CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
ANNY PRISCILA MARQUES DA SILVA
Processo de feminização da AIDS:
sentimentos, cotidiano e perspectivas de mulheres vivendo com HIV/AIDS
FORTALEZA (CE)
2013
2
ANNY PRISCILA MARQUES DA SILVA
Processo de feminização da AIDS: sentimentos, cotidiano e perspectivas de
mulheres vivendo com HIV/AIDS
Monografia submetida à aprovação da Coordenação
do Curso de Serviço Social do Centro Superior do
Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau
de Bacharel em Serviço Social.
Orientadora: profª. Mª Francis Emmanuelle Alves
Vasconcelos.
FORTALEZA (CE)
2013
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ANNY PRISCILA MARQUES DA SILVA
Processo de feminização da AIDS: sentimentos, cotidiano, perspectivas de
mulheres vivendo com HIV/AIDS
Monografia como pré-requisito para obtenção do
título de Bacharel em Serviço Social, outorgado pela
Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada
pela
banca
examinadora
composta
pelos
professores.
Data de aprovação: ____/____/____
BANCA EXAMINADORA
Profa.Ms.Francis Emmanuelle Alves Vasconcelos
Faculdades Cearenses - FaC
Profa. Esp. Elen Alves Pereira
Universidade Estadual do Ceará - UECE
_______________________________________________________________
Profa.Ms.Mayra Rachel da Silva
Faculdades Cearenses - FaC
4
Dedico aos meus pais, que
sempre acreditaram no meu
potencial e caminharam
junto comigo toda essa
jornada.
5
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, quero agradecer a Deus que me deu forças para que eu
chegasse até aqui, que nunca permitiu que eu fraquejasse e que iluminou o meu
caminho e me proporcionou a bênção de estar realizando esse sonho.
Agradeço imensamente aos meus pais, Francisco Marques e Eliziane Monte, que
são meus maiores tesouros, que estiveram ao meu lado ao longo dessa árdua
caminhada, que nunca nem por um momento me deixaram nem pensar em desistir.
Agradeço e dedico inteiramente essa conquista a eles.
Ao meu irmão Gabriel Marques, que sempre me ajudou, que se propôs a passar
noites em claro me ajudando a superar as inúmeras adversidades que apareceram
ao longo da minha vida acadêmica.
Ao meu noivo e grande amor, Jhulio Leal, pois esteve ao meu lado desde o início e
com certeza foi um dos meus maiores incentivadores, sempre me apoiando e
acreditando que eu iria conseguir e que eu iria chegar até aqui.
À minha querida orientadora, Francis Emmanuelle Alves, por toda a dedicação ao
longo do processo de elaboração da pesquisa, pelo carinho, atenção e por todos os
ensinamentos repassados, porque, com certeza, sem a sua ajuda, não teria sido
possível a realização deste trabalho.
Às minhas amigas e companheiras Ana Talita Carvalho, Camila Almeida, Joana
Ercília, Jordana Tavares e Suelem Loiola que trilharam esse caminho junto comigo e
que enfrentaram todas as dificuldades ao meu lado durante quatro anos; fico
imensamente feliz por chegar até aqui ao lado delas.
A todas as professoras que contribuíram com o nosso crescimento, durante os
quatro anos de caminhada.
Às minhas ex-supervisoras de estágio Juliana Marcelino e Anna Marúzia, que
contribuíram para o meu crescimento profissional e sempre com muita atenção e
carinho me repassaram ensinamentos que levarei pelo resto da minha vida.
Às minhas entrevistadas, que aceitaram participar sem nenhuma imposição e que
foram fundamental para a realização da pesquisa.
À banca examinadora pelas sugestões, assim como as contribuições.
E, por fim, agradeço a todas as pessoas que de forma direta ou indireta contribuíram
para esta minha conquista, para que hoje eu estivesse realizando mais este sonho.
MUITO OBRIGADA!
6
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo compreender as implicações da
desigualdade de gênero no processo de feminização da AIDS, tendo em vista o
crescente aumento do número de mulheres infectadas pelo vírus HIV no Brasil nas
ultimas décadas e tem como objetivos específicos os seguintes: Identificar porque
as mulheres atualmente são as maiores vítimas do HIV além de compreender
porque as mulheres que mantém um relacionamento estável, na maioria dos casos,
não fazem uso de preservativo e por fim entender o cotidiano de mulheres vivendo
com HIV/AIDS e quais as suas perspectivas de futuro. Para a execução desta
pesquisa, se fez necessário tomar como base teórica as seguintes categorias:
gênero, sexualidade e o processo de feminização da AIDS. O cerne desse trabalho
foi analisar o processo de feminização da AIDS, identificando e destacando os
motivos que levam as mulheres a serem as maiores vítimas do HIV atualmente,
ressaltando-se as implicações das relações de gênero dentro deste processo e a
forma como as mulheres lidam com a sua sexualidade. Para realização da pesquisa
usamos a abordagem qualitativa e para execução das entrevistas utilizamos um
roteiro semiestruturado. Por Concluímos que o crescente aumento no numero de
mulheres infectadas pelo HIV está diretamente relacionado com as desigualdades
de gênero incutidas e culturalmente aceitas pela sociedade. Concluímos que este
fenômeno de feminização da AIDS se dar pela falta de informação das mulheres em
relação aos meios de prevenção do HIV bem como também pelo constante violação
dos direitos sexuais das mulheres, afinal constantemente mulheres são vitimas de
violência sexual por seus parceiros, o que torna este público ainda mais vulnerável
ao HIV.
Palavra-chave: relações de gênero, sexualidade, mulheres, AIDS.
7
ABSTRACT
This study aims to understand the implications of gender inequality in the process of
feminization of AIDS , in view of the increasing number of people infected with HIV in
Brazil in recent decades as women and has the following specific objectives : Identify
why currently women are the biggest victims of HIV in addition to understanding why
women who keeps a stable relationship , in most cases , do not use condoms and
finally understand the daily life of women living with HIV / AIDS and what their future
prospects . To carry out this research , it was necessary to take as a theoretical basis
the following categories : gender, sexuality and the process of feminization of AIDS.
The core of this work was to analyze the process of feminization of AIDS , identifying
and highlighting the reasons why women are the biggest victims of HIV today ,
highlighting the implications of gender relations within this process and how women
deal with their sexuality . To carry out the research used a qualitative approach and
implementation of the interviews used a semistructured script . We conclude that by
increasing the number of HIV-infected women is directly related to inequalities of
gender and culturally instilled accepted by society . We conclude that this
phenomenon of the feminization of AIDS occur by the lack of information of women in
relation to the means of HIV prevention and also by the constant violations of sexual
rights of women , after all women are constantly victims of sexual violence by their
partners, which this makes the public even more vulnerable to HIV .
Keyword: gender relations, sexuality, women, AIDS.
8
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AIDS - síndrome da imunodeficiência adquirida
ARV - medicamentos antiretrovirais
CDC - Center for Dsease Control
DNA – ácido desoxirribonucléico
DST - doenças sexualmente transmissíveis
HIV - imunodeficiência humana
MNCP - Movimento Nacional de Cidadãs Posithivas
OMS - Organização Mundial da Saúde
ONGs - organizações não governamentais
RNP - Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV
SUS – Sistema Único de Saúde
TGD4 - Célula Grupamento de Diferenciação 4
TCLE - termo de consentimento livre e esclarecido
UNAIDS - Programa das Nações Unidas sobre o HIV/AIDS
WHO - Word Health Organization
9
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 10
2. Dialogando sexualidade e gênero ................................................................... 16
2.1 Considerações sobre gênero ............................................................................. 16
2.2 Pensando sexualidade....................................................................................... 22
2.3 Dialogando sobre sexualidade e gênero ............................................................ 24
3 A AIDS no Brasil e no mundo ............................................................................. 30
3.1 Políticas públicas governamentais para o enfrentamento da AIDS no
Brasil ........................................................................................................................ 35
3.2 Processo de feminização da AIDS .................................................................... 38
4. Percursos metodológicos ................................................................................. 44
4.1 Metodologia adotada .......................................................................................... 44
4.2 Os percalços da pesquisa .................................................................................. 50
4.3 Campo de pesquisa Inicial – Casa Sol Nascente ............................................... 51
4.4 Campo de pesquisa II – Grupo Cidadãs Posithivas ........................................... 52
4.5 Serviço social no campo da pesquisa ................................................................ 54
4.6 Perfil biográfico das entrevistadas ..................................................................... 55
5. Desvelando os sentimentos, cotidiano e perspectivas de mulheres com HIV
................................................................................................................................... 59
5.1. Descoberta da AIDS .......................................................................................... 59
5.2 Significado da AIDS ........................................................................................... 62
5.3 Preconceito ........................................................................................................ 63
5.4 Mulheres e sexualidade ...................................................................................... 65
5.5 Mulheres e seus direitos ..................................................................................... 68
5.5.1 Percepções sobre violência ............................................................................. 71
5.6 Expectativas........................................................................................................ 74
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 77
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 80
APÊNDICE ............................................................................................................... 84
Apêndice I – Roteiro de entrevista com as mulheres ............................................. 85
Apêndice II – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ................................... 87
Apêndice III - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ................................... 89
10
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa, que toma como objeto de estudo as implicações das
desigualdades de gênero no processo de feminização da AIDS, surgiu como uma
proposta de aprofundamento de estudos relacionados à infecção pelo vírus da
imunodeficiência humana (HIV) e a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS),
devido ao constante número de mulheres infectadas pelo HIV no Brasil.
Este aspecto chama a atenção para a infecção de mulheres, que justificavam
sua condição de soropositividade a vários fatores, dentre eles a falta de informação
sobre como se prevenir do vírus da AIDS, aliado à ideia imbricada no imaginário
delas, que concebiam a AIDS como uma doença do outro e não uma condição
patológica que vai acontecer consigo (LOBO, 2004).
Salientamos que mesmo a AIDS tendo sido descoberta há mais de trinta
anos, ainda não foi possível controlar a epidemia, tendo em vista que ela é instável e
ainda sem cura. Mesmo com todos os avanços tecnológicos, ainda não foi possível
encontrar a cura para a AIDS. Destacamos que com a criação dos medicamentos
antirretrovirais e com a distribuição gratuita destes medicamentos no Brasil,
conseguimos diminuir muito a incidência de óbitos pela AIDS, porém, ainda não foi
possível controlar o numero de infecções do vírus.
No Brasil, é cada vez mais frequente o aumento do número de mulheres
contaminadas pelo vírus HIV/AIDS. Segundo dados de um boletim epidemiológico
AIDS/HIV do Ministério da Saúde, em 1989 para cada seis casos de AIDS em
pessoas do sexo masculino, existia um caso de AIDS em mulheres. Já em 2011, o
ultimo dado disponível chegou a 1,7 caso de AIDS em homens para um em pessoa
do sexo feminino. O que demonstra que apesar de os homens ainda serem os
maiores infectados pelo vírus, é notável e assustador o número de mulheres
infectadas pelo HIV nos últimos anos.
Diante do exposto, a presente pesquisa tem o seguinte tema: Processo de
feminização da epidemia HIV/AIDS: perspectivas, sentimentos e cotidiano de
mulheres portadoras do vírus HIV/AIDS. Vale ressaltar que tal estudo tem como
objetivo principal compreender as implicações das desigualdades de gênero no
processo de feminização da AIDS. Achamos de suma relevância identificar quais os
impactos das relações entre homens e mulheres para o processo de feminização,
11
tendo em vista as desigualdades de gênero e o poder que alguns homens acreditam
deter sobre as mulheres durante as relações sexuais.
Durante muito tempo as mulheres viveram em uma sociedade patriarcalista,
em que o homem era detentor de todo e qualquer poder e a mulheres eram
constantemente obrigadas a se submeter às vontades e desejos do parceiro.
Entretanto, após muitas lutas, as mulheres conseguiram imprimir uma nova
identidade, ou seja, conseguiram se desvincular desta visão patriarcalista,
conquistando, assim, mais independência, autonomia e liberdade.
Porém, algumas mulheres não acreditam que detêm poder sobre si mesma, o
que interfere diretamente no processo de feminização da AIDS. Tendo em vista que
elas acreditam que ainda têm que se submeter aos desejos masculinos e não se
previnem durante o ato sexual. Um aspecto fundamental frente à vulnerabilidade das
mulheres ao HIV é a geração, ou seja, os ciclos da vida.
Há, na sociedade brasileira, uma associação entre a vida sexual e a
reprodução e uma crença arraigada de que não há vida sexual após os 50 anos de
idade. Nesse contexto, as mulheres com a faixa etária de 45 anos praticamente
ficam ausentes dos discursos de prevenção ao HIV/AIDS. Além disso, estudos
revelam que mulheres com mais de 45 anos, quando contrastadas com os jovens,
fazem menos uso de preservativos em suas relações sexuais (CEBRAP, 2000).
Salientamos que muitas mulheres não têm conhecimento sobre a AIDS e nem
como se transmite a doença, o que agrava o processo de feminização da doença.
Mesmo com todos os avanços no âmbito da saúde no que diz respeito à AIDS, ainda
é comum encontrarmos mulheres que não usam camisinha e que não se previnem
da AIDS (PARCKER, 2002).
Ressaltamos que o fato de algumas mulheres não sentirem necessidade em
si prevenir ao manterem relações sexuais se agrava ainda mais nas situações em
que elas possuem um parceiro estável, como no casamento. Ou em um
relacionamento estável, pois muitas delas acreditam na fidelidade de seus
companheiros e por acharem uma falta de confiança por parte delas pedir para que
seus parceiros usem camisinhas ou até mesmo que elas mesmas usem o
preservativo feminino.
Os dados evidenciam um grande crescimento dos casos de AIDS entre
mulheres em parcerias fixas. Diversos estudos qualitativos têm procurado responder
12
a estas evidências e pesquisadores têm assinalado a crença no amor como uma
ilusória categoria de proteção, que ofusca a possibilidade de prevenção das
DST/AIDS (GUIMARÃES, 1998).
Tal fato nos leva a pensar mais uma vez nas relações de gênero, pois o
modelo de masculinidade ainda propugnado privilegia a relação do homem com
muitas mulheres e estas, por sua vez, devem manter fidelidade absoluta aos seus
companheiros, o que acaba favorecendo e evidenciando o número de mulheres
anualmente infectadas pelo vírus HIV/AIDS.
Destacamos ainda que além do objetivo geral supracitado, também
buscamos, através dessa pesquisa, identificar porque as mulheres atualmente são
as maiores vítimas do HIV, bem como também compreendermos porque as
mulheres que mantêm um relacionamento estável, na maioria dos casos, não fazem
uso de preservativo e por fim queremos entender como é o cotidiano de mulheres
vivendo com HIV/AIDS e quais as perspectivas de futuro delas.
Ressalto que o interesse pessoal por esta temática surgiu a partir de um
estágio em serviço social realizado na Casa de Apoio Sol Nascente, instituição de
abrigo que acolhe adultos e crianças portadoras do vírus HIV e que se encontra em
situação de vulnerabilidade social. Diante do contato com mulheres em situação de
vulnerabilidade devido à contaminação pelo vírus HIV/AIDS, houve a necessidade
de se realizar esta pesquisa com o intuito de acompanhar a rotina de vítimas da
doença, que se encontram em constante situação de risco social, bem como
também risco de morte. A maioria destas mulheres são pessoas de baixa renda e
que não possuem acesso ao tratamento antiretroviral, nem às informações
necessárias para que possam ser capazes de ter uma vida digna, mesmo sendo
portadoras do vírus HIV/AIDS.
Vale salientar que durante um ano tivemos contato com mulheres vivendo
com HIV, que estavam abrigadas em situação de abrigamento institucional, na Casa
de Apoio Sol Nascente e estas mulheres, na maioria dos casos, vinham de um
histórico de violência. Muitas sofreram durante muito tempo violência dos seus
companheiros e, na maioria das vezes, foram contaminadas pelo HIV através de
seus parceiros fixos, bem como também foram infectadas pelo constante uso de
drogas ilícitas e foram estes fatos e agravantes que estimularam a investigar sobre
este assunto, a fim de entender este universo, encontrando e compreendendo
13
porque as mulheres atualmente são as maiores vítimas do HIV e até que ponto as
desigualdades de gênero são responsáveis por esse processo de feminização da
epidemia.
A partir da vivência com a doença, surgiu a necessidade de se realizar uma
pesquisa acerca do processo de feminização da AIDS, com o intuito de responder às
seguintes questões: Por que há uma tendência de crescimento no número de
mulheres infectadas pelo HIV? Quais os impactos das desigualdades de gênero no
processo de feminização da AIDS? Quais as perspectivas de futuros de mulheres
vivendo com HIV? Quais os impactos do HIV nas suas relações conjugais e
familiares? O que a AIDS significa na vida dessas mulheres? Qual a importância de
se usar preservativos nas relações sexuais para essas mulheres? Qual o conceito
de violência para elas?
Consideramos o processo de feminização da AIDS uma expressão da
questão social que vem se agravando muito com o passar dos anos, por isso,
achamos de suma importância debater a temática para que possamos esclarecer e
conhecer o universo de pessoas vivendo com HIV, esclarecendo dúvidas frequentes
sobre a doença, como por exemplo: Como se contrai a AIDS? Como se prevenir da
AIDS? Por que é tão importante usar camisinhas durante o ato sexual? Quais as
políticas públicas de combate ao HIV existentes no Brasil?
Portanto, destacamos que esta pesquisa tem a finalidade de apresentar a
situação do processo de feminização do vírus HIV/AIDS no Brasil, dentro do período
de 2011 a 2013, bem como a situação de vulnerabilidade e de abandono das
mulheres portadoras do vírus HIV/AIDS, tendo em vista o crescente aumento no
número de mulheres infectadas pelo vírus.
Segundo dados de um boletim epidemiológico DST/AIDS do Ministério da
Saúde (2000), foi constatada a existência de 656.701 casos de AIDS acumulados
entre 1980 a junho de 2012 no Brasil. Salientamos que esta pesquisa será realizada
em dois campos distintos, sendo eles: Casa de Apoio Sol Nascente e no Grupo
Cidadãs Posithivas (grupo ligado à rede nacional de pessoas vivendo com HIV, que
realiza reuniões de caráter informativo com mulheres vivendo com HIV).
Destacamos que, inicialmente, a pesquisa seria realizada apenas na Casa de
Apoio Sol Nascente, porém, como no momento da pesquisa a instituição só contava
com duas mulheres abrigadas, achamos por bem procurar um novo campo de
14
pesquisa a fim de aprofundar os conhecimentos e colher o maior número de dados
possíveis acerca da problemática que nos propomos a estudar. Logo, a pesquisa
também será realizada com mulheres que vivem com HIV e que participam há mais
de um ano do grupo Cidadãs Posithivas.
A proposta inicial foi de que a pesquisa seria realizada com dez mulheres que
se encontram atualmente vivendo com HIV. Destacamos ainda que esta é uma
pesquisa qualitativa, que visa conhecer a realidade destas mulheres, como elas
encaram o HIV, bem como também os impactos da doença na sua vida.
A estratégia metodológica utilizada foi a entrevista semiestruturada, que
contou com um roteiro contendo em torno de 40 perguntas, que foram previamente
subdivididas em cinco blocos de perguntas, sendo eles: dados gerais; mulheres
abrigadas na Casa Sol Nascente/mulheres que frequentam o grupo Cidadãs
Posithivas; sexualidade; mulheres e seus direitos e por fim perspectivas de futuro de
mulheres vivendo com HIV.
Ressaltamos que as mulheres foram entrevistadas individualmente e as
entrevistas foram gravadas com seu prévio consentimento, tendo em vista o melhor
aproveitamento das falas das entrevistadas. Destacamos que todas as mulheres
portaram o roteiro de entrevista e o termo de consentimento livre e esclarecido, que
foram entregues a cada uma delas previamente antes da entrevista, para que
pudessem ler e assim optar em participar ou não da pesquisa.
Ressaltamos que este trabalho tem como ponto de partida três categorias
analíticas, sendo elas: gênero, sexualidade e o processo de feminização da AIDS.
Destacamos que tais categorias serão explanadas de forma clara, profunda e
objetiva ao longo dos quatro capítulos que estruturam esta pesquisa.
O primeiro capítulo deste estudo pretende explanar as bases teóricas,
fazendo inicialmente uma discussão acerca das considerações sobre gênero,
explanando as conquistas e lutas dos movimentos feministas, bem como as relações
de gênero e as desigualdades que vêm atreladas a este conceito.
Em seguida, ainda neste capítulo trataremos sobre os conceitos de
sexualidade, evidenciando as relações de poder que existiram e ainda existem entre
homens e mulheres durante o ato sexual. Por fim, enceramentos o capítulo
explanando e discutindo acerca das concepções sobre sexualidade e gênero e
pretendemos iniciar a discussão sobre o processo de feminização da AIDS.
15
No segundo capítulo nos deteremos em discutir sobre o vírus HIV e a doença
AIDS, debateremos sobre o surgimento da AIDS no Brasil e no mundo, apontando o
surgimento da epidemia e a sua repercussão em todo o mundo. Em seguida,
falaremos sobre as políticas públicas governamentais para o enfrentamento da AIDS
no Brasil, bem como as políticas de defesa e enfrentamento ao processo de
feminização da AIDS.
E, para finalizar este capitulo, nos propomos a levantar uma discussão sobre
o processo de feminização da AIDS, elencando os fatores que evidenciam este
processo, bem como a vulnerabilidade das mulheres frente ao HIV. No terceiro
capítulo iremos esclarecer e explicar o percurso metodológico desenvolvido para a
realização da pesquisa. Neste capítulo destacaremos também vários temas, tais
como: o tipo de pesquisa utilizado, as técnicas de coletas de dados e discutiremos
sobre os campos de pesquisa.
Falaremos também sobre o serviço social nos campos de pesquisa e iremos
expor o perfil biográfico das entrevistadas, além de elencarmos as possíveis
dificuldades encontradas para a realização da pesquisa.
No quarto e último capítulo, explanaremos as nossas considerações sobre a
temática, além de fazermos uma análise dos dados coletados. Pretendemos expor
ainda as falas das entrevistadas, confrontando-as com as falas e teorias de alguns
autores que debatem sobre a temática proposta, além de confrontá-las com as
nossas considerações enquanto pesquisadoras, a fim de tornar o trabalho o mais
rico e profundo possível.
Em suma, concluímos que com esta pesquisa pretendamos fazer um recorte
da vida de mulheres vivendo com HIV e acredito que o estudo desta realidade será
de muita relevância para o nosso desenvolvimento profissional e acadêmico, pois
sempre tivemos muito interesse na área e pretendo aprofundar cada vez mais o meu
conhecimento em relação a este campo de pesquisa.
16
2 DIALOGANDO GÊNERO E SEXUALIDADE
2.1 Considerações sobre gênero
Para iniciarmos a discussão sobre gênero, nos deteremos nesse primeiro
momento em falar sobre o advento dos movimentos feministas 1, tendo em vista
que foram responsáveis por trazer a discussão do conceito para o meio acadêmico.
De acordo com Pinto (2003), discorrer sobre a história do feminismo no Brasil não
é uma tarefa fácil, porque este é um fenômeno que está presente em nossas vidas
até hoje.
Ele representa um movimento que ainda está muito presente na nossa
sociedade e no qual ninguém, nem homens nem mulheres, nas últimas décadas,
ficou imune e ter uma opinião formada acerca do assunto. Os feminismos, desde
sua origem, têm provocado diversas militâncias, tanto que apoiam o movimento
quanto que reivindicam contra a sua ascensão.
Desde as suas primeiras manifestações, em meados do século XIX, o
feminismo foi considerado um ato de manifestação particular, singular e único que
nasceu com o intuito de desafiar e enfrentar tanto a ordem conservadora que
excluía e discriminava a mulher do mundo público, quando as lutas revolucionárias
que viam nas lutas feministas um desvio da luta do proletariado por sua libertação.
Ainda segundo Pinto (2003), o movimento feminista tem sido um movimento
fragmentado, com diversas manifestações, objetivos e pretensões diversas.
Os movimentos feministas são, sobretudo, movimentos políticos, cuja meta é
conquistar a igualdade de direitos entre homens e mulheres, isto é, garantir a
participação da mulher na sociedade de forma equivalente à dos homens. Além
disso, os movimentos feministas são movimentos intelectuais e teóricos que
procuram desmistificar a ideia de que há uma diferença entre os gêneros.
Pinto (2003) destaca que a emergência dos movimentos feministas se dá a
partir do início do século XX que, por consequência, é quando as mulheres ganham
o direito ao voto e passam a poder, mesmo de maneira restrita, exercer a sua
cidadania. A autora elenca duas tendências que ela julga de suma importância para
descrever a origem do movimento, sendo elas: feminismo “bem-comportado”, que
1
Por entendermos que o movimento não é homogêneo, achamos prudente nos referirmos a ele no plural:
movimentos feministas.
17
tem como sua principal liderança Bertha Lutz
2
e se caracteriza como um
movimento bem estruturado e organizado, mas que não questionava as diferenças
de poder entre homens e mulheres, por exemplo. Já a outra vertente seria o
feminismo “malcomportado”, pois esta segunda fase do movimento se caracteriza
por atitudes radicais frente ao que elas entendem por dominação masculina. Neste
momento, encontram-se mulheres de todas as classes, etnias e raças.
A partir de 1968, temos o que Pinto (2003) denomina como feminismo pós1968, ou seja, trata-se de um movimento social que ganhou repercussão mundial e
que tomou conta das últimas décadas do século XIX e que perdura até os dias
atuais.
Bezerra (2006) destaca ainda que, os anos de 1970 e o início dos anos 1980
marcaram o início e a visibilidade das mulheres como sujeitos políticos no que se
refere aos movimentos feministas no Brasil. Num cenário de lutas de reivindicação
pela redemocratização do país, pela garantia e efetivação dos direitos civis e
políticos que foram negados e negligenciados pela ditadura militar de 1964, as
mulheres tiveram um papel importante no âmbito das lutas, pois entraram nos
movimentos sociais como sujeitos políticos, reivindicando os seus direitos.
Alguns movimentos sociais da época que foram marcados pela participação
das mulheres são: o movimento feminista pela anistia, o movimento contra a
carestia, os clubes de mães, as comunidades eclesiais de base, dentre outros.
As mulheres engajadas neste movimento e na luta no período da ditadura
militar enfrentaram repressão, perseguição e violência do regime. Muitas tiveram
que buscar exílio em outros países, principalmente em países europeus. Porém, na
década de 1980, com a volta da democracia ao Brasil, algumas dessas mulheres
voltaram para o seu país trazendo influências do feminismo europeu (MORAES,
2000).
Nota-se, a partir de então, uma mudança nos estudos apropriados pelo
movimento feminista. Tendo em vista tais mudanças Moraes (2000) afirma que tais
movimentos:
2
Foi uma das foi uma das figuras mais significativas do feminismo e da educação no Brasil do século
XX.
18
[...] não se trata mais de denunciar a opressão da mulher, mas de
entender, teoricamente, a dimensão ”sexista” de nosso conhecimento
e os riscos das generalizações. Atualmente, temos menos estudos
sobre mulher e mais estudos de gênero que podem se referir aos
homens [...] (MORAES, 2000, p. 23).
Desta forma, notamos que os movimentos feministas começam a fazer suas
primeiras análises sobre a questão de gênero, o que fez as feministas repensarem
questões primordiais e indispensáveis na situação das mulheres.
No final dos anos de 1980, emerge o conceito de gênero, relações de
gênero, para diferenciar o sexo biológico daquele socialmente
construído relativizando as visões essencialistas sobre a mulher e o
homem, como universais abstratos e dicotômicos, para dar conta dos
modos como as diferenças sexuais são simbolizadas, representadas
e vivenciadas historicamente por mulheres e homens, mulheres e
mulheres e homens e homens, em diversas sociedades, enfocandose o seu caráter relacional, heterogêneo e plural. (COSTA,1998, p.
24).
Um marco na redemocratização do país, bem como também para os
movimentos feministas, foi a Constituição Federal de 1988, criada na perspectiva
da construção de um Estado de direito no país. Do ponto de vista de gênero, do
ponto de vista feminista, o texto constitucional assegura:
[...] plena igualdade entre os homens e mulheres na vida pública e
privada; proíbe a discriminação no mercado de trabalho por motivo
de sexo, idade, cor ou estado civil; assegura a proteção especial da
mulher no mercado de trabalho mediante incentivos específicos;
garante a concessão de títulos de domínio e uso de imóveis rurais a
homens, mulheres, ou a ambos, independente do estado civil;
assegura o planejamento familiar como livre decisão do casal,
devendo o Estado propiciar recursos educacionais e científicos para
o exercício desse direito; e considera dever do Estado coibir a
violência no âmbito das relações familiares [...] (BRASIL, 2004, p.
17).
No período em que a categoria gênero surge como um termo científico e é
adotado pelas ciências sociais, Scott (1990) acredita ser esta uma maneira
empreendida por algumas feministas contemporâneas, que consideravam as teorias
existentes sobre as desigualdades entre homens e mulheres insuficientes para
definir tal desigualdade.
Para a referida autora, “o gênero é um elemento constitutivo de relações
sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é um
primeiro modo de dar significado às relações de poder” (SCOTT, 1990).
19
O termo “gênero”, além de um substituto para o termo
mulheres, é também utilizado para sugerir que qualquer
informação sobre mulheres são necessariamente informações
sobre homens, que um implica estudo do outro. Essa utilização
enfatiza o fato de que o mundo das mulheres faz parte do
mundo dos homens, que ele é criado nesses e por esse mundo
masculino. (SCOTT, 1995, p. 35).
Scott (1995) elenca quatro elementos necessários para entender a categoria
gênero, sendo eles: os símbolos culturais que remetem a representações
simbólicas, como, por exemplo, as figuras religiosas de Eva e Maria. Em seguida, os
conceitos normativos elencados na religião, na política, na ciência e na educação,
que oferecem conceituação do feminino e do masculino; o terceiro elemento da
conta de uma visão ampla que não considere apenas os sistemas de parentesco
para entender o gênero, mas o mercado de trabalho, a educação e o sistema político
e, por fim, a identidade subjetiva que deve ser compreendida na sua construção
histórica e relacionada com as atividades, organizações e representações sociais.
Vale destacar que estes quatro elementos estão presentes nas análises desta
autora como uma primeira definição de gênero. Scott (1990) ressalta que tais
conceitos são articulados, porém, não agem ao mesmo tempo e nem tão pouco são
reflexos um do outro. A segunda parte de sua definição de gênero refere-se ao
conceito desta categoria como primeiro modo de significar e compreender as
relações de poder, pois gênero é:
[...] um primeiro campo no seio do qual ou por meio do qual, o
poder é articulado. O gênero não é o único campo, mas ele
parece ter constituído um meio persistente e recorrente de dar
eficácia à significação de poder no ocidente, nas tradições
judaicas-cristãs e islâmica [...] O gênero é então um meio de
codificar o sentindo e de compreender as relações complexas
entre diversas formas de interação humana. Quando as (os)
historiadores (as) buscam encontrar as maneiras pelas quais o
conceito de gênero legitima e constrói as relações sócias, elas
(eles) começam a compreender a natureza recíproca do
gênero e da sociedade e as maneiras particulares e situadas
dentro de contextos específicos, pelas quais a política constrói
o gênero e o gênero constrói a política. (SCOTT, 1990, pp. 1617).
Segundo
Gomes
(2000),
o
correlacionando com o conceito de sexo.
conceito
de
gênero
está
diretamente
20
[...] afirma tratar-se de dois conceitos que se referem a aspectos distintos da
vida humana. Sexo diz respeito às características anátomo-fisiológicas
relativas à procriação, à reprodução biológica. Essas características já se
encontram no construto genético através da dotação cromossômica, pelas
bases gonadais e pelos hormônios que formam a estruturação genital
interna e externa dos caracteres sexuais, desenvolvidos na fase da
puberdade. Já o gênero depende de como a sociedade vê a relação que
transforma um macho em um homem e uma fêmea em uma mulher.
Logicamente que a construção cultural de gênero (ser homem ou ser
mulher), nem sempre supõe uma mesma estrutura, nas diferentes
sociedades e época. (GOMES, 2006, p. 32).
Para Saffioti (1992), a questão de gênero está relacionada tanto a questões
culturais, quanto às questões sociais.
Tanto o gênero quanto o sexo são inteiramente culturais, O gênero é
uma maneira de existir do corpo e o corpo é um campo de
possibilidades culturais recebidas e reinterpretadas. Por exemplo: o
corpo de uma mulher é essencial para definir sua situação no mundo,
contudo é insuficiente para defini-la como uma mulher. Esta definição
só se expressa através de sua atividade na sociedade. Dizendo
melhor, dos sentidos atribuídos a essa atividade. O gênero se
constrói e se expressa através das relações sociais. (SAFIOTTI,1992,
p. 90).
Gênero é uma categoria que não trata de diferença sexual, mas sim de
relação social entre homens e mulheres, entendendo como se constrói enquanto
sujeitos sociais. Tal categoria não se caracteriza apenas como analítica e descritiva,
é também histórica. Desta forma, entendemos que a categoria gênero surge com o
intuito e o objetivo de dar conta da discussão acerca da subordinação da mulher,
sua reprodução e as várias e diversas formas que sustentam a dominação
masculina na sociedade, através das desigualdades de gênero impostas.
(SAFFIOTI, 1992).
Com a apropriação desta categoria nos estudos sobre as mulheres,
incorporou-se a esta dimensão uma ideia subjetiva e simbólica que configura o
poder, sugerindo que este se manifesta nas macrorrelações, desvinculando-se da
concepção de poder tratada na teoria marxista para explicar as desigualdades de
classe e a sociabilidade do capital. (SAFFIOTI, 1992).
Desta maneira, entendemos que a categoria gênero é tratada de maneira
relacional, permitindo considerar a existência do outro, entendendo que tanto o
processo de dominação como o de emancipação ocorrerá entre mulheres e homens
através do poder, conflitos e interações. Ressaltamos que o problema não é apenas
das mulheres, mas da sociedade em sua amplitude que precisa se apropriar desta
21
discussão e interagir com a luta contra as desigualdades, sejam de etnia, raça,
classe e orientação sexual.
Compreendemos, então, que gênero é um termo social, que remete às
relações sociais permeadas por relações de poder, socialmente construídas e
fundamentadas ao longo dos anos.
Gênero é uma categoria relacional, analítica e pertencente ao
processo social, desta forma, opta-se pelo conceito de relações de
gênero por se compreender que o referido conceito dá conta de
“captar a trama de relações sociais, bem como as transformações
historicamente por ela sofrida através dos mais distintos processos
sociais. (SAFFIOTI, 1992, p.187).
No que se refere às relações de poder, identificamos que se evidenciam
inúmeras expressões das desigualdades de gênero, que são impostas e vivenciadas
pelas mulheres há muito tempo, em decorrência de gestos e atos violentos,
discriminação, preconceito, imposição de suas vontades. Entendemos que o poder
se manifesta de maneira sutil, entretanto, no âmbito das relações de gênero,
atitudes de poder abusivo podem acarretar inúmeros problemas, principalmente para
mulheres que sofrem algum tipo de violência em detrimento do excesso de poder
que o homem acredita deter sobre ela.
Segundo Foucault (1984), o poder se apresenta em duas dimensões, sendo
elas: macro e micro, que se encaixam perfeitamente no âmbito das discussões das
relações de gênero, pois a mulher detém o poder tanto quanto o homem, entretanto,
o que ocorre é que a mulher, na maioria das vezes, exerce o poder no plano
microsocietal, em decorrência das condições de desigualdades impostas a ela no
plano macro.
Entendemos que a mulher exerce o poder na maioria das vezes em uma
escala bem menor do que homem, pois historicamente foi dado este poder ao
homem, o que agrava e intensificada o quadro de violência contra ela. De acordo
com as análises de Foucault (1984), compreendemos e esclarecemos que a mulher
não é por natureza dominada, todas detêm o poder, tanto quanto os homens.
Porém, as mulheres exercem tal poder em grau menor que os homens, o que na
maioria das vezes nos leva a compreender que a mulher não detém poder algum.
De acordo com Saffioti (1992), o sexo transforma os sujeitos em mulheres e
homens, no entanto, são as relações de gênero que configuram o tornar-se homem
e o tornar-se mulher, pois a sexualidade isolada não forma e nem constitui os
indivíduos.
22
Diante do exposto, declaramos de suma importância esta categoria gênero,
para nossa pesquisa, tendo em vista que historicamente a sociedade acredita que o
homem seja detentor do poder e que a mulher está submissa ao poder masculino.
Destacamos que tal relação de poder interfere diretamente na esfera da
sexualidade, pois a mulher que se encontra em um relacionamento afetivo estável,
na maioria das vezes não detém o poder dentro das relações sexuais, o que agrava
o índice de contaminação pelo vírus HIV/AIDS.
Daí a necessidade de se estudar gênero, para explicitarmos e deixarmos
claro como afirma Foucault (1984, p. 85) que “o poder se exerce, não se possui, não
se guarda numa caixinha, ou em um armário”. Pretendemos, com esta pesquisa,
deixar claro que ambos os sexos podem exercer o poder no ato sexual e que,
especificamente, as mulheres devem exercer este poder para se protegerem da
contaminação pelo vírus HIV/AIDS.
2.2 Pensando sexualidade
Para falarmos sobre sexualidade é necessário entendermos tal fenômeno,
então, para definir a sexualidade nos deteremos às ideias de Foucault (1993). Nas
sociedades ocidentais, durante séculos, se ligou o sexo à busca da verdade,
sobretudo a partir do cristianismo. A confissão, o exame da consciência, foi o modo
de colocar a sexualidade no centro da existência. O sexo, nas sociedades cristãs,
tornou-se algo que era preciso examinar, vigiar e confessar. Podia-se falar de
sexualidade, mas somente para proibi-la. Assim, entende-se que a sexualidade
tornou-se um problema no ocidente, uma vez que levaram à repressão sexual.
Foucault (1993) afirma ainda que vivemos em uma sociedade que produz
discursos tidos como verdades. Essa produção de “discursos verdadeiros” resulta na
produção de problemas específicos e diversos. No caso da sexualidade, criou-se um
estereótipo que falar sobre tal temática era proibido; criou-se uma relação de poder
em torno da sexualidade e é desta situação de poder que Foucault discorda.
Ele afirma que por conta dessas “falsas verdades” estabeleceu-se um grande
problema em torno da sexualidade, principalmente no Ocidente, que diz respeito à
repressão sexual. Os indivíduos são oprimidos e se submetem à relação de poder
que se criou pela sociedade no âmbito da sexualidade:
23
[...] a sexualidade é um comutador que nenhum sistema moderno de
poder pode dispensar. Ela não é aquilo que o poder tem medo, mas
aquilo que se usa para seu exercício. As proibições não são formas
essenciais de poder, são apenas seus limites, as formas frustradas.
(FOUCAULT, 1993, p. 243).
Vale destacar que o sexo e a sexualidade estão diretamente relacionados,
porém, cada um com sua especificidade e seus significados. O sexo se refere à
divisão biológica do indivíduo em macho ou fêmea, homem ou mulher, já a
sexualidade remete às preferências, predisposições ou experiências sexuais, na
experimentação e descoberta da sua identidade e atividade sexual, num
determinado período de sua existência.
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a sexualidade humana abarca
tanto as relações sexuais (o coito), como o erotismo, a intimidade e o prazer. A
sexualidade é experimentada e expressada através de pensamentos, de ações,
de desejos e de fantasias. A heterossexualidade é a condição sexual mais habitual e
consiste na atração entre pessoas do sexo oposto.
Na homossexualidade, em contrapartida, as relações têm lugar entre pessoas
do mesmo sexo. Outra variante da sexualidade é a bissexualidade, na qual o
indivíduo se sente atraído tanto por pessoas do mesmo sexo como por pessoas do
sexo oposto. Temos também os transexuais, que são indivíduos que possuem uma
identidade de gênero oposta ao sexo designado.
Além dos transgêneros, que adquirirem formas femininas através do uso de
hormônios femininos e/ou prótese cirúrgica e por fim destacamos os travestis,
que representam uma expressão de gênero que difere da que foi designada à
pessoa no nascimento, assumindo, portanto, um papel de gênero diferente daquele
imposto pela sociedade, que objetiva transacionar para uma expressão diferente.
Foucault (1988) salienta ainda a concepção moral religiosa da sexualidade
possui um viés repressor em relação a esta temática, fazendo prevalecer a “moral
dos bons costumes”. Esta tem com como principais características: reduz a
sexualidade ao sexo (coito vaginal), enfatizando a repressão ao sexo, reduzindo a
condição de procriativo e vinculando-o ao matrimônio. Além de apreciar os valores
burgueses da “moral e dos bons costumes”, enfatizando a ideia de amor “fraternal”
entre os cônjuges e descartando completamente a discussão sobre a sexualidade, o
prazer, o desejo e a possibilidade da realização sexual fora da intenção procriar. Por
24
fim, critica o exercício da sexualidade fora do matrimônio, a poligamia e as
orientações sexuais divergentes do padrão hegemônico.
Outra concepção existente acerca da sexualidade é a histórico-cultural. Esta
vertente entende que a sexualidade é socialmente construída a partir dos processos
de apropriação de cada sujeito, sendo mediadas pelas relações de gênero, pelos
valores, relações de poder, regulamentos e normas sociais, que se transformam em
cada momento histórico. (GESSER, 2010).
A sexualidade, segundo WHO (Word Health Organization – 2008), é um
aspecto central do ser humano ao longo da vida e engloba sexo, gênero, identidade,
orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução. Esta é expressa em
pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes, valores, comportamentos,
práticas, papéis e relacionamentos e influenciada pela interação biológica,
psicológica, social, econômica, política, cultural, ética, jurídica, histórica, religiosa e
espiritual.
Bandeira (1999) também ratifica o pensamento da WHO (2008) ao expor que
a sexualidade é uma construção histórica e cultural. Ou seja, não há uma
sexualidade posta como “única”, ou mesmo como “parâmetro”, mas sim diferentes
performances que variam conforme as situações culturais e sociais próprias.
Embora o conceito apresentado pela WHO (Word Health Organization, 2008)
e pela literatura recente sobre o tema aponte que a sexualidade abrange as diversas
dimensões acima explanadas, ele tem sido, com bastante frequência, reduzido à
genitalidade e vinculado somente ao ato reprodutivo. Reprimiu-se, por várias
décadas, tendo como base discursos religiosos e científicos. (FOUCAULT, 1988).
2.3 Dialogando sobre sexualidade e gênero
STREY (1998) define que as considerações acerca das concepções de
gênero são historicamente e socialmente construídas. Logo, concluímos que de
acordo com a autora cada cultura terá suas próprias definições para o que é ser
homem e o que é ser mulher.
Entretanto para SCOTT (1998) o sexo (biológico) assim como as concepções
de gênero também é construído socialmente, tendo em vista, que em cada
sociedade existem definições divergentes do que é ser mulher e do que é ser
25
homem, do que é nascer com genitália feminina ou do que o que é nascer com
genitália masculina, sendo este fato que irá definir que lugar o sujeito irá ocupar na
sociedade.
Os estudos e análises sobre gênero apontam que a sexualidade estar
constantemente atrelada a impulsos biológicos instintivos do homem, que é quem
deve dominar e controlar o ato sexual. Entendemos que de acordo com estudos
sobre as relações de gênero no âmbito da sexualidade, fica claro que o ato sexual é
considerado instintivamente uma vontade masculina, entretanto, nos colocamos
muitas vezes contra esta afirmativa, tendo em vista que as mulheres também
possuem desejos e vontades sexuais e também devem exercer poder durante o ato
sexual.
Scott (1995) afirma que a questão de gênero é compreendida como relações
preestabelecidas pela sociedade que elenca as diferenças biológicas entre os sexos.
Esta percepção, segundo Bourdieu (1999) é baseada e estabelecida através de
atitudes que opõem masculino/feminino, sendo esta oposição diretamente
relacionada a outras, como, por exemplo: forte/fraco, grande/ante e principalmente
dominante/dominado. Entendemos que estas oposições são hierárquicas e
equivocadas, entretanto, são historicamente construídas.
A sexualidade é fundada por todos estes esquemas e atitudes de
classificação, que estabelecem uma oposição e hierarquia entre o masculino e o
feminino, a concepção de que o homem é ativo e a mulher passiva dentro do ato
sexual, o que estabelece uma ligação direta entre a sexualidade e a dominação
masculina, pois a dominação do homem é exercida e fundada a partir da concepção
de que o homem é o sujeito e a mulher o objeto sexual. (BOZON, 1999).
Historicamente, o ato sexual é visto como uma expressão natural da
necessidade masculina em conquistar a mulher, ou seja, o sexo é entendido na
maioria das vezes como uma associação estreita entre sexualidade, poder e
violência. Neste contexto, esta ideia de que o homem possui naturalmente um
impulso sexual maior que o da mulher pode ser usado para legitimar o estupro, a
prostituição e a promiscuidade masculina. (BERRER, 2001). Em outras palavras,
acredita-se que biologicamente e historicamente um homem agir instintivamente não
o torna totalmente responsável por seus atos.
26
Bleier (1984) afirma ainda que vivemos em uma sociedade baseada nas
tradições dualistas, na qual os pares contrapostos são vistos como opostos e
excludentes, além de fixos nas suas diferenças. Em relação à questão de gênero, o
dualismo afirma que o homem é ativo dentro de uma relação sexual e a mulher é
totalmente passiva, ao aplicar a construção da sexualidade. Este método funde a
identidade de gênero e a identidade sexual, resultando na hegemonia heterossexual,
baseada em dois tipos de seres: homens sexualmente ativos e mulheres
sexualmente passivas.
De acordo com a construção histórica da sexualidade, as mulheres estão
constantemente sendo submetidas ao poder dos homens; criou-se um estereótipo
de que os homens tendem a dominar as relações sexuais e que as mulheres têm
apenas a função reprodutora e esta relação de poder perdura até os dias atuais.
Segundo Chauí (1985), há “uma falta da identidade feminina. A identidade sexual
para mulheres heterossexuais é construída ideologicamente em um contexto que
define sexo em termos dos impulsos e necessidades dos homens.”
Entretanto, os que muitas mulheres ainda não conhecem são os seus direitos
sexuais e reprodutivos, que de acordo com a cartilha de “Direitos sexuais, direitos
reprodutivos e métodos anticoncepcionais” do Ministério da Saúde (2009) são
direitos humanos já reconhecidos em leis nacionais e documentos internacionais.
Ainda de acordo com esta cartilha são direitos reprodutivos:
Direito das pessoas de decidirem, de forma livre e responsável,
se querem ou não ter filhos, quantos filhos desejam ter e em
que momento de suas vidas; direito a informações, meios,
métodos e técnicas para ter ou não ter filhos; direito de exercer
a sexualidade e a reprodução livre de discriminação, imposição
e violência. (Ministério da Saúde, 2009)
Já os direitos sexuais são:
27
Direito de viver e expressar livremente a sexualidade sem
violência, discriminações e imposições e com respeito pleno
pelo corpo do(a) parceiro(a); direito de escolher o(a) parceiro(a)
sexual; direito de viver plenamente a sexualidade sem medo,
vergonha, culpa e falsas crenças; direito de viver a sexualidade
independentemente de estado civil, idade ou condição física;
direito de escolher se quer ou não quer ter relação sexual;
direito de expressar livremente sua orientação sexual:
heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade, entre
outras; direito de ter relação sexual independente da
reprodução; direito ao sexo seguro para prevenção da gravidez
indesejada e de DST/HIV/AIDS; direito a serviços de saúde que
garantam privacidade, sigilo e atendimento de qualidade e sem
discriminação; direito à informação e à educação sexual e
reprodutiva. (Ministério da Saúde, 2009).
Ressaltamos a importância dos direitos sexuais e reprodutivos, tendo em vista
que tais direitos fundamentam e estabelecem o direito que o indivíduo tem de tomar
decisões relativas à sexualidade, ou seja, a partir de uma perspectiva de igualdade e
equidade social entre o gênero, entre os homens e as mulheres. Destacamos ainda
que os direitos reprodutivos também são fundados no reconhecimento da livre e
responsável decisão sobre as questões relacionadas aos filhos.
Entretanto, o que podemos perceber com os estudos que realizamos sobre
esta temática é que as mulheres não têm seus direitos sexuais e reprodutivos
respeitados; constantemente são submetidas a ter relações sexuais sem usar
preservativos e muitas vezes são forçadas a ter relações sexuais sem querer,
apenas para satisfazer a vontade dos parceiros.
Um fator que me chama muita atenção no campo da sexualidade feminina é
que muitas mulheres não têm o hábito de utilizar a camisinha (femininas e
masculinas), muitas nem conhecem a camisinha feminina, o que agrava muito o
índice de contaminação pelo vírus HIV/AIDS.
Uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde (2010) afirma que o uso da
camisinha aumentou 15 vezes nos últimos 10 anos. Atualmente, são consumidos
quase 700 milhões de preservativos ao ano no país. No entanto, a taxa de uso
consistente do preservativo é de 58% entre as pessoas que possuem parceiros
eventuais e de 11% entre as pessoas com parceiros fixos, já o uso de preservativo
entre jovens na primeira relação sexual é de quase 55%.
Tal realidade ficou bem clara para nós quando eu tivemos contato com
mulheres portadoras do vírus HIV, que diversas vezes me relatam que o motivo da
sua contaminação foi devido ao não uso de preservativos pelos motivos já
28
apresentados acima. Diante da experiência que nós tivemos, pudemos perceber que
as mulheres historicamente não sentem a necessidade de usar preservativos, por se
sentirem totalmente protegidas dentro de um relacionamento instável. Talvez o
maior problema, seja a falta de informação sobre a importância da utilização da
camisinha, tanto feminina quanto masculina, bem como também a falta de
informações sobre os seus direitos sexuais e reprodutivos. Muitas mulheres se
sentem obrigadas a fazer sexo sem querer só por estarem dentro de uma relação de
poder. Elas acreditam que devem sempre estar submetidas à vontade e aos desejos
de seus parceiros.
Outro fator que chama a atenção no âmbito da sexualidade “é que a mulher é
identificada como a natureza/corpo/emoção, e o homem com a cultura/mente/razão.”
As mulheres são vistas como “constantemente tentando os homens a desviarem do
caminho da razão e da moralidade” (PARCKER, 1992). Destacamos que dentro da
sociedade em que vivemos a mulher muitas vezes é vista como sedutora e por
inúmeras vezes é culpabilizada por despertar os desejos sexuais dos homens, visão
esta na maioria das vezes equivocadas.
As mulheres historicamente foram privadas de conversar e receber
informação sobre o ato sexual e sobre a sua própria sexualidade, ou seja,
antigamente as mulheres eram criadas somente com o intuito de reproduzir. Logo
criou-se uma cultura de que estas mulheres não possuem vontade sexual e tal
concepção perdura até os dias atuais. Muitas mulheres sequer conhecem o seu
próprio corpo.
Concluímos ser de suma importância destacar a relação entre gênero e
sexualidade para minha pesquisa, afinal a contaminação pelo vírus HIV está
diretamente relacionado ao não uso de preservativo pelas mulheres. Então, nada
melhor do que esclarecer o contexto em que estas mulheres estão inseridas para se
discutir a resistência ao uso de preservativos.
Por fim, achamos por bem salientar a importância de se discutir sobre as
concepções de gênero e sexualidade para o objetivo geral da pesquisa. Adiante
falaremos sobre o histórico da AIDS no Brasil e no mundo, além de discutimos
também sobre o processo de feminização da AIDS. Por isso, julgamos de muita
relevância levantar uma discussão sobre a sexualidade e o gênero, pois acreditamos
29
que são categorias que fundamentam e estruturam a discussão acerca do processo
de feminização da AIDS.
30
3 AIDS NO BRASIL E NO MUNDO
Com mais de 30 anos de existência, a síndrome da imunodefiência adquirida
(AIDS), ainda é um grande desafio para o meio científico e para a sociedade. De
acordo com Brito (2000), a doença se tornou um marco na história da humanidade,
destacando-se entre as enfermidades infecciosas emergentes por sua magnitude e
extensão, devido aos inúmeros danos causados às populações dos vários
continentes. Ela representa, assim, um fenômeno de ordem global, com
característica instável e sua abordagem dificultada por barreiras ligadas ao
preconceito e aos valores morais da sociedade.
O vírus da imunodeficiência humana (HIV) é o causador da AIDS que ataca o
sistema imunológico, responsável pela defesa do organismo frente às doenças. As
células mais atingidas são as linfócitas T CD4+. Trata-se de um retrovírus,
classificado na família lentivindas, que apresenta como características comuns o
período de incubação prolongado (período em que o vírus fica dentro do organismo
sem se manifestar e sem causar a doença AIDS), antes do surgimento dos sintomas
da doença, infecção das células do sangue e do sistema nervoso e supressão do
sistema imune.
O vírus age alterando o DNA desta célula e assim fazendo cópias de si
mesmo. Depois de se multiplicar, rompe os linfócitos em busca de outros para
continuar se multiplicando e assim continuar a infecção. (BRASIL, 2011). Muitas
pessoas vivem anos sem apresentar sintomas e sem desenvolver a doença (AIDS).
Neste período em que o vírus não se manifesta, seu portador é considerado um
soropositivo para HIV. A transmissão do vírus ocorre através das relações sexuais
desprotegidas, compartilhamento de seringas contaminadas ou transmissão vertical
(de mãe para filho, durante a gravidez ou durante a amamentação). (BRASIL, 2011).
Ter AIDS significa que o vírus atinge os linfócitos T CD4, replica-se e diminui
a capacidade de proteção no sistema imunológico do portador, favorecendo o
desenvolvimento de infecções oportunistas. Nesta fase, é necessário usar os
medicamentos chamados de antiretrovirais (ARV). (BRASIL, 2011).
Vale salientar que a emergência da terapia antirretroviral e a história da AIDS
em si vêm se transformando ao longo do tempo, porém, dados do relatório divulgado
31
pelo Programa das Nações Unidas sobre o HIV/AIDS (UNAIDS) apontam uma
estatística muito preocupante e assustadora.
De acordo, com este relatório, existe em todo o mundo 34,2 milhões de
pessoas vivendo com HIV; desse total, 30,7 milhões são adultos, 16,7 milhões são
mulheres e 3,4 milhões são menores de 15 anos. A África Subsaariana predomina
com o maior número de pessoas infectadas, 23,5 milhões, seguida pela Ásia
Meridional e Sul-Oriental, com 42 milhões. A Oceania tem a menor estimativa com
53 mil infectados. Na América Latina são 1,4 milhões de pessoas vivendo com HIV.
(UNAIDS, 2012).
Apesar dos programas de enfrentamento a esta epidemia desenvolvidos em
todo o mundo, tanto pela sociedade civil como pelo governo, o que percebemos é
que a epidemia está longe de ser controlada e estável. De acordo com o mesmo
relatório acima citado, em 2011 foram identificadas 2,5 milhões de novas infecções
no mundo, sendo, 2,2 milhões em adultos e 330 mil em menores de 15 anos. Esses
números representam mais de sete mil novas infecções por dia e 97% desta
população está localizada em países de baixa e média renda. (UNAIDS, 2012).
Destacamos que a AIDS surgiu em 1981 nas cidades de Nova York, São
Francisco nos Estados Unidos da América e na França. Os órgãos do governo
americano CDC (Center for Dsease Control), foram os primeiros a identificar registro
de óbitos em adultos e jovens, com doenças como sacroma de kápose e
pneumonias graves que geralmente acometem indivíduos que estejam com o
sistema imunológico muito afetado e debilitados, o que chamou a atenção para uma
doença ainda desconhecida a AIDS. (BATISTA, 2000).
Para Batista (2000), o que mais despertou a atenção dos pesquisadores do
CDC foi o fato de que todos os casos notificados por esta estranha doença foram
diagnosticados em jovens homossexuais ativos, previamente saudáveis e com um
alto poder aquisitivo residentes na cidade de Nova York e Los Angeles, o que
evidenciava uma nova doença de etiologia provavelmente infecciosa e transmitida
por via sexual.
De acordo com Pinel (1996), diante do desconhecimento e da sua forma
agressiva, a AIDS em seu início, foi concebida pela medicina como a “mais nova
ameaça à vida”. Inicialmente, a doença ficou conhecida como a doença dos “5 H”,
que representava os homossexuais, hemofílicos, haitianos, heroinômanos (usuários
32
de heroína injetável) e hookers (nome em inglês dado às profissionais do sexo), que
eram na época as maiores vítimas do HIV. Os homossexuais usuários de drogas
eram considerados os difusores da AIDS. Até então, a AIDS era uma doença
completamente desconhecida e a principal causa de morte entre os jovens nesta
época.
Para Figueiredo (2005), existia a predominância da AIDS em grupos
populacionais que adotam estilo de vida próprio, como homossexuais masculinos,
usuários de drogas injetáveis ilícitas e hemofílicos, para que se rotulasse a
expressão “grupo de risco”, associando dessa forma a doença a um desvio de
conduta, colocando uma carga de preconceito e discriminação sobre as pessoas
contaminadas pelo vírus HIV.
Entretanto, com o passar dos anos e com a difusão da doença em todo o
mundo, esta noção de “grupo de risco” foi sofrendo alterações, pois a doença foi
atingindo mulheres, crianças, homens heterossexuais entre outros, sem distinção de
sexo, cor, idade, ou classe social. Para Borges (2003), a ideia de “grupo de risco”
contribuiu apenas para isolar e discriminar as vítimas da AIDS, porém, quando a
epidemia passou a afetar outros segmentos da sociedade, compreendeu-se que,
independentemente do grupo ao qual pertence o indivíduo, todas as pessoas podem
vir a ser afetadas pelo vírus HIV/AIDS.
Este estereótipo criado pela sociedade de “grupo de risco” só serviu para
contribuir para que as pessoas que não se consideravam pertencentes a este grupo
desenvolvessem a falsa segurança de que a AIDS seria uma “doença distante”, ou
seja, a doença do outro, que vem de fora. Acredita-se que estes fatores adicionados
à lentidão que caracterizou a tomada de decisões ou a implantação de medidas de
controle do vírus influenciaram de forma significativa a desenfreada proliferação da
epidemia em âmbito mundial.
Desta forma, a noção distorcida de “grupo de risco” já não se encaixa mais no
perfil da epidemia. O que era caracterizado como “grupo de risco”, foi aos poucos
dando lugar à compreensão de que a AIDS estava associada a comportamento de
risco levados por atitudes e práticas (principalmente sexuais) que possibilitavam a
infecção pelo vírus HIV. A grande incidência de casos de AIDS passou a relacionar a
patologia a comportamento de risco e não mais a “grupo de risco”, conforme
podemos perceber na citação abaixo:
33
O
aumento
da
contaminação
de
pessoas
pela
heterossexualização forçou a ideia de comportamento de risco,
no sentido de despertar a população de que adoecer por AIDS
é uma realidade presente na vida das pessoas e que a doença
não escolhe classe social, raça, idade, opção sexual, gênero
ou religião. (FIGUEIREDO, 2005, p. 48).
Torna-se evidente que, com o passar dos anos, a AIDS foi adquirindo
diferentes significados de natureza cultural e emocional. Atrelada a ideias que no
nosso modus vivendi são ideias discriminatórias, porém, que são evidenciadas a
todo o momento por autores que debatem sobre esta temática, como é o caso de
ligar a contaminação da AIDS a comportamentos inadequados à sociedade.
A doença é apontada por muitos como uma punição a estes comportamentos
e dessa maneira vão se recriminando atitudes de discriminação e preconceito para
com as pessoas vivendo com HIV. Estas atitudes levam o indivíduo infectado pelo
vírus a uma situação de morte anunciada, pois até mesmo seu direito de cidadania é
violado pelo preconceito. (FIGUEIREDO, 2005).
Com o passar dos anos, a AIDS foi se tornando cada vez mais conhecida em
todo o mundo. Tendo em vista o crescente desenvolvimento da doença, a partir dos
anos 1980 surgiram vários programas de enfrentamento a esta epidemia, além de
políticas publicas de combate ao HIV/AIDS. Porém, mesmo com o alto índice de
pessoas contaminadas pelo vírus, o tratamento contra a doença só foi descoberto
tardiamente a partir da década de 1990, quando os medicamentos antiretrovirais
começaram a ser desenvolvidos e comercializados em todo o mundo. No Brasil,
estes medicamentos começaram a ser distribuídos gratuitamente pelo Sistema
Único de Saúde (SUS). (BRASIL, 2003).
A AIDS tornou-se um marco na história da humanidade. A epidemia da
infecção pelo vírus HIV e da AIDS representa um fenômeno global, dinâmico e
instável, cuja forma de ocorrência nas diferentes regiões do mundo depende, entre
outros determinantes, do comportamento humano individual e coletivo. A AIDS
destaca-se entre as enfermidades infecciosas emergentes pela grande magnitude e
extensão dos danos causados às populações e, desde a sua origem, cada uma de
suas características e repercussões tem sido exaustivamente discutida pela
comunidade científica e pela sociedade em geral. (BRASIL, 2003).
Desde início da epidemia, em 1980, até junho de 2012, o Brasil tem 656.701
casos registrados de AIDS, de acordo com boletim epidemiológico, divulgado pelo
34
Ministério da Saúde. Em 2011, foram notificados 38.776 casos da doença e a taxa
de incidência de AIDS no Brasil foi de 20,2 casos por 100 mil habitantes. (BRASIL,
2011).
Já no Ceará, desde o primeiro caso reconhecido em 1983 até outubro de
2011, a Secretario de Saúde do Estado havia registrado em total de 10.816 casos de
AIDS. Destes, 70% foram do sexo masculino e 30% do sexo feminino. Neste mesmo
ano, dados preliminares apontam para um total de 451 novos casos confirmados,
sendo 241 (53,4%) residentes em Fortaleza. Até outubro de 2012, tem-se um total
de 11.759 casos registrados no Sistema de Informação de Agravos e Notificações
(SINAN).
Estima-se que os números aqui relatados podem não expressar a realidade
por uma possível subnotificação ainda por problemas relacionados ao estigma que a
doença carrega. (SESA, 2012). Atualmente, 95% dos municípios cearenses
possuem no mínimo uma pessoa vivendo com HIV/AIDS, ficando a capital do estado
com o maior percentual. Salientamos que o Ceará encontra-se entre os estados do
Nordeste com o maior índice de registros de casos da doença, perdendo apenas
para a Bahia, que tem atualmente 19.290 casos e para Pernambuco, com 18.215
notificações.
Estes números colocam o Ceará como o terceiro estado do Nordeste com o
maior número de casos notificados de AIDS. (BRASIL, 2012). Outro dado que
chama muito a atenção é a faixa etária em que a AIDS é mais incidente; em ambos
os sexos é de 25 a 49 anos de idade. E quanto à forma de transmissão entre os
maiores de 13 anos, prevalece a sexual.
Nas mulheres, 86,8% dos casos registrados em 2012 decorreram de relações
heterossexuais com pessoas infectadas pelo HIV. Entre os homens, 43,3% dos
casos se deram também por relações heterossexuais, 24,5% por relações
homossexuais e 7,7% por bissexuais. O restante ocorreu por transmissão sanguínea
e vertical. (BRASIL, 2011).
Diante desses dados foi que percebemos a relevância em realizar uma
pesquisa que tratasse do processo de feminização da AIDS, tendo em vista que este
é um assunto pouco discutido, porém, muito importante. Destacamos que,
atualmente, ainda há mais casos da doença entre os homens do que entre as
35
mulheres, mas, esta diferença vem diminuindo ao longo dos anos, o que chama a
atenção para o que os estudiosos chamam de processo de “feminização da AIDS”.
Este aumento proporcional do número de casos de AIDS entre as mulheres
pode ser observado em razão dos sexos (número de casos em homens dividido pelo
número de caso em mulheres). Segundo o Ministério da Saúde, em 1989 a razão de
sexos era de cerca de seis casos de AIDS no sexo masculino para cada caso no
sexo feminino. Já em 2011, o último dado disponível, se chegou a 1,7 caso em
homens para cada um em mulheres. (BRASIL, 2011)
Vale salientar que a evolução epidêmica da AIDS no Brasil se dá em três
momentos distintos. O primeiro momento ocorre desde sua gênese até 1986 e é
marcado pela transmissão predominantemente nas relações homossexuais de
pessoas com alto nível de escolaridade e entre hemofílicos; o segundo momento
ocorreu entre 1987 e 1990, marcado pela transmissão através do uso de drogas
injetáveis e entre pessoas de prática heterossexual; já o terceiro momento, de 1991,
até os dias atuais, é marcado pelo avanço de contaminação de pessoas de práticas
heterossexuais de vários níveis de escolaridade e classes sociais e nele se
destacam mulheres cujos parceiros são bissexuais e/ou usuários de drogas
injetáveis. (BRASIL, 1999).
3.1 Políticas públicas governamentais para o enfrentamento da AIDS no Brasil
A infecção pelo vírus HIV/AIDS foi identificada pela primeira vez no Brasil
quando foram reconhecidos e registrados casos da doença em sete pacientes
homo/bissexuais, porém, estima-se que em 1980 no estado de São Paulo um caso
havia sido identificado, mas não notificado devido ao desconhecimento dos
sintomas. (CATILHO & CHEQUER, 1997).
Considerando o período de incubação da doença, ou seja, o período que o
vírus leva para se manifestar no organismo, que pode ser de até 10 anos, deduz-se
que o vírus tenha chegado ao país em meados da década de 1970, disseminandose primeiramente nas áreas metropolitanas do Centro-Sul, dirigindo-se depois para
as outras regiões do Brasil e chegando aos setores mais marginalizados da
sociedade. (PARKER, 1997).
36
A doença surge em um momento em que o pais estava atravessando
importantes mudanças. A década de 1980 marca o início do processo de
redemocratização do país. De acordo com Galvão (2000), foi neste período que
surgiram as primeiras noticias sobre uma doença causada por um vírus que ataca
grupos específicos, passando a ser chamada de “câncer gay” e “doença dos
homossexuais”. Foi desta forma a AIDS ficou conhecida no Brasil pela mídia.
O que notamos é que assim como nos Estados Unidos e em outros países
onde foram notificados os primeiros casos de AIDS, quando a doença chega ao
Brasil, vem carregada de preconceitos e estereótipos e logo fica conhecida como o
“câncer gay”, como se a epidemia fosse apenas um problema dos gays, quando na
verdade não era. Devido a estes estereótipos atrelados à doença, o governo
brasileiro demorou anos para criar mecanismos de enfrentamento a esta epidemia.
Salientamos que a história da AIDS no Brasil foi marcada por diversos
aspectos articulados a dimensões políticas, econômicas e culturais. Packer (1997)
se refere a estes aspectos dividindo a história da epidemia no país em quatro
momentos específicos, sobre os quais se discorrerá aqui de forma sucinta e clara.
O primeiro momento (1982 a 1985) é caracterizado pela omissão das
autoridades governamentais, principalmente no âmbito federal. Este descaso é
acompanhado por uma onda de medo, estigma e discriminação em relação ao HIV.
Dessa forma, as respostas à epidemia vinham de baixo, das comunidades afetadas
e de setores progressistas, os quais vieram a formar as primeiras organizações não
governamentais (ONGs). Estas organizações geralmente formadas por pessoas
vivendo com HIV trataram de problematizar a epidemia não só como um desafio
técnico no campo da saúde, mas como uma questão política envolvendo toda a
sociedade brasileira. (PARKER, 1997).
O segundo momento refere-se às respostas políticas à epidemia no nosso
país. Estende-se de 1986 a 1990, quando sob o governo de José Sarney, em que
Lair Guerra estava à frente do Programa Nacional de DST/AIDS, coordenando o
projeto
“Previna-se”.
Naquele
momento,
o
país
vivenciava
uma
gradual
redemocratização; as pessoas com HIV/AIDS organizavam-se em grupos e
cobravam das autoridades governamentais respostas mais eficientes ao controle de
doenças. (PARKER, 1997).
37
Já o terceiro momento corresponde ao período de 1990 a 1992, que foi
caracterizado por uma total falta de diálogo entre a sociedade civil e o governo
federal, bem como pela falta de investimento em ações de controle da epidemia.
Neste período aconteceram sérios conflitos entre o governo e a sociedade e as
instituições internacionais apoiadoras dos projetos brasileiros de enfrentamento à
AIDS.
Alguns conflitos foram gerados devido aos slogans: “Se você não se cuidar a
AIDS vai te pegar” e “Eu tenho AIDS e vou morrer”, “Quem vê cara não vê AIDS”.
Para os grupos militantes, estas campanhas eram preconceituosas e geravam
discriminação para as pessoas vivendo com AIDS. Praticamente todos os
elementos-chaves do Programa Nacional de AIDS foram suspensos durante o
governo Collor, com exceção apenas da distribuição gratuita de medicamentos
antirretrovirais. (PARKER, 1997).
Por fim, temos o quarto e último momento (1992 a 1997). Este momento é
quando acontece o impeachment de Collor; volta a esperança de uma melhora em
todos os setores, principalmente da saúde e economia, além de uma aproximação
entre a sociedade civil e o Estado. Com a saída de Collor, surgiram novas
esperanças, houve uma nova disposição dos setores civis e governamentais para
trabalhar na solução dos problemas sociais e econômicos com que a população
brasileira se defrontava.
Neste mesmo período ocorre o adoecimento e a morte de muitos ativistas que
se destacaram na luta contra a AIDS, cujo fato intensificou as ações governamentais
de combate e controle da epidemia. (PARKER, 1997). Vale ressaltar que uma das
principais medidas governamentais de combate à epidemia aconteceu em 1993,
com a assinatura do acordo firmado entre o governo brasileiro e o Banco Mundial.
Na ocasião, houve um impulso para a elaboração do projeto AIDS I, o qual
favoreceu a criação de novas políticas para o enfrentamento da epidemia, inclusive
a distribuição gratuita de medicamento para o tratamento de AIDS em 1996. Este
apoio do Banco Mundial foi fundamental para fortalecer as estratégias criadas para o
controle da doença.
Apesar de todas as dificuldades na concretização dos princípios do Sistema
Único de Saúde (SUS) em relação à AIDS, o Brasil pode ser considerado como
38
referência no combate a esta epidemia, por ter sido o pioneiro no delineamento das
respostas governamentais implantadas.
Enfim, a história da AIDS e as respostas para combatê-la foram determinadas
por atitudes tomadas pela sociedade civil que, ao se organizar em grupos,
reivindicou das autoridades governamentais agilidade na elaboração de políticas
para a criação de estratégias que viessem a enfrentar a epidemia e ao mesmo
tempo garantir os direitos as pessoas que vivem com HIV/AIDS. Apesar da
gravidade da doença, o seu surgimento também serviu para chamar a atenção das
autoridades para outras questões de saúde relacionadas a direitos humanos e
direitos civis.
Em suma, ao longo dos 30 anos de existência da AIDS, o Brasil já avançou
muito no que diz respeito às políticas públicas de combate à epidemia. Atualmente,
temos diversos órgãos de atendimento aos doentes, como, por exemplo, a Rede
Nacional de Pessoas Vivendo com HIV, que está presente em todo o país; existem
as coordenadorias municipais de enfrentamento à DST/AIDS; há legislações
específicas para os portadores de HIV, como é o caso da Política Nacional de
Pessoas Vivendo com HIV, entre outros mecanismos de defesa à pessoa vivendo
com AIDS.
3.2 Processo de feminização da AIDS
No Brasil, a epidemia do HIV/AIDS, ao longo de mais de 30 anos, desde sua
descoberta, vem sendo tratada não só como um problema de saúde pública. No que
se refere ao processo de feminização da AIDS, é importante destacar que a
vulnerabilidade feminina se aprofunda por fatores econômicos, sociais e culturais.
Segundo dados do Ministério da Saúde (2010), a transmissão heterossexual
do HIV e das taxas de infecção entre mulheres tem aumentado significativamente,
desde década de 90. Em mulheres, a doença avança por volta da segunda metade
dos anos 80, transformando-se na principal causa da mortalidade de mulheres em
idade reprodutiva em todo o mundo. (BERER, 2001).
Segundo Taquette (2009), o perfil epidemiológico da epidemia AIDS está se
feminizando, pauperizando e heterossexualizando. Na atualidade, há uma tendência
crescente de infecção de mulheres por via heterossexual de parceiros únicos. Neste
39
contexto, o que se identifica é que as mulheres estão submetidas cotidianamente a
contextos sociais que potencializam sua vulnerabilidade ao HIV e, dentre estes, à
violência de gênero. Dentre estes, o fato de a mulher, na maioria das vezes,
acreditar que não detém a posse do seu corpo (como em casos de estupro por
desconhecido e também pelo próprio companheiro), ainda o racismo, a pobreza, a
baixa escolaridade e a não garantia dos direitos sexuais e reprodutivos.
Neste contexto, encontramos relevância em realizar esta pesquisa tendo em
vista o alto índice de infecções de mulheres pelo vírus HIV, principalmente em
decorrência das relações de gênero. Tal pesquisa tem como principal objetivo
identificar até que ponto a relação de poder existente dentro das relações de gênero
pode intensificar o índice de mulheres infectadas pelo HIV, com o intuito de
disseminar informações acerca do processo de feminização da AIDS.
Salientamos que, segundo Barbosa (2011), a feminização da AIDS possui
uma relação direta com a questão de gênero, considerando-se o perfil das mulheres
quem vêm sendo acometidas pela doença: mulheres monogâmicas, não usuárias de
drogas injetáveis e dependentes economicamente e emocionalmente de seus
companheiros e com nenhum ou pouco poder de decisão na relação, inclusive no
que se refere ao comportamento sexual.
Vale ressaltar que segundo a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006),
violência sexual é “qualquer ato que obrigue a mulher a participar, presenciar ou
manter relações sexuais não desejadas.” Destacamos que a concepção de
feminização desta epidemia está diretamente associada à submissão sexual das
mulheres aos homens, em suas múltiplas manifestações e tem sido apontada como
principal obstáculo para as mulheres se prevenirem do HIV.
A falta de autonomia financeira e emocional, dificuldades para negociar o uso
do preservativo, relações sexuais forçadas, comércio sexual e outras formas de
submissão permeiam o aumento da epidemia entre as mulheres. Atualmente,
segundo dados do Ministério da Saúde, das 42 milhões de pessoas que vivem com
HIV/AIDS no mundo, 50% são mulheres.
A feminização da AIDS é um fenômeno que tem crescido tanto no contexto
nacional quanto mundial, uma vez que a epidemia tem aumentado significativamente
entre as mulheres. A vulnerabilidade feminina advém de dois fatores: o fato de que
uma vez tendo apenas um parceiro (relação estável), elas não sentem a
40
necessidade de usar preservativo e o segundo fator está atrelado às questões de
gênero, pois muitas mulheres acreditam não ter poder sobre o seu corpo e acabam
se submetendo às vontades e desejos de seus companheiros.
Portanto, as mulheres são vulneráveis não só pelo aspecto biológico como
também pelo aspecto sociocultural. A AIDS continua sendo percebida como uma
doença do outro, em que a confiança no parceiro viabiliza a possibilidade de
contaminação e o aumento da vulnerabilidade em contrair o vírus HIV/AIDS.
(PARCKER, 2002). Para esclarecermos melhor o que significa o termo
vulnerabilidade, Padoin define o fenômeno como:
A vulnerabilidade é um conceito que tem sua origem na área dos
Direitos Humanos. Refere-se a grupos ou indivíduos fragilizados,
jurídica ou politicamente, na promoção, proteção ou garantia de seu
direito à cidadania. A vulnerabilidade social apresenta um caráter
multifacetado, abarcando inúmeras dimensões, a partir das quais se
pode identificar situações de vulnerabilidade dos indivíduos, famílias
ou comunidades. Essas dimensões estão ligadas tanto às
características próprias dos indivíduos ou grupos quanto àquelas
relativas ao meio social no qual estão inseridos. (PADOIN, 2006).
Assim, percebemos que a questão de gênero é muito forte, sendo
determinante quando nos referimos à vulnerabilidade feminina ao HIV/AIDS, em que
historicamente a mulher incorpora um papel de submissão e a ideia de passividade
na relação heterossexual. Esta questão de gênero vem desde o patriarcado na
relação de poder do homem na sociedade e na submissão da mulher, que ainda
hoje no século XXI é muito forte e predominante na sociedade capitalista.
(TAQUETTE, 2009).
Segundo Figueiredo (2005, p. 3), a feminização da epidemia AIDS é
suportada por dois processos, historicamente determinados e que demandam
compreensão da “vulnerabilidade feminina: elementos que predispõem as
vicissitudes de exclusão de gênero, fragilizando a mulher, tornando-a suscetível à
violência e às moléstias, inclusive infecção pelo HIV.”
Além disso, vale salientar que a “naturalização dos papeis de gênero: falsa
concepção de uma realidade imutável, vista como determinada a priori. Visão
contemplativa sobre as relações de gênero, tornadas parte da natureza das coisas,
com representações de razões necessárias, justificando o papel de subordinação da
mulher” (FIGUEREDO, 2005, p. 3). Nesse contexto podemos identificar uma
subordinação da mulher em relação ao homem na relação, tendo sido este
comportamento construído historicamente.
41
De acordo com o exposto, podemos ressaltar que o processo de feminização
da AIDS está relacionado principalmente com a questão de gênero, com a relação
de poder que foi historicamente construída, em que a mulher acredita não ser
detentora do poder e se deixa dominar pelo homem, o que ocasiona a falta de
autonomia dela na hora do ato sexual, aumentando em muito as chances de
contaminação deste público pelo vírus HIV.
Algumas pesquisas apontam que a vulnerabilidade da mulher frente ao HIV
também está atrelada ao consumo de drogas injetáveis, pois muitas são infectadas
pelos parceiros usuários de drogas, pois não usam o preservativo durante as
relações sexuais, provocando um relaxamento no que se refere à prática sexual
segura. (TAQUETTE, 2009),
Outro fator que chama a atenção para o processo de feminização da AIDS é a
falta de informação e o quadro de pobreza em que está inserida a maioria das
mulheres contaminadas pelo vírus HIV. O que identificamos é que as maiores
vítimas desta doença são mulheres negras, com baixa escolaridade, pobres e que
não têm acesso a informações quanto à prevenção da AIDS e das demais doenças
sexualmente transmissíveis (DST).
Ao analisarmos a distribuição dos casos de AIDS entre as mulheres, segundo
o nível de escolaridade, constatamos que quanto menos anos de estudos, maiores
as chances de contaminação. Dos casos notificados em mulheres com 19 anos ou
mais em 2002, pelo Ministério da Saúde, 57% eram mulheres com, no máximo, sete
anos de estudo. (BRASIL, 2002).
Vale ressaltar um aspecto que julgamos ser de suma relevância; quando
falamos no processo de feminização da AIDS, logo percebemos que a maioria dos
estudos realizados sobre este assunto aponta mulheres negras e pobres como as
principais vítimas da AIDS. Mulheres brancas com um alto poder aquisitivo quase
nunca aparecem nos dados estatísticos divulgados pelos órgãos responsáveis. O
que nos deixa transparecer que apenas mulheres pobres podem ser contaminadas
pelo vírus, o que é uma falsa verdade, tendo em vista que toda mulher,
independente de sua classe social, cor, raça, etnia está sujeita a ser contaminada
pelo HIV.
O dramático aumento no percentual de mulheres adultas infectadas pelo HIV
é especialmente preocupante. Em 1997, 41% dos adultos contaminados eram
42
mulheres e apenas quatro anos depois essa taxa aumentou para 49,8% e em 2003,
alcançou a marca dos 50%. (BRASIL, 2003). Estes dados são assustadores, pois
demonstram que é cada vez mais crescente o número de mulheres infectadas pelo
vírus. No entanto, salientamos que atualmente os homens ainda são as maiores
vítimas, mas, de acordo com estudos realizados pelo Programa Conjunto das
Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS), até 2020 as mulheres serão as maiores
vítimas do HIV, ultrapassando os homens.
Vale destacar que de acordo com as nossas pesquisas, mulheres que vivem
com HIV/AIDS são vítimas de constante discriminação e, na maioria dos casos, são
triplamente discriminadas, primeiro por serem mulheres, segundo por serem
portadoras do HIV e por fim por serem mulheres pobres. Muitas das mulheres
infectadas são rejeitadas por suas famílias e comunidades, ou seja, são excluídas
do convívio social. São discriminadas e tratadas como pessoas doentes que são
incapazes de ter uma vida social, gerando um seu isolamento, o que ocasiona o
agravamento da doença e de diversas doenças oportunistas, principalmente a
depressão, levanto-as muitas vezes até a óbito.
Segundo dados de uma pesquisa realizada pela UNAIDS (2002), alguns
países correm o risco de entrar em colapso por causa dos impactos causados pela
epidemia AIDS. Na medida em que as taxas de infecção crescem entre as mulheres,
que são a base das famílias e comunidades, a ameaça de um colapso social
também aumenta. Assim, quando celebrarmos as realizações das mulheres e
chamarmos a atenção mundial para a difícil situação, devemos aprender com estas
tendências a desenvolver respostas sensíveis nas questões de gênero para a luta
contra o HIV/AIDS.
A UNAIDS (2006) destaca ainda que as mulheres estão sendo infectadas
primeiramente e principalmente por causa de sua aguda vulnerabilidade social. A
falta de direitos e o poder delas em relação ao rendimento familiar, propriedade,
escolhas de vidas e até seus próprios corpos facilita a rápida difusão do vírus
HIV/AIDS. Acredita-se ainda ser necessário levar em conta as várias dimensões
socioculturais na vulnerabilidade feminina e colocá-las no centro de nossas políticas
e ações.
Isso é particularmente importante na área da educação preventiva. Mulheres
educadas estão mais bem preparadas para reivindicar seus direitos e, assim,
43
ficarem livres da infecção pelo HIV. Em muitos dos países atingidos, mulheres
educadas estão na linha de frente da mobilização da comunidade contra o HIV.
Em suma, de acordo com as minhas pesquisas, é nítido o crescente aumento
de mulheres contaminadas pelo vírus HIV e este aumento se dá principalmente por
uma questão de gênero, depois por uma questão de educação. Então, se faz
necessária a criação de mecanismos voltados para a educação preventiva, a fim de
diminuir o índice de contaminação pelo vírus HIV, bem como de programas de
conscientização que façam com que as mulheres se reconhecem como sujeitos de
direitos, estimulando a “libertação” delas do contexto de submissão que foram
historicamente submetidas.
44
4 PERCURSO METODOLÓGICO
4.1 Metodologia adotada
Salientamos que neste capítulo definiu-se a base teórico-metodológica que
deu suporte à pesquisa. Ressaltamos de início que as categorias estruturantes,
utilizadas nesta dissertação, foram: gênero; sexualidade e processo de feminização
da AIDS. Para isso, utilizou-se uma pesquisa de caráter bibliográfico, através de
autores relevantes sobre o tema, tais como Moraes (2000), Scott (1995), Safiotti
(1992), Foucault (1984), Teixeira (1997) e Parker (1997), dentre outros.
Para compreendermos o que de fato é uma pesquisa bibliográfica, nos
detemos na seguinte definição:
Pesquisa Bibliográfica é quando a pesquisa é elaborada a
partir de material já publicado, constituído principalmente de
livros, artigos de periódicos e atualmente com material
disponibilizado na Internet. (GIL, 1991).
E, de acordo com Fonseca (2002), a pesquisa bibliográfica utiliza várias
fontes constituídas por materiais já estabelecidos, que se constituem principalmente
por livros e artigos científicos, localizados em bibliotecas e em acervos virtuais. Este
estudo se constitui numa pesquisa analítica com observação participante, na qual se
buscou trabalhar os aspectos referentes às implicações das desigualdades de
gênero no processo de feminização da AIDS. Sendo que pesquisa é:
[...] atividade básica das ciências na sua indagação e
descoberta da realidade. É uma atitude e uma prática teórica
de constante busca que define um processo intrinsecamente
inacabado e permanente. É uma atividade de aproximação
sucessiva da realidade que nunca se esgota, fazendo uma
combinação particular entre teoria e dados. (MINAYO, 1993, p.
23).
Já de acordo com Demo (1996), pesquisa é uma atividade corriqueira,
considerando que se trata de uma atitude que visa o questionamento sistemático
critico e criativo, porém, com a intervenção voltada para atender a uma dada
realidade, ressaltando o diálogo crítico permanente com a realidade em sentindo
teórico e prático.
Ressaltamos ainda que a pesquisa:
45
tem um caráter pragmático, é um “processo
formal e
sistemático de desenvolvimento do método científico. “O
objetivo fundamental da pesquisa é descobrir respostas para
problemas mediante o emprego de procedimentos científicos
(GIL, 1999, p. 42).
Diante do exposto, salientamos que para esta pesquisa será utilizada a
abordagem qualitativa, pois a finalidade da pesquisa é revelar significados e
representações sociais das interlocutoras, tentando compreender reconstruções
sociais e comportamento a partir de uma realidade vivenciada diariamente pelos
sujeitos deste estudo.
Possibilita-se uma compreensão dos processos subjetivos, através dos
discursos, costumes, cotidiano e sentimentos. Minayo (1994) define: “A abordagem
qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados, das ações e das relações
humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e
estatísticas [...].”
Para Gil (2002), através da pesquisa qualitativa se consegue penetrar nas
intenções e motivos a partir dos quais ações e relações adquirem sentindo. Dessa
maneira, sua utilização torna-se indispensável quando os temas pesquisados
demandam um estudo fundamentalmente interpretativo. Quanto à caracterização de
Gil (2002), uma técnica qualitativa tem como objetivo primordial a descrição das
características
de
determinada
população
ou
fenômeno,
ou,
então,
o
estabelecimento de relações entre as variáveis.
Desta forma, como já foi citado, é através desta abordagem qualitativa que
iremos buscar dar visibilidade e aprofundar os nossos conhecimentos sobre a
relevância das implicações das desigualdades de gênero no processo de
feminização da AIDS, ou seja, as implicações de gênero para contaminação de
mulheres pelo vírus HIV. Segundo Minayo (2010, p. 21), “o ser humano se distingue
não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro
e a partir da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes”.
Nesta perspectiva, este estudo priorizou mulheres vivendo com HIV/AIDS,
aprofundando os conhecimentos sobre sua realidade frente ao HIV, delimitando e
explicitando as suas concepções, sentimentos, crenças, valores em relação à
doença. Pesquisar acerca de mulheres vivendo com HIV/AIDS não é uma tarefa
fácil, pois requer uma abordagem interpretativa, portanto, fez-se necessário fazer um
46
estudo mais profundo da realidade que cada uma das entrevistadas vivencia ou já
vivenciou, desde a descoberta do HIV.
Tenta-se compreendê-las de acordo com o contexto social em que estão
inseridas, considerando as especificidades de cada uma, dando ênfase na
concepção e compreensão de cada uma, particularmente frente ao HIV. Nesse
sentido, procuramos resgatar seus sentimentos e suas expectativas na perspectiva
de expor e entender qual o significado na AIDS e quais as implicações da
desigualdade de gênero em suas vidas.
Vale destacar que no âmbito deste estudo a pesquisa bibliográfica foi de
suma relevância, uma vez que se fez necessário buscar um resgate histórico da
gênese da AIDS no Brasil e no mundo, bem como um resgate sobre os conceitos e
implicações de gênero, desde advento dos movimentos feministas, sem deixar de
citar a história e o contexto histórico em que foi construída a sexualidade.
Portanto, tal pesquisa possibilitou um amplo alcance de informações, além de
permitir a utilização de dados dispersos em inúmeras publicações, auxiliando na
construção ou na melhor definição do quadro conceitual que envolve o objeto de
estudo proposto. (GIL, 2007).
Salientamos que dentre as preocupações cientificas dos pesquisadores, deve
estar a forma de selecionar tanto os fatos a serem coletados como o modo de
recolhê-los (MINAYO, 1994). Os instrumentos de uma investigação têm um caráter
interativo, em que há a possibilidade de idas e voltas em todas as etapas.
Neste estudo, especificamente serão utilizados como instrumentos de
pesquisa aqueles que facilitam as expressões dos sujeitos. A técnica utilizada para o
desenvolvimento da pesquisa em si foi a entrevista semiestruturada e gravada e,
para tal, foi estruturado um roteiro dividido em cinco blocos de perguntas, com 41 ao
todo.
No primeiro bloco de perguntas havia dados relacionados à identificação dos
sujeitos: idade, sexo, profissão, nível de instrução, se fez uso de drogas, filiação,
entre outras. No segundo, havia perguntas específicas sobre o local de pesquisa do
estudo. Já no terceiro bloco, havia perguntas relacionadas à sexualidade: tempo do
diagnóstico de AIDS, forma de contágio da doença, se havia um relacionamento
afetivo, entre outros.
47
O quarto bloco abrangia temas sobre os direitos das mulheres e visava
entender se as entrevistadas conheciam os seus direitos: Lei “Maria da Penha”,
direitos sexuais e reprodutivos, Política Nacional de Defesa dos Portadores de HIV,
entre outros. Por fim, o último bloco destacava as expectativas de futuro das
mulheres e qual o significado da AIDS em suas vidas.
Segundo Gil (1991), a entrevista possibilita a obtenção de dados referentes
aos mais diversos aspectos da vida social; é uma técnica eficiente para a obtenção
de dados em profundidade acerca do comportamento humano e que são suscetíveis
de classificação e de qualificação. Como também não exige conhecimento de leitura
e escrita da pessoa entrevistada, além de lhe proporcionar ampla liberdade para
expressar-se sobre o assunto em questão.
Minayo (1994) afirma que o que torna a entrevista um instrumento privilegiado
de coleta de informações para as ciências sociais é a possibilidade da fala ser
revelada, de condições estruturais, de sistema de valores, normas e símbolos. Do
mesmo modo Gil (2002) assinala que a entrevista semiestruturada é a técnica mais
utilizada em investigações sociais. Não é totalmente aberta nem encaminhada por
um grande número de perguntas precisas. O pesquisador dispõe de perguntas
norteadoras com o objetivo de coletar informações.
Nessa perspectiva, ao investigar sobre as percepções e sentimentos de
mulheres vivendo com HIV/AIDS, nada mais coerente do que tentar compreender
suas histórias de vida, elencando os seus sentimentos e respeitando a
individualidade de cada entrevistada, além de ressaltarmos as implicações do
diagnóstico na sua vida e nas relações afetivas e sociais de forma geral.
Logo compreendemos que os depoimentos, em detrimento das entrevistas,
foram a principal fonte de conhecimento da pesquisa, pois foi através das falas das
entrevistadas que pudemos ter uma aproximação real com os sujeitos e uma
aquisição dos dados subjetivos.
Destacamos que para a realização da pesquisa utilizamos o método de
saturação. Segundo Minayo (1994), a saturação é o instrumento epistemológico que
determina quando observações deixam de ser necessárias, pois nenhum novo
elemento permite ampliar o número de propriedades do objeto investigado.
Propomo-nos
às
entrevistas
inicialmente 12
mulheres,
chegarmos ao ponto de saturação encerramos as entrevistas.
entretanto,
quando
48
Este estudo foi construído a partir de algumas etapas. Primeiramente, foram
escolhidos os sujeitos da pesquisa, cuja amostra foi previamente estabelecida.
Posteriormente, foi escolhida a técnica basicamente constituída por um roteiro de
entrevista semiestruturado.
O roteiro norteador da entrevista serviu como ponto de apoio e ponto de
partida para que os sujeitos pudessem se sentir à vontade e livres para falarem o
que achassem relevante para a pesquisa. Tal roteiro serviu ainda como um campo
de expressão para os sujeitos participantes, estimulando a aparição de emoções,
tanto de alegria quanto de profunda tristeza e até raiva.
Esta entrevista proporcionou aos sujeitos aparição de emoções e de reflexões
sobre várias esferas distintas, que vão desde sentimentos de enorme alegria,
satisfação, até sentimentos de raiva, mágoa, tristeza entre outros. As entrevistas
foram realizadas no período compreendido entre os meses de agosto a setembro de
2013. Nessa fase do estudo, os sujeitos foram convidados individualmente pela
pesquisadora a fazerem parte da pesquisa e após o consentirem, foram
entrevistados de acordo com o horário que tinham disponíveis.
De acordo com os critérios éticos que trata e regulamenta a ética em
pesquisa com seres humanos, a entrevista foi realizada em locais fechados, onde os
entrevistados se encontraram sozinhos com a pesquisadora, para conferir e garantir
o sigilo das informações e proteção da identidade das interlocutoras entrevistadas
na pesquisa.
Levou-se muito em consideração a disponibilidade de tempo e aceitação
voluntária das mesmas, inclusive teve algumas mulheres que não se sentiram a
vontade para darem o seu depoimento, mas estas pessoas foram respeitadas e não
participaram do estudo.
Como já citado acima as entrevistas foram realizadas em locais fechados e
reservados dentro das instituições que foram escolhidas para a pesquisa. Na casa
de Apoio Sol Nascente, as entrevistas foram realizadas no posto de enfermagem, na
sala da coordenação da casa. Já com as mulheres do grupo Cidadãs Posithivas, as
entrevistas se deram dentro de um dos quartos do Hotel Mareiro, na cidade de
Fortaleza, tendo em vista que as entrevistas foram realizadas na semana em que
estas mulheres participavam do III Encontro Internacional de Mulheres Vivendo com
HIV, promovido pela Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV.
49
Destacamos, ainda, que as entrevistas só foram gravadas após autorização
dos sujeitos e mediante a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido
(TCLE). As entrevistas se deram dentro de um tempo de 20 a 30 minutos,
abordando, como já citados, dados pessoais e questionamentos sobre a implicação
de gênero em suas vidas, bem como o significado da AIDS.
As entrevistas ocorreram de acordo com a disponibilidade das mulheres
entrevistadas respeitando-se, acima de tudo, seus ritmos e prioridades. Destacamos
que procuramos ter o máximo de cuidado para não induzir e /ou não interferir nos
depoimentos, bem como retirar o máximo de concepções pré-estabelecidas sobre a
temática estudada.
Na ocasião da coleta dos dados foram enfatizada para as entrevistadas a
liberdade para participarem ou não do estudo, a ausência de qualquer ônus e a
garantia de anonimato de sua identidade. Só após estes esclarecimentos é que as
entrevistadas assinaram a TCLE, que se encontra em apêndice I. Em virtude da
manutenção do anonimato das identidades os sujeitos foram identificados por
nomes de flor, assim como elas mesmas os escolheram. Também destacamos que
solicitamos, no ato da entrevista, que cada uma escolhesse uma flor para que fosse
tratada ao longo da entrevista e do trabalho.
Em suma, as entrevistas foram realizadas de acordo com o tema de
interesse, na perspectiva de se obter dados relevantes para um aprofundamento do
estudo e do tema proposto. Ressaltamos a importância de se utilizar um gravador no
âmbito das entrevistas, pois entendemos que o uso do gravador proporciona um
maior grau de compreensão da realidade posta, tendo em vista que enquanto
gravamos as falas conseguimos apreender os significados sobre os pontos que
foram relevantes para a investigação.
Dessa forma, foi possível identificar, durante as entrevistas, os momentos de
silêncio e de emoção dos entrevistados, que não conseguimos visualizar apenas
através da escrita. Para Martins e Bicudo (1989), a entrevista pode ser considerada
como um encontro social, o qual tem como características a empatia, a indução e a
imaginação, o qual ocorre uma penetração mútua de percepções, sentimentos e
emoções.
50
4.2 Os percalços da pesquisa
Para realizarmos este estudo nos deparamos com inúmeras adversidades,
mais até do que nós mesmas enquanto pesquisadoras imaginamos. Inicialmente, o
tema da pesquisa teve que ser mudado e desde o início a nossa proposta foi discutir
acerca do processo de feminização da AIDS, porém, no início tínhamos como
objetivo principal identificar quais os motivos que levam as mulheres a serem as
maiores vítimas atualmente do HIV.
Entretanto, quando começamos a investir nesta realidade, percebemos que
seria mais interessante e relevante para o tema levantarmos uma discussão acerca
das implicações das desigualdades de gênero no processo de feminização da
epidemia. Tal interesse surgiu também porque uma das pesquisadoras, mais
especificamente a orientadora da pesquisa, tem muita afinidade e estudos já
realizados sobre a categoria gênero. Logo, achamos por bem mudar o enfoque
inicial, a fim de otimizar o desenvolvimento do conteúdo.
Outra dificuldade que encontramos ao longo desta caminhada foi o fato de
que, como já citado, fomos durante um ano estagiária da Casa de Apoio Sol
Nascente, uma das instituições escolhidas para realizar a pesquisa. Este fato se
tornou uma dificuldade, pois inicialmente foi muito difícil para nós entendermos que
estávamos dentro da instituição não mais como colaboradora e sim como
pesquisadora e como tal havia atribuições e objetivos distintos dos da estagiária.
Este fato também ficou um pouco confuso para as mulheres abrigadas pela
instituição, que por vezes trataram-nos como estagiária, chegando até a pedir para
que nós resolvêssemos algumas pendências institucionais.
Outra adversidade que podemos apontar aqui é que inicialmente foi proposto
que a amostra fosse feita com dez mulheres, porém, no momento da pesquisa, a
Casa Sol Nascente, instituição escolhida para a realização da pesquisa, só contava
com duas mulheres abrigas, o que dificultou muito e atrasou também o andamento
da pesquisa. Encontrar um novo lugar para realizar a pesquisa não foi tarefa fácil,
tendo em vista que são poucas as instituições que trabalham e dão assistência a
este publico.
Entretanto, após uma visita à Coordenadoria Municipal de Enfrentamento às
DST/AIDS, localizada em Fortaleza, conseguimos o contato do grupo Cidadãs
51
Posithivas, onde também foi realizada a pesquisa. Ressaltamos ainda que mesmo
com dois campos de pesquisa não conseguimos atingir o número de amostras
proposto. Finalizamos o trabalho com oito mulheres entrevistadas, porém,
entendemos que o aproveitamento foi favorável.
Por fim, como última dificuldade encontrada tem-se o agravante de que
algumas mulheres não participaram da pesquisa por dois motivos, uma das
mulheres não pode, pois não se comunicava, não falava, devido a agravos no
problema de saúde. E o outro motivo é que duas mulheres, uma da Casa Sol
Nascente e outra do Grupo Cidadãs Posithivas, não se sentiram a vontade para
falar, sobre alegação que este é um assunto que ainda as magoa e que elas não se
sentem à vontade para expô-lo e também por medo que de alguma maneira a
identidade delas pudesse ser revelada e que os seus ex-companheiros viessem a
tomar conhecimento que elas haviam participado da pesquisa.
4.3 Campo de pesquisa inicial: Casa de Apoio Sol Nascente
Iniciamos este tópico falando como já foi citado anteriormente que
inicialmente esta pesquisa teria como campo de pesquisa somente a Casa de Apoio
Sol Nascente, um abrigo localizado na cidade de Fortaleza, que abriga crianças e
adultos portadores do vírus HIV; porém, a instituição é apenas uma casa de
passagem, ou seja, acolhe e cuida de adultos portadores do HIV até que a pessoa
esteja bem para voltar para o convívio social. Ressaltamos que durante o período de
realização da, a casa contava com duas mulheres abrigadas, número considerado
por nós insuficiente para realização da pesquisa; logo sentimos a necessidade de
encontrar outro campo de pesquisa.
A entrada nas instituições ocorreu mediante a apresentação do projeto de
pesquisa e de oficio expedido pela Faculdade Cearense e mediante promessa que
ao término do estudo seja deixada uma cópia em cada instituição fruto da análise.
A Casa de Apoio Sol Nascente é uma Organização Não Governamental
(ONG), localizada na cidade de Fortaleza no estado no Ceará. A casa foi criada em
2001, com a missão de acolher os portadores da AIDS e seus filhos contaminados,
abandonados, afetados e/ou órfãos em decorrência da AIDS.
52
Na época de sua inauguração, a missão parecia impossível, porém, com o
decorrer dos anos, o abrigo foi se desenvolvendo e ganhando assim forma. Ao longo
de onze anos, já foram abrigados em média 800 adultos e 280 crianças. (Sudário,
2010)
A instituição conta com duas casas, sendo elas: a casa de crianças, que
acolhe e cuida de crianças de 0 a 12 anos e a casa de adultos, que acolhe e cuida
de adultos com idade a partir dos 21 anos. (Revista Casa Sol Nascente, 2011).
Destacamos que a pesquisa especificamente será realizada na casa de adultos e
tem como finalidade entrevistar as mulheres acolhidas na instituição.
O maior objetivo da instituição é proporcionar uma vida de qualidade e digna
aos seus acolhidos, visando sempre tirá-los da situação de vulnerabilidade social em
que se encontram atualmente. A Sol Nascente tem como finalidade propiciar uma
melhoria no quadro de saúde de seus pacientes, fazendo com que todos sejam
adeptos do tratamento para HIV/AIDS. (Revista Casa Sol Nascente, 2011).
A casa desenvolve vários projetos visando sempre a melhoria de vida dos
pacientes e dentro do quadro de programas estão: acompanhamento familiar,
visando sempre o vínculo com a família, acompanhamento mensal com médicos do
Hospital São José, com o qual a instituição tem convênio; além de acompanhamento
psicológico, nutricional. Contamos na ocasião, também, com os serviços de terapia
ocupacional e fisioterapia.
Salientamos ainda que o interesse pela instituição surgiu após a pesquisadora
realizar durante um ano o estágio supervisionado em serviço social, daí o interesse
e a necessidade em se fazer a pesquisa neste abrigo, levando em consideração o
objetivo principal da pesquisa, bem como proporcionar a divulgação da instituição,
tendo em vista que a Sol Nascente é o único abrigo em Fortaleza que acolhe
especificamente portadores de HIV.
4.4 Campo de pesquisa II – grupo Cidadãs Posithivas
E o segundo campo de pesquisa encontrado por nós foi o Movimento
Nacional de Cidadãs Posithivas (MNCP), que foi criado em 2004 através da Rede
Nacional de Pessoas Vivendo com HIV – Núcleo CE. O MNCP atua como uma rede
de defesa e garantia dos direitos e controle social de políticas de saúde para as
53
mulheres vivendo com HIV, bem como também capacita mulheres através de
reuniões mensais, nas mais diversas áreas, dentre elas: direitos humanos, estigmas
e discriminação, saúde sexual e saúde reprodutiva, controle social e políticas
públicas.
O Movimento Nacional de Cidadãs Posithivas (MNCP) lança suas primeiras
sementes em 2000, inicialmente com nove mulheres, porém, ganha força em 2002,
durante uma capacitação nacional com representantes de vários estados. Em 2004,
o projeto se tornou por meio de sua carta de princípios o Movimento Nacional de
Cidadãs Posithivas (MNCP). Hoje, o MNCP é uma árvore de raízes profundas, com
flores coloridas, que exalam o perfume de todas as mulheres vivendo com HIV/AIDS
do Brasil e que faz ecoar vozes nos quatro cantos do Brasil.
O MNCP tem como objetivo promover o fortalecimento individual e a coleta
das mulheres que vivem com HIV/AIDS, para a atuação em ações de prevenção à
infecção pelo HIV entre mulheres e na prevenção secundária, contribuindo no
controle da epidemia de AIDS no Brasil. Outro objetivo do MNCP é construir nas
diversidades existentes no país uma identidade de mulheres com HIV/AIDS, pautada
no exercício da cidadania.
Destacamos que o MNCP é um movimento nacional e, como tal, atua em todo
o país em parceria com a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV (RNP). No
núcleo do Ceará, mais especificamente em Fortaleza, o MNCP, além de contar com
o apoio da RNP, tem parceria também com Hospital São José, Hospital Geral,
Hospital das Clínicas, Coordenadoria Municipal de Enfrentamento DST/AIDS, entre
outros parceiros.
O MNCP faz um trabalho de resgate destas mulheres, ou seja, as
participantes dos grupos vão aos hospitais, aos centros de enfrentamento à AIDS, à
procura de mulheres vivendo com HIV, a fim de agrega-las ao movimento, com o
intuito de ressignificar as suas vidas, mostrando que é possível terem uma vida
normal, mesmo vivendo com HIV.
Destacamos, ainda, que a pesquisadora sentiu a necessidade de realizar este
estudo junto com as mulheres que frequentam este grupo, a partir de uma visita feita
à Coordenadoria Municipal de Enfrentamento as DST/AIDS, onde foi apresentada a
este movimento, logo viu a relevância que o grupo teria para a sua pesquisa.
54
Em suma, concluímos que tivemos muita dificuldade em encontrar um local
para a pesquisa, tendo em vista que o local escolhido a priori tinha o número de
mulheres insuficiente para a realização da pesquisa. A dificuldade maior foi porque
em Fortaleza são poucos os locais que abrigam e/ou trabalham com este público.
Entretanto, mesmo diante de todas as adversidades, a pesquisa foi realizada com
êxito e a quantidade de mulheres desejadas foi alcançada.
4.5 Serviço social no campo de pesquisa
A Casa Sol Nascente, desde 2001, ano em que a entidade foi criada, conta
com o serviço social. Na instituição, o profissional de serviço social trabalha em
conjunto com uma equipe multiprofissional, que envolve psicólogos, terapeutas
ocupacionais, enfermeiros e médicos. Ressaltamos que atualmente a instituição
possui uma assistente social e duas estagiárias em serviço social.
No abrigo, o profissional de serviço social atua em várias áreas e lida com as
mais adversas expressões da questão social. Podemos citar algumas como, por
exemplo: crianças em situação de vulnerabilidade social, que possuem pais
portadores do vírus e que na maioria dos casos são usuários de drogas e que não
têm interesse algum em cuidar destes infantes; adultos que sofrem com o abandono
da família em decorrência do agravamento e das sequelas causadas pela doença.
Muitos dos pacientes adultos já foram moradores de rua e em algum
momento já estiveram envolvidos com drogas, pessoas desempregadas que não
possuem a mínima condição de se manter nem de possuir uma vida estável, sem
poder na maioria dos casos arcar com os seus gastos pessoas e indispensáveis,
como, por exemplo: alimentação, saúde e moradia; crianças com paralisias celebrais
e dificuldades de se locomover, cadeirantes, e portadoras do vírus que já foram
destituídas do poder familiar, porém, que ainda não foram inseridas no seio de uma
família substituta, infantes que estão crescendo dentro da casa e que não
conseguem entender por que não possuem uma família; pacientes que diariamente
sofrem preconceitos e que não têm seus direitos garantidos. Esses são alguns dos
objetos de intervenção do assistente social dentro da instituição.
O setor de serviço social já criou vários projetos que vigoram dentro da
instituição como, por exemplo: o café sol, encontro realizado mensalmente entre a
55
Casa Sol Nascente e outras ONGs visando firmar parcerias a fim de melhorar o
atendimento do abrigo. as missas que ocorrem na casa de adultos também são fruto
do trabalho da assistente social e visitas institucionais a outras entidades de
acolhimento de forma geral.
Entretanto, já o Grupo Cidadãs Posithivas especificamente não conta com
uma profissional de serviço social, apenas com uma psicóloga, que faz o
atendimento inicial das mulheres que resolvem participar do grupo, porém, tanto a
RNP, quanto a Coordenadoria Municipal de Enfrentamento às DST/AIDS contam
com assistentes sociais em seu quadro de funcionários e, sempre que possível, e/ou
necessário, as profissionais prestam atendimento às mulheres que participam do
grupo. De acordo com esclarecimento da coordenadora do grupo, até já se pensou
em contratar uma assistente social, para ajudar na dinâmica do grupo, porém,
devido a problemas com ônus e outras adversidades, não foi possível ainda efetivar
tal contratação.
4.6 Perfil biográfico das entrevistadas
Diante do aumento excessivo do processo de feminização da AIDS e do
aumento avassalador no número de mulheres infectadas pelo HIV nos últimos anos,
sentimos a necessidade de entender este universo, relacionando até que ponto as
implicações de gênero são responsáveis por desencadear o processo de
feminização da epidemia.
Diante do exposto, os sujeitos da pesquisa foram mulheres vivendo com
HIV/AIDS, que estão abrigadas na Casa de Apoio Sol Nascente, ou participam do
Movimento Nacional da Cidadãs Posithivas e que aceitaram voluntariamente
responder à entrevista semiestruturada, relacionada às implicações de gênero para
o processo de feminização da AIDS.
As entrevistas foram realizadas com oito mulheres, sendo que duas destas
estão abrigas na Casa de Apoio Sol Nascente e as demais participam do MNCP.
Destacamos que nem todas as mulheres abordadas aceitaram participar do
processo; tivemos um nível considerável de rejeição, tendo em vista que em média
três mulheres se recusaram a participar das entrevistas, sendo uma da Casa Sol
Nascente e as demais da MNCP.
56
Salientamos que julgamos suficiente a quantidade de mulheres entrevistadas,
tendo em vista que a partir desta amostra foi possível alcançar o objetivo proposto
pela pesquisa. Segundo Minayo (2012), numa busca qualitativa o critério não deve
ser numérico e a amostra ideal é aquela capaz de refletir a totalidade nas suas
múltiplas dimensões, preocupando-se mais com o aprofundamento e compreensão
da amostra e menos com a generalização.
Quanto ao critério de inclusão das entrevistas, foram os seguintes: ser
portadora do vírus HIV/AIDS, aceitar falar sobre a doença e a sua forma de contágio,
estar abrigada na Sol Nascente e/ou participar do Movimento Nacional das Cidadãs
Posithivas, ter idade igual ou superior a 18 anos e que estivesse com capacidade
cognitiva preservada, que lhes permitisse responder às perguntas, sem que isto lhe
causasse nenhum desconforto. Como critério de exclusão, foram estabelecidos os
seguintes: ser menor de 18 anos, não estar abrigado e/ou fazer parte do Movimento
Nacional das Cidadãs Posithivas e estar com capacidade cognitiva prejudicada.
A abordagem nos dois campos de pesquisa foi feita de forma individual e
isolada para garantir a privacidade e sigilo das entrevistas. Na Sol Nascente as
entrevistas foram realizadas na enfermaria da casa de adultos; já no Movimento
Nacional das Cidadãs Posithivas, as entrevistas foram realizadas em um dos
quartos do Hotel Mareiro, localizado em Fortaleza, onde estava ocorrendo uma
conferência e todas as mulheres participantes do grupo estavam presentes.
Destacamos que anteriormente ao início da pesquisa de campo e da
abordagem das entrevistadas, foram realizadas visitas prévias às duas instituições,
com o intuito de se conhecer a dinâmica das mulheres, para proporcionar às
entrevistadas uma “zona de conforto”, para se realizar um contato inicial (com a
pesquisadora e as mulheres) para que elas se sentissem à vontade para falar, bem
como também a fim de se avaliar a amostra ideal para a pesquisa, identificar a
disponibilidade das mulheres e analisar o local onde seriam realizadas as
entrevistas.
Antecedendo também o início da pesquisa, foi enviado às instituições o
projeto de pesquisa para avaliação, obedecendo aos critérios da instituição. As
participantes do trabalho foram orientadas pela pesquisadora sobre o objetivo do
estudo, sobre o termo de consentimento e a preservação de sua privacidade. Após a
autorização por escrito, foi dado início ao processo das entrevistas, que consta de
57
um roteiro semiestruturado, com perguntas abertas para que as pessoas pudessem
ter uma compreensão clara das perguntas e responder às questões colocadas.
Após realizarmos as oito entrevistas, podemos traçar um perfil biográfico
dessas mulheres que participaram dessa pequena amostra. Para iniciarmos
ressaltamos que os nomes das participantes foram conservados e que foi solicitado
a elas que cada uma escolhesse uma flor para ser chamada e assim foi feito, as
nossas entrevistadas tem os seguintes nomes: Margarida, Rosa Vermelha, Violeta,
Orquídea, Lírio, Girassol, Copo de Leite e Amor-Perfeito.
Iniciaremos falando de Margarida, que tem 59 anos, é branca, mora no bairro
João XXIII, possui o segundo grau incompleto e é católica. A orientação sexual da
margarida
é
heterossexual
e
alega
ser
divorciada,
porém,
mantém
um
relacionamento estável a aproximadamente 13 anos. Possui filhos. Margarida diz
não ter profissão. Afirma apenas ser vendedora da Avon e da Natura. Rosa afirma
nunca ter feito o uso de drogas.
Já Rosa Vermelha tem 46 anos, considera a sua cor é amarela, mora no
bairro Canindezinho, possui o segundo grau completo e é evangélica. A orientação
sexual da rosa é heterossexual, é solteira e alega que mantinha um relacionamento
estável, mas há três anos não tem nada a sério com ninguém. Tem ainda uma filha
do seu primeiro casamento. Rosa é aposentada e é artesã e afirma nunca ter feito o
uso de drogas.
Violeta tem 24 anos, considera que a sua cor é amarela, mora no bairro
Castelão, possui o ensino fundamental incompleto e é evangélica. A orientação
sexual de violeta é heterossexual, está solteira há dois meses e possui três filhos.
Violeta não está trabalhando no momento, mais afirma que a sua profissão é de
cabeleireira e cozinheira profissional. Já foi usuária de drogas e está sem usá-las há
apenas dois meses. Encontra-se no momento abrigada na Casa de Apoio Sol
Nascente.
Orquídea tem 39 anos, considera-se parda, mora no bairro Genibaú, possui o
ensino médio completo e é católica. A orientação sexual de orquídea é
heterossexual e afirma viver maritalmente com um parceiro há mais de nove anos e
tem um filho. Orquídea não está trabalhando no momento, mas afirma que era
locutora, porém, devido a problemas de saúde, ficou com problemas na dicção, o
58
que a impediu de voltar a trabalhar. Afirma não fazer uso de drogas e informa só
beber socialmente.
Lírio tem 26 anos, é morena, mora no bairro Caucaia, possui o ensino
fundamental incompleto e é espírita. A orientação sexual de lírio é bissexual e é
solteira; afirma não manter relacionamento sério há muito tempo, tem dois filhos.
Lírio está trabalhando no momento com costureira e faz faxina nos finais de semana.
Lírio afirma já ter sido usuária de drogas durante muitos anos.
Girassol tem 44 anos, se considera parda, mora no bairro Parangaba, possui
o ensino médio completo e é evangélica. A orientação sexual de girassol é
heterossexual e é solteira; afirma não manter relacionamento sério há muito tempo e
tem dois filhos. Girassol não está trabalhando no momento, mas é aposentada, era
professora do Estado e atualmente é educadora social na RNP. Girassol afirma
nunca ter sido usuária de drogas.
Copo de leite tem 34 anos, é morena, mora no bairro Castelão, possui o
ensino fundamental incompleto e é católica A orientação sexual de copo de leite é
heterossexual e é casada há três anos. Tem dois filhos. Copo de leite não está
trabalhando no momento, pois ficou cega devido a problemas de saúde em
decorrência dos agravos do HIV. Mas ela era empregada doméstica. Girassol afirma
nunca ter sido usuária de drogas.
E, por fim, Amor-Perfeito; tem 49 anos, é branca, mora no bairro Aerolândia e
é evangélica. A sua orientação sexual é heterossexual e ela é viúva há três anos,
porém, no momento está mantendo um relacionamento estável, com um
companheiro há quatro meses. Amor-Perfeito alega nunca ter feito uso de drogas e
informa que no momento não está trabalhando.
Em suma, o que podemos identificar é que as mulheres entrevistadas tinham
faixa etária de 24 a 59 anos, quase todas são heterossexuais, com exceção apenas
de uma. Apenas duas das entrevistadas já fizeram o uso de drogas, todas possuem
filhos e apenas algumas estão mantendo um relacionamento estável no momento. O
que identificamos é que são mulheres com características e perfil bem adversos,
porém, com a mesma realidade todas vivem com HIV e no próximo capítulo iremos
expor a história de vida delas, “guerreiras” como elas mesmas se autodenominam.
59
5 DESVELANDO OS SENTIMENTOS, O COTIDIANO E AS PERSPECTIVAS DE
MULHERES COM HIV
5.1 Descoberta da AIDS
“Quando eu descobri a minha reação foi passar o dia
todinho chorando, chorei muito, me desesperei, é uma
doença que assusta [choro]” (Margarida).
De acordo com Mesquita (2008), a AIDS é uma doença que envolve toda a
família, sendo necessário discutir acerca da sua propagação pelo mundo. Os
impactos decorrentes da descoberta do vírus são sentidos não apenas pela pessoa
infectada, mas por todos que estão à sua volta, afetando as atividades diárias do
indivíduo infectado, os relacionamentos familiares, afetivos e sociais também são
afetados.
Identificamos que em alguns casos a maior preocupação após a descoberta
do vírus é com a reação da família: como os pais vão receber a notícia, tendo em
vista que vivemos em uma sociedade muito preconceituosa e que até os dias atuais
enxerga a AIDS de forma equivocada, criando estereótipos preconceituosos e
errados para os portadores do HIV.
A sociedade, infelizmente, muitas vezes enxerga os portadores de HIV como
pessoas doentes, frágeis, incapazes, muitos têm medo de se aproximar, com receio
de serem contaminados, o que torna a descoberta do vírus ainda mais difícil, mais
dolorosa. Durante as entrevistas, identificamos nas falas de muitas das mulheres
que elas tinham mais receio da reação das pessoas quando soubessem da doença,
do que mesmo da própria enfermidade. Muitas não tinham medo da morte,
tampouco das fragilidades físicas que a doença poderia trazer; elas tinham medo,
principalmente, dos julgamentos que sofreriam após seus familiares e amigos
saberem da doença.
Minha primeira reação não foi nem em relação à doença, mais sim
em minha família saber e a minha mãe principalmente. Minha mãe,
se ela dissesse que pau era pedra, pau era pedra na minha casa,
então eu disse assim: se a minha mãe me aceitar, pronto, tudo que
vier depois é consequência, e o meu filho também. (Orquídea).
Ressaltamos que, das oito mulheres entrevistadas, apenas uma não foi
infectada pelo HIV através de relações sexuais e sim por uso de objeto
60
perfurocortante. Destacamos que todas as mulheres entrevistadas não imaginavam
que um dia poderiam ser contaminadas pelo vírus HIV. Afinal, quem de nós imagina
que um dia pode ser infectada pelo HIV? Mesmo que a AIDS atualmente seja muito
conhecida, as pessoas continuam achando que o HIV é uma doença do outro e que
jamais poderá acontecer consigo, o que é um equívoco, pois todos nós somos
vulneráveis ao HIV.
Destacamos ainda que as mulheres que foram contaminadas pelo vírus
através de relações sexuais tendem a culpabilizar/responsabilizar o homem por esta
contaminação. Portanto, identificamos que elas pouco se responsabilizam pela
proteção no ato sexual.
Eu peguei do meu companheiro que morreu, ele foi o meu primeiro
homem, eu só tinha tido relação sexual com ele, ele não tomava
remédio, quando eu via os comprimidos eu perguntava a ele, para
que aqueles comprimidos e ele me respondia com maior abuso: Para
que você quer saber? E nunca me dizia, então eu não sabia que ele
tinha a doença e nunca passou pela minha cabeça que eu teria, ele
era meu marido! (Flor do Caribe).
O que percebemos é que mulheres que mantêm um relacionamento estável,
tendem a se incluir em uma categoria de pessoas que são imunes ao HIV, ou seja,
mulheres que se encontram casadas não veem a necessidade de se prevenir, de
fazerem uso da camisinha, por acharem que estão imunes a pegar o HIV e outras
DSTs. É este fator que agrava e intensifica o processo de feminização da AIDS,
porque se acredita que o casamento supõe, mais do que uma relação estável, acima
de tudo, uma monogamia, uma confiança, em que a mulher se sente inteiramente
segura dentro do casamento.
Eu não peguei isso saindo com um e com outro, eu era uma dona de
casa, mulher de um empresário bem sucedido, não dá para
entender, é mais fácil uma pessoa entender quando ela tem vários
parceiros, é mais fácil a aceitação, mas para mim veio a decepção de
alguém que eu confiava plenamente [choro]. (Rosa Vermelha).
O que identificamos na fala da Rosa Vermelha é que para ela ser dona de
casa é quase uma atividade moral, que subtende um bom costume, ou seja, para
Rosa é inaceitável ela ter sido contaminada, pois era dona de casa e possuía
apenas um parceiro. Na sua visão uma mulher que tem vários parceiros tem maiores
chances de ser contaminada. Uma visão equivocada que acarreta o aumento no
processo de feminização da AIDS.
61
Barbosa (1996) aponta que são vários os fatores que interferem na percepção
de exposição ao risco de contaminação pelo HIV; são fatores de ordem pessoal,
subjetiva, social e cultural. Cada mulher enfrenta este risco de uma maneira de
acordo com a sua particularidade e singularidade. Em outras palavras, cada mulher
atribui um significado, uma justificativa ao fato de não se prevenirem em relação ao
HIV.
De acordo com as nossas análises, identificamos uma atitude um pouco
contraditória em relação à descoberta do vírus HIV. Inicialmente, quando essas
mulheres descobriram ser portadoras do HIV, elas de imediato culpabilizaram os
seus parceiros pela contaminação. Entretanto, após iniciarem o tratamento,
começaram a se perceber como coparticipantes do processo, atribuindo a culpa
tanto ao homem quanto a elas mesmas, pois a mulher também deve ter a atitude de
se prevenir dentro da relação sexual e não apenas o homem.
Eu não posso culpá-lo, eu responsabilizo a mim e a ele, eu divido
50% pra mim e 50% pra ele. E porque eu não sei, eu acho que foi
por maldade, eu não sei, porque ele queria casar comigo, essa foi a
promessa que ele fez, eu jurava que era amor, a paixão cega a
pessoa, né?! Então, eu jurava que tava tudo bem, tudo ótimo, então
eu me deixei levar por isso, tiramos a camisinha e fomos lá.
(Orquídea).
O que identificamos na descoberta da doença foi um momento muito difícil na
vida destas mulheres e que todas remetem à descoberta da doença como o
momento mais difícil da vida de cada uma. Algumas se sentiram decepcionadas e
traídas por seus companheiros, outras se responsabilizam pela contaminação, pelo
fato de não terem se prevenido. Porém, destacamos que de acordo com o que elas
falaram e colocaram durante as entrevistas, é que viviam muito bem e já aceitavam
a doença.
A minha reação quando descobri foi só choque, embora já estivesse
bem agravado o meu estado. Eu só pensava que eu ia morrer.
Quando eu descobri já estava separada, estava há dois anos
separada do meu marido. A descoberta me afastou muito dos meus
amigos, me distanciou muito, ate porque eu perdi as minhas
amizades, e eu passei muito tempo para poder me relacionar de
novo com uma pessoa, por causa do trauma que eu tinha. Consegui
sim vencer os meus traumas, inclusive nas relações sexuais, pois
tenho relação sexual normal. (Girassol).
Os sentimentos, os traumas, os medos, as superações foram sentimentos
identificados por nós durante estas narrativas. No decorrer das entrevistas,
62
percebemos que após a descoberta do HIV as mulheres vão, como elas mesmas
falam, “do inferno ao céu”, pois no momento da descoberta os sentimentos são os
piores e com o decorrer do tempo elas percebem que o HIV é o menor dos seus
problemas, mesmo com todos os traumas que vieram em decorrência da doença.
5.2 Significados da AIDS
“Pra mim não representa nada, representa uma vida
normal, algo que me fez crescer e estar aqui hoje” (Flor
do Caribe).
Hoje, após 30 anos de sua descoberta, a AIDS ainda é uma epidemia
assustadora, que não foi controlada e continua crescendo e fazendo vítimas todos
os dias. Entretanto, muito se conhece sobre a AIDS atualmente, porém, mesmo com
todos os avanços médicos acerca desta doença, ainda é um vírus que causa medo,
desespero e angústia em quem é portador.
Atualmente, estamos vivendo uma nova fase da AIDS, tendo em vista que as
mulheres estão sendo as maiores vítimas do vírus. Ao conversar com mulheres
vivendo com o HIV, tivemos a oportunidade de entender um pouco mais sobre esta
doença, tão complexa, porém, tão corriqueira em nossa sociedade.
Quando perguntadas sobre o significado da AIDS em suas vidas, elas foram
bem objetivas e disseram que a AIDS é vida, é amor, é superação, é esperança,
como podemos identificar na seguinte fala:
Força e coragem e vontade de viver cada dia como se fosse o
último. (Rosa Vermelha).
Já para Margarida, a AIDS não tem muito significado, porém, quando se toca
no assunto ela se sente muito triste por lembrar tudo que já passou por conta da
doença. Ela afirma:
Hoje é como se ela não existisse, é como se ela existisse lá no fundo
do mar para lá, certo, mas que AIDS em si é uma coisa meia triste
para nos, mas não para mim, a mim não me entristece, porque Deus
é maravilhoso. Ai quando eu começo a ouvir, a pensar no que eu
passei, eu só faço chorar. (Margarida).
Já para Lírio a AIDS é sinônimo de aprendizado, de esperança, quando
perguntada sobre esse assunto ela se emocionou bastante e a entrevista teve que
ser interrompida por alguns instantes, até que ela estivesse pronta novamente para
continuar. Ela afirma que a AIDS:
63
Antes era uma coisa de outro mundo, mas agora ela é uma coisa
normal pra mim. Assim, depois que eu comecei a ter informação, eu
vi que não é um bicho de sete cabeças e que agente pode, continua
vivendo, tendo ela, ela é normal. [choro] Eu vejo tudo que aconteceu
na minha vida como um aprendizado, tipo uma forma de
crescimento, porque é errando que se aprende. Tenho muitos
traumas, eu não me envolvo com ninguém por causa da violência, eu
tenho medo de morrer e deixar meus filhos abandonados. Eu deixei
de usar drogas por causa deles, eu cai em si e vi que não tinha
sentido, porque eu só esquecia por alguns minutos e depois voltava
a realidade muito mais pior. (Lírio).
Copo de Leite afirma que, mesmo com as adversidades da vida, ela
acreditava sim que poderia seguir em frente e ter uma vida normal. Afirmou que não
iria se deixar abater pela doença, disse que:
Tenho uma boa aceitação da doença, não escondo de ninguém e
pretendo viver muito e ter uma vida normal, cuidar do meu filho e do
meu marido e ter uma vida normal, mesmo tendo AIDS e mesmo
tendo ficado cega, acredito que Deus irá me dar forças para seguir
em frente, acredito nisso. (Copo de Leite).
Em suma, concluímos que a AIDS tem um significado diferente para cada
mulher, cada representação, respeitando a singularidade e a particularidade de cada
mulher. A partir das análises dos dados identificamos os sentimentos das mulheres
em relação ao HIV, bem como também as suas expectativa de futuro.
5.3 Preconceito
“Depois que eu descobri o HIV alguns amigos se afastou,
o que eram falsos né?! Os falsos se afastaram e os que
eram meus amigos de verdade ficaram mais próximos”
(Lírio).
Destacamos que em nossa sociedade culturalmente existem diversos casos
de discriminação contra pessoas que são portadoras do vírus HIV/AIDS, bem como
também a discriminação e a desvalorização da mulher; então, no âmbito do
processo de feminização do vírus HIV/AIDS, a mulher é duplamente discriminada.
De acordo com Silva (2007), a discriminação contra portadores do HIV/AIDS no país
está diretamente ligada ao medo e ao desconhecimento das formas de infecção.
O Brasil associa ações de prevenção e assistência, é um dos
poucos países que disponibiliza medicamentos antirretrovirais
gratuitamente e de forma universal, para toda a população.
64
Mas, infelizmente, a discriminação ainda é um desafio e faz
com que as pessoas se isolem e até se autodiscriminem.
(SILVA, 2007, p. 77).
Vale ressaltar que esta discriminação muitas vezes está inserida no próprio
ambiente familiar, pois os pais, irmãos, avós, tios não aceitam a condição da mulher,
não aceitam que sejam possuidoras do vírus HIV/AIDS.
A minha família não sabe, a minha família são pessoas que, como eu
vou dizer, um pouco prepotente, se eles viessem a saber do meu
problema eu seria completamente excluída do seio familiar, e eu já
não sei se eu estou preparada para ser excluída da minha família,
não sei se eu estou preparada, hoje eu já me vejo assim em uma
situação, que se eles soubessem e me excluísse talvez eu não me
importaria tanto, porque eu vejo na RNP, nas cidadãs uma família,
ate mais próxima de mim, mais a minha filha, não posso responder
pela minha filha, minha filha é muito família, não sei qual seria a
reação deles em relação a ela, e não sei qual seria a reação dela se
faltasse, como eu vou dizer, esse pilar que é a família, porque ela e
muito família. (Rosa Vermelha).
Ressaltamos que quase todas as entrevistadas, com exceção de apenas
duas, em algum momento de suas vidas sofreram discriminação por serem
portadoras do HIV. Uma teve que fechar a marmitaria onde trabalhava, porque as
pessoas suspeitavam que ela era soropositiva; outra foi privada de atendimento
médico por ter HIV; outra teve o seu filho agredido por ele ser filho de uma
portadora, já outra mulher foi agredida verbalmente na rua por ser portadora do HIV.
Além de outras manifestações de preconceito relatadas por elas no âmbito da
pesquisa.
Eu sofri muito preconceito de uma tia minha, mas ela foi à única que
me desprezou. Eu morava com ela e depois que ela descobriu que
eu estava doente ela me colocou para fora de casa e ela não quis
nem saber, simplesmente me expulsou, disse que não ia morar com
uma aidética. (Copo de Leite).
Entretanto, como citado acima, duas das mulheres entrevistadas por mim
alegaram que nunca sofreram nenhum tipo de discriminação ou violência por serem
portadoras do HIV, a saber: “Nunca sofri nenhum tipo de discriminação, em lugar
nenhum, nem no meu hospital, nem pelos meus médicos, meus enfermeiros, todos
me tratam bem, graças a Deus” (Margarida). Já Violeta afirma também nunca ter
sofrido violência ou preconceito por ser portadora do HIV e afirma que:
65
“Nunca sofri nenhum preconceito em relação HIV, pois eu não
comento com ninguém que sou portadora, ninguém precisa
saber”. (Margarida).
Ressaltamos que algumas das entrevistadas alegaram que não gostam de
falar sobre o HIV por terem medo da reação das pessoas. J justamente por vivermos
em uma sociedade muito discriminatória, estas mulheres preferem não se manifestar
em relação a este assunto, para evitar práticas deste tipo.
5.4 Mulheres e sexualidade
“Quando eu conheço alguém eu me apaixono, eu
beijo, eu abraço, mas na hora do sexo eu bloqueio,
eu travo e não consigo.” (Rosa Vermelha).
Segundo Heise (1994), de 10% a 14% de todas as mulheres brasileiras
declaram que os maridos as forçam a fazer sexo contra a sua vontade, na maioria
das vezes essas mulheres são vítimas habituais de violência física dos parceiros. No
Brasil e em outros países norte-americanos o estupro pelo marido é um fenômeno
que faz parte do cotidiano de muitas mulheres.
Na coleta de dados realizada para este trabalho, identificamos que todas as
mulheres entrevistadas já tiveram relações sexuais contra a sua vontade; algumas
alegam terem sido forçadas através de violência física e psicológica e outras
afirmam terem feito apenas para satisfazer a vontade do parceiro. Porém, todas de
alguma maneira já foram forçadas a manter relações sexuais sem o próprio
consentimento.
Milhares e milhares de vezes eu fazia sexo por obrigação, porque ele
começava a dizer: Você tem outro homem! Ai eu ia ia e fazia, mas
aquilo ali, tudo o que eu queria era fechar os olhos e que aquilo ali
acabasse, talvez seja ate por isso que eu tenha esta certa bronca de
sexo, talvez não seja nem pela doença, mas por tudo que já vivi.
(Rosa Vermelha).
Já Lírio afirma que muitas vezes foi forçada a ter relações sexuais, tanto por
um ex-parceiro, como pelo seu padrasto que abusava sexualmente dela quando ela
era criança. Já fui forçada a ter relação sem querer, pelo meu padrasto e com outras
pessoas. Meu ex-marido já me amarrou para eu transar com ele, eu gritava e chorava muito
era horrível. [choro] Não desejo isso para ninguém, você não poder mandar na sua vontade
é muito ruim. (Lírio).
66
A Orquídea afirma que seu ex-companheiro batia muito nela e a forçava todos
os dias a ter relação com ele.
Eu nunca queria, era muito ruim, quando eu dizia que não era
pior, ele me batia muito, ai eu tinha que fazer mesmo sem
vontade, ele me forçava a fazer sexo com ele e até sexo anal
ele me forçava era muito ruim, eu fiquei com trauma muito
grande. (Orquídea).
Vivemos em uma sociedade na qual tradicionalmente a sexualidade feminina
está ligada à questão da maternidade, está atrelada ao âmbito familiar e ao
casamento. O que percebemos é que atualmente muitas mulheres ainda acreditam
que não detêm poder sobre o seu corpo e que devem sim se submeter às vontades
masculinas na hora do sexo.
Já fui sim forçada a ter relação sexual pelo meu ex-marido, pai do
meu filho. Ele me forçava diariamente, queria fazer sexo todos os
dias, e eu tinha que aceitar, tinha que fazer senão ele me batia, mas
tudo que eu mais queria era que acabasse, era nunca mais fazer
sexo. (Girassol).
Outro fato que nos chamou bastante atenção no âmbito da sexualidade
feminina é que as mulheres usam menos preservativos que os homens. Segundo
uma análise realizada pela PCAP (pesquisa de conhecimento, atitudes e praticas
relacionadas às DST e AIDS) em 2008, o uso de preservativo foi consideravelmente
maior entre os homens do que entre as mulheres. Enquanto 64% dos homens
afirmam o uso de preservativos na primeira relação sexual, apenas 57,6% das
mulheres alegam o uso de preservativo.
Ainda de acordo com a PCAP (2008), a proporção de homens que afirmam
usar preservativo em todas as relações sexuais com qualquer parceiro (28,3%) foi
em torno de 26% maior do que entre as mulheres (22,5%). O uso regular do
preservativo com parceiro casual entre os homens foi de 51% e entre as mulheres
34,6%.
O que podemos identificar é que a camisinha, ou melhor, o uso da camisinha
é tido como uma responsabilidade masculina, até mesmo o ato de comprar a
camisinha na farmácia é tido como um dever do homem. Não seria esta uma visão
machista? O que impossibilita a mulher de ir à farmácia comprar um preservativo?
Talvez essas atitudes femininas diante do uso da camisinha intensifiquem a
dominação masculina no âmbito da sexualidade.
Com os meus parceiros nunca fui obrigada a manter relações
sexuais sem camisinha não usava preservativo porque eu não
67
gosto e mesmo sendo portadora do vírus eu não usava
camisinha. Eu não gosto de usar incomoda, e a camisinha
feminina eu nuca vi, nem usei. (Voleta).
Entretanto, identificamos o outro fator que nos choca para o não uso da
camisinha por parte das mulheres; são visões bem contraditórias, porém, bem
presentes na nossa realidade. Assim como a Violeta, muitas mulheres não se
sentem confortáveis para usar a camisinha, principalmente a camisinha feminina,
por alegarem que incomoda e acabam deixando de ser prevenir, por não gostarem.
Logo, podemos compreender que o não uso da camisinha por parte das mulheres
ora está atrelado à dominação masculina, ora está ligado com o fato de as próprias
mulheres não se sentirem à vontade para usá-la.
Ressaltamos ainda que algumas mulheres não usam o preservativo porque
não gostam, por não se sentirem à vontade e por afirmarem que o uso de
preservativos diminui o apetite sexual, porém das entrevistadas por nós alegam que
não usavam o preservativo porque os seus parceiros não gostavam e as obrigavam
a ter relações sexuais sem usar a camisinha.
Devemos destacar aqui que a medicina tem avançado bastante, porém, no
que diz respeito à camisinha feminina e às tecnologias utilizadas na saúde da
mulher não demonstra muitos avanços, tendo em vista os instrumentos que ainda se
caracterizam como demasiadamente desconfortáveis e invasivos no corpo das
mulheres. Todas as entrevistadas alegaram que a camisinha feminina é invasiva,
que machuca, que incomoda e que é ruim de usar, o que torna ainda mais difícil o
uso de preservativo durante o ato sexual.
Já fui forçada a ter relação sem querer, pelo meu padrasto e com
outras pessoas. Com o pai dos meus filhos eu fui forçada a ter
relação sem preservativo, mais ô “bicho imundo” não pegou o HIV
não, também sofria violência dele, quando ele estava bêbado. (Lírio).
Percebemos que o uso do preservativo é muito relativo entre as mulheres,
algumas são forçadas a não usar e outras simplesmente não gostam de usá-lo.
Entretanto, entendemos que o não uso do preservativo independente das
circunstâncias que a mulher esteja submetida continua sendo o maior agravante
dentro do processo de feminização da AIDS.
Com o meu ex-marido eu nunca fiz com preservativo, ele não
aceitava, ele jamais vai colocar um preservativo, dizia que mulher
dele não usava preservativo e se eu pelo menos pensasse em pedir,
ele me batia, me batia muito, então eu nuca pedi. (Rosa Vermelha).
68
Identificamos que o uso de preservativo estabelece entre os parceiros um
nível de relacionamento. O uso dele simboliza para o casal quebrar uma regra de
confiança, ou seja, se a mulher desejasse usar o preservativo é como se ela não
confiasse mais no seu parceiro, ou que ela estaria tendo outros relacionamentos
extraconjugais. Significava também o controle da sexualidade da mulher pelo
homem, ou seja, ele decide, por exemplo: os filhos que vão ter. Destacamos que
este controle pelo homem é cultural e histórico.
5.5 Mulheres e seus direitos
“Eu conheço a Lei Maria da Penha mais ou menos, eu
tenho ate um livreco dela lá em casa. Já ouvi falar da
política, mais nunca li, mais eu sei que tem”. (Margarida).
Quando falamos em direitos para as mulheres nos remetemos logo à Lei
Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), que foi um marco histórico no âmbito das
legislações que protegem as mulheres da violência doméstica e familiar. Após
pequenas alterações, foi aprovada por unanimidade e sancionada pelo presidente
Luiz Inácio Lula da Silva em 7 (sete) de agosto de 2006. (Brasil, 2012).
A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) é reconhecida pela ONU como uma
das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra as
mulheres. Destacamos que tal legislação foi resultado de uma longa luta dos
movimentos feministas e de mulheres por uma lei que punisse os agressores que
praticavam violência doméstica contra a mulher.
Ressaltamos que a famosa Lei Maria da Penha representou uma profunda
transformação na história da impunidade no Brasil. Por meio dela, vidas que seriam
perdidas passaram a ser preservadas, mulheres em situação de violência ganharam
direito e proteção e depois da sua implementação fortaleceu-se a autonomia das
mulheres. (Brasil, 2012).
Destacamos que todas as mulheres entrevistadas conheciam a Lei Maria da
Penha, porém, iremos enfatizar nesse momento o fato de que mesmo a lei sendo
muito conhecida, ainda é comum encontrarmos mulheres que possuem medo de
denunciar e acabam silenciando frente à violência. Mulheres que vivem em
69
constante risco de morte, que sofrem violência diariamente, porém, têm medo de
denunciar. Quase todas as entrevistadas já sofreram algum tipo de violência por
seus parceiros e não os denunciaram.
Uma vez eu disse que eu ia na Maria da Penha, só que ele disse que
na hora que eu saísse de lá, ele me deixava morta na saída da
delegacia, e garantia para mim que não ia ser preso, porque quem
tinha dinheiro não ia ser preso porque ele era de família que matava
mulher e realmente é mesmo, então eu procurava não ir. (Rosa
Vermelha).
Já Violeta afirma que sofreu violência doméstica desde a sua infância, pois o
seu padrasto a violentava e batia muito nela e, depois de adulta, continuou a sofrer
violência pelo seu ex-marido.
Eu já apanhei muito nessa vida, meu padrasto me batia muito e o
meu ex-marido chegava doidão em casa e me batia muito, uma vez
meu olho ficou tão roxo que eu nem conseguia me ver no espelho.
(Violeta).
Copo de Leite alega que a violência é a pior coisa do mundo, que deixa
marcas difíceis de explicar e de apagar. Ela afirma que:
Eu sofri demais, até hoje lido com traumas deixados pela
violência que sofria em casa, eu apanhava, eu fazia sexo sem
querer, ele me chamava de feia, de gorda, que ninguém ia me
querer, eram palavras que doía muito. (Copo de Leite).
Flor do Caribe destaca em suas falas que a violência não tem nome, não tem
cara, só quem vive sabe explicar:
70
Quem bate esquece mas quem apanha nunca vai esquecer! A
violência psicológica é a pior que tem, é a que mais machuca,
a que mais deixa trauma. Meu ex-marido dizia que eu era
ridícula, ele me batia e dizia que se eu deixasse ele eu nunca
mais ia achar ninguém que me quisesse e eu acreditava. (Flor
do Caribe).
Muitas mulheres sentiam medo de denunciar por inúmeros motivos, o que
torna a violência contra a mulher um fenômeno ainda comum na nossa sociedade.
Entretanto, devemos destacar que muitas mulheres já se sentem seguras para
denunciar e acabam registrando boletim de ocorrência na delegacia e levam o
processo até o fim.
Ressaltamos que os casos de violência contra a mulher não tem diminuído no
Ceará, pelo contrário, a tendência segundo estudiosos da área é que este índice
cresça ainda mais, porém, a Lei Maria da Penha com certeza contribuiu muito e de
forma positiva para amenizar esta situação de violência que algumas mulheres se
encontram.
Eu já sofri discriminação, eu já sofri também violência de um parceiro
que eu tinha, ele me batia muito, ele me batia porque ele usava
droga, ai ele chegava muito “doido” eu não gostava reclamava e ele
me batia. Eu denunciei ele tem tipo uma lei ai que ele não pode
chegar 10 metros de mim, pois é ele não pode, eu já denunciei ele 3
vezes. (Lírio).
Ressaltamos que a Lei Maria da Penha é muito conhecida, porém, no
decorrer das entrevistas pudemos identificar que as mulheres atrelam os seus
direitos só à Lei Maria da Penha. Quando perguntadas se elas conheciam os seus
direitos sexuais e reprodutivos, apenas duas mulheres responderam que sim, e em
relação à Política Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS, mais da metade
delas não conheciam esta política. Identificamos que precisa ser intensificada a
divulgação destas políticas, tendo em vista que elas são tão importantes quanto a
Lei Maria da Penha.
Eu nunca ouvi falar dessa política ai não, não sabia nem que existia,
e o meu direito sexual também nunca ouviu falar, mais sabia que na
vida real isso não existe. Eu só conheço a Maria da Penha, porque
em fim passa na televisão, mais eu nunca usei ela não. (Copo de
Leite).
Em suma, percebemos o déficit que existe no âmbito das políticas públicas de
enfrentamento a violência contra a mulher e no enfrentamento do processo de
feminização da AIDS atualmente existem inúmeras legislações que garantem os
71
direitos das mulheres e dos portadores de HIV, porém, estas são legislações que
ficam escondidas, que são pouco divulgadas e que acabam não sendo efetivadas,
pois a população que mais precisa não as conhece.
5.5.1 Percepções sobre violência
“Violência para mim e quando a pessoa quer fazer sexo e
você não estar afim e ele te força [choro], isso para mim é
uma [...] Como é que eu falo? É tipo vai contra os meus
princípios”. (Lírio).
No decorrer deste trabalho identificamos que as desigualdades de gênero têm
forte influência no processo de feminização da AIDS. A partir da amostra que
obtivemos para a sua realização, percebemos que quase todas as mulheres
entrevistadas já sofreram violência por seus parceiros.
Identificamos que o homem, quando é vitima de violência, geralmente sofre a
agressão na esfera pública, ou seja, é vítima de assaltos, se envolve em brigas. Já a
violência contra a mulher ocorre, principalmente, no âmbito doméstico, em que o
agressor é mais frequentemente o próprio parceiro. Heise (1994) afirma que a
violência doméstica é tão ou mais séria que a agressão por desconhecido, deixa
muito mais sequelas do que atos violentos realizados na esfera pública. O autor
ressalta ainda que a maioria das violências que resultam em lesões físicas é de
homens contra as mulheres, ou seja, a violência doméstica é exercida
principalmente contra o sexo feminino.
Já sofri demais, durante 23 anos eu apanhei 24 horas por dia do meu
ex-marido, eu apanhava eu era violentamente espancada, porque ele
tinha um ciúme doente, e não me deixava sair pra canto nenhum e
eu precisava reagir, eu precisava ter uma vida, e ele não deixava.
(Rosa Vermelha).
O fenômeno da violência doméstica e sexual praticada contra mulheres
constitui uma das principais formas de violação dos direitos humanos, atingindo-as
em seus direitos à vida, à saúde e à integridade física. A Constituição Federal de
1988, em seu artigo 226, parágrafo 8º, assegura “A assistência à família, na pessoa
de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência, no
âmbito de suas relações.” (BRASIL, 1988).
72
De acordo com mapa da violência do Instituto Sagari, de 1980 a 2010 foram
assassinadas perto de 91 mil mulheres no Brasil, 43,5 mil só na última década. O
número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa
um aumento de 217,6%, triplicando o número de homicídios. Ainda de acordo com
os dados do mapa, de 1996 a 2010 as taxas de assassinatos de mulheres
permaneceram estabilizadas em torno de 4,5 homicídios para cada 100 mulheres.
Duas ou três pessoas atendidas no SUS em razão de violência doméstica ou sexual
são mulheres; em 51,6% dos atendimentos foi registrada a reincidência no exercício
da violência contra a mulher. (INSTITUTO SAGARI, 2012).
Podemos identificar este quadro de violência na fala das nossas
entrevistadas, a saber:
Eu fui violentada pelo meu padrasto quando eu tinha nove
anos, foi ele que passou o vírus para mim, mas eu não sabia.
(Lírio).
Já a Girassol afirma que já foi vítima constante de violência:
Sim, já sofri agressão física mesmo pelo pai do meu filho,
agressão psicológica. (Girassol).
Enquanto Violeta afirma que já sofreu tentativa de abuso sexual, já foi
espancada em outras ocasiões pelo ex-marido:
Sofri uma tentativa de abuso sexual pelo meu pai que tentou me
obrigar a ter relações sexuais com ele, ele me trancou no quarto e só
não me violentou porque eu gritei muito e o meu irmão ouviu e
derrubou a porta a chutes e impediu que ele abusasse de mim.
(Violeta).
Algumas das entrevistadas já chegaram a ser atendidas por órgãos
municipais que trabalham no enfrentamento à violência contra a mulher:
Fui agredida pelo meu primeiro marido que é pai do meu primeiro
filho, cheguei a ser socorrida no CRM não fui pro abrigo porque meu
ex marido freqüentava a área perto ao abrigo e ficaram com medo de
me abrigar ele descobrir e me matar, eu já fui agredida com um gogo
de garrafa, ele estava drogado tinha tomado repinol e com crise de
ciúmes tentou me matar eu fiquei com medo e não voltei mais pra
ele. (Violeta).
Ressaltamos que com as entrevistas identificamos que a violência doméstica
nem sempre é realizada por parceiros e muitas vezes são praticadas por familiares,
como, por exemplo, filhos, tios, irmãos, pais, padrastos, entre outros. Algumas das
mulheres entrevistadas alegaram que já sofreram violência de seus pais, padrastos
73
e filhos. O que nos leva a entender que o quadro de violência vai bem além da
relação afetiva entre homem e mulher.
Já sofri violência do meu filho, porque ele não aceitava que eu tinha
o HIV, eu vou ser franca já estar com 2 meses que eu perde ele,
porque quando eu tava em casa, ai ele chegou em casa agressivo,
drogado, me pedindo dinheiro e eu não dinheiro, disse que se fosse
pra comprar drogas eu não dava, ai ele disse assim: ou você me dar
dinheiro ou eu vou acabar com você, eu vou matar você, ai ele pegou
a faca pra me matar, eu olhei pra panela de água quente, eu fiz pra
me defender, eu não matei ele porque eu quis, (choro), quando ele
veio com a faca, eu rebolei a panela em cima dele, ele passou mais
de um mês no hospital, mais ele morreu. Se eu não tivesse feito isso
ele tinha me matado, quem tava dentro do caixão era eu. (Flor do
Caribe).
Diante do que foi colocado, nos faz compreender que a violência contra as
mulheres é um fator agravante e que se manifesta nas mais diversas situações,
exigindo posicionamento tanto das autoridades, quanto da sociedade civil.
Ressaltamos que quando as entrevistadas foram indagadas do que seria violência
para elas, muitas se emocionaram, e afirmaram que a violência deixa marcas
eternas, que o tempo nunca irá apagar e que só quem vive a violência sabe o que é.
Isso indica uma compreensão cada vez mais ampliada da violência, que extrapola
seus limites físicos.
Para Girassol violência é:
É impor as vontades da gente e a violência domestica também mexe
com o psicológico da gente, eu passei quase 2 anos sem trabalhar,
porque o meu ex companheiro não queria que eu trabalhasse, fez
uma tortura psicológica em mim, que não valia a pena, que não
compensava, ele é soro positivo também e dizia que não
compensava trabalhar que não tinha futuro, só que era um trabalho
que me ajudou muito a minha vida toda, e eu briguei ate consegui me
separar dele, porque a minha relação com ele não estava
compensando como eu queria, e agora que eu estou voltando a
trabalhar, agora que eu estou podendo respirar, graças a Deus ele já
estar com outra pessoa, porque ate um tempo ele vivia dizendo que
eu não era para ter ninguém, ele vivia me cercando, indo na minha
casa, que eu tinha que cuidar do meu filho, porque se eu não
cuidasse ele ia tomar, mais graças a deus ele já foi embora e já me
deixou em paz. (Girassol).
Já a Rosa Vermelha se emocionou muito quando foi responder a esta
pergunta, pois afirma que esta foi a fase mais difícil de sua vida. Ela vivia com muito
medo e alega ainda que lembrar deste momento a faz muito mal, ainda assim com
todos os traumas ela definiu violência como sendo:
74
É [choro] queria definir, mais só quem viveu sabe, eu posso lhe dizer
que e como estar no fundo do poço numa escuridão, e vendo uma
luz la em cima sem puder subir nas paredes do poço [...] violência
não e só você levar uma tapa na cara, um puxão de cabelo, uma
palavra agressiva, violência e você querer fazer um curso e não
puder, violência, e você querer ir no shopping e não puder, e você
querer ir no chá de bebê e não puder, violência e você ir toda cheia
de felicidade para um companheiro seu e mostra olha o que eu fiz, e
ele responder, isso e coisa de gente idiota, burra, que nem você que
não tem o que fazer, isso também e violência [...] isso tudo é
violência. (Rosa Vermelha).
Concluímos que ainda são muitos os casos de violência registrados contra as
mulheres e a tendência pelo menos no Ceará não é nada promissora. Segundo
estudiosos, há a fortes indícios que o índice de violência contra a mulher cresça
ainda mais no nosso Estado. Entendemos que as marcas deixadas pela violência
são profundas e machucam muito. Identificamos ao longo das entrevistas que
quando falamos em violência os sentimentos demonstrados são de medo, angústia,
tristeza, desespero, trauma, incapacidade, entre outros.
5.6 Expectativas
“Quero sair do abrigo e voltar a ter uma vida normal,
quero voltar a morar com o meu marido”. (Copo de Leite).
Desde o primeiro caso de AIDS registrado no Brasil até os dias atuais o que
identificamos é que o número de óbitos por causa da doença diminuiu bastante, o
que nos leva a entender que é perfeitamente possível que uma pessoa que possua
HIV tenha uma vida normal e longa. De acordo com o boletim epidemiológico (2009),
o coeficiente de mortalidade passou de 8,2 para 4,3 por 100.000 hab., de 1995 a
1996 permanecendo estável até o ano 2000. Entretanto, este número foi reduzido
para 3,4/1000.000 hab. Em 2001, continuando estável até 2008. (CEARÁ, 2009).
Diante do exposto, perguntamos às entrevistadas como elas se viam daqui a
dez anos e as respostas foram embasadas em pensamentos positivos: todas
querem ter uma vida saudável, cuidar de seus filhos, cuidar de suas famílias, sair do
abrigo, dentre outras. Um fato que nos chamou bastante a atenção foi que apenas
duas mulheres mencionaram a cura para o HIV em seus relatos, muitas enxergavam
o seu futuro bem, mesmo vivendo com o HIV.
75
Quero paz, quero viver da melhor maneira possível, seja com um
homem do meu lado, seja vivendo um grande amor, ou nuca mais
vivendo isso, seja vivendo uma paixão ou nuca mais vivendo isso,
mais hoje a minha expectativa de vida é os últimos dias que me
restam de vida, os últimos anos, que me restam de vida, pode ser
meses dias ou anos, que seja dedicado a duas pessoas a Deus e a
minha filha, o que vinher e lucro (Rosa Vermelha).
Quando falamos em expectativas de futuro, os sentimentos se misturaram e
elas, mais uma vez se emocionaram, algumas temiam o futuro, outras queriam lutar
contra a doença para verem seus filhos crescerem, como afirma Girassol:
Ter uma qualidade de vida, ver meu filho crescido, minha filha
também, e eu já estou vendo, já estou realizando o meu sonho de
ver a minha filha na faculdade, ver minha filha trabalhando, vendo a
minha filha já fazendo as economias dela para comprar o
apartamento dela, coisas que há dez anos atrás ninguém esperava,
chegar a vê-la crescer e eu quero ter uma qualidade de vida para ver
o meu filho, do jeito que eu estou vendo a minha filha. (Girassol).
Já Lírio, quando indagada sobre as suas perspectivas de futuro, cita a cura
como uma expectativa. Alega que não quer a cura para ela, mas para crianças e
mulheres que são traídas pelos maridos.
A cura que é o sonho de quase todo portador, mas não pra mim,
porque as seqüelas que a AIDS me deixou, nem a cura pode levar,
quero a cura para crianças e mulheres traídas que pegaram HIV de
seus maridos. Quero me realizar profissionalmente. Daqui a 10 anos
eu me vejo cansada, mais ainda e normal vivendo a vida
normalmente (risos). Me vejo do mesmo jeito que hoje, tranqüila e
vivendo do jeito que eu gosto. (Lírio).
Violeta, que está abrigada na Casa de Apoio Sol Nascente, quando
perguntada sobre como se via daqui a dez anos, não demorou e respondeu eu
quero:
Estar bem sem usar mais drogas com um bom emprego e em uma
casa com o meu filho e vivendo bem, eu gosto muito daqui prefiro
estar aqui do que nas ruas, pois aqui eu sou bem cuidada e todo dia
eu vou lá visitar o meu filho e aqui dentro eu não sofro nenhum tipo
de preconceito, nunca tentei fugir daqui pois eu me sinto confortável
e amparada, mais quero ter a minha casa, a minha vida. (Violeta).
Já Orquídea também relatou sobre a cura, mas também não para ela e sim
para os demais; alega que já foi muito prejudicada por doenças oportunistas que não
têm cura, então logo ela afirma que:
76
Só espero a cura (risos), porque eu tenho neurotosplamosse, que é
uma doença oportunista muito forte que me afetou bastante, afetou a
minha dicção, o meu estado físico o meu lado esquerdo e todo
comprometido e por mais que venha a cura não vai mais ter jeito pra
mim, porque esse foi um problema que afetou o meu cérebro, mais o
resto eu so espero viver. (Orquídea).
Percebemos, quando discutimos com as mulheres acerca das expectativas de
futuro, que os sentimentos são muitos, são sentimentos de vida, de amor, felicidade,
alegria, superação, prosperidade, e tudo mais de bom que a vida tiver a oferecer.
Encerramos esse tópico com uma fala de uma das mulheres que exemplifica essa
observação:
Para o meu futuro eu quero que Deus me de muitos e muitos anos
de vida, para mim e para todos os meus colegas e para todos nos, e
é só isso que eu peço deus me dando vida e me dando saúde,
pronto e tudo que Deus me dar estar bom. (Margarida).
Concluímos que somos nós que negativamos as pessoas quando elas
mesmas não se compreendem assim. Essas falas mexem com as nossas prénoções. Costumamos associar a AIDS ao que há de mais negativo: doença,
preconceito e morte. No entanto, as falas contradizem vorazmente nossas
percepções previas, pois estão cheias de perspectivas e expectativas promissoras.
77
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Passado mais de 30 anos da descoberta da AIDS, esta epidemia ainda
continua sendo uma doença que assusta e é muito frequente no cotidiano da
sociedade. Entretanto, sabemos que desde a sua descoberta a AIDS avançou muito
no tocante ao tratamento. Atualmente, é comum encontrarmos pessoas que vivem
com HIV e que possuem uma vida normal e que por vezes esquecem que possuem
a doença, como foi relatado e identificado ao longo deste estudo.
Ressaltamos que mesmo com toda a divulgação e o conhecimento acerca da
doença, é crescente o número de pessoas infectadas pelo HIV no Brasil, porém,
atualmente a epidemia ganhou uma nova roupagem, ou seja, se anteriormente em
décadas passadas a AIDS era uma doença que predominava em pessoas do sexo
masculino, atualmente o que identificamos é que as maiores vítimas do HIV são as
mulheres, o que nos leva a entender que nos dias atuais estamos vivenciando o
processo de feminização da AIDS.
Diante desta alarmante situação, o governo federal, em parceria com os
governos estaduais, desenvolveram inúmeros mecanismos de combate a este
processo, entretanto, são estratégias tímidas que estão longe de resolver o
problema que vem se agravando mais a cada ano. Entendemos que os órgãos
competentes do governo devem desenvolver estratégias de enfrentamento eficazes
que possam ir além de campanhas publicitárias.
Salientamos que é comum vermos nos meios de comunicação de massa
campanhas publicitárias de caráter informativo sobre o HIV e suas formas de
transmissão, na época do carnaval, em feriados prolongados ou em períodos de
férias, porém, são campanhas limitadas, que só alertam para o uso do preservativo
e não alertam para as outras formas de contágio da doença.
São campanhas voltadas para o público masculino. Na maioria das vezes,
são poucas as campanhas que divulgam o uso de camisinhas femininas, que
alertam a transmissão por objetos perfurocortantes ou ainda pela transmissão
vertical, o que torna este assunto um tabu na sociedade, o que agrava e intensifica o
processo de feminização da AIDS.
De acordo com as entrevistas realizadas para a realização da pesquisa,
chegamos à conclusão que as mulheres que participaram do trabalho não tinham
78
conhecimento sobre a importância do uso da camisinha e acabavam não dando
importância para este meio de prevenção, até serem contaminadas pelo HIV. Muitas
das entrevistadas nunca viram uma camisinha feminina e relatam não sentirem
necessidade de usar o preservativo e quase todas elas com exceção de apenas
uma, foram contaminadas pelo HIV através de relações sexuais sem uso de
preservativos.
Identificamos também as implicações da desigualdade de gênero dentro do
processo de feminização da AIDS, ou seja, concluímos que as desigualdades ainda
existentes em nossa sociedade entre homens e mulheres têm papel decisivo na
infecção de mulheres pelo HIV. Identificamos e concluímos que as mulheres,
principalmente quando estão em um relacionamento estável, não sentem a
necessidade de se prevenirem contra o HIV, por inúmeros motivos, mas o principal é
o medo da reação do parceiro em ter que usar o preservativo. Entendemos que se
criou uma prática de que mulheres em relacionamento estáveis estão imunes ao
HIV, o que torna as torna ainda mais vulneráveis ao contágio pelo HIV.
Ressaltamos ainda que o processo de feminização da AIDS é um fenômeno
cada vez mais crescente em nossa sociedade e que tende a acontecer
principalmente com mulheres com faixa etária acima de 30 anos, o que reforça a
ideia de que mulheres em relacionamentos estáveis estão mais vulneráveis ao
contágio pelo HIV.
Durante as entrevistas, identificamos que mulitas das entrevistadas já
sofreram violência sexual pelos seus parceiros, já foram obrigadas a manterem
relação sexual contra a própria vontade, para satisfazer as necessidades sexuais de
seus parceiros. Isso agrava ainda mais o processo, pois gera traumas imensuráveis
na vida das vítimas do HIV, primeiro pela decepção delas em relação aos seus
parceiros, depois pela descoberta da doença.
Em inúmeros momentos estas mulheres se emocionaram quando falaram
sobre os seus ex-parceiros, por inúmeros motivos: por terem sofrido violência, por
terem sido traídas, pelo contágio por HIV, pela rejeição da família, entre outras.
Identificamos com a pesquisa que estas mulheres são pessoas fortes e bem
determinadas, que já passaram por inúmeras adversidades e que hoje superaram
muitos de seus medos. Entretanto, ainda são pessoas marcadas por traumas e
tristezas profundos.
79
Destacamos que no que tange ao processo de feminização da AIDS, as
desigualdades de gênero têm papel fundamental, pois são uma das principais
causas que tornam o processo cada vez mais comum na sociedade. Outro fator
agravante é a falta de informação das mulheres acerca dos riscos e meios de
prevenção do HIV. Por fim, identificamos que faltam ainda recursos e ações
governamentais de combate ao HIV/AIDS e mais especificamente ao processo de
feminização da AIDS.
Acreditamos que o número reduzido de mulheres entrevistadas não nos
proporcionou uma visão mais generalizada acerca da temática; outra lacuna que
podemos citar é a falta de literatura que trate do assunto.
Percebe-se, portanto, que o crescente aumento no número de mulheres
infectadas pelo HIV está diretamente relacionado com as desigualdades de gênero
incutidas e culturalmente aceitas pela sociedade. Concluímos que o fenômeno de
feminização da AIDS se dá pela falta de informação das mulheres em relação aos
meios de prevenção do HIV, bem como pela constante violação dos direitos sexuais
das mulheres, afinal constantemente elas são vítimas de violência sexual por seus
parceiros, o que torna este público ainda mais vulnerável ao HIV.
80
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Organization.Gender and reproductive rights.
84
APÊNDICE
85
APÊNDICE A: ROTEIRO DE ENTREVISTA
DADOS GERAIS:
Idade:
1. Cor: () Amarela ( ) Branca ( ) Pardo ( ) Negra ( ) Indígena
2. Bairro:
4. Qual seu grau de escolaridade:
5. Você tem religião? Se sim qual?
6. Orientação Sexual:
7. Estado Civil: ( )Solteira ( ) Casada ( ) Divorciada ( ) viúva ( ) União estável
7. 1. Se mantém algum relacionamento afetivo, quanto tempo?
8. Tem filho?
8. 1. Quantos?
9. Já fez uso de Drogas?
9. 1. Quais?
9. 2. Durante quanto tempo fez uso de drogas?
10. Qual a sua profissão?
11. Já trabalhou anteriormente?
12. Qual sua renda familiar?
MULHERES ABRIGADAS NA CASA DE APOIO SOL NASCENTE
13. Qual a forma de ingresso na Sol Nascente: ( ) HSJ ( ) Indicação ( ) Outros
13. 1. Quanto tempo já esta abrigada?
13. 2. Já tinha sido abrigada anteriormente?
14. 3. Por quanto tempo?
15. 4. Qual o motivo da volta?
MULHERES PARTICIPANTES DO GRUPO” CIDADÃS POSITIVAS”
16. Quanto tempo você participa do grupo?
16. 1. Como você conheceu o grupo?
16. 2. Alguma coisa mudou na sua vida depois que começou a freqüentar o grupo?
SEXUALIDADE
17. Há quanto tempo descobriu ser portadora do HIV?
18. Como contraiu o vírus?
19. È adepta do tratamento antiretroviral?
86
20. Possui parceiro fixo?
21. Seu parceiro possui a doença?
22. Você conhece a camisinha feminina? Já usou?
23. Seus filhos são portadores do vírus HIV?
24. Sua família sabe que você é soro positivo?
25. Como é arelação com a sua família?
26. Como você e seu parceiro sexual lidam com a questão de você ser soropositivo?
27. Quando você descobriu ser portadora do vírus, qual foi a sua reação? E a
reação dele?
28. Como ficou seu relacionamento após a descoberta da doença?
29. Como isso afetou seus outros relacionamentos (Familiares, de amizade, sociais
no geral)?
MULHERES E SEUS DIREITOS.
30. Você conhece a “Lei Maria da Penha”?
31. Você conhece a Política Nacional de defesa dos portadores de HIV?
32. Você conhece o Núcleo de Enfrentamento ao Processo de Feminização da
epidemia AIDS?
33. Como é sua relação com o seu parceiro?
34. Já sofreu algum tipo de violência doméstica?
35. Você já foiforçada a ter relações sexuais sem querer?
36. Já foi forçada a ter relações sexuais sem usar preservativo?
37. Qual a sua compreensão acerca da violência sexual?
38. Já sofreu algum tipo de discriminação ou constrangimento por ser portadora do
vírus HIV? Se sim qual?
39. Você conhece os seus direitos sexuais e reprodutivos?
EXPECTATIVAS DE FUTURO
40. Quais são as suas expectativas de futuro?
41. Como você vê a sua vida daqui a 10 anos?
87
APÊNDICE B: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Convidamos a Sra. para participar da Pesquisa Processo de feminização da
epidemia HIV/AIDS: Perspectivas, sentimentos e cotidiano de mulheres
portadoras do vírus HIV/AIDS, sob execução das pesquisadoras Francis
Emmanuelle Alves Vasconcelos e Anny Priscila Marques da Silva
a qual
pretende identificar os motivos que levam as mulheres a serem as maiores vitimas
da contaminação pelo vírus HIV/AIDS.
Sua participação é voluntária e se dará por meio de entrevista, que consiste
em respostas a perguntas apresentadas ao Sra. pelo pesquisador. A entrevista será
realizada no Grupo CidadãsPosithivas, com duração aproximada de 01 mês, no
dia previamente marcado, de acordo com a sua disponibilidade. Os depoimentos
desta entrevista serão gravados com seu consentimento.
Não há riscos decorrentes da sua participação e a Sra. possui a liberdade de
retirar sua permissão a qualquer momento, seja antes ou depois da coleta dos
dados, independente do motivo e sem nenhum prejuízo a sua pessoa. Se o(a) Sr(a)
aceitar participar, estará contribuindo para estará contribuindo para que esta
pesquisa seja realizada com sucesso e possa servir como subsídio de novas
pesquisas e principalmente atingir o nosso objetivo desejado
Ressaltamos que tem o direito de ser mantido(a) atualizado(a) sobre os
resultados parciais da pesquisa. Esclarecemos que, ao concluir a pesquisa, será
comunicado dos resultados finais.
Não há despesas pessoais para o(a) participante em qualquer fase do estudo.
Também não há compensação financeira relacionada à sua participação. Se existir
qualquer despesa adicional, ela será paga pelo orçamento da pesquisa.
Os pesquisadores assumem o compromisso de utilizar os dados somente
para esta pesquisa. Os resultados da pesquisa serão analisados e publicados, mas
sua identidade não será divulgada, sendo guardada em sigilo.
Em qualquer etapa do estudo, poderá contatar os pesquisadores para o
esclarecimento de dúvidas ou para retirar o consentimento de utilização dos dados
coletados com a entrevista: Francis Emanuele Alves Vasconcelos, fone:
87001203 e Anny Priscila Marques da Silva, pelo fone: 88702932.
88
Consentimento Pós–Informação
Eu,___________________________________________________________,
fui
informado sobre o que o pesquisador quer fazer e porque precisa da minha
colaboração, e entendi a explicação. Por isso, eu concordo em participar do projeto,
sabendo que não vou ganhar nada e que posso sair quando quiser. Este documento
é emitido em duas vias que serão ambas assinadas por mim e pelo pesquisador,
ficando uma via com cada um de nós.
Data: ___/ ____/ ____
________________________________________
Assinatura do Participante
__________________________________________
Assinatura do Pesquisador Responsável
89
APENDICE C: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Convidamos a Sra. para participar da Pesquisa Processo de feminização da
epidemia HIV/AIDS: Perspectivas, sentimentos e cotidiano de mulheres
portadoras do vírus HIV/AIDS, sob execução das pesquisadoras Francis
Emmanuelle Alves Vasconcelos e Anny Priscila Marques da Silva
a qual
pretende identificar os motivos que levam as mulheres a serem as maiores vitimas
da contaminação pelo vírus HIV/AIDS.
Sua participação é voluntária e se dará por meio de entrevista, que consiste
em respostas a perguntas apresentadas ao Sra. pelo pesquisador. A entrevista será
realizada NA Casa de apoio sol nascente, com duração aproximada de 01 mês, no
dia previamente marcado, de acordo com a sua disponibilidade. Os depoimentos
desta entrevista serão gravados com seu consentimento.
Não há riscos decorrentes da sua participação e a Sra. possui a liberdade de
retirar sua permissão a qualquer momento, seja antes ou depois da coleta dos
dados, independente do motivo e sem nenhum prejuízo a sua pessoa. Se o(a) Sr(a)
aceitar participar, estará contribuindo para estará contribuindo para que esta
pesquisa seja realizada com sucesso e possa servir como subsídio de novas
pesquisas e principalmente atingir o nosso objetivo desejado
Ressaltamos que tem o direito de ser mantido(a) atualizado(a) sobre os
resultados parciais da pesquisa. Esclarecemos que, ao concluir a pesquisa, será
comunicado dos resultados finais.
Não há despesas pessoais para o(a) participante em qualquer fase do estudo.
Também não há compensação financeira relacionada à sua participação. Se existir
qualquer despesa adicional, ela será paga pelo orçamento da pesquisa.
Os pesquisadores assumem o compromisso de utilizar os dados somente
para esta pesquisa. Os resultados da pesquisa serão analisados e publicados, mas
sua identidade não será divulgada, sendo guardada em sigilo.
Em qualquer etapa do estudo, poderá contatar os pesquisadores para o
esclarecimento de dúvidas ou para retirar o consentimento de utilização dos dados
coletados com a entrevista: Francis Emanuele Alves Vasconcelos, fone:
87001203 e Anny Priscila Marques da Silva, pelo fone: 88702932.
90
Consentimento Pós–Informação
Eu,___________________________________________________________,
fui
informado sobre o que o pesquisador quer fazer e porque precisa da minha
colaboração, e entendi a explicação. Por isso, eu concordo em participar do projeto,
sabendo que não vou ganhar nada e que posso sair quando quiser. Este documento
é emitido em duas vias que serão ambas assinadas por mim e pelo pesquisador,
ficando uma via com cada um de nós.
Data: ___/ ____/ ____
________________________________________
Assinatura do Participante
__________________________________________
Assinatura do Pesquisador Responsável
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