VIII ENCONTRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA ECOLÓGICA 5 a 7 de agosto de 2009 Cuiabá - Mato Grosso - Brasil MEDINDO O CRESCIMENTO ECONÔMICO E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Pedro Ninô de Carvalho (COPPE/UFRJ) - [email protected] MEDINDO O CRESCIMENTO ECONÔMICO E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Resumo - Durante a Rio 92 o conceito de desenvolvimento sustentável foi apresentado como a chave para a integração das dimensões social, econômica e ambiental do desenvolvimento, na medida em que conciliava crescimento econômico e conservação do meio ambiente. Neste sentido, a contabilidade integrada entre meio ambiente e economia foi considerada como o primeiro passo em direção ao diálogo entre sustentabilidade e o processo econômico. Ou seja, os sistemas de contabilidade ambiental buscariam capturar tanto o lado físico da sustentabilidade – throughput –, quanto o lado econômico – a manutenção do capital. As contas nacionais englobam apenas os ganhos obtidos na exploração dos recursos naturais, sem que se leve em consideração a perda destes recursos (ativos não produzidos) e os respectivos impactos ambientais, mesmo que estes processos tenham relevância econômica. Entretanto, a busca pela sustentabilidade passa pela correta incorporação da perda de bens e serviços ambientais – derivados da exaustão do capital natural – na contabilidade econômica e social. Palavras chaves: Desenvolvimento, sutentabilidade, contabilidade, capital natural e meio ambiente. Abstract – During Rio 92, the concept of sustainable development was presented as a key to integrate the social, economic, and environmental dimensions of development as long as it deals with economic growth and environment preservation. In this way, the integrated accountability between environment and economy was considered the first step towards the integration of sustainability and the economic process. That means the environmental accountability systems would capture both, the physic aspect of sustainability – throughput – and the economic aspect – maintenance of capital. The national accounts only consider the income from natural resources exploitation but do not account the depletion of these resources (non manufactured assets) and its respective environmental damages even if it is economically relevant. However, the search for sustainability will depend on the correct incorporation of environmental goods and services loses – from natural capital depletion – into the economic and social accountability. Key words: Development, sustainability, accountability, natural capital, environment. 1 - Conceituando o desenvolvimento sustentável Há aproximadamente duas décadas, as Nações Unidas criaram uma comissão para investigar as persistentes falhas nas políticas públicas de desenvolvimento e meio ambiente. A comissão Brundtland considerava a rejeição das interdependências entre natureza, economia e sociedade a causa principal destas falhas. Entretanto, em 1992, durante a Rio 92, o conceito de desenvolvimento sustentável foi elucidado como a chave para a integração destas dimensões mais importantes (social, econômica e ambiental) do desenvolvimento no planejamento e nas políticas públicas. O plano de ação concebido, Agenda 21, considerou a contabilidade integrada de meio ambiente e economia como o primeiro passo em direção à integração da sustentabilidade com a gestão econômica. O conceito de desenvolvimento sustentável surgiu a partir dos estudos da Organização das Nações Unidas no início da década de 1970, como uma resposta à preocupação da humanidade diante da crise ambiental e social que se abateu sobre o mundo desde a segunda metade do século passado. Esse conceito buscava, desta forma, conciliar a necessidade de crescimento econômico com a promoção do desenvolvimento social e respeito ao meioambiente. Em 1987, a Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento cunhou o termo desenvolvimento sustentável em seu relatório denominado Nosso Futuro Comum. Neste foi elaborada umas das definições mais difundidas do conceito: “o desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras atenderem suas próprias necessidades” (CMMAD, 1987, p.46). A União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) considera desenvolvimento sustentável o processo que melhora as condições de vida das comunidades humanas e, ao mesmo tempo, respeita os limites da capacidade de suporte dos ecossistemas (IUCN, 1991). Ignacy Sachs conceitua desenvolvimento sustentável como: “um duplo imperativo ético de solidariedade sincrônica com a geração atual e de solidariedade diacrônica com as gerações futuras”. (SACHS, 2004, p.15). Segundo sua interpretação, o desenvolvimento sustentável compele o homem a trabalhar com escalas múltiplas de tempo e espaço, o que desarruma a caixa de ferramentas do economista convencional. Impele ainda pela busca de soluções triplamente vencedoras, eliminando o crescimento selvagem obtido ao custo de grandes externalidades negativas, tanto sociais quanto ambientais. Dentro desta perspectiva, o desenvolvimento sustentável apresenta cinco pilares fundamentais, quais sejam: social, ambiental, territorial, econômico e político. A comissão Brudtland também ofereceu a definição popular de desenvolvimento sustentável como o desenvolvimento que converge com as necessidades do presente sem comprometer a habilidade das gerações futuras em realizar suas próprias necessidades. Entretanto, segundo Bartelmus (2008), tal definição é vaga, pois não especifica as categorias das necessidades humanas e não oferece um prazo claro de análise, além de não indicar um papel particular para as preocupações sociais e ambientais no desenvolvimento de longo prazo. Outro ponto de controvérsia, segundo Parris & Kates (2003), se refere aos conceitos dos próprios proponentes do desenvolvimento sustentável, na medida em que há divergências claras em suas ênfases, sobre o que deve ser mantido e/ou sustentado, o que deve ser desenvolvido, como agregar meio ambiente e desenvolvimento e por quanto tempo. 2 - Indicadores de desenvolvimento sustentável Apesar da persistente ambiguidade sobre a definição associada ao desenvolvimento sustentável, muito trabalho tem sido despendido na tentativa de desenvolver indicadores quantitativos que o retratem de maneira correta. Segundo Parris & Kates (2003), o compêndio de indicadores de desenvolvimento sustentável lista mais de 500 indicadores, dos quais 67 de âmbito global, 103 de âmbito nacional, 72 de estadual e 289 de âmbito local ou metropolitano. Normalmente, indicadores de desenvolvimento sustentável incluem longas listas de medidores considerados relevantes para a avaliação ambiental, social, econômica e institucional dos aspectos do desenvolvimento. Talvez os mais conhecidos sejam os indicadores de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas, elaborado em reposta às recomendações da Earth Summits. Entretanto, a maior desvantagem destas listas é a dificuldade de comparar e avaliar indicadores expressos em diferentes unidades de medida. De modo geral, a manutenção do progresso socioeconômico ou do desenvolvimento requer a agregação de mais combinações de índices ou indicadores de desenvolvimento sustentáve1 1 . O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma tentativa conhecida desta tentativa de agregação, assim como o índice de Sustentabilidade ambiental, a pegada ecológica, entre outros. Todas essas medidas, de acordo com Bartelmus (2008), sofrem uma seleção parcialmente correlacionada de indicadores, uma mistura questionável de atribuição de pesos e técnicas de valoração e uma inconsistência com o padrão de contabilidade de conceitos e convenções. Neste caso, um estreitamento do foco sobre as interações imediatas entre atividade econômica e meio ambiente facilita as formas de mensuração e torna a comparação mais acurada. Os métodos práticos de contabilidade e agregação, entretanto, apenas são compatíveis com a sustentabilidade ambiental relativa ao desempenho e ao crescimento econômico. Assim, o trade off significa deixar de lado importantes dimensões do desenvolvimento sustentável, tais como saúde, segurança e equidade (BARTELMUS, 2008). 3 - Contabilidade para a sustentabilidade Enquanto as ciências naturais oferecem princípios básicos à interface economia-natureza, as ciências econômicas provêm a ferramenta para mensurar de forma sistêmica e agregada esta interface. Por sua vez, as leis da termodinâmica sobre conservação e dissipação de matéria e energia governam o uso dos recursos naturais. A contabilidade formal de dupla entrada pode, assim, ser aplicada para avaliar (1) o uso (input) da matéria prima, do espaço e da energia no processo econômico e (2) a dispersão (output) destes recursos na forma de lixo e resíduo do processo econômico sobre o meio ambiente. Os resultados contábeis são físicos, expressos em unidades de energia, área ou peso dos materiais (BARTELMUS, 2008). 1 Estes índices e indicadores monitoram a dinâmica da econosfera em relação às várias dimensões do desenvolvimento sustentável. A comparação destes fluxos físicos – que geram impactos ambientais – com os custos e benefícios da atividade econômica exige que os impactos sejam valorados monetariamente. Ambientalistas e economistas, para fazer esta distinção entre as abordagens econômica e ecológica do meio ambiente humano, discordam sobre o uso de medidas físicas ou monetárias para atribuir importância a esses impactos. Economistas procuram internalizar os custos dos impactos ambientais nos orçamentos e decisões das empresas. Ambientalistas, por outro lado, refutam a caracterização de bens (públicos) indivisíveis e sem valor de mercado em commoditites. Desta maneira, dois conceitos operacionais de sustentabilidade podem ser distinguidos de acordo com panorama econômico e ecológico. A sustentabilidade ecológica considera o fluxo de material proveniente do meio ambiente para a economia, seu retorno (como despejo), assim como a pressão sobre a capacidade de suporte dos ecossistemas. O objetivo, neste caso, é reduzir esta pressão a níveis toleráveis através da desmaterialização da economia. Nesta mesma linha, Robert Contanza (1994), define sustentabilidade como um objetivo de longo prazo, onde a concretização deste objetivo depende fundamentalmente de uma decisão social sobre o real desejo da sobrevivência de um sistema ecológico econômico. Assim, a sustentabilidade engloba a manutenção de: uma escala econômica sustentável em relação à capacidade de suporte do sistema ecológico; uma distribuição justa de recursos e oportunidades entre as gerações presentes e futuras, assim como entre os indivíduos de uma mesma geração; e uma alocação eficiente de recursos que adequadamente contabiliza ao capital natural. Por sua vez, a sustentabilidade econômica faz uso dos requisitos estabelecidos para o crescimento econômico: a manutenção do capital, e estende o conceito de capital manufaturado de modo a incluir o capital natural. Assim, os sistemas de contabilidade ambiental buscam capturar tanto o lado físico da sustentabilidade - a desmaterialização –, quanto o lado econômico – a manutenção do capital. Segundo Bartelmus (1998), dois sistemas de contabilidade têm tido sucesso na abordagem ecológica e econômica da sustentabilidade. A contabilidade de fluxo de material (Material Flow Accounts – MFA) e a tabela de entrada e saída física (Physical Input-Output Tables – PIOT) medem o fluxo de materiais em unidades físicas. O sistema das Nações Unidas para a contabilidade integrada de meio ambiente e economia engloba tanto a contabilidade física quanto a monetária, buscando criar uma compatibilidade com o Sistema de Contabilidade Nacional das Nações Unidas, adotada em muitos países. 3.1 - A contabilidade física Segundo Feijó et al. (2001), as primeiras propostas para um sistema de contabilidade de recursos ambientais consideravam apenas as contas em unidades físicas, sem qualquer tipo de associação de valores monetários. Os fluxos ou estoques relacionados à quantidade ou qualidade de energia seriam, desta forma, inventariados em contas específicas. Entretanto, por não possuírem um denominador comum 2 , torna-se inviável agregar os resultados dessas contas, ou mesmo afetar a medida do Produto Interno Bruto. Assim, essas propostas de contas ambientais em unidades físicas são vistas como uma etapa intermediária, necessária à construção das contas monetizadas, ainda que tenham um menor impacto que esta. Ou como destaca Bartelmus (1998), a contabilidade física seria um passo intermediário em direção à contabilidade econômica-ambiental integrada. A concepção de sustentabilidade ecológica do desempenho econômico, por sua vez, tem como requisito a agregação do fluxo material de saída e entrada do meio ambiente (throughputs). Com esta finalidade, a contabilidade do fluxo material calcula indicadores agregados de demanda total de material do processo econômico, assim como o despejo total de material na forma de lixo e poluentes (BARTELMUS, 1998). Assim, na medida em que a taxa de crescimento do produto interno bruto (PIB) excede a taxa de crescimento da demanda total de material, o PIB torna-se cada vez menos intensivo em matéria, sinalizando uma desmaterialização relativa da economia. Bartelmus (2008), porém, questiona se tal desmaterialização pode gerar crescimento econômico ambientalmente sustentável. Desta forma, muitos ambientalistas argumentam em favor de uma absoluta redução no fluxo de entrada e saída de material sem especificar, no entanto, o quanto desta redução seria necessário para a obtenção da sustentabilidade. 2 No sistema convencional de contabilidade, este papel é desempenhado pelo sistema de preços. Pearce & Turner (1990) não quantificam este montante, porém argumentam que a sustentabilidade é alcançada pela utilização dos recursos renováveis numa taxa inferior à taxa de renovação dos mesmos, assim como do despejo de poluição em um nível igual ou inferior à capacidade de assimilação do meio ambiente. Além disto, defendem que estoques de capital natural permaneçam constantes ao longo do tempo. 3.2 - Contabilidade monetária: dando enfoque ambiental às contas nacionais A contabilidade da renda nacional e a mensuração do bem estar econômico americano estabeleceram a sintonia para as primeiras tentativas de incorporar questões ambientais e sociais na contabilidade nacional. Entretanto, a interpretação da renda nacional como medida de bem estar continua controversa, uma vez que as contas nacionais geram indicadores de atividade econômica ao invés de indicadores de bem estar social. Neste sentido, há um acordo de que, mesmo num contexto mais estreito de produção e consumo econômico, a contabilidade convencional ignora, por exemplo, a perspectiva de escassez de recursos naturais que sustentam a economia e a degradação ambiental como um custo externo da atividade econômica. Segundo Feijó et al. (2001), os recursos naturais são ativos não produzidos, uma vez que sua geração não é fruto das atividades produtivas e a variação de seus estoques não pode afetar a renda convencionalmente calculada. Desta forma, as contas nacionais não contabilizam a exaustão e degradação destes recursos, mesmo que estes processos tenham relevância econômica. Neste sentido, economistas tendem a acreditar que, de forma geral, o bom desempenho do mercado acarreta um benefício para a sociedade, o que leva a uma relação explícita entre o PIB e o bem estar social e econômico, ainda que esta relação seja questionada quanto à sua intensidade. Sabe-se, porem, que parte desta relação é devido à incorporação de importantes elementos do PIB nas estatísticas de bem estar, como, por exemplo, o consumo privado. Assim, quanto mais bens e serviços são consumidos, melhor o desempenho do PIB e, consequentemente, maior o nível de bem estar. Entretanto, Costanza (2007) questiona essa atribuição positiva do consumo de bens e serviços sem qualquer consideração de valor, ou sem uma análise da sustentabilidade da escala de consumo de capital natural. Ou seja, o cálculo do PIB só considera os ganhos obtidos na exploração dos recursos naturais, gerando uma falsa impressão quanto ao seu uso. Quanto maior a exaustão e degradação das reservas de recursos naturais, maior será o crescimento do produto, sem que se leve em consideração a perda dos ativos não produzidos (FEIJÓ et al., 2001). Desta forma, como mencionado acima, alguns economistas estenderam o conceito de capital ao meio ambiente, em particular para recursos não renováveis. O sistema original de contabilidade integrada de meio ambiente e economia introduziu uma visão mais ampla do capital natural dentro da contabilidade nacional, incluindo os serviços ambientais realizados pelos ecossistemas, assim como excluindo outros serviços e amenidades perdidos ao longo do tempo, como consequência de ações antropogênicas. De acordo com Barbier et al. (1994), os serviços ambientais são funções do ecossistema que apóiam e protegem as atividades humanas, ou afetam o bem estar da sociedade. Elas incluem a manutenção da composição da atmosfera, estabilidade do clima, controle de inundações e abastecimento de água potável, recepção e assimilação de lixo e poluentes, reciclagem de nutrientes, suprimentos de alimentos, manutenção de espécies, manutenção dos cenários e paisagens, sítios para recreação, funções estéticas, entre outros. Entretanto, como salienta Costanza (2007), os serviços ambientais raramente estão refletidos nos preços dos recursos, ou são levados em conta pelas instituições da sociedade industrial. Nesta mesma linha, a capacidade de suporte dos ecossistemas para produzir recursos renováveis e serviços ambientais apenas recentemente começou a chamar atenção, apesar de sua inegável importância como pré-requisito para o desenvolvimento econômico. Em outras palavras: no longo prazo, o sistema econômico só será saudável se estabelecer uma simbiose com o sistema ecológico, desde que este também apresente uma condição salubre (COSTANZA, 2007). A busca pela sustentabilidade depende, então, da incorporação do capital natural e dos bens e serviços ambientais na contabilidade econômica e social. Assim, para se estimar estes valores, é necessário considerar o quanto da capacidade ecológica de suporte do sistema ainda pode ser perdida. Em outras palavras, é necessário saber qual o grau de substituibidade entre capital manufaturado e natural, assim como a magnitude de irreversibilidade do capital natural. Desta forma, a sustentabilidade é concebida dentro de uma rede convencional de indicadores de valor adicionado e formação de capital, o qual deduz o consumo de capital produzido de seus valores brutos. A contabilidade, tanto para consumo, quanto para manutenção do capital natural, estende esta noção de sustentabilidade para os múltiplos serviços ambientais e para a escassez do estoque dos recursos naturais na economia – e torna claro o ponto principal relativo à degradação e depleção física, além da regeneração natural 3 . Nas palavras de Feijó (2001): [...] os danos ambientais não são levados em consideração. Além disso, os custos de mitigação decorrentes de problemas ocasionados pela degradação dos recursos naturais são vistos como acréscimo do nível de atividade, como é o caso das despesas ocasionadas para despoluir e descontaminar o meio ambiente (FEIJÓ et al., 2001, p.326). Assim, como ressaltado anteriormente, as dificuldades para se mensurar a depreciação do capital fizeram do PIB o padrão para se mensurar o desempenho e o crescimento econômico de forma geral. Entretanto, fornecer ao PIB um caráter ambiental tem se tornado um fato extremamente relevante no contexto da contabilidade ambiental. Crescimento econômico, nas palavras de Robert Constanza (2007), pode ser considerado como destruição direta de capital natural e, a partir de certo ponto, pode ter um custo real superior ao do próprio crescimento. Ou seja, o sacrifício em termos de capital natural valerá mais que o capital manufaturado produzido, o que significa que o custo marginal do capital natural será maior que o custo marginal do capital manufaturado. Além desta fronteira, o crescimento se torna anti-econômico, gerando mais pobreza que riqueza. Os custos dos impactos ambientais em termos de consumo de capital natural exigem que as mudanças físicas sobre o capital natural (como redução na disponibilidade de recursos renováveis e não renováveis) sejam valoradas monetariamente. Este é um requisito para a manutenção dos conceitos de contabilidade e para a compilação dos agregados econômicos. Entretanto, a atribuição de valores monetários nas transações não mercadológicas tem sido motivo de divergências entre ambientalistas, contadores, economistas e etc. 3 A regeneração natural do meio ambiente pode ser vista como um processo de reparo natural - sem custo - e não como uma perda de capital. A valoração de mercado se aplica prontamente à depleção dos recursos naturais. Entretanto, segundo Bartelmus (2007), na ausência de preços de mercado para bens naturais não produzidos, a renda dos recursos naturais proveniente da venda dos produtos finais no mercado poderia ser usada para estimar o valor presente líquido e o custo de depleção do bem em questão. Para a degradação ambiental, o System for Integrated Environmental and Economic Accounting (SEEA) sugere estimar os custos de se evitar ou mitigar os impactos ambientais. Nesta linha, três propostas de ajuste das contas nacionais através da valoração da degradação dos recursos naturais são apresentadas por Feijó et al. (2001). A primeira é chamada de despesa defensiva, que são gastos classificados como consumo pessoal ou formação de capital, mas que não refletem uma melhora na qualidade de vida ou de produção da economia. Esta proposta sugere que sejam excluídos da demanda final os custos incorridos para se precaver contra a poluição ou degradação derivados do uso dos recursos de fluxo. Ou seja, a proposta é impedir que atividades provenientes da degradação ambiental sejam contabilizadas como acréscimo de riqueza à economia 4 . Outra forma de ajuste seria subtrair do produto as despesas futuras necessárias para evitar ou restaurar a degradação no período de referência. Logo, são gastos potenciais que deveriam ser realizados para manter o meio ambiente intacto ou restaurado, mas que não ocorrem. Esses gastos são classificados em despesas ambientais 5 (FEIJÓ et al., 2001). Finalmente, a terceira forma de tratar o uso dos recursos naturais nas Contas Nacionais seria por meio da valoração e consolidação das transações entre o meio ambiente – cujos serviços ambientais 6 geram custos e benefícios sociais – e os demais agentes. Neste caso, segundo Feijó et al. (2001): “O saldo entre serviços e perdas ambientais representaria o benefício líquido da utilização dos recursos naturais, e seria incorporado à produção ambiental” (FEIJÓ et al., 2001, p.334). 4 A principal crítica à despesa defensiva está na arbitrariedade da definição do que realmente se configura como despesa defensiva. 5 Como estes gastos não ocorrem, a valoração das despesas ambientais pode ser feita pela estimativa do montante necessário para se manter o meio ambiente intacto, ao contrário da despesa defensiva, que, por ter sido realizada, se utiliza dos próprios preços observados no mercado. 6 Os serviços ambientais seriam calculados pela disposição a pagar pelo tratamento do recurso e as perdas estimadas pela disposição a pagar pelo consumo dos recursos. A pesar da implementação da contabilidade ambiental ser complexa, grande parte desta complexidade é inerente ao próprio sistema de contabilidade nacional já existente. Entretanto, alguns estudos de caso que sustentam a viabilidade de sua implementação. 4 - Políticas para a utilização da contabilidade ambiental: o desempenho das nossas economias é sustentável? Quanto seria necessário em termos de desmaterialização para a obtenção da sustentabilidade? Segundo, Bartelmus (2008), o estabelecimento de padrões de desmaterialização representa uma visão crítica em relação a potencial transgressão dos últimos limites do meio ambiente. Economistas crêem que a acumulação de capital é o verdadeiro motor do crescimento econômico. Entretanto, a manutenção do capital (manufaturado e natural) não é condição suficiente para que a produção econômica não decline, uma vez que outros fatores de produção primários tais como capital humano, social e institucional não são levados em conta na contabilidade nacional. A manutenção do capital natural pode, assim, apenas melhorar a situação de sustentabilidade, mas não garante, necessariamente, o crescimento econômico sustentável (BARTELMUS, 2008). Segundo Costanza & Daly (1992), a sustentabilidade fraca presume apenas a manutenção do estoque de capital total (natural e manufaturado) no nível corrente, em oposição à sustentabilidade forte – também conhecida por condição mínima de sustentabilidade – que presume a manutenção do estoque de capital natural ao nível ou acima do nível corrente. Assim, quando a complementaridade inerente ao processo de consumo e produção apela pela preservação crítica do capital natural, o critério de sustentabilidade fraca não assegura crescimento econômico real com produção e consumo correntes. Neste caso, a preservação de bens de capital insubstituíveis seria garantida pelo estabelecimento de padrões de disponibilidade e/ou escassez crítica. A identificação, mensuração e valoração da complementaridade do uso de capital ainda é uma questão não resolvida. 5 - Modelando cenários de sustentabilidade A mudança da avaliação de desempenho econômico do passado para previsões de possibilidades de crescimento econômico e manutenção de capital apresenta alguns problemas analíticos incluindo: • Ocorrência da complementaridade no uso do capital natural; • Progresso tecnológico em poupança de capital, substituindo o processo produtivo; e • Mudança nos desenhos de produção e consumo que podem gerar mudanças nos impactos ambientais. A SEEA 2003 faz uma distinção útil entre indicadores (de contabilidade) ambientalmente ajustados que avaliam o desempenho econômico do passado e indicadores de economia ambiental, relativos a cenários alternativos. Desta forma, o PIB oriundo da economia ambiental é significativamente diferente do produto interno líquido (PIL) ambientalmente ajustado. Enquanto o PIL representa um quadro de “natureza morta” de uma economia que contabilizou os custos ambientais, o PIB da economia ambiental é o resultado da modelagem de conseqüências de internalizações de custos ambientais para mudanças estruturais e crescimento econômico (BARTELMUS, 2008). 6 - Formulação de políticas e monitoramento A disponibilidade de riqueza produtiva é a chave determinante para o crescimento potencial a longo prazo de uma economia. Uma redução na base de capital natural geraria uma alerta sobre os limites de crescimento econômico, um tema que vem preocupando ambientalistas e economistas ecológicos desde a publicação do relatório “Os Limites do Crescimento”, pelo Clube de Roma. Mais precisamente, a riqueza – enquanto estoque de capital – tem sido redescoberta como um instrumento de política essencial para o desenvolvimento sustentável. A idéia é recuperar a renda de todos os recursos para que sejam reinvestidos em um fundo de desenvolvimento. Uma força particular da contabilidade ambiental é a mensuração dos custos de depleção e degradação ambiental causados por agentes econômicos. Esta política, de acordo com o princípio do poluidor pagador é uma forma de atribuir aos agentes de produção e consumo a responsabilidade contábil por estes custos. Os economistas acreditam que instrumentos de mercado para internalização de custos materiais, tais como eco-taxas, preços de congestionamento, plano de reembolso de depósito ou permissões de poluição comercializáveis sejam mais eficientes para criar uma estrutura de produção e consumo mais sustentável que a estrutura de regulação top-down. Assim, na ausência de uma contabilidade econômica-ambiental integrada, as avaliações e alocações consistentes de custos ambientais são pouco viáveis. Neste caso, as exigências de políticas têm sido mais significativas e determinantes para o estabelecimento de instrumentos de mercado na maioria dos países do que a própria mensuração dos custos ambientais. A implementação de medidas de proteção ambiental, induzidas por regulações ou incentivos de mercado, exigem ainda que o setor privado e o governo arquem com as alocações e os gastos orçamentários necessários. Estes gastos ambientais atuais são, em princípio, cobertos pela contabilidade convencional, o que pode explicar sua popularidade com os contadores. Entretanto, a segregação dos gastos ambientais sob a forma de componentes agregados da contabilidade ainda gera problemas de classificação e mensuração. Finalmente, umas das recomendações mais importantes da Johannesburg Summit é a formação de parcerias público-privadas para suplementar políticas convencionais de governo de estilo top-down. A avaliação da eficiência de diferentes medidas de proteção ambiental, realizada por distintos atores, é provavelmente a tarefa mais útil dentro dos gastos de monitoramento ambiental. E não é uma tarefa fácil, dado o tempo de resposta do meio ambiente e humana a particulares medidas de proteção. 7 - Conclusão No passado, as altas taxas de retorno do capital manufaturado só eram possíveis em detrimento de taxas insustentáveis de depleção dos recursos naturais e consequente liquidação (não contabilizada) do capital natural. Entretanto, segundo Ahmada et al. (1989), a sociedade está aprendendo a deduzir a depleção do capital natural da contabilidade da renda nacional, antes positivamente contabilizada. A nova era do desenvolvimento sustentável não permitirá que a depleção do capital natural seja contabilizada como renda. Além disto, demandará novas e baixas taxas de retorno sobre o capital manufaturado – taxas adequadas às taxas biológicas de crescimento do capital natural, já que este será o grande fator limitante. O desenvolvimento econômico não representa mais uma opção aberta com amplas possibilidades para o mundo. A aceitação geral da idéia de desenvolvimento sustentável indica que se fixou um limite superior para o progresso material, representado pela magnitude do throughput (CAVALCANTI, 2003). O desenvolvimento experimentado pelo mundo nos últimos 200 anos se mostrou insustentável. A maximização da produção e do consumo definitivamente não é uma proposta sensata para combater a pobreza e aumentar o bem estar da população. Se fosse, o problema não teria solução (DALY, 2001). A consistência dos atuais procedimentos das contas nacionais se fragiliza quando a sustentabilidade das atividades econômicas é colocada em questão. A sustentabilidade, entendida como a capacidade de explorar os recursos naturais no presente sem comprometer os níveis de atividade e qualidade de vida no futuro, envolve uma perspectiva temporal mais ampla do que as contas nacionais estão aptas a lidar (FEIJÓ et al, 2001). Segundo May (2003), os métodos de avaliação do desenvolvimento sustentável de determinada economia estão longe de serem neutros. Na verdade, dependem muito de como a percepção e a abordagem da sustentabilidade são levadas em consideração para a manutenção do estoque dos recursos naturais. O desafio, portanto, é aumentar o bem estar sem desrespeitar os limites de capacidade de suporte do planeta. O desenvolvimento sustentável, por sua vez, condiz com esta premissa. O homem pode até ir além destes limites, mas vai esbarrar em restrições naturais e irreversíveis, impostas por sua própria ganância. Bibliografia AHMAD, Y. J., S. El SERAFY, & E. LUTZ., Environmental accounting for sustainable development. 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