jovens escolarizados: consciência histórica, narrativa e identidade

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JOVENS ESCOLARIZADOS: CONSCIÊNCIA HISTÓRICA, NARRATIVA E
IDENTIDADE CURITIBANA
GERMINARI, Geyso Dongley – Pós-Graduação em Educação – UFPR
SCHMIDIT, Maria A. – Pós-Graduação em Educação – UFPR
EIXO: Currículo e Saberes / n. 2
AGÊNCIA FINANCIADORA: sem financiamento
RESUMO: O artigo apresenta elementos teóricos que permitem refletir acerca da
dimensão identidária da consciência histórica presente em narrativas históricas de
jovens escolarizados que vivem em Curitiba-Pr, em especifico aponta elementos
teóricos que norteiam a analisa da relação entre a identidade curitibana e a consciência
histórica dos jovens. O estudo realizado dentro do quadro conceitual das investigações
em Educação Histórica, cuja atenção volta-se ao conhecimento sistemático das idéias
históricas de alunos e professores, toma como referência principal a teoria da história de
Jörn Rüsen, particularmente, à idéia de consciência histórica, que segundo Rüsen (2001)
articula o passado como experiência e o presente e o futuro como campos de ação
orientados pelo passado e tem como funções essenciais a orientação temporal e a
criação de identidades individuais e coletivas.
PALAVRAS-CHAVE: Consciência histórica, Narrativa e Identidade.
A pesquisa, com vista ao doutoramento, em fase inicial, insere-se no campo
de analise sobre cognição e ensino de história, frequentemente chamada de
investigação em Educação Histórica.
Dentre as várias abordagens que tomam o ensino de história como objeto, a
Educação Histórica direciona sua atenção à aprendizagem em história, e tem como
pressuposto que “a intervenção na qualidade da aprendizagem exige um conhecimento
sistemático das idéias históricas dos alunos, por parte de quem ensina (exige também
um conhecimento das idéias históricas destes últimos)”. (BARCA, 2005, p. 15)
De acordo com Barca (2005) a análise das idéias históricas exige a
compreensão de que o avanço em história não se mede pela quantidade de
informações factuais acumuladas, mas, pelo grau de desenvolvimento do pensamento
histórico apresentado pelos estudantes.
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Peter Lee pioneiro no estudo de cognição histórica indicou um caminho
para as pesquisas sobre o pensamento histórico, para ele é “(...) necessário haver algo
que as crianças apreendessem progressivamente, que operassem mudanças em suas
idéias e que elas conseguissem perceber essas mudanças”. (LEE, 2001, p. 14)
A progressão de idéias esta relacionada à natureza da explicação histórica,
ou seja, aprender história em termos históricos. O desenvolvimento do pensamento
histórico de crianças e jovens não envolvem apenas o acumulo de informação factual
do passado, implica também que o aluno tome contado com os procedimentos
metodológicos de produção do conhecimento histórico.
De acordo com o modelo proposto por Peter Lee (2001), a progressão da
aprendizagem histórica ocorre pela compreensão sistemática de conceitos substantivos
(agricultor, impostos, datas, eventos), e também pela compreensão de conceitos de 2º,
estes relacionados à natureza do conhecimento histórico, como, por exemplo,
narrativa, relato, explicação histórica, consciência histórica. Como afirma Lee (2001,
p. 15) “é importante investigar as idéias das crianças sobre estes conceitos, pois se
tiverem idéias erradas acerca da natureza da História elas mater-se-ão se nada fizer
para as contrariar.”
No quadro conceitual utilizada pelas investigações em Educação histórica o
conceito de consciência histórica assume posição central, segundo Barca (2007, p.
115)
O conceito de consciência histórica, em debate no âmbito da
filosofia analítica, constitui actualmente um dos objetos centrais de
pesquisa no campo da educação histórica, com a intenção de reunir
dados empíricos que possibilitem um melhor entendimento da
idéias históricas de jovens acerca dos usos da história no seu
cotidiano.
Dentro da linha panorama investigativo da Educação Histórica apresentado
insere-se a presente pesquisa, cujo objetivo é compreender a dimensão identidaria da
consciência histórica presente em narrativas históricas de jovens escolarizados que
vivem em Curitiba-Pr, em especifico analisar a relação entre a identidade curitibana e
a consciência histórica dos jovens.
As discussões epistemológicas de Jörn Rüsen sobre a relação entre história e
as tomadas de decisões na vida quotidiana tem permitido compreender a relação entre
identidade e a consciência histórica dos jovens. Para Rüsen (2001) a consciência
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histórica relaciona-se a necessidade de orientação no tempo do ser humano. Os
indivíduos experimentam no cotidiano mudanças em seu mundo e em si mesmos. Essa
experiência do tempo, que se apresenta como mudança, é percebida como perturbação,
Nas palavras de Rüsen (2006, p. 122) “Há uma experiência universal do tempo que
pode ser chamada ‘contingência’. Contingência significa que a vida humana é
constantemente atormentada por um senso de ruptura, de ocorrências inesperadas como
morte ou nascimento, catástrofes, acidentes, expectativas frustradas”. Essa experiência
de ameaça, causada pelas mudanças, necessita de uma interpretação que possibilite
orientar o agir humano no sentido de superar as dificuldades contingentes da vida
prática. De acordo com Jorn Rüsen (2001, p. 54):
São as situações genéricas e elementares da vida prática dos homens
(experiência e interpretação do tempo) que constituem o que
conhecemos como consciência histórica. Elas são fenômenos comuns
ao pensamento histórico tanto no modo cientifico quanto em geral, tal
como operado por todo que qualquer homem, e geram determinados
resultados cognitivos.
A interpretação orienta o agir humano quando desenvolve um conceito do
curso do tempo, uma noção de ordem temporal que permite a elaboração de respostas
aos desafios da contingência sofrida na vida prática. As contingências significativas em
relação às atividades humanas cotidianas são compreendidas dentro de uma estrutura
temporal de mudança, ou seja, mudanças temporais do mundo e de si mesmo são
interpretadas numa relação de continuidade entre as diferentes dimensões de tempo
(passado, presente e futuro), de tal forma que permita explicar a realidade vivida a partir
dessa noção de continuidade, e, assim, oriente o agir na realidade. Como enfatiza Rüsen
(2006, p. 122) “o trabalho da consciência histórica pode então ser descrita como um
procedimento por meio do qual tal idéia de uma ordem temporal é resgatada”. Ter
consciência história é estabelecer noções de continuidade temporal.
Nesse sentido, a consciência histórica cria sentido à experiência do tempo,
através de operações mentais que articulam as três dimensões temporais (passado,
presente, futuro) num panorama de continuidade, quando a isso Rüsen (2006, p. 122)
afirma que a consciência histórica,
(...) refere-se à experiência da mudança temporal da vida e do mundo,
que pode ser armazenada na memória, dá sentido à mudança do
passado que pode ser aplicada para se entender o presente,
permitindo, assim, às pessoas antecipar o futuro, para conduzirem
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suas atividades a partir de um futuro informado pelas experiências do
passado.
A consciência histórica se realizada a partir de atividades culturais
especificas, ela existe nas práticas de narração histórica, elas constituem a expressão
material do pensamento histórico. A narrativa de uma história é uma prática cultural de
interpretação do tempo, antropologicamente universal. “As mudanças no presente
experimentadas como carências de interpretação, são de imediato interpretadas em
articulação com processos temporais rememorados do passado; a narrativa histórica
torna presente o passado, de forma que o presente apareça como continuação no futuro.
(RÜSEN, 2001, p. 64)
A representação temporal de continuidade constituída pela narrativa
histórica fornece um sentido mais amplo as experiências vividas, amplia a
compreensão da realidade humana, possibilita a percepção de quem somos no quadro
das mudanças do tempo. Porém, a ampliação do horizonte temporal não é suficiente
para qualidade histórica desse retorno ao passado. Essa volta tem que satisfazer uma
dimensão de sentido, na qual o passado, como experiência, torna-se significante para o
presente e para o futuro. Esse perspectiva permite aos seres humanos criarem
identidades históricas que orientarem suas vidas, em outras palavras identificam suas
experiências vividas numa estrutura temporal de pertencimento, ligam a vida
a
processos históricos mais amplos, que ultrapassam a duração da vida de uma pessoa.
Através da consciência os indivíduos fazem o trabalho histórico de rememoração para
não se perderem nas transformações temporais. Como destaca Marília Gago (2007, p.
81)
Para a consciência histórica a formação de identidade constitui
também um elemento importante. A consciência relaciona-se com a
identidade pela extensão da significação do processo temporal dado
ao ‘eu’, ao ‘nós’e a transcendência do segmento da vida individual.
Através da identidade histórica, a pessoa torna-se parte de um todo
temporal maior que sua própria vida.
José machado Pais corrobora as apreensões de Marilia Gago:
Sem consciência histórica sobre o nosso passado (e
antepassados...) não perceberíamos quem somos. Esta
dimensão identidária – quem somos? Emerge no terreno de
memórias históricas partilhadas. Por isso, o sentimento de
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identidade – entendida no sentido de imagem de si, para si e
para os outros – aparece associada à consciência histórica,
forma de nos sentirmos em outros que nos são próximos,
outros que antecipam nossa existência que, por sua vez,
antecipará a de outros. Ao assegurar um sentimento de
continuidade no tempo e na memória (e na memória do
tempo), a consciência histórica contribui, deste modo, para
afirmação da identidade individual e colectiva”. (PAIS, 1999,
p. 1)
Para Gago (2007) e Pais (1999) a consciência histórica tem a função de
criar identidades individuais e coletivas a partir da auto – identificação dos sujeitos no
fluxo do tempo.
Nesse perspectiva sentimento de identidade sustentado pelo
conhecimento da história, distingui-se de uma resposta senso comum diante das
necessidades de orientação temporal, as quais que tem como referencia apenas
sentimentos de identidade local, nacional ou profissional construídas no meio social.
Com afirma Barca (2007, p.116)
Sentimentos de pertença e identidade social (local, regional,
nacional e outras) constroem-se naturalmente no decurso das
diversas vivências quotidianas. Para tal concorrem o meio familiar e
cultural, os mídia, a escola. Mas é sobretudo na escola que a
identidade social é aprofundada e (re)orientanda através da
apropriação que cada um faz da aprendizagem sistemática da
história
A apreensão história da identidade construída na escola, em contato com o
conhecimento histórico, que Barca destaca, constitui o foco principal da presente
investigação. Nesse sentido, a relação que os sujeitos (jovens nascidos em Curitiba-Pr)
estabelecem com o conhecimento no processo de escolarização é compreendida, nessa
investigação, na perspectiva da sociologia da experiência delineada pelo sociólogo
françês François Dubet (2003).
A recente sociologia da experiência estabelece um interessante dialogo no
interior da teoria social. Conceitos chave para sociologia como de sociedade e individuo
e suas relações são revisitados e ampliados. Os conflitos étnicos, a massificação da
escola, as lutas dos movimentos sociais, a globalização cultural e econômica
intensificados na década de 1980 exigem novas abordagens.As mudanças da realidade
exigem a reelaboração teórica que possibilite a explicação de novas facetas do real.
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A sociologia da experiência dialoga com funcionalismo de tradição
durkheimiana, o qual se delineou no contexto da formação dos Estados-Nação no século
XIX, influenciado pelo ideário nacionalista republicano, compreendia a realidade social
de forma integrada, a nação representava a sociedade coesa, um corpo único com
funcionamento autônomo. Nessa concepção a subjetividade dos sujeitos é anulada pelos
valores e regras sociais, o social tem vida própria independente dos sujeitos. Cada
individua cumpre um papel determinado dentro do mecanismo chamado sociedade. A
escola tem a função de ajustar, adaptar e integrar os sujeitos na sociedade, papel
fundamental na manutenção da engrenagem social.
A internacionalização da economia e da cultura fragilizou soberania nacional
e as identidades culturais nacionalistas, as relações similaridade entre o Estado-Nação e
a sociedade perdem a força diante das múltiplas formações sociais.
Os movimentos da realidade geraram múltiplas relações sociais que
inviabilizam as explicações da sociologia clássica (funcionalista), Dubet (2003) insiste
no esgotamento da idéia de uma sociedade unitária fundada em uma única lógica, a qual
determina a vida do sujeito segundo valores externos a ele.
François Dubet (2003) anuncia a “morte da sociedade”, na perspectiva da
sociologia clássica. A vida social contemporâneo permite múltiplas experiências sociais,
determinadas pela ação dos sujeitos nos diferentes espaços de convivência.
A experiência social é o resultado da articulação aleatória entre três
lógicas autônomas, apresentadas a seguir são
•
A integração na qual o ator social é definido pelos vínculos à
comunidade, referência lógica de ação da sociologia clássica.
•
A estratégia onde o ator é definido pelos seus interesses no
mercado, identificada com o capitalismo e o liberalismo,
referência lógica da sociologia da ação estratégica.
•
A subjetivação: o ator é um sujeito critico frente ao sistema de
produção/dominação e alienação. A atividade crítica encontra-se
na capacidade de se distanciar de si e da sociedade, afirmar-se
como sujeito crítico, na distancia ou no engajamento, a
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historicidade sustenta essa lógica. Referência lógica da sociologia
da experiência.
A socialização ocorre de diferentes formas, como valor imposto pelo sistema
(comunidade), enquanto jogo de interesses na forma de manipulação exercida pelo
mercado, e como a subjetivação construída historicamente (não nega a influência
estruturas econômicas e sociais da história) na luta contra a alienação e contra a
dominação. A subjetivação é capacidade dos sujeitos no interior de estruturas históricas
dadas tomarem nas mãos a própria vida, em outras palavras ser sujeito da sua própria
vida.
Nessa perspectiva, há uma pluralidade de sistemas sociais, não há unidade
do social, cada lógica de ação remete a um sistema que é sistêmico. Dubet (2003) não
cai no relativismo absoluto, pois compreende que subjetivação ocorre sob condições
sociais determinadas.
O Conceito de experiência social revela a heterogeneidade dos princípios
culturais e sociais que organizam as condutas dos sujeitos. A identidade construída a
partir deste princípio é um fazer, um trabalho, uma experiência em construção, o
trabalho é objeto de investigação da sociologia da experiência. O sentido da experiência
social não é determinada unicamente pela unidade do sistema, é produto da atividade
humana.
A aprendizagem de história em sala de aula é um trabalho, no qual o sujeito
estabelece relações com o conhecimento mediadas pelas suas múltiplas experiências
sociais construídas ao longo da sua vida, portanto, as experiências forjadas nos
processos de escolarização, particularmente, as relacionadas a construção de identidades
através da aprendizagem de história são passiveis de serem explicadas a partir dos
pressupostos da sociologia da experiências.
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REFERÊNCIAS
BARCA, Isabel. Educação Histórica: uma nova área de investigação? In: ENCONTRO
NACIONAL DE PESQUISADORES DE ENSINO DE HISTÓRIA, 6. 2005, Londrina.
VI Encontro Nacional de Pesquisadores de Ensino de História. Londrina: Atrito Art,
2005. p. 15– 25.
_____. Marcos de consciência histórica de jovens portugueses. Currículo sem
fronteiras, v. 7, n. 1, p. 115-126, jan./jun., 2007.
DUBET, François. As desigualdades multiplicadas. Ijuí: Unijuí, 2003.
_____. A escola e a exclusão. Cadernos de Pesquisa, n.119, p. 29-45, julho/2003
GAGO, Marília. Consciência histórica e narrativa na aula de história: concepções
de professores. Lisboa, 2007. 409 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade do
Minho.
LEE, Peter. Progressão da compreensão dos alunos em História. In: PERSPECTIVAS
EM EDUCAÇÃO HISTÓRICA, 1. 2001, Lisboa. Primeiras jornadas internacionais
de educação histórica. Lisboa: Losografe, 2001
PAIS, José Machado. A consciência histórica e identidade: os jovens portugueses
num contexto europeu. Oeiras: Celta: 1999.
RÜSEN, Jörn. Razão Histórica: teoria da história: fundamentos da ciência Histórica.
Brasília: UNB, 2001.
WAUTIER, Anne Marier. Para uma sociologia da Experiência. Uma leitura
contemporânea: François Dubet. Sociologias. Porto Alegre, ano 5, nº 9, jan/jun 2003, p.
174-214.
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