Disciplina de Didáctica da Química I Texto de Apoio Novos Materiais Adaptado de: V. Gil, J. C. Paiva, A. Ferreira, J. Vale, 12 Q - Química 12º Ano, Texto Editores, Lisboa. 2005. 3.5 Os novos materiais 3.5 OS NOVOS MATERIAIS Biomateriais poliméricos artificiais e sintéticos Compósitos A expressão novos materiais refere-se a materiais recém-descobertos ou desenvolvidos, mas também a materiais já há mais tempo conhecidos mas que hoje são objecto de uma produção de maior qualidade e elevado desempenho funcional, graças a melhores condições de controlo dos processos de fabrico alcançadas nas últimas décadas. Eis as principais categorias destes novos materiais: • Polímeros condutores; • Materiais nano-estruturados; • Materiais inteligentes; • Novos cerâmicos; • Biomateriais; • Compósitos. Os polímeros condutores são materiais que, além de possuirem propriedades ópticas, magnéticas, eléctricas e electrónicas equiparadas aos metais, possuem propriedades mecânicas semelhantes aos polímeros. Um exemplo é o do poliacetileno, obtido por polimerização do acetileno (etino) em reacção de adição: (3.13) n (HC CH) … HC CH CH CH … Outro exemplo é o polifenileno: … … Os materiais nano-estruturados utilizados no desenvolvimento de memórias lógicas incluem os nanotubos de carbono (Fig. 3.36), nanofios de ouro, nanofios e nanofitas de semicondutores. Os nanotubos de carbono surgiram na sequência da descoberta de uma nova forma de carbono (além de diamante e grafite): os fulerenos, de que C60 é o exemplo mais conhecido. Fig. 3.36 Estrutura do fulereno C 60 (vísivel em 3D com óculos azul-vermelho). Os chamados materiais inteligentes, que estão entre os dez produtos mais inovadores até 2006, são estruturas que se modificam como reacção a mudanças que ocorram no ambiente. 341 Unidade III – Plásticos, Vidros e Novos Materiais Entre os novos cerâmicos estão materiais superconduotores a que se aludiu na Unidade I. O primeiro desses materiais foi um óxido de lantânio, bário e cobre: LaBa2Cu3Ox (x = 6 ou 7). Reconhecendo-se que La e Y (ítrio) pertencem ao mesmo grupo da Tabela Periódica, logo se tentou YBa2Cu3Ox , que se revelaria um supercondutor a temperatura menos negativa. Os biomateriais são materiais – metais, cerâmicos, polímeros e compósitos – que implicam interacção com sistemas biológicos, com relevo para biomateriais poliméricos aplicados em várias áreas da Medicina: cardiologia, ortopedia, oftalmologia, libertação controlada de medicamentos nos locais apropriados do organismo. Uma das características exigidas é a da biocompatiblidade. Os compósitos são materiais resultantes da mistura de, pelo menos, dois materiais quimicamente distintos, como metais, produtos cerâmicos e polímeros, com uma interface de contacto. Dar-se-á aqui especial atenção a biomateriais poliméricos e a compósitos, quer com aplicação biológica quer industrial. Biomateriais poliméricos artificiais e sintéticos Quanto a novos polímeros, realçam-se neste contexto os que sejam biodegradáveis. O conceito de biodegradação está longe de reunir consenso, considerando a ponderação da natureza do processo (com ou sem ruptura de ligações químicas), o tipo de produto ou produtos finais e o tempo de reintegração desses produtos no Ambiente. Em particular, a defesa da biodegradação não pode ignorar os eventuais efeitos dos produtos finais na qualidade do Ambiente. A degradação de um material é um processo irreversível pelo qual ele sofre modificações físicas, químicas ou bioquímicas que ocorrem espontaneamente. Em processos de biodegradação, estas alterações são catalisadas por actividade biológica. O resultado é ou mineralização – isto é, conversão do material orgânico em gases e/ou compostos inorgânicos – ou formação de biomassa. Fig. 3.37 Poluição ambiental por plásticos. 342 Recordemos que em poliolefinas, como o polietileno, por exemplo, as ligações C–H e, por maioria de razão, as ligações C–C são pouco polares, o que os torna insolúveis em água. Por outro lado, embora certas bactérias sejam capazes de digerir, por exemplo, o polietileno, elas só o conseguem fazer a partir dos extremos das longas macromoléculas. O processo é, por isso, muito lento. Por esta razão, estes plásticos não são praticamente biodegradáveis quando em contacto com o solo. Daí o problema que constituem para o Ambiente (Fig. 3.37). 3.5 Os novos materiais Uma solução consiste em, por exemplo, intercalar na cadeia polimérica moléculas de amido. Estas são rapidamente digeridas pelas bactérias o que quebra a cadeia em vários locais, aumentando, assim, o número de extremos que as bactérias podem subsequentemente atacar. Outra solução reside em copolímeros de etileno e pequenas quantidades de monóxido de carbono. Este último absorve abundantemente radiação ultravioleta que acelera a decomposição dos polímeros: fotodegradação. De qualquer modo, é indispensável que os materiais não estejam excessivamente distantes da superfície em aterros sanitários para que possam receber as radiações necessárias à fotodegradação ou o oxigénio necessário à biodegradação. O fabrico de plásticos biodegradáveis está naturalmente condicionado por razões de custo e não só por razões técnicas ou científicas. É, o caso, por exemplo, do poli(ácido láctico): O O n O CH HO CH C OH CH3 O O CH C CH3 C O CH … CH3 CH3 Poli(ácido láctico) Ácido láctico (3.14) que, apesar de se poder obter a partir do amido da batata (primeiro convertido em glicose e depois em ácido láctico), ainda é um produto de fabrico dispendioso. Outro exemplo é o poli(ácido glicólico) ou ácido poliglicólico, a partir de ácido glicólico em concentrações relativamente elevadas, nos tecidos vegetais jovens e nos frutos verdes (ex: groselhas, uvas, pêras e maçãs): O n HO CH2 C OH O O … O CH2 C O CH2 C O CH2 O … (3.15) Repare-se que estes polímeros são obtidos por reacção de condensação, com eliminação de água, a partir dos ácidos monoméricos correspondentes. Já o poli(álcool vinílico) que difere do PVC por ter -OH em vez de -Cl … CH CH2 CH OH OH CH2 … é um polímero solúvel em água obtido por uma reacção de adição. A intervenção de microrganismos no campo dos plásticos não se limita às questões de degradação. Assim, na década de 90 do século passado, teve início o estudo de polímeros de origem biológica, produzidos por bactérias, em particular, o poli(hidroxibutirato) (PHB), polímero biodegradável obtido a partir da sacarose (açúcar vulgar). Estes polímeros podem ser sintetizados por fermentação, provocada por uma cultura de bactérias alimentada por um substrato controlado, ou seja, numa primeira fase, a cultura é caracterizada por um estágio de multiplicação. Numa segunda fase, é retirado o nutriente essencial para a multiplicação celular, mas mantém-se o fornecimento de hidratos de carbono que são acumulados pelas bactérias. 343 Unidade III – Plásticos, Vidros e Novos Materiais A expressão produtos de base sustentável tem uma clara aplicação no mundo dos polímeros. Esta expressão deve ser tomada no sentido em que os polímeros devem conciliar: • viabilidade económica; • aceitabilidade no domínio ambiental; • reconhecimento das limitações das matérias-primas. Este último determina a procura de materiais e/ou processos alternativos. A aceitabilidade ambiental implica a conjugação ponderada de três factores: materiais reutilizáveis, recicláveis, biodegradáveis. Questão 3.15 É, também, neste contexto que a reciclagem assume uma importância especial, podendo distinguir-se a reciclagem que visa a obtenção de novos produtos ou a produção de energia. A reciclagem química e a reciclagem mecânica, apesar de diferirem, possuem como característica comum a possibilidade de produzir novos produtos. Contudo, na reciclagem energética, dá-se relevo à recuperação de energia contida nos plásticos através de processos térmicos. Em particular, os plásticos funcionam como combustível na obtenção de energia eléctrica. A simples incineração não reaproveita a energia dos materiais. Cerca de 15% da reciclagem de plásticos na Europa Ocidental é realizada via reciclagem energética como ilustrado na figura 3.38. Resíduos gasosos Embalagem Embalagem comprimida nova Queima Filtros Emissão Resíduos sólidos Fig. 3.38 Reciclagem energética de plásticos. Energia Aquecimento de água Electricidade Compósitos O polissacárido amido, reserva alimentar em plantas como o milho e o arroz, pode ser convertido química, física e biologicamente em compostos úteis à indústria. Sob determinadas condições de pressão e temperatura, e na presença de um agente plastificante, o amido pode ser transformado num material denominado amido termoplástico. A sua utilização passa por substituir o plástico convencional em situações como: sacos de lixo, plásticos para proteger alimentos, etc. Trata-se de mais um material obtido a partir de um recurso renovável que se propõe dispensar a utilização do petróleo como matéria-prima para fabrico de determinado tipo de plásticos. É também uma ponte para a classe de materiais designados por compósitos. Os compósitos são materiais que incorporam polímeros naturais e sintéticos com vista a novas texturas e usos, designadamente com a capacidade de suportarem condições extremas de pressão e temperatura. 344 3.5 Os novos materiais Os materiais compósitos plásticos, utilizados antes do Séc. XX, eram baseados em produtos resinosos naturais como a caseína e a albumina. No entanto, seria mais tarde, com a produção de poliéster reforçado com fibra de vidro, que se viria a identificar o início da era dos compósitos plásticos. Assim, o poliéster reforçado com fibra de vidro (fibras de SiO2 entrelaçadas na matriz do polímero) é utilizado no fabrico de barcos e na indústria aeroespacial, devido à sua alta resistência, a sua durabilidade, baixa densidade e facilidade de assumir formas complexas. Também polímeros reforçados com fibras de carbono (grafite) são aplicados em construção civil, em vez de chapas de aço, e em muitos objectos, como sejam as raquetas de ténis (Fig. 3.39). Fig. 3.39 Raqueta de ténis: aplicação das fibras de carbono. Num compósito, distinguem-se duas fases: a fase contínua – matriz – escolhida de forma a conferir a maleabilidade e ductilidade desejadas, e a fase descontínua – fase dispersa ou fase de reforço – escolhida de modo a conferir resistência. O vulgar MDF (do inglês Medium Density Fiberboard) pode ser considerado um compósito seminatural (Fig. 3.40). É uma chapa de média densidade, fabricada a partir da aglutinação de fibras de madeira com resinas sintéticas e acção continuada de pressão e aquecimento. Tem grande aplicação na indústria do mobiliário. Fig. 3.40 Placa de MDF, um compósito semi-natural. A fibra do coco (Fig. 3.41) é um material multicelular constituído por celulose. A utilização da fibra de coco para a obtenção de biocompósitos é relevante por ser um processo barato, natural e renovável. O teor das fibras brutas do coco verde despertou o interesse na formação de ligas com vários polímeros e materiais na construção civil como blocos de betão. A fibra do coco, quando associada ao aglomerado de cortiça expandido, é usada no isolamento térmico e acústico e na produção de fibro-cimento. Fig. 3.41 Coco: utilizado na obtenção de biocompósitos. Os compósitos de matriz metálica (MMC) desenvolveram-se nas últimas duas décadas. Os metais mais utilizados como matriz são o alumínio e o magnésio devido, em parte à sua baixa densidade. O titânio também pode ser opção, especialmente para aplicações a elevadas temperaturas. A maneira mais fácil e barata de obter o reforço nos MMC é em forma de partículas, sendo o óxido de alumínio (Al2O3) e o carbeto de silício (SiC) as substâncias mais utilizadas. O tamanho típico para uma partícula de reforço é 10-20 micrómetros. 345 Unidade III – Plásticos, Vidros e Novos Materiais Mais alguns materiais importantes no nosso quotidiano A multiplicidade de materiais produzidos nos nossos dias tem influenciado decisivamente a qualidade de vida das sociedades. Ao longo deste livro (e da Unidade 3, em particular) foram referidos muitos materiais importantes, aplicados em áreas como a medicina, a electrónica, a aeronáutica, a construção civil, etc. Na figura seguinte estão imagens de mais alguns materiais. Fig. 3.42 Alguns materiais: jantes de liga leve, lã de vidro, lã de rocha e roofmate. Cada um destes materiais possui características próprias: Jantes de liga leve: As jantes de liga leve possuem na sua composição cerca de 80% de alumínio e 20% de outros metais tais como cobre ou o magnésio. Este tipo de jantes, como algumas outras, contribui para um melhor arrefecimento dos travões quando comparadas com as de aço. Lã de vidro: A lã de vidro é obtida a partir de um vitrificante (sílica em forma de areia), um fundente (carbonato de sódio, sulfato de sódio e potássio) e um estabilizante (carbonato de cálcio e magnésio), para conferir ao vidro grande resistência à humidade. Este material é desenvolvido especificamente para melhorar o isolamento termo-acústico das habitações. É um produto incombustível. Lã de rocha: A lã de rocha é fabricada a partir de rochas basálticas especiais e outros minerais. Estes são aquecidos a cerca de 1500 °C e transformados em filamentos que, aglomerados com soluções de resinas orgânicas, permitem a obtenção de variados produtos, que podem ser leves e flexíveis ou muito rígidos. A lã de rocha apresenta maior densidade que a lã de vidro e tem maior aplicação industrial, por suportar temperaturas superiores. Roofmate: O roofmatePT é uma placa de isolamento térmico para coberturas inclinadas (debaixo de telha). É uma placa rígida de espuma de poliestireno extrudido com estrutura de célula fechada, fabricada mediante um processo original. Questão 3.16 Fig. 3.43 Cermet: compósito usado em ferramentas de corte. Fig. 3.44 Lava-loiças. Muitos são feitos de materiais compósitos. São muito resistentes química e mecanicamente. 346 O cermet é um exemplo de um compósito, utilizado em ferramentas de corte (Fig. 3.43). É constituído por uma matriz metálica maleável de cobalto a que se adicionam partículas finas de um material cerâmico de elevada dureza, o carbeto de tungsténio (WC2), como fase de reforço. É um exemplo de compósito particulado. Os materiais cerâmicos utilizados nos compósitos particulados podem ser muito variados: carbeto de tungsténio, carbeto de silício e cerâmicos naturais como pó de granito, quartzo, alumina. O pó de granito também é usado como fase de reforço associada a uma matriz polimérica de resina epóxi. Além da sua aplicação em ferramentas de corte e em electrónica, os compósitos são, como já se referiu, crescentemente aplicados nas indústrias naval, aeroespacial, automóvel e de materiais de construção (Fig. 3.44).