Fernandes, Florestan. Fundamentos empíricos da explicação sociológica. 1978. Resumo capítulo VI. As soluções fundamentais dos problemas da indução na sociologia: K. Marx As duas teorias expostas apresentam em comum a mesma tendência a eliminar do campo da analise a pretensão de compreender a realidade social como algo concreto. *Durkheim: • sabia que ai estava um ideal; • acreditava que a sociologia deveria alcançá-lo tardiamente. *Weber: • excluía semelhante aspiração da esfera cientifica; • todo o aspecto da realidade que não possa ser considerado típico deve ser encarado como objeto de mera curiosidade cientifica → Ambas as posições criaram dificuldades lógicas e incorrem em grave limitação. Limitações: ─ Durkheim: ideais de explicação positiva na sociologia, derivados da filosofia empírico-naturalista da ciência. ─ Weber: construção típico-ideal de conceitos sociológicos pressupõe a elaboração de relações concebidas como estáveis no fluxo da vida social e o exagero dos seus aspectos propriamente recorrentes. Em suma, suas teorias não compreendiam todos os problemas que podem cair no campo da indução sociológica e são insuficientes para explicar os fenômenos de mudança nos seus aspectos concretos mais instáveis. Existem fenômenos de alteração da ordem social, se possível fosse interpretá-los sociologicamente, qual seria o procedimento interpretativo recomendável? → Seria preciso superar as dificuldades ou limitações da analise sociológica. ● Condições essenciais: ─ possibilidade de elaborar conceitos adequados a situações histórico-sociais, mas validos sociologicamente; ─ formação de uma perspectiva de interpretação que permitisse manipular de forma cientifica os fenômenos sócio-culturais encarados historicamente. A filosofia, através de Hegel, oferecia recursos para resolver as duas condições, e o fazia de uma forma compatível com a natureza mesma dos fenômenos sociais e a complexidade de sua explicação cientifica. → A doutrina hegeliana do conceito pressupõe uma critica a lógica formal e à lógica aplicada. À medida que afirmava que o conceito é assim a verdade do ser e da essência e via estas duas determinações não como meras determinações do pensamento, mas como determinação logicas, defendia uma noção dialética do conceito, em que a separação de forma e conteúdo não tinha nenhuma significação lógica. → Ao movimento dialético, exercido pela consciência sobre si própria, se deve a possibilidade, estritamente racional, de formação de conceitos plenamente adequados ao real. → A tentativa de Hegel não constitui apenas uma extensão do método dialético à interpretação da historia. Constitui também uma tentativa de resolver os problemas que se colocam quando se indaga se é possível submeter o empírico a um tratamento dialético. ● Essa solução representou uma solução filosófica para o problema da representação lógica da evolução como um processo real, determinado e logicamente acessível à razão, em sua unidade e diversidade. Ela poderia ser traduzida como um princípio dialético da historia. ●A solução apontada permitiu lidar com a transformação dialeticamente, isto é, em termos de duas series que se dão concomitantemente no processo real: *aquilo que é peculiar, essencial e imanente a todas as manifestações do espírito como algo idêntico a si próprio; *e aquilo que é peculiar, essencial e imanente a cada uma das formas de realização do espírito no seu devenir. ●como a idéia não se manifesta senão através de sua matéria, o saber e o querer humanos, uma representação dialético-especulativa da evolução do espírito acabou conduzindo, em alguns aspectos essenciais, à análise das atividades e das necessidades humanas, da sociedade civil e dos processos que animam e dão sentido á historia universal. O aproveitamento construtivo das perspectivas abertas por Hegel às ciências da sociedade e da historia dependia de uma inversão completa de sua orientação, através da qual se substituísse a especulação pela investigação empírica, o idealismo especulativo pela ciência. Karl Marx: teoria consistente sobre interpretação indutiva de uniformidades de seqüência, encaradas historicamente. O método dialético e a doutrina hegueliana dos conceitos são reelaborados de forma radical: “Meu método dialético se distingue do de Hegel não só por ter base distinta, mas por ser sua antítese direta. Para Hegel, é o processo dialético que, sob o nome mesmo de idéia, transforma em sujeito substancial o demiurgo do real, sendo a realidade só sua forma de manifestação externa. Para mim, pelo contrario, o ideal não é mais do que a transformação e a transposição que sofre o material ao passar pelo cérebro humano.” (pag. 105) O critério básico de procedimento seria o de elevar-se do particular ao geral; e em considerar a vida em sociedade, como uma realidade inteligível e descritível, o verdadeiro objeto da reflexão cientifica. Quatro pontos das idéias de Marx sobre as condições e os limites da explicação científica fenômenos sociais: 1) A explicação de situações histórico-sociais: →Marx entende a capacidade de abstração no sentido de capacidade analítica de lidar com materiais empíricos, na reconstrução de situações histórico-sociais e em sua interpretação. “A investigação devera apreender a matéria em seus detalhes, analisar as distintas formas de seu desenvolvimento e descobrir sua constituição intima” (pag. 107) → procurou estudar sempre o fenômeno que considerava típico, não no sentido de Durkheim nem de weber, mas aquele de cuja explicação se poderia concluir para outros da mesma natureza, dependente dos graus possíveis e variáveis de desenvolvimento ou complexidade. →fundamentos metodológicos da manipulação generalizadora do que é típico o que é verdadeiro para o fenômeno típico, seria igualmente verdadeiro para os fenômenos analógicos ou similares em aspectos essenciais assinaláveis e a própria formulação dos resultados da investigação em termos de lei cientifica permitiria estender a explicação descoberta a todos eles. →No processo de investigação, o sujeito-investigador precisa proceder de modo a por em evidencia: As determinações comuns ao fenômeno considerado, em geral; As determinações comuns ao fenômeno considerado, nas condições em que constitui objeto da investigação; Evitar, tanto quanto possível, a separação dos elementos analisados de seu contexto empírico imediato. “... A produção em geral é uma abstração, pelo fato de que põe em relevo e fixa o caráter comum, poupando as repetições. Esse caráter geral, esta organizado de maneira complexa e diverge em diversas determinações...” (pag. 109.) “... As determinações que valem para a produção geral devem ser separadas, a fim de que não se perca de vista a diferença essencial por causa da unidade, a qual decorre já do fato que o sujeito, a humanidade, o objeto e a natureza são os mesmos.” (pag. 110). →Quanto à noção de todo: “O resultado a que chegamos não é que a produção, a distribuição, a troca, o consumo são idênticos, mas que todos eles são membros de uma totalidade, diferenças em uma unidade...” (pag. 110) 2) A formação de conceitos: → Diante das condições lógicas e históricas, que precisam ser preenchidas pelos conceitos científicos, Marx se inclina por uma solução em que a preocupação pela construção de um sistema logicamente homogêneo de conceitos universais ou gerais é substituída pela decisão de restringir a validade lógica de qualquer conceito á sua capacidade de reproduzir plenamente uma realidade dada. →Em sua teoria, é francamente aceito que os conceitos ou categorias, relativos a sociedades mais diferenciadas, alcançam maior nível de abstração e podem conter elementos relativos a estados, anteriores das mesmas sociedades. → Marx, insiste em que a totalidade concreta, assim representada, constitui uma elaboração do pensamento. Mas o objeto concreto é independente dessa representação conceptual e serve de teste para ela. 3)A técnica da inferência indutiva: →o método dialético oferece ao sujeito-investigador a possibilidade de ajustar-se intelectualmente à realidade social de modo a compreendê-la sob o tríplice aspecto em que ela pode apresentar-se, através de regularidades bem definidas. (pag.115) → para atingir esse fim explicativo, precisa o especialista por em evidencia o caráter essencial do fenômeno investigado. O essencial é naturalmente algo que permita explicar como e porque se produzem determinadas alterações da ordem social. Precisa ser um fator construtivo e operativo, que contenha oque Marx chamava de “determinações comuns” e aquilo que ele entendia como “determinações particulares” →Em síntese, as formulas explicativas, construídas dialeticamente: Descrevem relações causais que são gerais com referencia as condições consideradas na interpretação do fenômeno; Elas possuem plena validez onde e quando o fenômeno considerado se apresente nas condições em que as relações causais descritas são objetivamente possíveis e necessárias. Marx: “... Depois de ter considerado separadamente um e outro, deve-se estudar sua relação recíproca. seria, pois, impraticável e errôneo colocar as categorias econômicas na ordem segundo a qual tiveram uma ação determinante...” (pag.117) 4) A verificação da inferência indutiva: Se for um conhecimento verdadeiro poderá ser confirmado a posteriori, com base no acerto das previsões e permitira acelerar em determinadas condições e dentro de certos limites naturais a própria transformação da realidade. “A questão do saber se ao pensamento humano cabe verdade objetiva não é uma questão de teoria, mas uma questão pratica...” (pag. 118)