam como pano de fundo a doença. O jornalista
Jorge Kanehide Ijuim (2012, p. 133) diz que:
O jornalismo humanizado produz narrativas em que o ser humano é o ponto de
partida e de chegada, o que supõe que este fazer começa antes da pauta, na
consciência do ser jornalista. No trabalho de apuração, busca versões
verdadeiras e não, necessariamente, produz a verdade, pois o repórter não se
relaciona com um objeto, mas com outros seres humanos envolvidos no
processo comunicativo. Dessa forma, sua busca envolve a compreensão das
ações dos sujeitos da comunicação – é a expressão dos sentidos da
consciência. Na procura da essência dos fenômenos, atribui-lhe significados,
os sentidos, para proporcionar ao público, mais que a explicação, a
compreensão das ações humanas.
O câncer de mama é uma doença recorrente, então não são poucas as
mulheres que já passaram por isso. Precisávamos de mulheres que fossem além do
câncer, que tivessem histórias que tocassem e fossem abertas para conta-las.
A seleção foi feita por anúncio nas redes sociais e indicações de médicos.
Ouvimos as histórias e selecionamos as personagens de acordo com a abertura que
nos deram e com a etapa que queríamos mostrar.
Podemos dizer que essa foi a etapa mais difícil. Essas mulheres estavam
frágeis, muitas ainda em tratamento e, apesar de procurarmos as com maior abertura,
no momento da entrevista ocultavam detalhes, algumas não queriam falar de seus
relacionamentos durante a doença, outras do tratamento em si e tivemos que nos abrir
para elas para ganhar sua confiança.
46
Uma das mulheres nos recebeu, mas respondia seco, sempre com respostas
curtas e repetitivas. Insistimos na entrevista, a encontramos por mais de uma vez,
mas não pudemos usar o material. Outras foram tão abertas que nos contaram para
além da doença, emprestaram nosso ouvido e ombro e comentavam pela primeira
vez, em riqueza de detalhes, o que havia ocorrido.
Sabendo da sensibilidade do tema, da situação dessas pessoas, tomamos
cuidado com os discursos. O processo de apuração nesses casos precisa ser
cuidadoso, para que não quebre a relação de confiança com o paciente, mas que
também não prejudicasse o teor jornalístico do material. Assim, entrevistamos filhos,
maridos, amigos e algumas vezes seus médicos para confirmar tudo o que nos era
contado.
Nós não usamos pautas prontas, que nos norteassem para qualquer padrão.
Sabíamos que as histórias seriam diferentes e nós queríamos que elas falassem.
Fazíamos poucas perguntas abertas e eram elas que nos levavam conforme seu fio
de história. A apuração em campo nos mostrou quais eram as defasagens sobre o
assunto. O que essas mulheres não sabiam? O que elas queriam saber? O que
deixavam de lição? Esses pontos nos mostraram o que precisávamos ter no material.
Elas é que costuraram o livro.
Logo no início, decidimos que faríamos todas as entrevistas pessoalmente.
Sabíamos que isso nos exigiria mais tempo e jogo de cintura, mas queríamos isso
para nos aproximar das histórias. Ouvir além do que elas podiam dizer. A jornalista
Eliane Brum explica essa diferença em entrevista para a revista Em Questão (2011,
p.310):
Outra confusão que eu acho que se faz, hoje, no jornalismo, é que as pessoas
confundem falar com dizer. Em geral, como se faz muita matéria por telefone,
por e-mail, a reportagem acaba virando uma sequência de aspas. E não é isso.
Quando a pessoa fala, ela fala também com o seu corpo, fala com o seu olhar,
fala com os seus gestos, fala com um monte de coisas. A realidade é complexa.
E quando ela para de falar, ela não parou de dizer. Ela continua dizendo com
o seu silêncio. Ela continua dizendo quando ela hesita. Ela continua dizendo
quando ela gagueja. Ela continua dizendo quando ela não consegue falar.
47
Além disso, optamos por utilizar o método histórias de vida para colocarmos
em prática este projeto. Isso porque esse gênero do jornalismo literário permite que o
autor explore de forma mais humanizada o tema a ser discutido, aproximando-o de
seu leitor, a partir das semelhanças que ele tem com os personagens e fazendo,
então, com que ele repense sua maneira de viver, aumentando sua consciência sobre
o tema abordado e ampliando assim sua visão de mundo.
Edvaldo Pereira Lima, em seu artigo Histórias de Vida em Jornalismo Literário
Avançado (Comunicarte, v. 19, nº 25, Campinas – SP, PUC-CLC, 2002), diz que:
O perfil [elemento utilizado para construir as histórias de vida e valorizado em
nosso livro-reportagem], o jornalismo literário e livro-reportagem são três
ingredientes de uma constelação diferenciada do universo jornalístico.
Estendem o papel da mídia tradicional, complementam, noutra direção, as
funções do jornalismo, enquanto sistema moderno de expressão pública do
conhecimento contemporâneo. Permitem um aprofundamento impossível ou
difícil de ser concretizado nas formas tradicionais.
Assim, seguindo essas técnicas, abrimos o nosso livro-reportagem com um
capítulo com a médica Yasmim Shukair. Inicialmente queríamos alguém que havia
acabado de descobrir a doença, mas pela sensibilidade do momento fomos
procurando outras opções até que encontramos a cirurgiã. Com mais de 30 anos de
trabalho na área, ela já descobriu o câncer de inúmeras mulheres. Carrega consigo,
como ela mesma diz, o peso de bater o martelo do câncer e começar uma nova
história para a paciente.
Como médica, era cuidadosa com o que dizia e com o que os pacientes
interpretariam dela. Foram cinco encontros até o texto final.
Depois dela, Ana Maria. A escolhemos para falar de mastectomia e estávamos
cuidadosas por conta da entrevista com Yasmim e nos preparávamos para uma
sessão de encontros até que ela se abrisse. Já abriu a porta de casa sorrindo, nos
mostrando tudo, contando tudo. Para a nossa surpresa, foram cerca de três horas
para que ela nos desse sua história.
Apesar disso, foi a entrevista mais difícil. Ainda debilitada com a separação do
marido, chorou em vários momentos, desabafou. Era uma sequência de momentos
48
de silêncio da fala, mas em que ela se fazia falar. Tivemos que tomar todo o cuidado
na hora de contar sobre o rompimento. Conversamos com uma psicóloga que nos
direcionou para não transgredir o que Ana já havia caminhado em sua etapa de
superação.
Para o terceiro capítulo, foi feita uma entrevista presencial com Lélia Ramos. A
entrevista aconteceu de maneira tranquila e descontraída. Com um alto astral e total
disposição, Lélia contou toda sua trajetória com o câncer de mama, sem derrubar
nenhuma lágrima. Ao ser questionada pelos momentos delicados que passou, ela
contava, com sorriso no rosto, como havia ultrapassado a fase mais crítica.
Carla é uma mulher nova. Fugiu à regra das demais entrevistadas, todas dentro
da idade de risco. Ela descobriu o câncer de mama aos 24 anos. Foi indicada pela
sua médica, também nossa personagem, Yasmin. Nosso foco com ela era falar sobre
a reconstrução e o fator psicológico dentro do câncer.
Coloca na conta da depressão seu câncer precoce. Em meio a juventude,
decidindo carreira, em busca de trabalho, e vivendo um relacionamento abusivo, para
ela, a mistura dos ingredientes é que lhe trouxe o diagnóstico. Sua médica não
discorda, ela não tomava remédios que influenciassem o surgimento; não tinha casos
na família e o exame genético não apontou nada.
Entrevistamos sua psicóloga, especialista em câncer. Cíntia de Oliveira Martins
sabe do câncer o que aprendeu na academia e o que a vida ensinou. Teve câncer
duas vezes, um linfoma não-rodkins. Para ela, o caso de Carla é aquele que coloca a
psicologia a se questionar quem vem primeiro: o câncer ou a depressão? Mas nos
mostrou em linhas bem explicadas, o quanto a psicologia, apesar de não ganhar os
holofotes dentro do tratamento contra o câncer, é importante para a recuperação do
paciente.
Sobre recidiva, escolhemos Maria Aparecida. Uma senhora de espírito jovem.
Foram cinco horas de conversa. Abriu-nos sua vida em um livro. Carrega com ela um
caderno que conta todas as etapas da doença, desde quando ela descobriu o câncer.
Suas dúvidas, medos e poesias. Dizia a todo tempo que era um prazer falar para nós,
afinal, seu sonho era ver sua vida em páginas. O caderno já estava gasto, o livro seria
novo.
49
Quase no final do trabalho, achamos que o método do ouvir seria quebrado por
uma experiência diferente. Decidimos que teríamos que falar de morte. Foi difícil
encontrar alguém que estivesse disposto a contar até que encontramos Fernanda. A
mãe morreu quando ela era ainda criança e sua história era baseada no pouco que
se lembrava da vivência e nas histórias da família. Apesar das poucas opções, essa
era a história que queríamos para esse momento. Ia além da dor da perda.
O problema inicial era que ela não queria falar sobre isso, ela queria escrever
sua própria história. Queria nos dar suas linhas para que nós a costurássemos às
nossas. E foi assim. Nosso primeiro contato com ela foi com uma questão básica:
queríamos saber quem era a mãe dela. Ela nos respondeu com um texto de quatro
páginas. Depois disso, fomos trocando mensagens até que ela aceitou conversar
pessoalmente. Sua entrevista é a única que traz além das falas ditas, as escritas.
Depois de todas as entrevistas, o primeiro obstáculo que encontramos para o
início dos textos eram os termos. Acostumadas a muitos médicos, especialistas, as
mulheres nos falavam muitas vezes em termos técnicos. Nesse momento
encontramos médicos que se transformaram em nossos parceiros para traduzir a
doença de forma simples. Precisávamos que qualquer um que lesse, entendesse o
conteúdo. A ideia era exatamente essa, para a mulher que passa pela doença o livro
traria exemplos de apoio, mas a ajudaria a entender os processos de forma simples.
Isso não mudou os discursos delas. Mantivemos cada palavra dita.
Para que o material tivesse o impacto que queríamos, ele precisava ser
acessível. Por isso, decidimos usar uma plataforma de Crowdfunding, termo em inglês
para financiamento coletivo. Usamos o site Vakinha para arrecadar verba para a
impressão de cem unidades do livro, que seria entregue gratuitamente em hospitais e
centros de tratamento e apoio ao câncer em Taubaté e São José dos Campos. Além
da plataforma, apresentamos o projeto para algumas empresas e conseguimos
arrecadar o total de R$520,00, para a impressão que será realizada após a
apresentação deste trabalho. Além disso, recebemos ajuda de custo de R$1000,00
da Drogaria Santé e R$500,00 da clínica Firval, também para cobrir os gastos com a
impressão.
50
As imagens também foram importantes para a execução desse trabalho.
Queríamos que o leitor tivesse ideia de quem é a personagem, por isso usamos a
descrição dos detalhes da pessoa, unida aos retratos.
A fotografia torna esse resgate possível, fazendo um elo entre o personagem e
sua história individual e coletiva, resgatando da memória visual a expressão de
seu universo. (MUNTEAL & GRANDI, 2005, p.13)
Como precisávamos conter os gastos, já que a verba arrecada supria apenas
o valor da impressão e diagramação, fizemos de maneiras alternativas. A universidade
não pode disponibilizar equipamento por questões burocráticas internas e nós não
tínhamos os equipamentos necessários, por isso fizemos uso da parceria de amigos.
As fotos de Maria Aparecida, Yasmim e Carla foram feitas por Poliana
Casemiro, a de Lélia, pelo primo de Letícia Ramos, que nos apoiou nessa empreitada.
A de Ana Maria foi feita por Gabriela Oliveira, também apoiadora da nossa causa e
afilhada da personagem. O caso dela merece maior destaque, pois foi a foto mais
difícil de ser feita.
A personagem havia retirado o seio a pouco tempo e ainda não tinha feito a
reconstrução. Além disso, ganhou muito peso com o tratamento e no dia da foto, havia
assinado sua separação. Ela não sorriu para os retratos e repetiu várias vezes que
não gostava de fotografias. Preferiu também que uma pessoa mais próxima a
fotografasse, apesar de estarmos no local, no caso a enteada. A foto usada foi feita
enquanto ela conversava com o filho, de forma espontânea.
Empenhamos um ano e meio, desde que decidimos que falaríamos de câncer,
em pesquisas para entender a doença, os processos e poder dar ouvido às pessoas
como queríamos. Então, resolvemos incluir um capítulo de como foi essa experiência,
do que aprendemos como jornalistas e mulheres. O princípio deste capítulo era nos
abrirmos, bem como nas nossas entrevistas, para que, assim como as mulheres
frágeis nos confiaram suas histórias, aquelas que pegassem o livro nos confiassem
sua leitura.
51
7.2 - Projeto gráfico
Para a definição do projeto gráfico foi necessário analisar todo o projeto editorial
por trás do livro, levando em conta não só o conteúdo abordado, a diagramação e
detalhes técnicos de produção, mas também os materiais a serem utilizados e o
processo de impressão, que precisar viabilizar a produção em série do livro de
maneira menos onerosa, possibilitando assim o financiamento coletivo e distribuição
gratuita do mesmo.
A partir destes dados, a primeira tomada de decisão, foi relacionada ao
tamanho da publicação. Levando-se em conta as tecnologias e fornecedores
disponíveis para a produção on the mand – sob demanda – chegou-se ao tamanho
standar do mercado nacional 14x20 cm, considerado ideal para o aproveitamento de
papel e a agilidade de impressão e acabamento dentro do sistema existente. Após
essa definição, iniciou-se o estudo do grid de construção das páginas, que pudesse
acomodar corretamente os capítulos, tornando o conteúdo acessível ao leitor.
Segundo Ambrose e Harris (2012), o grid proporciona maior precisão na
disposição dos elementos na página, tanto em termos de medidas físicas, quanto de
proporção dos espaços. Optou-se por um grid de coluna único e simétrico, que fosse
capaz de distribuir os conteúdos de maneira uniforme, sendo interrompido apenas
pelas aberturas de capítulos que contemplam um trecho inicial e a foto da personagem
na página espelhada.
Com a definição do grid foi possível iniciar os estudos relacionados à tipografia.
Para o corpo de texto a família escolhida foi a Abril Text, desenvolvida pela
TypeTogether especialmente para textos longos e parágrafos contínuos. Como toda
tipografia serifada, ela ajuda no ritmo de leitura pela linha visual criada na proximidade
das extremidades de cada caractere. A Abril Text ainda tem todas as variantes
necessárias para que sejam criados destaques no texto sem a necessidade de outra
tipografia – como negrito, itálico e outros.
52
Definida a família principal, foi necessário estabelecer os tamanhos de letras e
de entrelinhas para aumentar a legibilidade. Com base na regra geral que define que
o mínimo de caracteres em uma linha não deve ser menor do que quarenta e cinco e
nem maior do que sessenta, o corpo de texto foi estabelecido em 10 pt – pontos,
medida gráfica padrão – e a entrelinhas alterada da proporção automática para 26 pt,
produzindo assim linhas mais distantes que facilitem o ponto de entrada e de saída
de leitura de cada página.
Para a capa, títulos e aberturas de capítulos a tipografia foi alterada para a Abril
Display, variante produzida pelo mesmo estúdio tipográfico mas com atributos
remodelados para corpos de caracteres maiores. Juntamente com essa família foi
adota a tipografia Effra Ligth, sans serif de linhas refinadas que ajudam a quebrar a
rigidez das serifas trazendo leveza e harmonia à capa, além de proporcionar um
destaque nítido e sem interferência às marcações de capítulos.
O logotipo foi feito com a ideia de transmitir o ponto e vírgula relacionando-o ao
mesmo conceito da mama saudável e da mama mastectomizada, utilizando apenas a
linguagem gráfica. Assim, foi projetado um símbolo que pudesse acompanhar toda a
publicação, proporcionando a criação de uma identidade para o projeto. Foi um
desafio inspirado pelas histórias de continuidade presentes nos capítulos do livro.
Portanto, além de mostrar claramente o sinal gráfico do ponto e virgula, tal símbolo
incorpora a semelhança ao signo do infinito e a subsequência de linhas pondera sobre
as diversas vidas que desfrutamos, sobre nossa rupturas e as mudanças pelas quais
passamos.
Não foi possível desviar-se dos tons de rosa na paleta de cores, principalmente
pela histórica ligação de tais matizes com a luta de conscientização do câncer de
mama. Como pano de fundo para suportar o símbolo projetado como identidade, a cor
aliou-se a simbologia das rosas: lindas, perfumadas, mas cercadas que espinhos que
devem ser superados para desfrutar de todo seu encanto. Assim como a vida das
mulheres que se viram diante do câncer de mama.
53
Para os materiais de confecção do livro foram escolhidos papéis revestidos e
encorpados na capa – papel cartão –, ajudando a proteger e tornar o material atrativo;
e o papel pólen internamente que, por não ser um papel de alta alvura, é mais indicado
para longas leituras, já que reflete menos a luz ambiente, deixando de cansar ou irritar
os olhos do leitor.
54
Capítulo 8 – Considerações Finais
A proposta deste estudo como Trabalho de Conclusão do curso de
Comunicação Social – Jornalismo foi a de destrinchar as etapas do câncer de mama
a fim de levar informações sobre o câncer de mama para quem passa pela doença e
para quem ainda pode passar.
O tema surgiu do propósito de que, observando os indicadores da doença e de
entrevistas com especialistas, a descoberta tardia era a responsável pelo maior índice
de morte. Isso se dá pela falta de conhecimento e da conscientização do
acompanhamento.
Partindo desta premissa, aprofundamos a pesquisa para entendermos nosso
objeto de estudo. No início fizemos a pesquisa documental para entender as análises
clínicas, os números, tratamentos e tipos. Depois ouvimos os especialistas, para por
fim, ouvirmos as mulheres que passam pela doença, compreendendo assim seu
universo.
Depois disso, procuramos entender qual seria nossa modalidade. Foram feitas
pesquisas em revistas, jornais e sites e percebemos que muito se fala sobre esse
assunto, porém o tema é trabalhado de forma fragmentada. Ou seja, as reportagens
abordam apenas alguns temas dentro do assunto, não transmitindo a ideia completa
do que é, quais os tratamentos, consequências.
Sendo assim, escolhemos trabalhar com o livro-reportagem, que nos permitiria
trabalhar com a abordagem aprofundada, sem nos preocuparmos com o limite de
espaço da matéria de um periódico ou grande-reportagem, por exemplo.
O estudo nos permitiu entender melhor o jornalismo científico e sua importância
e, além disso, como trabalha-lo de maneira democrática, ou seja, acessível a todo tipo
de leitor.
Concluímos aqui que o presente estudo contribuíra para que outras mulheres
acometidas pela doença entendam essa realidade e os processos pelos quais passa,
tornando menos penoso ao psicológico a passagem pela doença. Assim como cremos
que as que forem tocadas por essas páginas possam tocar-se e perceber de forma
precoce a doença.
55
Além disso, cremos que por meio dos relatos dessas histórias de vida, essas
mulheres sejam exemplos de força para outras que lutam. E que o material instigue
outras pessoas a tratarem o câncer para além dos números, ou seja, enxergando as
pessoas. Que elas saiam do desconhecido e se façam vistas.
56
BIBLIOGRAFIA
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2007.
Disponível
em:
<http://www.ee.usp.br/reeusp/upload/pdf/719.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2015.
61
ANEXOS
1. OBJETO
Mulheres com câncer de mama.
2. OBJETIVOS
2.1. Objetivo geral
Elaborar um livro-reportagem sobre a descoberta e o tratamento do câncer de
mama em mulheres, de forma que as pacientes que passam pelo processo se
identifiquem nos casos e conheçam as etapas da doença e do tratamento, além de
estimular o diagnóstico precoce. Contar histórias de vida que possam servir de
exemplo e fonte de informação, por meio de uma reportagem aprofundada.
2.2. Objetivos específicos
- Investigar as formas de tratamento em pacientes de Taubaté e São José dos
Campos em diferentes níveis;
- Explanar, com amparo médico, informações sobre os tipos de tratamento
aplicados a cada estágio e a cada tipo de câncer para que o leitor possa conhecer a
doença;
- Contar a história de vida de pessoas, relatando sua experiência durante a
descoberta e o tratamento, para que o leitor tenha conhecimento das várias etapas da
doença e possa vê-la além dos números;
- Trazer dados da doença nas cidades pesquisadas.
62
3. PROBLEMA
Pesquisas feitas pelo Inca17e pelo Ministério da Saúde18 com base nos dados
de câncer de mama mostram que a principal causa de morte é o diagnóstico tardio.
Isso se deve à falta de informação e debate sobre os sintomas da doença.
A descoberta tardia diminui as possibilidades de tratamento e leva a processos
mais radicais, como a mastectomia total19.
Em um estudo longitudinal para compreender a influência de fatores
psicossociais na sobrevida de mulheres com câncer de mama, Gimenes (1988)
observou a existência da interferência de fatores psicossociais e do bem-estar
psicológico nas várias fases da doença.
Para Gimenes, essa vulnerabilidade faz com que parte do grupo de pacientes
que tratam o câncer desenvolva problemas emocionais, o que afeta diretamente as
chances de cura. (GIMENES, 1998)
Diante disso, como elucidar essa questão, proporcionando informações para a
percepção precoce da doença e para o aumento das chances de sucesso no
tratamento?
17
Em <http://www.inca.gov.br/estimativa/2014/sintese-de-resultados-comentarios.asp>. Acesso em
20 de maio de 2015.
18 Em <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/magda_cortes_rezende_dissertacao.pdf>.
Acesso em 20 de maio de 2015.
19 Em <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/magda_cortes_rezende_dissertacao.pdf>.
Acesso em 5 de maio de 2015.
63
4. HIPÓTESE
O desenvolvimento deste livro trará informações sobre a doença e poderá
elucidar ao público questões sobre as etapas do tratamento, possibilitando o
esclarecimento acerca dos tipos e da importância da percepção precoce do câncer de
mama.
Além disto, o trabalho vai oferecer exemplos de pessoas que estão na luta
contra a enfermidade, o que possibilita que as pacientes se identifiquem em outras
também impactadas por esse tipo de câncer e possam, como elas, lutar. Assim, os
relatos podem contribuir para que o público-alvo sofra um impacto psicológico menor
ao descobrir a doença.
64
5. JUSTIFICATIVA
Diante do panorama traçado, sabe-se que muitas que já portam a doença ainda
passarão pelas etapas de tratamento em Taubaté e São José dos Campos. Outras
tantas, infelizmente, ainda podem ser vítimas da doença, em especial o grupo de
maior risco: segundo o Inca, as que têm entre 40 e 49 anos20. Sendo assim, observase a necessidade da execução de um trabalho jornalístico que ofereça o apoio
fundamental para as mulheres que estão com o câncer e um alerta para todas em
geral.
Com a elaboração deste Projeto Experimental, pretende-se oferecer dados
sobre os vários tipos de tratamento para o câncer de mama feminino, por meio do
acompanhamento do combate à doença no dia a dia de personagens, além de
pesquisa documental aprofundada. Este tipo de amparo possibilita que a mulher,
nosso público-alvo, compreenda o processo pelo qual passa ou pode enfrentar,
estimulando a busca por informações, na tentativa de reduzir os impactos da falta de
conhecimento. O Jornalismo, diante desta falta de informações mais detalhadas e da
falta de relatos humanos de quem vive ou viveu o problema em questão, pode
contribuir de maneira significativa na abordagem do assunto.
Outra questão importante deste tema é o fator psicológico das pacientes.
Primeiramente, Wanderley (1994) diz que elas são tomadas por um medo intenso de
perderem suas vidas e, em seguida, se veem fragilizadas. Estes fatores mexem
completamente com a vaidade feminina (WANDERLEY, 1994, p. 95).
Sendo assim, pretende-se atrelar às informações, a humanização do tema,
usando isso como ferramenta de apoio para que a mulher, em geral, veja-se nas
personagens e encontre amparo e exemplos de prevenção e de combate à doença.
Para atingir este objetivo, a modalidade livro-reportagem foi escolhida por ser
um gênero jornalístico que permite maior aprofundamento do tema e dos personagens
em si. Por meio da construção do livro, conseguiremos explorar e investigar ainda
mais a fundo as histórias e relatos para traduzi-los dentro do contexto do tema câncer
20
Em
<http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/acoes_programas/site/home/nobrasil/programa_controle_
cancer_mama/deteccao_precoce> Acessado em 20 de maio de 2015
65
de mama, humanizando o debate médico e ampliando o acesso aos conteúdos
científicos.
De acordo com Edvaldo Pereira Lima, "o livro reportagem é o veículo de
comunicação não-periódico que apresenta reportagens em grau de amplitude superior
ao tratamento costumeiro nos meios de comunicação jornalístico"(LIMA, 2004, p. 26).
Dessa forma, esta modalidade traz maior ênfase ao tema do que outros tipos,
como revistas, jornais ou meios eletrônicos.
Para garantir a adequação, utilizaremos, dentro desta modalidade, o livroreportagem perfil. Com isso, poderemos evidenciar as várias etapas de tratamento e
de estágios da doença, sempre alertando sobre a prevenção e os principais fatores
de risco do câncer de mama feminino, além de estimular os autoexames e exames
que possibilitam o diagnóstico precoce.
Segundo Vilas Boas (2003), os perfis são mais atraentes quando provocam reflexões
sobre aspectos objetivos e subjetivos comuns à existência de todos nós. O autor
também ressalta que esta modalidade possui o papel de gerar empatias –capacidade
de se identificar com outra pessoa.
Na delimitação de território, escolhemos as cidades de Taubaté e São José dos
Campos para trabalhar o tema. A primeira foi escolhida por sediar o Hospital Regional
do Vale do Paraíba, referência regional no tratamento da doença. Já a segunda foi
definida por conta de ter o maior contingente populacional, além de registrar 133
mortes pela doença, somente entre 2011 e 2013, segundo o Inca.
Assim sendo, queremos que com este livro-reportagem muitas mulheres façam
reflexões sobre suas vidas e sobre o momento pelo qual estão passando, e
enxerguem nestes perfis um alerta para o constante cuidado em detectar
precocemente a doença.
66
6. MODALIDADE
6.1 Livro-reportagem
Para alcançar o objetivo deste trabalho, escolhermos como modalidade o livroreportagem por permitir o aprofundamento dos quadros clínico e humano do assunto,
explorando os relatos de cada mulher por meio do jornalismo literário. Conforme diz
Pena:
O conceito é muito mais amplo. Significa potencializar os recursos do
Jornalismo, ultrapassar os limites dos acontecimentos cotidianos,
proporcionar visões amplas da realidade, exercer plenamente a
cidadania, romper as correntes burocráticas do lead, evitar os
definidores primários e, principalmente, garantir perenidade e
profundidade aos relatos (PENA, 2006, p. 13).
Na contramão do factual, esta modalidade permite que trabalhemos com o
jornalismo literário, cuja abordagem pode ser feita de diversos ângulos, fontes e
análises.
O jornalista Edvaldo Pereira Lima propôs algumas características sobre o livroreportagem que comprovam este pensamento, já que ele permite ao autor liberdade
na escrita e desenvolvimento no tema. Dentre as liberdades apontadas estão a
temática, de angulação, de fontes, de propósito, temporal e de eixo de abordagem
(LIMA, 2004, p.51).
O livro-reportagem permite a extensão da função informativa e
orientativa do jornalismo impresso cotidiano uma vez que cobre vazios
deixados pela imprensa, e amplia, para o leitor, a compreensão da
realidade. Essa complementação não deve ser entendida no sentido
estrito dos fatos isolados do cotidiano, mas sim no sentido mais amplo
da leitura da contemporaneidade. (LIMA, 2004, p.52)
Do livro-reportagem derivam subtipos, os quais são classificados de acordo
com a temática e o modo como a narrativa será tratada. Neste caso, escolheu-se
trabalhar com o modelo livro-reportagem de perfil. O objetivo é que o leitor se aproxime
do assunto por meio do reconhecimento da situação humana abordada.
67
Trata-se de uma obra que procura evidenciar o lado humano de uma
personalidade pública ou de uma personagem anônima que, por
algum motivo, torna-se de interesse. No primeiro caso, trata-se em
geral, de uma figura olimpiana. No segundo momento, a pessoa
geralmente representa, por suas características e circunstâncias de
vida, um determinado grupo social passando como que a personificar
a realidade do grupo em questão. (LIMA, 2004, p. 52).
6.2 A reportagem
O jornalismo é feito de multiplicidades e pelas várias facetas, adota também
vários gêneros. A reportagem, no entanto, é o tipo derivado do jornalismo raiz. Ela
começa a se fortificar no jornalismo nos anos 1910 (BAHIA, 2009), com a análise da
necessidade de veicular os desdobramentos dos fatos da primeira Guerra Mundial.
Paulo Roberto Leandro e Cremilda Medina relembram, em seu artigo, que na
época “as agências de notícias estavam a pleno vapor, o volume de informações na
imprensa era considerável, mas durante a eclosão da grande guerra percebe-se que
a imprensa estava presa aos fatos, incapaz de costurar a ligação entre eles” (LIMA,
2009, p. 18-19).
A partir disso, os impressos norte-americanos começam a investir na produção
de reportagens. Com o passar do tempo, isso se consolidou e cria-se o que Edvaldo
Pereira Lima descreve como jornalismo interpretativo. Segundo o autor, o objetivo é
não deixar a audiência desprovida de meios para compreender o seu tempo, as
causas e origens dos fenômenos que presencia e suas consequências no futuro. O
que, em princípio, não estava elucidado, passa a ficar mais claro a partir da
reportagem.
A reportagem, produzida com esse esforço de abarcamento vasto da
realidade, rumo à compreensão, pode ser então entendida de maneira
complementar, pela soma e integração das afirmações de diferentes
autores (LIMA, 2004, p. 22)
Desde o seu surgimento, o mundo da Comunicação mudou com o advento da
internet. Hoje, vive-se um tempo de leituras a um clique e de corridas implacáveis pela
publicação dos acontecimentos em tempo real.
68
É nesse padrão que entendemos as diferenças entre a notícia e a reportagem.
No primeiro, temos apenas a descrição do fato de primeiro momento; já a segunda
explora a abordagem das múltiplas versões, fontes e análises sobre o fato.
Sobre isso, Juarez descreve:
O salto da notícia para a reportagem se dá no momento em que é
preciso ir além da notificação –em que a notícia deixa de ser sinônimo
de nota – e se situa no detalhamento, no questionamento de causa e
efeito, na interpretação e no impacto, adquirindo uma nova dimensão
narrativa e ética.
Porque com essa ampliação de âmbito a reportagem atribui à notícia
um conteúdo que privilegia a versão. Se a nota é geralmente a história
de uma só versão – parente mais próxima da opinião do que da
enunciação -, a reportagem é por dever e método a soma das
diferentes versões de um acontecimento (BAHIA, 2009, p. 61-62).
6.3 A Grande reportagem
Ao abordarmos a temática câncer, vamos escolher as etapas essenciais, como
o diagnóstico da doença, o tratamento –que varia entre a quimioterapia, radioterapia,
mastectomia – e a mudança cotidiana com os impactos destes tratamentos, além da
evolução do quadro clínico.
Cada etapa irá protagonizar um capítulo, o qual será composto por uma grande
reportagem de perfil. Sendo assim, com a abordagem humana, serão escolhidas
personagens que figurem cada processo.
Os fatos – e as referências a que estão ligados – serão relatados com
precisão, garantindo, mais ainda, a verossimilhança. As principais
características de uma reportagem: predominância da forma narrativa,
humanização do relato, texto de natureza impressionista e
objetividade dos fatos narrados (SODRÉ, 1986, p. 15).
No livro “Técnica de Reportagem – notas sobre a narrativa jornalística” (Editora
Summuys, 1986), os autores Muniz Sodré e Maria Helena Ferrari dizem que escrever
69
um perfil é “dar enfoque na pessoa – seja uma celebridade, seja um tipo popular, mas
sempre o focalizado é protagonista da história: sua própria vida" (SODRÉ, 1986, p.
15).
70
7. METODOLOGIA
Como o objetivo final é a produção de um livro-reportagem sobre mulheres que
lutam contra o câncer de mama, faremos, primeiramente, uma pesquisa exploratória,
a fim de conhecer mais a fundo o assunto a ser desenvolvido.
Após essa primeira etapa, será realizado um levantamento bibliográfico para
identificar referências sobre o tema e para encontrar registros de buscas anteriores.
Trata-se do levantamento de toda a bibliografia já publicada em forma
de livros, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita. Sua
finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com aquilo que
foi escrito sobre determinado assunto (LAKATOS, 2001; p. 44).
O próximo passo é a pesquisa descritiva, para relatar os atributos do grupo que
será estudado. Segundo Gil (1999), esse tipo de busca tem como principal objetivo
retratar características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento
de relações entre as variáveis. Como o próprio autor descreve, faremos uso de
métodos padronizados, para que o resultado apresentado seja significativo.
Falaremos com médicos oncologistas, psicólogos e grupos de assistência às
pacientes com câncer de mama para compreender as etapas.
No segundo momento, partindo da metodologia qualitativa sobre o câncer de
mama, faremos um levantamento dos relatos de vidas das mulheres com o
diagnóstico. Nosso objetivo nesta etapa será tentar entender aspectos emocionais das
pacientes em momentos chave da enfermidade, passando pela descoberta, pelo
tratamento e pela sobrevida. O objetivo é extrair o máximo de informações sobre a
paciente, por meio de seus próprios relatos para narrar como essa doença afeta a
mulher por meio da sua própria visão da vida, possibilitando o compartilhamento de
experiências necessárias para auxiliar outras pacientes.
Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem
descrever a complexidade de determinado problema, analisar a
interação de certas variáveis, compreender e classificar processos
dinâmicos vividos por grupos sociais (RICHARDSON, 1999, p. 80).
71
Ainda segundo o autor, essa metodologia visa “contribuir no processo de
mudança de determinado grupo e possibilitar, em maior nível de profundidade, o
entendimento das peculiaridades do comportamento dos indivíduos” (RICHARDSON,
1999, p. 80).
Neste momento, realizaremos técnicas de pesquisas, como a documentação e
a entrevista. Ambos os procedimentos auxiliarão no processo de medição prática para
a realização dos levantamentos.
A técnica de pesquisa documental é uma forma de registro e sistematização
dos dados e informações. De acordo com Severino (1941), ela pode ser tomada em
três sentidos fundamentais, como técnica de coleta, de organização e de conservação
de documentos.
Utilizaremos também a pesquisa entrevista. Este método acontece por meio da
coleta de informações sobre um determinado assunto a partir de um sujeito
pesquisado. Isso acontece na interação entre o pesquisador e o pesquisado. Ela é
dividida em cinco métodos diferentes: entrevistas não-diretivas, entrevistas
estruturadas, história de vida, observação e questionário.
Em nosso trabalho, focaremos em duas abordagens. A primeira é a entrevista
não-diretiva, que, segundo Severino:
Por meio delas, colhem-se informações dos sujeitos a partir do seu
discurso livre. O entrevistador mantém-se em escuta atenta,
registrando todas as informações, e só intervindo discretamente para,
eventualmente, estimular o depoente (SEVERINO, 2007; p. 124-125).
A segunda será baseada em histórias de vida, cujo objetivo será coletar
informações de vida pessoal de um ou vários informantes.
Sendo assim, essas etapas nos possibilitam alcançar o objetivo de
compreender as fases do tratamento e expor as peculiaridades de quem passa por
este processo.
72
8. CRONOGRAMA
ATIVIDADE
FEV
MAR
ABR
Levantamento bibliográfico
x
x
x
x
x
x
x
x
Leitura e fichamento de
livros
Definição dos capítulos
MAI
JUN
JUL
AGO
Pré-banca
x
Definição das pautas
x
Realização de entrevistas
x
x
x
Edição de imagens
x
x
x
Decoupagem
x
x
x
Redação
x
x
x
Diagramação
Redação dos capítulos
Revisão de Língua
Portuguesa
Alterações Finais
SET
OUT
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
NOV
x
Impressão e Encadernação
x
Entrega
x
Apresentação à Banca
x
73
ENTREVISTAS
Capítulo 1
Entrevista com Yasmin Shukair, cirurgiã.
“Hoje é minha vez de falar.” / “Eu me envolvia, mas nada mudava o meu amor pela
medicina.” / “Eu não seria satisfeita apenas como cirurgiã plástica.” / “Fiz o estágio,
conheci a área, fui a conferências e me apaixonei.” / “Às vezes, eu estou andando na
rua e vejo aquelas mulheres indo e vindo e penso, eu já examinei a mama daquela
mulher, daquela outra ali.” / “Fui tomar café no trailer em frente ao hospital e o
atendente me falou que as pessoas dizem que eu sou ‘a brava que resolve’.” / “Eu não
posso errar.” / “Lembro que em uma das minhas últimas visitas ao hospital, ela pegou
na minha mão e disse: ‘Doutora, eu não sou boba. Sei que estou morrendo, mas a
gente vai se encontrar em um lugar melhor.’” / “Hoje, ser mulher é ser parte do grupo
de risco.” / “Às vezes, recebo mulheres que são sozinhas, que não têm o que comer
em casa, que dirá o sustento para o resto? A vida delas já é tão sofrida, como dar
esse tipo de notícia?” / “Eu não aguento.” / “Retirar a mama não é como perder um
pulmão, um rim... Você sobrevive, mas a sua identidade feminina é alterada.” / “Dar a
notícia é sempre o mais difícil.” / “Eu peço licença, ligo para a família e só então conto.”
/ “Elas saem daqui leves, eu feliz. Penso que é menos uma que tem que passar por
aquela dor.” / “A gente que é médica, muitas vezes acha que está imune. O problema
é justamente essa mesa que separa a gente da realidade do paciente, mas não é
assim. Também estamos sujeitas a adoecer.” / “Não há comprovação científica.” / “Eu
posso dizer para um paciente que ele pode tratar e ser curado, mas mostrar um
paciente, que teve a doença e que hoje tem uma vida normal, tem força maior.” / “Um
paciente com diagnóstico de neoplasia tem o sistema imunológico frágil e mantê-lo
firme é importante para o tratamento. A baixa autoestima, a tristeza e o estresse são
fatores que baixam nossa imunidade, nos deixando frágeis.” / “Todas elas se fazem
viver.”
Capítulo 2
Entrevista com Ana Maria, professora.
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“Depois do câncer você vê a vida de outro modo.” / “Foi tão depressa e o tumor crescia
tão rápido.” / “Eu deveria ter entrado em acompanhamento e tratamento desde a
descoberta do nódulo, mas o médico à época não me indicou.” / “Logo que descobri
eu e meu marido passávamos horas na internet tentando entender tudo. O que eu
podia ou não fazer, os tipos de tratamento, medicamentos.” / “Perdi minha mãe ainda
criança –enquanto paria um de nossos irmãos. Ela e ele se foram, a lembrança de
quem ela era também. Não consigo ver seu semblante.” / “Quando descobri, bateu
aquela insegurança, mas eu mantive a fé e o pensamento positivo. Pensava todos os
dias ‘vou vencer, vou vencer.’” / “Meus irmãos são ciumentos, vinham me visitar
sempre. Eu posso dizer que o que me sustentou foi a minha família, eles foram
essenciais para mim.” / “Os médicos diziam que muitas pessoas não morrem de
câncer, mas em decorrência da tristeza por ter a doença.” / “Quando ouvimos falar de
câncer, achamos que não vai acontecer com a gente. Mas não é assim. Apesar de
tudo, agradeço por ter passado por isso, eu cresci muito.” / “Eu não saio de casa
desarrumada.” / “Uso a prótese móvel de silicone. Já acostumei tanto que para mim é
normal.” / “São tantos tratamentos, que tenho medo de outra etapa, das reações que
posso ter.” / “Apesar de parecer mais uma galeria.” / “A doença doeu, mas isso doeu
mais.” / “A mulher pode agir de diferentes maneiras, desde a redescoberta até a
retração.” / “O parceiro ou parceira, podem agir das mais diferentes maneiras. Desde
o abandono até aproximação do casal. Ter a vida sexual bem resolvida é m fator
protetor para esta nova fase, dando ferramentas ao casal para lidar com as mudanças,
preconceitos e temores.” / “Não pude dizer nada, nós não nos vimos. Nunca me
explicou o que houve.” / “Claro que não seria como antes.” / “O câncer me deixou
calejada.”
Capítulo 3
Entrevista com Lélia Ramos, terapeuta ocupacional.
“Tem que operar e é urgente.” / “Do lado direito eu não tenho dúvidas, isso é um
câncer. Agora, do lado esquerdo, eu ainda tenho dúvidas, porque um raio cair duas
vezes na mesma cabeça é muito difícil, mas faremos uma biópsia de congelamento
durante cirurgia e, se constatado o câncer, a gente faz a cirurgia na mama esquerda.”
/ “Tudo bem! Você está com um bom médico? Então ok. Vamos fazer a cirurgia.” /
“Mãe, mas o seu cabelo vai cair e o meu cabelo é da cor do seu.” / “Combinado, Bruno.
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Se eu precisar do seu cabelo, você corta para mim.” / “Você tem que parar para
esperar o horário da quimioterapia, parar para fazer radioterapia, parar para ir ao
médico. Mas eu não sou de parar. Era irritante. Não parei o resto da minha vida em
função disso.” / “Está louca? Eu vim até aqui e eu vou fazer essa sessão porque eu
vou terminar esse tratamento até o final.” / “Depressão nunca passou perto de mim”.
“Deus, obrigada por eu ter saído tão bem. E que as pessoas também tenham esse
sucesso que eu tive.” / “Com tanta gente animada, bem, cantando, indo embora, por
que eu ficaria para baixo?” / “As pessoas que você vai encontrando têm boas histórias.
Eu sempre me apeguei naqueles que eu via que a ‘coisa’ estava andando.” / “Meus
filhos precisam estar abertos para o mundo, precisam aprender a viver sem a minha
presença, precisam conhecer outros lugares, outras pessoas, expandir os horizontes.”
/ “O médico quer lhe ver urgente.” / “Existe algum médico no avião? É uma
emergência.” / “Tudo pode estar diferente amanhã. E o que importa é vivermos da
melhor forma, fazer da forma que pensa ser o melhor, sem arrependimentos. Não
adianta chorar depois! Curtir o sol, as paisagens, o mar, as flores, a lua, as obras de
arte, imaginar coisas boas. Ter sonhos e objetivos é fundamental, principalmente
durante o tratamento.”
Capítulo 4
Entrevista com Carla Togni, pedagoga.
“Eu não tive medo, a medicina avançou muito.” / “O meu ginecologista não acreditou,
eu era muito nova.” / “Eu não fazia parte dos fatores de risco, fiz todos os exames e
não encontravam a raiz do meu problema. Sei que foi emocional.” / “Pensei que havia
algo errado, mas jamais pensei que pudesse ser câncer.” / “O médico duvidou, disse
que havia sido um erro e que eu deveria repetir o exame. Depois de muita insistência,
pediu a biópsia e me encaminhou para o mastologista, que confirmou o diagnóstico.”
/ “Às vezes, a desestruturação emocional é tão grande que abala o físico. É aí que
desenvolvemos doenças. O câncer é um exemplo de doença que reflete esse
descompasso emocional.” / “A medicina é capaz de combater o câncer com inúmeros
tratamentos. Isso evoluiu. A questão é que não fomos capazes de combater o estigma
de morte que a doença carrega, isso é o que deixa sequelas no paciente. O câncer é
hoje uma doença mais emocional do que física.”
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“Eu não acreditei que tinha que passar por mais aquilo, mas hoje eu sei: o câncer
mudou a minha vida.” / “Eu olhava para ela lutando, sempre calma, e dizia: ‘se fosse
comigo, já tinha morrido.’ Hoje estou aqui.” / “Eu saia à noite durante a semana e
viajava mesmo depois da quimio.” / “A reconstrução imediata é considerada muito
delicada para o paciente, ela é mais penosa em termos médicos. Apesar de trazer
resultados positivos no que diz respeito aos aspectos psicológicos da paciente, é
sempre preciso avaliar caso a caso e dialogar.” / “Os médicos dizem que quem passa
por esse luto é mais forte. Hoje eu acho que sou mais forte.” / “É constrangedor,
estranho, parece que falta algo. Não conseguia, por exemplo, ter relações sexuais
sem sutiã, não me trocava na frente do meu namorado.” / “Não queria cobrar dessas
mulheres. Era algo que eu já queria fazer, ajudar outras pessoas. A ideia é atender
mulheres que tiveram câncer e tiveram a remoção parcial ou total do mamilo e refazer
de forma gratuita. Não importa a renda.” / “Tinha que ser.” / “Foi como se nunca
tivéssemos terminado.” / “Tudo o que eu passei nunca o impediu de estar comigo. A
depressão, o câncer, a falta de seio, as consequências da doença.” / “Foi difícil, mas
muito coisa boa aconteceu. Apesar disso, eu não sei se sou uma pessoa diferente
depois do câncer. Sei que a minha vida é diferente, desenrolou.” / “Não me descrevo
como alguém que teve câncer, eu muitas vezes nem lembro que tive. Tento levar a
minha vida o mais normal possível.” / “Toda vez que abrem meus exames é aquele
frio, um arrepio, o medo de ouvir que terei que passar por tudo mais uma vez, apesar
de saber que é importante.”
Entrevista com Cláudia Francisco, cirurgiã-plástica
“A indicação da reconstrução de mama acontece no consultório do mastologista diante
das condições clínicas da mulher. É preciso também avaliar as suas condições
psicológicas, porque a reconstrução vem para complementar o tratamento.” /
“Comparando as mulheres que reconstruíram tardiamente a mama e as que
reconstruíram logo após a mastectomia, o grau de satisfação, aceitação e felicidade
é muito mais intenso nas que reconstroem tardiamente, pois elas têm um parâmetro
de comparação”, diz Cláudia.
Entrevista com Tatiana Santana, tatuadora
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“Não queria cobrar dessas mulheres. Era algo que eu já queria fazer, ajudar outras
pessoas. A ideia é atender mulheres que tiveram câncer de mama, que retiraram o
mamilo e refazer de forma gratuita. Não importa a renda”.
Entrevista com Cíntia Oliveira Martins, psicóloga
“Às vezes, a desestruturação emocional é tão grande que abala o físico. É aí que
desenvolvemos doenças. O câncer é um exemplo de doença que reflete esse
descompasso emocional.” / “A medicina é capaz de combater o câncer com inúmeros
tratamentos. Isso evoluiu. A questão é que não fomos capazes de combater o estigma
de morte que a doença carrega, isso é o que deixa sequelas no paciente. O câncer é
hoje uma doença mais emocional do que física”.
Capítulo 5
Entrevista com Maria Aparecida, dona de casa.
“Sou uma mulher de fé.” / “Eu ia ao médico, fazia os exames, não tinha casos na
família, essa nunca foi a minha primeira preocupação.” / “Não queria preocupar
ninguém.” / “Eu estava doente.” / “Quando contei para a minha família era como se
estivesse no caixão. O semblante era de desespero.” / “O médico teve tanta
delicadeza em me dizer que ia tirar que ficou espantado quando a minha reação foi
natural. Aguentei firme.” / “Foi aí que eu não me vi com a mesma força.” / “Quem não
sabia, agora saberia que eu tinha câncer. A careca iria denunciar. Mas o pior mesmo
era imaginar que meu marido ia dormir e acordar, e me veria sem cabelos ao lado
dele todos os dias.” / “Se fossem olhar, iriam olhar para nós dois.” / “Eu vinha pela rua
e de repente só a vejo nos meus braços. Ela pulou e me tomou pelo pescoço.” / “A
médica disse que eu poderia fazer uma plástica para ter a mama de volta. Para mim
não fazia falta, queria saber dele.” / “Eu me casei com quem ela é, somos
companheiros em tudo. A vontade dela é a minha.” / “Ele me amou assim.” / “Deus foi
muito bom comigo.” / “Depois do primeiro, a gente tem sempre que se cuidar.” / “A
prova não havia acabado, mas Deus sabe o que faz.” / “Às vezes, ele não me
reconhecia.” / “Só quando Jesus voltar.” / “Não veria meu neto crescer, meus outros
filhos se casarem.” / “Ninguém podia falar comigo, eu era só choro.” / “Eu fiquei ali e
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achei que ao me deitar, não me levantaria mais.” / “Não sei o que houve aquele dia,
mas foi o único, me decidi assim.” / “Às vezes pergunto: será que fui eu mesma?” /
“Ela me surpreende todos os dias.”
Capitulo 6
Entrevista com Fernanda Pasqualeto, filha de Eliane Pasqualeto
“Com a disponibilidade de tratamento, ela encarou bem. Sabia que tinha que ser
tratado. Minha mãe era muito positiva e prática.” / “Ela tinha uma temporada em que
adotava o estilo de vida saudável até que a imunidade voltasse. Então fazia outras
sessões de quimioterapia. Foram oito meses de tratamento até que sua saúde foi
melhorando aos poucos, junto com sua autoestima.” / “Vamos construir uma ponte em
nós, vamos construir, pra ligar seu coração ao meu, com o amor que existe em nós.”
/ “Eu me lembro de ficar um pouco assustada, pois querendo ou não é uma parte
significante da mulher que ela não tinha mais, como explicar isso pra uma criança?” /
“Depois coloco de novo [o seio], porque o médico guardou.” / “Ela era tudo para mim
naquela época.” / “Eu achava que meu pai não faria tudo o que minha mãe fazia
comigo, porque depois que ela se curou, ele acabou ficando com depressão. Eu tinha
muito medo de me afastar dele por conta disso e acabar vivendo uma vida sozinha.” /
“Foi mais difícil.” / “Quando estamos na adolescência, existem mil coisas acontecendo
na nossa vida ao mesmo tempo. Escola, namorados, festas, família. Eu não soube
como lidar muito bem com a doença. Na época eu não percebi isso, mas hoje eu
lembro e meu pai me conta que eu me escondia. Eu chegava em casa da escola e me
trancava no quarto. Ou eu vivia fora de casa, na casa de amigas, em festinhas,
viajando com amigos. Na realidade, eu não queria ver a minha mãe naquele estado.”
/ “Eu sempre fui muito grudada com a minha mãe, vivia com ela para baixo e para
cima, fazíamos tudo juntas e, aos poucos, isso foi mudando. Aos poucos era o meu
pai quem cozinhava em casa, que cuidava das contas, das compras, coisas que
normalmente quem fazia era eu e ela. Começava a achar aquilo estranho e errado.
Porém, eu tinha na minha cabeça que ela um dia ia melhorar. Eu pensava: melhorou
uma vez, vai melhorar de novo. Ela é forte, ela é guerreira, ela vai sair dessa sem
problemas. E, sim, eu tinha muito medo dela morrer, pois quando minha mãe se curou
do câncer de mama, na primeira etapa, meu pai teve depressão. Ele diz que a
depressão se deu por vários fatores, incluindo a jornada que eles tiveram para
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combater o câncer pela primeira vez. Ele estava exausto e não sabia que tinha
depressão. Por isso mesmo digo, eu era muito grudada com a minha mãe, pois nessa
época, dos meus 8 aos 11, meu pai esteve muito doente, não saía de casa, não
conseguia ir a lugares com muita gente, como shoppings, porque tinha ataques de
pânico.” / “Quero ir para a praia no próximo fim de semana de novo! Posso?” / “Você
não vai viajar porcaria nenhuma. Você tem que ficar ao lado da sua mãe, ela está
morrendo e o médico avisou que ela só tem mais três meses de vida”. “Ela era forte.
Ela vai sair dessa.” / “Você trate de levantar da cadeira agora e dar um abraço na sua
mãe, porque nesse momento a minha está morrendo, deitada em uma cama, sem
poder levantar, sem fôlego para falar, enquanto tudo o que eu queria era ela de pé,
saudável, vivendo.” / “Pai, minha mãe vai morrer?” / “É complicado descrever o que
aconteceu dali pra frente, naquele dia. Fácil obviamente não foi, mas eu tenho uma
memória muito boa e não lembro de quase nada daquele dia. Liguei para alguns
amigos que ficaram o dia inteiro comigo, no velório, e, incrivelmente, eu soube lidar
muito bem com a dor, naquele dia. Despedi-me da pessoa mais importante da minha
vida com poucas lágrimas. Hoje, aos 24 anos, tenho mais dificuldade de lidar com a
falta dela, por incrível que pareça. Passei por muitas experiências boas e nunca, por
toda a minha vida, vou conseguir viver 100% bem com o fato de não ter o amor da
minha vida ao meu lado, guiando-me a cada conquista, mas dizem que Deus sabe o
que faz e ela não merecia mais sofrer como estava sofrendo. Vivo a cada dia o melhor
que eu posso, imaginando ela comigo a cada momento. Lembro do cheiro dela até
hoje. Apesar de amar a vida, de ser feliz, de ser saudável, sonho com o dia em que
eu poderei abraçá-la e ser completa novamente. Que Deus me permita.”
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