os discursos da educação especial e engenharia genética

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OS DISCURSOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL E ENGENHARIA GENÉTICA
ACERCA DAS DEFICIÊNCIAS
Simone Moreira de Moura
Universidade Estadual de Londrina
Rua: Professor Samuel Moura, 491 - apto. 703 - Vila Judith Londrina, PR.
CEP: 86061-060
(043)30252838
[email protected]
Os
acontecimentos
atuais,
as
políticas,
as
tendências
jurídicas,
o
conhecimento científico e os projetos sociais formam um espectro de possibilidades
de posições frente à problemática das deficiências. Estas se manifestam sob
diversas formas e apresentam uma variedade de entendimentos e conceitos
divergentes. Os dados disponíveis refletem a imprecisão do conceito: de acordo com
um dado da OMS (Organização Mundial da Saúde), a prevalência de pessoas com
deficiência no mundo inteiro é de 10% em média, mas o banco de dados da ONU
(Organização das Nações Unidas), que compila as estatísticas de diferentes países,
menciona números que vão de 0,3% (na Tailândia) a 20% (na Nova Zelândia). Estes
exemplos mostram a dificuldade de se mensurar e definir o conceito de deficiência,
não existindo uma definição única. Como exemplo da imprecisão do conceito de
deficiências, podemos indicar alguns questionamentos: na atualidade uma pessoa
com um dedo artificial é considerada deficiente? Uma pessoa surda capaz de se
comunicar eficientemente usando a linguagem de sinais (LIBRAS) é deficiente?
Cada país coleta os seus dados sobre a deficiência com base no seu
entendimento do que seja; o que varia muito de um país para outro. Para obter uma
compreensão abrangente e produzir dados confiáveis e comparáveis, as agências
internacionais, como a OMS (Organização Mundial da Saúde), estão trabalhando
atualmente sobre uma definição geral. As modificações dos modelos existentes,
ocorridas nos últimos cinco anos, e o aparecimento de uma nova definição
(Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde - ICF)
mostram que ainda estamos num processo de compreensão da deficiência. Os
estudos em andamento, com vistas a alcançar uma definição internacional, são
extremamente desafiadores, pois os conceitos de deficiência são influenciados, em
grande medida, por fatores culturais.
Desta forma, ao abordar o tema, necessário se faz reconhecer não somente a
imprecisão do próprio conceito, como os diferentes ângulos da discussão sobre o
que a sociedade pode e deve fazer a respeito das pessoas que apresentam
deficiências. Desse espectro vale focalizar dois campos de discussão – o da
Educação Especial e o da Biotecnologia, com seus complexos dilemas sugeridos
pelos progressos científicos, particularmente na engenharia genética, que aponta a
possibilidade de se aprimorar geneticamente futuras gerações com a proposição
tanto de oferecer melhor qualidade de vida nas deficiências, quanto projeções de
supressão gradual de algumas categorias destas.
Neste sentido, este Relatório sobre a pesquisa desenvolvida junto ao Grupo
de Estudos e Pesquisa em Educação, Deficiências e Tecnologias (GEPEDTEC/UEL)
composto por alunos da Graduação dos Cursos de Pedagogia, Letras e Geografia;
Mestrado em Educação, que discutem em seus Trabalhos de Conclusão de Curso e
Iniciação Científica, temas que tocam em questões que visam dar a conhecer o
ponto de partida do principal fio condutor de nossos encontros e orientações, a
saber: apreender as concepções de deficiências emergentes do entrelaçamento dos
discursos da Educação Especial e Engenharia Genética acerca das deficiências.
Mesmo considerando que tanto o campo da Educação Especial, quanto da
Engenharia Genética, não são blocos homogêneos de concepções e práticas, pois
existem internamente inescapáveis divergências e contradições, é possível constatar
que cada um desses campos contém discursos predominantes que são distintos, por
vezes opostos, quanto ao presente e ao futuro das deficiências.
Com base nos estudos de MOURA (2007), BOARINI (2003), SANTOS (2003),
DUPAS (2001), NOVAES (2003), NUSSBAUM (2004), HABERMAS (2004),
SAMPAIO (2004), SINGER (2004) questionamos a busca de melhorias da vida do
homem, pautada por um discurso científico que cada vez mais tende a almejar a
ordenação das diferenças em nosso mundo, fixando-as no âmbito da norma e das
diagnoses, com a promessa ou a efetiva oferta tanto de cura ou reparação de
imperfeições humanas, quanto projeções de desaparecimento das deficiências.
Para o entrelaçamento destes dois campos de conhecimento, é preciso olhar
para as produções científicas que, em consonância com o campo da Educação
Especial, abordam as tecnologias, mais especificamente, aquelas nomeadas como
assistivas, entendidas como o arsenal de recursos e serviços utilizados para
proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência e que
visam em suas proposições oferecer maior independência, qualidade de vida e
inclusão social através da ampliação de sua comunicação, mobilidade, controle de
seu ambiente, habilidades diversas para o trabalho e a integração com a sociedade;
como também as produções do campo da engenharia genética que contém
referências
às
deficiências,
explorando
suas
causas
e
conseqüências
e
apresentando proposições de melhor qualidade de vida, prevenção, cura, detecção
antecipada e projetos que permitiriam o desaparecimento de disfunções biológicas.
Quanto a esse último ponto, vale ressaltar que não estamos a dizer que o
“progresso” da ciência tecnológica representa uma tentativa de acabar com as
deficiências em nome de uma cura geral da humanidade. Entretanto, seria
contraproducente - ao se colocar em relação os campos da Educação Especial e o
da Engenharia Genética -, não tocar nas divergências ou distinções quanto àquilo
que projetam, apesar de não haver um discurso uniforme em cada campo, como já
apontado.
O que se percebe são atenções que passam ora pela busca das tecnologias
assistivas que visam criar melhores condições de vida a seus beneficiários, ora pela
busca das biotecnologias, como o caso específico da engenharia genética, que
possuem projeções de que, gradualmente, certas deficiências deixem de existir.
Considerando que as preocupações apresentadas pela Educação Especial,
de ampliação das habilidades funcionais, maior independência e inclusão social,
através da ampliação de mobilidade, controle de seu ambiente, habilidades diversas
para o trabalho, podemos notar pontos de convergência com pesquisas e debates
da engenharia genética que abordam o aprimoramento de recursos e procedimentos
dirigidos à promoção da saúde e ampliação de oportunidades sociais a pessoas que
apresentam algum tipo de deficiência.
No entanto, é possível perceber que a temática deficiência é geralmente
abordada de forma ampla e mesmo quando há uma intenção de discutir problemas
específicos, o enfoque assumido não recai sobre as possíveis implicações geradas
pela interferência da ciência na modificação do homem, embora demonstrem
preocupações ético-políticas.
É importante esse aceno para a necessidade de dimensionar o uso das novas
tecnologias, mais especificamente a engenharia genética e os impactos individuais
acarretados na vida das pessoas. Por outro lado, inferimos que os dilemas não são
postos em relevo no ramo da engenharia genética acerca das deficiências, seja
porque são brevemente mencionadas, seja porque são vistas sob o enfoque
categorial de uma deficiência genérica (a deficiência ou a deficiência x).
Diante da complexidade e atualidade do tema proposto para esta
investigação, vale ressaltar a importância de se entrelaçar textos dos dois campos
de investigação em pauta, o que permitirá não só tecer análises sobre alguns
entendimentos circulantes e recorrentes com relação às deficiências, como também
colocá-los sob outra perspectiva, que diz respeito a uma sociedade que terá cada
dia mais que conviver com a existência das deficiências e com os novos desafios
propostos pelo uso das novas tecnologias, mais especificamente da engenharia
genética.
Nesse sentido, a problemática desta investigação se configura: quais
concepções de deficiência estão emergindo com o entrelaçamento dos discursos?
As contribuições da engenharia genética trarão um novo conceito de deficiência?
Assim, o que justifica a necessidade do entrelaçamento dos dois campos de
conhecimento, diz respeito às produções na área da Educação Especial que
abordam a tecnologia enquanto aparato propiciador de autonomia a sujeitos que
apresentam algum tipo de necessidade especial, e a ausência de pesquisas que
abarquem assuntos polêmicos suscitados pelas soluções apontadas pelo campo da
engenharia genética concernentes à posição social do deficiente.
Em contrapartida, periódicos especializados em engenharia genética vêm se
ocupando dos complexos dilemas sugeridos pelos progressos científicos e
debatendo, entre tantos problemas, a possibilidade de se melhorar geneticamente
futuras gerações, sinalizando como possibilidades; tratamentos de intervenção antes
do nascimento, liberdade reprodutiva e o uso de diagnósticos genéticos como
medida de saúde pública.
Com todo este avanço que demonstra a capacidade da ciência em
desenvolver cada vez mais tecnologias que facilitem a vida do homem, alguns
impasses se estabelecem no bojo destes progressos que aparecem em forma de
melhorias, mas também e exatamente por conter contradições, acabam por suscitar
questionamentos que são recorrentes ao se pensar as problemáticas vividas pelas
pessoas com deficiência, sendo inescapável à idéia de que a sociedade
representada pela ciência deve se não "curar", ao menos "consertar" os que fogem
ao estabelecido.
Esta talvez seja a grande contradição, pois não podemos e nem queremos
negar os avanços dessas descobertas científicas, que segundo os próprios
beneficiados configura-se como conquista, mas também não devemos pactuar com
posturas retrógradas que continuam por associar deficiência a defeito e,
conseqüentemente, à necessidade de se curar ou, em termos mais atuais, consertar
estas pessoas.
Assim, esta investigação objetiva aprofundar os estudos e análises sobre os
discursos dos progressos advindos da tecnologia para aprimorar a qualidade de vida
nas deficiências, como também promessa ou a efetiva oferta de cura ou reparação
de imperfeições humanas.
Espera-se com este estudo, contribuir para a promoção de reflexões que
possibilitem aos educadores (refiro-me a profissionais de várias áreas) e graduandos
envolverem-se de maneira mais direta e explícita em discussões de caráter político e
ético sobre conquistas e projeções do conhecimento tecnocientífico que visam ao
aprimoramento genético da espécie, acreditando ser de suma importância tal
debate, não somente por se tratar de uma discussão contemporânea, mas,
sobretudo, por sua importância social no tocante ao presente e ao futuro das
deficiências.
REFERÊNCIAS
BOARINI, M.L. Higiene e raças como projetos: higienismo e eugenismo no Brasil.
Maringá: Eduem, 2003.
DUPAS, G., “Ética e poder na sociedade da informação: revendo o mito do
progresso”. In Revista Brasileira de Educação, ANPEd, nº 18, set-out-nov-dez
2001, pp. 117-122;
GAGNEBIN, J.M. O rastro e a cicatriz: metáforas da memória. In: Pro-Posições.
Campinas, São Paulo: UNICAMP, v.13, n. 3 (39), set./dez., pp. 125-133, 2002.
HABERMAS, Jürgen. O futuro da natureza humana. São Paulo: Martins Fontes,
2004.
KURZ, R. Com todo vapor ao colapso. Trad. de José M. Macedo. Juiz de Fora:
UFJF/Pazulin, 2004.
MOURA, S. M. Deficiências, Educação e as Novas Tecnologias. UNIMEP,
Doutorado em Educação, Piracicaba/SP 2007.
NOVAES, A.(Org.). O homem-máquina: a ciência manipula o corpo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2003.
NUSSBAUM, M.C. Genética e justiça: tratando na doença, respeitando a diferença.
In: Impulso: Revista de Ciencias Sociais e Humanas, vol. 15, pp. 25-34, jan./abr.,
2004.
SAMPAIO, E. Biotecnologia ao serviço da inclusão de pessoas com
deficiências. Conferência Brasil e União Européia Ampliada. Universidade Federal
do Rio de Janeiro, set. 2004.
SANTOS, L. G. dos. Politizar as novas tecnologias: o impacto sócio-técnico da
informação digital e genética. São Paulo: Editora 34, 2003;
SINGER, Peter. Fazendo compras no supermercado genético. In Impulso: Revista
de Ciências Sociais e Humanas. Biotecnologia & Sociedade. Piracicaba: Editora
UNIMEP. Vol. 15, jan-abril/2004, nº 36, pp. 13-24.
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