ExpeditoSilva Instituicoes

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31º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, DE 22 A 26 DE OUTUBRO DE 2007,
CAXAMBU, MG
ST 15 – ECONOMIA – POLÍTICA DA CULTURA
AUTOR – EXPEDITO LEANDRO SILVA
INSTITUIÇÃO: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
TÍTULO:
“AMAZÔNIA CARIBENHA” – A inter-relação da musicalidade
caribenha com a música popular do estado do Pará e o impacto da globalização na
cultura local.
1
O Amor é Brega
É verdade, o amor é brega
Escovando os dentes de manhã
Na janela
O amor é brega como o pão saindo da padaria (...).
Baby, love is pop, e pop é brega...
(Cazuza)
O presente trabalho pretende abordar as manifestaçãoes culturais, do caribe e sua
vinda para a região Norte do Brasil, especificamente para o estado do Pará. Nesse
sentido é preciso compreender essa atividade musical e sua contribuição na formação da
cultura popular paraense. Outrossim, discutir aspectos relacionados com a cultura e a
música popular do Pará e sua interação com a mídia regional e o impacto do mercado
global.
Estudar
o
ritmo
brega
paraense
é
compreender
sua
articulação
e
desenvolvimento no contexto intercultural, relacionando sua fusão e recepção com as
músicas do Caribe. O brega tradicional ao fundir-se com as músicas dos países vizinhos,
sob o impulso das novas tecnologias e do próprio comércio, adaptou-se a um novo estilo
musical, o fenômeno Tecnobrega e suas Aparelhagens.
Por muito tempo as aparelhagens foram vistas por alguns setores privilegiados
da sociedade e, sobretudo pela mídia local apenas como uma enorme estrutura de som
que animava as festas organizadas na periferia de Belém e que tinham o brega como o
principal ritmo tocado.
Com as transformações advindas das novas tecnologias e sua proliferação junto ao
público popular, a música brega caracteriza-se como uma manifestação cultural
interiorana e especificamente periférica, devido ao recente sucesso das aparelhagens.
Que há tempo vêm animando as festas e shows em todo estado do Pará.
Porém, a partir dos primeiros anos desse século, surgem as primeiras aparições
das aparelhagens nos principais veículos de comunicação de Belém. Nesse sentido as
emissoras de rádios produzem programas destinados ao gênero. Em grande parte esses
programas, eram espaços locados nessas emissoras pelos donos das aparelhagens que
objetivavam, divulgar tanto a sua empresa quanto o ritmo brega. Além disso, muitos
2
investimentos tecnológicos foram feitos nas aparelhagens, na mudança do visual, e
também na iluminação.
Com o surgimento do tecnobrega, ritmo que mistura tanto o brega paraense com
a batida do tecno, muitas bandas começaram a fazer músicas que falavam das
aparelhagens e dos sons automotivos e isso já era uma forma de divulgação, como por
exemplo, o Tupinambá, Super Pop e Rubi.
Em meio a esse processo a mídia eletrônica, (rádio e televisão) passou a divulgar
com mais “intensidade” o trabalho das pessoas envolvidas nas aparelhagens e
conseqüentemente a imagem das mesmas começaram a se modificar, deixando de ser
valorizadas somente nos bairros periféricos e influenciando a participação de setores da
classe média.
Um dos fatores que contribuíram para a popularização e sucesso das
aparelhagens e do ritmo brega está associado ao advento das novas tecnologias e os
nichos de mercado que floresceram no “circuito bregueiro”. Essas transformações se
devem não apenas a certo “rompimento”, se é que se pode dizer que houve um
rompimento com relação ao preconceito existente às aparelhagens e aos freqüentadores
do brega
A comunicação vivenciada nas aparelhagens é também expressa na forma de
símbolos. Feitos com os membros superiores do corpo, (por exemplo, T de Tupinambá
- S, Super Pop e a pedra representada pelo seguinte símbolo: <> - Rubi), esses
símbolos são utilizados como forma de identificação e pertencimento aquela tribo, neste
caso a aparelhagem. Sendo assim, o indivíduo sente-se reconhecido no ambiente, tornase importante. Isso pode ser considerado um fator que contribuiu para que o número de
freqüentadores de festas de aparelhagens tenha aumentado, principalmente, pelas
pessoas que antes se sentiam rejeitadas em certos espaços culturais da sociedade ou
então não conseguiam fazer parte dele. As aparelhagens podem ser vistas como um
ambiente onde é mais fácil ser reconhecido e acolhido e melhor aceito pelo grupo, ou
seja, em espaço menos preconceituoso.
3
No entanto, observa-se que além dos símbolos que o identifica, existe uma
característica que integra a aparelhagem ao seu público. Nesse sentido, vale ressaltar a
funcionalidade dos telões que além de projetarem clips e divulgarem o trabalho por ela
realizado em outras regiões e casas noturnas. Por outro lado, a interatividade mais
visível é quando o DJ exerce o papel de um “mensageiro”, uma espécie de “correioelegante”, na medida em que lê os recados que os freqüentadores mandam no decorrer
da festa.
O repertório pode ser bem variado, mas o que prevalece mesmo é o ritmo brega.
Para o DJ Dinho, “a seleção musical varia de uma festa para outra, ou seja, a
aparelhagem adapta-se ao público”. Diante disso entende-se que a cultura musical das
aparelhagens faz parte de um entrelaçamento, que se conjuga a cultura tradicional, a
popular e contemporânea.
Nesse aspecto a cultura bregueira paraense contempla alguns requisitos da
sociedade pós-moderna por se tratar de um fenômeno que, além de divulgar a cultura e a
música local, está conectada com as manifestações da cultura externa, em particular a
caribenha, visto que seu ritmo e swing bregueiro é acentuadamente marcado pela
presença do Merengue, Zouck, Calypso, Cúmbia, Mambo, Lambada, Carimbo, entre
outros.
Quanto aos investimentos, todos são unânimes e não medem esforços na compra
de equipamentos sofisticados. Vejamos o caso da aparelhagem Tupinambá, que possui
cerca de 200 alto-falantes, cada um com potência de 1.000 watts, além de
amplificadores, equalizadores de som, crossovers, aparelhos de sonoplastia (instant
replays), a mesa de operação, os notebooks, a iluminação do cenário que é feita pelos
moving head, os troubles, os telões de acrílico, onde têm conexões ligadas à câmera que
captura as imagens da festa e também passam vídeo clipes. As caixas de som são feitas
de compensado com um revestimento de alumínio, assim como o altar sonoro (mesa de
controle do DJ) é revestida também de aço-inox.
Quanto à produção dos CDs, não resta dúvida que em geral é de alta qualidade,
porém, a rede de distribuição é tida como “primária”, mas bastante eficiente em
resultados. Sendo “piratas”, na sua maioria, a divulgação e comércio ficam a cargo dos
4
camelôs. Portanto, o universo sedutor do “marketing pirata” concentra-se não apenas no
preço, mas na identificação com o camelô que também é freqüentador das festas de
brega.
Para Hermano Viana, (2003) “os piratas são os inimigos "número 1” da indústria
fonográfica. Mas, nem toda a música do mundo está sendo lançada pela indústria
fonográfica. Portanto, imaginava eu, deveria existir em algum lugar do mundo alguma
música que seria amiga da pirataria. Só não tinha encontrado ainda um exemplo
concreto dessa relação "amigável”.
É sabido que o brega permeia por todos os rincões do Brasil e que os goianos,
Amado Batista, Odair José e o pernambucano Reginaldo Rossi, são os artistas
nacionalmente mais identificados com esse gênero. Porém, é a cidade de Belém, no
estado do Pará que detém o título de capital bregueira, pois é lá que são produzidos e
lançados a cada ano mais de dois mil discos inéditos de brega, em muitas gravadoras
independentes.
O tecnobrega é um fenômeno que movimenta milhões de reais, abrangendo a
organização do evento, a gravação de CDs que chegam ao consumidor sem a
intervenção do lojista, pois os CDs são gravados em tempo real e vendidos durante a
realização de cada festa. O valor pago por cada CD é de, aproximadamente, cinco reais,
o que propicia ao comprador a certeza de ser parte do evento 1.
Em suma, entende-se que as camadas populares apropriam-se da tecnologia e
projetam um novo tipo de mercado no campo da indústria do entretenimento cultural.
Diante desse fenômeno, o mercado tecnobrega, tem movimentado não apenas músicos
do gênero, bregueiros e donos de aparelhaegens, mas outras categorias externas ao
circuito bregueiro. Tanto que o seminário "Cultura Livre, Negócios Abertos" 2, realizado
em março de 2007, na Fundação Getúlio Vargas onde se reuniram jornalistas, técnicos
1 LEMOS, Ronaldo. O Pixies – banda americana - fez isso, e foi um alarde. Mal sabiam que o tecnobrega
já fazia isso há anos". É possível ganhar dinheiro através de um "modelo aberto". O reggae no Maranhão,
o funk no Rio e o forró em todo o país também estão criando, indústrias e mercados alternativos, com
CDs e DVDs de boa qualidade. Ver, a respeito, Ney (2007) tecnologia alia-se ao mercado pirata.
2 Em pauta: modelos de negócios abertos. Disponível em http//www.direito.fgv.br. Acesso em: 13 de
julho de 2007.
5
da área econômica e acadêmicos,. para apresentarem os resultados de uma pesquisa
sobre “Modelos de negócios abertos, ou Open Business”, realizada na América Latina e
em todo Brasil. A seguir alguns dados relevantes sobre os negócios e a economia
tecnobrega:
•
entre os anos de 2000 e 2005, o faturamento da indústria fonográfica caiu de R$
94 milhões para R$ 52,9 milhões;
•
as bandas de tenobrega faturam mais de R$ 1 milhão com venda de uma média
de 130 mil CDs;
•
os camelôs obtêm quase o mesmo valor com a venda de aproximadamente 180
mil CDs; tem-se, portanto, cerca de 310 mil unidades mensais vendidas e uma
receita de R$ 2 milhões só com a comercialização das mídias.
•
cerca de R$ 24 milhões ao ano – faturamento exclusivo do mercado tecnobrega
de Belém.
Nesta mesma pesquisa, há uma estimava sobre o faturamento anual das bandas e
das aparelhagens. Vejamos os dados:
•
Em relação às bandas, seu montante aproxima-se de R$ 3,3 milhões;
•
As aparelhagens faturam em média de R$ 3 milhões.
Em síntese, tem-se um mercado que, só com shows, festas, CDs e DVDs,
movimenta cerca de R$ 6,3 ao mês – ou cerca de R$ 75 milhões ao ano. Outro dado
relevante é que 88% desses artistas nunca tiveram contrato com uma gravadora, mas são
muito populares; 51% deles estimulam a venda dos CDs pelos camelôs, e 59% acham
positiva a distribuição informal.
Porém, as milionárias cifras resultantes do mercado bregueiro, não significam
salários exorbitantes aos artistas e empreendedores do gênero. Por se tratar de um
mercado inovador, dinâmico e exigente se faz necessário o ingresso de novos artistas e
atualização dos agentes. Portanto, o retorno econômico e social varia muito.
6
•
A renda média mensal dos cantores de bandas gira em torno de R$ 3.600, dos
quais R$ 1.700 vêm de suas atividades no campo da música.
•
Entre os donos de aparelhagem, a porcentagem da renda obtida com sua
atividade artística é melhor. Dos R$ 2.300 mensais, R$ 1.650 vêm das
aparelhagens em média.
O sucesso da música popular no mercado pirata não se restringe apenas ao
mundo do tecnobrega, mas a outros gêneros de origem popular. Vejamos o caso do
cantor e compositor de forró Fank Aguiar, que no início dos anos 1990, recorreu aos
camelôs para a divulgação e venda de suas músicas, através de fitas cassetes. Segundo
ele, “foi preciso recorrer aos camelôs por que queria que meu produto se tornasse
conhecido, mas eu não tinha estrutura, as gravadoras não me queriam. Aí eu saía de
banca em banca distribuindo as minhas fitas – isto é, eu gravava em fundo de quintal
mesmo. Eram as condições que tinha. Depois era só levar aos camelôs”. (SILVA, 2003:
117).
No entanto, a técnica publicitária associada ao mercado do camelô, manifesta-se
da mesma forma que é utilizada por um grande lojista, ou seja, “vender um produto”,
“aumentar o consumo” e “abrir mercados”. Nesse sentido, entende-se que as
aparelhagens ao investirem num projeto de marketing , onde sua imagem é legitimada,
sobretudo pela mídia eletrônica vai deixando de ser produto exclusivo da população
periférica e passam a ser aceito pelas demais categorias sócio-econômicas.
No entender do DJ Dinho a aparelhagem Tupinambá vem estruturando um
público alvo.
“Quer dizer - a mídia tem muita influência. E não só a mídia, mas também o tipo
de pessoas que agora estão freqüentando as aparelhagens, porque a seleção já começa
por ai, se você for numa festa do Tupinambá você vai pagar entre dez e quinze reais.
Digamos, aquele vagabundo, aquela pessoa que não tem o que fazer, aquele malandro,
claro que ele não deve ter esse dinheiro naquele momento pra pagar um ingresso desse,
então ele fica excluído. E o que mais a gente se preocupa de não colocar festas de graça,
7
a questão do valor do ingresso é sempre manter esse padrão, justamente pra selecionar
as pessoas que ali vão pro Tupinambá”. 3
No depoimento acima, observa-se que há uma segmentação de público por meio
do poder aquisitivo, no entanto a musicalidade e a orquestração da festa permanecem a
mesma a todos os públicos. É o lugar de encontros, onde circulam mensagens, sons,
imagens, gestos e palavras, em síntese é o espaço da ritualidade.
Porém, é o estado de magia que refaz o sentido a um público ora aparentemente
afastado, “a magia não se esgota em nossa sociedade. Ela se insinua na fantasia, no
delírio, na fruição estética. Na nossa vontade do eterno ou eterna vontade de mudança.
Na inconseqüência, no belo, na ausência. Na louca estética do consumo. No afã da
posse. (...). Ao consumidor resta acreditar nesta magia, e o produto passa a entrar na sua
própria vida”. Wagner (apud ROCHA, 2001: 139).
Hermano Viana, (2003) acrescenta que:
“é o velho brega, com batida mais acelerada, feito só com sons de
computadores. Parece um Kraftwerk de palafita, produzido sob calor
equatorial por quem escutou muito carimbó, cúmbia, zouk e Renato e
Seus Blue Caps - e não domina ainda totalmente os recursos do "cutand-paste" que hoje estão na base dos softwares de produção musical
que podem ser baixados de graça em sites piratas da internet. Porém é
essa atitude sem-cerimônia diante das máquinas que torna a música
tão interessante, mais do que muito "projeto" eletrônico-fashionista
"sério" que existe por aí”.
As transformações provocadas pela globalização, alteram as formas de
representação visual e identidades culturais. Contudo, verifica-se um processo de
homogeneização, onde tradições mundiais são recalcadas e até “suprimidas” via
propagação midiática. Por isso, a divulgação nas rádios, nas aparelhagens e nos camelôs
levam ao sucesso e a contratação de shows. Todavia, seus grandes sucessos são
“metamídia”, a temática em geral são alusões e elogios aos DJs, aos programas de rádio
3 Depoimento do DJ Dinho – Belém-PA, 12 de Jul 2005
8
e de TV, às aparelhagens e à fã-clubes de aparelhagens. E assim, todo mundo encontra
seu devido lugar numa nova cadeia produtiva, totalmente descolada da economia
oficial.
A letra da música, a seguir contextualiza um pouco da realidade acima citada.
Novo Tupinambá-Fantástico Tupinambá – (Nelsinho Rodrigues)
A festa tá pai d'égua
Tá muito legal
Esse é o fantástico
Novo Tupinambá
Todo mundo tá dançando
É sensacional
Tem o DJ Toninho/E Ágatha
Quando o DJ Dinho toca
O povo se levanta
Ninguém fica parado
Até a mãe dele dança
Quando o DJ Dinho toca
O povo se levanta
Ninguém fica parado. (...)
Arrepia DJ Dinho
Faz o "T", faz o ‘T”...
Outrossim, a nomenclatura das aparelhagens indica poder, força, potência, status
e prestígio. O próprio nome da aparelhagem simboliza força e poder. Por exemplo:
Furação, Esplêndido Rubi, Treme Terra-Tupinambá, Super Pop, Príncipe Negro, entre
outros.
No entanto, não é de grande valia possuir uma grande aparelhagem de alta
potência e sofisticação, porém é necessário conquistar prestígio e associar, a valores,
simbólicos ao universo das músicas, dos ídolos e dos equipamentos.
Inicialmente essas aparelhagens eram montadas de acordo com os recursos do
dono, isto é, artesanalmente, a base de válvulas e caixas de som de fabricação caseira.
Hoje, se tornou referência a um grande empreendimento, moldado com os mais
modernos equipamentos computadorizados de alta potência eletrônica, com direito a um
mix de refletores e vários telões que transmitem as imagens do show instantaneamente
levando ao público um universo “mágico”, sedutor.
Em suma, com a modernização das aparelhagens, a produção artesanal ficou no
esquecimento, cedendo lugar a tecnologia digital,. repleta de mixiador, equalizador,
câmara eco, tape deck, bateria eletrônica, entre outros. Conseqüentemente o sucesso
das aparelhagens depende de um investimento de médio e grande porte.
9
Brega: O Ritmo que seduz a sociedade paraense
“Ah, se o mundo inteiro pudesse
sentir o poder da harmonia...”. (Mozart)
Entende-se que a musicalidade “brega paraense,” é originária da experiência de
lazer e entretenimento dos jovens e adultos da periferia da cidade de Belém, onde seu
ritmo é oriundo das zonas de prostituição e das regiões de garimpo da Amazônia.
Talvez por isso, essas categorias associam-se, através da música, utilizando-a
como instrumento de vivência coletiva, de liberdade, de independência e
entretenimento, de modo que a cultura brega tradicional transformou-se em uma “nova”
“marca” da musicalidade popular, denominada de “tecnobrega”. O que diferencia do
ritmo brega tradicional é a linguagem, e os equipamentos eletrônicos. Quanto à
vestimenta, parece não haver grandes modificações, porém, o vínculo de pertencimento
está presente no brilho das roupas, na dança e na coreografia. No entanto, em meio à
cerimônia da festa, há um destaque específico que é o fato de todos, isto é, jovens e
adultos, curtirem e sentirem-se contemplados com a cultura bregueira paraense, esse
sentimento é bastante visível nas conversas entre populares, bregueiros e artistas do
gênero.
Porém, é visível também a aquisição de novos significados, “opondo-se” ao
brega antigo, tais como: novos símbolos, conceitos modernos nas composições das
músicas e referências tecnológicas, além de uma fusão de novos códigos de linguagens
identificando-se com o mercado e os símbolos da cultura internacional.
No entanto, os vínculos materiais históricos os levam ao reconhecimento da
similaridade e não a expressão de identidade. A etnicidade não é vazia de conteúdo
cultural, mas ela nunca é também a simples expressão de uma cultura já pronta. No caso
da musicalidade brega é um mix de vários ritmos nacionais e estrangeiros.
Contemporaneamente, os processos de redefinição de novas formas de
sociabilidade contam com modalidades outras, distintas em relação às formas concretas
e estáveis que definiam sociabilidade tradicional e até a moderna. São assim, aleatórias,
fluídas e movediças; abertas em permanência e constantes variações. Aonde uma
10
mesma pessoa chega a desempenhar uma grande diversidade de experiências, podendo
pertencer a uma ou mais coletividades, simultaneamente ou não.
Nesse sentido, a penetração dos dispositivos midiáticos, responsáveis pela nova
experiência que se instaura no planeta, teria um papel instituinte no processo de
construção de identidade dos grupos sociais que vêm emergindo na contemporaneidade.
Grupos esses que adquirem características semelhantes em qualquer parte do mundo,
sem, contudo, deixar de possuir especificidades, pois a questão não seria unicamente
estar imerso em um processo global, mas ter suas identidades, muitas vezes,
constituídas a partir deste. É inclusive, o que parece se confirmar em relação ao
movimento brega/tecnobrega paraense.
Tanto o brega quanto o tecnobrega de Belém, embora possua características
manifestadas em relação aos grupos sociais emergentes – e no caso a comunidade
midiática – exerce um papel preponderante na formação deste e não pode ser tratado
unicamente como tal, pois existem algumas variáveis que devem ser observadas com
cuidado. Trata-se de um ajuntamento onde a maioria dos freqüentadores são jovens
pobres da periferia da grande Belém. No entanto, vale ressaltar, neste contexto, o
caráter minimizante que a identidade étnica parece adquirir. Apesar de a
ambivalência sugerir a possibilidade de um grupo.
Genealogia bregueira: Mutações Rítmicas e Culturais.
O termo “brega”, segundo alguns pesquisadores, adveio de uma corruptela de
“Nóbrega”, nome de rua de uma “casa de recurso”, ao que consta, a placa foi se
apagando até que ficou apenas “brega”. Era lá, nesta casa de baixo meretrício, que se
tocavam as músicas que falavam sobre amores perdidos, dores de cotovelo, que tanto
agradavam ao povo.
De acordo com a Enciclopédia da Música Brasileira, brega, “é um termo
utilizado para designar coisa barata, descuidada e malfeita, é a música mais banal,
11
óbvia, direta, sentimental e rotineira possível, que não foge ao uso sem criatividade de
clichês musicais ou literários”. 4
Brega na expressão popular, com origem nordestina, significa lupanar,
prostíbulo. Também tem a acepção de deselegante, cafona, numa clara referência ao
estilo de seus freqüentadores. Designa, finalmente, um gênero musical de cunho
popular.
A denominação, originalmente de cunho pejorativo e discriminatório, foi
entretanto incorporado e assumido, “perdendo” com o tempo esta acepção.
Originalmente, o gênero musical brasileiro, o estilo brega, pode encontrar suas
raízes em todos os artistas que de alguma forma exibiram em seu repertório canções de
melodia forte, letras simples e excessivamente romântica – popularmente conhecida
como música de dor-de-cotovelo -, e que pode ser encontrada desde a década de 1930,
nas músicas classicas interpretadas por Vicente Celestino, como por exemplo as
canções: “O “Ébrio e Coração Materno”. Esta temática foi seguida, nas décadas
posteriores, pelos ritmos “samba-canção” e “bolero”, e assim, fundiram-se num
fenômeno de grande popularidade, nas chamadas serestas, que alcançaram grande
sucesso no final dos anos 1950 e início dos 1960, nas vozes de cantores como Waldick
Soriano, Anísio Silva, Nelson Gonçalves, Silvio Caldas, entre outros.
De modo que o termo brega, nos anos 1980, foi propagado para designar esta
categoria musical, sintetizando numa palavra, de forma pejorativa, tudo aquilo
considerado de mau gosto.
Finais dos anos 1980 e toda a década de 1990, o brega retoma seu espaço, a
partir de um novo ritmo musical bregueiro. O brega sertanejo identificando-se com as
classes populares e influenciando a classe média, através do sucesso paulatino das
duplas de cantores. Os cantores com grande vendagem da classe baixa da população
foram assumindo o termo que, então, “praticamente perdeu” o cunho pejorativo, para
4 Enciclopédia da música brasileira: popular, erudita e folclórica. 2ª ed. São Paulo: Art Ed./Publifolha,
1998: 117.
12
designar um estilo, não apenas de preferência musical, mas de se vestir, falar e agir.
Marginalizados pela mídia, muitos dos cantores que experimentavam o ostracismo
retornam com seus sucessos.
Em suma, “Barbero (apud MIRA, 1995: 202) resumiu bem essa forma de
discriminação. “Uma classe se afirma negando à outra sua existência na cultura,
desvalorizando pura e simplesmente qualquer outra estética, isto é, qualquer outra
sensibilidade...”.
O Brega atual surge a partir de uma nova maneira de dançar. Para os defensores
desse gênero, sua origem está no Iê – Iê – Iê – norte americano e nos ritmos musicais
caribenhos. Tornando-se aceitável ao gosto do público brasileiro.
Ser aceito pelo público brasileiro, nos faz recorrer ao conceito de Jesús Martim
Barbero, (2001: 203) quando se refere à cultura de massa. “Dizer cultura de massa em
geral, equivale a nomear aquilo que é entendido como um conjunto de meios massivos
de comunicação. (...) que se passa na cultura quando as readaptações da hegemonia,
que, desde o século XIX, fazem da cultura um espaço estratégico para reconciliação das
classes e a reabsorção das diferenças sociais”.
Vale lembrar também que o ritmo brega interage com o estilo e ritmo da
lambada caribenha. Por outro lado, tanto o brega, quanto a lambada são manifestações
musicais “inspiradas”, a partir do “Carimbó Eletrificado”; surgido por volta da década
de 1970. No entanto, o ritmo brega recebeu outras influências musicais e coreografias,
tais como: o Zouk dança típica da Guiana Francesa e das Antilhas colonizadas pela
França, a Salsa e o Bolero cubano, o Merengue dominicano, entre outros. Pode-se dizer
que o brega paraense caracteriza-se numa fusão desses ritmos, consolidando-se como
gênero musical de identidade regional. Isso se deve ao acesso de novas formas de
comunicação, aliada às novas mídias, impulsionando esse movimento musical para
envolver mais adeptos, numa dimensão mais ampla, transformando-se em um dos
produtos da cultura popular de maior aceitação.
Nesse aspecto,
13
“a velocidade de circulação e, portanto, a obsolescência acelerada se
combinam numa alegoria de juventude: no mercado, as mercadorias
devem ser novas devem ter o estilo da moda, devem captar as
mudanças mais insignificantes do ar dos tempos. A renovação
incessante necessária ao mercado capitalista que captura o mito da
novidade permanente que também impulsiona a juventude. Nunca as
necessidades do mercado estiveram afinadas tão precisamente ao
imaginário de seus consumidores”. (SARLO, 1997: 41).
A reorganização do erudito e popular faz parte dos novos processos de produção
industrial, contando com a eletrônica e a informática. Para o mercado, o que interessa é
a popularidade, enquanto o popular, fica em segundo plano. Popularidade significa
adesão a uma ordem e uma consciência esfacelada. Nesse sentido, o povo é o sujeito
que se apresenta, e a popularidade ao contrário faz a representação.
Sendo assim, como a arte tem seus vínculos com as manifestações e
determinações sociais, o movimento brega paraense pode ser explicado a partir das
relações sociais da sua época. Além de representar à sociedade e sua arte que cumpre a
função de reelaborar as estruturas sociais. Nesse caso específico, A reelaboração do
movimento brega vem sendo construída com base numa ordem social hierarquizada,
considerando os ritmos originais das manifestações populares do estado do Pará.
Em síntese, esse movimento musical, identifica-se por uma variedade de estilos
e ritmos. Inicialmente, alguns defensores desse ritmo, propuseram substituir o termo
brega pela denominação Calypso ou Amazon Music, por ser mais vendável e também
porque o paraense da classe média, apesar de gostar do estilo musical não admite ter
simpatia por associar a palavra brega a algo kitsh, exagerado e cafona, ou seja,
nacionalmente o nome brega tem uma conotação pejorativa. Diante do sucesso da
Banda Calypso, no início de 2000, seus divulgadores acharam por bem substituir o
termo brega pela a denominação “calypso”.
Calypso é um ritmo musical e dançante que chegou a Amazônia brasileira, mais
precisamente ao estado do Pará, por meio das migrações e viagens realizadas pelos
14
paraenses aos países vizinhos tais como: Guiana, Guiana Francesa e Suriname. Porém,
vale registrar que é uma criação artística e musical da Ilha de Trinidad Tobago.
Para o trindadense, senhor Ayegoro Ome, 5 “a música africana se desenvolveu de
várias maneiras, uma delas foi o calypso. O calypso são duas coisas: primeira por ser
uma música que conta história, narra os acontecimentos sociais, tais como: o cotidiano
da política, ou seja, as fofocas ou qualquer assunto que se encontra em um jornal. Essa
temática encontra-se nas letras da música de calypso. Segunda por ser um ritmo
bastante afro-espanhol, afro-francês, enfim tem elementos diferentes. No período
colonial a música calypso era usada de uma forma subversiva contra o colonialismo. E a
polícia costumava ir às casas e proibir a execução das músicas cujas letras fossem
consideradas ofensivas. Numa outra época, era necessário submeter à música a
comissão da polícia antes de cantá-la nas casas ou em praça pública. Daí então, as letras
das músicas eram enviadas a Londres para serem apreciadas pela censura londrina que
decidia se aquela música poderia ser cantada ou não pelo povo”.
Originalmente, a palavra calipso se escreve com ‘i’ e designa um gênero musical
de origem popular, onde a crítica e o improviso são vivenciados por populares de
Trinidad Tobago. “No Brasil, mais especificamente na linguagem musical bregueira, a
palavra calipso se escreve com ‘y’. Aos paraenses significa ritmo dançante, recriado no
Pará a partir de vários ritmos caribenhos e cubanos. Em outras regiões do Brasil, a
palavra calypso está associada à banda que se tornou o maior fenômeno da música
brasileira em meados dos anos 2000. Com centenas de shows em todo país e no
exterior, sobretudo na Europa. Diante do grande sucesso da Banda Calypso e outras do
gênero, o termo calypso tornou-se referência e sinônimo a uma nova denominação do
ritmo brega”. 6
5 Ayergoro Ome (diretor da academia do calypso). Música Libre: Trinidadd e Tobago. Canal. GNT –
2000. Todas as notas que apresentarem o título “Música Libre, refere-se ao programa exibido no
canal GNT em 15 abril 2005.
6 OLIVEIRA. Edson Coelho de. Pará sempre fez o Brasil dançar. www.orm.oliberal – Acesso em 12
mar 2006
15
Ao adequar o estilo brega às exigências da mídia e ao público em geral, a Banda
Calypso, assume o termo calypso como música e ritmo paraense, ao mesmo tempo
rejeita a terminologia brega. É o que nos confirma a música a seguir interpretada pela
vocalista da banda: Joelma.
Dançando Calypso
Chega pra cá meu bem que vou te ensinar
À nossa dança do Estado do Pará
É o calypso que chegou para ficar
Esse swingue você vai também, vai entrar
Mexe o pezinho e vai soltando todo corpo de vez, ....
Para Barbero, (2001: 201) “há no elitismo uma secreta tendência a identificar o
bom com o sério e o literalmente valioso com o emocionante frio. De maneira que “o
outro”, o que agrada as pessoas comuns, poderá ser em suma algum tipo de
entretenimento, mas não a literatura”.
Ora, quando os defensores do brega utilizam-se da tecnologia, criando novas
linguagens e terminologias como tecnobrega e calypso. Leva-nos a pensar que a popular
cultura bregueira, estaria parodiando a cultura erudita, oficial e moderna? Entretanto
verifica-se que o calypso paraense e o calypso de Trinidad Tobago, tiveram novas
versões, transformando-se em um ritmo mais dançante e lucrativo.
Para a cantora trindadense Sandra Singing 7, “em Trinidad, as duas raças
majoritárias são: a africana e a indiana. Elas equivalem cada uma a quarenta por cento
da população. Porém o último censo revela que atualmente há mais indianos que
africanos. A música Soca 8 , foi uma combinação do ritmo africano e indiano e assim,
ajudou a unificar as raças e as culturas. O desenvolvimento a qual chamamos soca, é
muito interessante. (...). A maioria das músicas de calypso tem um ritmo dançante.
Porém, a soca adicionou um pouco mais. No entanto, o calypso está mais relacionado às
7 Sandra Singing . Ver, a respeito, Sá (2005) Música Libre
8- Ritmo dançante derivado do calypso com influência da música eletrônica. Em suma, poderíamos
definir que a Soca é um Calypso eletrônico, moderno.
16
histórias, enquanto a soca é uma música que tem um apelo mais dançante. Pode-se até
dançar calypso, mas é mais um “arrasta-pé”.
Na opinião de outro trindadense, Devon Beale 9 , “Os jovens acham o calypso
mais lento. Eles querem pular e requebrar. Atualmente o que se ouve mais é a
musicalidade Soca, principalmente seu ritmo. É rápido demais para o corpo humano
agüentar o tempo todo. Imagina é muito mais rápida que a batida do coração”.
Diante disso, conclui-se que o calypso de Trinidad e Tobago está para a soca,
assim como, o brega tradicional está para o calypso paraense e, sobretudo para o
tecnobrega.
As festas: momentos de interação, sociabilidade e entretenimento.
“A música qualquer que seja
o som e a estrutura que adote,
continuará sendo um ruído sem
significação se não sensibilizar
um espírito receptor”. (Hindemith)
Como todo objeto tem seu significado, a música brega se reproduz a partir das
referências e significações locais, desde ambiente de trabalho, o espaço familiar, as
feiras de bairros, camelôs e lojas especializadas no gênero. É incluindo as emissoras de
rádios de longo alcance e comunitárias, televisão e as rádios de poste 10 .
Quanto à realização das festas públicas, há um cronograma tradicional a ser
cumprido, onde contempla as datas cívicas, religiosas, políticas ou festejar o aniversário
de um DJ, entre outros. Aglutinando a população em praças, praias, bares, boates e
clubes. Esses shows são pautados pelo repertório da música brega, com artistas, bandas
de brega, tecnobrega e DJs. Esses eventos tornam-se mais intensivos em épocas de
9 Devon Beale. Op.cit.
10- Esse tipo de rádio é composto por equipamentos de aparelho de som, sendo montados em uma
pequena cabine geralmente improvisada nas proximidades da feira ou em um bairro popular. São
instalados alto-falantes ou caixas acústicas em postes estratégicos que reproduz o som na rua. Sua
programação segue o padrão das emissoras oficias. Com vinhetas publicitárias e informação em geral.
17
férias, sobretudo no mês de julho quando se vivência o verão paraense. Devido às férias
de verão, os shows e eventos de brega se proliferam por toda parte da cidade de Belém,
do interior e, sobretudo nas praias e ilhas. No entanto há uma intensa campanha por
parte do comércio e das emissoras de rádios e televisão, convocando a população a
prestigiarem seus eventos.
Segundo, José Maria da Silva, (1991)
“Essas festas recebem nomes, de modo a se trabalhar o marketing para
atrair o público. (...) São promoções que, pelo visto, têm público e dão
certo, pois os locais em que se realizam ficam sempre lotados. Um ar
descontraído e divertido é a marca dessas festas. Quase sempre há
concursos de dança e o salão fica completamente tomado pelas
pessoas que procuram exibir a melhor performance. (...). Danças horas
seguidas; o suor toma conta do corpo. Se o salão está cheio, procurase um espaço pelas laterais ou até mesmo do lado de fora do local em
que a festa se realiza para dançar”
Logo, o divertimento nos bairros populares é recheado de muita bebida, bate –
papo e dança, que ambientalisa o local. Descontraindo e alegrando os freqüentadores,
sobretudo nas casas noturnas e bares.
Contudo a música brega pode ser vista por meio do convívio social, estando
presente numa dialética imaginativa, contemporânea. Além disso, há uma unificação no
processo sociocultural, entre universo cultural e sociedade. São experiências de um
mundo real e imaginário que se concretiza nas letras das canções, na própria levada
musical. No entanto, as composições da música brega, são em sua maioria verdadeiras
compilações de casos amorosos, da vida real, que as transforma em uma obra poética
musical. São sentimentos ora alegres, ora tristes, transformados em poesia. Porém, esse
sentimento identificando artista e público, sempre esteve sintonizado no universo
artístico musical, isto é, independente de ser ou não ser brega. No entanto, é comum
entre os artistas a definição de que brega é música para dor-de-cotovelo, é um bolero
mais dançante que fala da garota, do homem, da mulher que está sofrendo pelo amor
perdido.
18
O brega, (SILVA: 1991)“tem que ter cheiro de povo, ir para as aparelhagens de
som, como aqui em Belém, para as danceterias; tem que ser cantada pela lavadeira e
pela dama da sociedade; tem que falar do cotidiano e de amor. Pois, ainda que chame de
brega, ninguém até hoje conseguiu dizer eu te amo de outra forma”.
Em suma, estamos diante de uma musicalidade que retrata relações amorosas do
nosso dia-a-dia. É a história de muitos casais que trocam de parceiros e parceiras, como
bem define a canção a seguir. (Lá vai ele/Com a cabeça enfeitada/Sem saber que a sua
amada/Lhe traiu com outro alguém). Composição: Alípio Martins / Marcelle
Essas narrativas das histórias de amores, verdadeiros ou não, simbolizam algo
concreto, já experimentado, os bons momentos que marcaram uma vida a dois. E que a
imaginação por meio da canção propicia um retorno, aos tempos da convivência, aqui o
lamento junta-se ao prazer, a própria vida conjugal que é revisitada pela emoção,. que
na maioria das vezes nem o tempo conseguirá apagar. Por isso, a música é a sua
companheira, aquela que assume um papel mediador, ou seja, ao ouvinte a possibilidade
do desabafo, de expor suas mágoas, externar sua revolta por ter sido traído ou perdido
seu grande amor. Depois acalenta com afirmações que nem tudo está perdido, pois um
novo amor lhe aguarda.
O público da música brega, é originalmente composto pelas populações pobres,
oriundos basicamente de algumas profissões, tais como: pedreiro, caminhoneiro,
carpinteiro, garimpeiro, motorista, empregada doméstica, somando-se aos moradores de
vilas e povoados do interior rural, entre outras.
No entanto, quando as classes sociais (médias e populares) assumem essa
identificação de ter o brega como cultura local,. demonstra que houve um “rompimento”
das barreiras antes demarcadas, ou seja, o deixou de ser referência de zonas de
prostituição, (bolero, brega e bordel) das boates e dos cabarés. Com uma levada mais
dançante, a classe média local, integra-se com mais naturalidade. Observa-se que esse
tipo de público tem uma fidelidade com esse estilo de música há muito tempo, pois suas
histórias amorosas também são relatadas nessas canções.
O público do brega classifica-se em três segmentos. (SILVA, 1991: 78)
19
1
“O público cativo – formado em sua maioria pelas classes pobres, ou de sua origem,
para as quais a música brega faz parte de seu universo sociocultural.” Trata-se de
um público que não só vai às festas para dançar sobre o ritmo da música, mas
adquire discos desse estilo e ouve programas com predomínio do mesmo com a
finalidade de “curtir”, atualizar-se em relação aos sucessos recém-lançados etc. A
música aqui, faz parte de uma apreensão total do universo estético do indivíduo;
2
O público opcional – aquele que ouve e dança a música brega por opção, sem, no
entanto, adquirir discos como o descrito anteriormente. Aqui, incluem-se pessoas de
formação universitária que foram de algum modo, educados ouvindo esse tipo de
música.
3
O público momentâneo – formado por pessoas de classe média, formação
universitária, que vão às festas para dançar, mas não tem o brega como consumo
cultural. É o público de MPB que freqüenta boates de classe média, onde esse estilo
de música faz parte do repertório da festa”.
É bom lembrar que a musicalidade brega explicita a vida cotidiana, por meio das
narrativas, levando o individuo a vivenciar um sonho, uma história de amor que em
alguns casos nunca vivenciou. Ao mesmo tempo torna-se cúmplice, ou seja, apropria-se
da história do outro como se fosse dele. Portanto, a música é sem dúvida a companheira,
mediadora entre o sujeito e o amor desejado. Vejamos a letra de uma canção do brega
antigo, onde o homem lança-se ao garimpo na busca de uma pepita para presentear sua
amada.
Paixão de Garimpeiro, G. Rossi e G. Rodrigues. (apud SILVA, 1991: 95).
Sou um garimpeiro apaixonado
Quero você sempre ao meu lado
Nas noites frias de luar
Quando amanhece um novo dia
Eu piso na terra fria
E começo a garimpar
Na esperança de um dia
Uma pepita eu encontrar
Pra te ofertar
“O meu amor”.
20
Todavia, a letra da música brega tradicional enfatiza as relações amorosas,
excluindo a drasticidade. Enquanto o brega contemporâneo focaliza conflitos
dramáticos, expressando sentimento de reconciliação.
No repertório da musicalidade brega tradicional – brega bolero - está sempre
presente expressões de desencantos amorosos, idéias fracassadas, engano, traição e
sentimento. São esses e outros ingredientes que fazem parte da temática do brega
antigo.
No entanto, o brega contemporâneo narra o conflito amoroso, a partir da
conquista ou reconquista da pessoa amada. O principal enfoque é a reconciliação e as
declarações amorosas. Tais como: “Eu pedi pra você não me deixar – Mas você não
ligou e me deixou”.
A seguir veremos a letra de uma música, típica de um brega contemporâneo do
início dos anos 2000. Interpretada pela dupla sertaneja Bruno e Marrone com a
participação especial de Joelma, vocalista da Banda Calypso.
Por Que Choras?
Por que chora assim?
Se quando foi embora nem pensou em
mim
Você me disse adeus sorrindo e eu
chorei
E disse que era pouco tudo que eu te dei
Você jogou trapaceou fazendo mal
E me deixando à beira de um abismo
Foi egoísmo seu.
E agora chora
Pedindo pra voltar de qualquer jeito
Nem sabe que aqui dentro do meu peito
Existem marcas do seu abandono
Que
tiram
o
sono...
Por que chora assim?
No jogo do amor eu não fui desleal
No entanto, as composições e a temática do estilo brega unificam-se por meio
dos sentimentos e relações amorosas, uma vez que o amor é um adjetivo marcante para
a formatação da canção. Igualmente, o que se evidencia é o desejo de um dia encontrar
o amor ideal.
Ainda discorrendo sobre a temática do brega tradicional, nota-se também
referência enfática, a infidelidade e a traição por parte da mulher. Porém, essa traição
21
poética da canção brega concebe as relações amorosas pela ótica de uma visão machista,
em que o homem é visto como a vítima, aquele que foi enganado, traído. Enquanto a
mulher é vista como a traidora e cruel, aquela que abandonou o lar, em busca de uma
aventura amorosa. No entanto, para reconquistar a amada e obter a atenção e carinho
por parte dela, ele promete objetos matérias, tais como: uma casa bonita, viagem de
avião ou navio, dinheiro e tudo que sua imaginação permitir. São objetos concretos que
o homem oferece e coloca-se como o provedor da casa e da própria mulher. Em contra
partida, a mulher deve ser obediente e subserviente ao amante, prestando fidelidade e
amor.
Já foi dito que as canções do brega contemporâneo abordam os conflitos, as
angústias, a solidão e o sofrimento por ter perdido a amada ou o amado. No entanto,
procura visualizar um amor perdido, a constante busca de reconciliação e a
reaproximação das relações interrompidas. Em outro momento, a música revela um
estado de abandono que se encontra a vítima, levando uma profunda depressão e uma
vida melancólica, tendo como única saída a própria morte, ou seja, “viver já não faz
sentido”.
Neste aspecto, a felicidade no amor é vista como algo predestinado, coisas que
os humanos não explicam, apenas vivem. Daí a vítima está sempre sujeita ao acaso, isto
é, a boa ou má sorte. Portanto, sendo real ou não, observa-se que a musicalidade
bregueira caracterizou-se ao longo dos tempos como um apoio, um “ancoradouro” para
aqueles e aquelas que foram traídos e estão desiludidos com suas relações amorosas.
Verifica-se ainda que este tipo de canção que retrata o sofrimento é, no entanto,
uma espécie de refúgio, uma fuga, melhor dizendo, algo anestésico que alivia a tamanha
dor. Daí a idéia de que é “preferível à morte a perder quem tanto ama”, essa expressão é
substituída pelo sofrimento.
Nesse sentido Morin (apud KLEIN, 2006: 40) afirma que:
“o imaginário dá uma fisionomia não apenas a nossos desejos, nossas
aspirações, nossas necessidades, mas também a nossas angústias e
temores. Liberta não apenas nossos sonhos de realização e felicidade,
22
mas também nossos monstros interiores, que violam os tabus e as leis,
trazem a destruição, a loucura ou o horror. Não só delineia o possível
e o realizável, mas cria mundos impossíveis e fantásticos”.
O fenômeno Tecnobrega e o Universo Pós-moderno.
O mundo pós-moderno caracteriza-se também na programação da produção, do
consumo e da vida social. No entanto, a alteração do comportamento social e modos de
consumo, vai se alterando por meio de uma dinâmica da cultura midiática, que se revela
como uma cultura de trocas, de misturas entre múltiplas formas, estratos, tempos e
espaços da cultura.
As transformações provocadas pela globalização, alteram as formas de
representação visual e identidades culturais. Contudo, verifica-se um processo de
homogeneização cultural, onde as tradições mundiais são recalcadas e até “suprimidas”
via propagação midiática.
As identidades culturais possibilitam as expressões humanas por meio das
elaborações e reelaboração de práticas grupais e inter-grupais. Igualmente, existe um
universo imaginário e simbólico em que as pessoas compartilham muitas vezes de
formas imaginadas. “A interconexão progressiva entre localidades diversas provoca,
contudo, a corrosão gradual das fronteiras simbólicas que as apartam e,
conseqüentemente, as limitam, forçando cada comunidade a refazer, contínua e
criticamente, seus laços imaginários de pertencimento”. (SANTOS: 2005. P.12)
Muitas dessas formas e práticas culturais atribuem-se à qualidade de elementos
representativamente pós-modernos em si, embora possam ser formas e práticas que
nunca passaram por alguma fase modernista reconhecível. Essas formas, ao que se
parece, não necessitam da legitimação da teoria pós-moderna para gozarem da sua
condição pós-moderna. Na cultura popular, como em outros campos, a condição pósmoderna não é um conjunto de sintomas simplesmente presentes num corpo de
23
evidência sociológica e textual, mas um complexo efeito do relacionamento entre
prática social e a teoria que organiza, interpreta e legitima as suas manifestações.
Assim sendo, a tecnologia, vem contribuindo com o trabalho evolutivo das
aparelhagens, que se origina nas festas domésticas, por meio de uma produção artesanal
e “rude”. Diante disso, muitas vezes os objetos culturais tornam-se agentes culturais em
si mesmos, criando novas substâncias, novas formas sociais, novos modos de agir e de
pensar, novas atitudes, novas políticas, normas morais, práticas sociais e estruturas
econômicas.
Segundo Maffesoli, (2000) “o neotribalismo é caracterizado pela fluidez, pelos
ajuntamentos pontuais e pela dispersão. Assim é possível descrever o espetáculo nas
ruas das megalópoles modernas. Características do social: o indivíduo podia ter uma
função na sociedade, e funcionar no âmbito de um partido, de uma associação, de um
grupo estável”.
Podem-se considerar as aparelhagens e seus fãs-clubes como integrantes do
universo pós-moderno, não apenas por divulgarem a cultura e a música local, por meio
de equipamentos eletrônicos, mas também por conectarem-se com outras culturas,
ritmos, gêneros e estilos musicais. Especificamente, a música dos países vizinhos e do
Caribe. Quanto à aparelhagem propriamente dita, seus equipamentos são oriundos dos
grandes centros de tecnologia eletro-eletrônico que produzem, importam e abastecem
não apenas as aparelhagens, mas todos os trios elétricos e estúdios de gravação, rádio e
televisão do país.
Entretanto, a utilização desses equipamentos e o alto investimento feito em
tecnologia, demonstram que as aparelhagens se profissionalizaram tanto tecnicamente
como também na divulgação de suas festas, que também podem ser feitas através dos
bregas, já que o ritmo é parceiro dessas festas.
A aldeia global unifica, porém não traduz um pensamento único. Para Renato
Ortiz, (1994:16) “a globalização é um fenômeno emergente, um processo ainda em
construção. (...) Ela é uma forma mais avançada, e complexa, da internacionalização,
24
implicando certo grau de integração funcional entre as atividades econômicas
dispersas”.
Entende-se que a globalização visa o mercado mundial, mais precisamente o
setor econômico padronizando a economia nacional. Nesse universo, há um espaço
demarcado que qualifica as especificidades, dentro de um mundo complexo por
elementos e culturas interligadas e independentes.
Nesse sentido, uma cultura mundializada corresponde às mudanças de ordem
estrutural, compreendendo aos fenômenos sociais que passam a enfocar dois aspectos:
primeiro, a infra-estrutura/economia e; o segundo, a superestrutura/ideologia. Renato
Ortiz (1994: 23) define esse processo da seguinte forma: “O que me parece sugestivo é
que sua construção teórica confere à civilização material, isto é, às estruturas do
cotidiano, um ritmo e uma condição diferenciada em relação às trocas dos mercados
regionais e às transações comerciais de maior envergadura do comércio internacional”.
A correlação entre cultura econômica não se faz, portanto, de maneira imediata.
Em suma, temos os aspectos tradicional, moderno e pós-moderno. Sendo assim a
difusão cultural, isto é, a cultura nada mais é do que a esfera ideológica deste sistema
mundial colabora com o universo simbólico e geopolítico.
Com as transformações advindas das novas tecnologias e sua proliferação junto
ao público popular, a música brega caracteriza-se como uma manifestação cultural
interiorana e especificamente periférica, devido ao recente sucesso das aparelhagens que
há tempos vêm animando as festas e shows em todo Pará.
Com o avanço tecnológico, a cultura local, parece redefinir sua dinâmica de
espaço e convivência coletiva, onde sua distinção deixa de ter um caráter “primário”
para tornar-se “exclusiva” em relação a outras manifestações culturais no contexto de
uma interconexão. Nesse sentido, o local e o global se relacionam e se definem como
centro e periferia.
Contemporaneamente, os processos de redefinição de novas formas de
sociabilidade contam com modalidades outras, distintas em relação às formas concretas
25
e estáveis que definiam sociabilidade tradicional e até, a moderna. São assim, aleatórias,
fluídas e movediças; abertas em permanência e constantes variações. Aonde uma
mesma pessoa chega a desempenhar uma grande diversidade de experiências, podendo
pertencer a uma ou mais coletividades, simultaneamente ou não.
Nesse sentido, a penetração dos dispositivos midiáticos, responsáveis pela nova
experiência que se instaura no planeta teria um papel instituinte no processo de
construção
de
identidade
dos
grupos
sociais,
que
vêem
emergindo
na
contemporaneidade. Grupos esses que adquirem características semelhantes em
qualquer parte do mundo, sem, contudo, deixar de possuir especificidades, pois a
questão não seria unicamente estar imerso em um processo global, mas ter suas
identidades, muitas vezes, constituídas a partir deste. Inclusive, é o que parece se
confirmar em relação ao movimento brega/tecnobrega paraense.
Tanto o brega quanto o tecnobrega de Belém, embora possuam características
manifestadas em relação aos grupos sociais emergentes – e no caso a comunidade
midiática – exercem um papel preponderante na formação deste e não podem ser
tratados unicamente como tal, pois existem algumas variáveis que devem ser observadas
com cuidado. Trata-se de um ajuntamento onde à maioria dos freqüentadores são jovens
pobres, filhos de trabalhadores da grande Belém. No entanto, vale ressaltar, nesse
contexto, o caráter minimizante que a identidade étnica parece adquirir. Apesar de a
ambivalência sugerir a possibilidade de um grupo.
O presente estudo pretendeu, então, introduzir uma reflexão sobre o processo de
redefinição das novas formas de sociabilidade diante dos dispositivos midiáticos,
relativizando a etnicidade como elemento de determinação na construção da identidade
coletiva e propondo outros parâmetros para se pensar uma identidade, em particular, no
caso concreto dos bailes e dos shows de brega e tecnobrega realizados em toda grande
Belém.
Uma das características das novas formas de vida social na contemporaneidade é
a transição, e os grupos, ao mesmo tempo são “formados” e “desfeitos” e se organizam
conforme as ocasiões que se apresentam.
26
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