A Antropologia e a Sociologia Hoje Reproduzo abaixo um texto escrito por Cristiana Costa intitulado “A Antropologia e a Sociologia hoje” para posteriormente levantar duas questões que acredito serem necessárias e urgentes. “A antropologia foi se desenvolvendo nos últimos duzentos anos investigando os elementos que orientam a ação e explicam a emergência de padrões e comportamentos sociais. Auxiliada por uma análise de cunho cognitivo e até psicológico, revelou sutis relações entre formas próprias de pensar e agir. Ao mesmo tempo que abandonava o campo da evidência empírica e se aprofundava na área da organização psíquica e emocional dos agentes sociais e das origens da intencionalidade de sua ação, as transformações históricas iam modificando violentamente as sociedades anteriormente tidas como seu objeto específico de estudo.O imperialismo e a expansão do capitalismo industrial acabaram por transformar radicalmente as sociedades não-européias, nelas introduzindo formas organizacionais típicas da civilização ocidental européia. No mundo globalizado, as diferenças culturais se nivelam numa estandardização desconcertante. E aquilo que resta de estruturas culturais tradicionais se encontra revestido de um novo sentido, capitalista e contemporâneo. Remotas tradições – como o uso de aros no pescoço das “mulheres girafas” da Tailândia – se transformam em atrações de uma bem-sucedida indústria turística, enquanto produções artesanais consagradas servem apenas como modelos dos seus substitutos industriais. Podemos encontrar hoje, em baixelas de plástico produzidas por multinacionais norte-americanas estabelecidas na Tailândia, os mesmo desenhos que ornavam as chinesas. A originalidade dos traços culturais é posta em dúvida numa economia planetária e de produção em massa. Grupos indígenas ainda existentes em certas áreas da sociedade brasileira, por exemplo, desenvolvem seus hábitos e costumes – fabricam utensílios e adornos plumários, vestem-se “a caráter” e alimentam-se de mandioca – apenas em horário comercial. Fora dele usam jeans e walkman. O que resta, portanto, da alteridade necessária à delimitação do objeto próprio da antropologia? Pouco, se considerarmos essa alteridade, como no século XIX, expressão de um modo de vida não-ocidental. Mas se pensarmos esse objeto e essa alteridade com tudo aquilo que possa ser um desvio dentro do sistema globalizado, como tudo aquilo que resiste e se opõe ao pleno funcionamento da economia planetária, o leque de opções se amplia como nunca. Se permitirmos que essa alteridade venha a dar conta dos inúmeros grupos minoritários que emergem nessa sociedade – grupos étnicos, religiosos, sexuais -, se aceitarmos que ela inclua as novas formas societárias que se desenvolvem à margem da sociedade, então veremos que a antropologia tem um imenso universo de estudo a desenvolver e seus comprovados métodos de investigação poderão obter muitos resultados. Por outro lado, se é verdade que a sociedade se urbaniza e se industrializa de forma global, submetendo o campo e a produção agrária aos princípios de organização urbano-industrial, as mais variadas populações de imigrantes e migrantes enquistamse nas metrópoles, enquanto uma solidariedade estranha desenvolve-se na periferia entre os grupos excluídos das benesses do desenvolvimento. Proliferam as associações de bairros, de pais e mestres, de moradores e de amigos nas mais diferentes instituições. Como atuam, como identificam seus pares, como se comunicam, são certamente temas interessantes para a antropologia contemporânea. Adequadas às análises antropológicas são também as feiras informais que combina as antigas feiras comunitárias com os novos shopping centers. Formas monetárias alternativas – de passes, tíquetes e fichas de telefone – convivem um sistema econômico que substitui as cédulas por cartões de crédito. Pode-se pensar também que a globalização, em vez de destruir antigas formas de sociabilidade e de comportamento, apenas as deslocou de um espaço distinto e próprio para os intervalos disponíveis no sistema capitalista urbano-industrial. Duas formas distintas de organização social parecem se sobrepor, mantendo entre si algumas ligações, como vasos sangüíneos comunicantes. Desse modo começam a ruir as fronteiras que delimitavam essas duas ciências, ou pelo menos que pareciam delimitar seus objetos de estudo. A sociologia e a antropologia procuram redefinir as múltiplas relações que emergem na sociedade, em meio às quais fica cada vez mais difícil definir quem sou eu e quem é o outro, o que é tradicional ou efetivamente moderno, aquilo que é globalizado e o que é regional. De qualquer maneira perduram certas práticas de pesquisa mais próprias de uma ou de outra ciência. Enquanto métodos de pesquisa de massa se desenvolvem na investigação das diferenças regionais entre fenômenos mundiais – como desemprego e miséria -, as análises minuciosas da antropologia procuram identificar nessa sociedade tecnológica e informacional os nichos de resistência e, como sempre, de manifestações de alteridade”. Sociologia : Introdução à Ciência da Sociedade / Cristina Costa – 2ª Edição – São Paulo: Moderna, 1997. O Desenvolvimento da Antropologia Social, 121 – 123. ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ____________________ Questões para refletir e discutir: 1 – A aparente tendência de invasão de fronteiras entre as duas ciências as leva a uma crise? 2 – Em meio a tendência de homogenização é possível pensar o outro sem confundir-se consigo mesmo, já que esse outro é cada vez mais parecido comigo? Fique a vontade para comentar e apresentar suas percepções desta complexa realidade.