“Dama da noite”, de Caio Fernando Abreu

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OS MORANGOS DO MAL: UMA LEITURA DO CONTO
“DAMA DA NOITE”, DE CAIO FERNANDO ABREU
RODRIGO DA COSTA ARAUJO (FAFIMA)
Se o outro é real, se você não está se
relacionando com uma fantasia, começa
o conflito. Muitas vezes me pergunto se
o amor realmente existe ou se foi uma
invenção de nossa sede humana. É meio
complexo de cinderela, para não nos
sentirmos tão sem sentido.
(Caio Fernando Abreu. Entrevista a
Marcelo Secron Bessa)
Considerações Iniciais:
O título “Dama da Noite”, bem como a roda gigante que
magnetiza e instaura uma vertigem, já encerrram uma espécie de
alerta ao leitor, ouvinte ou espectador quanto ao seu caráter
misterioso, de sedução ou do referencial que tenta construir uma
espécie de discurso envolvente.
Mais que uma função adjetiva desempenhada pelo substantivo
noite, causa entranheza o fato de a palavra “noite” acompanhar
“dama” no título do conto. Prova disso é a frequente associação a
flor noturna que exala um envolvente perfume, uma espécie de
sinestesia que inaugura a teia textual e o lugar do desejo.
Com esse olhar sinestésico, conto e curta-metragem, indiscutivelmente ligados, serão lidos de forma intersemiótica, criando assim
“uma nova consciência de linguagem, que obriga a contínuos cotejos
entre os códigos, o que constitui contínuas operações”. Literatura e
cinema narrativo apresentam, então, nessa comunicação, apesar da
disparidade entre suas formas primárias, um certo parentesco.
Na narrativa cinematográfica, as relações intersemióticas entre
imagens que se transformam são preenchidas pela palavra, enquanto
na prosa de Caio Fernando Abreu (1948-1996) a palavra, sustentáculo das ações, é o fator deflagador das imagens. Nas duas artes, o
que há de estritamente narrativo são os esquemas das ações, que se
reduzem inevitavelmente ao elemento verbal. Nesse ponto, curtametragem e conto tornam-se, ambos, objeto de narratologia.
Nesse diálogo entre linguagens, o propósito é investigar, no
conto “Dama da Noite” e no curta do mesmo nome, possíveis procedimentos intertextuais, focalizando, num primeiro momento signos
da crueldade narrativa e, num segundo momento, um olhar melancólico na prosa finissecular de Caio Fernando Abreu.
Cenas da prosa dark, voraz e envenenada
“Os Dragões não conhecem o Paraíso”, livros de contos
semelhantes ao adeus das ilusões, de “Morangos Mofados”, tematiza,
em “Dama da Noite” –, dentre os vários olhares sobre o mesmo
tema: “amor e sexo, amor e morte, amor e abandono, amor e alegria,
amor e memória, amor e medo, amor e loucura” – o amor e a morte.
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Misturados (amor e morte), seja como o amor que mata, ou,
em outra leitura, sobre a morte das ilusões do amor, tanto no conto,
como no curta-metragem, a AIDS será um pano de fundo para
instaurar a crueldade narrativa, o medo, os morangos do mal,
presentes no título desse ensaio.
O autor epigráfico em “Dama da Noite” (1988, p. 91) já
anuncia a solidão e o dilaceramento da alma da protagonista com os
seguintes versos do Livro “Papos de Anjo”, da poeta Lucia Villares:
“E sonho esse sonho
que se estende
em rua, em rua
em rua
em vão.”
Após a epígrafe, no conto, como numa espécie de verborragia
“em vão”, instaura-se um monólogo, do qual ouvimos apenas a voz
da “Dama da Noite”, apesar de sabermos da existência de um
interlocutor, um rapaz cujos comentários e reações conhecemos
através da fala dela. No curta, esse universo de relações dilacerantes
surge ainda mais acentuado pela aparência e discurso da protagonista, em seu papel de andrógino, reforçados a traços, representações
e metonímias do mal: careca, tatuada, irônica e uma forte carga
dramática nas expressões getuais.
Todas essas transformações contemporâneas e de “fenômeno
extremo” como aponta Moriconi (2006), Braudrillard (1990) demonina de pós-orgia, simulação da orgia, repetição real ou virtual,
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hiper-realização em uma simulação indefinida, cujo único valor é o
da pura circulação, de imagem em imagem, de tela em tela.
A apresentação da realidade envenenada faz-se com a
mediação de um discurso, sem metafísica, sem transcendência. A
crueldade estaria então não só no tema, ou na realidade a que remete,
mas também na enunciação, expressa pelo explícito nas duas
narrativas, não abrindo, quase sempre, espaço a comentários moralizantes, edificantes ou religiosos. Nesse viés, e influenciado pela
cultura midiática, tanto conto, como curta, aproximam-se, portanto,
de um padrão que se quer cruel, aquele que ultrapassa a linguagem, a
serviço da ilusão extratextual.
A linguagem verborrágica da protagonista busca reduplicar o
que é narrado ou observado no curta, ou mesmo o vivido, negando de
certa forma, o caráter ficcional do relato. As narrativas, então,
apresentam-se como documental desse “real”, em sua materialidade,
seja escrita ou visual, a intenção reside em denunciar a miséria e o
horror de um mundo fechado em si mesmo, que é violento e,
consequentemtne, cruel.
É o que podemos perceber na seguinte passagem:
Como se eu tivesse por fora do movimento da vida. A vida
rolando por aí feito roda-gigante, como todo mundo dentro, e eu
aqui parada, pateta, sentada no bar. Sem fazer nada, como se eu
estivesse desaprendido a linguagem dos outros. (Abreu, 1992,
p. 91)
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Ambos, conto e curta, relatam, com requintes de detalhes e
cenas, o sentimento e o dilaceramento, as ações terríveis que horroriza o leitor/espectador, mesmo aquele que já está acostumado a esse
tipo de relato divulgado nos vários meios de comunicação. Em ambos dá-se a narrativa direta da crueldade, pelo jogo das imagens, pelo
excesso de carga emocional, que entendem a crueldade pelo explícito, pela repetição, pela busca de um realismo atrelado ao “efeito do
real” segundo as idéias de Barthes (1972, p. 35-44).
A crueldade narrativa e verborrágica, nesse sentido, estariam
relacionada ao registro do implacável e do desespero: “desespero pelo qual não entendo uma disposição de espírito voltada para a melancolia, mas longe disso, uma disposição absolutamente refratária a
tudo o que se assemelha à esperança ou à expectativa” – assevera
Clément Rosset em seu livro “O Princípio da Crueldade” (2002).
Por crueldade, segundo o filósofo francês, acrescenta:
Por “crueldade” do real entendo, em primeiro lugar, a natureza
intrínseca dolorosa e trágica da realidade; (...) basta-me lembrar o
caráter insignificante e efêmero de toda coisa do mundo. Mas
entendo também por crueldade do real o caráter único, e
consequentemente irremediável e inapelável, desta realidade –
caráter que impossibilita ao mesmo tempo de conservá-la à
distância e atenuar seu rigor pelo recurso a crudelis (cruel) assim
como crudus (cru, não digerido, indigesto) designa a carne
escocharda e ensangüentada: ou seja, a coisa mesma privada de
seus ornamentos ordinários (...). Assim, a realidade de tudo o que
não é ela para considerá-la apenas em si mesma. (...) o que é
cruel no real é de certo modo duplo, por um lado ser cruel, por
outro ser real. (...) Parece que o mais cruel da realidade não
reside em seu caráter intrinsecamente cruel, mas em seu caráter
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inelutável, isto é, indiscutivelmente cruel. (Rosset, 2002, p. 17-
8)
Com essas reflexões e o gosto amargo do fracasso ( ou o
“mofo” dos Morangos Mofados?) as narrativas em questão se colocam como uma síntese aguda e aterrorizadora, que se manifesta
através da ironia e das falas da protagonista. Seu discurso é uma
artilharia tanto contra a sua geração, derrotada e perdida, quanto
contra a outra geração, que já sem direito ao sonho de liberdade política, cultural, social e sexual, que um dia foi cultivado pelas pessoas
da sua época:
A gente teve uma hora que aprecia que ia dar certo. Ia dar, ia dar,
sabe quando vai dar? Pra vocês nem isso. A gente teve a ilusão,
mas vocês chegaram depois que mataram a ilusão da gente. Tava
tudo morto quando você nasceu, boy, e eu já era puta velha.
(Abreu, 1988, p. 94).
Analista cruel de si mesma, dos seus amigos, de seu tempo e
da outra geração que a cerca, e espelhando isso na diegese que
articula, nas duas narrativas aqui abordadas, a protagonista possui
um olhar ácido que evidencia a encruzilhada a que se chegou após a
revolução dos anos 60/70, atacando a massificação e artificialização
dos comportamentos, o consumo exagerado, a desvalorização dos
valores mais humanos em favor de uma busca de satisfação imediata.
Ambas se mostram optando, antes pelo risco de se atirar ao encontro
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do outro, num tempo já dominado pela ameçada da AIDS, do que se
render ao tempo do simulacro.
Através de uma leitura rápida, feito espécie de fotografia
instantânea, “Dama da noite” – protagonista chave – instiga o fôlego
do leitor e o efeito de velocidade do mundo contemporâneo, além de
ser transcrita em forma metonímica.. Uma das utilizações estilísticas
da metonímia, segundo Guern (1973, p. 156 ) “é a que permite
apresentar imagens.” Nesse caso, a protagonista que intitula o conto
e o curta, apresenta-se como imagem desdobrada em aspectos da
crueldade, do envolvimento que domina a cena e o discurso nas
narrativas.
O espaço não constitui um mero cenário, mas incorpora a vida
à deriva e desnorteada em um ambiente decandente e sombrio. Nas
duas narrativas, parece que reina uma vírus abominável que corrói as
relações, ainda mais contundente se sabe que está incubado nas falas
e no episódio do diálogo aparentemente envolvente no bar, quando
se refere a um rapaz, ou no momento do espetáculo na boate gay.
O vírus, contudo, é sugerido na metáfora do “ex-cêntrico”, do
diferente, das imagens do final do século que deixaram marcas na
discursividade que hoje montam as narrativas “poluídas” e contaminadas com “damas maldidas”:
Eu sou a dama da noite que vai te contaminar com seu perfume
venenoso e mortal. Eu sou a flor carnívora e noturna que vai te
entontecer e te arrastar para o fundo do seu jardim pestilento. Eu
sou a dama maldita que, sem nenhuma piedade, vai te poluir com
todos os líquidos, contaminar teu sangue com todos os vírus.
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Cuidado comigo: eu sou a dama que mata, boy. (Id., ibid., p.
95)
Nesse fragmento sugere-se que todas as relações estão rotas,
podres, e os episódios das narrativas surgem como as circunstâncias
dessa decomposição. A realidade discursiva, as cenas, os diálogos
que se traduzem em monólogos constantes impõem-se numa tensão
permanente, feita de pulsão sem artifício, numa espécie de realismo,
que, entretanto o transcende.
O tom de desabafo e realista de “Dama da Noite” é a forma
encontrada por Caio Fernando Abreu para “... essa sexualidade pósAIDS, que chamo de cibernética: telefone, internet, essas coisas
todas (...). É como se o homem tivesse chegado à conclusão de que a
integração amorosa e sexual fosse realmente impossível. Então
vamos viver o simulacro, o que, particularmente, não aceito e não
gosto”, nas palavras do autor.
Outros pontos que contribuem para o naturalismo das
narrativas aqui abordadas, ainda que também dialoguem com o
Decadentismo em alguns momentos, são o uso de palavras como
“morte”, “solidão”, “sexo”que supõem um pano de fundo contra o
qual a ficção se arma, seja o formado por um real enlouquecido ou
por um delírio na configuração verbal da “roda gigante” que também
envolve o leitor numa situação vertiginosa.
No curta a sombra parece ultrapassar os limites individuais,
atingindo o coletivo; a identidade enfim, desaparece nos jogos de
luzes. As imagens refletidas rapidamente na tela, resultado de
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perturbações vertiginosas, mergulham nas profundezas sombrias de
si mesmas, e se confundem no emaranhado composto pelas figuras
imaginárias que se movem num denso nevoeiro da boate noturna.
Assim, personagens e leitor perdem-se sem os referenciais e
neste embate, o devaneio poético é um recurso capaz de equilibrar
Eros e Thanatos na narrativa que incorpora a metonímia da roda
gigante e num sentido espiral, seduz todos que se aproximam dela,
contaminando-os vorazmente.
Confissões da solidão e da errância
Outro tema explorado nas narrativas em questão é a solidão:
solidão do que se vê lançado às infinitas possibilidades da cidade
grande, mas que acaba deparando-se com o seu desamparo: “Acordar
no meio da tarde, de ressaca, olhar sua cara arrebentada no espelho.
Sozinho em casa, sozinho na cidade, sozinho no mundo”.
Todavia, ironicamente, esse é um texto que fala do amor, de
um amor proibido, de um amor que se nega, porque um amor
estritamente ligado à morte: “Você não viu nada, você nem viu o
amor. (...) Já nasceu de camisinha em punho, morrendo de medo de
pegar AIDS. Vírus que mata, neguinho, vírus do amor.”
As narrativas, encontram-se, portanto, num contexto do qual
emergem sujeitos cindidos entre amor e morte, Eros e Thanatos,
amor e AIDS, na experiência limite, mas conscientes de sua finitude.
A melancolia, dessa maneira, surge como agente que torna
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intelegíveis ou pelo menos suportáveis à existência que encontra na
diegese um subterfúgio para voltar ao estado de consciência.
Além disso verifica-se, pela verborragia narrativa, que os
desdobramentos melancólicos podem ser entendidos se considerarmos a prosa experimental de Caio como manifestação de uma busca
quase frenética que expõe e notadamente marca um lirismo, emergindo daí uma escritura com sangue, muitas vezes com marcas biográficas e extremamente visceral.
A escritura, a dor de existir, amor e AIDS estão, de certa
forma, próximos da melancolia benjaminiana que envolve a Modernidade. Benjamin em “A crise do romance” (1994, p. 54) aponta que
“a matriz do romance é o indivíduo em sua solidão, o homem que
não pode mais falar exemplarmente sobre suas preocupações, a quem
ninguém pode dar conselhos, e que não sabe dar conselhos a
ninguém.”
O conto e o curta metragem, remédio e veneno, são o phármakon derridiano que, além de seu elixir, invocam toda uma simbologia
cujas bases encerram corpo e memória. A melancolia é, portanto,
espaço-entre. Entre-lugar do nascimento e da morte, uma vez que é
por meio dela, ou melhor, é nela que o escritor torna-se capaz de
desafiar as sentenças do absurdo maior que comisera o seu corpo: é o
espaço da escrita, do verbo, da enunciação que o qualifica a tornar-se
como sujeito de sua história, capaz de intevir nas intermitências da
morte.
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A escritura, nesse caso, configura o desassossego e a solidão a
que inegavelmente estamos subordinados, mas cujas experiências e
encenações só foram possíveis para Caio, corpo incendiado de melancolia.
Nessa overdose narrativa, “Dama da noite” reforça o foco no
prazer (prazer de viver, prazer de estar morrendo)integra-se às
questões foucaultianas do cuidado de si, da escrita de si, da estética
da existência. A escrita nesse caso constitui um “corpo”, (...) “e esse
corpo como próprio corpo daquele que, ao transcrever as suas
leituras, se apossou delas e fez sua a respectiva verdade: a escrita
transforma a coisa vista ou ouvida em forças e em sangue” (Foucault,
1992, p, 143).
Prazer, rapidez e voz ininterrupta contribuem para reproduzir
no conto um discurso caótico, seguindo o ritmo do jogo ou da própria roda gigante. É um falar sem trégua, permitindo a construção de
sentido também fora do enunciado, como numa espécie de “roda que
gira”.
O mesmo pode ser dito em relação ao curta que em meio aos
episódios deslocados, esvaziados e caóticos surge uma outra narrativa que incomoda o leitor, uma cena “em que uma travesti faz
prostituição num ambiente aberto” (Garcia, 2004, p. 213).
Nesse sentido, tanto o conto, como o curta sugerem um
olhar/leitura multiculturalista, ou seja, nas idéias de Stam (2006, p.
13) “uma relativização mútua e recíproca das perspectivas em
confronto, defende a idéia de que as diversas culturas devem
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perceber as suas limitações no cotejo com as respectivas alteridades,
e devem, saber reconhecer-se no estranhamento”.
Para não concluir: crueldade narrativa e encenações em crise
Caio Fernando Abreu, como sugeriu José Castelo, “descendia
de uma linhagem de escritores que precisava sofrer para criar”,
amante da escrita gótica, da estética dark, das roupas negras, da
narrativa esotérica e extremamente cinéfilo sua estrutura narrativa
parece ser obcecada pelo jogo híbrido e envolvente desses assuntos.
Nesses enredos quebrados e muitas vezes transcritos para
curtas guardam, como as narrativas clariceanas, uma afirmação
seguida de negação, e que podem ser desdobradas, para o avesso e
para o direito, inúmeras vezes, dependendo da vontade do leitor. A
leitura no sentido barthesiano assume “o gesto do corpo (pois é claro
que lemos com o corpo) que, com um mesmo movimento, funda e
perverte a sua ordem: um suplemento interior de perversão.” (Barthes, 2004, p. 33).
Esse sentimento de errância constante e de uma náusea que
ronda suas personagens, como uma espécie de “vírus narrativo” e
frustrante predominam num crescente na narrativa e no curta
metragem. Mais do que integrantes desse ou daquele grupo social,
elas se enquadram em um ideário que se constituiu nos anos 60/70,
num período de efevercência no qual se pregava “... a valorização da
marginalidade urbana, a liberação erótica, a experiência das drogas, a
festa...”
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A marginalidade é tomada não como uma saída alternativa, mas
no sentido de ameaça ao sistema; ela é valorizada exatamente
como opção de violência em suas possibilidades de agressão e
transgressão. A contestação é assumida conscientemente. O uso
de tóxicos, a bissexualidade, o comportamento descolonizado são
vividos e sentidos como gestos perigosos, ilegais e, portanto,
assumidos como contestação de caráter político. (Hollanda,
2004, p. 77)
Assim, nas narrativas estudadas, registramos uma história de
imagens, além de pontuadas por um ritmo cinematográfico e editada
por narradores-transgressores que, ao buscarem novas formas,
aventuram-se pelo “não-lugar” da linguagem, situando-se, eles
próprios, num entrelugar em que, à deriva, procuram por sua
condição humana.
Nesse caso tanto a crueldade como a melancolia presentes
nessas diferentes linguagens revelam um espaço incolor, contornos
indecisos reforçando, assim, o efeito trágico da existência. Conto e
curta, pensamento e linguagem, imageticamente fundidos, formam o
estilo de Caio Fernando Abreu.
Em seu estilo estranhamente enigmático, misturam-se, como
na vida, essências contrárias que matam com o pharmakón ou
paradoxalmente redimem o ser. Esses fenômenos extremos produzem nas palavras de Italo Moriconi (Op. cit.) uma “literatura de
urgência”.
E o “extremo é aquilo que tememos que não possa ser dito, que
cremos seja arriscado dizer, que no entanto está constantemetne
desafiando e exigindo os poderes do dizer. Enfrentar o extremo é
aflorar, desafiar os tabus da linguagem. É chegar ao limite entre
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vida e morte, entre consciência e perda da consciência, entre malestar cotidiano e sofrimento físico insuportável.”
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Referências Bibliográficas
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conhecem o Paraíso. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
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BAUDRILLARD, Jean. A Transparência do Mal. Ensaio sobre os
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HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Impressões de Viagem. CPC,
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MORICONI, Ítalo. Urgência, orgia, escrita e AIDS. (Algumas notas
sobre vida/obra, vida/morte). In: Literatura e Arte no plural. Cronópios. http://www.cronopios.com.br
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Rocco, 2002.
STAM, Robert. Crítica da Imagem Eurocêntrica. São Paulo: Casac
Naify, 2006.
FILMOGRAFIA:
“Dama da Noite”, curta-metragem. (35mm, cor, 15min, 1999) –
Dirigido por Mário Dinamite
16
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