A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA FINANCEIRIZAÇÃO
DO ESPAÇO DO RIO DE JANEIRO
MARCELA DAMETTO1
REGINA CÉLIA DE MATTOS²
Resumo: O advento do capital fictício e o posterior aperfeiçoamento do sistema de crédito
agilizaram a circulação de capital e promoveram sua flexibilização dentro do sistema financeiro
global. Esta flexibilidade também alcança a esfera da produção do espaço de algumas cidades
capitalistas, como é o caso da cidade do Rio de Janeiro, onde observa-se principalmente a partir dos
anos 2000, a intensa construção de edifícios corporativos em determinados espaços da cidade. Neste
sentido, o objetivo deste trabalho é analisar os efeitos desta produção espacial na cidade do Rio de
Janeiro, orientada pela lógica do capital financeiro e que apresenta uma de suas manifestações na
construção de empreendimentos corporativos na região portuária, a qual experimenta uma
reestruturação urbana denominada Operação Urbana Consorciada da Região do Porto do Rio de
Janeiro (OUCRPRJ).
Palavras-chave: produção espacial; financeirização do espaço; operação urbana; cidade do Rio
de Janeiro.
Abstract: The advent of fictitious capital and the further evolution of the global credit system
increased the speed of capital’s circulation and promoted his flexibility in the global finance system.
This flexibility also reaches spatial production of some capitalistic cities around the world, as the case
of Rio de Janeiro, where the intense construction of corporate buildings in some parts of the city,
especially since the year 2000, is something patent. In that case, this research seeks to analyse the
effects of this spatial production in the city of Rio de Janeiro, oriented by the financial capital logic,
which shows one of its manifestations through the construction of corporates enterprises in the
harbour area, which receives an urban restructuring denominated OUCRPRJ.
Key-words: spatial production; spatial financialization; urban operation; city of Rio de Janeiro.
1 – Introdução
As desregulamentações e liberalizações ocorridas no sistema financeiro
global advindas da institucionalização das práticas neoliberais (CHESNAIS, 1996), a
partir dos anos de 1980, promoveram a intensificação da circulação de capital nas
transações econômico-financeiras globais. Esta intensificação foi acompanhada pela
agilização no processo de circulação de capital que diz respeito, basicamente, à sua
capacidade de movimentação nos diferentes setores econômicos. Isto é, a
1
- Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro. E-mail de contato: [email protected].
2 -
Docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro. E-mail de contato: [email protected]
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passagem de capital de um setor da economia para outro, onde encontra maior
valorização, foi possibilitada devido ao advento do capital fictício, e posteriormente
por conta da consolidação do sistema de crédito global. Esta mobilidade conferida
ao capital e seu trânsito livre pelos diversos setores da economia, permitiu sua
inversão no espaço geográfico com o intuito de manter sua reprodução,
majoritariamente, através de sua inversão na forma de capital imobiliário e
financeiro. Nessa perspectiva, o objetivo deste trabalho é apontar alguns traços do
modo de produção capitalista contemporâneo, o qual apresenta extrema fluidez na
circulação de capital, e que por consequência, gera efeitos específicos na produção
do espaço de algumas cidades e no caso deste trabalho, analisamos um destes
efeitos na cidade do Rio de Janeiro, referente à construção de empreendimentos
orientados através da lógica do capital financeiro. Esses empreendimentos
correspondem à edifícios corporativos com unidades locáveis, analisados dentro do
perímetro da Operação Urbana Consorciada da Região do Porto do Rio de Janeiro
(OUCRPRJ).
2 – Desenvolvimento
A inversão de capital na produção do espaço garante sua reprodução, e
necessariamente produz um novo espaço. Esse novo espaço pode se materializar
numa nova construção erguida na cidade ou na refuncionalização de um espaço
construído em um período anterior, que não mais responde às exigências do atual
período histórico do modo de produção capitalista. Isso ocorre porque o capitalismo
produz espaços que servem à sua dinâmica de produção, distribuição, circulação,
troca e consumo de mercadorias e, portanto, se ocorrem transformações em alguma
destas etapas do ciclo do capital, como por exemplo, a reestruturação produtiva
ocorrida nos anos de 1970, os espaços são modificados e adaptados às novas
dinâmicas. Neste sentido, cada momento histórico produz um determinado espaço
ao mesmo tempo em que “destrói” espaços produzidos anteriormente, que não mais
atendem à dinâmica da reprodução de capital. David Harvey (2014, p.157) trata este
processo como uma “destruição criativa” e nos mostra que:
O capital tem que se liberar periodicamente das restrições impostas pelo
mundo que construiu, diante do perigo mortal da esclerose. A construção de
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uma paisagem geográfica favorável à acumulação de capital em determinada
época se converte em uma trava para a acumulação na seguinte. O capital
tem, portanto, que desvalorizar grande parte do capital fixo na paisagem
geográfica existente, a fim de construir uma paisagem totalmente nova com um
aspecto diferente. Isto induz crises localizadas intensas e destrutivas. [...]. O
princípio que rege isso é: o capital cria uma paisagem geográfica que satisfaz
suas necessidades em um lugar e momento determinados, somente para ter
que destruí-la em um momento posterior a fim de facilitar sua nova expansão e
transformação qualitativa. O capital desencadeia os poderes da “destruição
criativa” sobre a terra. Alguns setores ou grupos se beneficiam de criatividade,
enquanto outros sofrem o embate da destruição. Porém isto sempre encerra
uma disparidade de classe.2
Na perspectiva da “destruição criativa”, a cidade do Rio de Janeiro
experimenta hoje uma intensa reforma urbana em sua área central, e mais
especificamente na região portuária. Esta reforma se refere à Operação Urbana
Consorciada da Região do Porto do Rio de Janeiro e se constitui por uma
intervenção que apresenta variados fins, mas todos relativos à modificação do
espaço ali existente e à configuração de outro espaço, mais moderno e lucrativo.
Esta intervenção é dirigida pela prefeitura da cidade do Rio de Janeiro aliada ao
capital privado e visa transformar o espaço da região portuária, a fim de torná-lo
mais eficaz à circulação de capital através da reestruturação das vias de tráfego e
da
refuncionalização
de
armazéns
para
abrigar
restaurantes
e
afins,
e
principalmente, através da valorização (ou revalorização) do solo urbano gerada
nesta região, por conta justamente da presença de investimentos públicos e
privados. Segundo o prospecto3 da OUCRPRJ elaborado pela prefeitura da cidade
do Rio de Janeiro, uma operação urbana significa:
Uma operação urbana consorciada envolve um conjunto de Intervenções e medidas
coordenadas por um município, com a participação dos proprietários, moradores,
usuários permanentes e investidores privados, tendo por objetivo alcançar, em área
específica, transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização
ambiental. O município define, por lei, um perímetro urbano que será objeto das
Intervenções para o qual é estabelecido um plano de operações, com a participação
da sociedade civil, visando a melhorar a qualidade de vida da área, solucionar
problemas sociais, valorizar os imóveis, organizar os meios de transporte local e
beneficiar o meio ambiente.
2
Tradução nossa.
Retirado do prospecto de registro da Operação Urbana Consorciada da Região do Porto do Rio de
Janeiro, 2010.
3
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Esta definição faz referência às questões sociais, mas o que se pôde
observar ao longo de aproximadamente quatro anos de obras nesta região, foi a
remoção forçada de centenas de moradores, o aumento do preço dos imóveis (fator
tomado como positivo pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, mas
negativamente pelos moradores desta região que se viram sem condições de arcar
com a elevação do preço do solo urbano da área), e a construção majoritária de
empreendimentos direcionados aos capitalistas que compraram suas “cotas”4 na
reestruturação urbana desta região.
Na prática, observa-se que esta operação urbana tem efetivamente o intuito
de adequar esta região da cidade às novas exigências do capital. Após ter
experimentado sua “época áurea” em finais do século XIX e começos do XX, esta
região entrou em decadência ao longo do século XX, tornando-se obsoleta para o
capital. Contudo, para haver reprodução do capital e sua ampliação continuada, o
espaço deve entrar “no jogo” como elemento produtivo e, consequentemente, como
produto a ser comercializado. Dessa maneira, as reestruturações urbanas que
modificam os espaços das cidades são orientadas por uma concepção de
planejamento pautada principalmente por diretrizes concebidas por organismos
internacionais multilaterais, tais como o Banco Mundial e o BIRD. Sobre a
reestruturação da região portuária do Rio de Janeiro, Alvaro Ferreira (2011, p.83)
mostra que:
O processo de reestruturação produtiva certamente teve influência na maneira
como as propostas de utilização da zona portuária vêm sendo desenvolvidas.
Nesse sentido, é possível observarmos mudanças no modelo de planejamento
dominante, que migra para as noções de empreendedorismo urbano e
planejamento estratégico, quando discursos, como os de revitalização,
renovação, reabilitação ou requalificação, dominam os debates e tornam-se
sinônimos de modernidade e desenvolvimento. Se lembrarmos que grande
parte das zonas portuárias tradicionais teve origem nos núcleos de formação
4
O município do Rio de Janeiro ofertou em leilão público mais de 6 milhões de CEPACS, que
funcionam na prática como cotas urbanísticas. De toda a maneira, segue a definição oficial de
CEPAC contida no prospecto de registro da operação: “Certificados de potencial adicional de
construção de emissão dos municípios (no caso deste prospecto, do Município do Rio de Janeiro) no
âmbito de operações urbanas consorciadas, utilizados como pagamento de Contrapartida de outorga
onerosa do potencial adicional de construção, e não representativos de dívida ou crédito”. Por sua
vez, estas CEPACS “destinam-se ao público em geral, especialmente investidores institucionais,
investidores do mercado imobiliário, construtoras, incorporadoras imobiliárias, proprietários de
terrenos na região da OUCPRJ e investidores privados”.
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histórica das cidades, os centros históricos correm sérios riscos. Dessa
maneira, dentro da lógica do empreendedorismo urbano, as áreas centrais da
cidade surgem como locus apropriado para grandes obras de intervenção, que,
segundo seus idealizadores, trariam maior dinâmica à cidade. [...]. De forma
geral, a ideia de revitalização liga-se a um processo de indução de grande
transformação das áreas históricas centrais, em que a recuperação econômica
é o objetivo principal. As obras de revitalização dos centros históricos têm se
realizado fazendo uso da exploração do valor simbólico dos elementos
culturais, visando a um diferencial competitivo. Por trás desses investimentos
há o objetivo de atrair pessoas, principalmente, turistas, ávidas por
equipamentos de lazer, como bares, restaurantes, lojas de artesanato e de
souvenires, galerias de arte e boutiques.
O caso da OUCRPRJ revela que a reestruturação produtiva capitalista levou à
reestruturação urbana desta região específica da cidade do Rio de Janeiro. Apesar
disso, deve-se ter em consideração que não são todos os espaços da cidade que
são reestruturados, mas sim, aqueles que têm seu solo urbano valorizado e,
portanto, a inversão de capital privado gera retornos financeiros garantidos. Além
disso, a presença do Estado neste tipo de operação garante serviços públicos
básicos, tais como esgotamento sanitário e iluminação pública, que aliados ao
investimento privado, geram a valorização do solo, atraindo mais capitais, e que por
sua vez, valorizam ainda mais esta parcela do solo urbano, o que revela um
processo retroalimentador no que tange à valorização desta parcela da cidade do
Rio de Janeiro. Ocorre que enquanto esta região da cidade (entre outras) têm seus
solos urbanos revalorizados (ou sobrevalorizados), outros espaços apresentam solo
urbano de baixo valor, lacunas na infraestrutura urbana básica e falta de
investimento privado. Neste sentido, observa-se o mesmo processo retroalimentador
nestes espaços, entretanto, refere-se à uma retroalimentação da desvalorização do
solo urbano.
Em termos mais gerais, observa-se que no atual momento do modo de
produção capitalista, no qual a agilidade na circulação de capital e mercadorias é
imprescindível, a “destruição” de espaços obsoletos e a criação de novos é uma das
ações mais importantes para a manutenção da reprodução de capital. Esta condição
pode se dar através de operações urbanas pontuais ou mesmo através da
construção de empreendimentos que na maior parte das vezes não são orientados
para o bem-estar da população ou ao usufruto público. Sobre a produção de novos
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espaços, sejam eles erguidos ou refuncionalizados, Ana Fani Alessandri Carlos
(2011, p.80) mostra que:
Nesse processo5, o sentido e o papel do espaço na reprodução do capital
trouxeram profundas mudanças no movimento de passagem da hegemonia do
capital industrial ao capital financeiro, de modo que o espaço torna-se
produtivo. Nessa direção, indica o movimento que vai do espaço enquanto
condição e meio do processo de reprodução econômica ao momento em que,
aliado a esse processo, o espaço, ele próprio, é a elemento da reprodução. O
processo de reprodução do capital a partir dos anos 80 realiza-se produzindo
um novo espaço, o que significa dizer que o capitalismo só pode se realizar
através de uma nova estratégia que faz do espaço um elemento produtivo.
De acordo com a autora, se o modo de produção capitalista tornou o espaço
um elemento produtivo (além de mercadoria), podemos compreender porque a
produção de novos espaços tornou-se uma força motriz para a reprodução de
capital, uma vez que é no espaço que o capital encontra outro patamar de
valorização.
Entretanto, a produção espacial só gera renda, lucro e juros para os agentes
econômicos envolvidos diretamente nesta ação, tais como incorporadoras,
construtoras, agentes imobiliários, empreiteiras e grupos financeiros ligados ao setor
imobiliário,
os
quais
imobilizam
capital
na
construção
de
determinado
empreendimento. Capitalistas industriais ou comerciais, por exemplo, se beneficiam
desta produção espacial posteriormente (após a efetivação da construção),
principalmente, através do uso do mecanismo referente ao “capital fixo do tipo
autônomo”. Este tipo de capital fixo não corresponde àquele que é parte do processo
produtivo em si, mas ao que possibilita a reprodução e circulação do capital, tal
como uma ferrovia, estrada, porto, ou edifício corporativo com unidade alocáveis, e
que por sua vez, pertencem a outrem (por isso autônomo). O edifício corporativo
serve a esses capitalistas na medida em que possibilita que se utilizem do valor de
uso de determinado espaço sem haver tido, por sua parte, a necessidade de
imobilização de capital. Diante disso, para se efetivar a produção espacial, há
sempre imobilização de capital em determinada parcela do espaço, mesmo que
alguns agentes econômicos não imobilizem capital naquele determinado momento e
5
A autora refere-se ao processo de “desenvolvimento da acumulação que produz o espaço, enquanto
condição/produto da produção da reprodução do capital manifestando as contradições que o
capitalismo suscita em seu desenvolvimento impondo limites e barreiras a sua reprodução”.
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apenas utilizem o valor de uso daquele espaço, como analisa David Harvey (2013,
p.503):
Se os capitalistas da produção puderem adquirir os valores de uso anexados
ao capital incorporado na terra em uma base de “remuneração por serviço” ou
em uma base anual, eles poderão mudar mais facilmente as localizações sem
incorrer nos enormes ônus da desvalorização. Por isso será vantajoso para
eles se o capital incorporado na terra for de propriedade de alguma outra
pessoa. Essa vantagem – que se aplica a todos os outros agentes econômicos
(comerciantes, financistas e até mesmo trabalhadores) – é conseguida quando
uma parte do capital total circula pelo ambiente construído como um “capital
fixo de tipo autônomo”. O princípio geral em ação é o seguinte: tanto o capital
quanto o trabalho podem se tornar mais geograficamente móveis, contanto que
se congele uma porção do capital social total estabelecido. Essa condição é
inerentemente conflitante. Se a parte do capital livre para se mover tira toda a
vantagem da sua potencial mobilidade, então essa parte do capital imobilizado
no local certamente sofrerá todo tipo de reavaliações incertas (tanto de
aumento quanto de declínio). Vamos considerar agora os fundamentos disso.
As necessidades peculiares da circulação do capital nos ambientes construídos
têm significado a evolução de um tipo especial de sistema de produção e
realização que define novos papéis para os agentes econômicos. Os
proprietários de terra recebem renda, os empresários recebem aumentos na
renda baseados nas melhorias, os construtores ganham o lucro do
empreendimento, os financistas proporcionam capital monetário em troca dos
juros, ao mesmo tempo que podem capitalizar qualquer forma de receita
acumulada pelo uso do ambiente construído em um capital fictício (preço da
propriedade) e o Estado pode usar os impostos (atuais ou antecipados) como
suporte para investimentos que o capital não pode ou não vai realizar, mas que
não obstante expande a base para circulação local do capital. Esses papéis
existem não importa quem o desempenha.
A ideia da construção de edifícios que têm suas unidades alocadas se refere,
portanto, à tendência engendrada no capitalismo contemporâneo, o qual é marcado
pela extrema fluidez na circulação de capital, de mercadorias e também de algumas
pessoas (somente uma parcela da sociedade se desloca com rapidez, ou sequer se
desloca), e no qual a imobilização de capital na aquisição de um imóvel torna-se
algo secundário ou até mesmo negativo. No entanto, devemos ressaltar que existe
imobilização de capital no espaço para haver a efetivação de sua produção, e em
última análise, as unidades nos edifícios corporativos são adquiridas pelos próprios
incorporadores, por fundos de investimentos imobiliários ou capitalistas rentistas. O
capitalista interessado em um espaço para manutenção de seu negócio, seja a filial
de um banco, empresa multinacional ou loja de roupas, não tem, necessariamente, o
intuito de imobilizar seu capital na aquisição de um imóvel e o utiliza como um
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“capital fixo do tipo autônomo” na medida em que este capital já foi imobilizado por
outrem. Sobre as vantagens financeiras dos espaços alocados, Mariana Fix (2007,
p.139) explica que:
Manter uma “sede própria” pode ser um entrave, na medida em que ganha
maior importância a mobilidade financeira e física do capital. Esse movimento
deve ser, em princípio, em direção à produção da própria empresa ou a outros
ativos, que não o imóvel, como ações e títulos, mais rentáveis, particularmente
quando as taxas de juros são altas. A ideia de “sede própria”, antes importante
para qualquer empresa que “quisesse respeitável”, vai cedendo lugar à
concepção de que, em um “ambiente competitivo”, o que vale é “focar” seu
próprio negócio, sem imobilizar ativos. Além disso, ter sede própria é também
um entrave à mobilidade no território, especialmente quando as possibilidades
do capital de cruzar fronteiras aumentam, por exemplo, mediante políticas de
abertura econômica. [...]. Assim, os capitalistas do setor produtivo podem
mudar de localização mais facilmente, sem sofrer os efeitos da desvalorização,
se puderem comprar o valor de uso associado ao capital imobilizado no imóvel
que ocupam, com base no pagamento de uma taxa, geralmente o aluguel. É
mais vantajoso para eles, portanto, que o capital imobilizado no imóvel
pertença a terceiros.
O trecho acima revela as desvantagens em imobilizar capital na compra de
um imóvel. Estas “desvantagens” se expressam em um momento histórico cuja
extrema flexibilidade do capital possibilita seu reinvestimento tanto no próprio
processo produtivo quanto no mercado financeiro global. O investimento no mercado
financeiro gera grandes retornos de capital, o qual pode ser movimentado mais
rapidamente do que a renda gerada se aquele espaço tivesse sido adquirido. Em
face deste quadro imobiliário, observa-se na cidade do Rio de Janeiro,
principalmente desde os anos de 2000, a tendência de incorporadoras imobiliárias
em construir empreendimentos corporativos. Atualmente, está em construção na
região do porto do Rio de Janeiro as Trump Towers Rio de Janeiro (ver figura 1), um
complexo corporativo que será composto por cinco torres de edifícios, das quais
apenas duas estarão prontas em 2016 (de acordo com o site do projeto). Estas
torres se enquadram no chamado padrão TRIPLE A que se refere ao alto grau de
luxo e eficiência dos edifícios, que carregarão a Marca Trump, fundada pelo
estunidense Donald Trump.
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Figura 1: Imagem das Trump Towers Rio de Janeiro, futuramente localizadas na
Avenida Francisco Bicalho.
Note-se que os imóveis localizados nestas torres serão consumidos por uma
parcela ínfima da população carioca, e mesmo esta, provavelmente não será
composta por antigos moradores da região que foram removidos em nome da
operação urbana. De acordo com informações disponibilizadas sobre este projeto6,
serão investidos para a construção deste empreendimento U$ 2,5 bilhões. Pode-se
observar que este é um montante bastante alto diante do atual desaquecimento
econômico na cidade do Rio de Janeiro, que também se manifesta no setor da
construção civil. Entretanto, a flexibilidade na circulação de capital e a extrema
facilidade com que acontece a valorização do capital (valorização do valor) na
atualidade, através principalmente, da penetração do capital financeiro em outros
setores econômicos, tal como o imobiliário, revela que este desaquecimento
econômico não é um entrave para a produção espacial. Segundo o site do projeto:
Até agora o projeto não começou a fechar contratos com inquilinos em parte
porque ainda não recebeu os alvarás que são necessários. Ivanov7 diz que seu
grupo pretende implantar o projeto independentemente de ter ou não
6
Fonte: http://www.trumptowersrio.com/pt-br
7
Ivanov é o diretor-presidente da empresa búlgara MRP International, a qual lidera um grupo que
licenciou a marca TRUMP no Brasil. Este projeto é o primeiro em que a empresa búlgara participa no
Brasil.
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contratos de locação8 previamente assinados. “Nós temos os recursos, disse
ele”.9
As informações do site que revelam a garantia dos investimentos, corroboram
a ideia de que a facilitação na circulação de capital e de crédito nas transações
comerciais globais permite que exista a imobilização de capital na construção do
espaço, mesmo em períodos de desaquecimento econômico, porque a integração
econômico-financeira existente entre os grupos e agentes econômicos garante a
lucratividade destas ações. Dessa maneira, o advento do capital fictício e a
passagem de capital de um setor para outro da economia, promove fugas de crises
econômicas.
Na perspectiva da ideia de “desvantagem financeira” quando da imobilização
de capital no espaço, estas informações confirmam que apenas os agentes
econômicos envolvidos diretamente na construção do empreendimento são
responsáveis por tal imobilização, enquanto os “inquilinos” são os capitalistas que
farão uso destas unidades corporativas, e na maioria das vezes são representados
por grandes empresas multinacionais que desejam ter filiais alhures.
3 – Metodologia
Este trabalho de pesquisa fundamenta-se teoricamente nas reflexões feitas
por Karl Marx acerca do processo de circulação de capital e nas considerações
sobre os efeitos geográficos gerados pelo modo de produção capitalista,
desenvolvidas por David Harvey. Além disso, a ideia de produção do espaço
trabalhada por Ana Fani Alessandri Carlos ilumina teoricamente o presente trabalho.
Alvaro Ferreira e Mariana Fix contribuem para as reflexões sobre os efeitos do
capitalismo nas cidades contemporâneas, além de outros autores que colaboram
com a construção de uma massa intelectual que possibilita uma “leitura” mais atenta
dos processos espaciais reais.
Os dados referentes à OUCRPRJ (Operação Urbana Consorciada da Região
do Porto do Rio de Janeiro) foram retirados de seu prospecto, o qual é
8
Grifos nossos.
Retirado de: http://www.trumptowersrio.com/pt-br/desaceleracao-e-desafio-para-projeto-da-marcatrump-no-rio/
9
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disponibilizado na internet através do portal do “Porto Maravilha”, e os dados acerca
do projeto Trump Towers Rio de Janeiro, foram também pesquisados na internet.
4 – Considerações finais
A construção de edifícios corporativos em algumas regiões da cidade do Rio
de Janeiro apresenta dois aspectos e, portanto, dois “lados”. O primeiro aspecto se
refere à agilidade e flexibilidade na circulação de capital, promovida principalmente,
após as desregulamentações e liberalizações ocorridas nos anos de 1980, e que se
expressam na facilidade com que empreendimentos imobiliários são concebidos e
efetivados. A integração entre os grupos financeiros internacionais e as
incorporadoras imobiliárias ultrapassam possíveis desaquecimentos econômicos
pontuais e mantém as rédeas da produção espacial de muitas cidades capitalistas, e
também, da cidade do Rio de Janeiro.
O segundo aspecto diz respeito à escolha do poder público municipal (mais
presente no caso da OUCRPRJ, mas não se esquecendo das esferas estadual e
federal) em priorizar a reestruturação urbana de uma determinada região da cidade
em detrimento de outras, o que revela a desigualdade na produção espacial,
processo, que por sua vez, está há muito tempo consolidado dentro modo de
produção capitalista. A ideia de desenvolvimento geográfico desigual (HARVEY,
2014) revela a produção de espaços distintos numa mesma cidade. Espaços com
solo urbano valorizados ou que se pretende valorizar recebem investimentos
públicos e privados, enquanto espaços desvalorizados não atraem capital privado e
nem ações do poder público em prol de melhorias na infraestrutura urbana. Dessa
forma, delineia-se um quadro de contínua valorização de determinados espaços em
detrimento da contínua desvalorização de outros, o que também revela um processo
retroalimentador, no qual, a desvalorização de um espaço garante a valorização de
outro. Ocorre que este quadro de valorização/desvalorização (já presente
anteriormente no capitalismo) se estabelece, atualmente, a partir da orientação de
planejamentos estratégicos que “racionalizam” esta condição desigual.
Será que o desenvolvimento geográfico desigual será de fato a única forma
de produção espacial de algumas de nossas cidades daqui em diante? A busca por
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uma produção espacial mais igualitária deve vir da ação da sociedade (seus
diversos atores e agentes) na direção do entendimento de que o espaço geográfico
é o reflexo da sociedade que o produz e, assim, espaço e sociedade são um só, e
precisam estar em consonância. Devemos buscar construir um desenvolvimento
geográfico mais justo, menos desigual.
5 – Referências Bibliográficas
CARLOS, Ana Fani Alessandri Carlos, A condição espacial. São Paulo: Contexto,
2011.
CHESNAIS, François. A mundialização financeira: gênese, custo e apostas.
Lisboa: Instituto Piaget, 1996.
FERREIRA, Álvaro. A cidade no século XXI: segregação e banalização do
espaço. Rio de Janeiro: Consequência, 2011.
FIX, Mariana. São Paulo cidade global: fundamentos financeiros de uma
miragem. São Paulo: Boitempo, 2007.
HARVEY, David. Os limites do capital. São Paulo: Boitempo, 2013
HARVEY, David. Diecisiete contradicciones y el fin del capitalismo. 1.ed. Quito:
Editorial IAEN, 2014.
http://www.portomaravilha.com.br/conteudo/canalInvestidor/prospecto-22-032013.pdf
http://www.trumptowersrio.com/pt-br
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