Anais 5º Simpósio de Gestão Ambiental e Biodiversidade (21 a 23 de junho 2016) PROPOSTA PEDAGÓGICA DE ESQUEMA GRÁFICO TÁTIL DE DELIMITAÇÃO DE ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE PARA DEFICIENTES VISUAIS Vitor Vieira Vasconcelos1 (1 Universidade Federal do ABC - UFABC, R. Abolição, S/N - Vila São Pedro, Santo André - SP, 09210-180, [email protected]) RESUMO Um dos maiores desafios para deficientes visuais é o aprendizado de conteúdo cartográfico. Dentre os conteúdos cartográficos, a conceituação e delimitação de áreas de preservação permanente é um exemplo aplicado com extrema relevância para a educação ambiental. Este artigo apresenta o processo de elaboração de um esquema gráfico tátil para educação ambiental de deficientes visuais quanto à delimitação de áreas de preservação permanente de entorno de nascentes e rios. A confecção do recurso didático utilizou materiais de fácil aquisição e seguiu recomendações de formato indicadas pela literatura acadêmica sobre mapas táteis. O encarte possui conteúdo textual em braile e algarismo romanos, legenda e escala gráfica em alto relevo. Tomou-se um cuidado especial para que o recurso didático possa ser utilizado de maneira inclusiva, envolvendo, ao mesmo tempo, cegos, deficientes visuais parciais e alunos com visão completa, de forma a promover um ambiente de educação inclusiva. Propõe-se que se trata de uma ferramenta útil para o ensino de temas de cartografia aplicados a contextos de conservação do meio ambiente. Palavras-chave: mapas táteis, áreas de preservação permanente, educação especial inclusiva, educação ambiental, deficiência visual INTRODUÇÃO O conteúdo cartográfico é comumente apontado como a maior dificuldade de deficientes visuais na aprendizagem de Geografia (Jordão 2015, Jordão et al.). Diversos estudos mostram que a utilização de mapas táteis no ensino para deficientes visuais melhora a compreensão do conteúdo da disciplina de Geografia e reflete em melhores resultados nas avaliações (Gomes et al. 2012, Andrade 2013). Além disso, por meio da cartografia tátil os deficientes visuais desenvolvem habilidades de representação mental, raciocínio e orientação espaciais que serão úteis em sua vida cotidiana (Almeida 2002). Também é importante a recomendação de Sgarrabotto e Duranti (2010) e Jordão et al. (2015) de que as estratégias de mapas táteis para alunos com deficiência visual na disciplina de Geografia trazem possibilidades de interação com os demais alunos, em um contexto de educação inclusiva. Neste contexto, este artigo tem como objetivo apresentar o processo de desenvolvimento de um esquema gráfico tátil de áreas de preservação permanente para deficientes visuais. Discute-se como esse recurso didático pode ser utilizado para o ensino de cartografia para deficientes visuais, aplicado ao contexto de conservação do meio ambiente, em aulas de Geografia. Escolheu-se o tema de delimitação de áreas de preservação permanente por ser uma possibilidade de conciliar o ensino de cartografia, planejamento de ocupação territorial e conservação da natureza. Nos termos da Lei Federal no 12,651, de 2012 (Brasil 2012), as áreas de preservação permanente são áreas protegidas, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas (art. 3o, II). A vegetação na área de preservação permanente deve ser mantida pelo proprietário da área, devendo-se recompô-la em caso de supressão ilegal da vegetação (Art. 7o). A correta identificação e delimitação das áreas de preservação permanente é fundamental para a eficácia da legislação de ambiental brasileira. No caso especifico de áreas no entorno de nascentes e rios, assim dispõe a referida lei: Art. 4o Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: 485 Anais 5º Simpósio de Gestão Ambiental e Biodiversidade (21 a 23 de junho 2016) I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura; b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; (...) IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros; (...) (Brasil 2012) MATERIAL E MÉTODOS O planejamento e elaboração do esquema gráfico tátil seguiu recomendações da literatura acadêmica de cartografia tátil, baseada em experiências de aplicações anteriores. Nesse contexto, Almeida (2011) recomenda que os mapas táteis sejam amplos o suficiente para a exploração pelas mãos. Andrade et al. (2015) recomendam que os mapas táteis tenham parcimônia no número de texturas, e recomenda um cuidado especial na construção de suas legendas. Ademais, Andrade (2013) recomenda a utilização de formas, tamanhos e relevo como maneiras adicionais para diferenciação dos elementos cartográficos táteis. O material didático foi construído em uma prancheta de MDF (Medium Density Fibreboard). Foi escolhido o tamanho A3, conforme recomendação para mapas táteis de Tatham (1999), sendo metade utilizada para título, legenda e escala, e a outra metade utilizada para o esquema gráfico-espacial em si. Optou-se por colocar o título, a legenda e a escala acima ddo conteúdo gráfico-espacial porque o deficiente visual necessita primeiramente compreender os elementos e informações de um mapa de modo sequencial (Tatham 1999, Carmo 2009), de forma análoga a um texto, e somente após isso de maneira sinóptica (i.e., como uma imagem integrada do mapa). O material didático foi separado em diferentes quadros (título, legenda, escala e desenho), cada qual correspondendo a um retângulo de papel cortiça no qual foram incluídos os demais elementos de informação. O material didático apresenta informações textuais em Braile, utilizando colagem de contas de plástico (material para confecção de artesanato). A prancheta apresenta, complementarmente, o texto em algarismos romanos e a legenda em cores diferenciadas, de modo que as atividades didáticas possam incluir, ao mesmo tempo, tanto os alunos com deficiência visual quanto os demais alunos. Dessa forma, estimula a interação entre todos os alunos e contribui para um ambiente de educação mais inclusivo. O texto em algarismo romano também facilita a compreensão por professores que não estejam familiarizados com a escrita em Braile. As cores do texto e dos elementos cartográficos foram escolhidas por terem alto contraste entre si, possibilitando uma melhor visualização em casos de deficiência visual parcial, conforme sugerido por Carmo (2009). Os algarismos romanos são de adesivos autocolantes com cobertura de glitter e possuem aspereza sensível ao tato. A nascente foi representada por um botão azul, e sua 486 Anais 5º Simpósio de Gestão Ambiental e Biodiversidade (21 a 23 de junho 2016) respectiva APP foi representada por um adesivo circular de feltro autocolante para pé de mesa com 2cm de raio, de cor branca e textura aveludada. Na legenda, optou-se por manter a símbolo de APP de nascente na forma circular, de modo a transmitir também a informação sobre a forma que aparecerá no esquema gráfico-espacial. O rio foi representado por tecido EVA azul coberto por glitter de mesma cor, enquanto sua respectiva área de preservação permanente foi representada por papel verde de textura com rugosidade em linhas paralelas. Para a escala gráfica utilizou-se de palitos de madeirite. A Figura 1 apresenta o recurso didático elaborado. RESULTADOS E DISCUSSÃO O esquema gráfico tátil de áreas de preservação permanente pode ser utilizado na disciplina de Geografia tanto para ensino do conteúdo de cartografia, apresentando um exemplo aplicado, quanto nas aulas sobre conservação da natureza. Por exemplo, no Currículo Mínimo prescrito pela Secretaria de Estado de Educação do Governo do Rio de Janeiro (SEEDUC, 2012), o conteúdo de cartografia é ministrado no segundo bimestre do sexto ano do ensino fundamental e no primeiro bimestre do primeiro ano do ensino médio. Os tópicos de questões ambientais são abordados no quarto bimestre do sexto ano do ensino fundamental e no terceiro e quarto bimestres do primeiro ano do ensino médio. Recomenda-se que, anteriormente ao contato com o material didático, o professor explique o contexto sobre a legislação de áreas de preservação permanente e enfoque, explicitamente, as regras para delimitação das áreas de preservação permanente de entorno de nascentes e margens de cursos d’água. Dessa forma, os conceitos espaciais de posição, adjacência, contiguidade e distância referentes a esse conteúdo serão apresentados aos alunos conceitualmente, antes de serem praticados com o recurso didático. Caso os alunos ainda não tenham conhecimentos de cartografia, especialmente quanto a legendas e escalas em mapas, também é importante uma explicação prévia pelo professor. Durante a prática com o esquema gráfico tátil, o professor deve orientar o aluno com deficiência visual a passar primeiro pelo título, depois pela legenda, em seguida pela escala e só depois para o conteúdo gráfico-espacial. Conforme sugerido por Sena (2008), o estudante com deficiência visual pode manter uma mão na escala e a outra no conteúdo gráfico, de forma a ter uma noção constante das distâncias representadas. Figura 1- Esquema gráfico tátil de Áreas de Preservação Permanente. 487 Anais 5º Simpósio de Gestão Ambiental e Biodiversidade (21 a 23 de junho 2016) CONCLUSÕES O esquema gráfico tátil elaborado apresenta uma alternativa potencial para abordar junto a deficientes visuais o conteúdo cartográfico e de conservação ambiental referente às áreas de preservação permanente. O recursos didático também possibilita incluir os deficientes visuais com os demais alunos em um mesmo ambiente de aprendizagem. Os materiais elaborados para a confecção são facilmente encontrados em lojas de material para artesanato e trabalhos escolares. O tema de áreas de preservação permanente também apresenta diversas outras possibilidades de abordagem para deficientes visuais, especialmente na forma de maquetes. Dessa maneira, poderiam ser elaboradas maquetes exemplificando as áreas de preservação permanente de topos de morro, borda de chapadas e encostas com declividade acentuada. A construção de mapas táteis de curvas de nível espelhando as maquetes, tal como proposto por Sousa & Musse (2010), pode fornecer mais uma oportunidade complementar de aprendizagem cartográfica aos deficientes visuais. Embora o conteúdo de áreas de preservação permanente seja um contexto prático, tais maquetes também abarcariam diversos conceitos da cartografia e geomorfologia, tais como declividade e formas de relevo (morros e chapadas). AGRADECIMENTOS Agradeço à Prof. Dra. Edicléa Mascarenhas pelo incentivo e sugestão de elaboração do material didático para educação especial inclusiva. REFERÊNCIAS Almeida, R.A. 2002. Mapas na Educação Diferenciada: experiências com professores e alunos. In: Le'Sann, J.G. (Org.). Cartografia para Escolares no Brasil e no Mundo. Belo Horizonte –MG. Almeida, R. A. 2011. A cartografia tátil na USP: duas décadas de pesquisa e ensino. In: Freitas, M. I. C.; Ventorini, S. E. (orgs). Cartografia Tátil: orientação e mobilidade às pessoas com deficiência visual. Jundiaí, Paco Editorial. Pp. 139- 167. Andrade, L. 2013. Gráficos táteis para ensinar Geografia. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 125p. Andrade, L.; Custódio, G.A.; Régis, T.C. & Nogueira, R.E. 2015. LabTATE: The contribution of Tactile Cartography in Geography Education using accessible teaching materials. CARTOGRAPHY BEYOND THE ORDINARY WORLD – JOINT SYMPOSIUM. 21-22 August, 2015, Rio de Janeiro. Annals..., p. 95-104. ICA – International Cartographic Association. Brasil. Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nos 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 28 de maio de 2012. Carmo, W.R. 2009. Cartografia tátil escolar: experiências com a construção de materiais didáticos e com a formação continuada de professores. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, São Paulo. 195p. Gomes, A.F.S.; Vale, M.R.; Passariinho, D.C.S.; Soares, J.C.B. & Gomes, I.B.A. 2012. Recursos sensoriais aplicados ao ensino de Geomorfologia para deficientes visuais no Centro de Apoio Pedagógico para Deficientes Visuais do Maranhão (São Luís – MA). SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOMORFOLOGIA, 9, 2012, Rio de Janeiro. Anais..., União da Geomorfologia Brasileira, Rio de Janeiro – RJ. Jordão, B.G.F. 2015. Cartografia Tátil na Educação Básica: os cadernos de Geografia e a inclusão dos estudantes com deficiência visual na rede estadual de São Paulo. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de São Paulo, São Paulo. 199p. Jordão, B.G.F.; Sena, C.C.R.G. & Carmo, W.R. 2015. The Tactile Cartography and Geography at Elementary School in the state of São Paulo. CARTOGRAPHY BEYOND THE ORDINARY WORLD – JOINT SYMPOSIUM. 21-22 August, 2015, Rio de Janeiro. AnnaIs..., p. 95-104. ICA – International Cartographic Association. Nogueira, R.E.; Custódio, G.A.; Nuernberg, A.H. & Richardson, S.B. 2013 Elaboração de conceitos geográficos em estudantes com deficiência visual. SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO, NA PESQUISA E NA EXTENSÃO – REGIÃO SUL. Anais... Florianópolis. 14p. SEEDUC – Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro. 2012. Currículo Mínimo 2012 – Geografia. Rio de Janeiro: Governo do Estado do Rio de Janeiro. 14p. Disponível em <http://download.rj.gov.br/documentos/10112/2012465/DLFE-68120.zip/cm_10_6__0.zip>. Acesso em 5 maio 2016. Sena, C.R.G. 2008. Cartografia tátil no ensino de Geografia: uma proposta metodológica de desenvolvimento e associação de recursos didáticos adaptados a pessoas com deficiência visual. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, São Paulo. Sgarabotto, A. L. & Duranti, R.T. 2010. Aprendizagem em geografia por adolescentes com deficiência visual em uma escola estadual regular de Caxias do Sul. Disponível em <http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/2010/Geografia/art_geo_visual.pdf>. Acesso em 26 abril 2016. Souza, L.G.R. & Musse, N.S. 2010. Descobrindo o relevo pelo tato: a inclusão permeando a geografia. ENCONTRO NACIONAL DE GEÓGRAFOS, 16. Porto Alegre, 25-31 de julho de 2010. Anais..., Associação dos Geógrafos Brasileiros – AGB. Tatham, A.F. 1999. Tactile map design using found materials. ICA/ACI International Cartographic Conference, 19. Proceedings… Ottawa, Canada, August 16-20, 1999. 488