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Notas Históricas de Refração
Clínica
Notas
Históricas de Refração Clínica
Tscherning – Um século de lentes sem aberrações
(*) A. Duarte
Até mais da metade do século dezenove, as pessoas que moravam na cidade e não enxergavam bem experimentavam
por conta própria os poucos pares de óculos à venda no balcão de lojas de artigos ópticos. Os residentes em aldeias
dependiam de vendedores ambulantes que percorriam a zona rural oferecendo seu modesto sortimento. Os óculos mais
procurados eram aqueles com lentes convergentes utilizados pelos présbitas para leitura, costura e outros trabalhos ao
alcance das mãos. Eram providos de lentes biconvexas de vidro com a mesma curvatura nas duas faces. Havia também
óculos com lentes bicôncavas para míopes.
Com qualquer dos tipos de lentes a qualidade da visão piorava ao
olhar enviesado pela região periférica. WOLLASTON, (1766-1828) médico inglês, estudou experimentalmente a questão e no ano de 1804
patenteou lentes convergentes e divergentes côncavo-convexas de
concavidade voltada para o olho às quais chamou periscópicas. Tais
lentes proporcionavam visão melhor do que as biconvexas e bicôncavas
mas não obtiveram sucesso por serem pesadas e desgraciosas devido
a seu aspecto bojudo.
Em 1864, a obra de DONDERS, genial médico oculista holandês, On
the Anomalies of Accommodation and Refraction of the Eye with a
Preliminary Essay on Physiological Dioptrics, logo traduzida para o
francês e o alemão, esclareceu a natureza das ametropias e difundiu o
conhecimento de sua correção com óculos, suscitando entre os oftalmologistas de todo o mundo grande interesse pelo estudo de óptica
fisiológica, receituário de óculos e propriedades das lentes oftálmicas.
Conseqüência importante deste interesse foi o estabelecimento, em
1876, em Paris, do Laboratório de Óptica Fisiológica da Universidade
de Sorbonne sob a direção de JAVAL. Este eminente oftalmologista francês reuniu médicos estudiosos aos quais se devem progressos científicos fundamentais nos domínios da oftalmologia e da construção de
lentes de óculos. Entre eles se encontrava MARIUS TSCHERNING.
TSCHERNING nasceu em 1854 na aldeia de Østrup, na Dinamarca,
onde seu pai era o mestre-escola local. Já na infância observava com
interesse as cores de interferência luminosa nos cristais de gelo e as
ilusões de óptica na costa de Odense, onde o nível do mar no horizonte parece estar mais alto do que a terra. Durante o curso de medicina
em Copenhague, que terminou com louvor em 1878, estudava questões de óptica sob orientação de PANUM, professor de
fisiologia. Formado, foi se especializar na clínica de oftalmologia do professor GRUT, que o encarregou de pesquisar a
freqüência da miopia. TSCHERNING examinou mais de 7.500 conscritos para o serviço militar, encontrando 2,2% de míopes
entre os que habitavam zonas rurais contra 9,6% dos que viviam na capital. Com as observações deste estudo defendeu sua
tese de doutorado, da qual alguns excertos foram publicados nos conceituados Arquivos Graefe de Oftalmologia.
A publicação atraiu a atenção de JAVAL que convidou TSCHERNING a visitá-lo na Sorbonne. JAVAL ficou tão impressionado com
o jovem colega que lhe ofereceu um lugar de assistente. Durante os 26 anos seguintes TSCHERNING permaneceu na Sorbonne
onde estudou questões fundamentais de oftalmologia e óptica oftálmica. Traduziu para o francês as publicações de YOUNG
(1773-1829), o famoso médico inglês que estudara o astigmatismo, construíra um optômetro para determinar a refração
ocular e publicara em 1800 The Mechanism of the Eye.
Os estudos de TSCHERNING cobrem todos os campos da oftalmologia de sua época. Em 1887 defendeu tese em Paris e
passou a praticar oftalmologia clínica ao lado das pesquisas fundamentais que prosseguia na Sorbonne. Investigou a
acomodação observando as alterações das imagens refletidas pelas superfícies da córnea e do cristalino (imagens de PURKINJE)
e medindo-as com o oftalmofacômetro, instrumento de sua invenção. Como resultado, publicou uma teoria da acomodação
diferente daquela de HELMHOLTZ, o que até hoje suscita debates entre os estudiosos.
TSCHERNING construiu um aberroscópio para observar as alterações da frente de onda produzidas pelas lentes oftálmicas.
A partir de 1892, calculando à mão por tábuas de logaritmos, determinou com exatidão as curvaturas de meniscos delgados
convergentes e divergentes que formassem imagens sem astigmatismo à mirada enviesada. Ao mesmo tempo demonstrou a
impossibilidade física de anular simultaneamente as demais aberrações inerentes a qualquer lente embora elas pudessem ser
consideravelmente reduzidas pelo emprego judicioso de curvaturas apropriadas.
Seus estudos sobre anulação das aberrações astigmáticas, publicados em 1907, completaram as pesquisas parciais de
WOLLASTON e de OSTWALT, médico oftalmologista francês que em 1889 calculara lentes menos bojudas do que as de
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