UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO PEDAGOGIA JULIANA PATRÍCA PEREIRA FORMAÇÃO DO ALUNO SENAI: TEORIA E PRÁTICA SÃO CARLOS - 2009 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO PEDAGOGIA FORMAÇÃO DO ALUNO SENAI: TEORIA E PRÁTICA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência final sob a responsabilidade da Profª Drª Marisa Bittar do Departamento de Educação. SÃO CARLOS - 2009 A meus avós maternos Luiz Alves e Leonilda Ribeiro Alves e, a meus pais Eduardo Pereira Sobrinho e Maria AP. Alves Pereira, pessoas que muito admiro e tanto amo. AGRADECIMENTOS Agradeço a todos os meus professores do curso de Pedagogia como, também, a Tânia, secretária do curso, da Universidade Federal de São Carlos, especialmente aos professores da área de Fundamentos em Educação, os quais me inspiraram a desenvolver esta monografia nesta linha de pesquisa. Dentre esses docentes, agradeço, principalmente, aos Profes Dres Marisa Bittar, Ester Buffa e Paolo Nosella, professores que se dedicaram à minha formação acadêmica mostrando profundo compromisso político com a educação e deixando um excelente exemplo a ser seguido. Para mim, foi um privilégio tê-los como orientadores e avaliadores deste trabalho. Meus agradecimentos, também, a Paulo Roberto de Mello Neves (Diretor), Ana Carolina M. da Silva Nascimento (Orientadora Educacional), Alvaro Rodrigues Gaspar (Coordenador Pedagógico) e a Raquel P. Vasquez Minatel (Bibliotecária), funcionários da escola SENAI “Manoel José Ferreira” da cidade de Rio Claro, os quais colaboraram de modo significativo para o desenvolvimento desta monografia. E, por fim, agradeço a toda minha família de Rio Claro, minhas leais amigas Ana Tatiana Gobato, Andréa Aguilar e Priscila Corrêa, bem como Karina Volpato, Cíntia Faria, Andréa Suzuki, Nide Volpato (“mãe postiça”) e Cristiane Carvalho, as quais estiveram comigo me ajudando em todos os sentidos da minha vida. Estes são meus leais e sinceros agradecimentos. RESUMO Esta monografia cujo título é “Formação do aluno SENAI: teoria e prática” está constituída por dois capítulos. No primeiro capítulo apresento um levantamento histórico sobre o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) fundado em 1942, em meio a um avanço industrial brasileiro, até a década de 1990. E, no segundo, desenvolvo o meu objeto de pesquisa – metodologia de ensino utilizada por essa instituição durante os anos de 1940 a 1970 – enfocando o Método de Instrução Individual cuja fundamentação estava no Método Ativo situado dentro de Séries Metódicas Ocupacionais. O trabalho foi realizado por meio de fontes bibliográficas pesquisadas nas seguintes bibliotecas: Biblioteca da Câmara Municipal, Biblioteca Municipal “Amadeu Amaral”, Biblioteca Comunitária – UFSCAR, Biblioteca da Escola SENAI “Antonio Adolpho Lobbe”, da cidade de São Carlos, Biblioteca SENAI de Rio Claro e, Biblioteca SENAI “Profº João Batista Salles da Silva” de Americana. Palavras chave: SENAI. Aluno SENAI. Educação profissional. Método de ensino. Método de Instrução Individual. QUADRO DE SIGLAS SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial CNI Confederação Nacional da Indústria FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo IDORT Instituto de Organização Racional do Trabalho CEFESP Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional DN Departamento Nacional CLT Consolidação das Leis do Trabalho OIT Organização Internacional do Trabalho CT Centros de Treinamento UM Unidades Móveis SMO Séries Metódicas Ocupacionais SUMÁRIO Introdução-------------------------------------------------------------------------------06 Capítulo 1 1 - A atuação do SENAI no contexto histórico brasileiro------------------------10 Capítulo 2 1 - Formação do aluno SENAI: teoria e prática-----------------------------------21 2 - A metodologia da instrução individual------------------------------------------28 Considerações finais-------------------------------------------------------------------34 Referências bibliográficas------------------------------------------------------------36 Apêndice--------------------------------------------------------------------------------38 INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA Desde 2008, pesquiso sobre o SENAI, mais especificamente a escola SENAI da cidade de São Carlos. Desenvolvi o interesse em pesquisar esta instituição após me integrar no grupo de pesquisa sobre História e Filosofia de Instituições Escolares coordenado pelos Profes Dres Paolo Nosella e Ester Buffa. Desde 1990, ambos professores pesquisam a História e Filosofia de Instituições Escolares. Eles desenvolveram um projeto de pesquisa sobre a escola SENAI Antonio Adolpho Lobbe intitulada A escola SENAI de São Carlos, 1951 – 2001: um Leonardo Mutilado, com o apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Esta investigação tem como fim completar os estudos sobre as mais significativas instituições escolares de São Carlos. Nosella e Buffa realizaram uma série de investigações sobre instituições escolares de São Carlos tais como a Escola Normal, a Escola Profissional, a Escola de Engenharia de São Carlos (USP), consolidando uma linha de pesquisa no âmbito do PPGE/UFSCar, e atualmente, também no âmbito do PPGE/UNINOVE. Vinculado a este projeto maior, instituição SENAI, desenvolvi o meu projeto de pesquisa A Escola SENAI de São Carlos vista pela imprensa local que procura, por meio de jornais da década de 1970, analisar como a imprensa via esta instituição. Inicialmente, o título de minha monografia era “Curso de Quadros: formação de professores do SENAI”. Esse curso foi oferecido no fim da década de 1940 e teve como objetivo preparar os professores para trabalharem adequadamente nesta rede de ensino. Foi então que o assunto despertou meu interesse, pois desejava responder, principalmente, à pergunta: Quais métodos de aprendizagem eram utilizados durante as aulas, ou seja, como e o que ensinavam? Infelizmente, essa pesquisa não me foi possível, pois não encontrei fonte bibliográfica em nenhuma das bibliotecas da cidade de São Carlos, Rio Claro e Americana. Também não encontrei fontes on-line. Mesmo assim, continuei lendo sobre esta instituição. No decorrer da pesquisa, li alguns depoimentos de ex-alunos e ex-professores extraídos do livro “O Giz e a Graxa” a respeito do método de ensino utilizado no SENAI, bem como sobre a preocupação demonstrada em atender aos alunos entre 12 e 14 anos que, ao completarem o 1º grau (Ensino Fundamental), deveriam aguardar a idade mínima de 14 anos para, então, se matricularem num curso de formação profissional. Interessei-me por estes assuntos e, assim, decidi desenvolver este projeto monográfico que apresenta no primeiro capítulo um histórico do SENAI – SP da década de 1940 a 1990 e, no segundo capítulo, uma pesquisa a respeito da educação ofertada pelo SENAI do Estado de São Paulo. Sendo assim, tenho como objeto de pesquisa os métodos de ensino-aprendizagem do SENAI que perpassam, sem especificar, os cursos nem uma determinada escola do sistema, nas décadas de 1940 a 1970. E, como objetivo, responderei às seguintes indagações: de que maneira, o SENAI promovia a educação de seus alunos? Quais métodos colocava em prática? Qual relação que se estabelecia entre professor e aluno? Quais responsabilidades a escola atribuía a seu aprendiz? Esse período foi escolhido porque abrange a transformação do cenário econômico agrário para o industrial pelo qual o Brasil passava e a criação do SENAI. Assiste-se a uma fase do surto da industrialização, um momento de incorporações de novas tecnologias. Todos esses acontecimentos influenciaram e modificaram a educação brasileira, bem como, acredito, forçou a criação do SENAI e influenciou diretamente seus métodos de ensino para que atendesse as demandas do mercado vigente. O ensino industrial, desde os primórdios da República, não estava inserido no rol das preocupações do Governo Federal, o qual cuidava, exclusivamente, da educação para a elite. O ensino profissionalizante, como também o ensino primário, era de responsabilidade dos Estados. Durante a Primeira República, conforme destaca Drucker (1961), não era bem vista qualquer tentativa de generalizar conhecimentos e elevar o padrão cultural da população, pois temiam que o desenvolvimento intelectual se tornasse uma ameaça à ordem social; além do mais, ser uma pessoa culta significava ser uma pessoa improdutiva. O autor ainda salienta que “foi sempre axiomático que um homem que tivesse instrução, ainda que pequena, abandonaria a enxada e a roda da olaria e deixaria de trabalhar com as mãos” (DRUCKER, 1961, apud SENAI, 1992, p. 53). Quando esse princípio fundado na sociedade começou a dar sinais de ruptura, o cenário educacional principiou a tomar novos rumos (ROMANELLI, 1986). A partir da década de 1920 com o impulso da industrialização no Brasil, houve a necessidade de um redirecionamento das prioridades no âmbito educacional. Foi nessa fase – durante as décadas de 1920 e 1930 – que o movimento dos escolanovistas começou a ganhar destaque e, nomes tais como de Anísio Teixeira, Sampaio Dória, Lourenço Filho e Fernando de Azevedo foram incorporados à história da educação, como notáveis personagens elaboradores da modernização da educação e ensino no país. Podemos notar também que a Carta da Constituição do Estado Novo, de 1937, por impulso do movimento renovador da educação, trazia a importância de uma educação profissional, pois impunha à indústrias e aos sindicatos que criassem, na esfera de sua especialidade, escolas de aprendizes, destinados aos filhos de seus operários ou de seus associados (SENAI, 1992, p. 98). Sendo assim, o dever de criar escolas de aprendizes passa a decair sobre as indústrias e aos sindicatos e foi com base nos requisitos desta Constituição, bem como em alguns princípios dos escolanovistas, que o projeto do SENAI foi inicialmente elaborado. A educação preconizada pelo SENAI acompanharia, portanto, uma civilização em mudança cujos princípios podemos encontrar nas teorias pedagógicas de John Dewey (1859 – 1952), mentor do movimento reformador na área educacional conhecido como Escola Nova. Para Dewey o professor e o aluno deveriam trabalhar juntos com materiais concretos. Ambos estabeleciam “uma relação de cooperação, trabalhando em conjunto para atingir um fim determinado (...) Era através do domínio do concreto que os conceitos abstratos de cada ciências iam sendo assimilados e testados na prática” (SENAI, 1991, p. 83). Esse método de ensinoaprendizagem ocorria nas oficinas onde os instrutores ministravam as aulas práticas dedicando a devida atenção aos aprendizes, conforme nos conta a história. Convém destacar, a partir disso, que alguns princípios dos escolanovistas foram praticados no SENAI. Além do aspecto mencionado acima, podemos salientar, também, a música que, segundo eles, era uma atividade que poderia facilitar a apreensão de conceitos abstratos. Uma outra atividade destacada era a ginástica, evidenciando a preocupação com a saúde física. O SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) foi fundado em 1942 em meio ao avanço industrial brasileiro e consequente crescimento na demanda de mão-de-obra. Era necessário uma mão-de-obra preparada e qualificada que atendesse às exigências do mercado industrial. Esta instituição veio com o objetivo de dar uma resposta rápida no que tange à preparação de pessoal para o trabalho industrial. Dessa forma, procurou suprir primeiramente às demandas mais urgentes criando os Cursos de Emergência de curta duração, os quais eram: mecânica, caldeiraria, ferraria, solda, fundição e eletrotécnica, bem como cursos de preparação para os seus professores. Conforme a análise de Cunha (s.d.), o SENAI, como um sistema de ensino técnico industrial, foi criado sob a vertente das escolas profissionais para operários. Em vista do destacado papel que esta instituição conquistou ao longo dos tempos em nosso país, esta pesquisa é relevante, pois estudando como o SENAI educava seus aprendizes e qual importância dava a esse processo, contribuirá para compreendermos o por que esta instituição ainda é muito procurada por aqueles que desejam se formar num curso técnico profissional de alta qualidade. CAPÍTULO 1 1 – A atuação do SENAI no contexto histórico brasileiro. Ao analisarmos o histórico do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), podemos compreender a relevância que esta instituição educacional profissional foi construindo ao longo dos anos e como permanece conceituada pelas regiões do Brasil. Desse modo, apresento, neste primeiro capítulo, um levantamento histórico sobre o SENAI focalizando-o no Estado de São Paulo, desde a sua criação em 1942 até a década de 1990. Na década de 1930, o Brasil passou gradualmente por transformações econômicas significativas. Ele deixava de ser “um país essencialmente agrícola” para aparecer ao mundo como nação industrial, como salienta Fonseca (1986). Frente a esse novo cenário, tornava-se difícil que os governos voltassem sua atenção ao serviço destinado ao preparo de pessoal às novas fábricas, as usinas e as oficinas que conquistavam espaço. Essa transformação mexeu nas estruturas econômicas, sociais e políticas. Dessa maneira, e não poderia ser diferente, a educação sofreu influências dessa nova sociedade. Com a instalação do Ministério da Educação e Saúde Pública, as Escolas de Aprendizes Artífices foram desligadas do Ministério da Agricultura. Tal ação evidenciou que o foco agora era cuidar da Educação e não mais da Instrução, conforme conclui Fonseca (1986). Essa providência possibilitou um horizonte mais largo às escolas profissionais sob a responsabilidade federal e surgiram esperanças, que o tempo tornaria em realidade, de obtenção de maiores recursos financeiros, de modo a tornar possível a melhoria geral dos prédios e das instalações de oficinas (FONSECA, 1986, p. 225). Atendendo aos requisitos mencionados pelo autor, o Governo criou a Inspetoria do Ensino Profissional Técnico, um órgão vinculado ao Ministério da Educação e regulamentado pelo decreto 21.353, de 3 de maio de 1931. Este órgão tinha como função dirigir, orientar e fiscalizar os serviços relativos ao ensino profissional técnico. Após dois anos, a Inspetoria é transformada em Superintendência do Ensino Profissional e, em 1937, com a reforma do Ministério da Educação e Saúde Pública realizada pelo então Ministro da Educação, Gustavo Capanema, a Superintendência é extinta e seus encargos passam para a Divisão Nacional da Educação, a qual seria órgão do Departamento Nacional da Educação. Uma outra transformação realizada durante a reforma de Capanema, colocou fim à existência da Escola Normal de Artes e Ofícios Venceslau Brás, e criava, em seu lugar, um liceu profissional. De fato, o artigo 37, da Lei 378, dizia: A Escola Normal de Artes e Ofícios Venceslau Brás e as Escolas de Aprendizes, mantidas pela União, serão transformadas em liceus, destinados ao ensino profissional, de todos os ramos e graus. E logo a seguir, no parágrafo único, do mesmo artigo, aparecia a promessa de que novos liceus seriam instituídos, para programação do ensino profissional dos vários ramos e graus, por todo território do país (FONSECA, 1986, p. 229). De fato, o ensino industrial atraia a atenção do Governo. A Constituição de 10 de novembro de 1937 atribuía o ensino público, vocacional e profissional, ao Estado, o qual teria o dever de fundar institutos de ensino profissional. Além disso, a Constituição regia que o dever de criar escolas de aprendizes para filhos de operários ou de associados, caberia às indústrias, bem como aos sindicatos econômicos. Podemos considerar que a Constituição de 1937 trouxe um avanço no que tange à importância do ensino industrial, pois fora a primeira a tratar desse nível de ensino. Com o decorrer do tempo, a questão da educação profissional foi-se estendendo e os intelectuais cada vez mais passaram a se empenhar em estudos a fim de desenvolverem propostas de cursos de formação e aperfeiçoamento profissionais aos trabalhadores. Sendo assim, em 1940, o decreto 6029 aprovou o regulamento para instalação e o funcionamento dos cursos profissionais, porém este decreto não foi definitivo. A solução seria consubstanciada no decreto-lei nº 4.048 que criou o SENAI pautando-se nas Leis Orgânicas. O ensino técnico profissional foi estruturado pelas Leis Orgânicas que começaram a ser promulgadas em 1942. A Lei Orgânica do Ensino Industrial foi sancionada em 30 de janeiro de 1942 pelo decreto nº 4.073. Enquanto as camadas médias e superiores se dirigiam, sobretudo, ao ensino secundário e superior com o objetivo de serem um dia dirigentes e lhes acrescentar prestígio e status, as camadas populares procuravam em maior quantidade as escolas primárias e as profissionais para serem trabalhadores. Conforme salienta Romanelli (1986), o ensino profissional, após a promulgação das leis orgânicas, passou a ministrar cursos de formação cuja duração se assemelhava à do ensino secundário e cursos de aprendizagem, de preparo rápido, além dos cursos de aperfeiçoamento e especialização. Podemos mencionar também, ainda com base na autora, que após a criação do SENAI e do SENAC, ambas as instituições passaram a ministrar preferencialmente cursos que ofertavam uma formação rápida e de qualidade. Fonseca (1986) ressalta que a Lei Orgânica expressava uma preocupação com o aspecto econômico da vida pós-escolar dos indivíduos que seguissem os cursos industriais. Além disso, defendia “uma fácil adaptação profissional ao trabalho futuro, evitando, durante o período de formação nas escolas, uma excessiva especialização” (FONSECA, 1986, p. 14). Sob essa óptica, a Lei Orgânica tinha como objetivo que cada aluno aprendesse não apenas uma técnica, mas, antes, grupos de ofícios semelhantes de tal forma a terem condições de encontrar ocupação na indústria com maior facilidade. Para falarmos do SENAI devemos, antes, voltarmos a nossa atenção a Roberto Mange, principalmente, e a Roberto Simonsen, os dois projetistas desse sistema educacional. Roberto Simonsen, engenheiro e empresário, que foi presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), utilizava os métodos racionais na gerência de projetos de construção e Roberto Mange, professor da Escola Politécnica de São Paulo, trabalhava com a psicologia aplicada ao estudo do fator humano no campo da produção. Ambos, desde a década de 1920, vinham desenvolvendo várias experiências que visavam a colocar o Brasil em contato com a modernidade. O que significava ser moderno naquela época? Ser moderno era ser um país industrializado. Roberto Mange fez parte de uma comissão de especialistas na formação para o trabalho industrial que foi criada, em 1934, pelo Ministro Capanema. Esta comissão tinha como objetivo formular um Plano de Formação Profissional (FERRO, 2003, p. 65). Este professor defendia a concepção de que o mecânico, no curso de Mecânica Prática oferecido no Liceu de Artes e Ofícios, deveria desenvolver o seu trabalho de forma acurada, perfeita e rápida, promovendo dessa maneira, a expansão da atividade industrial. Essa era a formação adequada, pois “os trabalhadores com conhecimento prático adquirido no local de trabalho e o trabalhador estrangeiro, dito qualificado eram inadequados à expansão da indústria” (RIBEIRO, 2005, p. 220). A concepção de Mange era de que esses trabalhadores perdiam tempo com movimentos desnecessários pois executavam trabalhos repetindo uma série de vícios. Ribeiro (2005) comenta que este trabalhador era o “artífice formado de modo racional e verdadeiramente adequado à indústria” (RIBEIRO, 2005, p. 220). A primeira instituição do processo de racionalização do trabalho nas oficinas ferroviárias, conforme Ribeiro (2005), foi o CEFESP1 cuja finalidade era se responsabilizar pelo estudo do parcelamento do ofício de mecânica e pelo recrutamento científico de trabalhadores, pelo método psicotécnico. Esse método racional de formação de trabalhadores foi aplicado por Mange em diversas instituições paulistas. Uma delas, como já mencionada, foi na Escola Profissional Mecânica do 1 O CEFESP (Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional) apresentava idéias semelhantes à idéia de Taylor que preconizava a redução dos custos na produção por meio de um escrutínio das tarefas, dos tempos e também dos movimentos para assim, estabelecer padrões de produções otimizando o tempo de trabalho. Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo na década de 1920. Em sua carreira profissional, continuou com seus esforços aprofundando os estudos sobre esse método, tanto que, em 1931, foi fundado em São Paulo o Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT), o qual se transformou na principal agência de propaganda da organização racional do trabalho e, se dedicou na elaboração de um projeto especial a fim de organizar o Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional (CEFESP). O IDORT tinha por objetivo incentivar a adoção de princípios da Organização Racional do Trabalho, em diversos setores da sociedade, colocando os graves problemas por que passava o Brasil, com a pós-crise de 1929 e a Revolução de 1930 (O GIZ E A GRAXA, 1992, p. 58). Seu princípio era “produzir mais e produzir melhor em um lapso de tempo curto” (MICELI, 1992, p. 138). Conforme Vidigal Moraes (1996, p. 141), Roberto Mange defendia a formação especializada e esta posição se identificava com as concepções dos liberais reformadores juntamente com seus aliados, ou seja, os educadores da renovação educacional, também conhecidos como os Pioneiros da Escola Nova. As atividades desenvolvidas por Mange, Simonsen e seus colaboradores do Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional passam a ganhar amplitude. A consequência foi a criação de uma nova estrutura de ensino industrial que mesclando os interesses dos industriais e a experiência dos técnicos envolvidos, recebeu o nome de Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) por meio do Decreto-lei nº 4.936, de 7 de novembro de 1942. Anteriormente a esse decreto, o SENAI era uma sigla que significava Serviço Nacional de Aprendizagem dos Industriários (FERRO, 2003). Uma corrente apoiada pela Federação das Indústrias de São Paulo defendia a implantação de um sistema de aprendizagem industrial diretamente ligado à indústria e suas necessidades práticas. Esta corrente tomava como base a, então, Escola Profissional Mecânica do Liceu de Artes e Ofícios e do Serviço de Ensino e Seleção Profissional de Ferro Sorocabana que tiveram experiências bem sucedidas. Essas experiências foram a base para a estruturação do SENAI. O Ministro da Educação, Gustavo Capanema, delegava ao SENAI a formação profissional dos aprendizes. Em sua concepção havia necessidade de que a educação industrial não se preocupasse apenas em prover a preparação técnica do trabalhador, mas também, dar importância em preparar o seu lado humano. Para o Ministro, a educação profissional não deveria transformar o indivíduo em homem máquina, mas ao mesmo tempo, trabalhar sua formação técnica e humana, ou seja, preocupar-se com seu lado moral, cívico e patriótico, “o que quer dizer que o principal critério da formação do trabalhador nacional tem que ser precisamente este – o de atingir, a um tempo, a sua preparação técnica e a sua formação humana” (SCHWATZMAN, S. et al, 1984, p. 240). Nesse ínterim, projetos sobre educação profissional foram apresentados e dentro da chamada Reforma Capanema, em 22 de janeiro 1942, o Serviço Nacional de Aprendizagem dos Industriários (SENAI) foi criado. Um ano antes, 1941, Roberto Simonsen, Euvaldo Lodi e Valentim Bouças foram convocados por Getúlio Vargas para definirem as estruturas do sistema de formação profissional para um novo projeto de lei. Para desenvolver tal trabalho, Roberto Mange, João Luderitz e Joaquim Fariam Góes Filho, técnicos experientes, foram convidados a prover a ajuda necessária. Criaram então, o Serviço Nacional de Seleção, Aperfeiçoamento e Formação dos Industriários (SENAFI) o qual oferecia cursos que não formavam de modo completo o seu aluno como, também, não atendiam de forma satisfatória as aspirações dos empresários. Dessa maneira, em 1942, Getúlio Vargas assinou o decreto nº 4.048. O SENAI foi fundado em meio a um avanço industrial brasileiro e consequente crescimento na demanda de mão-de-obra. Era necessária uma mão-de-obra preparada e qualificada que atendesse às exigências do mercado industrial. Esta instituição veio com o objetivo de dar uma resposta rápida no que tange à preparação do trabalhador industrial. Dessa forma, o Sistema SENAI procurou suprir primeiramente as demandas mais urgentes criando os Cursos de Emergência de curta duração que eram: mecânica, caldeiraria, ferraria, solda, fundição e eletrotécnica. Como destacado pela autora Marcílio (2005) “essa entidade achava-se subordinada diretamente à Confederação Nacional da Indústria e era administrada por um Departamento Nacional e por Departamentos Regionais” (MARCÍLIO, 2005, p. 286). Segundo o Relatório de 1948 editado pelo Departamento Nacional (DN), o SENAI, desde a sua criação, já apresentava três fases notadamente distintas. Destaca-se que “a primeira veio com a implantação inicial do Departamento Nacional e dos órgãos locais e com o estabelecimento de escolas de emergência em prédios alugados, desprovidos de oficinas” (RELATÓRIO DE 1948 apud MICELI, 2002, p. 25). Mesmo assim, desprovidos de locais de oficinas, o Relatório sublinha que esta fase abriu as portas para uma arrancada inicial das atividades e permitiu também “uma tomada de contato com as empresas industriais e com todos os problemas de matrícula dos menores” (RELATÓRIO DE 1948 apud MICELI, 2002, p. 25). O Decreto-lei nº 4.048, sustentava as atividades dessa instituição, inicialmente, arrecadando 2 mil réis mensais por empregado das empresas filiadas à Confederação Nacional da Indústria. Mais tarde, em 1944, houve um rearranjo neste sistema, o qual passou a arrecadar cerca de 1% do valor total da folha de pagamento das indústrias, conforme o Decreto nº 6.246. A segunda fase é caracterizada pela compra de terrenos, pois havia necessidade de construírem prédios adequados para o desenvolvimento dos programas de ensino profissional. Nesses novos prédios foram incluídas oficinas de aprendizagem e os cursos passaram por uma organização e reformulação. Após seis anos de sua criação, a terceira fase é classificada como a ação em profundidade e, segundo o Relatório de 1948, nesta fase, o objetivo era dar atenção especial ao problema da qualidade de ensino, do rendimento escolar e também adequar os cursos de forma a atender às exigências das indústrias. O SENAI ganha importância às vistas do Estado quando este passa a se responsabilizar pela organização e administração, no Brasil, de todas as escolas de aprendizagem para industriários. Por meio do decreto – lei nº 5.091, o SENAI passa a definir o conceito de aprendiz como o trabalhador maior de 14 anos e menor de 18 anos. O tempo entre a idade que o adolescente completava o ensino primário e aguardava ingressar no SENAI aos 14 anos ficou conhecido como hiato nocivo, isto é, período de 2 anos vazio e prejudicial. O hiato nocivo correspondia a um intervalo de cerca de 2 anos em que o jovem deixava de estudar, por volta dos 12 anos, e ainda não podia trabalhar. De fato, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) mostra que, apenas com 14 anos completos um menino poderia ser contratado por uma indústria, na concepção de aprendiz. Por outro lado, o ensino primário, único ao alcance das famílias de baixa renda, na época, liderava grande contingente de alunos com cerca de 12 anos (O GIZ E A GRAXA, 1992, p. 70). Diante dessa situação, o SENAI elaborou uma nova proposta a fim de solucionar essa “quarentena” onde o indivíduo permanecia, tal como numa fase de espera, estagnado duma evolução intelectual e também de uma preparação para o trabalho. Elaboraram-se, assim, os cursos vocacionais cuja finalidade era desenvolver nos discentes atividades manuais, melhorar seu capital cultural e orientá-los na escolha de uma profissão segundo suas aptidões. Em 1948, já presente em 18 Estados brasileiros, oferecia 431 cursos de formação de artífices e 30 de aperfeiçoamento, além de outros 145 cursos de outras modalidades. Nesta mesma década, o DN “assegurava a oferta de cursos de aperfeiçoamento a professores e instrutores das unidades regionais, enviando-lhes, periodicamente, técnicos graduados” (MICELI, 2002 p. 31). Essa sistemática trouxe grande benefício, pois permitia uma troca de experiência entre as unidades possibilitando a identificação das deficiências, constituindo-se em mecanismo de constante avaliação em âmbito institucional e também contribuiu para a formação complementar mais aprofundada do corpo docente. Ainda na época da criação desta instituição, nota-se a necessidade de uma unidade de diretrizes e de política educacional, mesmo sob a ótica de um sistema flexível e adaptável às variedades de cada região industrial do Brasil. Com respeito ao ensino, competiam ao DN as seguintes tarefas: (a) desenvolver estudos para identificar as necessidades de mão-deobra e mercado de trabalho no setor industrial; (b) propor ao Conselho do Senai, segundo as necessidades indicadas por tais estudos, quais cursos deveriam ser mantidos pelo Senai, o que incluía a elaboração de programas, a coordenação e o controle de seu funcionamento; (c) estabelecer as diretrizes gerais do ensino industrial, em âmbito nacional; (d) oferecer assistência técnica aos Departamentos Regionais para elaboração de material didático e provas de avaliação, assim como para aperfeiçoamento de docentes; (e) oferecer assistência técnica aos Departamentos Regionais para implantação de novos cursos ou oficinas de ensino; (f) elaborar as provas finais dos cursos e (g) desenvolver pesquisas sobre temas ligados à educação no campo da aprendizagem, além de colher e analisar dados estatísticos reveladores de realizações e rendimentos escolares (MICELI, 2002, p. 34). Já na esfera administrativa coube ao DN a responsabilidade pelo controle financeiro e contábil, pelo patrimônio e também pelas diretrizes gerais do SENAI, em termos nacionais. O DN viu a necessidade de oferecer também cursos de preparação adequada ao corpo docente. Esses cursos receberam o nome de Curso de Quadros, um curso de seis meses cujo objetivo era preparar instrutores e professores para serem educadores do SENAI. Essa preocupação com os instrutores e professores não se deu somente por parte desta instituição, mas também por parte da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A OIT, também treinou os administradores, trabalhou na elaboração de material didático, na organização de cursos e no aperfeiçoamento dos métodos de ensino. Além disso, ela mandou à Europa, a fim de conhecer o sistema de ensino técnico e os processos de aprendizagem nas empresas européias, os diretores, técnicos e instrutores do SENAI como estagiários. Com a eleição de Juscelino Kubistschek (1956 – 1961) para Presidente da República, seu governo promoveu a industrialização do país que ocorreu de forma “rápida” 2. Diante disso, o SENAI teria que novamente se atualizar para suprir as demandas. Para solucionar os novos problemas de mão-de-obra, o GEIA (Grupo Executivo da Indústria Automobilística) firmou, em 1958, um Acordo Básico de Treinamento com a participação dos Sindicatos das Indústrias de Veículos Automotores e de Autopeças, o SENAI, a Confederação Nacional da Indústria, e da Federação das Indústrias de São Paulo. Conforme nos informa o próprio SENAI “a partir deste Acordo Básico, o SENAI – SP desenvolveu programas especiais para formar operários, mestres, supervisores e auxiliares técnicos e administrativos em várias empresas” (SENAI, 1992, p. 34). Porém, não parou por aí, entre 1958 e 1962 houve uma amplificação de sua programação de treinamento. Esta instituição reativou os cursos noturnos que sofreram fortes impactos durante a II Grande Guerra e, passou a oferecer o primeiro curso de formação técnica no segundo grau, na habilitação têxtil. Como vemos na história brasileira, na década de 1970, a industrialização continuou crescendo e, com ela, também o Sistema SENAI. A partir de 1973 foram criados pela instituição, os Centros de Treinamento (CT) e as Unidades Móveis (UM). Sobre esta última, a Comunicação/Senai fez o seguinte destaque em 1975, página 03: O SENAI – SP, no propósito de levar os benefícios de ensino profissional às regiões distantes, onde poucos têm condições de sair em busca de uma escola, criou uma nova e mais eficiente fórmula, as Unidades Móveis, que nada mais são do que escolas móveis de fácil locomoção, que podem ser levadas de cidade para cidade, permitindo assim, aos que trabalham em locais distantes dos centros escolares, atualizarem os seus conhecimentos e obterem uma técnica profissional condizente com a realidade industrial brasileira (SENAI, 1992, p. 40). Quanto aos Centros de Treinamento, sua proposta era prover a preparação, a prazo relativamente curto, de mão-de-obra qualificada necessária à demanda do mercado de trabalho. Tais Centros foram implantados em 1973. Já em 1977, houve uma evolução absoluta da capacidade de atendimento, conforme menciona o DN. Havia 301 unidades distribuídas pelas 5 regiões do Brasil, sendo que 158 foram construídas somente na região sudeste. Essa evolução “deveu-se, basicamente, ao encolhimento das ações desenvolvidas pelos programas de acordo de isenção com as empresas e convênios com órgãos públicos” (MICELI, 2002, p. 55). 2 O Prof. Dr. Paolo Nosella considera que a industrialização brasileira foi tardia, lenta, rarefeita e agressiva. Em relação a matrículas, estas chegavam a quase 600 mil. E neste mesmo ano, o SENAI se dedicou a estudos e programas de assistência técnica o que contribuiu para o aumento de matrículas nos cursos que eram oferecidos por acordos de isenção com empresas. Nos cursos de qualificação para trabalhadores adultos, principalmente, foram matriculados cerca de 140 mil alunos somente em 1979. E assim, no fim da década de 1970, somava-se um total de 326 unidades operacionais distribuídas pelo país. Com quase 40 anos de crescimento no Brasil, o SENAI enfrenta a forte crise econômica dos anos 80. O país passava por altas inflações que atingiam 211% e uma queda acentuada na produção de -3,9%. Um outro problema era o crescimento do desemprego que subira para 28,4% contra apenas 2,8% do crescimento da população economicamente ativa. Mesmo diante desse quadro, o SENAI não deixou que influências negativas do sistema econômico destruíssem o seu importante papel como instituição profissional construído ao longo de sua história. O DN passou a implantar “propostas de aperfeiçoamento dos métodos do sistema modular na formação profissional, criada como uma resposta imediata à satisfação do mercado de trabalho” (MICELI, 2002, p. 60). Com base nos estudos de Miceli (2002), foram desenvolvidos 30 programas e 115 projetos, os quais tinham as metas de expandir e melhorar os Programas de Formação Profissional do SENAI e a Assistência Técnica às Empresas Industriais. De acordo com dados do SENAI, passados os anos de crise, em 1985, o Sistema atingia por volta de 600 unidades operacionais atuando em 1.900 municípios e com cerca de 7 milhões e meio de alunos. Em 1992, o DN definiu as diretrizes que norteariam as linhas de ação do Planejamento Estratégico e Integrado do Sistema SENAI para os próximos cinco anos (1993 –1997). Segundo o Relatório do Departamento Nacional (1993), o compromisso do Senai com este planejamento foi “como um marco na administração institucional, sempre em busca de melhor desempenho e de oportunidades para maximizar resultados, elevando, consequentemente, a qualidade dos serviços e produtos” (RELATÓRIO DE 1993 apud MICELI, 2002, p. 75). Quanto aos resultados desse novo planejamento destaca-se a criação dos Centros Nacionais de Tecnologia (Cenatecs) em 1993. Afirmava-se que nesses Centros estava o futuro tecnológico da instituição, pois eles atuariam como força motriz no avanço tecnológico. Já em 1997, o SENAI apresenta uma nova estrutura, um novo modelo organizacional, visando a proporcionar maior flexibilidade organizacional e adequação a mudanças estratégicas, aperfeiçoando a comunicação interna e melhorando a capacidade de resposta aos clientes e a interação entre pessoas e equipes (MICELI, 2002, p. 77). Além disso, desenvolveu cursos de nível superior com graduação e pós-graduação. Portanto, podemos concluir que desde a criação do SENAI, em 1942, este vem aperfeiçoando os seus cursos oferecendo a melhor educação possível aos alunos de tal forma a atingirem os requisitos exigidos pelo mercado de trabalho. O percurso dessa escola é caracterizado por inovações e renovações no processo de ensino-aprendizagem, explicando o valor educacional que esta instituição conquistou ao longo dos anos. CAPÍTULO 2 1. – Formação do aluno SENAI: teoria e prática Durante a Baixa Idade Média havia uma hierarquia bem definida que organizava a relação entre os educadores e os aprendizes nas Corporações de Ofício. A hierarquia também definia as atribuições nessas Corporações, organizando-se da seguinte maneira: 1º) mestres; 2º) aprendizes; 3º) operários. O aprendiz, um rapaz entre 12 e 14 anos de idade, era entregue aos mestres artesãos. Este jovem, então, passava a morar na casa do seu mestre, onde prestava serviços domésticos. A recompensa ocorria em forma de troca, ele recebia alimentação, roupas e instrução no ofício. Além disso, na fase final de aprendizagem, o aprendiz passava a receber salário e ferramentas, bem como tinha direito de receber uma doação em dinheiro para financiar o seu início de carreira independente (SENAI, 1992, p. 97). O processo de ensino-aprendizagem se dava na intimidade cotidiana. Durant (s. d.) destaca que neste cotidiano “a vida em família e as relações de trabalho não tinham uma fronteira nitidamente delimitada. O mestre tinha amplos poderes para disciplinar o aprendiz” (DURANT, s. d., p. 636 apud SENAI, 1992, p. 97). Quanto a essa relação de ensino-aprendizagem, Manacorda (1989) salienta que Os aprendizes (...) são para todos os efeitos discípulos, e os próprios nomes (...) expressam claramente uma relação educativa: magistri e discipuli. Estes últimos participam do trabalho, mas visando a aquisição dos conhecimentos e das habilidades da profissão. Aqui não há separação entre o trabalhar e o aprender; uma coisa é também outra, de acordo com as características imutáveis de toda formação através de aprendizagem, própria, em todos os tempos e lugares, a quaisquer atividades imediatamente produtivas. Os adolescentes aprendem não num lugar separado do lugar de trabalho dos adultos. Não é uma escola do trabalho, pois o trabalho é a escola; somente se vão acrescentando a eles os aspectos intelectuais (MANACORDA, 1989, p. 162). Ao longo dos tempos, foram ocorrendo transformações nas relações de trabalho, porém podemos notar que no século XX o modelo medieval ainda se impunha como referência obrigatória, no sentido de tornar impossível abortar a experiência dos mestres e aprendizes medievais na educação profissional, conforme mencionado no livro O Giz e a Graxa (1992). Essa fase histórica tão importante influenciou a Carta da Constituição de 1937 que impunha às indústrias e a sindicatos econômicos criar no âmbito de sua especialidade, instituições escolares de aprendizes. As vagas nestas escolas acabaram sendo destinadas aos filhos de seus operários ou de seus associados como, por exemplo, ocorreu no SENAI. O aluno SENAI era encarado como um pequeno operário relativamente independente. Mas quem era esse aluno SENAI na década de 1940? Segundo as pesquisas realizadas pelo Profº Antonio D`Ávila, o aluno SENAI, nesta década, é considerado um adolescente comum, porém explica que apresenta ponto de convergência de influências deformativas da personalidade, tais como: “falta de assistência familiar, trabalho desinteressante, má habitação e alimentação, ambientes inadequados, convívio demorado com adultos deseducados precocidade de responsabilidade, etc” (D`AVILA, 1946 apud SENAI, 1992, p. 102). Este operário, ainda que menor, sabia se comportar dentro da fábrica como um homem o qual produzia e ganhava seu salário. Por esse motivo, o aluno SENAI angariava um diferencial em relação àqueles que frequentavam outras instituições escolares industriais ou secundarias. Embora, as Leis Orgânicas tivessem aberto caminho para que o ensino oficial ministrasse formação de vários tipos, seu aluno não seria instruído da mesma forma que um aluno matriculado num Sistema SENAI, pois não apresentava condições de comandar o treinamento rápido de mãode-obra que atendesse o mercado em expansão. Ao analisar esse contexto, Romanelli (1986) destaca que: Se a escola tentasse dar, além de formação técnica básica, também o treinamento, ela teria de passar por uma constante “reciclagem”, com revisão cotidiana de conteúdo, método, aparelhamento etc., o que seria impossível para o sistema. Por outro lado, a preparação elementar, que pode e deve dar os cursos de aprendizagem, também tem de sofrer “reciclagem” constante, o que onera demasiadamente o sistema escolar. (ROMANELLI, 1989, p. 168). Podemos, portanto, compreender porque seria inviável que a educação profissional fosse ministrada pelo ensino oficial, pois frente a um cenário de constantes transformações, o sistema educacional obviamente deveria passar também por renovações frequentes, ou seja, deveria haver um processo de “reciclagem”, assim como mencionou a autora. É por esse motivo que, tanto o SENAI como o SENAC tiveram mais oportunidades de obter êxito na preparação de mão-de-obra e, também, ao se compromissarem com a preparação elementar e rápida oferecida por cursos de aprendizagem. Porém, o percurso histórico do SENAI não se construiu somente de sucessos. Visto que, na década de 1950, o SENAI enfrentava dificuldades para contratar instrutores de nível profissional elevado, a crítica que se fazia era em âmbito qualitativo educacional. Conforme salienta Morelli (1991), nem todos os instrutores tinham um conhecimento técnico razoável para ser instrutor. A fonte de auxílio principal nesse caso eram as apostilas, que se não fosse por elas, o curso passaria em vão (MORELLI, 1991 apud SENAI, 1992, p. 123). O despreparo do instrutor culminava em má formação do aluno SENAI o qual via seu instrutor como modelo. Sendo assim, os resultados desencadeavam uma série de críticas referentes ao aluno no mercado de trabalho. Alguns empresários mencionavam que os alunos não desenvolviam a autonomia, não tomavam iniciativa e não eram criativos. Nesse cenário o que se podia concluir era que, havia extrema necessidade e urgência de um novo perfil de aluno, bem como novos métodos de ensino-aprendizagem. Porém, nem sempre é possível prover respostas rápidas e satisfatórias aos problemas existentes. O sistema educacional do SENAI passou por esse impasse. Aplicar mudanças não significou apenas alterar o currículo, modificar o material didático e treinar o corpo docente em técnicas específicas. Foi mais que isso, envolveu “mudança de “postura”, tanto por parte dos dirigentes e técnicos quanto por parte dos docentes. Isso significa quebrar procedimentos, atitudes, crenças, métodos, rotinas de trabalhos cristalizados há décadas” (SENAI, 1992, p. 124). Além disso, uma luta teve que ser travada a fim de combater certas atitudes e comportamentos engendrados ao longo do percurso desta instituição que são, evidentemente, reflexos do contexto histórico, da moral e das idéias vigentes na sociedade. É importante destacar que essa “mudança de postura” não implicou na rejeição dos métodos pedagógicos tradicionais utilizados no processo de ensino-aprendizagem. O que sinalizavam era a necessidade de desenvolverem novas estratégias de trabalho de aplicação das Séries Metódicas (como veremos adiante). Era preciso mais agilidade e, abrir margem para que o instrutor tomasse mais iniciativa. Com o surto da industrialização na década de 1970, tanto os dirigentes quanto os professores do SENAI sentiram a necessidade de adquirirem conhecimento das novas técnicas engendradas no mercado e incorporá-las na instituição. Era de grande importância buscar sua atualização para que o SENAI pudesse continuar mantendo o equilíbrio SENAI – Indústria, visto que no início de 1970 a escola ainda estava trabalhando com montagem de rádio a válvula, por exemplo. Diante de uma nova organização de mercado, aligeirou-se o processo de adaptação da infraestrutura de suas oficinas às novas demandas do avanço tecnológico. E, assim, as atividades desenvolvidas foram guiadas por dois caminhos antagônicos, embora complementares, pois houve um trabalho no sentido de acompanhar a evolução da tecnologia presente e, ao mesmo tempo, fornecer mão-de-obra seguramente adequada a trabalhar com a tecnologia convencional. Os métodos de ensino adotados pelo SENAI traziam em seu cerne a concepção de que não deveria ser o professor o sujeito responsável a inculcar a matéria ao aprendiz, mas sim o próprio aluno é quem deveria manifestar o desejo de adquirir os conhecimentos. Esse processo envolvia desvendar o como se desenvolvia e o porquê da prática e da teoria de sua profissão. Nesta instituição, a aprendizagem era a tarefa primordial. Segundo os idealizadores do SENAI, seus objetivos só seriam alcançados plenamente mediante a efetiva integração Escola – Empresa – Comunidade. Em vista disso, as unidades escolares participavam de forma significativa em todos os movimentos e comemorações de caráter cívico, cultural e esportivo, principalmente, as comemorações de âmbito nacional ou regional. A cooperação das empresas na educação profissional de seu futuro trabalhador trazia muitos benefícios ao SENAI, porém podemos concluir que tais benefícios ocorreram de modo recíproco, pois conforme é mencionado no Relatório de 1974 publicado pelo SENAI as empresas oferecem a matéria-prima necessária à execução das tarefas e recebem produtos semi-acabados ou acabados sem ônus de mão-de-obra; as unidades escolares tem a oportunidade de proporcionar a seus alunos condições de trabalho, as mais reais possíveis, bem próximas daquelas que deverão enfrentar, em sua vida profissional, após a conclusão de seus cursos (RELATÓRIO DE 1974, p. 39). Porém, não era apenas a oferta de educação profissional ao indivíduo que a instituição almejava. Era essencial que dentro do SENAI todos demonstrassem pleno interesse nos educandos. Roberto Mange pôde tornar esse proceder evidente durante uma reunião realizada em janeiro de 1953 na sede do Departamento de São Paulo no momento em que disse “para que o SENAI vença a batalha da aprendizagem industrial é preciso que se pense em primeiro lugar no aluno, mais uma vez no aluno, e, finalmente no aluno” (MANGE, 1953 apud SENAI, 1991, p.12). Para Mange, o objetivo prioritário do SENAI deveria ser educar. Em sua concepção, o aprendiz era um pequeno operário relativamente independente, que se comporta dentro da fábrica como o homem que produz e ganha o seu salário. Por isso mesmo, o aluno das escolas SENAI é completamente diferente daquele que freqüenta as demais escolas industriais ou secundárias (RELATÓRIO DE 1945, p.10). Além do mais, o objetivo consistia em que dentro das oficinas do SENAI o aprendiz recebesse não apenas o conhecimento técnico, mas também que lhe fossem transmitidas uma escala de valores e atitudes no que tange ao trabalho e à vida em sociedade a partir da atitude de seus mestres. Segundo depoimentos3 de alguns alunos, havia um diferencial no ensino-aprendizagem intramuros do SENAI. Podemos encontrar nitidamente esse diferencial na fala de um ex-aluno da primeira turma SENAI: na fábrica, os oficiais nos ensinavam aqueles métodos que eles conheciam, assim meio brutos, meio violentos. Às vezes não tinham paciência ... eles queriam é que o serviço saísse e ensinavam de qualquer jeito (...) Agora, o instrutor do SENAI [ensinava] o método correto. O que eles aprendiam eles nos transmitiam. Tanto na parte da teoria, quanto na oficina. Era uma coisa boa, uma coisa correta. O entendimento, a explanação deles para a gente, os cuidados que eles nos ensinavam a tomar (...) era tudo explicando o mais certo possível (MARQUES, 1991, apud SENAI, 1992, p. 103). Ainda outro aluno ressalta que O instrutor, na oficina, é uma pessoa que incentiva, que educa a gente profissionalmente, quanto às normas de segurança ... E é também um mestre! Nos ensina a fazer o trabalho com o máximo cuidado e rendimento, coisas que é preciso ter numa firma, não é? Ele ajuda o aluno a se integrar e esse é o primeiro degrau para se ter disciplina em uma fábrica (SENAI, 1992, p. 119). O SENAI provia uma educação que, conforme seus ideais, o aprendiz pudesse se inserir corretamente no mundo do trabalho, ou seja, ele provia o passaporte cujos pilares eram perfeição, limpeza e arrumação para permanecer nesse novo mundo. Em outros depoimentos, podemos notar a relação que se estabelecia entre instrutor e aluno: a relação era de pai e filho. Certo aluno mencionou a visão que tinha de seu instrutor nas seguintes palavras: O instrutor, para gente, é como um pai! Além de nos ensinar as coisas da prática de oficina, ele também nos dá uma grande visão da vida lá fora. A gente passa o dia inteiro no SENAI: à noite, a maioria sai daqui e já vai para a escola. Eu nem vejo meu pai, dia de semana, só de sábado. Então, eu continuo afirmando, eu considero o instrutor como um pai (SENAI, 1992, p. 119). O depoimento de nosso atual presidente Luís Inácio Lula da Silva, ex-aluno do SENAI, 3 Depoimentos extraídos do livro o “Giz e a Graxa”. também enfoca esse tipo de relacionamento. Em seus registros lemos: Os instrutores tratavam a gente com muito carinho. Eu não sei como é hoje, mas, naquela época, a gente tinha no instrutor o espelho de pessoa que a gente queria ser. Por que eles eram não apenas pessoas mais preparadas profissionalmente, mas pessoas que se preocupavam quando a gente não fazia uma coisa legal. Ao invés de dar bronca, vinham conversar, vinham orientar a gente. Então a gente tinha o instrutor como uma espécie de paizão (SENAI, 1992, p. 120). Realmente, o professor influenciava fortemente seus alunos e era reconhecido e valorizado pela maneira com que conduzia suas aulas. Moro, ex-aluno e instrutor, na época, na escola SENAI de Suzano – SP relata que os estudantes que fizeram SENAI, podiam não lembrar o nome do professor de português ou matemática, mas não se esqueciam o nome do instrutor (SENAI, 1992, p. 120). Esse tipo estereotipado de instrutor contribuía fortemente para prover a educação integral do aluno. Em uma entrevista realizada por José Augusto Bezana em 25 de abril de 1990 registrada no livro De Homens e Máquinas (1991), Mange mencionou que se o aprendiz não for educado, ele poderá ser um excelente profissional, capacitado a conhecer a máquina, bem como saber fazer de tudo. Mas se não for educado adequadamente poderá não compreender o comportamento do patrão. O objetivo é que este operário seja uma pessoa educada, pois isso faz parte de sua formação profissional. Além do que, segundo Mange, o SENAI forma uma elite. Sendo assim, uma boa educação capacitará o sujeito a comandar a indústria (SENAI, 1991, p. 151). Na visão de Mange, a educação profissional deveria formar um cidadão, uma personalidade bem ajustada, que pudesse ser colocada a serviço da comunidade. Não adiantaria ter um profissional bem treinado, cujos objetivos fossem anti-sociais ou associais (BARROS SANTOS, 1990 apud SENAI, 1991, p. 154). Por isso, a educação integral era fortemente defendida, pois acima de tudo deveria formar o caráter do indivíduo, visto que o homem sem caráter não tinha valor na sociedade. O cidadão seria formado de uma capacitação técnica para, assim, ser útil à comunidade e, jamais se esquecer de sua responsabilidade para com essa comunidade. Tal educação de caráter humanista envolvia também, em seu currículo, a assistência médica, odontológica, ajuda física e social. E, ainda mais, nas palavras Alcântara (1973), a formação integral do aluno dependia do trinômio pedagógico “chave”, ou seja, o material didático, o método e o docente. Assim, podemos notar que, a educação profissional integral do aluno considerava não somente sua formação profissional, como também, considerava o contexto social de tal forma a educar o aprendiz para a vida em sociedade. Convém salientar também, a relação paternal desenvolvida entre professor e aluno o qual estimulava o aprendiz a seguir o modelo deixado por seu instrutor que, além das instruções técnicas, transmitia-lhe os valores morais. 2 - A metodologia da instrução individual Os princípios educacionais que guiavam o SENAI ressaltavam a importância de desenvolver o aprendiz em toda a sua plenitude. A concepção era de que com os elementos adquiridos durante o processo educativo, o indivíduo fosse capaz, conforme comenta Kalil (1971), de integrar-se não só nas forças de trabalho da nação, mas, também, como cidadão tivesse consciência de suas necessidades individuais e da coletividade da qual pertencia. Para isso, o aluno deveria portar-se de maneira adequada em sua instituição de ensino profissional, onde aprenderia a agir, bem como aprenderia a desenvolver suas virtuosidades. Frente a um cenário de constantes transformações tecnológicas e, consequentes influências direta na educação, o SENAI não poderia ficar estagnado no tempo, pois trabalhava em prol de cumprir seu papel perante a sociedade. Consciente dessa realidade os intelectuais da área educacional passaram a elaborar um novo método4 de ensino-aprendizagem, foi então, que o aluno SENAI teve o primeiro contato com o Método de Instrução Individual cuja fundamentação estava no Método Ativo5 situado dentro de Séries Metódicas Ocupacionais. A Recomendação nº 117 da Organização Internacional de Trabalho (OIT) enfoca que, “deveriam preferir-se mais os métodos de formação que requerem a participação efetiva dos educando, do que aqueles que limitam a atividade dos educandos a executar as lições” (ALCÂNTARA, 1973, p. 13), ou seja, o ensino deveria estar focado nos métodos ativos. Kalil (1971) salienta que os métodos ativos, “encaram a infância como uma fase no processo geral do desenvolvimento do homem e a criança, como ser, funcionalmente, idêntico ao adulto, mas diferente no que se refere à sua mentalidade” (KALIL, 1971, p. 10). Nessa ótica, o aprendiz é posto no centro de todo o processo de ensino-aprendizagem, já o docente atua como agente, guia e orientador de aprendizagem. Os métodos ativos pautam-se na psicologia experimental, pois dentro desse ramo, o 4 5 Método: 1) procedimento, técnica ou meio de se fazer alguma coisa, esp. de acordo com um plano. 2) modo de agir; meio, recurso (HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Elaborado no Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa S/C Ltda. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 1910). Ativo: 1) caracterizado pela ação. 2) que é mais dado à ação do que à contemplação; prático (HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Elaborado no Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa S/C Ltda. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 335). educando é visto como um ser em desenvolvimento e, sua condição para o devido crescimento físico e intelectual é a atividade, espontânea e natural. E ainda, entende-se que tais métodos apresentam bases psicológicas no ramo da psicologia genética, sendo que o fio condutor entre todos os métodos é a idéia de que, assim como para o desenvolvimento de espírito também implica num grande esforço de construção, por que a vida mental é uma realidade dinâmica e a inteligência uma atividade real e que se constrói: tendo como ponto de partida o educando, buscam estimular e mobilizar os esquemas mentais de assimilação. As matérias de ensino são, pois, meio e instrumentos através dos quais se mobilizam os esquemas de assimilação (KALIL, 1971, p. 10). Para o SENAI a concepção moderna de ensino na década de 1970, seria contemplada pelo Método de Instrução Individual, justamente por ser um método ativo e, o qual permitia que: Cada aluno deve ter possibilidade de iniciar a aprendizagem e terminá-la quando estiver preparado para isso, sem levar em conta o nível de adiantamento de seus colegas; O docente deve poder atender cada aluno individualmente e cuidar, ao mesmo tempo, do grupo todo, oferecendo-lhes estimulação e despertando-lhes o interesse; Cada aluno deve receber assistência de que necessita, sem interferir com o progresso dos demais colegas; Cada aluno deve progredir de acordo com suas aptidões, seus esforços e interesse, sem prejudicar ou ser prejudicado pelo progresso de seus companheiros de grupo (KALIL, 1971, p. 10). Sob esse método, o número de alunos por professor deveria ser reduzido. Com base nas pesquisas de Kalil (1971) podemos mencionar algumas características gerais do método de instrução individual, os quais apresentam as seguintes vantagens: É flexível, adaptável a situações regionais e a situações de grupo na oficina; Possibilita uma aprendizagem mais eficiente e completa, sem que isso implique em um aumento na duração dos cursos já existentes no SENAI; (...) Desenvolve a INICIATIVA do educando para a execução de outras tarefas, tornando-o cada vez mais confiante quanto às suas possibilidades; (...) Permite, através do uso de FOLHAS INDIVIDUAIS DE INSTRUÇAO6, maior unidade no ensino de SENAI; Permite ao educando recordar, durante sua vida profissional, os conhecimentos adquiridos, através da documentação técnica que recebe; Possibilita a integração do aluno e seu reconhecimento da necessidade e das vantagens do trabalho em grupo; (...) Torna o DOCENTE, não apenas um explicador, mas sim um orientador, um incentivador, enfim, um guia capaz de auxiliar o educando nas suas dificuldades durante o processo de aprendizagem (KALIL, 1971, p. 15). Quanto à avaliação, era um processo primordial neste método. O que se requeria era que o educando participasse e criasse uma consciência auto-avaliativa a respeito de seu aprendizado. Para os idealizadores do método, essa postura do educando, caso atingisse os objetivos avaliativos, permitiria ao próprio aluno conhecer a qualquer momento do ciclo da aprendizagem sua situação real e, assim, conforme o caso, fazer correções necessárias. Portanto, era imperativo que ele estudasse. Na visão de Alcântara (1973) “ensinar, em sua verdadeira acepção, é conduzir, orientando, passo a passo, a aprendizagem do educando; porém, para que o educando aprenda, é necessário que estude” (ALCÂNTARA, 1973, p. 21). Uma das características mencionadas quanto ao uso do método de instrução individual, é o uso das Séries Metódicas Ocupacionais (SMO), isto é, um conjunto de Folhas Individuais de Instrução. Esse método possibilitava ao professor selecionar a técnica7 de acordo com a capacidade e o grau de maturidade dos alunos para a qualificação de trabalhadores com níveis relativamente baixos de escolaridade. Os procedimentos eram os seguintes: Uma dada profissão é analisada e, neste processo, todas as suas tarefas são 6 7 Folhas Individuais de Instrução era um método adotado pelo SENAI que permitia elevar a quantidade de aprendizes para cada professor sem, portanto, declinar da qualidade do ensino. Técnica: 1) conjunto de procedimentos ligados a uma arte ou ciência; 2) maneira de tratar os detalhes (…) ou de usar os movimentos do corpo (…); 2.1) destreza, habilidade especial para tratar esses detalhes ou movimento (HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Elaborado no Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa S/C Ltda. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 2683). Entende-se por técnica, segundo Dickson (1978, p. 2) o “ato de aplicar os conhecimentos, diretamente ou com a ajuda de uma ferramenta ou máquina”. esmiuçadas. Essas operações elementares são então aplicadas a uma sequência de projetos práticos. O projeto inicial exige a execução das operações mais simples e o seguinte incorpora outros e repete o primeiro (SENAI – SP, 2007, p. 72). Ao finalizar a tarefa, o aprendiz teria que dominar todas as principais tarefas de sua profissão. Caso isso ocorresse, o objetivo teria sido alcançado. O SENAI implantou as SMO com uma amálgama de componentes manuais, tecnológicos e conceituais. Dessa maneira, antes de frequentar as oficinas, o aprendiz permanecia o mesmo período de tempo se dedicando ao estudo da tarefa que iria desempenhar. Tal estudo envolvia a leitura, a escrita passo a passo do que seria necessário para sua execução como, também, envolvia preparar o projeto que teria de seguir na oficina. É importante destacar também que, cálculos matemáticos, estudos das ferramentas e dos processos tecnológicos estavam inseridos nessa fase preparatória. Segundo os dirigentes do SENAI “as séries metódicas são muito mais do que um método de ensino de destreza e de técnicas manuais – a arquitetura das mesmas está permeada por fortes componentes conceituais e de teoria” (SENAI – SP, 2007, p. 72). Dado a sua relevância, grande parte das profissões ministradas pelo SENAI pautaram-se neste método, que inicialmente necessitava, impreterivelmente, de um alto investimento, mas depois permitia uma atualização de relativa facilidade. No inicio dos anos 1960 com as novas necessidades da indústria, revelou-se o descompasso SENAI – Indústria. Visto que se tornava evidente a importância de uma “mudança de postura” na década de 1950, o Departamento Nacional juntamente com os Departamentos Regionais deram início a uma revisão do ensino. Sendo assim, em 1962 foi implantado uma nova Série Metódica pautada numa metodologia mais moderna. As SMO deixavam de serem compostas apenas por “folhas de instrução” ou de “tarefa” para acrescentarem as “folhas de operações”, criando, assim, um momento para o Estudo Dirigido. O Estudo Dirigido, a exemplo de estudos por meio de Folhas Individuais de Instrução, cujo objetivo era tanto desenvolver nos alunos hábitos de estudo como a capacidade de aprenderem por si mesmos, era um momento em que o aprendiz fazia seu trabalho de planejamento, ou seja, o Plano de Trabalho de Oficina (PTO). A idéia regente, em tal método, era de que o professor não ensina, mas, sim, ajuda o educando a aprender. Como salienta Belizário (1991) Nessa técnica de estudo dirigido, o instrutor apenas coordenava os trabalhos e, na época, nenhum estava preparado para isso. Então, passei a fazer o treinamento dos instrutores para esta nova metodologia. (...) Este trabalho de aplicação da nova Série Metódica, mais o treinamento dos demais instrutores, durou cinco anos, de 1962 a 1967 (BELIZÁRIO, 1991 apud SENAI, 1992, p. 74). Mais uma vez, o SENAI volta-se ao busilis: buscar o equilíbrio SENAI – Indústria o que envolvia prover aperfeiçoamento ao corpo docente, o qual se dedicaria a preparar, adequadamente, o aluno operário razão de ser da instituição. Para isso, era necessário a atualização teórica e prática de seus profissionais de ensino, bem como a metodologia utilizada por eles, pois o setor industrial se modificava rapidamente e, se essa questão não fosse considerada, a consequência fatal seria a formação de profissionais com habilidades obsoletas para o mercado de trabalho. Outro método de aprendizagem assinalada, pelo próprio SENAI, como vital é a chamada “Aprendizagem Motriz” baseada no uso da repetição constante da mesma atividade com a orientação do instrutor. Por meio do treino, os movimentos do aprendiz passam a ser automáticos desenvolvendo-se, então, um hábito motor. O objetivo era: Lembrar e utilizar até a formação de um hábito. Um hábito que se aprende e ensina, até que o aprendiz reproduza sozinho as lições e, por sua vez, também ensine, para que a lembrança, transformada em experiência, possa reproduzir e multiplicar as ações do trabalho (SENAI, 1992, p. 12). E quanto à ação do professor, este teria que agir como um estimulador e guia dos aprendizes, controlando também os resultados de sua tarefa. Certo aluno se recorda da maneira em que os professores os orientavam. Em suas palavras podemos até mesmo visualizar: “Toma cuidado com isso, toma cuidado com aquilo ... o jeito deles ensinarem era ... superbacana! Eles procuravam fazer o mais certo possível”(SENAI, 1992, p. 121). Após a conclusão do curso no SENAI, o aluno recebia, então, o seu “certificado de aprendizagem”, que anteriormente a década de 1950 era a “carta de ofício”. O “certificado de aprendizagem” era apropriado, pois sob o novo paradigma, o aluno continuaria e concluiria sua formação profissional na fábrica, onde se tornaria um operário qualificado8 para a produção. Estes são os meios pelos quais o SENAI utilizou a fim de prover uma educação adequada ao educando, fazendo valer os seus objetivos – educação integral. Esse processo envolvia uma educação que diferenciaria o aluno SENAI de um aluno formado em outra instituição de educação profissional, ou seja, uma formação profissional que formava o sujeito em sua plenitude. Para isso nunca perdeu de vista as inovações tecnológicas do mercado, fazendo, assim, uma ligação direta com seus métodos de ensino-aprendizagem. 8 No SENAI o operário qualificado era “aquele que exerce funções qualificadas, isto é, requer uma formação metódica e sistemática, aliando conhecimentos técnicos a uma cultura geral mais desenvolvida. É a união do trabalho com a cultura técnica” (SENAI, 1991, p. 131). Considerações Finais “mais do que a grandeza dos números, contudo, importa considerar o seu sentido e evidenciar que a criação do SENAI representou uma das mais significativas e eficazes vitórias da elite industrialista, possibilitando a organização de um vasto sistema nacional, destinado à formação e reposição de mão-de-obra para o setor produtivo”. (MICELI, 1992. p. 152). Podemos depreender que quando o SENAI passou por dificuldades quanto à formação adequada tanto de seus instrutores quanto de seus aprendizes, não permaneceu na mesma estrada, mas tomou as devidas providências sem deixar que os elogios, antes lhe atribuído, se transformasse, daquele dia em diante, em ferrenhas críticas. Nem tampouco permitiu que tais elogios o enlaçassem de tal forma que acreditasse, ou fizesse com que a sociedade acreditasse, que tudo estava caminhando como antes sem impasses no processo de ensino-aprendizagem. Os dirigentes do Sistema SENAI reconheceram e aceitaram o mais rápido possível que deveriam passar por modificações até mesmo do próprio conceito de ensino-aprendizagem. De acordo com Eizirik (2001) A não aceitação da mudança, a estagnação, pode constituir-se numa doença institucional; até, talvez, pudéssemos lhe dar um nome – narcisismo institucional –, pois assim como Narciso, a instituição deseja ficar se olhando na superfície da água e reconhecendo sempre a mesma figura, não admitindo qualquer transformação (EIZIRIK, 2001, p. 99). O SENAI, ao longo de sua história, batalhou para que o seu objetivo não fosse ofuscado devido às constantes transformações que ocorriam na sociedade, principalmente no setor industrial e, embora tenha enfrentado algumas dificuldades, soube remodelar seus métodos de ensino e voltar a manter o equilíbrio SENAI – Indústria. Inovações e renovações eram realizadas a fim de, continuamente, ofertar uma educação adequada, tanto a professores quanto aos aprendizes de tal forma a diferenciar o aluno SENAI no mercado de trabalho com sua formação integral. O ideal de uma educação integral, preconizada por Roberto Mange e seus apoiadores, estava presente nos princípios formadores desta instituição. A educação deveria formar um novo cidadão consciente de sua responsabilidade para com a comunidade e, não apenas um profissional conhecedor das técnicas de seu ofício, ou seja, ele seria formado para viver em sociedade de forma genérica. Além do mais, o corpo docente deveria pensar sempre no aluno que era a razão de ser da escola. Por meio de dados dos depoimentos de ex-alunos e ex-professores, concluímos que, realmente, os professores visavam, em boa parte do período pesquisado, a educação e o bem estar do aprendiz, visto que os próprios alunos o rotulavam como “pais”. A meu ver, o tema “SENAI formando seus aprendizes”, escolhido por mim para este Trabalho de Conclusão de Curso, foi um tema muito interessante e de grande relevância para minha formação acadêmica, pois voltei a vários assuntos estudados a respeito de formação profissional ao longo dos quatro anos de curso e ampliei meu conhecimento nesta linha – educação e trabalho – que tanto me interesso. E, o mais importante foi adquirir maior conhecimento sobre a história e a filosofia educacional do SENAI. Portanto, para que mais pesquisas possam ser realizadas tomando o SENAI como referência, deixo algumas perguntas que foram surgindo durante a elaboração do meu trabalho: Foi possível formar o aluno SENAI em sua plenitude tal qual os ideais de Mange? E hoje, como o aluno SENAI é encarado no mercado de trabalho? Ainda é possuidor de um diferencial pelo fato de ser formado nesta instituição de educação profissional? Qual a relação que se estabelece entre professor e aluno atualmente? E, ainda: Visto que o SENAI permanece como uma instituição de alta qualidade, convém pesquisarmos como ele integra, hoje, Escola – Empresa – Comunidade. REFERÊNCIAS ALCÂNTARA, A de. Aplicação de Séries Metódicas Ocupacionais. SENAI – SP, 1973. CUNHA, L. A. C. R. da. Política Educacional no Brasil: a profissionalização no Ensino Médio. Rio de Janeiro: Eldorado Tijuca Ltda (s. d.). DICKSON, D. Tecnologia alternativa. S.I., Blumes ediciones, 1978, p. 2. EIZIRIK, M. F. Processos autodestrutivos nas instituições. In: EIZIRIK, M. F. Educação e Escola: a aventura institucional. Porto Alegre: AGE, 2001, cap. 08, p. 95 – 105. FERRO, M. E. A História do ensino técnico-industrial em Rio Claro (SP): da escola profissional masculina ao SENAI (1920 – 1985). São Carlos: UFSCar, 2003. FONSECA, C. L. da. História do Ensino Industrial no Brasil. Rio de Janeiro: SENAI/DN/DPEA, 1986, v. 5. KALIL, N. L. O SENAI e a sua metodologia de ensino. SENAI, Rio de Janeiro: Brasil, 1971. MANACORDA, M. A. 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Projeto Memória SENAI –SP, 1991, p. 09. A aula de ginástica no SENAI mostrava que o cuidado com a saúde física era um item destacado na concepção de educação difundida pela Escola Nova. Escola SENAI do Brás em 1946. Fonte: SENAI. De Homens e Máquinas: Roberto Mange e a Formação Profissional. vol. 1. Projeto Memória SENAI –SP, 1991, p. 88. O “aluno operário” era a principal razão de ser do SENAI. Fonte: SENAI. De Homens e Máquinas: Roberto Mange e a Formação Profissional. vol. 1. Projeto Memória SENAI –SP, 1991, p. 141. Sob o olhar atento do professor, os alunos de 12 a 14 anos trabalham. Fonte: SENAI. 65 anos de um sistema educacional consequente. São Paulo: SENAI, 2007, p. 79. Fonte: SENAI. 65 anos de um sistema consequente. São Paulo: SENAI, 2007, p. 79. educacional Na escola SENAI de Rio Claro, os alunos do curso de ferroviário assistem a uma aula de desenho. Fonte: SENAI. De Homens e Máquinas: Roberto Mange e a Formação Profissional. vol. 1. Projeto Memória SENAI –SP, 1991, p. 107. O SENAI, rapidamente, adaptou a infra-estrutura de suas oficinas às novas exigências do avanço tecnológico. Fonte: SENAI. O giz e a graxa: meio século de educação para o trabalho. São Paulo: SENAI, 1992, p. 09. Alunos dos cursos rápidos implantados pelo SENAI em preparação para pedreiros e ferreiros armadores para a construção civil. Tais cursos atendiam aos ramos mais carentes de trabalhadores qualificados. Fonte: SENAI. De Homens e Máquinas: Roberto Mange e a Formação Profissional. vol. 1. Projeto Memória SENAI –SP, 1991, p. 130. Fonte: SENAI. De Homens e Máquinas: Roberto Mange e a Formação Profissional. vol. 1. Projeto Memória SENAI –SP, 1991, p. 130. Desfile de 1º de maio, em 1951: no jipe que abre a delegação do SENAI, o Profº Luiz Gonzaga Ferreira e duas alunas. Fonte: SENAI. De Homens e Máquinas: Roberto Mange e a Formação Profissional. vol. 1. Projeto Memória SENAI –SP, 1991, p. 155. Unidade Móvel de eletricista instalador, realizada mediante convênio FEPASA/SENAI/Pipmoi-Mec, instalada em vagão ferroviário na Estação Julio Prestes, em 1973. Fonte: SENAI. 65 anos de um sistema educacional consequente. São Paulo: SENAI, 2007, p. 72. Interior da Unidade Móvel. Fonte: SENAI. 65 anos de um sistema educacional consequente. São Paulo: SENAI, 2007, p. 72. Modelos de Folhas Individuais de Instrução Fonte: KALIL, N. L. O SENAI e a sua metodologia de ensino. SENAI, Rio de Janeiro: Brasil, 1971, p. 25 . Fonte: KALIL, N. L. O SENAI e a sua metodologia de ensino. SENAI, Rio de Janeiro: Brasil, 1971, p. 29.