31º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, DE 22 A 26 DE OUTUBRO DE 2007, CAXAMBU, MG ST 15 – ECONOMIA – POLÍTICA DA CULTURA AUTOR – EXPEDITO LEANDRO SILVA INSTITUIÇÃO: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO TÍTULO: “AMAZÔNIA CARIBENHA” – A inter-relação da musicalidade caribenha com a música popular do estado do Pará e o impacto da globalização na cultura local. 1 O Amor é Brega É verdade, o amor é brega Escovando os dentes de manhã Na janela O amor é brega como o pão saindo da padaria (...). Baby, love is pop, e pop é brega... (Cazuza) O presente trabalho pretende abordar as manifestaçãoes culturais, do caribe e sua vinda para a região Norte do Brasil, especificamente para o estado do Pará. Nesse sentido é preciso compreender essa atividade musical e sua contribuição na formação da cultura popular paraense. Outrossim, discutir aspectos relacionados com a cultura e a música popular do Pará e sua interação com a mídia regional e o impacto do mercado global. Estudar o ritmo brega paraense é compreender sua articulação e desenvolvimento no contexto intercultural, relacionando sua fusão e recepção com as músicas do Caribe. O brega tradicional ao fundir-se com as músicas dos países vizinhos, sob o impulso das novas tecnologias e do próprio comércio, adaptou-se a um novo estilo musical, o fenômeno Tecnobrega e suas Aparelhagens. Por muito tempo as aparelhagens foram vistas por alguns setores privilegiados da sociedade e, sobretudo pela mídia local apenas como uma enorme estrutura de som que animava as festas organizadas na periferia de Belém e que tinham o brega como o principal ritmo tocado. Com as transformações advindas das novas tecnologias e sua proliferação junto ao público popular, a música brega caracteriza-se como uma manifestação cultural interiorana e especificamente periférica, devido ao recente sucesso das aparelhagens. Que há tempo vêm animando as festas e shows em todo estado do Pará. Porém, a partir dos primeiros anos desse século, surgem as primeiras aparições das aparelhagens nos principais veículos de comunicação de Belém. Nesse sentido as emissoras de rádios produzem programas destinados ao gênero. Em grande parte esses programas, eram espaços locados nessas emissoras pelos donos das aparelhagens que objetivavam, divulgar tanto a sua empresa quanto o ritmo brega. Além disso, muitos 2 investimentos tecnológicos foram feitos nas aparelhagens, na mudança do visual, e também na iluminação. Com o surgimento do tecnobrega, ritmo que mistura tanto o brega paraense com a batida do tecno, muitas bandas começaram a fazer músicas que falavam das aparelhagens e dos sons automotivos e isso já era uma forma de divulgação, como por exemplo, o Tupinambá, Super Pop e Rubi. Em meio a esse processo a mídia eletrônica, (rádio e televisão) passou a divulgar com mais “intensidade” o trabalho das pessoas envolvidas nas aparelhagens e conseqüentemente a imagem das mesmas começaram a se modificar, deixando de ser valorizadas somente nos bairros periféricos e influenciando a participação de setores da classe média. Um dos fatores que contribuíram para a popularização e sucesso das aparelhagens e do ritmo brega está associado ao advento das novas tecnologias e os nichos de mercado que floresceram no “circuito bregueiro”. Essas transformações se devem não apenas a certo “rompimento”, se é que se pode dizer que houve um rompimento com relação ao preconceito existente às aparelhagens e aos freqüentadores do brega A comunicação vivenciada nas aparelhagens é também expressa na forma de símbolos. Feitos com os membros superiores do corpo, (por exemplo, T de Tupinambá - S, Super Pop e a pedra representada pelo seguinte símbolo: <> - Rubi), esses símbolos são utilizados como forma de identificação e pertencimento aquela tribo, neste caso a aparelhagem. Sendo assim, o indivíduo sente-se reconhecido no ambiente, tornase importante. Isso pode ser considerado um fator que contribuiu para que o número de freqüentadores de festas de aparelhagens tenha aumentado, principalmente, pelas pessoas que antes se sentiam rejeitadas em certos espaços culturais da sociedade ou então não conseguiam fazer parte dele. As aparelhagens podem ser vistas como um ambiente onde é mais fácil ser reconhecido e acolhido e melhor aceito pelo grupo, ou seja, em espaço menos preconceituoso. 3 No entanto, observa-se que além dos símbolos que o identifica, existe uma característica que integra a aparelhagem ao seu público. Nesse sentido, vale ressaltar a funcionalidade dos telões que além de projetarem clips e divulgarem o trabalho por ela realizado em outras regiões e casas noturnas. Por outro lado, a interatividade mais visível é quando o DJ exerce o papel de um “mensageiro”, uma espécie de “correioelegante”, na medida em que lê os recados que os freqüentadores mandam no decorrer da festa. O repertório pode ser bem variado, mas o que prevalece mesmo é o ritmo brega. Para o DJ Dinho, “a seleção musical varia de uma festa para outra, ou seja, a aparelhagem adapta-se ao público”. Diante disso entende-se que a cultura musical das aparelhagens faz parte de um entrelaçamento, que se conjuga a cultura tradicional, a popular e contemporânea. Nesse aspecto a cultura bregueira paraense contempla alguns requisitos da sociedade pós-moderna por se tratar de um fenômeno que, além de divulgar a cultura e a música local, está conectada com as manifestações da cultura externa, em particular a caribenha, visto que seu ritmo e swing bregueiro é acentuadamente marcado pela presença do Merengue, Zouck, Calypso, Cúmbia, Mambo, Lambada, Carimbo, entre outros. Quanto aos investimentos, todos são unânimes e não medem esforços na compra de equipamentos sofisticados. Vejamos o caso da aparelhagem Tupinambá, que possui cerca de 200 alto-falantes, cada um com potência de 1.000 watts, além de amplificadores, equalizadores de som, crossovers, aparelhos de sonoplastia (instant replays), a mesa de operação, os notebooks, a iluminação do cenário que é feita pelos moving head, os troubles, os telões de acrílico, onde têm conexões ligadas à câmera que captura as imagens da festa e também passam vídeo clipes. As caixas de som são feitas de compensado com um revestimento de alumínio, assim como o altar sonoro (mesa de controle do DJ) é revestida também de aço-inox. Quanto à produção dos CDs, não resta dúvida que em geral é de alta qualidade, porém, a rede de distribuição é tida como “primária”, mas bastante eficiente em resultados. Sendo “piratas”, na sua maioria, a divulgação e comércio ficam a cargo dos 4 camelôs. Portanto, o universo sedutor do “marketing pirata” concentra-se não apenas no preço, mas na identificação com o camelô que também é freqüentador das festas de brega. Para Hermano Viana, (2003) “os piratas são os inimigos "número 1” da indústria fonográfica. Mas, nem toda a música do mundo está sendo lançada pela indústria fonográfica. Portanto, imaginava eu, deveria existir em algum lugar do mundo alguma música que seria amiga da pirataria. Só não tinha encontrado ainda um exemplo concreto dessa relação "amigável”. É sabido que o brega permeia por todos os rincões do Brasil e que os goianos, Amado Batista, Odair José e o pernambucano Reginaldo Rossi, são os artistas nacionalmente mais identificados com esse gênero. Porém, é a cidade de Belém, no estado do Pará que detém o título de capital bregueira, pois é lá que são produzidos e lançados a cada ano mais de dois mil discos inéditos de brega, em muitas gravadoras independentes. O tecnobrega é um fenômeno que movimenta milhões de reais, abrangendo a organização do evento, a gravação de CDs que chegam ao consumidor sem a intervenção do lojista, pois os CDs são gravados em tempo real e vendidos durante a realização de cada festa. O valor pago por cada CD é de, aproximadamente, cinco reais, o que propicia ao comprador a certeza de ser parte do evento 1. Em suma, entende-se que as camadas populares apropriam-se da tecnologia e projetam um novo tipo de mercado no campo da indústria do entretenimento cultural. Diante desse fenômeno, o mercado tecnobrega, tem movimentado não apenas músicos do gênero, bregueiros e donos de aparelhaegens, mas outras categorias externas ao circuito bregueiro. Tanto que o seminário "Cultura Livre, Negócios Abertos" 2, realizado em março de 2007, na Fundação Getúlio Vargas onde se reuniram jornalistas, técnicos 1 LEMOS, Ronaldo. O Pixies – banda americana - fez isso, e foi um alarde. Mal sabiam que o tecnobrega já fazia isso há anos". É possível ganhar dinheiro através de um "modelo aberto". O reggae no Maranhão, o funk no Rio e o forró em todo o país também estão criando, indústrias e mercados alternativos, com CDs e DVDs de boa qualidade. Ver, a respeito, Ney (2007) tecnologia alia-se ao mercado pirata. 2 Em pauta: modelos de negócios abertos. Disponível em http//www.direito.fgv.br. Acesso em: 13 de julho de 2007. 5 da área econômica e acadêmicos,. para apresentarem os resultados de uma pesquisa sobre “Modelos de negócios abertos, ou Open Business”, realizada na América Latina e em todo Brasil. A seguir alguns dados relevantes sobre os negócios e a economia tecnobrega: • entre os anos de 2000 e 2005, o faturamento da indústria fonográfica caiu de R$ 94 milhões para R$ 52,9 milhões; • as bandas de tenobrega faturam mais de R$ 1 milhão com venda de uma média de 130 mil CDs; • os camelôs obtêm quase o mesmo valor com a venda de aproximadamente 180 mil CDs; tem-se, portanto, cerca de 310 mil unidades mensais vendidas e uma receita de R$ 2 milhões só com a comercialização das mídias. • cerca de R$ 24 milhões ao ano – faturamento exclusivo do mercado tecnobrega de Belém. Nesta mesma pesquisa, há uma estimava sobre o faturamento anual das bandas e das aparelhagens. Vejamos os dados: • Em relação às bandas, seu montante aproxima-se de R$ 3,3 milhões; • As aparelhagens faturam em média de R$ 3 milhões. Em síntese, tem-se um mercado que, só com shows, festas, CDs e DVDs, movimenta cerca de R$ 6,3 ao mês – ou cerca de R$ 75 milhões ao ano. Outro dado relevante é que 88% desses artistas nunca tiveram contrato com uma gravadora, mas são muito populares; 51% deles estimulam a venda dos CDs pelos camelôs, e 59% acham positiva a distribuição informal. Porém, as milionárias cifras resultantes do mercado bregueiro, não significam salários exorbitantes aos artistas e empreendedores do gênero. Por se tratar de um mercado inovador, dinâmico e exigente se faz necessário o ingresso de novos artistas e atualização dos agentes. Portanto, o retorno econômico e social varia muito. 6 • A renda média mensal dos cantores de bandas gira em torno de R$ 3.600, dos quais R$ 1.700 vêm de suas atividades no campo da música. • Entre os donos de aparelhagem, a porcentagem da renda obtida com sua atividade artística é melhor. Dos R$ 2.300 mensais, R$ 1.650 vêm das aparelhagens em média. O sucesso da música popular no mercado pirata não se restringe apenas ao mundo do tecnobrega, mas a outros gêneros de origem popular. Vejamos o caso do cantor e compositor de forró Fank Aguiar, que no início dos anos 1990, recorreu aos camelôs para a divulgação e venda de suas músicas, através de fitas cassetes. Segundo ele, “foi preciso recorrer aos camelôs por que queria que meu produto se tornasse conhecido, mas eu não tinha estrutura, as gravadoras não me queriam. Aí eu saía de banca em banca distribuindo as minhas fitas – isto é, eu gravava em fundo de quintal mesmo. Eram as condições que tinha. Depois era só levar aos camelôs”. (SILVA, 2003: 117). No entanto, a técnica publicitária associada ao mercado do camelô, manifesta-se da mesma forma que é utilizada por um grande lojista, ou seja, “vender um produto”, “aumentar o consumo” e “abrir mercados”. Nesse sentido, entende-se que as aparelhagens ao investirem num projeto de marketing , onde sua imagem é legitimada, sobretudo pela mídia eletrônica vai deixando de ser produto exclusivo da população periférica e passam a ser aceito pelas demais categorias sócio-econômicas. No entender do DJ Dinho a aparelhagem Tupinambá vem estruturando um público alvo. “Quer dizer - a mídia tem muita influência. E não só a mídia, mas também o tipo de pessoas que agora estão freqüentando as aparelhagens, porque a seleção já começa por ai, se você for numa festa do Tupinambá você vai pagar entre dez e quinze reais. Digamos, aquele vagabundo, aquela pessoa que não tem o que fazer, aquele malandro, claro que ele não deve ter esse dinheiro naquele momento pra pagar um ingresso desse, então ele fica excluído. E o que mais a gente se preocupa de não colocar festas de graça, 7 a questão do valor do ingresso é sempre manter esse padrão, justamente pra selecionar as pessoas que ali vão pro Tupinambá”. 3 No depoimento acima, observa-se que há uma segmentação de público por meio do poder aquisitivo, no entanto a musicalidade e a orquestração da festa permanecem a mesma a todos os públicos. É o lugar de encontros, onde circulam mensagens, sons, imagens, gestos e palavras, em síntese é o espaço da ritualidade. Porém, é o estado de magia que refaz o sentido a um público ora aparentemente afastado, “a magia não se esgota em nossa sociedade. Ela se insinua na fantasia, no delírio, na fruição estética. Na nossa vontade do eterno ou eterna vontade de mudança. Na inconseqüência, no belo, na ausência. Na louca estética do consumo. No afã da posse. (...). Ao consumidor resta acreditar nesta magia, e o produto passa a entrar na sua própria vida”. Wagner (apud ROCHA, 2001: 139). Hermano Viana, (2003) acrescenta que: “é o velho brega, com batida mais acelerada, feito só com sons de computadores. Parece um Kraftwerk de palafita, produzido sob calor equatorial por quem escutou muito carimbó, cúmbia, zouk e Renato e Seus Blue Caps - e não domina ainda totalmente os recursos do "cutand-paste" que hoje estão na base dos softwares de produção musical que podem ser baixados de graça em sites piratas da internet. Porém é essa atitude sem-cerimônia diante das máquinas que torna a música tão interessante, mais do que muito "projeto" eletrônico-fashionista "sério" que existe por aí”. As transformações provocadas pela globalização, alteram as formas de representação visual e identidades culturais. Contudo, verifica-se um processo de homogeneização, onde tradições mundiais são recalcadas e até “suprimidas” via propagação midiática. Por isso, a divulgação nas rádios, nas aparelhagens e nos camelôs levam ao sucesso e a contratação de shows. Todavia, seus grandes sucessos são “metamídia”, a temática em geral são alusões e elogios aos DJs, aos programas de rádio 3 Depoimento do DJ Dinho – Belém-PA, 12 de Jul 2005 8 e de TV, às aparelhagens e à fã-clubes de aparelhagens. E assim, todo mundo encontra seu devido lugar numa nova cadeia produtiva, totalmente descolada da economia oficial. A letra da música, a seguir contextualiza um pouco da realidade acima citada. Novo Tupinambá-Fantástico Tupinambá – (Nelsinho Rodrigues) A festa tá pai d'égua Tá muito legal Esse é o fantástico Novo Tupinambá Todo mundo tá dançando É sensacional Tem o DJ Toninho/E Ágatha Quando o DJ Dinho toca O povo se levanta Ninguém fica parado Até a mãe dele dança Quando o DJ Dinho toca O povo se levanta Ninguém fica parado. (...) Arrepia DJ Dinho Faz o "T", faz o ‘T”... Outrossim, a nomenclatura das aparelhagens indica poder, força, potência, status e prestígio. O próprio nome da aparelhagem simboliza força e poder. Por exemplo: Furação, Esplêndido Rubi, Treme Terra-Tupinambá, Super Pop, Príncipe Negro, entre outros. No entanto, não é de grande valia possuir uma grande aparelhagem de alta potência e sofisticação, porém é necessário conquistar prestígio e associar, a valores, simbólicos ao universo das músicas, dos ídolos e dos equipamentos. Inicialmente essas aparelhagens eram montadas de acordo com os recursos do dono, isto é, artesanalmente, a base de válvulas e caixas de som de fabricação caseira. Hoje, se tornou referência a um grande empreendimento, moldado com os mais modernos equipamentos computadorizados de alta potência eletrônica, com direito a um mix de refletores e vários telões que transmitem as imagens do show instantaneamente levando ao público um universo “mágico”, sedutor. Em suma, com a modernização das aparelhagens, a produção artesanal ficou no esquecimento, cedendo lugar a tecnologia digital,. repleta de mixiador, equalizador, câmara eco, tape deck, bateria eletrônica, entre outros. Conseqüentemente o sucesso das aparelhagens depende de um investimento de médio e grande porte. 9 Brega: O Ritmo que seduz a sociedade paraense “Ah, se o mundo inteiro pudesse sentir o poder da harmonia...”. (Mozart) Entende-se que a musicalidade “brega paraense,” é originária da experiência de lazer e entretenimento dos jovens e adultos da periferia da cidade de Belém, onde seu ritmo é oriundo das zonas de prostituição e das regiões de garimpo da Amazônia. Talvez por isso, essas categorias associam-se, através da música, utilizando-a como instrumento de vivência coletiva, de liberdade, de independência e entretenimento, de modo que a cultura brega tradicional transformou-se em uma “nova” “marca” da musicalidade popular, denominada de “tecnobrega”. O que diferencia do ritmo brega tradicional é a linguagem, e os equipamentos eletrônicos. Quanto à vestimenta, parece não haver grandes modificações, porém, o vínculo de pertencimento está presente no brilho das roupas, na dança e na coreografia. No entanto, em meio à cerimônia da festa, há um destaque específico que é o fato de todos, isto é, jovens e adultos, curtirem e sentirem-se contemplados com a cultura bregueira paraense, esse sentimento é bastante visível nas conversas entre populares, bregueiros e artistas do gênero. Porém, é visível também a aquisição de novos significados, “opondo-se” ao brega antigo, tais como: novos símbolos, conceitos modernos nas composições das músicas e referências tecnológicas, além de uma fusão de novos códigos de linguagens identificando-se com o mercado e os símbolos da cultura internacional. No entanto, os vínculos materiais históricos os levam ao reconhecimento da similaridade e não a expressão de identidade. A etnicidade não é vazia de conteúdo cultural, mas ela nunca é também a simples expressão de uma cultura já pronta. No caso da musicalidade brega é um mix de vários ritmos nacionais e estrangeiros. Contemporaneamente, os processos de redefinição de novas formas de sociabilidade contam com modalidades outras, distintas em relação às formas concretas e estáveis que definiam sociabilidade tradicional e até a moderna. São assim, aleatórias, fluídas e movediças; abertas em permanência e constantes variações. Aonde uma 10 mesma pessoa chega a desempenhar uma grande diversidade de experiências, podendo pertencer a uma ou mais coletividades, simultaneamente ou não. Nesse sentido, a penetração dos dispositivos midiáticos, responsáveis pela nova experiência que se instaura no planeta, teria um papel instituinte no processo de construção de identidade dos grupos sociais que vêm emergindo na contemporaneidade. Grupos esses que adquirem características semelhantes em qualquer parte do mundo, sem, contudo, deixar de possuir especificidades, pois a questão não seria unicamente estar imerso em um processo global, mas ter suas identidades, muitas vezes, constituídas a partir deste. É inclusive, o que parece se confirmar em relação ao movimento brega/tecnobrega paraense. Tanto o brega quanto o tecnobrega de Belém, embora possua características manifestadas em relação aos grupos sociais emergentes – e no caso a comunidade midiática – exerce um papel preponderante na formação deste e não pode ser tratado unicamente como tal, pois existem algumas variáveis que devem ser observadas com cuidado. Trata-se de um ajuntamento onde a maioria dos freqüentadores são jovens pobres da periferia da grande Belém. No entanto, vale ressaltar, neste contexto, o caráter minimizante que a identidade étnica parece adquirir. Apesar de a ambivalência sugerir a possibilidade de um grupo. Genealogia bregueira: Mutações Rítmicas e Culturais. O termo “brega”, segundo alguns pesquisadores, adveio de uma corruptela de “Nóbrega”, nome de rua de uma “casa de recurso”, ao que consta, a placa foi se apagando até que ficou apenas “brega”. Era lá, nesta casa de baixo meretrício, que se tocavam as músicas que falavam sobre amores perdidos, dores de cotovelo, que tanto agradavam ao povo. De acordo com a Enciclopédia da Música Brasileira, brega, “é um termo utilizado para designar coisa barata, descuidada e malfeita, é a música mais banal, 11 óbvia, direta, sentimental e rotineira possível, que não foge ao uso sem criatividade de clichês musicais ou literários”. 4 Brega na expressão popular, com origem nordestina, significa lupanar, prostíbulo. Também tem a acepção de deselegante, cafona, numa clara referência ao estilo de seus freqüentadores. Designa, finalmente, um gênero musical de cunho popular. A denominação, originalmente de cunho pejorativo e discriminatório, foi entretanto incorporado e assumido, “perdendo” com o tempo esta acepção. Originalmente, o gênero musical brasileiro, o estilo brega, pode encontrar suas raízes em todos os artistas que de alguma forma exibiram em seu repertório canções de melodia forte, letras simples e excessivamente romântica – popularmente conhecida como música de dor-de-cotovelo -, e que pode ser encontrada desde a década de 1930, nas músicas classicas interpretadas por Vicente Celestino, como por exemplo as canções: “O “Ébrio e Coração Materno”. Esta temática foi seguida, nas décadas posteriores, pelos ritmos “samba-canção” e “bolero”, e assim, fundiram-se num fenômeno de grande popularidade, nas chamadas serestas, que alcançaram grande sucesso no final dos anos 1950 e início dos 1960, nas vozes de cantores como Waldick Soriano, Anísio Silva, Nelson Gonçalves, Silvio Caldas, entre outros. De modo que o termo brega, nos anos 1980, foi propagado para designar esta categoria musical, sintetizando numa palavra, de forma pejorativa, tudo aquilo considerado de mau gosto. Finais dos anos 1980 e toda a década de 1990, o brega retoma seu espaço, a partir de um novo ritmo musical bregueiro. O brega sertanejo identificando-se com as classes populares e influenciando a classe média, através do sucesso paulatino das duplas de cantores. Os cantores com grande vendagem da classe baixa da população foram assumindo o termo que, então, “praticamente perdeu” o cunho pejorativo, para 4 Enciclopédia da música brasileira: popular, erudita e folclórica. 2ª ed. São Paulo: Art Ed./Publifolha, 1998: 117. 12 designar um estilo, não apenas de preferência musical, mas de se vestir, falar e agir. Marginalizados pela mídia, muitos dos cantores que experimentavam o ostracismo retornam com seus sucessos. Em suma, “Barbero (apud MIRA, 1995: 202) resumiu bem essa forma de discriminação. “Uma classe se afirma negando à outra sua existência na cultura, desvalorizando pura e simplesmente qualquer outra estética, isto é, qualquer outra sensibilidade...”. O Brega atual surge a partir de uma nova maneira de dançar. Para os defensores desse gênero, sua origem está no Iê – Iê – Iê – norte americano e nos ritmos musicais caribenhos. Tornando-se aceitável ao gosto do público brasileiro. Ser aceito pelo público brasileiro, nos faz recorrer ao conceito de Jesús Martim Barbero, (2001: 203) quando se refere à cultura de massa. “Dizer cultura de massa em geral, equivale a nomear aquilo que é entendido como um conjunto de meios massivos de comunicação. (...) que se passa na cultura quando as readaptações da hegemonia, que, desde o século XIX, fazem da cultura um espaço estratégico para reconciliação das classes e a reabsorção das diferenças sociais”. Vale lembrar também que o ritmo brega interage com o estilo e ritmo da lambada caribenha. Por outro lado, tanto o brega, quanto a lambada são manifestações musicais “inspiradas”, a partir do “Carimbó Eletrificado”; surgido por volta da década de 1970. No entanto, o ritmo brega recebeu outras influências musicais e coreografias, tais como: o Zouk dança típica da Guiana Francesa e das Antilhas colonizadas pela França, a Salsa e o Bolero cubano, o Merengue dominicano, entre outros. Pode-se dizer que o brega paraense caracteriza-se numa fusão desses ritmos, consolidando-se como gênero musical de identidade regional. Isso se deve ao acesso de novas formas de comunicação, aliada às novas mídias, impulsionando esse movimento musical para envolver mais adeptos, numa dimensão mais ampla, transformando-se em um dos produtos da cultura popular de maior aceitação. Nesse aspecto, 13 “a velocidade de circulação e, portanto, a obsolescência acelerada se combinam numa alegoria de juventude: no mercado, as mercadorias devem ser novas devem ter o estilo da moda, devem captar as mudanças mais insignificantes do ar dos tempos. A renovação incessante necessária ao mercado capitalista que captura o mito da novidade permanente que também impulsiona a juventude. Nunca as necessidades do mercado estiveram afinadas tão precisamente ao imaginário de seus consumidores”. (SARLO, 1997: 41). A reorganização do erudito e popular faz parte dos novos processos de produção industrial, contando com a eletrônica e a informática. Para o mercado, o que interessa é a popularidade, enquanto o popular, fica em segundo plano. Popularidade significa adesão a uma ordem e uma consciência esfacelada. Nesse sentido, o povo é o sujeito que se apresenta, e a popularidade ao contrário faz a representação. Sendo assim, como a arte tem seus vínculos com as manifestações e determinações sociais, o movimento brega paraense pode ser explicado a partir das relações sociais da sua época. Além de representar à sociedade e sua arte que cumpre a função de reelaborar as estruturas sociais. Nesse caso específico, A reelaboração do movimento brega vem sendo construída com base numa ordem social hierarquizada, considerando os ritmos originais das manifestações populares do estado do Pará. Em síntese, esse movimento musical, identifica-se por uma variedade de estilos e ritmos. Inicialmente, alguns defensores desse ritmo, propuseram substituir o termo brega pela denominação Calypso ou Amazon Music, por ser mais vendável e também porque o paraense da classe média, apesar de gostar do estilo musical não admite ter simpatia por associar a palavra brega a algo kitsh, exagerado e cafona, ou seja, nacionalmente o nome brega tem uma conotação pejorativa. Diante do sucesso da Banda Calypso, no início de 2000, seus divulgadores acharam por bem substituir o termo brega pela a denominação “calypso”. Calypso é um ritmo musical e dançante que chegou a Amazônia brasileira, mais precisamente ao estado do Pará, por meio das migrações e viagens realizadas pelos 14 paraenses aos países vizinhos tais como: Guiana, Guiana Francesa e Suriname. Porém, vale registrar que é uma criação artística e musical da Ilha de Trinidad Tobago. Para o trindadense, senhor Ayegoro Ome, 5 “a música africana se desenvolveu de várias maneiras, uma delas foi o calypso. O calypso são duas coisas: primeira por ser uma música que conta história, narra os acontecimentos sociais, tais como: o cotidiano da política, ou seja, as fofocas ou qualquer assunto que se encontra em um jornal. Essa temática encontra-se nas letras da música de calypso. Segunda por ser um ritmo bastante afro-espanhol, afro-francês, enfim tem elementos diferentes. No período colonial a música calypso era usada de uma forma subversiva contra o colonialismo. E a polícia costumava ir às casas e proibir a execução das músicas cujas letras fossem consideradas ofensivas. Numa outra época, era necessário submeter à música a comissão da polícia antes de cantá-la nas casas ou em praça pública. Daí então, as letras das músicas eram enviadas a Londres para serem apreciadas pela censura londrina que decidia se aquela música poderia ser cantada ou não pelo povo”. Originalmente, a palavra calipso se escreve com ‘i’ e designa um gênero musical de origem popular, onde a crítica e o improviso são vivenciados por populares de Trinidad Tobago. “No Brasil, mais especificamente na linguagem musical bregueira, a palavra calipso se escreve com ‘y’. Aos paraenses significa ritmo dançante, recriado no Pará a partir de vários ritmos caribenhos e cubanos. Em outras regiões do Brasil, a palavra calypso está associada à banda que se tornou o maior fenômeno da música brasileira em meados dos anos 2000. Com centenas de shows em todo país e no exterior, sobretudo na Europa. Diante do grande sucesso da Banda Calypso e outras do gênero, o termo calypso tornou-se referência e sinônimo a uma nova denominação do ritmo brega”. 6 5 Ayergoro Ome (diretor da academia do calypso). Música Libre: Trinidadd e Tobago. Canal. GNT – 2000. Todas as notas que apresentarem o título “Música Libre, refere-se ao programa exibido no canal GNT em 15 abril 2005. 6 OLIVEIRA. Edson Coelho de. Pará sempre fez o Brasil dançar. www.orm.oliberal – Acesso em 12 mar 2006 15 Ao adequar o estilo brega às exigências da mídia e ao público em geral, a Banda Calypso, assume o termo calypso como música e ritmo paraense, ao mesmo tempo rejeita a terminologia brega. É o que nos confirma a música a seguir interpretada pela vocalista da banda: Joelma. Dançando Calypso Chega pra cá meu bem que vou te ensinar À nossa dança do Estado do Pará É o calypso que chegou para ficar Esse swingue você vai também, vai entrar Mexe o pezinho e vai soltando todo corpo de vez, .... Para Barbero, (2001: 201) “há no elitismo uma secreta tendência a identificar o bom com o sério e o literalmente valioso com o emocionante frio. De maneira que “o outro”, o que agrada as pessoas comuns, poderá ser em suma algum tipo de entretenimento, mas não a literatura”. Ora, quando os defensores do brega utilizam-se da tecnologia, criando novas linguagens e terminologias como tecnobrega e calypso. Leva-nos a pensar que a popular cultura bregueira, estaria parodiando a cultura erudita, oficial e moderna? Entretanto verifica-se que o calypso paraense e o calypso de Trinidad Tobago, tiveram novas versões, transformando-se em um ritmo mais dançante e lucrativo. Para a cantora trindadense Sandra Singing 7, “em Trinidad, as duas raças majoritárias são: a africana e a indiana. Elas equivalem cada uma a quarenta por cento da população. Porém o último censo revela que atualmente há mais indianos que africanos. A música Soca 8 , foi uma combinação do ritmo africano e indiano e assim, ajudou a unificar as raças e as culturas. O desenvolvimento a qual chamamos soca, é muito interessante. (...). A maioria das músicas de calypso tem um ritmo dançante. Porém, a soca adicionou um pouco mais. No entanto, o calypso está mais relacionado às 7 Sandra Singing . Ver, a respeito, Sá (2005) Música Libre 8- Ritmo dançante derivado do calypso com influência da música eletrônica. Em suma, poderíamos definir que a Soca é um Calypso eletrônico, moderno. 16 histórias, enquanto a soca é uma música que tem um apelo mais dançante. Pode-se até dançar calypso, mas é mais um “arrasta-pé”. Na opinião de outro trindadense, Devon Beale 9 , “Os jovens acham o calypso mais lento. Eles querem pular e requebrar. Atualmente o que se ouve mais é a musicalidade Soca, principalmente seu ritmo. É rápido demais para o corpo humano agüentar o tempo todo. Imagina é muito mais rápida que a batida do coração”. Diante disso, conclui-se que o calypso de Trinidad e Tobago está para a soca, assim como, o brega tradicional está para o calypso paraense e, sobretudo para o tecnobrega. As festas: momentos de interação, sociabilidade e entretenimento. “A música qualquer que seja o som e a estrutura que adote, continuará sendo um ruído sem significação se não sensibilizar um espírito receptor”. (Hindemith) Como todo objeto tem seu significado, a música brega se reproduz a partir das referências e significações locais, desde ambiente de trabalho, o espaço familiar, as feiras de bairros, camelôs e lojas especializadas no gênero. É incluindo as emissoras de rádios de longo alcance e comunitárias, televisão e as rádios de poste 10 . Quanto à realização das festas públicas, há um cronograma tradicional a ser cumprido, onde contempla as datas cívicas, religiosas, políticas ou festejar o aniversário de um DJ, entre outros. Aglutinando a população em praças, praias, bares, boates e clubes. Esses shows são pautados pelo repertório da música brega, com artistas, bandas de brega, tecnobrega e DJs. Esses eventos tornam-se mais intensivos em épocas de 9 Devon Beale. Op.cit. 10- Esse tipo de rádio é composto por equipamentos de aparelho de som, sendo montados em uma pequena cabine geralmente improvisada nas proximidades da feira ou em um bairro popular. São instalados alto-falantes ou caixas acústicas em postes estratégicos que reproduz o som na rua. Sua programação segue o padrão das emissoras oficias. Com vinhetas publicitárias e informação em geral. 17 férias, sobretudo no mês de julho quando se vivência o verão paraense. Devido às férias de verão, os shows e eventos de brega se proliferam por toda parte da cidade de Belém, do interior e, sobretudo nas praias e ilhas. No entanto há uma intensa campanha por parte do comércio e das emissoras de rádios e televisão, convocando a população a prestigiarem seus eventos. Segundo, José Maria da Silva, (1991) “Essas festas recebem nomes, de modo a se trabalhar o marketing para atrair o público. (...) São promoções que, pelo visto, têm público e dão certo, pois os locais em que se realizam ficam sempre lotados. Um ar descontraído e divertido é a marca dessas festas. Quase sempre há concursos de dança e o salão fica completamente tomado pelas pessoas que procuram exibir a melhor performance. (...). Danças horas seguidas; o suor toma conta do corpo. Se o salão está cheio, procurase um espaço pelas laterais ou até mesmo do lado de fora do local em que a festa se realiza para dançar” Logo, o divertimento nos bairros populares é recheado de muita bebida, bate – papo e dança, que ambientalisa o local. Descontraindo e alegrando os freqüentadores, sobretudo nas casas noturnas e bares. Contudo a música brega pode ser vista por meio do convívio social, estando presente numa dialética imaginativa, contemporânea. Além disso, há uma unificação no processo sociocultural, entre universo cultural e sociedade. São experiências de um mundo real e imaginário que se concretiza nas letras das canções, na própria levada musical. No entanto, as composições da música brega, são em sua maioria verdadeiras compilações de casos amorosos, da vida real, que as transforma em uma obra poética musical. São sentimentos ora alegres, ora tristes, transformados em poesia. Porém, esse sentimento identificando artista e público, sempre esteve sintonizado no universo artístico musical, isto é, independente de ser ou não ser brega. No entanto, é comum entre os artistas a definição de que brega é música para dor-de-cotovelo, é um bolero mais dançante que fala da garota, do homem, da mulher que está sofrendo pelo amor perdido. 18 O brega, (SILVA: 1991)“tem que ter cheiro de povo, ir para as aparelhagens de som, como aqui em Belém, para as danceterias; tem que ser cantada pela lavadeira e pela dama da sociedade; tem que falar do cotidiano e de amor. Pois, ainda que chame de brega, ninguém até hoje conseguiu dizer eu te amo de outra forma”. Em suma, estamos diante de uma musicalidade que retrata relações amorosas do nosso dia-a-dia. É a história de muitos casais que trocam de parceiros e parceiras, como bem define a canção a seguir. (Lá vai ele/Com a cabeça enfeitada/Sem saber que a sua amada/Lhe traiu com outro alguém). Composição: Alípio Martins / Marcelle Essas narrativas das histórias de amores, verdadeiros ou não, simbolizam algo concreto, já experimentado, os bons momentos que marcaram uma vida a dois. E que a imaginação por meio da canção propicia um retorno, aos tempos da convivência, aqui o lamento junta-se ao prazer, a própria vida conjugal que é revisitada pela emoção,. que na maioria das vezes nem o tempo conseguirá apagar. Por isso, a música é a sua companheira, aquela que assume um papel mediador, ou seja, ao ouvinte a possibilidade do desabafo, de expor suas mágoas, externar sua revolta por ter sido traído ou perdido seu grande amor. Depois acalenta com afirmações que nem tudo está perdido, pois um novo amor lhe aguarda. O público da música brega, é originalmente composto pelas populações pobres, oriundos basicamente de algumas profissões, tais como: pedreiro, caminhoneiro, carpinteiro, garimpeiro, motorista, empregada doméstica, somando-se aos moradores de vilas e povoados do interior rural, entre outras. No entanto, quando as classes sociais (médias e populares) assumem essa identificação de ter o brega como cultura local,. demonstra que houve um “rompimento” das barreiras antes demarcadas, ou seja, o deixou de ser referência de zonas de prostituição, (bolero, brega e bordel) das boates e dos cabarés. Com uma levada mais dançante, a classe média local, integra-se com mais naturalidade. Observa-se que esse tipo de público tem uma fidelidade com esse estilo de música há muito tempo, pois suas histórias amorosas também são relatadas nessas canções. O público do brega classifica-se em três segmentos. (SILVA, 1991: 78) 19 1 “O público cativo – formado em sua maioria pelas classes pobres, ou de sua origem, para as quais a música brega faz parte de seu universo sociocultural.” Trata-se de um público que não só vai às festas para dançar sobre o ritmo da música, mas adquire discos desse estilo e ouve programas com predomínio do mesmo com a finalidade de “curtir”, atualizar-se em relação aos sucessos recém-lançados etc. A música aqui, faz parte de uma apreensão total do universo estético do indivíduo; 2 O público opcional – aquele que ouve e dança a música brega por opção, sem, no entanto, adquirir discos como o descrito anteriormente. Aqui, incluem-se pessoas de formação universitária que foram de algum modo, educados ouvindo esse tipo de música. 3 O público momentâneo – formado por pessoas de classe média, formação universitária, que vão às festas para dançar, mas não tem o brega como consumo cultural. É o público de MPB que freqüenta boates de classe média, onde esse estilo de música faz parte do repertório da festa”. É bom lembrar que a musicalidade brega explicita a vida cotidiana, por meio das narrativas, levando o individuo a vivenciar um sonho, uma história de amor que em alguns casos nunca vivenciou. Ao mesmo tempo torna-se cúmplice, ou seja, apropria-se da história do outro como se fosse dele. Portanto, a música é sem dúvida a companheira, mediadora entre o sujeito e o amor desejado. Vejamos a letra de uma canção do brega antigo, onde o homem lança-se ao garimpo na busca de uma pepita para presentear sua amada. Paixão de Garimpeiro, G. Rossi e G. Rodrigues. (apud SILVA, 1991: 95). Sou um garimpeiro apaixonado Quero você sempre ao meu lado Nas noites frias de luar Quando amanhece um novo dia Eu piso na terra fria E começo a garimpar Na esperança de um dia Uma pepita eu encontrar Pra te ofertar “O meu amor”. 20 Todavia, a letra da música brega tradicional enfatiza as relações amorosas, excluindo a drasticidade. Enquanto o brega contemporâneo focaliza conflitos dramáticos, expressando sentimento de reconciliação. No repertório da musicalidade brega tradicional – brega bolero - está sempre presente expressões de desencantos amorosos, idéias fracassadas, engano, traição e sentimento. São esses e outros ingredientes que fazem parte da temática do brega antigo. No entanto, o brega contemporâneo narra o conflito amoroso, a partir da conquista ou reconquista da pessoa amada. O principal enfoque é a reconciliação e as declarações amorosas. Tais como: “Eu pedi pra você não me deixar – Mas você não ligou e me deixou”. A seguir veremos a letra de uma música, típica de um brega contemporâneo do início dos anos 2000. Interpretada pela dupla sertaneja Bruno e Marrone com a participação especial de Joelma, vocalista da Banda Calypso. Por Que Choras? Por que chora assim? Se quando foi embora nem pensou em mim Você me disse adeus sorrindo e eu chorei E disse que era pouco tudo que eu te dei Você jogou trapaceou fazendo mal E me deixando à beira de um abismo Foi egoísmo seu. E agora chora Pedindo pra voltar de qualquer jeito Nem sabe que aqui dentro do meu peito Existem marcas do seu abandono Que tiram o sono... Por que chora assim? No jogo do amor eu não fui desleal No entanto, as composições e a temática do estilo brega unificam-se por meio dos sentimentos e relações amorosas, uma vez que o amor é um adjetivo marcante para a formatação da canção. Igualmente, o que se evidencia é o desejo de um dia encontrar o amor ideal. Ainda discorrendo sobre a temática do brega tradicional, nota-se também referência enfática, a infidelidade e a traição por parte da mulher. Porém, essa traição 21 poética da canção brega concebe as relações amorosas pela ótica de uma visão machista, em que o homem é visto como a vítima, aquele que foi enganado, traído. Enquanto a mulher é vista como a traidora e cruel, aquela que abandonou o lar, em busca de uma aventura amorosa. No entanto, para reconquistar a amada e obter a atenção e carinho por parte dela, ele promete objetos matérias, tais como: uma casa bonita, viagem de avião ou navio, dinheiro e tudo que sua imaginação permitir. São objetos concretos que o homem oferece e coloca-se como o provedor da casa e da própria mulher. Em contra partida, a mulher deve ser obediente e subserviente ao amante, prestando fidelidade e amor. Já foi dito que as canções do brega contemporâneo abordam os conflitos, as angústias, a solidão e o sofrimento por ter perdido a amada ou o amado. No entanto, procura visualizar um amor perdido, a constante busca de reconciliação e a reaproximação das relações interrompidas. Em outro momento, a música revela um estado de abandono que se encontra a vítima, levando uma profunda depressão e uma vida melancólica, tendo como única saída a própria morte, ou seja, “viver já não faz sentido”. Neste aspecto, a felicidade no amor é vista como algo predestinado, coisas que os humanos não explicam, apenas vivem. Daí a vítima está sempre sujeita ao acaso, isto é, a boa ou má sorte. Portanto, sendo real ou não, observa-se que a musicalidade bregueira caracterizou-se ao longo dos tempos como um apoio, um “ancoradouro” para aqueles e aquelas que foram traídos e estão desiludidos com suas relações amorosas. Verifica-se ainda que este tipo de canção que retrata o sofrimento é, no entanto, uma espécie de refúgio, uma fuga, melhor dizendo, algo anestésico que alivia a tamanha dor. Daí a idéia de que é “preferível à morte a perder quem tanto ama”, essa expressão é substituída pelo sofrimento. Nesse sentido Morin (apud KLEIN, 2006: 40) afirma que: “o imaginário dá uma fisionomia não apenas a nossos desejos, nossas aspirações, nossas necessidades, mas também a nossas angústias e temores. Liberta não apenas nossos sonhos de realização e felicidade, 22 mas também nossos monstros interiores, que violam os tabus e as leis, trazem a destruição, a loucura ou o horror. Não só delineia o possível e o realizável, mas cria mundos impossíveis e fantásticos”. O fenômeno Tecnobrega e o Universo Pós-moderno. O mundo pós-moderno caracteriza-se também na programação da produção, do consumo e da vida social. No entanto, a alteração do comportamento social e modos de consumo, vai se alterando por meio de uma dinâmica da cultura midiática, que se revela como uma cultura de trocas, de misturas entre múltiplas formas, estratos, tempos e espaços da cultura. As transformações provocadas pela globalização, alteram as formas de representação visual e identidades culturais. Contudo, verifica-se um processo de homogeneização cultural, onde as tradições mundiais são recalcadas e até “suprimidas” via propagação midiática. As identidades culturais possibilitam as expressões humanas por meio das elaborações e reelaboração de práticas grupais e inter-grupais. Igualmente, existe um universo imaginário e simbólico em que as pessoas compartilham muitas vezes de formas imaginadas. “A interconexão progressiva entre localidades diversas provoca, contudo, a corrosão gradual das fronteiras simbólicas que as apartam e, conseqüentemente, as limitam, forçando cada comunidade a refazer, contínua e criticamente, seus laços imaginários de pertencimento”. (SANTOS: 2005. P.12) Muitas dessas formas e práticas culturais atribuem-se à qualidade de elementos representativamente pós-modernos em si, embora possam ser formas e práticas que nunca passaram por alguma fase modernista reconhecível. Essas formas, ao que se parece, não necessitam da legitimação da teoria pós-moderna para gozarem da sua condição pós-moderna. Na cultura popular, como em outros campos, a condição pósmoderna não é um conjunto de sintomas simplesmente presentes num corpo de 23 evidência sociológica e textual, mas um complexo efeito do relacionamento entre prática social e a teoria que organiza, interpreta e legitima as suas manifestações. Assim sendo, a tecnologia, vem contribuindo com o trabalho evolutivo das aparelhagens, que se origina nas festas domésticas, por meio de uma produção artesanal e “rude”. Diante disso, muitas vezes os objetos culturais tornam-se agentes culturais em si mesmos, criando novas substâncias, novas formas sociais, novos modos de agir e de pensar, novas atitudes, novas políticas, normas morais, práticas sociais e estruturas econômicas. Segundo Maffesoli, (2000) “o neotribalismo é caracterizado pela fluidez, pelos ajuntamentos pontuais e pela dispersão. Assim é possível descrever o espetáculo nas ruas das megalópoles modernas. Características do social: o indivíduo podia ter uma função na sociedade, e funcionar no âmbito de um partido, de uma associação, de um grupo estável”. Podem-se considerar as aparelhagens e seus fãs-clubes como integrantes do universo pós-moderno, não apenas por divulgarem a cultura e a música local, por meio de equipamentos eletrônicos, mas também por conectarem-se com outras culturas, ritmos, gêneros e estilos musicais. Especificamente, a música dos países vizinhos e do Caribe. Quanto à aparelhagem propriamente dita, seus equipamentos são oriundos dos grandes centros de tecnologia eletro-eletrônico que produzem, importam e abastecem não apenas as aparelhagens, mas todos os trios elétricos e estúdios de gravação, rádio e televisão do país. Entretanto, a utilização desses equipamentos e o alto investimento feito em tecnologia, demonstram que as aparelhagens se profissionalizaram tanto tecnicamente como também na divulgação de suas festas, que também podem ser feitas através dos bregas, já que o ritmo é parceiro dessas festas. A aldeia global unifica, porém não traduz um pensamento único. Para Renato Ortiz, (1994:16) “a globalização é um fenômeno emergente, um processo ainda em construção. (...) Ela é uma forma mais avançada, e complexa, da internacionalização, 24 implicando certo grau de integração funcional entre as atividades econômicas dispersas”. Entende-se que a globalização visa o mercado mundial, mais precisamente o setor econômico padronizando a economia nacional. Nesse universo, há um espaço demarcado que qualifica as especificidades, dentro de um mundo complexo por elementos e culturas interligadas e independentes. Nesse sentido, uma cultura mundializada corresponde às mudanças de ordem estrutural, compreendendo aos fenômenos sociais que passam a enfocar dois aspectos: primeiro, a infra-estrutura/economia e; o segundo, a superestrutura/ideologia. Renato Ortiz (1994: 23) define esse processo da seguinte forma: “O que me parece sugestivo é que sua construção teórica confere à civilização material, isto é, às estruturas do cotidiano, um ritmo e uma condição diferenciada em relação às trocas dos mercados regionais e às transações comerciais de maior envergadura do comércio internacional”. A correlação entre cultura econômica não se faz, portanto, de maneira imediata. Em suma, temos os aspectos tradicional, moderno e pós-moderno. Sendo assim a difusão cultural, isto é, a cultura nada mais é do que a esfera ideológica deste sistema mundial colabora com o universo simbólico e geopolítico. Com as transformações advindas das novas tecnologias e sua proliferação junto ao público popular, a música brega caracteriza-se como uma manifestação cultural interiorana e especificamente periférica, devido ao recente sucesso das aparelhagens que há tempos vêm animando as festas e shows em todo Pará. Com o avanço tecnológico, a cultura local, parece redefinir sua dinâmica de espaço e convivência coletiva, onde sua distinção deixa de ter um caráter “primário” para tornar-se “exclusiva” em relação a outras manifestações culturais no contexto de uma interconexão. Nesse sentido, o local e o global se relacionam e se definem como centro e periferia. Contemporaneamente, os processos de redefinição de novas formas de sociabilidade contam com modalidades outras, distintas em relação às formas concretas 25 e estáveis que definiam sociabilidade tradicional e até, a moderna. São assim, aleatórias, fluídas e movediças; abertas em permanência e constantes variações. Aonde uma mesma pessoa chega a desempenhar uma grande diversidade de experiências, podendo pertencer a uma ou mais coletividades, simultaneamente ou não. Nesse sentido, a penetração dos dispositivos midiáticos, responsáveis pela nova experiência que se instaura no planeta teria um papel instituinte no processo de construção de identidade dos grupos sociais, que vêem emergindo na contemporaneidade. Grupos esses que adquirem características semelhantes em qualquer parte do mundo, sem, contudo, deixar de possuir especificidades, pois a questão não seria unicamente estar imerso em um processo global, mas ter suas identidades, muitas vezes, constituídas a partir deste. Inclusive, é o que parece se confirmar em relação ao movimento brega/tecnobrega paraense. Tanto o brega quanto o tecnobrega de Belém, embora possuam características manifestadas em relação aos grupos sociais emergentes – e no caso a comunidade midiática – exercem um papel preponderante na formação deste e não podem ser tratados unicamente como tal, pois existem algumas variáveis que devem ser observadas com cuidado. Trata-se de um ajuntamento onde à maioria dos freqüentadores são jovens pobres, filhos de trabalhadores da grande Belém. No entanto, vale ressaltar, nesse contexto, o caráter minimizante que a identidade étnica parece adquirir. Apesar de a ambivalência sugerir a possibilidade de um grupo. O presente estudo pretendeu, então, introduzir uma reflexão sobre o processo de redefinição das novas formas de sociabilidade diante dos dispositivos midiáticos, relativizando a etnicidade como elemento de determinação na construção da identidade coletiva e propondo outros parâmetros para se pensar uma identidade, em particular, no caso concreto dos bailes e dos shows de brega e tecnobrega realizados em toda grande Belém. Uma das características das novas formas de vida social na contemporaneidade é a transição, e os grupos, ao mesmo tempo são “formados” e “desfeitos” e se organizam conforme as ocasiões que se apresentam. 26 Bibliografia BARBERO, Jesus Martins. Arte, Comunicação/ Tecnicidade no final do Século. Dossiê: Tecnologia, Cultura e Imagens n.º 8, Dez de 1998. Faculdade de Ciências Sociais – PUC-SP. _____, Os exercícios do Ver. Hegemonia Audiovisual e Ficção Televisiva. Trad. Jacob Gorender. São Paulo, Ed. SENAC-São Paulo, 2001. _____, Dos Meios as Mediações. 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