UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO OS ESQUELETOS E OS ENVOLTÓRIOS LEXICAIS EM ENTRADAS LEXICAIS DA LÍNGUA JAPONESA: COMPOSICIONALIDADE, ARBITRARIEDADE E DELIMITAÇÕES DA ARBITRARIEDADE Rachel Antonio Soares Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística, Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Linguística, na Área de Concentração Linguística. Orientador: Professora Doutora Miriam Lemle Rio de Janeiro Fevereiro de 2016 Os esqueletos e os envoltórios lexicais em entradas lexicais da língua japonesa: composicionalidade, arbitrariedade e delimitações da arbitrariedade Rachel Antonio Soares Orientadora: Professora Doutora Miriam Lemle Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Linguística. Rio de Janeiro Fevereiro de 2016 2 FICHA CATALOGRÁFICA Soares, Rachel Antonio Os esqueletos e os envoltórios lexicais em entradas lexicais da língua japonesa: composicionalidade, arbitrariedade e delimitações da arbitrariedade/ Rachel Antonio Soares. Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de Letras, 2016. xi, 151 f.: il. 31 cm. Orientador: Profª. Drª. Miriam Lemle Tese (Doutorado) – UFRJ/ Centro de Letras e Artes. Faculdade de Letras/ Programa de Pós-graduação em Linguística, 2016. Referências Bibliográficas: f. 138-150. 1. Morfologia Distribuída. 2. Derivação. 3. Sufixação. 4. Composicionalidade. 5. Idiomaticidade. 6. Causativas. 7. Japonês. I. Lemle, Miriam. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Letras e Artes – Faculdade de Letras – PPGLing. III. Título. 3 AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer aos familiares – Zulmara Tereza Antonio Soares (mãe), João Gomes Soares (pai) e Tertulina Rezende Antonio (avó) que, mesmo sem terem nenhuma titulação acadêmica, sempre me deram apoio, acompanharam-me e me motivaram durante essa empreitada. Agradeço aos meus alunos japoneses a quem já dei e dou aula de português atualmente por serem mais do que alunos, serem fornecedores de dados e até de explicações para a compreensão de alguns dados expostos nesta tese; e aos meus alunos brasileiros aos quais ministro aulas de japonês, que tanto acreditaram e apoiaram o desenvolvimento desta pesquisa. Agradeço à minha orientadora, professora doutora Miriam Lemle que, desde a época do Mestrado, já se interessava por questões diversas em relação ao japonês, e no momento em que decidi prestar o concurso para dar entrada no Doutorado, aceitou abraçar a pesquisa, ainda que da língua japonesa conhecesse apenas textos de análise gramatical na linha gerativista. À professora Márcia Maria Damaso Vieira, que me introduziu nos primeiros conhecimentos sobre Gramática Gerativa e sobre línguas indígenas nas suas aulas de Linguística III na graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, estimulando meu interesse em pesquisar cada vez mais sobre a língua japonesa, com a qual completei minha graduação no ano de 2008. À professora Eli Aisaka Yamada, que acompanhou todos os meus passos desde quando eu era apenas uma estudante de japonês recém-ingressada na Graduação de Letras PortuguêsJaponês em 2004, até a minha formação como Professora de Japonês e Português para Estrangeiros e como pesquisadora em nível de Mestrado e Doutorado interessada na comparação de nossas línguas nativas pelas ferramentas teóricas da Gramática Gerativa. 4 SOARES, Rachel Antonio. Os esqueletos e os envoltórios lexicais em entradas lexicais da língua japonesa: composicionalidade, arbitrariedade e delimitações da arbitrariedade. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2016. 151 f. Tese de Doutorado em Linguística. RESUMO A presente tese tem como objetivo identificar contextos sintáticos na língua japonesa nos quais podem emergir leituras idiomáticas: na formação de nomes, com foco no processo de sufixação, e na formação de verbos, com foco na leitura de causatividade. A metodologia deste trabalho toma por pauta a teoria da Morfologia Distribuída (MD). A derivação de palavras em japonês não exibe muitas camadas e recategorizações, como no português. Com isso, em japonês, é muito maior a chance de encontrarmos palavras complexas predominantemente com significado transparente, ou seja, com leitura composicional. Apesar dessa diferença estatística, o japonês também tem no seu léxico palavras complexas com leitura idiomática. Na seção voltada para a derivação de palavras, temos como foco as nominalizações geradas a partir de dois grupos de sufixos: sufixos que atribuem significado de ocupação a uma entidade de traço [+ humano] (-in, -sha e -ka) e sufixos de traço [- humano] que portam o significado de ‘espaço’, ‘local’ (-kan, -shitsu e -ya). A identificação da camada na qual a leitura idiomática incide se dá a partir da comparação com os casos bem comportados, ou seja, aqueles em que a leitura das palavras complexas é composicional. Em relação às formas linguísticas portadoras da noção de causatividade, persistindo no objetivo de assinalar onde a idiomatização pode acontecer, pretendo conseguir, por uma tipologia básica, uma apresentação original sobre a formação e os tipos de causativas no japonês (causativas lexicais, sintáticas, zero e adversativas) para, a seguir, focalizar a questão da incidência da leitura idiomática em construções causativas (causativas lexicais) e suas nominalizações – com foco em awase. PALAVRAS-CHAVE: língua japonesa, morfologia distribuída, sufixos, causatividade, leitura idiomática 5 SOARES, Rachel Antonio. The skeletons and the lexical wraps in Japanese Language Lexical Entries: compositionality, arbitrariness and delimitations of arbitrariness. Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ), Department of Linguistics, 2016, 151 p. Doctoral Thesis on Theoretical Linguistics. ABSTRACT This thesis aims to identify syntactical contexts in which idiomatic readings might develop in the Japanese language: in formation of names, focusing on suffixation process, and formation of verbs, focusing on causativity reading. The methodology of this work is based on the theory of Distributed Morphology (DM). Words derivation in Japanese does not present many layers and recategorizations as in Portuguese. Thus, in Japanese the chance of finding complex words predominantly with clear meaning, i.e., compositional reading is higher than in Portuguese. Despite this significant difference, Japanese also has complex words with idiomatic reading in its lexicon. In the section dedicated to the derivation of words, we focus the nominalizations generated from two groups of suffixes: suffixes that attach meaning of occupation to a [+ human] entity (-in, -sha and -ka) and suffixes that are [- human] entity and carry the meaning of ‘place’ (-kan, -shitsu and -ya). The layer identification in which the idiomatic reading relates, occurs from the comparison among well-behaved cases, namely, those in which the reading of complex words is compositional. Regarding linguistic forms bearing the notion of causativity, persisting to point out where idiomatic reading can happen, I intend to pull an original presentation, through basic typology, on causative formation and types of causative in Japanese (lexical causative, syntactic causative, zero-causative and adversative causative). Hence, focusing on the issue of idiomatic reading incidence on causative constructions (lexical causative) and its nominalizations, concentrating on awase. KEYWORDS: japanese, distributed morphology, suffixes, causativity, idiomatic reading 6 (...) utsukushii mono, tadashii mono wa hito sorezore no kokoro no naka ni aru node atte, kotoba wa sono kankaku o han’ei saseru tsūru (...) kotoba no hontō no kachi wa, kotoba sono mono yori mo, kotoba to sore o mochiiru hito no kankeisei no naka ni aru node wa aru mai ka.1 (Haruki Murakami) 1 Tradução: ...a(s) coisa(s) bela(s), a(s) coisa(s) certa(s) está(ão) dentro do coração de cada pessoa e a palavra é a ferramenta que faz refletir essa percepção (...) o verdadeiro valor da língua, mais do que as próprias palavras, não deveria estar dentro das palavras e do relacionamento das pessoas que as usam? 7 SUMÁRIO AGRADECIMENTOS................................................................................................ 4 RESUMO.................................................................................................................... 5 ABSTRACT................................................................................................................ 6 0 – NOTAS PRELIMINARES, ABREVIAÇÕES E CONVENÇÕES................ 10 1 – INTRODUÇÃO................................................................................................... 11 1.1 Pressupostos teóricos...................................................................................... 14 2 – A ESTRUTURA SENTENCIAL....................................................................... 18 2.1 Classes de palavras.......................................................................................... 18 2.1.1 Nomes....................................................................................................... 18 2.1.2 Marcação de caso...................................................................................... 20 2.1.3 Adjetivos................................................................................................... 21 2.1.4 Advérbios.................................................................................................. 24 2.1.5 Verbos....................................................................................................... 26 2.1.6 Ordem das palavras.................................................................................. 27 3 – DERIVAÇÃO DE PALAVRAS......................................................................... 34 3.1 Formação de palavras....................................................................................... 36 3.2 Sufixos referentes à profissão........................................................................... 46 3.2.1 Sufixo -in.................................................................................................. 46 3.2.2 Sufixo -sha............................................................................................... 48 3.2.3 Sufixo -ka................................................................................................. 54 3.2.4 Casos de idiomaticidade............................................................................. 58 3.3 Sufixos referentes a locais.............................................................................. 60 3.3.1 Sufixo -kan............................................................................................... 60 8 3.3.2 Sufixo -shitsu............................................................................................ 63 3.3.3 Sufixo -ya................................................................................................. 65 3.3.3.1 Outras características do sufixo -ya: traço [+ humano] ...................... 70 3.3.3.2 Mais de uma camada na composição.................................................... 73 3.3.3.3 No compasso da idiomaticidade............................................................ 77 4 – RELAÇÃO ENTRE FORMA LEXICAL E CONTEXTO SINTÁTICO DE VERBOS CAUSATIVOS.................................................................................. 84 4.1 Voz causativa.................................................................................................. 84 4.1.1 Operações de ajuste de valência............................................................... 85 4.1.2 Causatividade............................................................................................ 86 4.1.2.1 Causativas lexicais............................................................................ 88 4.1.2.2 Causativas morfológicas................................................................... 90 4.1.2.3 Causativas perifrásticas/analíticas.................................................... 91 4.1.3 As causativas no japonês – o morfema causativo -(s)ase...................... 92 4.1.4 Tipos de causativas................................................................................... 97 4.1.4.1 Causativas lexicais............................................................................ 97 4.1.4.2 Causativas sintáticas......................................................................... 98 4.1.4.3 Causativas-zero: causativas sem -(s)ase........................................ 102 4.1.4.3.1 Verbos transitivos versus verbos intrasitivos no japonês.............. 103 4.1.5 Causativas adversativas.......................................................................... 116 4.1.6 Verbos causativos idiomatizados........................................................... 119 4.1.7 Recategorizações e nominalizações em causativas idiomatizadas......... 121 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 137 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................... 139 9 0 – NOTAS PRELIMINARES, ABREVIAÇÕES E CONVENÇÕES Existem diversos sistemas de transliteração para o japonês, como, por exemplo, entre outros: Kunrei-shiki (ISO 3602) e o Nihon-shiki (ISO 3602 estrito). O sistema adotado neste trabalho é o Hepburn2. Quanto às abreviações, adotei a lista a seguir: ACC acusativo LOC locativo ASP aspecto NOM nominativo CAUS causativo NOMIN nominalizador COP cópula PRES presente DAT dativo PAS passiva DET determinante PST passado EST estativo TOP tópico FON fonte TRANS transitivizador HON honorífico TRAT sufixo de tratamento IMP imperativo 2 As normas de transliteração para o japonês referente a esse sistema estão registradas no site da Organização Internacional de Padrões (ISO) – http://www.iso.org/iso/home.html, sob o código ISO 3602:1989. 10 1 – INTRODUÇÃO O objetivo deste trabalho é tratar a leitura idiossincrática na formação de nomes com foco no processo de sufixação e na causatividade no japonês. O interesse teórico nesse empreendimento está na distinção minuciosa entre os casos de leitura composicional da forma sintaticamente derivada em relação à forma básica e os casos em que a estrutura sintática derivada ganha leitura idiomática. A localização da leitura idiomática é o ponto em questão. Sabemos pouco sobre o limite que vem da GU sobre a dimensão possível do fenômeno da mudança semântica idiomática. Marantz (1997) propõe a posição do agente de verbos transitivos como um limite dado pela GU para a formação da leitura idiomática: (1) limite para o domínio de um significado especial agente nó projetando o agente (Traduzido de MARANTZ, op. cit., p. 208) Marantz (op. cit.) constatou que a partir do ponto em que é mergido o sintagma que projeta o agente, fica delimitado daí para baixo o âmbito de um domínio local que admite leitura idiomática. Sendo assim, a possibilidade de idiomatização não pode incluir o agente. Para que a análise da formação de nomes por sufixação não se tornasse extremamente extensiva, procurei fazer um recorte de sufixos tal que me proporcionasse certa abundância de dados nesta proposta de identificar leituras idiomáticas e caracterizá-las em relação às composicionais. Dividi os sufixos em dois grupos: sufixos responsáveis por produzir palavras que portam o sentido de ‘trabalho’, ‘profissão’ (-in, -sha e -ka) e sufixos que portam o sentido de ‘espaço’, ‘lugar’ (-kan, -shitsu e -ya). Já em relação à causatividade, a abordagem aqui pretendida é primeiramente apresentar como se dá o processo de formação de causativas no japonês abordando sua composicionalidade e, em seguida, levantando a questão que é o cerne deste estudo, a formação de leituras idiomáticas em construções causativas e suas nominalizações. 11 A propriedade específica da língua japonesa que a torna interessante para esta pesquisa é a sua alta analiticidade: os morfemas gramaticais são facilmente depreensíveis e sua função costuma ser fácil de determinar. Em decorrência dessa propriedade, a distinção entre o efeito semântico da estrutura sintática e o da raiz é mais fácil de fazer do que em línguas em que muitas peças vocabulares são porte-manteau. O que parece ser prático para distinção e interpretação entre estrutura sintática e efeito semântico pode se tornar complexo quando há leituras idiomáticas. A questão a ser desenvolvida neste estudo diz respeito à interface entre sintaxe e semântica: até que ponto as estruturas morfológicas das palavras envolvidas com o grupo de sufixos selecionados por mim e as envolvidas com a causatividade elicitariam leituras composicionais e, havendo leitura(s) idiomática(s), em quais camadas tais tipos de leitura(s) podem/poderiam ocorrer? A possibilidade de incidência da leitura idiomática nos fornece um critério para a segmentação de constituinte sintático. Em outras palavras, ao identificar leituras idiomáticas em constituintes, estaremos identificando constituintes. Esse simples passo para a identificação de unidade sintática a partir do significado não composicional se constitui num instrumento de trabalho interessante para o linguista. No caso específico dos verbos, a tarefa central é mostrar a relação entre os possíveis esqueletos sintáticos em que um verbo pode ocorrer e sua leitura em cada contexto, destacando a polissemia que pode decorrer da mudança de estrutura sintática. Por exemplo, tome-se o verbo ‘levar’ em português nas sentenças: (i) O Fluminense levou. (= venceu) (ii) Maria levou um susto. (iii) Chapeuzinho Vermelho levou um bolo para a sua avó. (iv) Quem levou a pior fui eu. (v) Você devia parar com esse leva-e-traz. Não pode ser encontrado para todos esses exemplos um significado persistente para o verbo ‘levar’. A interdependência entre a estrutura sintática e a leitura semântica é uma questão crucialmente importante nesta pesquisa, uma vez que a teoria que nos dita a pauta é fortemente sintático-cêntrica. Isto quer dizer que, assim como há palavras ambíguas entre leitura idiomática e 12 leitura composicional (transmissor), também há sentenças que podem ser lidas de duas maneiras: ‘hoje tenho que descascar aquele abacaxi que eu te falei ontem’. Nesse caso, a palavra ‘abacaxi’ pode se referir à fruta ou a um problema. A análise do referido anteriormente será à luz da Morfologia Distribuída (MD), buscando comparar a leitura composicional e idiomática dos dados do japonês e onde essa leitura idiomática se dá. O capítulo dois é dedicado à estrutura sentencial das palavras do japonês, contendo explicações em relação à categoria de nomes, marcação de caso, adjetivos, advérbios, verbos e à ordem de seus constituintes. O capítulo três abordará o tema referente à derivação de palavras, apresentando uma breve introdução da Morfologia Distribuída e, posteriormente, o desenvolvimento quanto à derivação de nomes de acordo com o recorte de sufixos feito por mim, apresentando as distinções entre leituras composicionais e idiomáticas. O capítulo quatro tem por objetivo apresentar as questões composicionais e idiomáticas relacionadas aos verbos causativos no japonês. Primeiramente apresento uma síntese sobre os tipos de causativas nas línguas naturais para posteriormente focar nos três tipos de construções causativas na língua japonesa, a saber: as causativas lexicais (improdutivas), as causativas sintáticas (produtivas) e as causativas-zero. A partir daí, levantei alguns casos de idiomaticidade tanto em causativas quanto em nominalizações de causativas. A derivação de palavras em japonês não possui muitas camadas e recategorizações, como no português. Com isso, observamse palavras com sentido transparente, ou seja, com leitura composicional. O desafio lançado neste trabalho é o de identificar os contextos em que essas idiomatizações se dão. 13 1.1 Pressupostos teóricos A Morfologia Distribuída surgiu em decorrência da descoberta de que há menos diferença entre a sintaxe da sentença e a estrutura de palavras do que estava sendo assumido na Teoria Lexicalista. Temos, em palavras grandes, leituras inteiramente composicionais, como dedetização, invisibilizar, costureira, reajustar, cooperar. Observações desse tipo em inglês levaram Alec Marantz a dizer que temos “syntax all the way down” (sintaxe até o interior das palavras). Por outro lado, leituras idiomáticas são encontradas não apenas em palavras, mas também em unidades maiores, como em palavras compostas e/ou expressões que utilizamos na vida cotidiana: [tirar o cavalinho da chuva] SV (renunciar a fazer algo), [morrendo de fome] SV (com muita fome), [careca de saber disso] SA (conhecedor de um assunto), [lua de mel] SN (viagem de núpcias), [pé-de-cabra] SN (ferramenta). O japonês também exibe construções semelhantes: Quadro 1: Expressões em japonês – exemplos de leituras composicional e idiomática [abunai hashi-o watar-u] SV Leitura Composicional Leitura Idiomática atravessar uma ponte perigosa correr risco perigoso ponte-ACC atravessar-PRES [abura-o kake-ru] SV colocar, passar óleo óleo-ACC passar-PRES [koshi nuk-i-Ø] SV instigar, provocar, encorajar uma pessoa tirador de quadril covarde embaixo da(s) manga(s) suborno depois do festival já é tarde demais quadril tirar-verbalizador-Ø [sode-no shita] SN manga-GEN embaixo [ato-no matsuri] SN depois-GEN festival A idiomatização pode incidir em qualquer nível da estrutura sintática de uma palavra complexa. No português, por exemplo temos ‘organizar’. A raiz ‘órgão’ pode deixar de ser conscientemente percebida pelo falante, embora diacronicamente o verbo contenha o nome ‘órgão’. Em ‘arruaceiro’, temos dentro o nome ‘arruaça’, o qual por sua vez contém o nome 14 ‘rua’. A relação semântica entre o nome ‘rua’ e o nome ‘arruaça’ é idiossincrática, porém, a relação semântica entre ‘arruaça’ e ‘arruaceiro’ é regular. Em ‘eles estão ainda levantando os dados para o censo de 2015’, o verbo ‘levantar’ perde o conceito ‘para cima’ se seu objeto direto for um nome abstrato: ‘levantar dúvidas’, ‘levantar suspeita’, ‘levantar informação’. No caso de ‘levantar’, vemos que a idiomatização requer um contexto que inclua o objeto direto. Outras idiomatizações que incluem o complemento do verbo são ‘picar a mula/burra’ (sair correndo), ‘tirar de letra’ (fazer algo com facilidade), ‘chutar o balde’ (desistir). Observações sobre dados em inglês semelhantes aos mostrados acima sustentam a proposta teórica feita por Marantz (1997), denominada Morfologia Distribuída (MD), que difere da Teoria Lexicalista por estender a sintaxe até o interior das palavras e admitir três listas: Lista 1 – sistema computacional ou sintaxe; Lista 2 – itens do vocabulário; Lista 3 – enciclopédia. Uma representação gráfica desse modelo foi desenhada por Harley & Noyer (1999), conforme mostrado a seguir: 15 (2) Traços Morfossintáticos Lista 1 [Det] [1ªp] [pl] etc. Operações Sintáticas (concatenar, mover, copiar) Forma Lógica Operações Morfológicas Forma Fonológica (inserção de itens vocabulares, reajustamento, regras fonológicas) Lista 2 Itens Vocabulares /cachorro/: [raiz] [+ contagem] [+ animado]... /-s/: [Num][pl]... Interface Conceitual ( ‘significado’ ) Lista 3 Enciclopédia (conhecimento não linguístico) cachorro: quatro patas, canino, animal de estimação, às vezes morde, etc. gato: quatro patas, felino, animal de estimação, ronrona, arranha, etc. (Traduzido de Harley & Noyer, 1999:3) 16 A lista 1 abriga itens abstratos, ou seja, ainda desprovidos de representação fonológica e concatenados pela operação de juntar (merge). A lista 2 contém peças de vocabulário já com características fonológicas. As peças de vocabulário são divididas em dois tipos: raízes e peças funcionais, como nominalizadores, morfemas indicadores de tempo, entre outros. Tudo é computado na sintaxe e o léxico final é listado na lista 3, a Enciclopédia. Vale ressaltar que a idiomaticidade está presente na Enciclopédia, visto que é onde as peças de vocabulário e significados são relacionados. De acordo com a MD, a listagem de peças fonológicas – característica inevitável para qualquer teoria da gramática de língua humana – é o componente da gramática mais semelhante possível ao léxico da versão minimalista da Gramática Gerativa. A MD não pode dispensar uma lista de peças fonológicas que recebem funções específicas ao serem inseridas em uma sentença. O que não está compatível com a MD é incluir palavras complexas no léxico com a semântica composicional. Palavras como wakar-azu-ya, teawase, entre outras a serem abordadas nesta tese, não têm na sua entrada de dicionário a descrição do significado composicional mas, sim, o seu significado final, já idiomatizado. A partir dessas assunções teóricas, pretendemos nesta tese focar a sintaxe das palavras com significados composicionais e idiossincráticos. Ao tratar de palavras nominalizadas, utlizo o recorte dos dois grupos de sufixos já citados anteriormente. Com base nas causativas e suas nominalizações, focalizarei a localização das idiomatizações. 17 2 – A ESTRUTURA SENTENCIAL A língua japonesa, atualmente, é falada não só no Japão, mas também em outros territórios, como Havaí, Peru, Taiwan, Brasil, entre outros países. Registra-se um total de 127 milhões de falantes não só no Japão, mas no mundo todo3. A difusão da língua japonesa no Brasil se deve às imigrações em massa feitas pelos japoneses nos anos de 1908, 1910, até mais ou menos 1915. Linguistas japoneses como Izui (1953), Ōno (1970) e Murayama (1976) supõem que a formação da língua japonesa tenha ocorrido durante o período Jomon4 – até 200 a.C. Sabe-se que o japonês sofreu diversas influências do chinês e do coreano ao longo dos tempos, até ser politicamente considerado como língua5. Os japoneses eram ágrafos, e é sabido que, por meio de embaixadores enviados à China pelo príncipe regente Shotoku (574-622 d.C.), o povo japonês pôde ter a representação escrita de sua língua pela importação da grafia dos kanji (ideogramas). É uma língua de caráter aglutinante, possuindo um sistema complexo de construções honoríficas que modificam a estrutura de nomes, verbos e até de alguns advérbios e adjetivos, alterando sua forma ou substituindo-as por palavras mais particulares. Construções ou o uso de palavras específicas dependerão da posição hierárquica dos interlocutores. 2.1 Classes de palavras 2.1.1 Nomes Tal como no português, o nome no japonês é utilizado para indicar objeto (buttai), matéria (busshitsu), pessoa (jinbutsu), lugar (basho), entre outros. É uma categoria que expressa a ideia geral, o conceito, sem ter ligação com a passagem de tempo e invariável em relação a gênero (masculino, feminino ou neutro) e número (singular e plural), ao contrário do português. Relaciona-se com verbos, adjetivos, etc. por meio de morfemas que indicam marcação de caso. De acordo com a gramática japonesa, os nomes são chamados de meishi e estão alocados no 3 https://www.ethnologue.com/language/jpn Período compreendido entre 8.000 a.C. a 300 a.C. 5 IZUI (1953), ŌNO (1970) e MURAYAMA (1976) supõem que a língua japonesa possui fortes influências da língua austronésica (malaio-polinésia), além dos tungus (altaicos) e coreanos. 4 18 grupo denominado taigen. A noção de taigen é comumente introduzida como palavras, itens sem flexão. Porém, mais do que isso, taigen é um grupo cujos itens possuem autonomia (jiritsugo6) e podem receber marcação de caso nominativo, acusativo, dativo e genitivo, a serem apresentados na próxima subseção (2.1.2 Marcação de Caso). Como no português, os meishi também são divididos em abstratos (chūshōmeishi 7 ) e concretos (gushōmeishi8/gutaimeishi9). Dentro dessa noção, temos diferenças e classificações de meishi10: (a) meishi – é equivalente ao nome em português: neko (gato), hana (flor), kaze (vento). Nomes compostos como ao-zora (céu-azul, literalmente ‘azul-céu’) também se encontram nessa categoria. Vale ressaltar que ainda internamente à categoria dos meishi há a subdivisão de outros grupos, mas que não serão citados neste trabalho. (b) daimeishi – é equivalente à classe dos pronomes; é dividido em shijidaimeishi (pronomes demonstrativos e interrogativos) e jindaimeishi (pronomes pessoais): kore (isto), koko (aqui), watashi (eu), anata (você), kare (ele). (c) sūshi – em relação à classe dos numerais, o japonês exibe dois sistemas para realizar a contagem de itens, entre outros. Nos primórdios, havia apenas um tipo de contagem no japonês que ia de 1 a 10, representado pelo sufixo -tsu, sendo que seu uso era limitado até o número 9 (Yamamoto, 2005). Após o contato com o chinês, foi absorvida a noção de números que iam além do 10. E tudo indica que após esse contato, o japonês 6 jiritsugo: jiritsu = autônomo, independente; go = palavra; chūshōmeishi: chūshō = abstrato; meishi = nome; 8 gushōmeishi: gushō = concreto; meishi = nome; 9 gutaimeishi: gutai = concreto; meishi = nome; 10 Existem diversas propostas de divisão para grupos e itens na taxonomia da língua japonesa (YAMADA, 1970; WATANABE, 1974; TOKIEDA, 1969), porém, a divisão adotada é baseada na taxonomia da língua japonesa segundo HASHIMOTO (1967). Tal sistematização é adotada e ensinada nas escolas japonesas. 7 19 expandiu seu sistema de contagem incluindo classificadores 11 para detalhar objetos, seres animados, inanimados, entre outros12, exibindo uma restrição semântica. 2.1.2 Marcação de caso No japonês, o caso é morfológico, marcado por morfemas comumente chamados de partículas ou posposições. Na gramática japonesa, as partículas que indicam caso são chamadas de kakujoshi 13 . Basicamente, temos quatro partículas responsáveis pela marcação de caso no japonês: Quadro 2: Partículas e Atribuição de caso PARTÍCULA CASO -ga nominativo -o acusativo -no genitivo -ni dativo Vale ressaltar que, das quatro partículas mencionadas, -ga e -o não possuem tradução para o português, visto que no português o caso é abstrato/estrutural, ao contrário de -no e -ni, que podem ser traduzidas como ‘de / do / da’ e ‘para / em / no / na’, respectivamente. Ao se adjungirem ao nome, as partículas atribuem caso e, consequentemente, função sintática ao termo como se pode observar nos exemplos que ofereço a seguir: 11 Alguns linguistas como Mano (2012) preferem utilizar o termo josūshi (jo = auxiliar; sūshi = numeral) a sūshi, pois os classificadores, na verdade, são sufixos adjungidos aos numerais. 12 De acordo com DOWNING (1996, p. 46), é praticamente impossível resgatar a informação sobre há quanto tempo os classificadores foram concretizados no japonês, porém, menciona que o mais antigo classificador, de acordo com os registros, é -tsu, que ‘...represents an extremely abstract category’. 13 Classificação dada por TOKIEDA (1969). Vale ressaltar que há uma dissociação entre os gramáticos em relação à classificação das partículas kakujoshi: YAMADA (1971), além de -ga, -o, -no e -ni, também considera como kakujoshi a partícula -to, que significa ‘com, companhia’; HASHIMOTO (1967) apenas considera -ga, -o e -e (para) partículas de caso. WATANABE (1974) não utiliza o termo kakujoshi para indicar as partículas de caso, acomodando-as em outros grupos. Para WATANABE, -ga, -ni e -o pertencem ao grupo renyōjoshi (partículas adverbiais), enquanto que -no pertence ao grupo rentaijoshi (partículas adnominais). 20 (3) Yamada-ga ne-ru. Yamada-NOM dormir-PRES Yamada dorme. (4) Yamada-ga terebi-o mi-ru. Yamada-NOM televisão-ACC ver-PRES Yamada vê a televisão. (5) Yamada-no kaban-ga ōkii14. Yamada-GEN bolsa-NOM grande A bolsa do(a) Yamada é grande. (6) Yamada-ga haha-ni hana-o age-ru. Yamada-NOM mãe-DAT flor-ACC dar-PRES Yamada dá flor(es) para (a própria) mãe. Vale ressaltar que as partículas -ni e -o desempenham outras funções como, por exemplo, a de preposição, além da atribuição de caso. 2.1.3 Adjetivos Vernaculamente 15 , o japonês possui duas classes de adjetivos, chamadas keiyōshi e keiyōdōshi. No ensino de japonês como língua estrangeira, tais nomes são substituídos pelos termos ‘adjetivo -i’ e ‘adjetivo -na’, respectivamente. Como o próprio nome diz, os ‘adjetivos -i’ são aqueles que têm sua terminação em -i, e os ‘adjetivos –na’ possuem terminação em -na. Os keiyōshi (adjetivo -i) são uma categoria estabelecida na divisão de classes da gramática japonesa, ao contrário do keiyōdōshi (adjetivo -na). Ainda que ambos sejam responsáveis por 14 O adjetivo ōkii, tal como todos os adjetivos no japonês, não possui marca de concordância, gênero e nem de caso. Sua concordância está condicionada à relação direta com as partículas -ga, que atribui caso nominativo, e -wa, que indica tópico. 15 HASHIMOTO (1967). 21 qualificar nomes atribuindo qualidade ou estado, há algumas diferenças morfológicas e flexionais que geram certo distanciamento entre as classes. A seguir, apresento dados que mostram tanto os keiyōshi quanto os keiyōdōshi desempenhando função predicativa e também função atributiva: ADJETIVOS ‘-I’ (7) Sakana-wa oishii16. (função predicativa) peixe-TOP gostoso Peixe (é) gostoso. (8) Oishii sakana-o tabe-ta. (função atributiva) gostoso peixe-ACC comer-PST Comi (um) peixe gostoso. ADJETIVOS ‘-NA’ (9) Tōkyō-wa nigiyaka da. (função predicativa) Tóquio-TOP agitado-COP Tóquio é animada. (10) Tōkyō-wa nigiyaka-na machi da. (função atributiva) Tóquio-TOP agitado-COP cidade-COP Tóquio é uma cidade animada. Em relação às diferenças morfológicas e flexionais, Morales (2012, p. 164) afirma que os keiyōshi “... possuem lugar cativo no quadro de predicadores por serem dotados de asseveração e 16 A cópula no japonês é representada pelo morfema da. Entretanto, há outras representações de cópula tanto para formas polidas quanto para formas não polidas, que não serão discutidas neste trabalho, visto não serem foco desta pesquisa e por tal assunto já ter sido abordado na minha dissertação de Mestrado (SOARES, 2011:115-120). Sobre os adjetivos -i, tal classe se manifesta sem a necessidade da cópula -da, caracterizando fenômeno semelhante à Small Clause. Para mais informações, consultar SOARES (2011:108-113). 22 por terem caráter flexional, e equiparados aos predicadores de ação dōshi”. O termo dōshi ao qual a pesquisadora se refere é comumente traduzido como ‘verbo’, porém, a autora prefere adotar o termo não só para relacionar verbos mas sim “... no que diz respeito às propriedades de descrever ações; o dōshi não possui, por exemplo, conjugação, e no seu lugar há flexões que podem variar de acordo com os auxiliares verbais aos quais se ligam”. (Morales, op. cit.) Já em relação aos keiyōdōshi, Morales (2012) menciona que surgiram na Era Heian (7941185) quando os keiyōshi se tornaram escassos para o uso na literatura que estava se distanciando dos moldes da literatura chinesa e finalmente estava tomando a forma de uma literatura propriamente original, com elementos linguísticos e culturais do povo japonês. A escassez dos keiyōshi na língua culminou com a procura por novas palavras. Assim, recorreu-se a palavras que poderiam expressar a mesma função de um keiyōshi. Para isso, os nomes selecionados eram tratados como se fossem raízes e, a partir disso, eram mergidos com os morfemas nari17 e tari. Com a evolução da língua, sabe-se que nari se tornou na. A combinação gerada é o que conhecemos atualmente – o ‘adjetivo -na’. A complexidade em sua ‘existência’ causa bastante atrito entre gramáticos (Yamada, Tokieda, Hashimoto, entre outros) e linguistas (Teramura, 1982), já que ora aparenta ser um adjetivo genuíno (pois atribuem qualidade ou estado), ora apresenta-se apenas como um nome (sua flexão é idêntica a do nome – nome + cópula da, mas não há relação com a flexão dos keiyōshi). É justamente a partir desse aparente ‘desequilíbrio comportamental’ que são geradas opiniões e, consequentemente, classificações sobre o grupo. Morales (2012) comenta que durante a evolução da análise semântica e sintática da língua japonesa, a classificação em relação aos keiyōshi foi e ainda é bastante debatida entre gramáticos e linguistas de épocas distintas, visto suas características destoarem do próprio keiyōshi: como já mencionado, os keiyōdōshi são acompanhados pelas desinências na e da; visto isso, discute-se se as palavras que carregam essas desinências podem ser reconhecidas como unitárias ou não. Morales (op. cit.) menciona que, separados os morfemas na e da, configurariam elementos semânticos soltos, sem função sintática. O na é classificado por Narahara (2002) como uma forma de cópula pré-nominal, ou seja, que 17 MORALES (2014, p. 165) menciona que a forma nari já é uma forma aglutinada de ni (locativo) + ari (verbo copular de existência). 23 precede o nome, enquanto que da é a versão informal da cópula desu que, por sua vez, tem origem na forma verbal de gozaimasu. 2.1.4 Advérbios Quanto aos advérbios, têm função semelhante ao português, porém, têm certas peculiaridades: (i) Apesar da mobilidade dentro da sentença, há casos em que a mudança de posição do advérbio muda o sentido da sentença, como yoku, por exemplo: (11) Watashi-wa hon-o yoku yom-u. (modifica a quantidade de livros) eu-TOP livro-ACC bastante ler-PRES Eu leio bastante livro(s). (Fonte: a autora) (12) Watashi-wa yoku hon-o yom-u. (modifica a frequência da atividade) eu-TOP frequentemente livro-ACC ler-PRES Eu leio livro(s) frequentemente. (Fonte: a autora) (ii) Onomatopeias com função adverbializadora. Estão dividas em dois tipos: giseigo 18 e gitaigo19. Os giseigo são palavras que refletem o som de determinado objeto, animal, etc. Já os gitaigo são palavras que focam na maneira, no modo de uma ação. A maioria das onomatopeias, tanto as do tipo giseigo como gitaigo são palavras duplicadas, como o que pode ser observado nos dados a seguir: 18 giseigo = palavra onomatopaica (gisei = onomatopeia; go = palavra). Também pode ser chamada de giongo (gion = efeito sonoro, efeito imitativo; go = palavra) 19 gitaigo = palavra mimética (gitai = mimetismo; go = palavra) 24 (13) Giseigo (13.1) Ame-ga zāzā fur-u. chuva-NOM zāzā chover-PRES Chove forte. (Dicionário Eletrônico Aedict) (13.2) Kanojo-ni a-u tabi ni mune-ga dokidoki sur-u. ela-com encontrar-PRES toda vez peito-NOM dokidoki fazer-PRES O meu peito palpita toda vez que encontro com ela. (Dicionário Eletrônico Aedict) Observa-se quem em (13.1), o termo zāzā, além de expressar o som da chuva, também é responsável por adicionar valor semântico da intensidade da chuva. No caso, zāzā também relaciona quantidade e intensidade de uma chuva forte. Já em (14.1), a repetição dokidoki, além de indicar o som do coração palpitando, também adiciona a semântica de velocidade e certo nervosismo – ou até ansiedade – por parte do falante. (14) Gitaigo (14.1) Kanojo-wa nikkori warat-ta. ela-TOP (tipo de)sorriso sorrir-PST Ela sorriu. (Dicionário Eletrônico Aedict) (14.2) Kirakira shi-ta me. (tipo de) brilho fazer-PST olho(s) Olho(s) brilhante(s) (olhos que fizeram brilho). (Dicionário Eletrônico Aedict) 25 (iii) Podem funcionar como Item de Polaridade Negativa (IPN)20. O IPN é um item lexical (advérbio, quantificador negativo, conjunção negativa, predicado negativo, entre outros) que ocorre associado à ideia de negação, formando o que é comumente conhecido como negação dupla ou dupla negação. 2.1.5 Verbos Já no que tange à classe dos verbos, a flexão é dividida basicamente em não pretérito e pretérito, imperativo, exortação, continuativo, gerundivo, condicional, perfeito condicional, perfeito suposicional. A pessoa do sujeito não é copiada na flexão verbal. (15) a. Presente (ou não passado) tabe-ru hanas-u ‘comer, falar’ b. Perfeito (ou passado) tabe-ta hanash-ita ‘comeu, falou’ c. Imperativo hanas-e ‘comer, falar’ d. Exortação tabe-yō hanas-ō ‘Vamos comer, falar’ e. Continuativo tabe hanash-i ‘comer e..., falar e...’ f. Gerundivo tabe-te hanash-ite ‘comendo, falando’ g. Condicional tabe-reba hanas-eba ‘se... comer, falar’ h. Perfeito condicional21 tabe-tara hanash-itara ‘se... tiver comido, falado’ i. 22 tabe-tarō hanash-itarō ‘(Eu suponho)...’ Perfeito suposicional tabe-ro tabe-yo (Adaptado23 de KUNO, 1981, p. 27-28) 20 Em inglês, Negative Polarity Items (NPI). KUNO (1981) trata tal forma como ‘perfeito condicional’, visto a constituição da estrutura -tara ser constituída pela marca de passado -ta e o condicional -ra. 22 KUNO (1981) trata tal forma, pois -ta é o morfema que exprime passado, enquanto -rō exprime dúvida, suposição. 23 O termo adaptado foi utilizado para indicar modificações, tais como traduções e reestruturação de glosas nos esquemas propostos pelos autores citados. 21 26 Em relação à morfologia flexional dos predicados do japonês, esta compreende: (16) raiz do verbo / adjetivo / cópula + morfemas gramaticais 2.1.6 Ordem das palavras Sobre a organização dos constituintes na língua japonesa, ela é uma língua tipologicamente classificada como língua de ordem SOV (sujeito – objeto – verbo). Sendo assim, é uma língua de núcleo final. (17) Sumisu-san-wa nihon-de nihongo-o benkyō-shi-tei-ru. Smith-TRAT-TOP Japão-LOC japonês-ACC estudo-fazer-ASP-PRES O Sr. Smith está estudando japonês no Japão. (Makino & Michio, 1986, p. 16) 27 Derivação de (17): TP TOP TP PP TP TOP NP TP 2 Asp T 2 NP TOP 2 N Hon Sumisu san wa PP NP 2 2 N P nihon de VP Asp 2 N Acc nihongo o R V benkyō shi tei ru 28 Formação Sujeito-Adjetivo: (18) Yamakawa-san-wa wakai. Yamakawa-TRAT-TOP jovem O Sr./A Srta. Yamakawa (é) jovem. (Op. cit., p. 18) Derivação de (18): TP ei TOP TP 2 NP TOP 2 N Hon Yamakawa san wa 2 Adj T waka i 29 (19) Yamakawa-san-wa genki da. Yamakawa-TRAT-TOP saudável COP O Sr./A Srta. Yamakawa é saudável. (Op. cit., p. 18) Derivação de (19): ST ei TOP COP 2 NP TOP 2 N Hon Yamakawa san wa 2 Adj COP genki da 30 Formação Sujeito-Verbo: (20) Sumisu-san-wa gakkō-ni ik-u. Smith-TRAT-TOP escola-para ir-PRES O Sr. Smith vai para a escola. (Op. cit., p. 19) Derivação de (20): TP qp TOP TP 3 3 NP TOP 2 N PP TP 2 2 Hon N P V T Sumisu san wa gakkō ni ik u 31 Formação Locativo-Sujeito-Verbo: (21) Kono machi(-ni)-wa daigaku-ga futatsu ar-u. esta cidade (-em)-TOP faculdade-NOM dois haver/existir-PRES. Nesta cidade há duas faculdades. (Op. cit., p. 19) Derivação de (21): TP TOP TP 3 wo PP TOP NP 3 Det 3 Loc 3 TP N N 2 Det N Kono machi N (ni) wa 2 Nom daigaku ga futatsu V T ar u 32 Formação Sujeito-Locativo-Verbo: (22) Daigaku-wa kono machi-ni futatsu ar-u. faculdade-TOP esta cidade-em dois haver/existir-PRES Há duas faculdades nesta cidade. (Op. cit., p. 19) Derivação de (22): TP TOP TP qp PP TP 3 TOP Det 2 2 N TOP Daigaku wa Det P 3 N 2 N kono machi TP ni futatsu V T ar u A generalização formal que vemos nos exemplos (17) a (22) é a ordem de palavras tendo a forma Sujeito/Tópico-Predicado. 33 3 – DERIVAÇÃO DE PALAVRAS Quando pensamos em formação de palavras como parte de formação desse processo, possivelmente logo lembramos de sufixo e prefixo. Sufixos, de maneira feral, tomam uma categoria específica de uma palavra e podem transformá-la em outra categoria. Já em relação aos prefixos, eles podem funcionar como modificadores e reclassificadores. Juntamente a essa observação genérica, temos como base para esta pesquisa a Morfologia Distribuída, que possui três pressupostos básicos: (a) hipótese de uma única máquina (Single Engine Hypothesis); (b) hipótese da raiz (Root Hypothesis); (c) inserção tardia (Late Insertion); Na hipótese (a), a sintaxe é o sistema congregante de palavras e sintagmas submetidos à morfologia e à fonologia, que são módulos independentes. Em (b), a hipótese apresentada é a de que, inicialmente, as raízes são acategoriais; vão adquirindo categorização específica pela concatenação, do ‘mergir’ com outros elementos de categoria já determinada. Já em (c), as categorias sintáticas são abstratas, desprovidas de conteúdo fonológico. Após a sintaxe, tornamse expressões fonológicas por inserção do item vocabular. Tal inserção se dá por uma operação morfológica chamada ‘inserção vocabular’. Com base nos pressupostos (a) e (b), Marantz (2007) dividiu o mecanismo de formação de palavras em dois tipos: (d) palavra derivada de uma raiz (root derived word); (e) palavra derivada de outra palavra (word derived word). Em relação à formação ‘palavra derivada de uma raiz’, as palavras são geradas diretamente de uma raiz, como se pode observar a seguir: 34 (23) x V 3 raiz hashir-u = correr 3 x R V acategorial hashir- -u corr- verbalizador De acordo com a árvore acima, temos uma raiz acategorial e um sufixo – peças que constituirão o VERBO. Nessa formação, temos apenas uma camada/fase. Já na formação ‘palavra derivada de outra palavra’, as palavras são geradas a partir de outra em que a sua categoria já foi determinada anteriormente: (24) v N 3 x raiz 3 y 3 hashiri-kata V (= forma de correr) N 3 x R V acategorial kata modo de, forma de hashir- -i24 corr- A derivação acima mostra inicialmente a primeira fase em que a raiz acategorial se junta a um sufixo verbalizador e, após isso, a um sufixo que atribui categoria de nome. 24 A vogal ‘-i’ disposta no esquema é nada mais do que uma variante fonológica do verbalizador ‘-ru’, visto no esquema anterior. 35 3.1 Formação de palavras Como o mencionado anteriormente, quando se pensa em formação de palavras, o que nos vem à mente são os afixos – sufixos e prefixos. Os sufixos tomam uma categoria específica de uma palavra e podem transformá-la em outra categoria. Em relação aos prefixos, têm a função de se anexar às palavras adicionando ou retirando o significado que já portavam inicialmente. Porém, em algumas línguas, como no próprio japonês, há casos em que o prefixo pode se concatenar com uma palavra e mudar a sua categoria (Tagawa, 2007), tal como um sufixo. Visto isso, preferimos reformular a definição para prefixos como peças que podem funcionar como modificadores e também como reclassificadores. Com a finalidade de analisar o mecanismo de formação de palavras, busquei primeiramente identificar as possíveis formações de palavras no japonês, como, por exemplo, N→N, N→V, N→A, V→N, A→N, entre outras. Para tanto, dispomos as possibilidades de formação de palavras como consta no quadro a seguir: Quadro 3: Possíveis formações de palavras no japonês FINAL NOME VERBO ADJETIVO NOME (1) (2) (3) VERBO (4) (5) (6) ADJETIVO (7) (8) (9) INICIAL Com base na tabela apresentada, levantei diversos dados, porém, das formações analisadas, só não encontrei dados que gerassem a formação adjetivo → adjetivo. Como os dados são bastante numerosos, disporemos aqui apenas dois dados de cada formação para: 36 (i) Formação nome → nome, sufixos -jin e -yō: (25) Yamada-wa nihon-Ø-jin da. Yamada-TOP Japão- Ø - sufixo indicador COP de nacionalidade Yamada é japonês/japonesa. (Fonte: a autora) N N 3 nihon Ø Japão (26) jin indicador de nacionalidade Kodomo-Ø-yō isu. criança- Ø - para cadeira uso Cadeira para crianças. (Dicionário Weblio) N N 3 kodomo criança Ø yō para uso 37 (ii) Formação nome → verbo: (27) John-ga nihongo-o benkyō-su-ru. John-NOM língua japonesa -ACC estudo-fazer-PRES John estuda/estudará a língua japonesa. (Fonte: a autora) V ru N V ru R N benkyō Ø estudo suru fazer (28) Mushimushi shi-te ase-bamu. (tipo de)abafado fazer-e suor-ser/sentir-se Sentir-se quente e suado. (Dicionário Genius) V ru N V ru R N ase Ø suor bamu ser/sentir 38 (iii) Formação nome → adjetivo (formação de adjetivo -i com o sufixo -ppoi ou formação de adjetivo -na com o sufixo -teki(na)): (29) Kodomo-Ø-ppoi hanashi-kata. criança-Ø- do tipo falar-modo, forma de Modo de falar pueril. (Dicionário Sūpā Daijirin) A N 3 kodomo Ø criança (30) Dentō-Ø-tekina ppoi do tipo gyōji. tradição-Ø- característica/estado evento(s) Evento(s) tradicional(is). (Dicionário Genius) A N 3 dentō tradição Ø teki (na) característica/estado 39 (iv) Formação verbo → nome, com o sufixo -kata: (31) Hanbāgā-no tabe-kata. hambúrguer-GEN comer-modo, forma de Modo de comer o hambúrguer. (Dicionário Weblio) N ru V N ru R V tabe Ø com- kata forma / modo de (32) Kare-no hanashi-kata-wa hayai. ele-GEN falar-modo, forma de-TOP rápido O modo/jeito de falar dele é rápido. (Fonte: a autora) N ru V N ru R hanash fal- V i verbalizador kata forma / modo de 40 (v) Formação verbo → verbo, com o sufixo -(s)ase25 e -(r)are: (33) Haha-wa kodomo-ni yasai-o tabe-sase-ta. mãe-TOP criança-DAT verduras comer-CAU-PST e legumes-ACC A mãe fez a criança (o filho) comer verduras e legumes. (Fonte: a autora) v ru V v ru R V tabe Ø com- sase CAUS (34) Sandoicchi-wa tomodachi-ni tabe-rare-ta. sanduíche-TOP amigo-DAT comer-PAS-PST O sanduíche foi comido pelo (meu) amigo. (Fonte: a autora) v ru V v ru R V tabe Ø com- rare PAS 25 A causatividade será abordada no capítulo 4 (Relação entre forma lexical e contexto sintático de verbos causativos). 41 (vi) Formação verbo → adjetivo, com o sufixo -ppoi: (35) Kare-wa hijōni wasure-ppoi otoko da. ele-TOP extremamente esquecer-do tipo homem COP Ele é um homem extremamente esquecido. (Dicionário Aedict) A ru V A ru R V wasure Ø esquec- ppoi do tipo (36) Kanojo-wa aki-ppoi. Sugu bōifurendo-o kae-ru. ela-TOP entediar-do tipo logo namorado-ACC trocar-PRES Ela é do tipo entediada. Logo troca de namorado. (Adaptado do Dicionário Kotobank) A ru V A ru R ak entedi- V i verbalizador ppoi do tipo 42 (vii) Formação adjetivo → nome, com o sufixo -sa: (37) Kono kanban-no omo-sa-wa nan kiro? esta bolsa-GEN pesar-NOMIN-TOP que quilo(s) Quantos quilos (tem) o peso desta bolsa? (Fonte: a autora) N ru A N ru R A omo Ø pes- sa característica/estado/grau de (38) Kazoku-no taisetsu-sa. família-GEN importante--NOMIN Importância da família. (Dicionário Weblio) N ru A N ru R A taisetsu Ø import- sa característica/estado/grau de 43 (viii) Formação adjetivo para verbo, com o sufixo -garu: (39) Kodomo-wa okāsan-o mi-te ureshi-gar-u. criança-TOP mãe-ACC ver-e/quando feliz-sentir-se-PRES A criança se sente feliz quando vê a mãe. (Fonte: a autora) V ei A V 3 R V gar- -u 3 R A ureshi Ø feliz/felicidade raiz verbalizadora verbalizador (‘percebedor, sentidor de ~’) 44 (40) Kare-wa sabishi-gat-tei-ru. ele-TOP solitário-sentir-se-ASP-PRES Ele se sente solitário. (Dicionário Goo) V ei A V 3 R V gar- -i 3 R sabishi solitário/solidão A Ø raiz verbalizadora variante fonológica do verbalizador (‘percebedor, sentidor de ~’) Até este ponto examinei palavras em que o significado final tem previsibilidade a partir da combinação das classes morfológicas mergidas às raízes. A seguir, passo a examinar dados em que aparecem não somente as leituras semanticamente previsíveis, mas também leituras que não se poderiam calcular puramente a partir da composição dos significados dos átomos morfológicos. Em outras palavras, o significado de palavras complexas pode ter semântica idiomática. 45 3.2 Sufixos referentes à profissão Os três sufixos a serem trabalhados nesta seção são -in, -sha e -ka. Além de analisar a formação de palavras a partir desses três em relação à composicionalidade e idiomaticidade, comentarei comparativamente as estruturas da íngua japonesa e da língua portuguesa. 3.2.1 Sufixo -in Ao analisar os dados levantados, observei que o sufixo formador de nome -in basicamente tem como função expressar uma relação de papel desempenhado, responsabilidade de um indivíduo (visto a especificidade de possuir traço + humano) ou o fato de ser membro, pertencer a algum local, como se pode ver nos dados a seguir: (41) [nome + -in]n = definição (41a) kaisha-in = funcionário / empregado da empresa N N 3 kaisha Ø in empresa membro/funcionário (41b) eki-in = funcionário / empregado da estação N N 3 eki estação Ø in membro/funcionário 46 (41c) ginkō-in = funcionário / empregado do banco N N 3 ginkō Ø in banco membro/funcionário (41d) tosho-kan-in = funcionário / empregado da biblioteca = bibliotecário N N N 3 tosho Ø livro(s) kan prédio grande/mansão in membro/funcionário (41e) shinsa-in = funcionário / empregado da revisão, inspeção = examinador N N 3 shinsa exame, inspeção Ø in membro/funcionário Os dados acima nos levaram a crer que as formações contendo o sufixo -in são apenas composicionais. De acordo com o dicionário Sūpā Daijirin, o sufixo -in é utilizado como sufixo quando adjungido a um nome, expressando o significado da função e do envolvimento de um indivíduo com determinada atividade à qual está dedicado. Com isso, não é possível vermos tal 47 sufixo anexado a qualquer palavra que possa significar cliente, dono de estabelecimento ou herdeiro. 3.2.2 Sufixo -sha Ao observarmos o sufixo -sha, vemos que se trata de um nominalizador. Os nomes derivados recebem marcação de caso nominativo, como, por exemplo, kenkyūsha-ga (pesquisador-NOM), caso acusativo – kenkyūsha-o (pesquisador-ACC) –, caso dativo – kenkyūsha-ni (pesquisador-DAT) – e tópico – kenkyūsha-wa (pesquisador-TOP). O sufixo -sha expressa: (i) a função a qual o indivíduo desempenha, como nos exemplos oferecidos no Grupo 1; (ii) curta ação ou fenômeno concernente ao indivíduo, como nos exemplos oferecidos no Grupo 2. (42) GRUPO 1: [nome + -sha]n + definição (42a) kenkyū-sha = pesquisador N N 3 kenkyū estudo/pesquisa/investigação Ø sha pessoa 48 (42b) keiei-sha = administrador N N 3 keiei Ø administração sha pessoa (42c) hon’yaku-sha = tradutor N N 3 hon’yaku Ø tradução pessoa sha (42d) happyō-sha = apresentador N N 3 happyō apresentação Ø sha pessoa 49 (42e) i-sha = médico N N 3 i Ø medicina sha pessoa (42f) kagaku-sha = cientista N N 3 kagaku Ø ciência sha pessoa (43) GRUPO 2: [nome + -sha]n + definição (43a) ijū-sha = imigrante N N 3 ijū imigração Ø sha pessoa 50 (43b) gakushū-sha = aprendente (aprendiz) N N 3 gakushū Ø aprendizado / estudo sha pessoa (43c) sanka-sha = participante N N 3 sanka Ø sha participação pessoa (43d) keiyaku-sha = contratante N N 3 keiyaku contrato Ø sha pessoa Ao olhar o Grupo 1 e o Grupo 2, observei a semelhança entre os sufixos -sha e ‘-or’ e -sha e ‘-(e/a)nte’, respectivamente. Esse paralelo foi possível a partir dos estudos de Lemle (2013) em relação a como os significados das palavras são estabelecidos (questões 51 iterativas, composicionais e/ou idiossincráticas) no português. No trabalho, Lemle (op. cit.) aborda morfologica e sintaticamente os produtos de oito derivações no português (N→N, V→N, A→N, N→V, A→V, N→A, V→A, A→A) e também tenta propor definições semânticas que acomodem sufixos indicadores de características físicas de objetos, praticante de atividades (traço + humano), conjunto de objetos / itens, entre outros. A partir disso, elaborei a seguinte configuração para -sha, ‘-or’ e ‘-ante/-ente’: Quadro 4: Configuração dos sufixos -sha de japonês e ‘-or’ e ‘-ante/-ente’ de português JAPONÊS PORTUGUÊS -sha [nome + -sha ] n expressa o indivíduo que desempenha algo / é algo ou expressa certa ação ou fenômeno do sujeito ‘-or’ ‘-ante/-ente’ [[v + pp26]A + or] A [v + -nte] “causador do estado “propriedade de atingir o resultante27 estado28 (rastejante, brilhante, (treinador, orientador, editor, angustiante, viajante...)"” diretor...)” (Lemle, 2013) (Lemle, 2013) (Fonte: a autora) O Quadro 4 mostra que esses sufixos do japonês e do português compartilham de certo comportamento semelhante entre si no que tange à atribuição de significados composicionais. A semelhança semântica entre significado em japonês e paráfrase em português (tradução) foi possível em grande parte dos dados apresentados até o momento. Nos dados acima mostrados, vemos que, retirado o sufixo -sha, quando o nome que perfaz a base é combinado com o verbo suru, o significado dos verbos compostos apresenta significados composicionais. Temos, assim, duas possibilidades de composição com suru: 26 pp = particípio passado. "causer of resulting state." 28 "... property of attainig the state expressed by the v inside a..." 27 52 (i) uma estrutura onde suru tem um argumento interno nominal: VP 3 NP V 3 N caso kenkyū -o suru (pesquisa) = fazer a pesquisa (fazer) keiei = fazer a administração (administração) hon’yaku = fazer a tradução (tradução) ... (ii) uma estrutura na qual o verbo é um composto constituído por uma raiz e o verbo suru: V ru N V ru R N benkyō Ø suru estudo fazer kenkyū suru (pesquisa) (fazer) keiei suru (administração) (fazer) hon’yaku suru (tradução) (fazer) = pesquisar = administrar = traduzir ... 53 3.2.3 Sufixo -ka O sufixo -ka se assemelha semanticamente ao sufixo ‘-ista’ do português, um indicador de atividades que requerem especialização rebuscada, como o exposto nas derivações a seguir: (44) [nome + -ka]n + definição (44a) ongaku-ka = músico, musicista (pessoa com especialidade / especializada em música) N N 3 ongaku Ø música ka especialista em (44b) geijutsu-ka = artista (pessoa com especialidade / especializada em arte ) N N 3 geijutsu arte Ø ka especialista em 54 (44c) shihon-ka = capitalista (pessoa com especialidade / especializada em capital) N N 3 shihon Ø capital ka especialista em (44d) seigaku-ka = vocalista (pessoa com especialidade / especializada em voz) N 3 N ka 3 seigaku especialista em Ø canção/vocal (44e) tozan-ka = alpinista (pessoa com especialidade / especializada em alpinismo) N N 3 tozan escalação Ø ka especialista em 55 (44f) shōsetsu-ka = romancista (pessoa com especialidade / especializada em romance) N N 3 shōsetsu Ø romance ka especialista em (44g) keizai-ka = economista (pessoa com especialidade / especializada em Economia) N N 3 keizai Ø Economia ka especialista em (44h) senmon-ka = especialista (pessoa com especialidade / especializada em especialização) N N 3 senmon expecialização Ø ka especialista em 56 (44i) seiji-ka = político (pessoa com especialidade / especializada em Política, *politista) N N 3 seiji Ø Política ka especialista em (44j) shashin-ka = fotógrafo (pessoa com especialidade / especializada em foto, *fotografista) N N 3 shashin Ø fotografia ka especialista em (44k) kenchiku-ka = arquiteto (pessoa com especialidade / especializada em arquitetura, *arquitetista) N N 3 kenchiku Arquitetura / construção Ø ka especialista em 57 3.2.4 Casos de idiomaticidade Como mencionado na introdução, a presente pesquisa possui três questões centrais: identificar a leitura composicional, identificar o caso de leitura(s) idiomática(s) e identificar ambos os tipos de leitura (composicional e idiomática), caso houver. Nos capítulos anteriores, foi possível apresentar a questão da composicionalidade que envolve os três tipos de sufixos escolhidos. Porém, neste capítulo, apresentarei o que identifiquei até o momento como possíveis casos idiomáticos: dois dados concernentes ao sufixo -in e um dado referente ao sufixo -ka, como disposto nas derivações a seguir: (45) [√ + -in]n idiomático + definição (45a) tei-in = capacidade máxima de pessoas em um barco, avião, etc. (termo técnico) N N 3 tei Ø estabelecido/definido/certo in membro/funcionário(?) (45b) man-in = lotado, cheio de pessoas N N 3 man cheio (de) Ø in membro/funcionário(?) 58 Na seção ‘3.2.1 Sufixo -in’, vimos que o mesmo atribui valor referente a membro pertencente a um ambiente ou funcionário de um ambiente. Porém, nos dados acima, tal peça parece não carregar o sentido até aqui então trabalhado. Observa-se que há uma ruptura de parte do significado: nos dois dados, a ideia de função foi perdida, porém, a característica de traço [+ humano] não foi perdida, pois ainda encontramos a semântica ligada à pessoa, presente nas glosas acima. Em relação à idiomatização com o sufixo -ka, o dado a seguir nos mostra que a semântica de traço [+ humano] persiste, porém, a ideia de ‘especialidade’ é perdida: (46) [nome + -ka]n composicional / idiomático + definição (46a) ken’yaku-ka = economista (economizador) - leitura composicional N N 3 ken’yaku Ø frugalidade, economia, parcimônia ka especialista em(?) (46b) ken’yaku-ka = pessoa frugal - leitura idiomática N N 3 ken’yaku frugalidade, economia, parcimônia Ø ka especialista em(?) 59 Na derivação (44g), temos a palavra keizai-ka para o termo ‘economista’ – aquele que tem especialidade em Economia. No entanto, em (46b), o economista, na verdade, não é aquele que “que possui habilidades ou conhecimentos especiais ou excepcionais em determinada prática, atividade, ramo do saber, ocupação, profissão, etc.” (HOUAISS, 2001); essa palavra expressa a característica de uma pessoa poupadora, que economiza dinheiro. Essa mesma palavra pode ser empregada em discurso coloquial com significado próximo ao de “pão-duro”. 3.3 Sufixos referentes a locais Neste capítulo, abordarei sufixos que são utilizados para fazer referência a lugares: -kan, shitsu e -ya. 3.3.1 Sufixo -kan O sufixo -kan expressa a ideia de um prédio alto que abriga determinado tipo de coisa/informações, como pode ser observado nas derivações a seguir: (47) [nome + -kan]n + definição (47a) tosho-kan = biblioteca N N 3 tosho livro(s) Ø kan prédio 60 (47b) eiga-kan = cinema N N 3 eiga Ø filme kan prédio (47c) hakubutsu-kan = museu N N 3 hakubutsu Ø história natural kan prédio (47d) bijutsu-kan = museu de Belas Artes N N 3 bijutsu Belas Artes Ø kan prédio 61 (47e) taiiku-kan = ginásio de esportes N N 3 taiiku Ø educação física / ginástica / atletismo kan prédio (47f) bek-kan = prédio separado (anexo) N N 3 bek Ø separado / diferente kan prédio Esse morfema indica prédio de grande porte; mansão que não se realiza autonomamente. Pode ser comparado ao nosso sufixo ‘-mente’, formador de advérbio – derivado do nome mens, mentis –, bem como ao sufixo '-ly' da língua inglesa, proveniente do advérbio -lich, que por sua vez provém do mesmo morfema do qual vem o verbo like. 62 3.3.2 Sufixo -shitsu O sufixo -shitsu indica a ideia de um interior menor, como, por exemplo, a de cômodo. Expressa um perímetro bem menor do que aquele representado por -kan: (48) [nome + -shitsu]n + definição (48a) jikken-shitsu = sala de experimento N N 3 jikken Ø experimento shitsu sala (48b) kenkyū-shitsu = sala de pesquisas N N 3 kenkyū pesquisa Ø shitsu sala 63 (48c) goraku-shitsu = sala de recreação N N 3 goraku Ø recreação shitsu sala (48d) sentaku-shitsu = sala de lavagem de roupa (lavanderia) N N 3 sentaku Ø lavagem de roupa shitsu sala (48e) shichaku-shitsu = sala de provas (provador) N N 3 shichaku prova (de roupas) Ø shitsu sala Um caso interessante foi observar que, dentre os dados reunidos, detectei dois bastante semelhantes: tosho-kan e tosho-shitsu. tosho significa livro(s); já o sufixo -kan indica um grande prédio que abriga livros, configurando, assim, uma ‘biblioteca’. Porém, ao anexarmos o sufixo 64 shitsu a tosho, a ideia de biblioteca persiste, mas o que difere toshokan de toshoshitsu é a dimensão do espaço: enquanto -kan relaciona um espaço amplo e também com certa dimensão vertical, -shitsu indica uma dimensão menor, a do tamanho de uma sala. Seria o mesmo que uma biblioteca privativa que o professor possui em sua casa. 3.3.3 Sufixo -ya O dicionário Sūpā Daijirin nos indicou cinco entradas para -ya como sufixo: (i) usado como nome comercial de uma casa envolvida em negócios29; (ii) expressa pessoas, casas, etc., que se dedicam à profissão30; (iii) diz-se de pessoas que se especializam em um serviço. Às vezes, é utilizado também com o sentido de desprezo e/ou auto-escárnio31; (iv) expressa pessoa que possui determinada natureza32; (v) utilizado como norme comercial de ator, pseudônimo de literatos, entre outros. Também acompanha nomes de estudo33. Inicialmente, -ya passa a ideia de casa/estabelecimento comercial ou atribui o significado de pessoas e ‘casas’ que compram e vendem objetos específicos. É semanticamente semelhante ao sufixo ‘-aria’ do português: 29 ‘Shōbai o itonamu ie no yagō toshite mochiiru.’ ‘Sono shokugyō o itonamu hito ya ie o arawasu.’ 31 ‘Sore o senmon toshiteiru hito o sashite iu. Toki ni keibetsu, jichō no i o kometemo mochiiru.’ 32 ‘Sono yōna seishitsu o motsu hito o arawasu.’ 33 ‘Yakusha no yagō, bunjin nado no gagō toshite mochiiru. Mata shosai no na nado nimo soeru.’ 30 65 (49) [nome + -ya]n + definição (49a) kagu-ya = mobiliária N N 3 kagu Ø mobília/móveis ya casa / estabelecimento comercial (49b) sakana-ya = peixaria N N 3 sakana Ø peixe ya casa / estabelecimento comercial (49c) hon-ya = livraria N N 3 hon livro Ø ya casa / estabelecimento comercial 66 (49d) bunbōgu-ya = papelaria N N 3 bunbōgu Ø artigos de escritório ya casa / estabelecimento comercial (49e) tabako-ya = tabacaria N N 3 tabako Ø cigarro ya casa / estabelecimento comercial (49f) kutsu-ya = sapataria N N 3 kutsu sapato(s) Ø ya casa / estabelecimento comercial 67 (49g) hana-ya = floricultura (*floraria) N N 3 hana Ø flor(es) ya casa / estabelecimento comercial (49h) megane-ya = ótica (*ocularia) N N 3 megane Ø óculos ya casa / estabelecimento comercial (49i) niku-ya = açougue (*carneria) N N 3 niku carne Ø ya casa / estabelecimento comercial 68 (49j) kusuri-ya = farmácia N N 3 kusuri Ø remédio ya casa / estabelecimento comercial (49k) nomi-ya = bar N N 3 nomi Ø bebida, drinque ya casa / estabelecimento comercial (49l) ryōri-ya = comidaria34 N N 3 ryōri comida Ø ya casa / estabelecimento comercial 34 Apesar de tal verbete ainda não se encontrar dicionarizado, já existe uma quantidade considerável de seu uso por donos de estabelecimentos e seus clientes. De acordo com a notícia veiculada no site do jornal O Estadão sobre o termo ‘comidaria’, o espaço “(...) não é um restaurante nem uma padaria. É um pouco dos dois. É um espaço onde se pode tomar café da manhã, comprar pão, almoçar, fazer o lanche da tarde, o happy hour ou ir jantar. Os cardápios são enxutos e a comida é regional. Com um detalhe: preço acessível.” (sic) (http://www.estadao.com.br/noticias/geral,nem-restaurante-nem-padaria-e-comidaria-imp-,1005478) 69 (49m) uma-ya = estábulo N N 3 uma cavalo(s) Ø ya casa / estabelecimento comercial Obviamente que nem sempre é possível realizar uma equivalência entre a tradução em todos os dados de português e japonês. Nos dados nomi-ya (bar), ryōri-ya (comidaria) e uma-ya (estábulo), a noção de estabelecimento comercial está perdida. Em nomi-ya, mais do que um local em que se vende e compra bebidas, temos foco no espaço onde tais itens são consumidos. O mesmo acontece com ryōri-ya: o foco não é apenas a venda e compra de vários tipos de comidas, é o local de consumo dessa variedade. E por último, uma-ya (estábulo), que não exibe significado de venda e compra de cavalos e muito menos o consumo de algum serviço ligado a cavalos; umaya na realidade é definido pelo dicionário Sūpā Daijirin como um ‘tipo de cabana onde cavalos são cuidados/criados’35. 3.3.3.1 Outras características do sufixo -ya: traço [+ humano] O sufixo -ya também relaciona nomes atribuindo ao nome resultante da sufixação o traço [+ humano]. A leitura desse tipo de nome é o de ‘uma pessoa cuja profissão se relaciona com o significado do nome-base’. 35 Durante o exame de qualificação, foi perguntado se o termo uma-ya poderia ser interpretado como ‘cavalaria’, visto a linearidade do sufixo ‘-aria’. Porém, como mencionado anteriormente, o sufixo -ya consiste em indicar um local que envolve negócios. De acordo com as definições de HOUAISS (2011), o termo ‘cavalaria’ possui várias entradas, tais como: “1- grande quantidade de cavalos; 2- grupo de pessoas a cavalo; 2.1- termo militar; tropa composta por soldados a cavalo. Ex.: regimento da cavalaria; 3- arte de andar a cavalo; equitação”, mas nenhuma delas possui relação com estabelecimento comercial ou estábulo, tal como o mencionado anteriormente. 70 (50) [nome + -ya]n + definição (50a) yūbin-ya = carteiro N N 3 yūbin Ø correio ya especialista / habilidoso em (50b) gijutsu-ya = tecnólogo N N 3 gijutsu Ø técnica ya especialista / habilidoso em (50c) jimu-ya = auxiliar administrativo N N 3 jimu trabalho de escritório Ø ya especialista / habilidoso em 71 (50d) butsuri-ya = físico N N 3 butsuri Ø Física ya especialista / habilidoso em (50e) kusuri-ya = farmacêutico N N 3 kusuri remédio Ø ya especialista / habilidoso em 72 3.3.3.2 Mais de uma camada na composição O sufixo nominalizador -ya pode ser mergido com uma raiz em camadas mais tardias do processo de formação das palavras e ainda se mantendo composicional: (51) [raiz + V + -ya]n + definição (51a) ganbar-i-ya = perseverador, n N V 3 R V ganbar i ya perserver- variante fonológica característica do verbalizador N pessoal [ [ [ganbar] R i ] V ya ] N O nominalizador -ya pode se adujungir a verbos formando um nome como está representado na árvore acima. Entretanto, em (51b) e (51c), temos -ya adjungido a um verbo complexo: 73 (51b) sabishi-gar-i-ya = pessoa que se sente solitária N V R 3 R R V N sabishi gar i ya solitário/solidão raiz verbalizadora variante fonológica (‘percebedor de ~’) do verbalizador característica pessoal [ [ [ [sabishi] R [gar] R ] R i ] V ya ] N 74 (51c) hazukashi-gar-i-ya = pessoa que se sente tímida / pessoa que sente timidez N V R 3 R hazukashi vergonha/envergonhado R V N gar i ya raiz verbalizadora (‘percebedor de ~’) variante fonológica do verbalizador característica pessoal [ [ [ [hazukashi] R [gar] R ] R i ] V ya ] N Nos casos (51b) e (51c), o sufixo nominalizador -ya continua com o traço [+ humano], porém, mais do que explicitar esse traço, expressa a noção de temperamento. Até o presente, tratei apenas de palavras geradas a partir de um nome e produzindo outro nome. Ou seja, sem mudança de categoria. Entretanto, os dados acima mostram uma formação de verbo primariamente gerada a partir de uma raiz acategorial que inicialmente, se fosse juntada ao morfema -i, geraria um adjetivo. Porém, nesse caso, temos o mergir de duas raízes que podem gerar um verbo morfologicamente complexo na segunda camada (observar o morfema -i de variante fonológica do verbalizador, conforme mencionado na p. 35), e, ao fim, na terceira camada, um outro sufixo, -ya, transforma o verbo em um nome no momento em que é inserido. 75 Retomando a formação de nomes a partir do sufixo nominalizador -ya, temos (52): (52) seiji-ya = político N N 3 seiji Ø Política ya característica pessoal O dado (52) é o primeiro caso idiomático aqui apresentado com o sufixo -ya. Contudo, é interessante notar que seiji-ka (p. 57) e seiji-ya diferem em que seiji-ka significa ‘especialista em política’, enquanto que seiji-ya significa ‘pessoa política, conciliadora’. A idiossincrasia semântica de seiji-ya é o ponto relevante desta discussão, uma vez que esse caso rompe a aparente regularidade dos efeitos desse sufixo à luz dos casos até agora mostrados. Quanto à forma seiji-ka, que significa especialista em política, podemos notar que é plenamente compatível com os bem comportados casos exemplificados em (44a) a (44k). Um outro exemplo semelhante ao de seiji-ya é o da forma tenki-ya, um composto sintático do nome tenki, que normalmente significa ‘tempo meteorológico’, com o sufixo -ya. O composto tenki-ya, se viesse a ser lido composicionalmente, tenki-ya significaria ‘?pessoa do tempo’. O significado desse composto é ‘pessoa temperamental’: (53) tenki-ya = pessoa de humor variável N N 3 tenki tempo Ø ya característica pessoal (weather) 76 Na próxima subseção, serão tratados os casos de idiomaticidade com o sufixo -ya. 3.3.3.3 No compasso da idiomaticidade O sufixo -ya nos proporcionou alguns casos interessantes de leituras idiomáticas, apresentados nas derivações a seguir: (54) [nome + -ya]n idiomático + definição (54a) hakob-i-ya N V 3 R V N hakob i ya esforçar-se variante fonológica característica pessoal do verbalizador Leitura composicional: carregador Leitura idiomática: mula, traficante (atravessador de drogas ilegais, entre outros itens ilícitos) 77 (54b) nigir-i-ya N V 3 R V N nigir i ya pegar / apertar variante fonológica característica pessoal do verbalizador Leitura composicional: pegador Leitura idiomática: avarento, mão-fechada (54c) wakar-azu-ya N NEG 3 R NEG N wakar azu ya entender/compreender não característica pessoal Leitura composicional: não entendedor Leitura idiomática: obstinado; cabeça-dura 78 (54d) kidor-i-ya N V 3 R V kidor i N ya afetação / pretensão variante fonológica característica do verbalizador pessoal Leitura composicional: afetador Leitura idiomática: esnobe, pessoa afetada (‘almofadinha’) Nesses dados, -ya ainda tem a leitura de [+ humano], porém, as derivações (54a), (54b), (54c) e (54d) têm leitura idiomática com conotação pejorativa. Curiosamente, a pejoratividade de (54d) kidori-ya se funde com o valor pejorativo inerente ao verbo que serve de base para a nominalização. Essas derivações nos mostram que o nome derivado do verbo pode ser polissêmico. Há uma leitura composicional e outra idiomática para cada um dos nomes, ou seja: 79 (55) carregador pode significar traficante pegador pode significar avarento não entendedor pode significar obstinado, cabeça-dura pretendedor pode significar afetado regularidade? Para a leitura idiomática, constatamos não haver qualquer possibilidade de se formular alguma generalização semântica entre o significado composicional do nome e o idiomático do verbo que, morfologicamente, serve-lhe de base. Assim, só podemos concluir que esse contexto sintático de derivação de nominais a partir do verbo não impede a formação da leitura idiomática. E, em relação a hakobi-ya, no dicionário Sūpā Daijirin só há uma entrada: pessoa que tem como função transportar bens roubados, drogas, mercadorias contrabandeadas, etc.36 O verbete de dicionário não tem a pretensão de expressar juízos de valor moral. No entanto, pode acontecer que o termo acabe contaminado pela avaliação dada à sua referência, com o resultado de aparecerem na língua tabus lexicais. Um ótimo exemplo é o pôster que se vê em aeroportos e no site da alfândega japonesa com o seguinte título: “Ser mula de drogas ilícitas é um crime grave”37: 36 37 Tōhin, mayaku, mitsuyuhin nado o unpan suru yaku no mono. Fusei yakubutsu no ‘hakobi-ya’ wa jūdaina hanzai desu. 80 (56) (Retirado de http://www.customs.go.jp/mizugiwa/smuggler/) O destaque é para a mensagem grafada em vermelho no centro da imagem acima e que mostra pelo colchete o valor negativo atribuído à palavra hakobi-ya: ‘Você, se fizer (o serviço de) mula, será o fim da sua vida”38. A palavra ‘mula’, destacada no pôster, significa ‘traficante’. Outro exemplo interessante com o sufixo -ya é o seguinte: atari-ya. Em uma notícia de jornal eletrônico, encontrei a palavra em referência a um homem que cometia crimes de extorsão em uma estação de trem em Tóquio (Akihabara). O Sūpā Daijirin, dicionários digitais Weblio39 e Goo40, entre outros, apresentam diversas entradas para essa palavra, como, por exemplo: 38 Anta, ‘hakobi-ya’ shitara jinsei owari ya de. 81 (i) pessoa sortuda, que ganha muito dinheiro (seja através de jogo, investimentos em ações, etc.); (ii) no beisebol, batedor habilidoso; (iii) ‘falsificador’ de acidente, alguém que pula em frente a um carro com o objetivo de extorquir dinheiro; (iv) barbearia; Dentre essas entradas, é possível observar a terceira definição, que aborda justamente a ideia de crime de extorsão. A definição indica apenas um tipo de modalidade de crime de extorsão, mas tudo indica que a ideia de enganar seja estendida a qualquer tipo de atitude visando ganhar dinheiro de forma ilícita, enganando terceiros. Assim, temos: (57) atar-i-ya N V 3 R V atar i N ya atingir/ser atingido variante fonológica característica derrubar/tocar do verbalizador pessoal (entrar em contato) Leitura composicional: derrubador, batedor Leitura idiomática: extorsionista, chantagista 39 40 http://www.weblio.jp/content/%E5%BD%93%E3%81%9F%E3%82%8A%E5%B1%8B http://dictionary.goo.ne.jp/jn/4691/meaning/m0u/ 82 O significado pejorativo em atari-ya (extorsionista) emerge somente na camada externa, a da nominalização do verbo atari (entrar em contato). 83 4 – RELAÇÃO ENTRE FORMA LEXICAL E CONTEXTO SINTÁTICO DE VERBOS CAUSATIVOS41 4.1 Voz causativa O que é causatividade? O que se entende por tal tipo de operação? O embasamento teórico mais satisfatório que inicialmente encontrei para compreender teoricamente a estrutura da língua japonesa foi em Payne (1997)42, um estudo que passarei a citar com certa frequência. Para compreendermos tal fato linguístico, primeiramente é necessário saber o que são operações de ajuste de valência (valence adjusting operations)43 e, consequentemente, o que é valência. O termo pode englobar noções semânticas, sintáticas e semântico-sintáticas. As noções semânticas envolvem o número de participantes que têm ligação com o verbo. Payne (1997, p. 169) exemplifica essa noção com o verbo eat (comer, em inglês): tal verbo possui a valência de 2, ou seja, envolve dois ‘participantes’, o comedor e a coisa a ser comida. Já a valência sintática refere-se ao número de argumentos presentes na sentença. Mais uma vez, Payne (op. cit.) utiliza o exemplo do verbo eat e menciona que, sintaticamente, a valência para esse verbo pode ser de 1 ou 2, visto existirem sentenças nas quais o participante interpretado como ‘a coisa a ser comida’ não é realizado na estrutura sintática (como objeto direto, por exemplo, se a oração estiver na voz ativa). 41 Parte do conteúdo presente nas páginas 84 a 119 faz parte do artigo As Causativas na Língua Japonesa, publicado na Revista Letrônica – Revista Digital do Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS. Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 316-330. http://dx.doi.org/10.15448/1984-4301.2015.2.20244 42 PAYNE, T. Voice and valence adjusting operations. In: Describing Morphosyntax: a guide for field linguists. Cambridge: Cambridge University, 1997. 169-222. 43 PAYNE (1977). 84 4.1.1 Operações de ajuste de valência Todas as línguas possuem um ou mais tipos de sistema de operações responsáveis pelo ‘ajuste’ (no número) de papéis semânticos e pelas relações gramaticais. Para denominar esses sistemas, às vezes utiliza-se o termo ‘voz’ (voice). No que se refere a papéis semânticos ou temáticos, Soares & Menuzzi (2010, p. 14) oferecem a seguinte descrição: “Os papéis temáticos, segundo os autores que os empregam, seriam as ‘porções’ dos significados dos verbos relevantes para a sintaxe. Eles representariam, de um lado, o modo como conceptualizamos o tipo de situação ou acontecimento do mundo expresso pelo verbo. Fariam isso codificando o modo como uma entidade – o argumento verbal – participa desta situação ou evento: um agente é um participante ativo, atuante; um paciente, é passivo e afetado, etc. Ao mesmo tempo, estes papéis seriam a informação que indicaria para a gramática da língua que mecanismos gramaticais – como posição na frase, concordância, preposições, etc – utilizar na expressão de um determinado argumento.” Segundo essa abordagem, os sistemas consistem em operações morfossintáticas que ajustam a valência gramatical do verbo à oração (PAYNE, 1997, p. 170). Entre essas operações, temos as que produzem o aumento e o decréscimo (redução) de valência. No quadro 5 a seguir, apresento um resumo da página acima mencionada: Quadro 5: Operações de ajuste de valência Aumento Decréscimo (redução) causativas recíprocos aplicativos passivas alteração de proeminência de inversão argumentos (construções inversas) dativo de interesse construções médias alçamento de possuidor ou antipassivas possessão externa demoção de objeto e omissão incorporação de objeto 85 Entre as diversas operações expostas acima, tomarei como foco deste capítulo as causativas. Nos capítulos a seguir, abordarei primeiramente a causatividade em seu sentido amplo, ou seja, uma definição mais padronizada sobre as causativas; posteriormente, após a apresentação da noção e dos tipos de causatividade que serão explorados, abordarei a causatividade voltada para a língua japonesa. 4.1.2 Causatividade Quando a causatividade envolve transitividade, temos as seguintes características: se o evento (a ser) causado for intransitivo, a causativa se torna transitiva; se o evento (a ser) causado for transitivo, a causativa será bitransitiva. Os elementos e os núcleos envolvidos em tal tipo de operação são dois: (a) causee; (b) causer. O causee nada mais é que aquele que sofre a ação de causatividade, ou seja, é o ‘causado’. Já o causer é o responsável por criar a situação causativa e também pode ser referido como o agente da causativa (PAYNE, 1997, p. 176). Payne (op. cit.) menciona que as causativas podem ser divididas em três tipos: (c) causativa lexical; (d) causativa morfológica; (e) causativa perifrástica/analítica. Comrie (1989) organiza o mecanismo dos três tipos de causativa da mesma forma como Payne, porém, prefere chamar apenas de causativa analítica o que Payne considera como causativa perifrástica/analítica e apresenta dados breves que justificam cada tipo de causativa. Dixon (2012) também adota o conceito formulado por Comrie (op. cit.), porém, aprofunda-se mais sobre esse assunto. De acordo com Dixon (op. cit.), para identificar uma construção 86 causativa, há diversos mecanismos: processos morfológicos, combinação de dois verbos em um predicado, meios perifrásticos. Por exemplo, temos o caso clássico do verbo leve make do inglês, bem como o uso de auxiliares acompanhando o verbo principal (caso esse classificado como mais raro). Dentro do mecanismo chamado ‘processos morfológicos’, tem-se vários tipos, tais como: (f) mudança interna (na vogal ou consoante); (g) repetição de uma consoante; (h) alongamento de vogal; (i) mudança de tom; (j) reduplicação ou vários processos de afixação com prefixo(s), sufixo(s), circunfixo(s) ou infixo(s). Esses processos podem ser compreendidos a partir da tabela esquematizada por Dixon (op. cit.), com dados para exemplificar cada tipo de processo morfológico, a seguir: Quadro 6: Processos morfológicos para a marcação de causativas Processo (a) (b) (c) Verbo Básico Forma Causativa Língua (fonte) tikti táiktyi lituano ‘ser adequado’ ‘fazer adequado’ (Senn 1966:283) repetição de xarab xarrab Golfo Árabe consoante ‘ir mal’ ‘fazer ir mal, ruína’ (Holes 1990:185) alongamento de mar ma:r kashmiri vogal ‘morrer’ ‘assassinar’ (Wali e Koul 1997:211) nɔ̄ (alta queda) nɔ̄ (nível baixo) lahu ‘estar acordado’ ‘acordado, desperto’ (Matisoff 1973:33) bengok be-bengok javanês ‘grito’ ‘fazer grito’ (Suhandano 1994:64-5) gəbba a-gəbba amárica ‘entrar’ ‘inserir’ (Amberber 200:318) mudança interna (d) mudança de tom (e) reduplicação (f) prefixo 87 (g) (h) sufixo circunfixo xaxhíi-a xaxhíi ‘movimento, em ‘estar se movendo’ movimento’ a- č 'am-ev- č'am- ‘alimentar ‘comer’ (fazer comer)’ crow (Graczyk 2007:141) georgiana (Aronsom 1991:260) bue-da-bae buebae (j) infixo ‘perder o caminho’ ‘fazer perder o caminho, desencaminhar’ rabha (Joseph 2005:83) (Adaptado de Dixon, 2012, p. 243) Na subseção a seguir, veremos como os três tipos de causativas se comportam e como diferem. 4.1.2.1 Causativas lexicais As causativas lexicais são as que possuem a ideia de causatividade intimamente ligada ao verbo. Payne (1997) afirma que não são expressas por nenhum outro operador adicional. As causativas lexicais são divididas em três subtipos: (f) sem mudança no verbo; (g) com mudança idiossincrática (sentido literal do verbo); (h) com verbos distintos; A distinção entre os três subtipos pode ser compreendida no quadro comparativo, a ver: 88 Quadro 7: Subtipos de causativas lexicais CAUSATIVAS LEXICAIS Sem mudança Mudança idiossincrática The tree fell. The vase broke. Não causativa Stephanie ate beans. Stephanie comer-PST feijões DET árvore cair-PST DET vaso quebrar-PST Lucretia died. [verbo = to fall (cair)] Mac Beth broke the vase. DET vaso quebrar-PST Causativa Verbos distintos Lucretia morrer-PST Gilligan fed Stephanie beans. Bunyan felled the tree. Gilligan alimentar-PST Stephanie feijões Bunyan derrubar-PST DET árvore (MacBeth caused the vase to break.) MacBeth fazer-PST DET vaso quebrar [verbo = to fell (derrubar)] Gloucester killed Lucretia. Gloucester assassinar-PST Lucretia (Adaptado de PAYNE, 1997, p. 177) É interessante ressaltar que, ao contrário da divisão de Payne, Dixon (2012, p. 247) classifica as causativas lexicais em apenas duas: (i) um lexema – pode ser utilizado tanto em uma função causativa quanto em uma não causativa, sendo estritamente um verbo transitivo ou intransitivo. Tal fato pode ser compreendido a partir de dois exemplos utilizando-se o verbo hurt, do inglês: em My leg hurts, temos o caso de um verbo intransitivo, enquanto em John hurt my leg, a mesma forma passa à função causativa em vista do evento e dos argumentos envolvidos; (j) dois lexemas – consistem em um par de lexemas distintos em que um pode ser o causativo do outro. No caso, um intransitivo, e no outro, a causativa correspondente a esse (como, por exemplo, o verbo kill, que na realidade tem significado de make die). Quanto aos critérios de ocorrência dos pares desse subtipo de causativa lexical, Dixon (2012) comenta que os critérios envolvidos são em sua grande maioria semânticos, o que também é assumido por mim para dar conta de um subtipo de causativas no japonês, a ser abordado na subseção 4.1.4.3 (Causativas-zero: causativas sem -(s)ase). 89 4.1.2.2 Causativas morfológicas As causativas desse grupo possuem regras gramaticais em sua produção. Isso significa que a marca de causatividade será exibida em morfema(s) causativo(s) afixado(s) à raiz do verbo. Em algumas línguas, tal valor pode ser expresso por um ou mais morfemas, como no caso do turco, que possui dois morfemas de causatividade: -dIr é anexado a verbos intransitivos, enquanto -t é utilizado em verbos transitivos. A exemplificação a seguir é de Payne (op. cit.): (58) a. Hasan öl-dü. Hasan morrer-PST “Hasan died.” (intransitive, non-causative) Hasan morreu. (intransitivo, não causativo) b. Ali Hasan-t öl-dür-dü. Ali Hasan-ACC morrer-CAUS-PST “Ali killed Hasan.” (causative of intransitive verb) Ali matou Hasan. (causativa do verbo intransitivo) c. Müdür mektub-ü imzala-dt. diretor carta-ACC assinar-PST “The director signed the letter.” (transitive, non-causative) O diretor assinou a carta. (transitivo, não causativo) d. Disçi mektub-ü müdür-e imzala-t-tl. dentista carta-ACC diretor-DAT assinarCAUS-PST “The dentist made the director sign the letter.” O dentista fez o diretor assinar a carta. (Adaptado de PAYNE, 1997, p. 178) Vale ressaltar que as causativas morfológicas, além de produzirem o sentido de causatividade, também podem produzir o sentido de permissividade, como se pode observar na língua georgiana: 90 (59) Mama shvil-s ceril-s father a-cer-ineb-s. son-DAT letter-ACC PREF-write-CAUS-3SG “Father makes / helps / lets his son write the letter.” Pai faz / ajuda / deixa seu filho escrever a carta. (PAYNE, 1997, p. 178) 4.1.2.3 Causativas perifrásticas / analíticas As causativas analíticas não envolvem mecanismos gramaticais para produzir uma causativa ou verbos que já possuem intrinsecamente a semântica de causatividade. Consistem na adição de um verbo causativo separadamente como, por exemplo, make (fazer), cause (causar) e force (forçar), a seguir: (60) a. Ele fez-me fazê-lo. (He made me do it.) b. Gloucester fez Lucretia morrer. (Gloucester caused Lucretia to die.) c. Melinda obrigou seu cabeleireiro a renunciar à sua posição. (Melinda forced her hairdresser to relinquish his position.) d. Marie compeliu Taroo para dançar com ela. (Marie compelled Taroo to dance with her.) (Adaptado de PAYNE, 1997, p. 181) Ainda sobre esse tipo de causativa, Payne (1997) informa que embora as causativas possuam a interpretação semanticamente causativa, não são consideradas como operação de aumento de valência, visto basicamente consistirem em um verbo que carrega a ideia de causa e 91 seu complemento é um evento causado44. Segundo Comrie (op. cit.), as causativas analíticas são raras em termos de frequência e naturalidade, exibindo predicados distintos: um indica a noção de causatividade enquanto o outro indica o efeito dessa causação, como em I caused John to go45 (Eu causei/fiz John ir). 4.1.3 As causativas no japonês – o morfema causativo -(s)ase Harley (2006) afirma que as causativas no japonês têm grande importância na Linguística, haja vista as suas peculiaridades, a serem abordadas brevemente nas subseções deste capítulo. Para um nativo ou um aprendiz da língua japonesa, o sistema de aquisição de causativas pode não parecer complexo se levarmos em conta apenas o aspecto morfológico, ou seja, se apenas levarmos em conta as peças gramaticais e o mecanismo de formação do verbo causativo ou de uma sentença causativa. Porém, linguisticamente, há muitos fenômenos envolvidos tanto na formação quanto na aquisição e na leitura semântica. Basicamente, o morfema que introduz a noção de causatividade é -(s)ase. Comumente, a consoante s é grafada entre parênteses, pois a ocorrência ou não variará de acordo com a característica de terminação do verbo, como se pode ver a seguir: 44 Nos casos de aumento de valência, podem ocorrer construções bitransitivas em que se figuram três argumentos: um argumento externo e dois argumentos internos como em: “A Joana deu um presente para João” e “Joana presenteou João”. Esse tipo de aumento de valência pode ser enquadrado como um subtipo de alteração de proeminência e pode ser observado no quadro 5 apresentado na página 85. 45 COMRIE, op.cit., p. 157. 92 a) quando o verbo tem sua raiz terminada em vogal, temos -sase como seu sufixo: (61) T T v V v v R V tabe Ø T T V R sase ru com- verbalizador CAUS PRES v v T V wasure Ø sase ru esquec- verbalizador CAUS PRES V v R V mi Ø T sase ru ver verbalizador CAUS PRES 93 b) quando o verbo tem sua raiz terminada em consoante, teremos -ase como seu sufixo: (62) T T v V v v R V nom Ø T T ase ru beb- verbalizador CAUS PRES V v v R V asob Ø T V R ase ru brinc- verbalizador CAUS PRES v T V hanas Ø ase ru fal- verbalizador CAUS PRES De acordo com Harley (2006), a causativa no japonês é gerada a partir da adjunção do morfema -(s)ase ao radical do verbo, causando ou não alomorfia. É o caso dos verbos suru (fazer) e kuru (vir), tratados como irregulares, e alguns verbos com raiz terminada em ‘a’, ‘i’ e ‘u’: 94 (63) T T v v V v T suru ase ru fazer CAUS PRES V v T kuru ase ru vir CAUS PRES T v T V v v T R V sase ru ko Ø CAUS PRES T sase ru vir verbalizador CAUS PRES 95 (64) T T v V v v R V kaw Ø T T ase ru (ka) compr- verbalizador CAUS PRES V v v R V suw Ø T ase ru V v R V iw Ø T ase ru (su) (i) fum- verbalizador CAUS PRES diz- verbalizador CAUS PRES Ao observarmos suru (fazer) e seu causativo, depreende-se que a origem do morfema (s)ase está intrinsecamente ligada ao próprio verbo suru. Harley (1995, p. 1) menciona de forma breve a origem de -(s)ase: ‘Esse morfema é o reflexo do verbo leve à frente que delimita a eventividade de um verbo, e é, portanto, denominado Evento P’.46 O verbo leve ao qual Harley se refere no trecho acima é justamente suru, que tem como equivalente no inglês do. Sendo assim, a ideia de causatividade em que alguém faz/causa algo a outra pessoa ou coisa é confirmada pelo que é dito pela autora em questão. 46 ‘This morpheme is the reflex of a light verb ahead which delimits the eventiveness of a verb, and is hence termed Event P.’ 96 4.1.4 Tipos de causativas Harley (1995) classifica as causativas em japonês em três grupos: causativas lexicais, causativas sintáticas (possuindo dois tipos, porém, ambas portando a marca -(s)ase) e causativaszero (em que não há a manifestação de -(s)ase), a serem abordadas nas subseções a seguir. 4.1.4.1 Causativas lexicais As causativas lexicais são as que sofrem o fenômeno da idiomatização, ou seja, caso da idiossincrasia, no qual a palavra deixa de ter seu sentido canônico e passa a portar sentido distinto, a partir de algum fenômeno (não composicional) que ocorre ao longo dos tempos, sendo que o sentido idiossincrático pode ser perdido ou, então, ficar ‘camuflado’. Retornando às causativas lexicais, temos como dados: (65) Tarō-ga jishoku-o niow-ase-ta. Tarō-NOM própria demissão-ACC cheirar-CAUS-PST Tarō deu a perceber a sua demissão. (Lit.: Tarō ‘cheirou’ a sua demissão.) (Adaptado de HARLEY, 2006, p. 3) Tsujimura (1996, p. 260) afirma que as causativas lexicais ‘... são verbos transitivos que carregam sentido causativo que lhes é inerente’47. Por sua vez, Harley (1995, p. 1) vai além: “... a combinação V + -sase que os falantes de japonês têm uma forte intuição em algum senso forma uma ‘palavra’, e os argumentos de uma combinação lexical V + -sase se comportam como membros de uma única oração. Nessas instâncias, a adição de -saseao verbo é comparável a uma alternação transitiva/incoativa tal como no inglês ‘break’ (quebrar) ou ‘melt’ (fundir). (...) O significado da combinação lexical V + -sase é frequentemente idiossincrática, mais do que estritamente composicional...”48 47 “…are transitive verbs which bear causative meaning inherent to them” “… a V+sase combination that speakers of Japanese have a strong intuition in some sense forms a “word”, and the arguments of a lexical V+sase combination behave like members of a single clause. In these instances, the addition of -sase- to the verb is comparable to a transitive/inchoative alternation like “break” or “melt” in 48 97 Com isso, conclui-se que as causativas lexicais, por deixarem de apresentar uma leitura composicional, são consideradas expressões idiomatizadas na língua japonesa. Consequentemente, não são suscetíveis à produtividade, visto a sensação de ‘lista’ que o falante possui. 4.1.4.2 Causativas sintáticas Em relação às causativas sintáticas, são divididas em dois tipos: causativas de ‘fazer’ (make causatives) e causativas de ‘permissão’ (let causatives): (66) Hanako-wa Yoshi-o ik-ase-ta. Hanako-TOP Yoshi-ACC ir-CAUS-PST Hanako fez Yoshi ir. (Tradução livre de HARLEY, 2006, p. 3) (67) Hanako-wa Yoshi-ni ik-ase-ta. Hanako-TOP Yoshi-DAT ir-CAUS-PST Hanako fez (‘permitiu’, ‘deixou’) Yoshi ir. (Tradução livre de HARLEY, 2006, p. 3) A diferença entre os dois tipos fica bem clara ao observarmos a contraposição dos dados: causativas sintáticas de ‘fazer’, como o nome já diz, são aquelas em que o agente49 (causer50) faz English. (…). The meaning of a lexical V+sase combination is often idiosyncratic, rather than strictly compositional...” 49 Vale ressaltar que o agente da causativa sempre será uma entidade de traço [+ humano]. Agentes da natureza, como ‘vento’, em ‘O vento fez a porta bater’, não são considerados em construções causativas. Para isso, utiliza-se outra construção, em que o agente da natureza ‘vento’ é adjungido ao morfema de responsável por indicar causa ou razão de um efeito, como, por exemplo, o efeito de ‘a porta bater’: (i) Kaze-de doa-ga shim-at-ta. vento-porcausa porta-NOM fechar-TRANS-PST 98 ou provoca algo em relação ao paciente (causee51), enquanto que as causativas de ‘permissão’ são as que introduzem o valor de permissão expresso entre o causer e o causee, ou seja, a ação de ‘causar’ é baseada em uma relação de permissão entre agente e paciente. O agente obrigatoriamente exibe uma relação de poder/autoridade com o paciente. Além disso, nas causativas sintáticas de ‘fazer’, o causee recebe a marca de acusativo -o, que indica paciente da ação causativa, enquanto que nas causativas de ‘permissão’, o causee recebe a marca de dativo -ni (ver dados anteriores). Porém, mesmo com tais marcas bem definidas, existem casos em que tanto a marca de dativo -ni quanto a marca de acusativo -o coexistem em sentenças, como, por exemplo, a que ofereço a seguir: (68) Haha-wa kodomo-ni miruku-o nom-ase-ta. mãe-TOP criança-DAT leite-ACC beber-CAUS-PST A mãe fez o filho beber o leite. T v V R V nom Ø beb- v T ase ru CAUS PRES Vale ressaltar que o verbo shim-at-ta é classificado como intransitivo e a relação entre verbos transitivos diretos e intransitivos indiretos será abordada na subseção 4.1.4.3.1 (Verbos transitivos versus verbos intransitivos no japonês). 50 Payne (1997) e Harley (2006). 51 Payne (1997) e Harley (2006). 99 Tal situação ocorre quando nos deparamos com verbos transitivos, acarretando o fenômeno chamado double -o constraint52: a fim de não ocorrerem duas marcas de acusativo em uma única sentença, o causee passa a carregar a marca de dativo, e o argumento interno ao verbo mantém a sua marca acusativa, o morfema -o. A diferença de -ni nas duas construções é que, na causativa de ‘permissão’, -ni é preposicional, enquanto que na causativa de ‘fazer’, é estrutural (visto o double -o constraint)53. Com exceção do caso (68) que indica o fenômeno do double -o constraint, a ideia de ‘fazer’ e de ‘permissão’ estaria restrita ao uso de -o e -ni, como visto nos dados (66) e (67), respectivamente. Porém, na sentença proposta a seguir, temos, no dativo (kodomo-ni) a noção de permissividade em sintagma que coexiste com um objeto direto acusativo (piza-o): (69) Haha-wa kodomo-ni piza-o tabe-sase-ta. mãe-TOP criança-DAT pizza-ACC comer-CAUS-PST A mãe fez (‘permitiu’, ‘deixou’) o filho comer pizza. T v V v R V tabe Ø com- 52 53 T sase ru CAUS PRES Restrição de duplo -o. Ver, por exemplo, Harley, 2006. 100 Em (69), pode-se ver claramente a possibilidade de uma causativa de ‘permissão’ ocorrer juntamente com a marca de acusativo. Nocionalmente, nenhuma mãe obrigaria um filho a comer pizza; nesse caso, a melhor interpretação para esse dado seria de que a mãe permitiu, ‘liberou’ o filho para que fizesse esse tipo de refeição. Ainda em relação às duas causativas sintáticas, apesar de ambas possuírem certas peculiaridades, a questão de marcação não é o único fator que as diferencia: a configuração estrutural e suas ‘leituras’ também determinam suas particularidades54. Visto essa similaridade, Harley (1995) realizou testes para os dois tipos de causativas. Estes tinham como objetivo identificar até que ponto as duas causativas seriam semelhantes. Para isso, Harley (1995) usou dados que envolviam causativa-passiva, modificação adverbial orientada para o agente 55 e quantificadores. Os resultados podem ser observados no quadro resumitivo a seguir: Quadro 8: Resultados dos testes entre causativas de ‘fazer’ e causativas de ‘permissão’ ocorrem em construções de causativa-passiva56 Causativas de ‘fazer’ Causativas de ‘permissão’ (make causatives) (let causatives) X X X permitem construções com advérbios orientados para o agente (causer)57 (agent oriented adverbs) ‘oculta’ quantificador flutuante58 Em relação à derivação, Harley (1995, p. 9) já apontava para diferenças em referência às projeções: 54 Harley (1995) identifica que quando a causativa de fazer (make causative) ocorre em verbos intransitivos, o argumento interno recebe a marca de caso acusativo -o, indicando que é o causee. Já na causativa de permissão (let causative), o argumento interno que representa o causee recebe a marca de caso dativo -ni. Em relação aos verbos transitivos, ambas as causativas marcam o argumento interno (causee) com o dativo -ni e o outro argumento interno com o acusativo -o. Os dados (66), (67), (68) e (69) explicitam tais considerações, respectivamente. 55 ‘agent-oriented’ adverbs (Harley, 1995, p. 7). 56 Pylkkänen (2000); Harley (2006). 57 Harley (1995; 2006). 58 Harley (1995; 2006). 101 (70) (Fonte: HARLEY, 1995, p. 9) Harley (1995) confirma por seus testes que, além das características abordadas no quadro resumitivo anterior, é na causativa de fazer que há um marcador de caso verdadeiro que permite quantificador flutuante. Entretanto, a causativa de permissão é preposicional e bloqueia o quantificador flutuante. O que Harley (op. cit.) buscou mostrar na derivação anterior é que, nas causativas de fazer, o argumento externo tem o seu caso atribuído diretamente pelo nó causativo, enquanto que na causativa de permissão, o argumento externo é marcado por uma preposição (-ni) em uma frase preposicional introduzida pelo nó causativo. A frase preposicional controla um PRO na oração encaixada que é o verdadeiro sujeito de fato. 4.1.4.3 Causativas-zero: causativas sem -(s)ase Harley afirma em seus artigos (1995; 2006) que a ideia da causatividade no japonês não está apenas intimamente ligada à questão da composicionalidade ou da não composicionalidade do morfema -(s)ase, visto que há outros verbos, mesmo sem tal morfema, que atribuiriam sentido 102 de causatividade à estrutura da sentença. Tais verbos são chamados de causativas de marca zero. Basicamente, as causativas de marca zero não possuem -(s)ase em sua raiz, porém, também podem expressar a causatividade, como se pode observar: (71) Tarō-wa fune-o shizum-e-ta. Tarō-TOP navio-ACC afundar-TRANS -PST Tarō afundou o navio (= ‘fez’ o navio afundar). (Adaptado de HARLEY, 1995, p. 5) Tal fato é explicitamente observado em verbos incoativos e inergativos (transitivos e intransitivos). Em japonês, esses conceitos podem se apresentar como jidōshi 59 e tadōshi 60 , a serem abordados na próxima subseção. Vale ressaltar que a causativa-zero apenas exprime o sentido das causativas de fazer (make causatives), não exibindo nenhum tipo de sentido de permissividade, como encontrado nas causativas de permissão (let causatives). 4.1.4.3.1 Verbos transitivos versus verbos intransitivos no japonês O que torna o grupo dos verbos transitivos e intransitivos peculiarmente interessante é que, muitas vezes, uma mesma raiz pode ser empregada nos dois contextos. Teramura (1982, p. 305) afirma que a divisão dos intransitivos se deu a partir da oposição entre as raízes dos verbos transitivos e intransitivos. A contraposição de raízes permitiu a Teramura agrupar os verbos em termos de suas relações entre os morfemas in-/transitivizadores e seus significados. Esse agrupamento é o que está condensado no Quadro 9, no qual cada par de verbos exemplifica uma limitada classe de verbos na língua japonesa: 59 60 Verbos intransitivos. Verbos transitivos. 103 Quadro 9: Composição dos grupos de verbos intransitivos e transitivos Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Grupo 4 Grupo 5 Morfema Morfema Funcional Funcional Intransitivizador Transitivizador -ar- -∅- -ar-∅-r-re- -e-e-s-s- Verbos Verbos Intransitivos Transitivos fusag-ar-u fusag-∅-u conectar, desligar fechar, tapar, obstruir at-ar-u at-e-ru bater, acertar bater, acertar ak-∅-u ak-e-ru abrir abrir mawa-r-u mawa-s-u girar girar tao-re-ru tao-s-u 61 cair Grupo 6 Grupo 7 Grupo 8 Grupo 9 Grupo 10 -e-i-i-∅-∅- -as-as-s-se-s- 62 derrubar sam-e-ru sam-as-u acordar, despertar acordar, despertar ik-i-ru ik-as-u viver manter vivo och-i-ru63 oto-s-u64 cair derrubar mi-∅-ru mi-se-ru ver mostrar tob-∅-u tob-as-u pular, voar pular, voar 61 A forma tao-re-ru tem como tradução ‘cair’, porém, a semântica desse ‘cair’ consiste em uma estrutura vertical que passa a não se manter firme, acabando por tombar. (Dicionário Sūpā Daijirin) 62 A forma tao-s-u tem como tradução ‘derrubar’. A noção é igual à apresentada em tao-re-ru. O que difere um do outro é que taoreru é um verbo intransitivo, enquanto que taosu é transitivo. (Dicionário Sūpā Daijirin) 63 Tal como tao-re-ru, a forma och-i-ru também tem a tradução de ‘cair’, porém, a semântica desse ‘cair’ consiste em um movimento iniciado a partir de um lugar alto em direção a um lugar baixo, fazendo-nos lembrar o movimento em queda livre. (Dicionário Sūpā Daijirin) 64 A forma oto-s-u tem a tradução de ‘derrubar’. A noção é igual à apresentada em och-i-ru. O que difere oto-s-u de och-i-ru é que este é um verbo intransitivo, enquanto que oto-s-u é um verbo transitivo. (Dicionário Sūpā Daijirin) 104 Apesar da semelhança formal entre as raízes dos verbos em cada par de cada grupo, nem sempre a semântica que carregam é necessariamente igual. Nesses casos, fica evidente a importância da estrutura sintática para a leitura do verbo. Em contrapartida ao que foi postulado por Teramura (op.cit.), Volpe (2007) apresenta uma análise peculiar. O que diferencia Volpe (op. cit.) de Teramura (op.cit.) e de linguistas como Harley (1995; 1999; 2003; 2006), Tagawa (2007), entre outros, é que, primeiramente, Volpe afirma que a relação de transitividade e intransitividade não está ligada à oposição de raízes e morfemas, mas apenas à oposição de morfemas adjungidos à raiz acategorial. E, para isso, prefere tratar tais morfemas não como morfemas mas, sim, como ‘partículas afixais’ (affixal particles). Para Volpe, tais partículas afixais seriam responsáveis por dirimir não só a questão referente à transitividade, mas também por aclarar a relação entre os verbos transitivos e ditransitivos, como consta nos Quadros 10, 11 e 12 a seguir: Quadro 10: -e- como marcador de intransitividade Raiz √ama √bar √tok Intransitivo Transitivo ama-e-ru ama-(y)akas-u ‘ser dependente de’ ‘estragar, adoçar (uma criança)’ bar-e-ru bar-a-su ‘vir para luz’ ‘expor’ tok-e-ru tok-∅-u ‘dissolver, derreter’ ‘dissolver’ (Adaptado de VOLPE, 2007, p. 10) 105 Quadro 11: -e- como marcador de transitividade Raiz √ag √ak √wak Intransitivo Transitivo ag-ar-u ag-e-ru ‘subir’ ‘erguer’ ak-∅-u ak-e-ru ‘abrir’ ‘abrir’ wak-are-ru wak-e-ru ‘romper, separar’ ‘dividir’ (Adaptado de VOLPE, 2007, p. 10) Quadro 12: -e- como marcador aplicativo Raiz √sazuk √azuk √os(V) Intransitivo Transitivo sazuk-ar-(u) sazuk-e-(ru) ‘receber’ ‘conceder’ azuk-ar-(u) azuk-e-(ru) ‘manter’ ‘confiar, incumbir, encarregar’ osow-ar-(u) oshi-e-(ru) ‘ser ensinado’ ‘ensinar’ (Adaptado de VOLPE, 2007, p. 10) Volpe (op. cit., p.11) afirma que há lógica em usar o termo partícula afixal em detrimento de morfema, já que “...um morfema, como somos informados, é a menor unidade linguística (Bloomfield, 1933). (Veja Aronoff, 1976, para discussões) A atribuição do significado para partículas afixais parece estar relacionada aos seus significados quando anexadas no exterior de uma categoria lexical. Por exemplo, ‘re- no inglês, quando consistentemente anexado a um verbo, tem o sentido de ‘novamente’, por exemplo, re-apply. Da mesma forma que ‘de-’, fora de uma categoria, frequentemente tem o sentido de ‘a partir de’, por exemplo, ‘deverbal’. Mas atribuir significado regular a esses pedaços quando funcionam como meios de lexicalizar uma raiz não lexicalizada, p.ex., re-ceive ou de-ceive, parece ser um exercício fútil. Do mesmo modo, os morfemas japoneses – ‘causativa’ -(s)ase- e a 106 ‘passiva’ -(r)are- – anexados à categoria verbal têm significado consistente e, por conseguinte, a tendência é dar significados similares às suas ‘primas’ que são partículas afixais.”65 A teoria de ‘partículas afixais’ proposta por Volpe (op. cit.) é bastante instigante, porém, devemos levar em consideração que o termo ‘partícula’ tem significado e uso bastante amplos na Linguística. As partículas podem ser classificadas em modais, em partículas independentes que podem marcar categorias verbais como tempo, aspecto e modo, em clíticos, entre outras classificações. Volpe (op. cit.) tem como base de sua afirmação estudos linguísticos desenvolvidos para eliminar a homofonia no holandês e cita den Dikken (1995; 227-268 apud VOLPE, 2007, p. 9-10), que propôs uma análise em que dividia o sistema de transitividade em partículas modificadoras de argumento e partículas aspectuais, como a seguir: (72) a. Jan stuurde uitnodigen voor het feest aan zijn vrienden. ‘Jan sent invitations for the party to his friends.’ Jan enviou convites para a festa para seus amigos. b. Jan ver-stuurde zijn vrienden uitnodigen voor het feest. ‘Jan sent his friends invitations for the party.’ Jan enviou para seus amigos convites para a festa. 65 …a morpheme, we are told, is the smallest meaningful linguistic unit (Bloomfield, 1933). (See Aronoff, 1976, for discussion) Attribution of meaning to affixal particles seems related to their meaning when attached outside of a lexical category. For example re- in English, when attached to a verb consistently has the meaning of ‘again’, e.g., re-apply. In the same way that de- outside a category often has the meaning ‘of, from’, e.g., deverbal. But assigning regular meaning to these pieces when they function as the means to lexicalize a non-lexicalizing root, e.g., re-ceive or de-ceive, seems to be an exercise in futility. In the same way, the Japanese morphemes –(s)ase ‘causative’ and (r)are- ‘passive’ attached to the category verb have consistent meaning and therefore the tendency is to give similar meanings to their affixal particle ‘cousins’. 107 (73) a. Jan maakte zijn positie op de arbeidsmarkt beter. ‘Jan made his position in the job market better.’ Jan fez sua posição no mercado de trabalho melhor. b. Jan ver-beterde zijn positie op de arbeidsmarkt. ‘Jan bettered his position in the job market.’ Jan melhorou sua posição no mercado de trabalho. (74) a. Zijn positie op de arbeidsmarkt ver-beterde. ‘His position on the job market bettered.’ Sua posição no mercado de trabalho melhorou. (75) a. ver-1 = afixo aplicativo b. ver-2 = afixo causativo c. ver-3 = afixo inacusativo (den Dikken, 1995: 229-230) (Adaptado de VOLPE, 2007, p. 9-10) A problemática envolvida nessa teoria é que as características que Volpe (op. cit.) apresenta na analogia entre o holandês com o japonês para essas partículas nos dados dos quadros anteriores é bastante confundível com a noção de morfema, justamente porque o morfema é uma unidade linguística mínima e tais ‘partículas afixais’ não nos parecem exibir nenhuma diferença funcional em comparação a um morfema. Tanto os dados do holandês quanto os do inglês apresentados (receive e deceive, p. 106), em vias de explicar o porquê da predileção pelo uso do termo ‘partículas afixais’, mostram tais ‘partículas’ funcionando aparentemente como prefixo. Faltam dados que indiquem a mobilidade dessas ‘partículas afixais’, como sufixos, prefixos e até infixos. No caso do japonês, o que Volpe (op. cit.) chama de ‘partículas afixais’ funciona como sufixos. Como tal diferenciação não nos pareceu influenciar a nossa análise, não adotaremos a nomenclatura atribuída por Volpe (op. cit.) e continuaremos a utilizar o termo ‘morfema’ neste trabalho tal como foi feito no Quadro 9. No caso dos verbos transitivos e intransitivos, as nomenclaturas ‘morfema funcional transitivizador’ e ‘morfema funcional intransitivizador’ permanecerão. 108 Retomando as informações dispostas no ‘Quadro 9: Composição dos grupos de verbos intransitivos e transitivos’ na página 104, Teramura (1982) discorre sobre cada grupo e sua especificidade, apontando as condições de uso e a morfologia interna dos mesmos. Além disso, também menciona quais desses grupos são passíveis (ou não) de receber o morfema causativo -(s)ase, dando ênfase no Grupo 4 até o Grupo 9. Teramura observa nestes que é possível estabelecer uma relação entre as raízes e a causatividade pelo esquema (76): (76) X -ga <intransitivo> (X -ga animado) X -o forma causativa do <intransitivo> (X -ga inanimado) X -o <transitivo> (Traduzido de TERAMURA, 1982, p. 313) As sentenças (66) e (67) apresentadas na subseção ‘4.1.4.2 Causativas sintáticas’ indicam o uso do morfema causativo -(s)ase com o verbo ik-u (ir), que é um verbo intransitivo. Já em (68) e (69), o morfema -(s)ase ocorre em verbos transitivos como nom-u (beber) e tabe-ru (comer), respectivamente. Na subseção ‘4.1.4.3 Causativas-zero: causativas sem -(s)ase’, é possível observar que a ideia de causatividade não está apenas condicionada ao morfema -(s)ase; a noção de causatividade pode ser observada nos verbos transitivos (tadōshi) que possuem lexicalmente um par intransitivo (jidōshi). O que Teramura (op. cit.) postula com o esquema (76) é que mesmo que o verbo transitivo dos pares lexicais não necessite de morfema causativo para atribuir sentido causativo, é possível que o verbo intransitivo possa também induzir a ideia de causatividade. Porém, este por sua vez necessita da presença do morfema causativo -(s)ase adjungido à sua raiz, como se pode observar em (77c): 109 (77) a. Kodomo-ga ie-ni kae-ru.66 criança -NOM casa-para retornar-PRES A criança retorna para casa. b. Kodomo-o ie-ni kae-s-u. criança-ACC casa-para mandar/enviar de volta-TRANS-PRES Mandar a criança de volta para casa. c. Kodomo-o ie-ni kaer-ase-ru.67 criança-ACC casa-para voltar-CAUS-PRES Fazer a criança retornar para casa. (Adaptado de TERAMURA, 1982, p. 313) Derivação de (77a), (77b) e (77c): T T T TRANS v R T R TRANS T R v T kae ru kae mi sase ru retornar PRES s u retornar TRANS PRES retornar CAUS PRES Tal como nos outros grupos, Teramura (op. cit.) apresenta listas de verbos em sua obra, a fim de que as características compartilhadas entre os mesmos possam ser visualizadas com maior facilidade. Referentemente ao Grupo 9, no Quadro 9, a lista abaixo no Quadro 13 permite algumas considerações: 66 No japonês, o morfema -u pode codificar tanto tempo presente quanto forma infinitiva. Visto isso, as traduções podem variar entre a conjugação do presente do indicativo e a forma infinitiva sem que haja danos à interpretação dos dados presentes nesta tese. 67 Tal como o morfema -u, o morfema -ru também codifica tempo presente e forma infinitiva. 110 Quadro 13: Verbos intransitivos e transitivos referentes ao Grupo 9 <intransitivo> <transitivo> mi-Ø-ru (trans.) ver-Ø-PRES mi-se-ru → ver mostrar ki-se-ru ki-Ø-ru (trans.) vestir-Ø-PRES ver-TRANS-PRES → vestir-TRANS-PRES vestir vestir abi-Ø-ru (intrans.? trans.?) abi-se-ru banhar-Ø-PRES → banhar-TRANS-PRES banhar banhar, esguichar ni-Ø-ru (intrans.) ni-se-ru parecer, assemelhar-Ø-PRES → parecer, assemelhar-TRANS-PRES parecer, assemelhar imitar no-Ø-ru (intrans.) no-se-ru tomar, pegar-Ø-PRES tomar, pegar (meio de transporte) tomar, pegar-TRANS-PRES → embarcar alguém, dar carona (Adaptado de TERAMURA, 1982, p. 316) A marca -se- expressa verbo transitivo, porém, nem todos os verbos da coluna da esquerda podem ser vistos só como intransitivos: mi-ru (ver) e ki-ru (vestir) são tratados como transitivos (apesar de suas propriedades morfológicas), possuindo formas causativas – mi-sase-ru e ki-sase-ru, respectivamente. Por isso, os verbos mi-se-ru e ki-se-ru, na realidade, são verbos com características especiais que se assemelham aos causativos de verbos transitivos, portando, porém, certa especificidade semântica. A fim de justificar tal caso, Teramura relaciona três dados: 111 (78) a. Tomodachi-ga suraido-o mi-Ø-ru. (verbo transitivo, lexical) amigo(a )-NOM slide -ACC ver-Ø-PRES O(A) amigo(a) vê um/o slide. b. Tomodachi-ni suraido-o mi-sase-ru. (ação indireta, causativa sintática gerada a partir do verbo transitivo direto 'miru') amigo(a )-DAT slide -ACC ver-CAUS-PRES Faço/Obrigo o(a) amigo(a) ver um/o slide. c. Tomodachi-ni suraido-o mise-ru. (verbo transitivo, ação direta, sem relação com a forma 'miru' ou 'misaseru') amigo(a )-DAT slide -ACC mostrar-PRES Mostrar para o(a) amigo(a) um/o slide. (Adaptado de TERAMURA, 1982, p. 316) Derivação de (78a), (78b) e (78c): T T T v TRANS R T R v T R TRANS T mi ru mi sase ru mi se ru PRES ver CAUS PRES ver TRANS PRES ver No dado (78a), temos o verbo transitivo direto miru e seu nominativo tomodachi marcado pelo morfema ga. No dado (78b), temos o morfema causativo -sase adjungido à raiz de mi-ru, gerando a forma mi-sase-ru. Nesse dado, o caso nominativo se encontra oculto e tomodachi, que era marcado como nominativo no dado (78a), passa a ser marcado com ni, morfema indicador de 112 dativo, visto a causatividade expressa em mi-sase-ru. Já em (78c), temos o verbo mise-ru que, como já explicitado anteriormente, é um verbo transitivo e independente de mi-ru. Em relação aos verbos do Grupo 10, Teramura (1982) diz que alguns verbos intransitivos podem receber a marca causativa -(s)ase, dependendo estritamente do traço [+ animado]: (79) a. Fuku-ga kawak-u. (verbo intransitivo) roupa-NOM secar-PRES A roupa seca. b. *Fuku-o kawak-ase-ru. roupa-ACC secar-CAUS-PRES (causativa padrão, impedida, em face do traço obrigatoriamente [+ humano] do morfema '(s)ase') Fazer a roupa secar. c. Fuku-o kawaka-s-u. (verbo transitivo) roupa-ACC secar-TRANS-PRES Secar a roupa. (Adaptado de TERAMURA, 1982, p. 317) Derivação de (79a), (79b) e (79c): T T T v R T kawak u secar PRES R TRANS v *kawak ase secar CAUS T ru PRES R TRANS T kawak secar as TRANS u PRES 113 Já a forma -as- presente nos verbos transitivos é vista como uma forma reduzida da voz causativa. (80) a. Otōto-ga gaikoku-e ik-u. (verbo intransitivo) meu irmão -NOM país estrangeiro para ir-PRES mais novo Meu irmão mais novo vai ao (a um país) estrangeiro. b. Otōto-o gaikoku-e ik-ase-ru. (causativa padrão) meu irmão -ACC país estrangeiro para ir-CAUS-PRES mais novo Faço meu irmão mais novo ir ao (a um país) estrangeiro. c. Otōto-o gaikoku-e ik-as-u. (forma reduzida da causativa por redução fonológica) meu irmão-ACC país estrangeiro para ir-CAUS-PRES mais novo Faço meu irmão mais novo ir ao (a um país) estrangeiro. (Adaptado de TERAMURA, 1982, p. 317) Derivação de (80a), (80b) e (80c): T T T v TRANS R T R v T R v T ik u ik ase ru ik as u PRES secar ir PRES ir CAUS CAUS PRES 114 Os dados levantados neste capítulo mostram uma linha tênue entre o sentido de causatividade expresso pelo grupo de causativas-zero e o grupo dos verbos causativos com a marca -(s)ase. De acordo com Harley (2006), Miyagawa (2011) e Kotek (2013), essa linha tênue é resolvida pelo fenômeno blocking effect, proposto por Aronoff (1976). O blocking effect consiste em um processo que privilegia por uma forma em detrimento de outras concorrentes que possuem as mesmas funções/o mesmo sentido. A fim de brevemente explicar como se dá o blocking effect nas causativas do japonês, utilizaremos dois dados presentes em Kotek (2013, p. 5): (81) Kyōshi ga kādo o kyōtaku ni narab-{e/*ase}-ta. professor-NOM cartão-ACC mesa do professor-LOC alinhar-TRANS/*CAUS-PST O professor alinhou os cartões na mesa do professor. (82) Kyōshi ga seito o kōtei ni narab-{*e/ase}-ta. professor-NOM aluno(s)-ACC pátio da escola-LOC alinhar-*TRANS/CAUS-PST O professor fez os alunos se alinharem no pátio da escola. Em (81), temos uma relação causativa em que o verbo não possui em sua raiz o morfema -(s)ase. Tal fato se dá porque o causer é uma entidade de traço [+ humano], ao contrário do causee, que é uma entidade de traço [- humano], e, com isso, o sentido de obrigação não pode ser aplicado a um ser inanimado. É preciso que tanto o causer quanto o causee sejam animados. Sendo assim, a não adjunção de -(s)ase à raiz do verbo se deve a um caso de blocking effect morfológico, dadas as condições de restrição anteriormente mencionadas. Em (82), o causer e o causee são entidades de traço [+ humano]. Visto isso, a semântica da obrigação que envolve o professor fazendo com que os alunos se alinhassem no pátio da escola funciona e a forma narab-e-ta é bloqueada pela forma narab-ase-ta. 115 4.1.5 Causativas adversativas No capítulo dedicado às causativas, Payne (1997) faz um pequeno desdobramento sobre os dois tipos de integração que as causativas possuem em relação ao sentido de causa e efeito: integração estrutural e integração conceitual. Como o próprio nome já sugere, a integração estrutural refere-se à forma, à estrutura; já a integração conceitual tem relação com o tipo de causatividade a ser expresso: se é direta ou indireta. Basicamente, a causativa direta é aquela em que o efeito é gerado diretamente, como em kill. Payne (1997) exemplifica a diferença entre o que é um efeito direto e indireto pelos verbos kill e make die: kill é uma causativa lexical que expressa o efeito causativo direto, enquanto que make die é uma causativa analítica, de efeito indireto, visto que a morte ocorre, mas não de forma direta. Pylkkänen (2000) considera que no japonês há dois tipos de construções adversativas: adversativas passivas e adversativas causativas. Como o presente trabalho objetiva uma síntese referente às causativas, vamos nos ater neste momento apenas às adversativas causativas. De acordo com Pylkkänen (2000), o sentido da adversatividade é gerado, visto que a sentença se torna ambígua entre a ‘verdadeira’ interpretação causativa e a interpretação adversativa (que seria o que Payne classifica como causativa indireta), a ver: (83) Tarō-wa kaisha-o tōsan-sase-ta. Tarō-TOP empresa-ACC falir-CAUS-PST (i) Tarō levou a empresa à falência. (ii) Tarō foi afetado pela falência da empresa. (ou seja: Tarō faliu a empresa e isso o afetou de alguma forma.) (Adaptado de MIYAGAWA, 1989:129; HARLEY, 2006:17) (84) Tarō-ga musuko-o shin-ase-ta. Tarō -NOM filho-ACC morrer-CAUS-PST (i) Tarō causou a morte do filho. (ii) Tarō foi afetado pela morte do filho (visto a perda). (Adaptado de PYLKKÄNEN, 2000, p. 7) 116 De acordo com Pylkkänen (2000), para que haja uma causativa adversativa, é necessária uma relação de posse entre o argumento externo e o argumento interno para que ocorra o efeito adversativo de ‘ser atingido’, gerando um tipo de reflexividade, visto que a ação empregada retorna para o agente em forma de afetação. Os dados em (83) e (84) refletem a relação de posse entre o argumento externo, que é uma entidade de traço [+ animado] e o argumento interno que pode ser uma entidade de traço [+ animado] ou [- animado], que seriam kaisha (empresa) e musuko (filho), respectivamente. Ao olharmos o dado (84), a primeira interpretação que teríamos como não nativos provavelmente seria de que Tarō tivesse incitado o filho a cometer suicídio, porém, a ‘primeira impressão’ é equivocada. De acordo com os 10 falantes nativos 68 aos quais tal questão foi elicitada, a leitura das duas interpretações se dá de forma que Tarō causa a morte do filho de forma indireta ou não tão indireta: (i) forma indireta: Tarō faz algo inadvertidamente sem saber (sem ter culpa) e causa a morte de seu filho. Tarō não sabia e nem tinha intenção que determinada atitude/ação culminaria com a morte do filho; (ii) forma ‘não tão indireta’: Tarō faz algo que acaba contribuindo para a causa da morte de seu filho; o julgamento de que Tarō seria consciente ou não de sua atitude que culmina com a morte de seu filho parece estar intimamente ligado ao julgamento do falante/ouvinte em conjunto com circunstâncias externas que veremos mais adiante. Como observei que o contexto para que tal adversidade tenha efeito ou não parecia ser muito restrito, solicitei que os falantes pudessem nos fornecer alguma situação em que a diferença entre os sentidos ficasse clara, a fim de dirimir qualquer possível dúvida. Durante a sessão de elicitação, apenas um informante nativo conseguiu exemplificar uma situação na qual podemos observar a forma indireta e ‘não tão indireta’ atuando: 68 Todos os falantes consultados são estudantes da língua portuguesa em território brasileiro, têm idade entre 25 e 35 anos, possuem no mínimo curso superior completo e são funcionários de filiais de empresas japonesas estabelecidas na cidade do Rio de Janeiro. 117 Efeito 1, forma indireta: o filho de Tarō é surfista e pergunta ao pai (Tarō) se hoje o tempo está bom para pegar ‘uma onda’ ou se o pai acha que o dia não está propício para surfar. O pai diz não haver problemas no fato de o filho ir surfar, porém, acontece algum acidente durante o surfe e este acaba morrendo. Com isso, o informante disse que pode-se dizer Tarō ga musuko o shinaseta (Tarō causou a morte do filho), mesmo o pai não tendo culpa da morte de seu filho. Efeito 2, forma ‘não tão indireta’: o filho de Tarō está com algum problema, triste ou depressivo, e Tarō mesmo sabendo disso não faz/fez nada para tentar ajuda-lo. O filho de Tarō se mata. Com isso, o falante afirma que, nesse caso, Tarō tem um pouco de culpa por não ter ajudado seu próprio filho em relação aos seus problemas. Harley (2006) argumenta que a partir da interpretação das causativas adversativas, há como distinguir a causativa lexical da sintática, como sugerem os dados a seguir: (85) a. Boku-wa kodomo-o eu-TOP gake-kara oto-shi-ta. criança-ACC despenhadeiro-FON cair-TRANS-PST (i) Eu derrubei a criança do despenhadeiro. (ii) Deixei a criança cair e fui afetado (por isso). b. Boku-wa kodomo-o (Lexical) gake-kara ochi-sase-ta. eu-TOP criança-ACC despenhadeiro-FON cair-CAUS-PST (i) Eu causei, fiz a criança cair do despenhadeiro. *(ii) A criança caiu do despenhadeiro e eu fui afetado. (Produtiva) (Adaptado de HARLEY, 2006, p. 33) A partir do que foi visto em relação à ideia de causatividade direta/indireta, confirmam-se as três considerações tecidas por Payne (1997) concernentes à relação entre a integração estrutural e conceitual, chamadas pela autora de ‘princípios de codificação das causativas’: 118 “1. Distância Estrutural: o número de sílabas ou segmentos envolvidos na operação causativa é iconicamente relacionado à quantidade de distância conceitual entre a causa e o efeito. (Haiman 1983a). 2. Formas verbais finitas versus formas verbais não finitas: se a causa e o efeito são os mesmos em termos de tempo/aspecto/modalidade/ evidencialidade e/ou localização, um dos verbos pode ser não finito (por exemplo, não marcado para tempo/aspecto, etc.). 3. Caso morfológico do causee: se o causee retém um alto grau de controle sobre o evento causado, o mesmo aparecerá em um caso normalmente associado com AGENTES, por exemplo, o caso nominativo ou negativo. Se retiver pouco ou nenhum controle (por exemplo, é completamente manipulado pelo causer), aparecerá em um caso normalmente associado a pacientes, por exemplo, acusativo ou absolutivo.”69 (Traduzido de PAYNE, 1997, p. 182) 4.1.6 Verbos causativos idiomatizados Como vimos em 4.1.4.1 (Causativas lexicais), as causativas lexicais são verbos já montados, porém, com significado não regularmente previsível. Foram detectados alguns verbos que ocorrem juntamente com o morfema -(s)ase que não configura expressão idiomática: 69 “1. Structural distance: the number of syllables, or segments, involved in the causative operation is iconically related to the amount of conceptual distance between the cause and the effect (Haiman 1983a). 2. Finite vs non-finite verb forms: if cause and effect are the same in terms of tense/aspect/modality/evidentiality and/or location, one of the verbs can be non-finite (i.e., not marked for tense/aspect, etc). 3. Morphological case of the causee: if the causee retains a high degree of control over the caused event it will appear in a case normally associated with AGENTS, e.g., the nominative or ergative case. If it retains little or no control (i.e., it is completely manipulated by the causer, it will appear in a case normally associated with patients, e.g., the accusative or absolutive case.” 119 (86) a. Te-o awase-ru. mãos-ACC juntar-PRES colocar junto Juntar as mãos. b. Seikatsuyōshiki-o atarashii kankyō-ni awase-ru. estilo de vida -ACC novo(a) ambiente-DAT adaptar-PRES Adaptar o estilo de vida ao novo ambiente. (Dicionário Genius) As sentenças (86a) e (86b) exprimem relações de reciprocidade e distributividade, respectivamente. Em contrapartida, a formação dessa mesma raiz com o causativo e a ocorrência com determinados nomes permitem uma leitura idiomática: (87) a. Chikara-o aw-ase-ru. força-ACC junto-CAUS-PRES (Literalmente: Juntar forças.) Cooperar. b. Mimi-o sum-ase-ru.70 ouvido-ACC limpo, claro-CAUS-PRES (Literalmente: Fazer o ouvido limpo, claro.) Escutar atentamente/cuidadosamente. (Adaptado de HARLEY, 2006, p. 17) O verbo awaseru será novamente abordado na subeseção seguinte (4.1.7 Recategorizações e nominalizações em causativas idiomatizadas), com foco na sua nominalização, que também gerará significados idiossincráticos. 70 Sumase(ru) é equivalente ao verbo suma(su), cuja característica remonta ao Grupo 10, citado no Quadro 9, página 104, na subseção 4.1.4.3.1 (Verbos transitivos versus verbos intransitivos no japonês). 120 4.1.7 Recategorizações e nominalizações em causativas idiomatizadas Abordei brevemente na subseção 4.1.6 (Verbos causativos idiomatizados) alguns verbos causativos interpretados como causativos lexicais – verbos já lexicalizados, ‘pré-fabricados’, visto que sua composição gramatical atualmente não é mais percebida pelo falante. Tais causativos têm significado próprio e dão margem à leitura idiossincrática. O que também foi observado nessa seção é que tais causativas lexicais permitem a formação de expressão idiomática de acordo com determinado (e restrito) contexto sintático. Tanto as idiomatizações lexicais quanto as expressões sintáticas idiomatizadas têm sua ocorrência diretamente ligada à categoria verbal em conjunção ao contexto sintático. Entretanto, também é possível encontrar idiomatizações na nominalização de causativos em nível de primeira e de segunda camada na derivação, inclusive com mudança de categoria. Julguei importante citar Volpe (2007) em relação à formação de palavras e sua análise com referência aos verbos transitivos e intransitivos nesta subseção, visto que servirá de base para a descrição das causativas nominalizadas. Sabemos que na Morfologia Distribuída, independente da categoria que a palavra irá adquirir, temos dois tipos de formação: palavra derivada de uma raiz (root derived word) e palavra derivada de outra palavra (word derived word)71. Quando a palavra deriva de outra já existente, ela pode manter a sua categorização inicial ou sofrer um ou mais processos de recategorização, como, por exemplo, processos de afixação e justaposição. Na língua portuguesa, temos diversas categorias de palavras formadas por apenas uma camada ( [garfo] N ; [espécie] N ) ou por mais camadas ( [[garf] N inho] izar] V N ; [[[especi] N al] A ). A criação de palavras com muitas camadas gera a possibilidade de recategorizações, mantendo a composicionalidade, mas também dá margem a processos idiomáticos. No japonês, temos a ocorrência de recategorizações, ainda que não tão ‘produtivas’ como no português, em que muitas palavras exibem várias camadas, como, por exemplo, ‘industrialização’ e ‘modernização’: 71 Volpe (op. cit.) prefere utilizar o termo lexical-derived derivation em detrimento do termo word derived word, mas sem qualquer tipo de acarretamento ou mudança teórica. 121 (88) N V A N R N A V N industr ia l iza ção A [[[[[industr] R ia] N l] A iza] V ção] N (89) N V A R A V N modern Ø iza ção A [[[[modern] R Ø] A iza] V ção] N 122 Ao olhar a árvore em (88), observei que a palavra ‘industrialização’ é formada por quatro camadas e passou por diversas recategorizações, indo de nome para adjetivo, verbo e, mais uma vez, nome. Já a projeção em (89) indica que a palavra ‘modernização’ sofreu recategorização de três camadas – uma adjetival, outra verbal, e a última, nominal. Em ambos os casos, as palavras derivadas, ainda que longas, são composicionalmente depreensíveis. A formação de palavras no japonês na maioria das vezes é mais rasa que a do português. Ainda assim, é possível encontrar palavras formadas por duas camadas que sofreram processo de recategorização e de idiomatização. Parte desse assunto foi abordado no capítulo três dedicado à derivação de palavras com ênfase na produção de nominalizações. Nesta seção, abordaremos a questão da nominalização de causativas em nível de primeira e de segunda camada. Tomemos como ponto de partida o quadro de Volpe (2007): 123 Quadro 14: Verbos transitivos, intransitivos e suas respectivas nominalizações Raiz Intransitivo Transitivo (raízes simples) a-u √aw ∅ ajustar-PRES ‘ajustar, encaixar’ √mi √kik √shir 72 Ditransitivos Nominalização aw-ase-ru aw-ase ajustar-CAUS-PRES ajustar-CAUS ‘juntar; encaixar’ ‘juntamento; encaixe’ mi-e-ru mi-ru mi-se-ru mi-e ver-TRANS-PRES ver-PRES ver-TRANS-PRES ver-TRANS ‘poder ver’ ‘ver’ ‘mostrar’ ‘um visor’ kik-oe-ru kik-u kik-ase-ru ouvir-TRANS-PRES ouvir-PRES ouvir-CAUS-PRES ‘poder escutar’ ‘escutar, indagar’ ‘dizer’ shir-u shir-ase-ru shir-ase saber-PRES saber-CAUS-PRES saber-CAUS ‘saber, conhecer’ ‘informar’ ‘notificação’ ∅ kik-oe ouvir-TRANS ‘reputação; fama; renome’ yar-ase √yar ∅ yar-u yar-ase-ru fazer-PRES fazer-CAUS-PRES ‘situação falsa, ‘fazer’ ‘fazer Y fazer algo’ performance pré- fazer-CAUS arranjada’ (Adaptado de VOLPE, 2007, p. 14) Nesse texto, Volpe procurou apresentar a distinção entre verbos transitivos e intransitivos e suas respectivas nominalizações. Os verbos têm suas nominalizações ora pautadas nas formas intransitivas, ora nas formas ditransitivas (também chamadas de bitransitivas). Como o foco aqui é nominalização em causativas, selecionei três verbos do quadro de Volpe: awaseru, shiraseru e 72 Volpe (2007) sinaliza em seu artigo que o verbo au tem como significado ‘encontrar’. Entretanto, tal verbo na realidade pode portar mais de um significado além de ‘encontrar’, tal como ‘ajustar’, ‘encaixar’, ‘adaptar’, entre outros. Como a forma awaseru tem relação direta com o sentido de ‘ajustar’, ‘encaixar’ e ‘adaptar’, optamos por substituir a tradução de Volpe (op. cit.). Mas vale ressaltar que au com o sentido de ‘encontrar’ também pode passar pelo processo de adjunção do morfema -ase à sua raiz e gerar a forma awase, ‘fazer encontrar’. A diferença entre a primeira e a segunda forma é que o primeiro awase é lexical e o segundo awase é sintático. 124 yaraseru. Todos esses três verbos possuem apenas formas transitivas e Volpe os indica como verbos ditransitivos. Porém, aquilo que aparenta apenas serem simples verbos ditransitivos têm muito mais a revelar: dos três verbos aqui selecionados, dois são encarados como causativas lexicais. O verbo awaseru tem origem no verbo transitivo au (‘ajustar’, ‘encaixar’), e ao adjungir o morfema causativo -ase à sua raiz, temos o verbo awaseru, que significa ‘(fazer) juntar’, ‘(fazer) encaixar’. Já o verbo shiru (saber, conhecer), com a adjunção de -ase à sua raiz, dá lugar a shiraseru, ‘informar’. E ‘informar’ nada mais é do que fazer alguém conhecer algo. Em todos os dicionários consultados, awaseru e shiraseru são apresentados como entradas lexicais independentes. Tal fato não ocorre com yaraseru. Vemos, assim, que os dicionários de japonês reconhecem a composição sintática quando a semântica é composicional, e priorizando a regularidade semântica, separam as acepções semanticamente idiossincráticas apresentando-as como entradas autônomas no dicionário. As nominalizações dos verbos awaseru e shiraseru herdam as idiossincrasias semânticas dos respectivos verbos. No Quadro 15, adaptado de Volpe (2007, p. 14), podemos ver que o autor sintetiza os fatos acima descritos: Quadro 15: Verbos awaseru, shiraseru e suas nominalizações Raiz Transitivo Ditransitivos Nominalização aw-ase-ru aw-ase ajustar-CAUS-PRES ajustar-CAUS ‘emparelhar, casar, ‘emparelhamento, junção, unir, combinar’ união, combinação’ shir-u shir-ase-ru shir-ase saber-PRES saber-CAUS-PRES saber-CAUS ‘saber, conhecer’ ‘informar’ ‘notificação’ (raízes simples) a-u √aw ajustar-PRES ‘ajustar, encaixar’ √shir Das duas idiomatizações apresentadas acima, awase nos apresentou mais condições para que pudéssemos continuar trilhando o caminho da idiomaticidade. Inicialmente, como abordado na subseção 4.1.6 (Verbos causativos idiomatizados), awaseru pode constituir expressão idiomática, conforme se pode ver nos exemplos a seguir: 125 (90) Chikara-o aw-ase-ru. força-ACC juntar-CAUS-PRES (Literalmente: Juntar forças.) Cooperar. (Adaptado de HARLEY, 2006, p. 17) (91) Jikan-o awase-nasai. tempo, hora-ACC combinar-IMP (Literalmente: Combinar o tempo.) Ajuste/Acerte o relógio. (Dicionário Aedict) Em relação à forma nominalizada awase, vale ressaltar que, por sua vez, pode se compor com outros itens lexicais a partir da formação de palavras por justaposição morfológica com verbos ou nomes, configurando novos itens lexicais cuja leitura de awase já idiomatizada gera uma nova idiomatização a partir dessa: (92) Machi-awase-no jikan-ni okure-ru. esperar-combinação-GEN hora, tempo para atrasar-PRES Atrasar-se para o horário do encontro. (Dicionário Kōjien) 126 Derivação de (92) machiawase: N V N ei v 3 R mach(esper-) N 3 V R v -i aw- -ase (verbalizador) Ø (encaix-) machiawase = encontro Em (92), machiawase, ao ser segmentado em partes maiores, dá machi (esperar) e awase (combinação, junção). A justaposição dessas palavras gera uma nova palavra de sentido distinto aos de seus componentes: a união de machi e awase resultaria, se a leitura fosse composicional, em algo como ‘combinação de esperar’. Na verdade, porém, o sentido dessa estrutura é ‘encontro’. O mesmo ocorre em toiawase, kumiawase, uchiawase, teawase e kaoawase, como se pode observar nas derivações de (93) a (100). Destaque para uchiawase e kaoawase, que podem carregar nuances de significado de acordo com o contexto pragmático em que ocorrem. 127 (93) O-toi-awase-wa (212) 987-6542 e. HON- perguntar-combinação -TOP (212) 987-6542 para Informações, (ligue) para (212) 987-6542. (Dicionário Genius) Derivação de (93) toiawase: N V N ei v 3 N 3 R V R v to- -i aw- -ase (indag-; inquir-) (verbalizador) Ø (encaix-) toiawase = informação (inquérito) 128 (94) Iro-no futeki-na kumi-awase. cor-GEN inadequado-COP montar-combinação Combinação inadequada de cores. (Dicionário Genius) (95) Tenisu shiai-de kare-to kumi-awase ni nat-ta. Tênis jogo-LOC ele com montar-combinação foi decidido Foi decidido que faria par (= combinaria) com ele no jogo de tênis. (Dicionário Genius) Derivação de (94) e (95) kumiawase: N V N ei v 3 N 3 R V R v kum- -i aw- -ase (mont-) (verbalizador) Ø (encaix-) kumiawase = combinação 129 (96) Shikishidai-no uchiawase. programação para- GEN bater-combinação a cerimônia Organização da programação para a cerimônia. (Dicionário Kōjien) (97) Uchi-awase-wa raishū ni enki ni nat-ta. bater-combinação -TOP semana para adiado ser-PST que vem A reunião foi adiada para semana que vem. (Dicionário Aedict) Derivação de (96) e (97) uchiawase: N V N ei v 3 N 3 R V R v uch- -i aw- -ase (bat-) (verbalizador) (encaix-) Ø uchiawase = organização; reunião 130 (98) (...to) ...no te-awase-o su-ru. ...com ...GEN mão-combinação- ACC fazer-PRES Ter um jogo (partida) de... (com...) (Dicionário Genius) Derivação de (98) teawase: N N N ei v N 3 R te aw- ( mão) (encaix-) v -ase Ø teawase = jogo; disputa 131 (99) Shin-menbaa-no kao-awase no tame ni iin-kai ga hirak-are-ta. novo(s) membro(s)-GEN rosto-combinação com o objetivo de comitê-encontro-NOM realizar-PAS-PST Com o objetivo da apresentação dos novos membros, foi realizada uma reunião do comitê. (Dicionário Genius) (100) Sono eiga-de-wa este ni-dai haiyū-ga kao-awase-o shi-ta. filme-LOC-TOP dois/duas- grande(s) ator(es)/atriz(es)-NOM rosto-combinação-ACC fazer-PST Dois grandes atores/atrizes coestrelaram esse filme. (Dicionário Aedict) Derivação de (99) e (100) kaoawase: N N N ei v N 3 R kao aw- ( rosto) (encaix-) v -ase Ø kaoawase = apresentação 132 (101) Kyōfū no tame unten mi-awase. vento forte por conta direção ver-combinação Devido ao vento forte, as operações (por exemplo, trem, metrô) foram suspensas/cancela-se a direção/condução (de carros). (Dicionário Kōjien) Em (101) temos uma expressão idiomática com a palavra miawase. O verbo mi tem como significado primário ‘ver’, e awase, ‘combinar, juntar’, por sua vez. O que nos levaria a pensar em um significado relacionado com ‘visão’ muda totalmente ao ser adjungido à palavra unten, (‘direção, operação’ no sentido de conduzir um veículo, como se pode observar na derivação a seguir): Derivação de (101) untenmiawase: N N N qp R N ei v N v 3 unten ( direção) mi(ver) R v aw- -ase (encaix-) CAUS Ø untenmiawase = suspender/interromper a condução/direção de veículo(s) 133 Note que nos dados de (92) a (101), há a manutenção do significado idiomatizado de awase (‘combinação, encaixamento’). Porém, ao mergir com os outros verbos como machi (encontrar), toi (perguntar), kumi (montar), uchi (bater) e nomes como te (mão), kao (rosto) e unten (direção), awase gera na última camada uma nova idiomatização. A este ponto, torna-se interessante comparar construções nominalizadas de -ase com a de outro verbo: yaraseru: Quadro 16: Verbo yaraseru e sua nominalização Raiz √yar Transitivo (raízes simples) Ditransitivos yar-u yar-ase-ru fazer-PRES fazer-CAUS-PRES ‘fazer’ ‘fazer Y fazer algo’ Nominalização yar-ase fazer-CAUS ‘situação falsa, performance pré-arranjada’ O Quadro 16 informa que yaraseru é uma causativa sintática que significa ‘fazer alguém fazer algo’. Entretanto, a nominalização de yarase tem leitura idiomática. Volpe (2007) trata o yarase como ‘um evento encenado’ (a staged event). Em outros dicionários 73 , aparece uma entrada de yarase com o significado primário de ‘uma situação falsa’ e o sentido secundário de ‘uma performance pré-arranjada’. De acordo com o dicionário Nihongo Zokugo74, yarase é ‘uma informação, um relatório ficcional que a mídia criou’75. A partir de tal definição, fica mais fácil compreender a mudança de significado de tal termo ao ser nominalizado: quando em forma transitiva, yaru significa fazer e sua forma causativa yaraseru significa ‘fazer alguém fazer algo’: 73 Weblio (http://www.weblio.jp/content/%E3%82%84%E3%82%89%E3%81%9B), Kotobank (https://kotobank.jp/word/%E3%82%84%E3%82%89%E3%81%9B-161793 ), Sūpādaijirin e Aedict. 74 http://zokugo-dict.com/36ya/yarase.htm 75 Em japonês, Media ga tsukutta kyogi no hōdō o suru koto. 134 (102) Derivação de yarase: N wo v N 3 R v yar- -ase Ø (fazer) yarase = ‘situação falsa’ ou ‘performance pré-arranjada’ Quando yaraseru é nominalizado, o que acontece com a fonologia zero, observa-se o salto semântico para ‘situação falsa’ ou ‘performance pré-arranjada’. Ainda que o significado gerado tenha mudado radicalmente, ambos os sentidos têm ligação com a semântica de ‘fazer’ ou ‘fazer alguém fazer algo’. Todavia, tal origem já deixou de ser conscientemente reconhecida pelos falantes de japonês. Um exemplo semelhante a esse no português seria a palavra ‘provento’. Se olharmos para a sua semântica interna, perceberemos a presença de ‘provir’. Analisando diacronicamente, o sentido de ‘provir’ abrange “lat. proventus, us ‘nascença (dos animais), produção (dos vegetais), colheita, produção, multiplicação, resultado, provento, lucro’, do rad. de proventum, supn. de proveníre ‘vir para diante, sair (da casca), nascer, brotar, provir’; ver -vir” (HOUAISS, 2001), e seu significado final é ‘originar-se, proceder, derivar’ (HOUAISS, 2001). E, ainda de acordo com Houaiss (2001), ‘provento’ consiste numa ‘vantagem, especificação financeira que se tira de alguma coisa; ganho, proveito, lucro’. Ou seja, uma palavra na qual o sentido final é idiomático e o significado-base é esquecido por muitos. 135 Ainda em relação às nominalizações aw-ase e yar-ase, configurei o quadro 17 a seguir: Quandro 17: Comparativo entre as nominalizações aw-ase e yar-ase Verbo transitivo a-u ajustar-PRES ‘ajustar, encaixar’ Verbo causativo Nominalização aw-ase-ru aw-ase-Ø ajustar-CAUS-PRES ajustar-CAUS-NOM ‘emparelhar, casar, unir, ‘emparelhamento, junção, combinar’ união, combinação’ yar-u yar-ase-ru fazer-PRES fazer-CAUS-PRES ‘fazer’ ‘fazer Y fazer algo’ yar-ase-Ø fazer-CAUS-NOM ‘situação falsa, performance pré-arranjada’ Como abordado no início deste capítulo, temos diversas classificações para as causativas no japonês: causativas lexicais (não-produtivas), causativas sintáticas (produtivas), causativas-zero e causativas adversativas. A nominalização aw-ase procede da causativa lexical aw-ase-ru, enquanto que a nominalização yar-ase tem origem na causativa sintática yar-ase-ru. Com isso, concluo que a diferença de origem das duas nominalizações é responsável pela diferença nos critérios semânticos: o nome aw-ase provém de um verbo idiomatizado e herda o seu sentido (emparelhamento, junção, união, combinação); o nome yar-ase, provém yar-ase-ru, de um verbo causativo composicional e não exibe o mesmo comportamento de aw-ase: a leitura idiomática de yar-ase só emerge na sua forma nominalizada. A incidência de idiomaticidade, em aw-ase, já vem desde o verbo causativo lexical; diferentemente, a idiomaticidade de yar-ase somente incide na camada nominalizada do verbo yar-ase-ru, ou seja, a forma yar-ase. 136 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS Busquei no capítulo três abordar e tratar a composicionalidade e a idiomaticidade nas derivações contendo os sufixos -in, -sha e -ka – sufixos que possuem características atributivas de traço [+ humano] e que geram nomes cuja semântica está intimamente ligada à atividade ou ocupação – e os sufixos -kan, -shitsu e -ya – sufixos com características atributivas de traço [humano] e geradores de palavras que exprimem a relação de espaço/localidade. Já supunha que a composicionalidade em relação a esses dois grupos de sufixos far-se-ia presente em boa parte dos dados coletados visto que o processo de formação de palavras no japonês gera palavras com poucas camadas e a semântica dessas camadas em sua maioria é transparente. Entretanto, ainda que escassos, busquei apresentar casos de idiomaticidade nas derivações desses dois grupos, ainda que em camada baixa. O grupo -in, -sha e -ka se mostrou bastante composicional, exibindo pouquíssimos usos de idiomaticidade. Por outro lado, o segundo grupo contendo os sufixos -kan, -shitsu e -ya se mostrou totalmente composicional com -kan e -shitsu, porém, bem idiomático com -ya, especialmente quando este em vez de atribuir semântica de espaço, exibe traço [+ humano]. Notei que o significado das palavras hakobi-ya, wakarazu-ya, kidori-ya, nigiri-ya e atari-ya, dispostas nas páginas 77 a 79 é idiomático, porém com um valor pejorativo compartilhado. E, em relação às causativas do japonês, abordadas no capítulo quatro, a idiomaticidade já era descrita por Harley (1995; 2006), Tsujimura (1996), entre outros linguistas, quando falam sobre as causativas lexicais. Procurei analisar a partir dessas causativas lexicais se tais formas poderiam ter influência na formação de outras palavras. Para isso, busquei analisar primeiramente a nominalização em três causativas – aw-ase-ru, shir-ase-ru e yar-ase-ru – e, posteriormente, a formação de palavras a partir da justaposição dessas causativas nominalizadas. A causativa nominalizada a que dei maior enfoque foi aw-ase, nominalização oriunda de um verbo causativo lexical (aw-ase-ru). Ou seja, já é um verbo idiomatizado. Sendo aw-ase uma nominalização de um verbo idiomatizado, ela herda o significado idiomático. Entretanto, ao se adjungir a outros elementos, como visto na subseção ‘4.1.7 Recategorizações e nominalizações em causativas idiomatizadas’, seu significado é perdido, gerando uma nova idiomatização. Ou seja, temos um processo de perda do sentido da idiomatização de aw-ase dando espaço a uma nova idiomatização (ver dados (92) a (102)). 137 No caso de yar-ase, tal nominalização não se mostra produtiva como em aw-ase. O interessante dessa nominalização é que, por ser proveniente do verbo yar-ase-ru, uma causativa sintática (ao contrário de aw-ase, que provém de uma causativa lexical, o verbo aw-ase-ru), a leitura idiomática só é encontrada na camada da nominalização do verbo. Ao finalizar este trabalho, concluo que ainda há muito o que ser explorado no campo da leitura idiomática configurada em uma única palavra ou expressão idiomática no japonês, e que tal pesquisa é apenas o começo de um grande estudo a ser empreendido ao longo dos anos. 138 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Ethnologue - Languages of the World. Disponível em: https://www.ethnologue.com/language/jpn International Organization for Standardization (ISO). Disponível em: http://www.iso.org/iso/home.html _________. 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