Definições lexicográficas de nomes de frutas em dicionários espanhol-português Mônica Emmanuelle Ferreira de Carvalho (Mestranda/ UFMG) Maria Cândida Trindade Costa de Seabra (Professora/ UFMG) Introdução Como depositário do acervo lexical de uma cultura, o dicionário registra a memória lexical de uma sociedade, constituindo um registro de significantes e significados que nossa memória não consegue memorizar. Descreve o modelo ideal de léxico, mas, também, registra formas dialetais, fundamentados em uma “teoria lexical”, segundo premissas básicas da Lexicologia e que podemos ver refletidas na organização da “macroestrutura e da microestrutura de um dicionário”. 1. Analisando a “macroestrutura” de dicionários espanhol-português Cada dicionário possui classificações em harmonia com objetivos e finalidades didáticas aos quais se compromete em abranger. Isso muito se deve a uma constante necessidade de atender aos consulentes e às suas necessidades de conhecimento. a. Señas Com relação à macroestrutura, o dicionário Señas traz duas apresentações: a primeira diz respeito à edição brasileira e a segunda à edição espanhola, pois esse dicionário tem como base um dicionário monolíngüe — o 3145 Diccionario para la enseñanza de la lengua española da Universidade de Alcalá de Henares. Na apresentação brasileira é informado aos leitores que a obra foi concebida especialmente para estudantes brasileiros, mas é na apresentação espanhola que encontramos informações referentes à proposta lexicográfica da obra, quando o autor Francisco Moreno Fernández explicita de forma clara, com uma linguagem fácil, todas as informações sobre sua organização e, também, sobre a seleção e ordenamento de palavras. Sobre o nível e o grupo de usurários, o autor traz as seguintes informações: Pensamos principalmente naquelas pessoas que se aproximam do espanhol ou que trabalham com ele como segunda língua ou como língua estrangeira. Porém, não esquecemos as necessidades dos estudantes com idades entre doze e dezesseis anos que têm o espanhol como primeira língua. O dicionário destina-se a todo estudante de espanhol, de países de língua espanhola ou não, e a todos aqueles interessados em aprender ou aperfeiçoar a língua espanhola — como primeira ou, especialmente, como segunda língua —, seja por necessidades ou interesses profissionais, seja para tornar mais completa sua formação lingüística (FERNANDEZ, 2002, p. 9). O Señas traz, ainda, um guia de usuários. Nessa seção é explicado o tratamento dado a questões gramaticais. Entretanto, as informações contidas nesse guia não são expostas de forma clara, pois, não há explicação de como o usuário deveria utilizar a obra, contendo apenas indicações com exemplos. b. Michaelis No dicionário Michaelis, encontramos no prefácio algumas informações sobre a estrutura do verbete, porém, não se faz menção ao critério de seleção vocabular empregado e outras questões como o nível e o grupo de usuários ao qual a obra se destina. Há só uma nota de informação aos “estudantes brasileiros”. Em relação ao guia do usuário, o dicionário Michaelis, ao contrário do Señas, é bem mais didático, fornecendo todas as informações que o usuário precisa 3146 saber. Nessa seção encontramos explicações sobre ordem alfabética, entrada, plural, expressões etc. c. Larousse O dicionário Larousse, assim como o Michaelis, também não traz informações suficientes sobre sua proposta lexicográfica. A obra contempla não apenas o espanhol falado na Espanha, mas também aquele que se fala nas Américas do Norte, Central e do Sul. As informações são direcionadas a “todos aqueles que já superaram os níveis iniciais de aprendizagem da língua espanhola” porque se trata de um dicionário para níveis avançados. Nesse dicionário encontramos, também, uma seção sobre como consultar a obra. Trata-se de um recurso detalhado, com explicações e exemplos. 2. Analisando a “microestrutura” de dicionários espanhol-português a. Señas Nessa obra, a entrada ou lema apresenta-se na forma de sua separação silábica, variação de gênero, quando possível, e a transcrição fonética — Fernández (2002, prefácio) deixa claro que segue a uma pronúncia promovida pela Real Academia Espanhola. Segundo ele, essa é uma pronúncia que goza de prestígio internacional, mas não é unificada ou de uso geral no mundo hispânicoi. Encontramos, ainda, informações sobre a classe gramatical, exemplos, sinônimos e sua equivalência em português e, também, registros de uso e expressões. b. Michaelis Por se tratar de um dicionário bilíngüe, as definições tais como ocorrem no Señas seriam inviáveis. Em cada verbete desse dicionário encontramos: entrada com 3147 separação silábica, transcrição fonética, classe gramatical, área de conhecimento, acepções mais comuns e expressões atuais. Além desses recursos, ocorrem, às vezes, exemplos e suas respectivas traduções. Em relação à transcrição fonética, no Michaelis, menciona-se na seção “Símbolos fonéticos” que foram adotados os símbolos mais adequados aos falantes da língua portuguesa do Brasil, com ligeiras adaptações. Ainda, sobre a variação fonética no território hispânico, a obra traz informações sobre os fenômenos leísmo/ yeísmo e seseo. c. Larousse Nas definições do Larousse encontramos informações sobre a categoria gramatical, acepções mais comuns e, quando possível, expressões e locuções, informações regionais. A entrada, diferentemente dos outros dicionários aqui analisados, não traz a separação silábica. Com relação à transcrição fonética, esse recurso só é disponível nas palavras em português da parte português/ espanhol. Ainda, no que diz respeito à fonética espanhola e sua variação no mundo hispânico, só encontramos esse recurso no início do dicionário, mas sem fazer qualquer menção às variações. 3. Nomes de frutas em dicionários de língua espanhola Propomo-nos analisar o tratamento que os dicionários acima citados dão a quatro nomes de frutas — melocotón, plátano, fresa, papaya e suas variações — conhecidas como americanismos ou regionalismos. Segundo Molero (2003, p. 28-29), esses nomes variam nos diferentes territórios de língua espanhola, na Europa e na América, conforme podemos observar: 3148 ESPAÑA melocotón ARGENTINA durazno CHILE durazno MÉXICO durazno URUGUAY durazno plátano fresa, fresón papaya banana frutilla mamón plátano frutilla papaya plátano fresa papaya banana frutilla papaya VENEZUELA melocotón, durazno cambur fresa lechosa Haensch et al. (1982, p. 492), chama, também, a atenção para esta questão dos americanismos do espanhol: Un problema específico lo constituyen los americanismos del español. Cuando una voz o acepción se usa en toda Hispanoamérica o en la mayoría de sus áreas (como cuadra “distancia entre dos bocacalles”, o mimeógrafo “multicopista”), se puede hablar de un “americanismo general” (indicación correspondiente en los diccionarios: Am). En los demás casos, no queda otro remedio que enumerar, mediante las correspondientes siglas, todos los países o áreas parciales, para los que el lexicógrafo quiere registrar el uso del elemento léxico en cuestión. En América existen ciertas áreas “supranacionales” (por ejemplo, el área rioplatense, el llano colombo-venezolano y el área caribe) cuyas poblaciones hispanohablantes tienen un fondo común de vocabulario. A seguir, apresentamos o resultado da análise feita: Melocotón/ durazno Michaelis port/ esp pês.se.go [p´esegu] sm Bot 1 Melocotón. 2 AL Durazno esp/ port me.lo.co.tón [melokot´on] sm Bot 1 Pêssego. 2 Pessegueiro du.raz.no [dur´aθno] sm Bot 1 Pêssego. 2 Pessegueiro Larousse port/ esp pêssego [´pesegu] m melocotón m Esp, durazno m Amér. esp/ port melocotón m pêssego m durazno m Amér pêssego m Señas Está dicionarizada apenas a variante melocotón Antonio Molero (op. cit.) aponta essas duas variantes presentes nos países pesquisados por ele referindo-se ao que chamamos pêssego. Quando consultamos o lema “pêssego” no dicionário Michaelis, encontramos durazno na segunda acepção 3149 como variante presente em toda a América Latina. Na tradução espanhol/ português não encontramos nenhuma informação sobre a variação regional das lexias durazno e melocotón. O dicionário Larousse especifica a qual região a variante pertence. No Señas está dicionarizada apenas a variante melocotón. Plátano/ banana/ cambur Michaelis port/ esp ba.na.na [ban´٨nə] sf 1 Bot Banana, plátano, banano. esp/ port plá.ta.no [pl´atano] sm Bot 1 Plátano, bananeira. 2 Banana ba.na.na [ban´ana] sf Al Bot Banana, bananeira. não encontramos nesse dicionário a variante cambur Larousse port/ esp banana [ban´ãna] f [fruta] plátano m, banano m Carib & Col, banana f Méx & RP esp/ port plátano m -1 [fruta] banana f -2 [árbol] bananeira f banana f banana f cambur m Ven banana f Señas está dicionarizada as variantes plátano e banana, com remissivas nos dois verbetes. A lexia cambur não está dicionarizada. No dicionário Michaelis, encontramos as traduções banana, plátano e banano para o lema “banana”, sem fazer qualquer menção a qual região as variantes pertencem. Em espanhol/ português encontramos as lexias plátano, banana (pertencente à América Latina), porém, não encontramos nesse dicionário a variante cambur mencionada por Molero. No Larousse encontramos as variantes banano para as regiões Caribe e Colômbia, banana nas regiões México e Rio da Prata, e ainda cambur na Venezuela. No Señas estão dicionarizadas as variantes plátano e banana, com remissivas nos dois verbetes. A lexia cambur também não está dicionarizada nessa obra. 3150 Fresa/ frutilla Michaelis Larousse port/ esp mo.ran.go [mor´ãgu] sm Bot Fresa, frutilla esp/ port fru.ti.lla [frut´iλa] sf Bot AL Morango port/ esp morango [mo´rãngu] m fresa f Esp, Cuba, & Méx, frutilla f Andes & RP. esp/ port fresa f -1 [planta, fruto] morango m frutilla f morango f Señas apenas a lexia frutilla não está dicionarizada. No dicionário Michaelis, na tradução de morango encontramos fresa e frutilla, sem se referir à qual região as variantes pertencem. Em espanhol/ português o dicionário especifica a variação da lexia frutilla como pertencente à América Latina. No Larousse encontramos a variante frutilla como exclusiva da região dos Andes e Rio da Prata. A lexia frutilla não está dicionarizada no Señas. Papaya/ mamón/ lechosa Michaelis port/ esp esp/ port mamão [mam´ãw] sm Bot Mamón, papaya mamón, -ona [mam´on] adj + s Mamão (que mama). sm 1 Dente de leite 2 Bot Mamão. Larousse port/ esp mamão: m papaya, f Esp, Méx e RP, lechosa f Ven, fruta f bomba Cuba esp/ port Señas papaya f [fruta] papaia f apenas papaya está dicionarizada encontramos mamón com outros significados No dicionário Michaelis, mamón é mencionada na tradução do português/ espanhol e não a trata como variante de alguma região. Em espanhol/ português 3151 encontramos a lexia mamón na segunda acepção também sem mencionar a qual região a variante pertence. No Larousse a variante papaya é traduzida como “papaia” e na tradução do português/ espanhol não encontramos a variante mamón, entretanto, outra variante pertencente a Cuba é mencionada, fruta bomba. No Señas essa lexia está dicionarizada com outros significados e a variante aqui estudada não é encontrada. 4. Conclusão Nosso trabalho apresentou uma seleção de nomes de frutas presentes em dicionários espanhol-português, demonstrando a disparidade de sua equivalência. De certo modo, o resultado é surpreendente, mesmo considerando o número restrito da amostra. Acreditamos que quanto mais aprofundarmos, mais perceberemos a dificuldade de dar tratamento dicionarístico a nomes de frutas e, mais especificamente, a americanismos e regionalismos. No entanto, essa constatação não deve desencorajar os lexicógrafos; pelo contrário, deve servir de estímulo, pois há muito o que se fazer no campo da lexicografia bilíngüe, sobretudo porque esse campo está vinculado ao ensino de línguas estrangeiras, conhecimento que vem se mostrando, cada vez mais, necessário a nossa sociedade contemporânea. Referências DICIONÁRIO Larousse Ática avançado: espanhol/ português, português/ espanhol. São Paulo: Ática, 2004. HAENSCH, G. et al. La lexicografía. De la lingüística teórica a la lexicografía práctica. Madrid: Editorial Gredos, 1982. 3152 MICHAELIS: dicionário escolar espanhol: espanhol/ português, português/ espanhol. São Paulo: Melhoramentos, 2007. MOLERO, Antonio. El español de España y el español de América, vocabulario comparado. Madrid: SM Edições, 2003. UNIVERSIDADE ALCALÁ DE HENARES. Señas: diccionario para la enseñanza de la lengua española para brasileños. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Nota 1 “[...] este dicionário proporciona informação suficiente para a pronúncia correta de cada uma das formas incluídas como entrada. No entanto, o leitor deve saber que, embora exista uma ortografia normativa, declarada de aplicação preceptiva pela Real Academia Espanhola e utilizada por todos os falantes de espanhol, não existe uma pronúncia correta, unificada ou de uso geral no mundo hispânico. Este fato não surpreende, pois todas as línguas apresentam modos diferentes de pronunciar as mesmas palavras, especialmente quando se trata de línguas utilizadas por milhões de habitantes em territórios muito extensos e separados entre si. O espanhol é uma delas, embora as diferenças sejam de escassa importância, sobretudo entre falantes cultos” (Señas, 2002, prefácio). 3153