As escolas experimentais de São Paulo e suas referências conceituais: o caso do Experimental da Lapa Carlos Eduardo Bizzocchi Universidade Católica de Santos (Unisantos) Eixo temático: Pesquisa, Educação, Memória e Patrimônio Resumo O Grupo Escolar – Ginásio Experimental “Dr. Edmundo de Carvalho”, mais conhecido como Experimental da Lapa foi uma das referências em ensino experimental entre as diversas experiências na década de 1960 e 70 no Estado de São Paulo. Entre os movimentos educacionais que influenciaram e fundamentaram o funcionamento e a filosofia da escola estão a Escola Nova, a Escola Compensatória e o Tecnicismo. Este trabalho tem por objetivo identificar essas tendências na bibliografia e relacioná-las às práticas desenvolvidas na instituição. Não há dúvidas da influência escolanovista nas principais práticas pedagógicas, enquanto a escola compensatória tem forte amparo nas ações desenvolvidas junto à comunidade em geral e, em especial, com as famílias dos alunos. Já o tecnicismo se instala de uma maneira apropriada e adaptada, advinda das instruções dos projetos educacionais oficiais elaborados pelo governo durante a década de 1950 e aplicados nos anos seguintes pelo regime militar. Palavras-chave Experimental da Lapa; classes experimentais; escola nova; escola compensatória; tecnicismo Introdução Entre as reivindicações por reformas da educação nacional ao longo do século XX, uma delas culminou com inauguração das classes experimentais na rede estadual de educação de São Paulo em 1958, destacando-se como uma experiência de importância ímpar na educação paulista até final dos anos 1970 e que continua angariando a atenção de pesquisadores. Pesquisas de caráter histórico não devem dissociar o contexto da época tampouco levar o pesquisador à sedutora importação automática de pedagogias e práticas para os dias atuais. Ao revisitar o Grupo Escolar – Ginásio Experimental “Dr. Edmundo de Carvalho”, mais conhecido como Experimental da Lapa e, notadamente, uma das principais iniciativas no âmbito dessa política, temos a intenção de destacar e analisar: a importância de uma instituição organizada e gerida sob princípios alegadamente democráticos, que contou com a participação efetiva da comunidade escolar na elaboração de seu currículo e atividades correlatas; seus métodos e práticas pedagógicas inovadoras pautados no educando;e seus pressupostos e referências teóricos. Tamberlini (2001) tece a relação entre as escolas que inovaram nas práticas e na maneira de integrar o aluno à sociedade como um ser crítico e participativo. A autora elogia os projetos pedagógicos e afirma que “Os Ginásios Vocacionais e a Escola Experimental da Lapa são exemplos desta visão pedagógica” (p. 1). Durante a formação do Experimental da Lapa – escola localizada no bairro da Lapa, na zona oeste da capital paulista –, alguns movimentos educacionais, muitas vezes associados, inspiraram a filosofia e embasaram os métodos de trabalho da escola. Neste trabalho destacaremos de que maneira a Escola Nova, o Tecnicismo e a Escola Compensatória influenciaram a pedagogia e a organização escolar da instituição em foco, a partir da revisão dos diversos trabalhos acadêmicos e publicações oficiais desenvolvidas sobre as experiências e o legado propiciado pelo Experimental da Lapa. Escola Nova A influência do escolanovismo como referência teórica e inspiradora da organização e prática pedagógica é marcante em todos os momentos do Experimental da Lapa, desde os seus primórdios. Para compreender a idealização da Escola Nova – movimento amplo de renovação educacional surgido no século XIX na Europa – é importante lembrar que seus métodos buscavam combater e, consequentemente, substituir os do ensino característico da época. A Escola Tradicional, como passou a ser chamado o ensino dominante, recebia severas críticas dos educadores já na segunda metade do século XIX. Questionava-se, além dos métodos conservadores, a centralização absoluta do poder no professor e a desconsideração das necessidades e expectativas do aluno. A aquisição de conhecimento transmitida pelo professor era o ponto central do ensino. A Escola Nova preconizava a mudança do protagonismo do ensino para o aluno e, para isso, era necessário compreendê-lo cientificamente, em sua plenitude. Para Ribeiro (1998), o escolanovismo deveria socializar o educando e dar-lhe condições de “responder aos requisitos da nova sociedade” (p. 455), a partir do entendimento dos aspectos psicológicos, biológicos e sociais do indivíduo. Lopes (1984) acrescenta a cientificidade presente em todas as áreas e ressalta a importância da educação também se inserir no momento, buscando compreender a criança cientificamente, identificando e respeitando sua liberdade e sua individualidade. Para atingir tais objetivos, segundo o autor, a preparação do aluno deve se dar por meio de atividades diversas, sempre a partir do interesse expresso da criança. Lourenço Filho (2002) resume os princípios da Escola Nova em quatro pontos principais: a) o respeito à personalidade do educando ou o reconhecimento de que deverá ele dispor de liberdade – cada um se desenvolve de acordo com suas próprias capacidades e recursos; b) a compreensão funcional do processo educativo tanto no aspecto individual quanto no social – as atividades múltiplas despertam a curiosidade e interesse do educando; c) a compreensão da aprendizagem simbólica em situações de vida social – o desenvolvimento pessoal proporciona assimilação de cultura e compartilhamento; e d) a compreensão de que as características de cada indivíduo são variáveis (conforme a cultura familiar e seus diferentes círculos sociais de convívio) – livre de preconceitos e estendida a todos, a oportunidade contribui para o equilíbrio social e humano. Di Giorgi (1986) elenca as conquistas e principais características da Escola Nova. (...) a alegria da etapa presente, o fato de se considerar a criança como valor em si mesmo, e não como um adulto em preparação; a valorização positiva da infância; o valor dado à liberdade, ao interesse, à iniciativa e à atividade do educando; o trabalho em grupo, o prazer da convivência; (...) a tentativa de organizar a escola de uma forma que o aluno se sinta em comunidade, num espaço seu; e, finalmente, a ambição de reconciliar a cultura com a existência (p. 40-41). O autor afirma ainda que, a partir de 1945, os princípios da Escola Nova tornaram-se quase unanimidade entre os educadores brasileiros. Princípios estes que detectamos explicitamente já naquele que foi o embrião do Experimental da Lapa, a Escola de Aplicação ao Ar Livre D. Pedro II. O escolanovismo norteava o ensino da instituição, como aponta o Relatório de 1942 do Departamento de Educação Física. A função da professora será apenas a de orientar e estimular o comportamento das crianças, interessando-as e fazendo-as obter, através da observação e experiência, conhecimentos compatíveis com a sua idade. Não haverá programa nem horário, apenas o aproveitamento livre das iniciativas infantis. O plano da professora tomará uma forma toda ocasional. O programa a seguir no primeiro ano primário é, sem duvida, aquele exigido pelo Departamento de Educação. Na escola primária o que importa, é o método, para que o assunto se torne interessante e a crianças aprenda, sem perceber, brincando, sem estar presa a uma rotina que é contra a sua natureza. (s/p.)1 Em 1947, o Decreto nº 17.698 estabeleceu o caráter experimental para o funcionamento de algumas unidades de ensino no Estado de São Paulo. No decreto ficam claras as alusões aos princípios da Escola Nova. Foi, no entanto, apenas em 1958 – cerca de 30 anos depois do que Nagle (1981) chamou de “euforia pedagógica” 1 DALBEN, André. Escola de Aplicação ao Ar Livre. In: http://www.overmundo.com.br/overblog/escola-de-aplicacao-ao-ar-livre. Acesso em 25 de julho de 2013. – que surgiram efetivamente as classes experimentais, baseadas nas classes nouvelles da educação francesa. Aguayo Sánchez (1944) explica como o escolanovismo permaneceu no ideário do ensino progressista nas primeiras décadas do século XX e de que maneira o ensino experimental serviu de modelo para que a pedagogia renovada se instalasse. A didática é ciência de caráter experimental, no sentido de que seus problemas são, na maioria, aplicações de leis e princípios da psicologia, da biologia e de outras ciências positivas, aplicações que se não podem realizar de modo preciso e exato sem o emprego do método experimental. (p. 11) O autor defende que o professor não consegue transmitir um conhecimento ou desenvolver habilidades que os educandos não possuíssem anteriormente. “Os melhores métodos de ensino são aqueles em que a criança não se propõe aprender mas se entrega a uma atividade interessante cujo resultado é o aprendizado que se buscava” (p. 64). Esta colocação remete a um dos lemas da Escola Nova, exaltado por Dewey (um dos grandes influenciadores da filosofia do Experimental da Lapa) como learning by doing2. O estudo do meio era um dos métodos mais utilizados, por meio da pesquisa e da vivência o educando criava e geria seu próprio processo de aprendizagem. Libâneo (1998) enfatiza o trabalho em grupo como método de ensino prioritário na chamada escola renovada, “não apenas como técnica, mas como condição básica do desenvolvimento mental” (p. 26). Raros eram os momentos no Experimental da Lapa em que os alunos desenvolviam trabalhos individualmente, sem a colaboração ou a coparticipação de outros colegas. Um dos pilares da filosofia de trabalho do Experimental da Lapa pautava-se na consulta e na extensão de suas atividades à comunidade, relação sistematizada, segundo Di Giorgi (1986), por Dewey. Levantamentos socioeconômicos procuravam entender a que público os serviços da escola eram oferecidos, quais as expectativas dele em relação ao papel da escola e à formação de seus filhos, qual o entendimento sobre os métodos utilizados pela instituição e sua validade diante das situações cotidianas tanto no ambiente escolar quanto na convivência familiar e social. Outro método levantado por Aguayo Sánchez (1944) – o Método de Complexos ou Centros de Interesse –, fundamenta algumas práticas escolares da Escola Nova e foi amplamente utilizado no Experimental da Lapa, dentro de objetivos que podem ser chamados de interdisciplinares. De modo sintetizado, existe uma ideia central para a qual as ideias, atividades e experiências se unem, visando a sua realização. Por conta desta característica, não havia “disciplinas” no Experimental da 2 DUARTE, Newton. As pedagogias do “aprender a aprender” e algumas ilusões da assim chamada sociedade do conhecimento. Revista Brasileira de Educação, nº 18, 2001, p. 35-40. Lapa, mas sim “áreas”, que se complementavam e desenvolviam trabalhos em conjunto. A pedagogia renovada não diretiva parece ter tido grande influência durante a década de 1960 entre alguns pedagogos, em especial, os orientadores educacionais e psicólogos escolares (Libâneo, 1998) e, dentre esses, muitos profissionais que aturam diretamente no Experimental da Lapa. Para o autor, a implantação das escolas experimentais, que marcou um período de “revigoramento da escola nova” (p. 60), estendeu-se até 1975, aproximadamente. Tecnicismo Talvez o Tecnicismo tenha sido, depois da Escola Nova, o movimento educacional que mais influenciou o projeto Experimental da Lapa, principalmente em razão do que pôde ser consultado nos relatórios dos GEPEs e do próprio Grupo Escolar nos anos 1960, e que estruturaram o modelo experimental a ser inserido no Grupo Escolar – Ginásio Experimental a partir da década seguinte. Libâneo (1998) considera que o escolanovismo acoplou-se neste período ao tecnicismo, atingindo “seu momento alto” (p. 60) com a promulgação da LDB de 1971. Enquanto Marques (2012) delimita a adoção do Tecnicismo ao período compreendido entre 1960 e 1979, sem, no entanto, considerar esta delimitação definitiva. Libâneo (1998) relaciona o surgimento do Tecnicismo ao PABAEE3 e sua implantação definitiva ao regime militar. Ele entende que a influência tecnicista teve origem na década de 1950, porém, apenas na década seguinte o sistema educacional nacional se alinhou com o pensamento político-econômico do governo, para “inserir a escola nos modelos de racionalização do sistema de produção capitalista” (p. 31). Kuenzer e Machado (1984) acrescentam que o surgimento do tecnicismo deveu-se principalmente à influência norte-americana na produção econômica do país, que passou a ser mais destacada nos anos 1950. Xavier, Ribeiro e Noronha (1994) explicam que, do golpe militar até o final dos anos 1960, a educação passou pela interferência tanto do tecnicismo quanto da educação compensatória. Segundo a autora, o primeiro está atrelado ao planejamento educacional, “que surge como prioridade na realização da competência – meios adequados para se atingirem os fins” (p. 227), enquanto o segundo refere-se à “alternativa política adequada para resolver o problema do atraso cultural” (p. 227). Saviani (2003) e Mello (1984) defendem que o tecnicismo deriva da Escola Nova. Para Saviani, o escolanovismo sofre contestações nesta época e, diante da crise, sofre adaptações metodológicas, absorvendo o ensino tecnicista. De acordo com Saviani, os métodos da Escola Nova acabaram por se articular à nova tendência 3 O PABAEE (Programa de Assistência Brasileiro-Americana ao Ensino Elementar) foi um programa idealizado pelo governo norte-americano e adotado pelo governo brasileiro na década de 1950. Era aplicado diretamente no ensino primário e na formação de professores na Escola Normal. socioeconômica de produção e fizeram nascer a nova teoria educacional, a pedagogia tecnicista. “A partir do pressuposto da neutralidade científica e inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, essa pedagogia advogava a reordenação do processo educativo de maneira a torná-lo objetivo e operacional” (p. 12). Libâneo (1998), por sua vez, enxerga uma continuidade entre o tecnicismo e a Escola Nova que se praticava já na década de 1950. De acordo com este autor, o primeiro atrelou-se aos programas norte-americanos implantados no Brasil nas décadas de 1950 e 1960 e incorporou-se à Escola Nova, tornando-se uma continuidade desta. Foram agregadas a psicologia comportamental e a instrução programada, entre outras teorias. Uma das consequências do Tecnicismo é, segundo Kuenzer e Machado (1984), a priorização dos métodos. Os meios determinam os fins, porque “o critério de relevância é a possibilidade de quantificação, de redução a um modelo; o que não preencher esses requisitos não serais publicações sdve como objetivo” (p. 49). As autoras complementam o raciocínio a partir do argumento de Saviani (2003), segundo a qual “a utilização da tecnologia reforça o aspecto instrumental da Escola Nova, ao mesmo tempo [em] que procura reduzir ao mínimo as relações interpessoais, também por ela introduzidas” (p. 49). Em 1971 o Experimental publica onze Cadernos que apresentam as principais práticas desenvolvidas pela escola e as distribui, por meio da Secretaria da Educação de São Paulo, para várias regiões do Brasil, cumprindo sua função de difusora das experiências à rede pública. Elas adotam o método como principal difusor das ideias tecnicistas propostas pela escola. Todos os Cadernos têm roteiros muito bem explicitados e hermeticamente organizados para servir de referência aos professores da rede pública, aos quais eles se destinam. Além das avaliações regulares não somente de alunos, mas também de professores, dos métodos e da própria instituição. A adaptação aos princípios científicos de quantificação e a avaliação que dominaram a produção da época interferiram, segundo o autor, na elaboração dos conteúdos e métodos de ensino. É matéria de ensino apenas o que é redutível ao conhecimento observável e mensurável; os conteúdos decorrem, assim, da ciência objetiva, eliminado-se qualquer sinal de subjetividade. O material instrucional encontra-se sistematizado nos manuais, nos livros didáticos, nos módulos de ensino, nos dispositivos audiovisuais etc. (p. 29). Libâneo (1998) enfatiza ainda que a principal tarefa do professor no Tecnicismo “é conseguir o comportamento adequado pelo controle do ensino” (p. 29) e vincula a tecnologia ao sucesso da investida. Para ele, a tecnologia educacional adentrou a escola pública brasileira em forma de planejamento em moldes sistêmicos, concepção de aprendizagem como mudança de comportamento, operacionalização de objetivos, uso de procedimentos científicos (instrução programada, audiovisuais, avaliação etc., inclusive a programação de livros didáticos) (p. 30). Para Kuenzer e Machado (1984), a didática proposta exige, portanto, uma intencionalidade a priori, explicitada de forma consciente, consistente e objetiva, à qual não podem fugir os agentes envolvidos, sob pena de sacrificar o modelo proposto, a não ser que seja possível uma remodelação a todo e qualquer momento em que o processo de aprendizagem o exigir (p. 43). De acordo com as autoras, a busca pela interdisciplinaridade e o entendimento do ensino como um todo também caracteriza o Tecnicismo na década de 1960. A didática proposta ressalta a necessidade de se utilizar uma tecnologia educacional interdisciplinar e tem como preocupação básica a descrição e a especificação dos objetivos, o desenvolvimento dos componentes de instrução, a análise das condições ambientais, a avaliação somativa, a implementação e o controle. Requer também avaliações periódicas, em que se tenha em vista o resultado da aprendizagem e o funcionamento do sistema de instrução. Essas avaliações somente são possíveis, segundo o modelo, se os objetivos a alcançar estiverem bem definidos em termos operacionais e comportamentais e se forem passíveis de mensuração e explicação pela análise experimental do comportamento. (p. 42) A comunicação e interação entre as áreas é uma das diretrizes curriculares do Experimental, constantes desde os planejamentos de início do ano e replanejamentos ao longo do período, envolvendo não só os professores e técnicos, mas também alunos e comunidade. O tecnicismo sofreu muitas críticas ao longo do tempo. Libâneo (1998) entende que a retomada da transmissão passiva e supervalorização dos meios promoveu um retorno à pedagogia tradicional. Contudo, pondera que, ao contrário do que consideram alguns autores, o Tecnicismo não tirou o aluno do protagonismo ao qual ele foi elevado pelo escolanovismo. Para o autor, neste modelo o professor passa a ser apenas um elo de ligação entre a verdade científica e o aluno, cabendo-lhe empregar o sistema instrucional previsto. O aluno é um indivíduo responsivo, não participa da elaboração do programa educacional. Ambos são espectadores frente à verdade objetiva. A comunicação professor-aluno tem um sentido exclusivamente técnico, que é o de garantir a eficácia de transmissão do conhecimento (LIBÂNEO, p. 30). O autor acrescenta ainda que o Tecnicismo, assim como as demais tendências pedagógicas liberais, não teve compromisso algum com a transformação social preconizada pelas tendências progressistas surgidas na mesma época e que o papel da escola no Tecnicismo passou a ser (...) o de produzir indivíduos ‘competentes’ para o mercado de trabalho, transmitindo, eficientemente, informações precisas, objetivas e rápidas. A pesquisa científica, a tecnologia educacional, a análise experimental do comportamento garantem a objetividade da prática escolar, uma vez que os objetivos instrucionais (conteúdos) resultam da aplicação de leis naturais que independem dos que a conhecem ou executam (LIBÂNEO, p. 29). Escola compensatória A concepção de uma escola compensatória tem fortes raízes na Escola Nova que foi discutida e reivindicada no Brasil nos anos 1920. Mello (1984) explica o contexto em que se deu o aparecimento da escola compensatória e apresenta alguns paradoxos entre a intenção e a possibilidade de sucesso da compensação, principalmente em função de sua integração à realidade nacional, completamente inversa ao contexto em que foi idealizada. Buscando fomentar culturalmente a criança privada da cultura que se ensinava na escola, esta procurava compensar tal carência para proporcionar um bom desempenho ao aluno. O autor, no entanto, critica a importação do modelo norte-americano sem sua contextualização à realidade brasileira. De Kandel (1960) é possível extrair alguns aspectos que fundamentam a escola compensatória, quando ela não limita ao esforço do educador as transformações do ensino. O autor contemporiza que a própria sociedade considera valiosa a contribuição da escola de assumir funções que outras entidades não cumprem. Para o autor, mais do que apenas facilitar o trânsito dos alunos do primário para o secundário, competia à escola “fornecer serviços que permitam aos alunos auferir o máximo benefício de frequência à escola. Os alunos que vão à escola com fome ou subnutridos, insuficientemente ou mal vestidos, não podem ter grande proveito social ou pedagógico” (p. 123). E complementa que caberia à escola também oferecer ajuda médica para que aqueles que têm algum problema de saúde possam, atendidos, usufruir de um melhor rendimento escolar e justifica. O oferecimento de serviços profissionais de oftalmologistas, fonoaudiólogos, clínicos gerais, nutricionistas, psicólogos educacionais, dentistas, além de incluir refeições, visitas às residências dos alunos e a organização de eventos como Mutirões de Saúde podem ser tomados como exemplo de identificação da escola com essa função complementar social. A Escola Compensatória está presente em vários capítulos dos Cadernos e Relatórios do Experimental da Lapa. Também as reuniões com os pais, em que se discutiam temas de interesse diversos e procurava-se levar uma instrução que os mesmos não possuíam, fornecendo informações úteis não somente ao processo educativo da criança, mas à própria organização e saúde familiar, tornam patente a intenção da instituição neste sentido. Considerações Para os pesquisadores que se debruçaram sobre a iniciativa na elaboração de artigos, estudos, dissertações e teses4, é indiscutível que o escolanovismo tenha sido a base do trabalho desenvolvido no Experimental da Lapa ao longo, principalmente, da década de 1960 e início da de 1970. As considerações teóricas também nos levam a esta conclusão. Se considerarmos ainda, que tanto o tecnicismo como a escola compensatória derivam do escolanovismo, não temos dúvida, com base nas publicações do Experimental da Lapa e nos depoimentos constantes nos trabalhos dos pesquisadores, que eles moldaram muitas das práticas escolares e da própria filosofia da instituição. A atuação junto à comunidade e a divulgação do trabalho experimental para a rede estadual apontam também para essas duas vertentes. Diante das carências provocadas pelas outras entidades extra escolares, a escola procurou assumir essa função. Entendendo que não é possível que o aluno se dedique e obtenha sucesso no processo de aprendizagem se não tiver assistência adequada, a escola se ofereceu a cumprir este papel. O tecnicismo parece ter se inserido nas metodologias da escola também como uma espécie de desdobramento da Escola Nova, sem que se distorcessem os princípios desta. O aluno do Experimental da Lapa continuou sendo o protagonista do processo ensino-aprendizagem, como é possível verificar nas avaliações, relações entre estes e professores (enfatizadas nos Cadernos publicados) e práticas escolares diversas. Os métodos ganham destaque e importância, porém não de maneira determinante, a ponto de poder ofuscar a filosofia inicial e fundamental do Experimental. Isto é, a preocupação com os aspectos técnicos e metodológicos do ensino – no contexto de exacerbação do tecnicismo – não sobrepujaram a busca incessante do trabalho coletivo e as adequações necessárias dos procedimentos de ensino então adotados àquilo que era especifico da clientela atendida e da própria pluralidade dos profissionais que realizavam conjuntamente o projeto dessa escola. Apesar de todas essas constatações, é possível classificar as práticas características desses movimentos, da forma como ocorreram no Experimental, como ressignificações, antes de serem reproduções fiéis da Escola Nova autêntica. O mesmo ocorre com o Tecnicismo, numa versão anterior ao modelo atual e até mesmo ao idealizado pelos projetos da época, portanto sem um controle absoluto das entidades interessadas. Sendo assim, podemos concluir que houve uma identidade 4 SALVADOR, Maria Cristina (2000); TRIGUIS, Carlos (2007); FERNANDES, Iveta Maria Borges Ávila (2009); entre outros. pedagógica própria, construída e forjada pelos profissionais e pela cultura escolar instituída no Experimental da Lapa. Referências bibliográficas AGUAYO SÁNCHEZ, Alfredo Miguel. Didática da Escola Nova. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1944. DI GIORGI, Cristiano. Escola Nova. São Paulo: Ática, 1986. KANDEL, I.L. Uma nova era em educação. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1960. 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