A teoria da atividade modificada pela tecnologia da informação1 Oleg K. Tikhomirov2 Márcio Alexandre Siqueira3 Introdução O progresso na área de informática e tecnologia da informação tem influenciado fortemente a psicologia teórica, da mesma forma que o conhecimento psicológico é cada vez mais utilizado para apoiar os processos de aplicação e desenvolvimento de tecnologia da informação. Neste artigo, discuto essas tendências mutuamente dependentes do ponto de vista da teoria psicológica da atividade. Focarei em problemas e perspectivas da criatividade e atividade criadora em condições de rápido desenvolvimento e implementação pervasiva4 da tecnologia da informação nas diferentes esferas da atividade humana. A delegação de funções humanas aos computadores apresenta à teoria da atividade novos paradigmas: Qual é a natureza da atividade desenvolvida pelos seres humanos no contexto da informatização avançada? Como muda a atividade humana quando os seres humanos usam computadores? A ciência da computação usa constantemente as noções de rotina e criação. Focar a criatividade revela uma grande lacuna entre os estudos psicológicos de atividade e estudos psicológicos de criatividade. As teorias da atividade e as teorias da criatividade foram desenvolvidas como domínios separados de investigação. Nós testemunhamos tanto a tendência de negação da teoria da atividade pela teoria da criatividade quando a tendência de negação da teoria da criatividade pela teoria da atividade. Afirma-se que dentre as tendências mais importantes no desenvolvimento da psicologia da criatividade na Rússia são a 1 Este artigo foi publicado em: ENGERSTRÖM, Y, Miettinen, R., Punamäki, R. (Eds.). Perspectives on Activity Theory. Cambridge: Cambridge University Press. pp. 347 – 359, 1999. 2 Oleg Konstantinovich Tikhomirov (1933-2000). Psicólogo russo, professor, chefe do Departamento de Psicologia Geral da Universidade Estatal de Moscovo (desde 1990). Área de interesse científico: problemas de metodologia psicológica (sujeito e estrutura da ciência psicológica; principais conceitos psicológicos e princípios; abordagem sistemática em Psicologia; conexões entre Psicologia, Informática e Filosofia, correlação entre a inteligência humana ea artificial). Em particular, formulou a teoria semântica do pensamento, propôs a teoria da atividade criativa humana, identificados e pesquisados específicos mecanismos humanos de resolução de problemas de gestão e as formas de reflexão de situações problemáticas. Principais publicações: "Psicologia do Pensamento", 1984, "Pesquisa Psicológica da atividade criativa" (em colab.), 1975, "Psicologia da informatização", de 1988. [N. T.: Nota do Tradutor]. 3 Tradutor do artigo e estudante do Programa de Pós Graduação em Ciências e Educação Matemática da Universidade Federal do Paraná, é graduado em Matemática (Lic.) pela mesma universidade. 4 A computação pervasiva (pervasive computing) é uma área recente de pesquisa, considerada “o novo paradigma do século XXI”. Visa fornecer uma computação onde se deseja, quando se deseja, do que se deseja e como se deseja, através da virtualização de informações, serviços e aplicações. Este ambiente computacional consiste de uma grande variedade de dispositivos de diversos tipos, móveis ou fixos, aplicações e serviços interconectados. ([N. T.] Consultado em 26/12/2012 em: http://www.rnp.br/pd/gts20042005/grade_pervasiva.html). "substituição progressiva do princípio da atividade pelo princípio da interação e a substituição do conceito de atividade pelo conceito de sistemas" (LOMOV & ANZYFEROVA, 1989, p. 28). Mas essas contraposições estão bem fundamentadas? Na minha opinião, não estão. Tornar absoluta a noção geral do sistema científico para a psicologia teórica, normalmente significa ignorar o estudo de características sistêmicas específicas e concretas do funcionamento psicológico humano. L. S. Vygotsky já há muito tempo, introduziu a noção de sistema psicológico (TIKHOMIROV, 1989), defendendo a necessidade de distinguir entre sistemas qualitativamente diferentes. Falar hoje do conceito de sistemas sem diferenciar os sistemas de acordo com seus tipos significa voltar ao período anterior aos estudos de Vygotsky. Infelizmente, às vezes vemos isso acontecer na psicologia atual, incluindo a psicologia da criatividade. O conceito de atividade na psicologia é um conceito sistêmico, tendo-se a atividade considerada como um sistema (LEONTIEV, 1975). Podemos comparar (ou mesmo contrapor) diferentes tipos de conceitos sistêmicos em psicologia, porém apresentar o conceito de sistemas e o conceito de atividade como opostos é injustificável. Isto também se aplica a contraposição das categorias de atividade e interação e de atividade e comunicação, pois é através da atividade que os seres humanos interagem com o mundo circundante. A comunicação é um aspecto integral da atividade em grupo; e sob certas condições, a comunicação torna-se atividade em si e por si (necessidade de comunicação, objetivos de comunicação, etc.) As categorias de atividade e processo são também utilizadas como substitutos para a categoria de atividade. No entanto, não é difícil perceber que a atividade é um tipo específico de atividade humana e que essa atividade tem as características de processo. Isto significa que o conceito de processo é um aspecto da análise da atividade, em vez de uma alternativa para a atividade. Agora vejamos a tendência oposta - a de negar pela Teoria da atividade os problemas de estudar a criatividade. Aqui devemos considerar a noção de conteúdo da teoria da atividade. Esta noção inclui ideias sobre a estrutura da atividade, seus tipos, sua dinâmica e desenvolvimento, suas funções e seus mecanismos de realização. A Teoria da atividade contém afirmações sobre a relação entre a atividade e seu propósito e entre atividade e consciência, incluindo também noções sobre as funções da teoria da atividade, as formas com que se desenvolveu, e sua relação com outras teorias psicológicas. Noções gerais sobre a atividade foram especificadas pela psicologia através da diferenciação dos seus tipos: prática e teórica, externo e interno, orientativa e performática, individual e coletiva. A atividade criativa5 como um tipo de atividade independente não é normalmente estudada. Nas discussões sobre a estrutura geral da atividade, os componentes desta estrutura são geralmente tratados como estabelecidos, não como gerados e produzidos. Segundo Leont'ev, a atividade é "uma unidade de vida processada pela reflexão psíquica, cuja verdadeira função é a de orientar o sujeito no mundo dos objetos" (LEONTIEV, 1975, p. 82). No entanto, ambas reflexão e orientação podem existir sem a incidência de fenômenos distintos de criatividade. As inconsistências no desenvolvimento do conceito de atividade, demonstrados como uma redução da atividade a ações e pela negligência da complexidade da regulação motivacional e emocional de atividade, da regulação de significados e objetivos, também contribui para a negação dos problemas de criatividade. Esta situação não apenas limita (a esfera da aplicabilidade da teoria da atividade em psicologia), mas também dificulta a solução 5 N. T. Tomaremos como sinônimos a Atividade criativa e a Atividade criadora. de novos problemas - problemas que aparecem na teoria e na prática do uso de tecnologia da informação. Teoria da atividade criativa Vejo a resolução do problema em uma diferenciação entre as atividades criadoras e de rotina como tipos relativamente independentes de atividades. Ambas as atividades, prática e teórica, podem ser de rotina ou criadora, no contexto do amplo uso da tecnologia da informação, a atividade intelectual, a atividade com conhecimento, é de primordial importância. A teoria da função orientativa da psiquê, a compreensão da psiquê como atividade orientadora e investigativa, avança a um novo patamar, incluindo ações com bases de orientação completas e incompletas; no entanto, a supervalorização das orientações completas dificultam o entendimento do caráter original da atividade criadora. Estudos teóricos e experimentais indicam que na solução de problemas suficientemente complexos, a orientação completa é impossível, ou seja, a única forma possível de resolver estes problemas é o de atuar com orientações incompletas. O estudo psicológico de orientação deve incluir não apenas a questão de sua completitude, mas também o caráter estereotipado ou nãoestereotipado da orientação (ver, por exemplo, KALOSHINA, 1985). É necessário diferenciar os tipos de reflexão psíquica, entre os processos ligados ao existente e aqueles ligados ao possível. Esse último processo que são específicos para atos criadores. De acordo com Leontiev, a orientação ao objeto é uma característica constituinte da atividade. O objeto da atividade aparece primariamente na sua existência independente, como subjugador e transformador da atividade do sujeito, e secundariamente como imagem do objeto ou de um produto da reflexão psíquica das propriedades do objeto, o que só pode ser realizado como um resultado da atividade do sujeito. Na atividade criativa, o objeto aparece em duas outras formas: como um novo produto da atividade, um produto que não existia antes, e como uma imagem de um objeto ainda a ser criado. Considerando que na atividade não-criativa as funções de comparação, reprodução, assimilação, e cópia são de primordial importância, na atividade criadora as funções de construção, criação, e produção do novo são as mais importantes. Dessa forma a subjetividade é transformada em objetividade. É necessário então distinguir entre dois tipos de produtividade da atividade - a repetitiva criação de produtos estereotipados e a criação de novos e originais. A atividade criadora é caracterizada não apenas por motivos, metas e operações (que também existem nas atividades de rotina), mas também por atos que geram novos motivos, novas metas e novas operações. Esta atividade funcional sofre uma evolução no decurso da sua realização, podendo ser definida como uma unidade de vida que inclui a geração de novas formações psíquicas, oferecendo realmente aos seres humanos a oportunidade de gerar um novo mundo de objetos. Essas novas formações psíquicas na atividade precedem e preparam a produção de novos resultados tangíveis (produtos) de atividade. Novas necessidades e novos motivos são fontes importantes de atividade criadora, sendo que a motivação inicial pode mudar no decorrer da atividade, assim como as relações hierárquicas entre os motivos também podem mudar. Os motivos não são apenas as condições para o desenvolvimento de atividade intelectual real, mas também são os fatores que influenciam a produtividade e estrutura. A motivação por sua vez, se caracteriza não só pelo conteúdo, mas também pela dinâmica e nível de desenvolvimento. O desenvolvimento funcional de necessidades cognitivas (estudado por E. E. VASIUKOVA, [s.n.]) é caracterizado por alterações no conteúdo objetivo (tipo de conhecimento), nas propriedades dinâmicas (estabilidade), nas relações com outras necessidades e no nível de realização. Neste desenvolvimento podemos isolar diferentes níveis específicos de micro e macrogênese, onde a geração e característica da necessidade cognitiva, que aparece em uma situação concreta, e dela depende não apenas a exposição do sujeito a não correspondência dos seus métodos conhecidos de ação para os requisitos do problema, reside também o plano geral do desenvolvimento de necessidades do sujeito cognitivo estável. O nível geral de desenvolvimento de uma necessidade cognitiva estável define a correlação entre os componentes de reprodução e criatividade da atividade intelectual - o nível de sua "criatividade" aumenta com o aumento deste nível. Estudos de atividade criadora exigem uma análise das relações entre a atividade e personalidade em um ato criativo específico. I. L. Zinovieva [s.n.], estudou essas relações, especialmente a dependência da organização da atividade intelectual sobre o nível de confiança do sujeito. Ao que parece os sujeitos confiantes tinham uma orientação ao resultado maior, o que leva a "eliminar" - por meio de avaliações categóricas - as hipóteses de todas as informações que não conduzem à meta, bem como maior autoconfiança nas conclusões existentes e maior integração entre as generalizações. Os sujeitos sem autoconfiança demonstraram uma organização caótica e desintegrada da pesquisa, como resultado de avaliações aproximadas do valor dos componentes do campo de significados, o que gera numerosas direções da pesquisa tendo igual nível de atratividade - e isso dificulta a realização efetiva da meta. Um estudo realizado pela I. A. Vassiliev e N. N. Khussainova ([s.d.]) mostrou que a personalidade determina o nível de organização da atividade criativa e do campo de significado da atividade (conteúdo objetivo do problema, conteúdo subjetivo-objetivo do problema, e o contexto mais amplo de vida). Os mecanismos psicológicos de "escapismo" da atividade criadora dedicada para a solução de um problema específico, incluem o alargamento de campo da atividade de significado além do conteúdo objetivo do problema, ou seja, a inclusão do "Eu, experimentador” e de um mais amplo contexto de atividade na vida com pontos de referência significativos. Essa tipologia das fugas da atividade intelectual criativa foi estabelecido pela direção da fuga para um dos campos de significação. A meta-orientação (geração de novos objetivos na atividade do sujeito) é um dos atos centrais na estrutura da atividade criadora. O termo “meta” define a imagem dos resultados futuros desejáveis, indiretamente relacionados com a motivação. O resultado obtido pela ação contém sempre algo de novo em relação ao objetivo: subprodutos de uma ação orientada ao resultado, resultados de atuação efetiva involuntária do assunto. Além de necessidades e motivos, os pré-requisitos da geração de novos objetivos na atividade criativa individual incluem: (1) a assimilação de novos conhecimentos sobre possíveis metas (resultados); (2) a recepção de novas demandas de ação; (3) o aparecimento de novos resultados de ações individuais; (4) o caso de incumprimento dos resultados previstos, e (5) o aparecimento de novas e irrealizadas antecipações dos resultados futuros da ação. A transformação de reivindicações em metas individuais é uma das variantes mais comuns de formação das metas. Na formação independente de metas (por exemplo: quando há falta de uma demanda formulada diretamente), o processo pode se desenvolver voluntariamente ou involuntariamente (TIKHOMIROV, 1988, p. 111-152). Entre os mecanismos psicológicos da formação de metas estão (1) a transformação de motivos em motivo-objetivos pela sua realização, (2) a transformação de subprodutos de ação em metas, conectando-os com o objetivo e realização do resultado, (3) a transformação dos resultados não realizados em resultados realizados; (4) o isolamento de metas intermediárias como função de um obstáculo; (5) as atividades prático-comum; (6) a correlação do objeto com diversas necessidades, e (7) a satisfação parcial da necessidade pelo objeto desta necessidade (TIKHOMIROV, 1988, pp 111-152). Em 1975, Leontiev advogou que a meta-orientação é "um processo que quase não se estudou, de verdade" (p. 106). Hoje a situação é diferente. Entre os objetos de pesquisa está o papel de motivos e emoções nos atos de formação de meta, o papel das avaliações das possibilidades da situação objeto e das perspectivas de sua transformação, o papel das avaliações da acessibilidade do objetivo esperado, o papel da memória, e a dependência da formação de metas na formação de significado (TIKHOMIROV, 1988). Estudos do conteúdo operacional da atividade incluem a análise da geração de operações de pesquisa não-verbal, fatores de sua organização, e interrelações com as operações verbalizadas. A diferenciação entre a atividade criadora e a de rotina exige não só uma nova abordagem para as unidades tradicionais de análise da atividade do ponto de vista de sua geração no curso do auto-desenvolvimento da atividade, mas também o isolamento de novos componentes. Apresento a seguir dois exemplos. Os estudos da atividade intelectual criadora demonstraram que esta atividade inclui ambos os processos submetidos a um objetivo consciente e antecipações não-verbalizadas de resultados futuros. Os últimos processos podem ser mais intensos do que as ações orientadas para objetivos próprios. Nos estudos experimentais, a geração de metas intermediárias demonstraram que antecipações não-verbalizadas podem preceder a formação consciente de uma nova meta, podem coexistir com esta mesma meta, e até mesmo estar por trás dele. Os estudos de formação de metas mostraram também que na formação e funcionamento consciente das metas, avaliações da acessibilidade do resultado, não realizados pelo sujeito, juntam-se. Um ponto importante na análise da atividade criativa pertence aos estudos de sua regulação emocional. Os seguintes parâmetros são centrais nessas análises: (1) a saturação emocional da atividade, (2) o conteúdo objetivo (direção) das emoções, (3) as características de fixação emocional, (4) a objetivação emocional e correção, e (5) as emoções 'modalidade. A atividade criativa é caracterizada por dinâmicas complexas de geração das avaliações emocionais, que aparecem como uma novas formações, não menos significativas do que motivos e objetivos (TIKHOMIROV, 1988, pp 91-110). A atividade humana concreta inclui uma "amálgama" de componentes criadores e nãocriadores. Dependendo de seu domínio, pode-se falar de uma atividade predominantemente criativo ou não-criativos. As tentativas de proclamar toda atividade como criativa contradiz a realidade da divisão do trabalho na sociedade. Os efeitos psicológicos da informatização da atividade A atividade criativa, enquanto mantida a prerrogativa de ser fruto de seres humanos, é profundamente alterada no contexto do uso do computador, isso porque em meios informatizados, um desenvolvimento real da atividade criativa pode ser verificado. Novas formas de trabalho criativo, novas formas de educação e novas formas de jogar aparecem, formas estas que são simplesmente impossíveis sem os computadores. Ao mesmo tempo, os novos tipos estereotipados de atividade rotineira aparecem. A informatização tipicamente implica em aumentos acentuados na motivação, prestígio externo, bem como o desenvolvimento intensivo de necessidades cognitivas da personalidade. Nós verificamos tanto um medo de usar computadores quanto um otimismo desenfreado inerente ao seu uso. A transformação ocorre em todo o sistema de motivação, formando significados estáveis de personalidade, e geração de metas pessoais em participar na regulação da atividade criadora. Pode-se também observar uma dupla tendência para a ampliação das possibilidades de criar e atingir objetivos, por um lado, e para estreitar estes processos, de outro lado. O caráter contraditório dos efeitos psicológicos da informatização torna necessário analisar esses efeitos de forma concreta, para trabalhar propositadamente em direção a resultados positivos e corrigir possíveis conseqüências negativas. Tudo isso exige uma análise diferenciada em relação a diferentes grupos profissionais, diferenças étnicas e diferenças etárias, bem como dos computadores de diferentes tipos e gerações, diferentes linguagens de software e princípios de programação. O computador não é apenas um dispositivo de processamento de dados universal, é também um meio universal de influenciar a atividade humana e, consequentemente, a psiquê humana. Essa influência pode ser dada de forma proposital e também espontânea. A especificidade de tal influência é definida, em primeiro lugar, não pelo computador, mas pelas condições organizacionais e sociais envolvidas na sua utilização e pelas características particulares da atividade. Estudos psicológicos experimentais de formação de objetivos como uma manifestação da criatividade no diálogo com os computadores mostraram o potencial de ampliação da atividade criativa humana. Este potencial é expresso em um aumento no número de objetivos formulados e na intensificação da sua originalidade. Foi também demonstrado que a utilização de computadores conduz a uma transformação qualitativa de processos de formação de objetivos, manifestados em novas propriedades da situação que são objeto inacessível sem o uso de computadores. Essa mudança se manifesta também na ampliação da zona independente de busca seletiva. Ao mesmo tempo, os estudos mostraram que o desenvolvimento da atividade criativa, no contexto computadorizado pode ser consideravelmente aumentado com a ajuda da manutenção psicológica da informatização. No caso contrário, existe o risco de formação de um pensamento pré-concebido6 e elipsado, suportado pela autoridade do computador (TIKHOMIROV, 1988, pp 180-190). Na realização de qualquer uma das funções sociais ao participar de uma atividade conjunta, pode-se isolar ambas componentes da atividade, as de rotina e as criativas. A transferência de componentes de rotina para o computador significa a inclusão deste no desempenho de um papel social - e, consequentemente, a transformação do conteúdo dos papéis sociais, fazendo com que novos papéis tendam a aparecer. Tikhomirov e Gurieva (1989) estudaram os efeitos psicológicos da informatização na atividade de psicodiagnosticadores. O estudo incluiu uma análise da transformação dos motivos da atividade computerizada7, as mudanças nos processos de formação de objetivos e metas dessas atividades, e as mudanças em seu conteúdo operacional. O estudo utilizou três escalas de avaliação: efeitos "positivos x negativos", efeitos "reais x potenciais" e efeitos " regidos x desgovernados" . As reais mudanças positivas na motivação dos psicodiagnosticadores foram expressas na formação de motivos "conhecidos" ligados às vantagens do uso do computador, como por 6 N.T. Stereotyped usado com frequência por Thikomirov se refere ao que já está pré-concebido, que não tem autenticidade, nem originalidade, que se baseia em falsas generalizações. 7 Ver: Tikhomirov, O. As Consequências Psicológicas Da Computerização, [Man And Computer]. Moscow: Moscow University Press, 1972. exemplo na admissão do computador como um meio confiável bem como na confiança seus dados. As reais mudanças negativas na motivação foram geradas pela percepção habilidades limitadas dos computadores na solução de problemas e pela descoberta defeitos técnicos nos computadores. Os fenômenos de "barreira psicológica" "superconfiança" foram observados nesse caso. de de de e As potenciais mudanças positivas na motivação consistem na afirmação do valor profissional dos psicodiagnosticadores e na ênfase sobre a sua responsabilidade pelos resultados dos psicodiagnósticos computadorizados. Variações negativas potenciais da motivação se basearam em avaliações erradas sobre a importância do uso do computador em estudos psicodiagnósticos, o que pode conduzir a uma ampla difusão de decisões psicodiagnósticas incorretas. As reais mudanças positivas na formação de metas foram atribuídas à redução de determinadas metas pré-concebidas na interpretação dos resultados do teste e no desenvolvimento de meios objetivos, tais como as análises informais de dados de teste, maior quantidade de entrevistas qualitativas com a pessoa examinada, e um maior número de entrevistas em um período de tempo específico. Também foi dada maior atenção para a concretização e especificação dos objetivos inicialmente formulados de uma forma geral, e desta forma o nível de alcance de metas e objetivos prognosticados foi aumentando. Entre as reais mudanças negativas na formação de metas e objetivos estavam o estabelecimento de metas ligadas à preparação, regulamentação e controle dos resultados do computador no processo de resolução de um problema psicodiagnóstico (essas metas específicas do computador, embora necessárias para atingir um resultado produtivo, têm um caráter menos significativo e auxiliar, tornando a realização de um resultado produtivo mais complexo). Os testes computadorizados das pessoas examinadas, sem preparação prévia, as deixa constrangidas e produz nelas um medo do computador por ser um dispositivo técnico. Isto leva a dados não-autênticos ou a uma recusa de trabalhar com o computador. Nesta fase, uma combinação de tipos de atividades manual e computadorizada, torna possível otimizar o processo, porém simultaneamente conduz a uma produtividade mais baixa. As potenciais mudanças positivas na formação de metas e objetivos podem consistir em uma prevalência ótima de componentes criadores de atividade psicodiagnóstica informatizada sobre os componentes pré-concebidos. Já as potenciais mudanças negativas na formação de metas e objetivos estão ligadas a fixação inadequada ou irrealista de objetivos como, por exemplo, o objetivo de substituição total dos psicodiagnosticadores pelo computador. As reais mudanças positivas no conteúdo operacional da atividade consistem na redução da carga operacional e na possibilidade de se utilizar os resultados de operações mais perfeitos realizados pelo computador. As reais mudanças negativas no conteúdo operacional da atividade incluem novos tipos de operações necessárias como trabalho auxiliar mas que possuem relativamente baixo valor social, a ineficiência nas operações sensomotoras realizadas produzidas pela apresentação inconveniente de dados no visor, a organização irracional do teclado do computador, e ainda as instruções e manuais deficientes. O ritmo das operações ditadas pelo computador também pode ser negativo. As potenciais mudanças positivas no conteúdo operacional da atividade são vistas no curso da aprendizagem, da racionalização da tela, e das rotinas de trabalho do usuário. As potenciais mudanças negativas no conteúdo operacional consistem em uma avaliação inadequada da importância das operações eficientes para a atividade psicodiagnóstica , o que pode levar a uma falta de convergência entre os resultados reais e os esperados e para a formação de superconfiança em dados informáticos. Teoria da atividade e a teoria da inteligência artificial As últimas décadas testemunharam uma intensa interação entre a psicologia e a teoria da inteligência artificial. Ambos, psicólogos e cientistas cognitivos, têm feito muitas tentativas para usar o aparato de inteligência artificial e os princípios operacionais dos sistemas artificiais no estudo da cognição, criatividade e comportamento. Uma manifestação da influência da teoria da inteligência artificial é ampla disseminação de ideias sobre criatividade e atividade como processos de realização do algoritmo. Um algoritmo é uma instrução, o cumprimento do que garante a solução de uma determinada classe de problemas. Este cumprimento de uma instrução é, por vezes, declarado como sendo um ato de criatividade e um modelo de atividade humana. Nosso conceito de atividade criativa pode ser interpretado como um modelo nãoalgorítmico de criatividade (PONOMAREV & SAARINEN, 1986, pp 1-8). A atividade criativa é, em sentido contrário a um algoritmo, uma "antialgoritmo". A natureza nãoalgorítmica de regulamentação motivacional-emocional se expressa no fato de que a necessidade adequada (como um objeto não especificado de querer) não tem "regras" para transformar necessidades em motivação, mas aparece apenas como resultado de um encontro entre uma necessidade e do objeto de sua satisfação. O alargamento das chamadas necessidades insaciáveis - que incluem as necessidades cognitivas - também não é préprogramado para as propriedades de necessidades. As relações entre os motivos também não são fixas, pois podem ser estabelecidas e modificadas no decurso da realização de atividade e podem ser especialmente complexos em situações de motivos conflitantes. A geração e transformação de avaliações emocionais em atividade também não são algoritmos, assim como as relações entre motivos e objetivos também podem ser não-algorítmicos. A relação entre os objetivos e motivos é especialmente ambígua em situações de formação de objetivos e metas, pois o processo de satisfação da necessidade não inclui necessariamente o isolamento dos objetivos conscientes e a transição do motivo para a meta e o processo adequado de formação de objetivos não tem um caráter algorítmico. A teoria da programação heurística como parte da teoria da inteligência artificial tem atraído a atenção para a organização heurística da busca humana por soluções. Normalmente, nenhuma consideração é dada à diferença entre princípios heurísticos formais e informais, mecanismos seletivos que podem trabalhar em ambos os níveis verbais e não-verbais, e a mudança desses mecanismos, a transição de uma zona de pesquisa para outra, é uma característica importante da atividade criativa. Vamos agora considerar alguns novos aspectos da análise de tradicionais componentes estruturais da atividade. Estes novos aspectos se manifestam como resultado da interação entre a teoria da atividade e a teoria da inteligência artificial. As operações no funcionamento de um sistema de inteligência artificial são diferentes das operações na estrutura da atividade humana, haja vista que nem todos estes podem ser transferidos para os sistemas artificiais e as operações humanas não são apenas realizadas, mas também geradas e transformadas. O termo objetivo, que denota a característica diferenciadora de ação na teoria da atividade, também é usado na teoria da inteligência artificial. No entanto, nela tem um significado diferente: a situação finita, definido por uma descrição formal (por exemplo, sob a forma de uma lista de indicações), sendo realizado durante o funcionamento de um determinado sistema. Neste contexto, o objetivo perde a sua conexão com o motivo, o que é fundamental na teoria da atividade. A comparação da regulação motivacional-emocional da atividade criativa com as funções de avaliação de sistemas de inteligência artificial mostra que os seres humanos usam não apenas constantemente, mas também situacionalmente, ocorrendo e dinamicamente alterando as avaliações. Há uma diferença considerável entre as avaliações verbal-lógico e emocional. Conforme as necessidades e motivos, elas estão ausentes em sistemas artificiais que constituem a principal diferença entre o trabalho de um humano e de uma máquina, uma diferença fundamental para a teoria da atividade. Levando em consideração o desenvolvimento ativo de sistemas especialistas, é necessário discutir a correlação entre as categorias de "conhecimento" e "atividade". O conhecimento pode ser um produto específico inicialmente gerado pela atividade de pensamento humano e um meio de realizar essa atividade. O conhecimento pode ser reproduzido - como na reprodução adequada ou em recordação. Junto com o conhecimento formalizado, facilmente descrito, existe o conhecimento não-formalizado (ou mal formalizado). Ele inclui noções mundanas, generalizações empíricas, e complexas, que não devem ser considerados como de segunda categoria. Do ponto de vista da teoria da atividade criativa, mesmo nessas tecnologias complexas de informação, como os sistemas especialistas, não se reproduzem atividades humanas, embora transformem-na. Necessidades, formação de objetivos e metas, e a geração de avaliações emocionais permanecem como características especificamente humanas. No entanto, a teoria da atividade e a teoria da inteligência artificial estão unidas pela necessidade de desenvolver uma teoria de atividades que usem sistemas de inteligência artificial. O diálogo entre o ser humano e o computador é caracterizado pela personificação emergente do computador, ou seja, a sua percepção de como uma entidade com certas características pessoais e propriedades conscientes e seu tratamento correspondente. A interação entre o operador humano e o computador assumem traços mais e mais de atividade conjunta (cooperação ou rivalidade). A necessidade de comunicação interativa com o computador é atual, e um motivo de competição com o computador aparece, manifestado na formação de metas, tais como “conquistar a máquina", "vingar-se da máquina", e assim por diante. A noção de artificial está ligada com mais do que a discussão das possibilidades dos computadores. Geralmente, este termo designa tudo o que for criado por humanos (Simon, 1969). A correlação do artificial e não-artificial na atividade intelectual humana constitui um importante problema científico, que pode ser reformulado como o problema de correlação entre os processos de rotina e os processos de criação. O primeiro pode ser artificial, por ser produzido por outras pessoas e adotado pelo indivíduo. O não-artificial na atividade intelectual não se limita, na nossa opinião, aos pré-requisitos naturais desta atividade (Simon, 1969), que também se relaciona com as novas formações que aparecem no curso da atividade. Ignorar esse tipo de não-artificialidade é ignorar a natureza criativa da atividade intelectual humana. Neste contexto, é necessário especificar o papel da instrução no desenvolvimento intelectual, a tese sobre o desenvolvimento social e histórico da mente, com a qual a teoria da atividade é tradicionalmente associada. O conteúdo da experiência humana individual inclui não apenas a experiência social dominada, mas também a experiência pessoal, a experiência de realização de uma atividade, que determina a prontidão e seletividade de aquisição. A experiência social é transferida não apenas para os outros, mas também à tecnologia de informação - por exemplo, sob a forma de programas de computador. A este respeito, é necessário diferenciar entre os processos de “apropriação” da experiência social por um ser humano e por um computador. Essa diferenciação é decisiva para a avaliação do conceito da psicologia como "ciência do artificial", que leva a noções mais amplas sobre as funções da atividade humana. Nas experiências sociais específicas bem sucedidas de aquisição e domínio, um ser humano também acumula certas experiências pessoais - por exemplo, sob a forma de vestígios de experiências emocionais geradas pelo primeiro contato com o material, por familiaridade mais profunda com o material, e assim por diante. Uma das regularidades do desenvolvimento psicológico individual é que na apropriação da experiência histórico-social, também se adquire uma experiência individual. Isso anula tanto a contraposição e identificação da experiência social e individual, quanto a diferenciação entre os processos de apropriação da experiência social por seres humanos e por computadores. A atividade intelectual consciente do ser humano é regida por circunstâncias objetivas, isto é, aquelas que não dependem da vontade das pessoas que vivem na sociedade, vendendo certas metas e alcançando esses objetivos, nunca capazes de prever todas as conseqüências de suas ações. Esta tese continua válida no que diz respeito à atividade de instrução e de ensino, e não nos permite adotar a opinião de que a atividade de uma única pessoa e psique, nada mais são do que o produto das pessoas ao redor, que são artificiais. Portanto, do ponto de vista da teoria da atividade criativa, a psicologia não pode ser considerada como uma ciência do artificial. Conclusão O desenvolvimento da informática e tecnologia da informação não só produz mudanças consideráveis na atividade humana, ele requer o desenvolvimento da teoria da atividade. Esta teoria tem uma nova função: interpretar a natureza psicológica da atividade humana na sociedade da informação e os desafios que se apresentam para o desenvolvimento da ciência psicológica. Referências KALOSHINA, I. P. (1985). Normative analysis of creative activity. Moscow: MGU (in Russian). LEONT'EV, A. N. (1975). Activity, consciousness, and personality. Moscow Misl (in Russian). LOMOV, B. F., & Anzyferova, L (Eds.). 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