O gene Egoista - leandro marshall

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O GENE EGOÍSTA
Richard Dawkins
PRÓLOGO............................................................................................................................................1
PREFÁCIO ...........................................................................................................................................3
POR QUE SÃO AS PESSOAS?...........................................................................................................5
OS REPLICADORES.........................................................................................................................12
ESPIRAIS IMORTAIS .......................................................................................................................17
A MÁQUINA GÊNICA .....................................................................................................................33
AGRESSÃO: ESTABILIDADE E A MÁQUINA EGOÍSTA...........................................................46
MANIPULANDO OS GENES...........................................................................................................59
PLANEJAMENTO FAMILIAR.........................................................................................................72
A BATALHA DAS GERAÇÕES.......................................................................................................81
A BATALHA DOS SEXOS ...............................................................................................................91
VOCÊ COÇA MINHAS COSTAS, EU MONTAREI SOBRE AS SUAS......................................107
MEMES: OS NOVOS REPLICADORES........................................................................................121
PRÓLOGO
O chimpanzé e os seres humanos compartilham cerca de 99,5 por cento de sua história
evolutiva, no entanto a maioria dos pensadores humanos considera o chimpanzé uma excentricidade
malformada e irrelevante, enquanto se vêem a si próprios como degraus para o Todo-poderoso. Para
um evolucionista isto não pode ocorrer. Não há fundamento objetivo para qual elevar uma espécie
acima de outra. Chimpanzés e seres humanos, lagartixas e fungos, todos evoluímos durante
aproximadamente três bilhões de anos por um processo conhecido como seleção natural. Dentro de
cada espécie alguns indivíduos têm mais descendentes sobreviventes do que outros, de modo que as
características herdáveis (genes) daqueles reprodutivamente bem sucedidos tornam-se mais
numerosos na geração seguinte. A seleção natural é isto: a reprodução diferencial não aleatória dos
genes. Ela nos formou e é ela que devemos entender se quisermos compreender nossas próprias
identidades.
Embora a teoria da evolução através da seleção natural de Darwin seja central ao estudo do
comportamento social (especialmente quando unida à genética de Mendel), ela tem sido amplamente
ignorada. Verdadeiras indústrias se desenvolveram nas ciências sociais dedicadas à construção de
uma visão pré-darwiniana e pré-mendeliana do mundo social e psicológico. Mesmo na Biologia o
esquecimento e o abuso da teoria darwiniana têm sido surpreendentes. Sejam quais forem as razões
deste estranho desenvolvimento, há indicações de que ele está terminando. A grande obra de Darwin
e de Mendel tem sido ampliada por um número crescente de pesquisadores, notavelmente R. A.
Fisher, W. D. Hamilton, G. C. Williams e J. Maynard Smith. Agora, pela primeira vez, este
importante corpo de teoria social baseada na seleção natural é apresentado sob forma simples e
popular por Richard Dawkins.
Um a um, Dawkins examina os principais temas da nova pesquisa em teoria social: os
conceitos de comportamento altruísta e egoísta, a definição genética de auto-interesse, a evolução do
comportamento agressivo, a teoria do parentesco (as relações entre pais e prole e a evolução dos
insetos sociais), a teoria da proporção entre os sexos, o altruísmo recíproco, o engano e a seleção
natural das diferenças sexuais. Com a confiança oriunda do domínio da teoria subjacente, Dawkins
revela a nova pesquisa com estilo e clareza admiráveis. Educado largamente em Biologia, ele dá ao
leitor uma amostra de sua literatura rica e fascinante. Quando discorda de trabalhos publicados
(como o faz ao criticar uma falácia minha), quase invariavelmente acerta o alvo. Dawkins também
se esforça por tornar clara a 1ógica de seus argumentos, de modo que o leitor, aplicando a lógica
fornecida, possa ampliar os argumentos (e até mesmo rivalizar com o próprio Dawkins). Os próprios
argumentos estendem-se em muitas direções. Por exemplo, se (como Dawkins mantém) o fraude é
fundamental à comunicação animal, então deve haver forte seleção para detectar o engano, e isto,
por sua vez, deve selecionar certo grau de engano próprio, tornando inconscientes alguns fatos e
motivos, de modo a não trair – pelos sinais sutis de auto-conhecimento – o fraude que está sendo
praticado. Assim, a idéia convencional de que a seleção natural favorece aqueles sistemas nervosos
que produzem imagens cada vez mais exatas do mundo deve ser uma visão muito ingênua da
evolução mental.
O progresso recente na teoria social tem sido importante o suficiente para gerar um pequeno
alvoroço de atividade contra-revolucionária. Tem-se alegado, por exemplo, que o progresso recente
é, de fato, parte de uma conspiração cíclica para impedir o avanço social, fazendo com que ele
pareça ser geneticamente impossível. Idéias tênues semelhantes têm sido reunidas para dar a
impressão que a teoria social darwiniana é reacionária em suas implicações políticas. Isto está muito
longe da verdade. A igualdade genética dos sexos, por exemplo, foi, pela primeira vez, claramente
estabelecida por Fisher e Hamilton. A teoria e os dados quantitativos provenientes dos insetos
sociais demonstram que não há uma tendência inerente aos pais de dominarem sua prole (ou viceversa). E os conceitos de investimento parental e escolha por parte da fêmea fornecem um
fundamento objetivo e imparcial para examinar as diferenças sexuais, um avanço considerável em
1
relação aos esforços populares de fixar os poderes e direitos da mulher no pântano inútil da
identidade biológica. Em resumo, a teoria social darwiniana nos dá uma idéia de uma lógica e de
uma simetria subjacentes nas relações sociais, as quais, quando forem mais completamente
compreendidas por nós, devem revitalizar nossa compreensão política e fornecer o apoio intelectual
a uma ciência e medicina da Psicologia. Neste processo, ele deve dar-nos também uma compreensão
mais profunda das muitas origens de nosso sofrimento.
Robert Trivers
Universidade de Harvard
Julho, 1976
2
PREFÁCIO
Este livro deveria ser lido quase como se fosse ficção científica. Ele destina-se a agradar a
imaginação. Mas não é ficção científica: é Ciência. Seja ou não um lugar-comum, "mais estranho do
que ficção" exprime exatamente como me sinto com relação à verdade. Somos máquinas de
sobrevivência – veículos robô programados cegamente para preservar as moléculas egoístas
conhecidas como genes. Esta é uma verdade que ainda me enche de surpresa. Embora a conheça há
anos, parece que nunca me acostumo completamente a ela. Um de meus desejos é ter algum sucesso
em surpreender a outros.
Três leitores imaginários olharam por sobre meu ombro enquanto escrevia, e agora a eles
dedico o livro. Em primeiro lugar o leitor geral, o leigo. Por ele evitei o jargão técnico quase
totalmente e onde tive que usar palavras especializadas eu as defini. Agora me pergunto por que não
censuramos a maior parte de nosso jargão também das revistas especializadas. Supus que o leigo não
tenha conhecimento especializado, mas não supus que ele seja estúpido. Qualquer um pode
popularizar a Ciência se ele simplificar demasiadamente. Trabalhei arduamente tentando popularizar
algumas idéias sutis e complicadas em linguagem não matemática, sem perder de vista sua essência.
Não sei quanto sucesso tive nisto, nem quanto sucesso tive em outra de minhas ambições: tentar
tornar o livro tão fascinante e agradável quanto o assunto merece. Desde há muito senti que a
Biologia deve parecer tão excitante quanto uma história de mistério, pois ela é exatamente isto. Não
ouso esperar ter transmitido mais do que uma pequena fração da excitação que o assunto tem a
oferecer.
Meu segundo leitor imaginário foi o especialista. Ele tem sido um crítico severo, suspirando
profundamente com algumas de minhas analogias e figuras de linguagem. Suas frases favoritas são
"com exceção de", "por outro lado", e "ah, não". Ouvi-o atentamente e até reescrevi por completo
um capítulo apenas em seu benefício, mas, no fim, tive que contar a história da minha maneira. O
especialista ainda não estará completamente satisfeito com a maneira pela qual expus o assunto. No
entanto, minha maior esperança é que até ele encontrará aqui algo de novo; uma nova maneira,
talvez, de ver idéias familiares; até mesmo estímulo para idéias novas próprias. Se esta é uma
aspiração alta demais, poderei pelo menos esperar que o livro o distraia em um trem?
O terceiro leitor que tive em mente foi o estudante, realizando a transição do leigo para o
especialista. Se ele ainda não decidiu em que campo quer se especializar, espero encorajá-la a
considerar meu próprio campo da Zoologia. Há uma razão melhor para estudar a Zoologia do que
sua possível "utilidade" e estima que os animais provocam. Esta razão é que nós animais somos as
máquinas mais complicadas e perfeitamente planejadas do universo conhecido. Apresentada desta
forma, é difícil entender como alguém pode estudar qualquer outra coisa! Para o estudante que já se
comprometeu com a Zoologia, espero que meu livro tenha algum valor educativo. Ele está tendo que
estudar os artigos originais e livros técnicos nos quais minha exposição se baseia. Se ele achar as
fontes originais difíceis de entender, talvez minha interpretação não matemática possa ajudar, como
uma introdução e fonte suplementar.
Há perigos óbvios em se tentar agradar três tipos diferentes de leitores. Só posso dizer que
estive cônscio desses perigos e eles pareceram ser compensados pelas vantagens da tentativa.
Sou etólogo e este é um livro sobre comportamento animal. Minha dívida à tradição etológica
na qual fui treinado será óbvia. Em particular, Niko Tinbergen não imagina a importância de sua
influência durante os doze anos nos quais trabalhei sob sua direção em Oxford. A frase "máquina de
sobrevivência", embora não seja, de fato, criação sua, poderia muito bem sê-lo. Mas a Etologia
recentemente tem sido revigorada por uma invasão de idéias novas oriundas de fontes normalmente
não consideradas etológicas. Este livro baseia-se em grande parte nessas novas idéias. Seus autores
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são mencionados nos lugares apropriados no texto; as principais figuras são G. C. Williams, J.
Maynard Smith, W. D. Hamilton e R. L. Trivers.
Várias pessoas sugeriram títulos para o livro que eu agradecidamente usei como títulos dos
capítulos: "Espirais Imortais", John Krebs; "A Máquina Gênica", Desmond Morris; "Manipulando
os Genes", Tim Clutton-Brock e Jean Dawkins, independentemente, com desculpas a Stephen
Potter.
Os )citares imaginários podem servir como alvos para esperanças e aspirações piedosas, mas
eles têm menos utilidade prática do que os leitores e críticos reais. Sou dado a revisares, e Marian
Dawkins foi sujeitada a inúmeros rascunhos e novos rascunhos de todas as páginas. Seu
conhecimento considerável da literatura biológica e sua compreensão de assuntos teóricos,
juntamente com seu encorajamento e apoio moral incessantes, foram-me essenciais. John Krebs
também leu todo o rascunho do livro. Ele conhece o assunto melhor do que eu e revelou-se generoso
e irrestrito em seus conselhos e sugestões. Glenys Thomson e Walter Bodmer criticaram minha
manipulação dos tópicos de Genética de maneira gentil mas firme. Temo que minha revisão ainda
não os satisfaça completamente, mas espero que a acharão bastante melhorada. Estou muito grato
pelo seu tempo e paciência. John Dawkins esteve infalivelmente atento a construções ambíguas e
propôs excelentes sugestões para reformulação. Não poderia ter desejado um "leigo inteligente"
mais apropriado do que Maxwell Stamp. Sua detecção ponderada de uma falha geral importante no
estilo do primeiro rascunho muito contribuiu para a versão final. Outros que criticaram
construtivamente capítulos específicos, ou de alguma outra forma deram sua opinião de
especialistas, foram John Maynard Smith, Desmond Morris, Tom Maschler, Nick Blurton Jones,
Sarah Kettlewell, Nick Humphrey, Tim Clutton-Brock, Louise Johnson, Christopher Graham, Geoff
Parker e Robert Trivers. Pat Searle e Stephanie Verhoeven não apenas datilografaram com
habilidade, mas encorajaram-me parecendo fazê-la com alegria. Finalmente, quero agradecer
Michael Rodgers da Editora da Universidade de Oxford o qual, além de criticar proveitosamente o
manuscrito, trabalhou muito além de seu dever ao controlar todos os aspectos da produção deste
livro.
Richard Dawkins
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Capítulo 1
POR QUE SÃO AS PESSOAS?
A vida inteligente em um planeta torna-se amadurecida quando pela primeira vez compreende
a razão da sua própria existência. Se criaturas superiores provindas do espaço algum dia visitarem a
Terra, a primeira pergunta que farão, a fim de avaliar o nível de nossa civilização será: "Eles já
descobriram a evolução?" Organismos vivos haviam existido sobre a Terra, sem nunca saberem
porque, por mais de três bilhões de anos, antes que a verdade finalmente ocorresse a um deles. Seu
nome era Charles Darwin. Para ser justo, outros tiveram intuições da verdade, mas foi Darwin quem
pela primeira vez montou uma explicação coerente e convincente de por que nós existimos. Darwin
nos tornou possível dar uma resposta sensata à criança curiosa cuja pergunta serve de título a este
capítulo. Não mais temos que recorrer à superstição quando defrontados com os problemas
profundos: há um sentido para a vida? Para que existimos? O que é o homem? Depois de formular a
última dessas questões, o eminente zoólogo G.G. Simpson assim se expressa: "O que quero
esclarecer agora é que todas as tentativas de responder esta pergunta antes de 1859 são inúteis e que
será melhor para nós ignorá-las completamente"
Hoje, a teoria da evolução está quase tão sujeita à dúvida quanto a teoria de que a Terra gira ao
redor do Sol, mas as implicações plenas da revolução de Darwin ainda estão por serem amplamente
compreendidas. A Zoologia ainda é uma matéria minoritária nas universidades e até mesmo aqueles
que a escolhem freqüentemente tornam esta decisão sem perceber seu significado filosófico
profundo. A Filosofia e as matérias conhecidas como "Humanidades" ainda são ensinadas quase
como se Darwin nunca houvesse existido. Sem dúvida, isto mudará com o tempo. De qualquer
forma, este livro não pretende ser uma defesa geral do darwinismo. Em vez disto, ele explorará as
conseqüências da teoria da evolução para uma questão específica. Meu propósito é examinar a
biologia do egoísmo e do altruísmo.
Independente de seu interesse acadêmico, a importância humana deste assunto é óbvia. Ele
toca todos os aspectos de nossas vidas sociais, nosso amor e ódio, luta e cooperação, doação e
roubo, nossa ganância e nossa generosidade. Estas são as pretensões que poderiam ter sido
atribuídas à obra On Aggression de Lorenz, The Social Contract de Ardrey e Love and Hate de EiblEibesfeldt. O problema com esses livros é que seus autores erraram total e completamente. Eles
erraram porque interpretaram mal como a evolução funciona. Fizeram a suposição errônea de que o
importante na evolução é o bem da espécie (ou grupo) e não o bem do indivíduo (ou gene). É irônico
que Ashley Montagu criticasse Lorenz como um "descendente direto dos pensadores do tipo
‘natureza sangrenta de dentes e garras’ do século dezenove...". Como eu entendo a idéia de evolução
de Lorenz, ele concordaria inteiramente com Montagu em rejeitar as implicações da famosa frase de
Tennyson. Diferentemente de ambos, acho que a "natureza sangrenta de dentes e garras" resume
admiravelmente nossa compreensão moderna da seleção natural.
Antes de começar meu argumento propriamente dito, quero explicar rapidamente que tipo de
argumento ele é e que tipo de argumento ele não é. Se nos fosse dito que um homem havia vivido
uma vida longa e próspera no mondo dos "gangsters" de Chicago, estaríamos justificados em fazer
algumas suposições sobre que tipo de homem ele era. Poderíamos esperar que ele tivesse qualidades
tais como resistência, um dedo rápido no gatilho e a habilidade de atrair amigos leais. Estas não
seriam deduções infalíveis, mas você pode fazer algumas inferências sobre o caráter de um homem
se souber alguma coisa sobre as condições nas quais ele sobreviveu e prosperou. O argumento deste
livro é que nós, e todos os outros animais, somos máquinas criadas por nossos genes. Assim como
"gangsters" de Chicago, nossos genes sobreviveram, em alguns casos por milhões de anos, em um
mundo altamente competitivo. Isto nos permite esperar certas qualidades em nossos genes.
Sustentarei que uma qualidade predominante a ser esperada em um gene bem sucedido é o egoísmo
implacável. Este egoísmo do gene geralmente originará egoísmo no comportamento individual. No
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entanto, como veremos, existem circunstâncias especiais nas quais um gene pode atingir melhor
seus próprios objetivos egoístas cultivando uma forma limitada de altruísmo ao nível dos animais
individuais. "Especiais" e "limitada" são palavras importantes na última sentença. Por mais que
desejemos acreditar diferentemente, o amor e o bem-estar universais da espécie como um todo são
conceitos que simplesmente não têm sentido na evolução.
Isto leva-me a primeira questão que quero esclarecer sobre o que este livro não é. Não estou
defendendo uma moralidade baseada na evolução. Estou dizendo como as coisas evoluíram. Não
estou dizendo como nós, humanos, moralmente temos que nos comportar. Enfatizo isto porque sei
que corro o risco de ser mal interpretado por aquelas pessoas, bastante numerosas, que não podem
distinguir uma afirmação de crença no que ocorre, de uma defesa do que deve ocorrer. Minha
própria impressão é que seria muito desagradável viver em uma sociedade humana baseada
simplesmente na lei do gene de egoísmo implacável universal. Mas, infelizmente, não importa o
quanto deploremos algo, este algo não deixa de ser verdadeiro. Este livro pretende principalmente
ser interessante, mas se você for extrair uma lição de moral dele, leia-o como uma advertência.
Fique advertido que se você desejar, como eu o desejo, construir uma sociedade na qual os
indivíduos cooperem generosa e desinteressadamente para um bem comum, você poderá esperar
pouca ajuda da natureza biológica. Tentemos ensinar generosidade e altruísmo, porque nascemos
egoístas. Compreendamos o que nossos próprios genes egoístas tramam, porque assim, pelo menos,
poderemos ter a chance de frustrar seus intentos, uma coisa que nenhuma outra espécie jamais
aspirou fazer.
Como corolário dessas observações sobre ensino, é uma falácia – e, a propósito, bastante
comum – supor que características herdadas geneticamente são por definição fixas e inalteráveis.
Nossos genes poderão nos instruir a ser egoístas, mas não estamos necessariamente compelidos a
obedecê-los por toda nossa vida. Talvez seja mais difícil aprender altruísmo do que seria se
fôssemos programados geneticamente para ser altruístas. Entre os animais, o homem é dominado de
maneira singular pela cultura, pelas influências aprendidas e transmitidas. Alguns diriam que a
cultura é tão importante que os genes, egoístas ou não, são virtualmente irrelevantes para a
compreensão da natureza humana. Outros discordariam. Tudo depende de que lado você está no
debate sobre "natureza versus criação" como determinantes dos atributos humanos. Isto leva-me a
segunda coisa que este livro não é: ele não é uma defesa de uma posição ou outra na controvérsia
natureza/criação. Naturalmente tem-no minha opinião a respeito disto, mas não irei enunciá-la,
exceto na medida em que ela está implícita na concepção de cultura que apresentarei no último
capítulo. Se os genes realmente se mostrarem ser totalmente irrelevantes para a determinação do
comportamento humano moderno, se nós realmente formos únicos com respeito a isto dentre os
animais, ainda é, pelo menos, interessante indagar sobre a regra da qual tão recentemente nos
tornamos a exceção. E se nossa espécie não for tão excepcional como poderemos querer acreditar, é
ainda mais importante que estudemos a regra.
A terceira coisa que este livro não é, é um relatório descritivo do comportamento detalhado do
homem ou de qualquer outra espécie animal em particular. Usarei detalhes factuais apenas como
exemplos ilustrativos. Não direi: "se você olhar para o comportamento de babuínos verificará que é
egoísta; portanto, é provável que o comportamento humano seja egoísta também". A lógica do meu
argumento de "'gangster' de Chicago" é bastante diferente. É a seguinte: seres humanos e babuínos
evoluíram por seleção natural. Se você examinar a maneira como a seleção natural funciona, parece
resultar que qualquer coisa que tenha evoluído por seleção natural deva ser egoísta. Portanto,
devemos esperar que quando de fato examinamos o comportamento de babuínos, seres humanos e
todas as outras criaturas vivas, verificaremos que é egoísta. Se verificarmos que nossa expectativa
está errada, se notarmos que o comportamento humano é realmente altruísta, então estaremos diante
de uma coisa intrigante, uma coisa que precisa ser explicada.
Antes de prosseguir, precisamos de uma definição. Uma entidade, tal como um babuíno, é dita
altruísta se ela se comporta de maneira a aumentar o bem-estar de outra entidade semelhante, às suas
próprias custas. O comportamento egoísta tem exatamente o efeito contrário. "Bem-estar" é definido
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como "possibilidades de sobrevivência", mesmo se o efeito sobre a expectativa real de vida e de
morte for tão pequeno que pareça desprezível. Uma das conseqüências surpreendentes da versão
moderna da teoria darwiniana é que influências mínimas aparentemente triviais sobre a
probabilidade de sobrevivência podem ter um impacto importante na evolução. Isto deve-se ao
imenso tempo disponível para que tais influências se façam sentir.
É importante entender que as definições acima de altruísmo e egoísmo são comportamentais,
não subjetivas. Não estou preocupado aqui com a psicologia de motivos. Não discutirei se as
pessoas que se comportam altruisticamente estão "realmente" fazendo-o por motivos egoístas
secretos ou inconscientes. Talvez elas estejam e talvez elas não estejam, e talvez nunca possamos
saber, mas de qualquer forma não é disto que este livro trata. Minha definição relaciona-se apenas
com se o efeito de um ato é diminuir ou aumentar as expectativas de sobrevivência do suposto
altruísta e as expectativas de sobre-vivência do suposto beneficiado.
É muito complicado demonstrar os efeitos do comportamento nas perceptivas de
sobrevivência a longo prazo. Na prática, quando aplicamos a definição ao comportamento real,
devemos nela introduzir uma ressalva com a palavra "aparentemente". Um ato aparentemente
altruísta é aquele que parece, superficialmente, tender a aumentar (não importa quão ligeiramente) a
probabilidade do altruísta morrer e do favorecido sobreviver. No exame mais detalhado verifica-se
freqüentemente que atos de aparente altruísmo na realidade são egoísmo disfarçado. Novamente,
não quero dizer que os motivos básicos são egoístas, mas que os efeitos reais do ato nas perspectivas
de sobrevivência são o inverso daquilo que originalmente pensamos.
Darei alguns exemplos de comportamento aparentemente egoísta e aparentemente altruísta. É
difícil suprimir hábitos subjetivos de pensamento quando lidamos com nossa própria espécie, de
modo que escolherei, em vez disto, exemplos de outros animais. Em primeiro lugar alguns exemplos
variados de comportamento egoísta de animais individuais.
Gaivotas de cabeça preta nidificam em grandes colônias, os ninhos estando separados de
apenas poucos palmos. Quando os filhotes eclodem são pequenos, indefesos e fáceis de serem
engolidos. É bastante comum uma gaivota esperar que um vizinho vire as costas, talvez enquanto ele
está fora pescando, e então lançar-se sobre um de seus filhotes e engoli-lo inteiro. Ela, desta forma,
obtém uma boa refeição nutritiva sem ter que se dar ao trabalho de capturar um peixe e sem ter que
deixar seu próprio ninho desprotegido.
Mais bem conhecido é o canibalismo macabro das fêmeas do louva-a-deus. O louva-a-deus é
um inseto carnívoro grande. Ele normalmente come insetos menores tais como moscas, mas ataca
quase qualquer coisa que se mova. No acasalamento, o macho sobe cautelosamente na fêmea,
monta-a e copula. Se a fêmea tiver a oportunidade, ela o comerá, começando por abocanhar sua
cabeça, quando o macho está se aproximando, imediatamente após ele montar, ou após separaremse. Pareceria mais sensato para ela esperar até que a cópula se complete antes de começar a comê-lo.
Mas a perda da cabeça parece não desalentar o resto do corpo do macho em seu avanço sexual. De
fato, como a cabeça do inseto é sede de alguns centros nervosos inibidores, é possível que a fêmea
melhore o desempenho sexual do macho ao comer sua cabeça. Se assim for, este é um benefício
adicional. O benefício primário é ela obter uma boa refeição.
A palavra "egoísta" talvez pareça muito branda para expressar casos extremos tais como
canibalismo, embora estes encaixem-se bem em nossa definição. Talvez possamos ter simpatia mais
diretamente para com o comportamento covarde descrito dos pingüins imperiais da Antártica. Eles
têm sido vistos em pé à beira d'água, hesitando antes de mergulhar, devido ao perigo de serem
comidos por focas. Se apenas um deles mergulhasse, os demais saberiam se havia uma foca ou não.
Naturalmente nenhum deles quer ser a cobaia, de modo que eles esperam e algumas vezes até
mesmo tentam se empurrar para a água.
Mais comumente, o comportamento egoísta consiste simplesmente em recusar a compartilhar
algum recurso valioso, como alimento, território ou parceiros sexuais. Agora, alguns exemplos de
comportamento aparentemente altruísta.
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O comportamento de aferroar das abelhas operárias é uma defesa muito eficaz contra ladrões
de mel. Mas, as abelhas que aferroam são combatentes kamikazes. No ato de picar, órgãos internos
vitais são geralmente arrancados do corpo e a abelha morre logo em seguida. Sua missão suicida
talvez tenha salvo os estoques vitais de alimento da colônia, mas ela própria não pode usufruir os
benefícios. Pela nossa definição este é um ato de comportamento altruísta. Lembre-se que não
estamos falando de motivos conscientes. Eles podem ou não estar presentes, tanto aqui como nos
exemplos de egoísmo, mas são irrelevantes para nossa definição.
Sacrificar a vida pelos amigos é obviamente altruísta, mas correr um pequeno risco por eles
também o é. Muitos pássaros pequenos, quando vêem um predador voando, como um gavião, dão
um "grito de alarme" característico, em conseqüência do qual todo o bando se põe em fuga. Há
evidência indireta de que o pássaro que dá o grito de alarme se expõe particularmente ao perigo, pois
atrai a atenção do predador especialmente para si. Este é apenas um leve risco adicional, mas parece,
no entanto, pelo menos à primeira vista, corresponder a um ato altruísta pela nossa definição.
Os atas mais comuns e mais conspícuos de altruísmo animal são realizados pelos pais,
especialmente pelas mães, em relação a seus filhos. Eles podem incubá-los, ou em ninhos ou em
seus próprios corpos, alimentá-los com enormes sacrifícios para si e correr grandes riscos ao
protegê-los de predadores. Para citar apenas um exemplo particular, muitos pássaros que nidificam
no chão realizam o chamado "comportamento de distração" quando um predador, como uma raposa,
se aproxima. Um dos pais afasta-se do ninho maneando, mantendo uma asa aberta como se ela
estivesse quebrada. O predador, percebendo uma presa fácil, é atraído para longe do ninho contendo
os filhotes. Finalmente a ave cessa seu fingimento e lança-se ao ar exatamente à tempo de escapar
das mandíbulas da raposa. Ela provavelmente terá salvo a vida de seus filhotes, mas com algum
risco para si.
Não estou tentando defender uma posição contando histórias. Exemplos escolhidos nunca são
evidência séria de qualquer generalização importante. Essas histórias são dadas simplesmente como
ilustrações do que quero dizer com comportamento altruísta e egoísta ao nível de indivíduos. Este
livro mostrará como tanto o egoísmo como o altruísmo individuais são explicados pela lei
fundamental que estou chamando de egoísmo do gene. Mas, primeiro devo tratar de uma explicação
particular errônea de altruísmo, porque ela é amplamente conhecida e até mesmo amplamente
ensinada nas escolas.
Esta explicação está baseada numa concepção errada que já mencionei, segundo a qual as
criaturas vivas evoluem para fazer coisas "pelo bem da espécie" ou "pelo bem do grupo". É fácil ver
como esta idéia teve origem na Biologia. Grande parte da vida de um animal é dedicada à
reprodução e a maioria dos atas de auto-sacrifício altruísta observados na natureza são realizados
pelos pais para com seus filhotes. "Perpetuação da espécie" é um eufemismo comum para
reprodução e é, inegavelmente, uma conseqüência da reprodução. É necessário apenas uma ligeira
deturpação da lógica para deduzir que a "função" da reprodução é "de" perpetuar a espécie. Daí
basta um pequeno passo falso para concluir que os animais em geral se comportarão de forma a
favorecer a perpetuação da espécie. O altruísmo em relação aos outros membros da espécie parecerá
resultar.
Esta linha de pensamento pode ser posta em termos vagamente darwinianos. A evolução
trabalha através da seleção natural e esta significa a sobrevivência discriminada do mais "apto".
Mas, estamos falando sobre os indivíduos mais aptos, as raças mais aptas, as espécies mais aptas, ou
sobre o que? Para alguns propósitos isto não importa muito, mas quando estamos falando sobre
altruísmo é obviamente crucial. Se forem espécies que estão competindo no que Darwin chamou de
luta pela existência, parece melhor considerar o indivíduo como um peão no jogo, a ser sacrificado
quando o interesse mais importante da espécie como um todo o exigir. Expressando de maneira um
pouco mais respeitável, um grupo, como uma espécie ou uma população dentro de uma espécie,
cujos membros individuais estejam preparados para se sacrificar pelo bem-estar do grupo, poderá ter
menos probabilidade de se extinguir do que um grupo rival cujos membros individuais coloquem
seus próprios interesses egoístas em primeiro lugar. Conseqüentemente, o mundo torna-se povoado
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principalmente de grupos consistindo de indivíduos que se sacrificam a si próprios. Esta é a teoria da
"seleção de grupo", há muito considerada verdadeira pelos biologistas não familiarizados com os
detalhes da teoria da evolução, lançada em um livro famoso de V. C. Wynne-Edwards e
popularizada por Robert Ardrey no livro The Social Contract. A alternativa ortodoxa é normalmente
chamada "seleção individual", embora pessoalmente eu prefira falar em seleção de gene.
A resposta imediata dos adeptos da seleção individual ao argumento apresentado seria mais ou
menos assim. Mesmo no grupo dos altruístas quase com certeza haverá uma minoria dissidente a
qual se recusa a fazer qualquer sacrifício. Se houver apenas um rebelde egoísta, pronto a explorar o
altruísmo dos demais, então ele, por definição, tem maior probabilidade do que os últimos de
sobreviver e ter filhos. Cada um desses filhos tenderá a herdar suas características egoístas. Após
várias gerações desta seleção natural, o "grupo altruísta" será sobrepujado pelos indivíduos egoístas
e será indistinguível do grupo egoísta. Mesmo se assumirmos a existência casual inicial improvável
de grupos altruístas puros sem rebeldes, é muito difícil imaginar o que impe-diria indivíduos
egoístas de imigrar de grupos egoístas vizinhos e, por meio de cruzamentos mistos, de contaminar a
pureza dos grupos altruístas.
O adepto da seleção individual admitiria que grupos realmente desaparecem e que o fato de
um grupo extinguir-se ou não pode ser influenciado pelo comportamento dos indivíduos naquele
grupo. Ele talvez até admita que se ao menos os indivíduos em um grupo tivessem o dom da
previsão poderiam perceber que à longo prazo é de seu interesse refrear sua ganância egoísta para
impedir a destruição do grupo todo. Quantas vezes isto já deve ter .ido dito, nos últimos anos, aos
trabalhadores da Grã-Bretanha? Idas, a extinção de um grupo é um processo lento comparado com a
luta rápida da competição individual. Mesmo enquanto o grupo declina vagarosa e inexoravelmente,
indivíduos egoístas prosperam à curto prazo às custas dos altruístas. Os cidadãos da Grã-Bretanha
podem ou não ter sido favorecidos com o dom da previsão, mas a evolução é cega para com o
futuro.
Embora a teoria de seleção de grupo atualmente receba pouco suporte entre as fileiras
daqueles biologistas profissionais que compreendem a evolução, ela de fato é muito atraente
intuitivamente. Gerações sucessivas de estudantes de Zoologia admiram-se, quando entram na
universidade provenientes da escola secundária, ao verificar que ela não constitui o ponto de vista
ortodoxo. Dificilmente se poderia culpá-los por isto, pois no Nuffield Biology Teachers' Guide, um
guia de ensino de Biologia escrito para professores de nível avançado da escola secundária na GrãBretanha, encontramos o seguinte: "Nos animais superiores o comportamento poderá assumir a
forma de suicídio individual para assegurar a sobrevivência da espécie." O autor anônimo deste guia
placidamente ignora o fato de que ele disse algo controvertido. A este respeito ele está em
companhia de ganhadores do prêmio Nobel. Konrad Lorenz, em seu livro On Aggression, fala das
funções "preservadoras da espécie" do comportamento agressivo, uma dessas funções sendo garantir
que apenas os indivíduos mais bem adaptados possam procriar. Este é um belo argumento circular,
mas o que estou alegando aqui é que a idéia de seleção de grupo é tão arraigada que Lorenz, assim
como o autor do Nuffield Guide, evidentemente não percebeu que suas afirmações iam de encontro à
teoria darwiniana ortodoxa.
Recentemente ouvi um lindo exemplo da mesma coisa em um programa de televisão, fora isto
excelente, da B.B.C., sobre aranhas da Austrália. A "especialista" do programa mencionou que a
grande maioria das aranhas jovens termina como presa de outras espécies. Ela, então, acrescentou:
"Talvez este seja o propósito verdadeiro de sua existência já que é preciso apenas que algumas
sobrevivam para que a espécie seja preservada"!
Robert Ardrey, no livro The Social Contract, usou a teoria de seleção de grupo para explicar
toda a ordem social em geral. Ele claramente vê o homem como uma espécie que desviou-se do
caminho da integridade animal. Ardrey, pelo menos, fez suas lições de casa. Sua decisão de
discordar da teoria ortodoxa foi consciente e por isso ele merece consideração.
Talvez uma razão para a teoria de seleção de grupo ser tão atraente é que ela harmoniza-se
inteiramente com os ideais morais e políticos que a maioria de nós compartilha. Podemos
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freqüentemente nos comportar egoisticamente como indivíduos, mas em nossos momentos mais
idealistas reverenciamos e admiramos aqueles que colocam em primeiro lugar o bem-estar dos
outros. No entanto, ficamos um pouco confusos sobre quão amplamente que-remos interpretar a
palavra "outros". freqüentemente altruísmo dentro de um grupo condiz com egoísmo entre grupos.
Esta é uma base do sindicalismo. Em outro nível a nação é uma beneficiada importante de nosso
auto-sacrifício altruísta e espera-se que os rapazes morram, como indivíduos, para maior glória de
seu país como um todo. Além disto, eles são encorajados a matar outros indivíduos sobre os quais
nada se sabe a não ser que pertencem a uma nação diferente. (Curiosamente, apelos em tempo de
paz aos indivíduos para que façam algum sacrifício pequeno na taxa pela qual aumentam seu padrão
de vida parecem ser menos eficazes do que apelos em tempo de guerra aos indivíduos para que
sacrifiquem suas vidas.)
Recentemente tem havido uma reação contra racialismo e patriotismo e uma tendência a
adotar toda a espécie humana como objeto de nossa simpatia. Este alargamento humanístico do alvo
de nosso altruísmo possui um corolário interessante, o qual novamente parece apoiar a idéia do "bem
da espécie" em evolução. Os politicamente liberais, os quais normalmente são os porta-vozes mais
convencidos da ética da espécie, agora freqüentemente exibem grande escárnio por aqueles que
foram um pouco além na ampliação de seu altruísmo, de forma a incluir outras espécies. Se eu disser
que estou mais interessado em impedir o massacre de grandes baleias do que em melhorar as
condições de habitação das pessoas, provavelmente chocarei alguns de meus amigos.
A sensação de que membros da própria espécie merecem consideração moral especial, em
comparação com membros de outras espécies, é antiga e profunda. Matar pessoas sem se estar em
guerra é considerado o crime mais sério normalmente cometido. A única coisa proibida mais
energicamente por nossa cultura é comer pessoas (mesmo se elas já estiverem mortas). No entanto,
apreciamos comer membros de outras espécies. Muitos de nós recuamos diante da execução
judiciária até mesmo do mais horrendo criminoso humano, ao mesmo tempo que aprovamos
alegremente que se atire sem julgamento em animais daninhos razoavelmente inofensivos. De fato,
matamos membros de outras espécies inofensivas como meio de recreação e diversão. Um feto
humano, não possuindo mais sentimento humano do que uma ameba, goza de respeito e proteção
legal muito maiores do que aqueles dispensados a um chimpanzé adulto. No entanto, o chimpanzé
sente, pensa e – segundo evidência experimental recente – talvez seja capaz até de aprender uma
forma de linguagem humana. O feto pertence a nossa própria espécie e por causa disto
imediatamente lhe são conferidos privilégios e direitos especiais. Se a ética do "especiecismo", para
usar o termo de Richard Ryder, pode ser apoiado em um fundamento lógico mais sólido do que a
ética do "racismo", eu não sei. O que sei é que ela não tem base adequada na biologia evolutiva.
A confusão na ética humana com relação ao nível no qual o altruísmo é desejável – família,
nação, raça, espécie, ou todas as coisas vivas – está refletida numa confusão paralela na Biologia
com relação ao nível no qual o altruísmo deve ser esperado segundo a teoria da evolução. Até
mesmo o adepto da seleção de grupo não se admiraria de encontrar membros de grupos rivais sendo
desagradáveis uns com os outros: desta forma, como membros de um sindicato ou soldados, eles
estão favorecendo seu próprio grupo na luta por recursos limitados. Mas, então, vale à pena
perguntar como o adepto da seleção de grupo decide qual nível é o importante. Se a seleção se dá
entre grupos dentro de uma espécie e entre espécies, por que não deveria ela se dar também entre
agrupamentos maiores? As espécies estão reunidas em gêneros, os gêneros em ordens e as ordens
em classes. Os leões e os antílopes são ambos membros da classe Mammalia, assim como nós. Não
deveríamos então esperar que leões se abstivessem de matar antílopes, "para o bem dos mamíferos"?
Certamente eles deveriam, em vez disto, caçar pássaros ou répteis, a fim de evitar a extinção da
classe. Mas, então, o que se diria da necessidade de perpetuar todo o filo dos vertebrados?
É fácil para mim argumentar pelo reductio ad absurdum e indicar as dificuldades da teoria de
seleção de grupo, mas a existência aparente do altruísmo individual ainda tem que ser explicada.
Ardrey chega a dizer que a seleção de grupo é a única explicação possível para um comportamento
tal como o de "saltitamento" das gazelas Thomson. Este salto vigoroso e conspícuo em frente de um
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predador é análogo ao grito de alarme das aves no sentido de que ele parece avisar os companheiros
do perigo ao mesmo tempo que aparentemente chama a atenção do predador para o próprio animal
que salta. Temos a responsabilidade de explicar este comportamento das gazelas e todos os
fenômenos semelhantes. Considerarei isto em capítulos posteriores.
Antes disto devo defender minha crença de que a melhor maneira de se encarar a evolução é
em termos de seleção ocorrendo no nível mais baixo de todos. Nesta crença fui fortemente
influenciado pelo grande livro de G. C. Williams, Adaptation and Natural Selection. A idéia central
que usarei foi pressagiada por A. Weismann em época anterior à descoberta do gene, no fim do
século passado – sua doutrina da "continuidade do plasma germinativo". Sustentarei que a unidade
fundamental da seleção e, portanto, do interesse próprio, não é a espécie, nem o grupo, nem mesmo,
a rigor, o indivíduo – é o gene. a unidade da hereditariedade. Para alguns biologistas isto talvez
pareça, inicialmente, uma posição exagerada. Espero que quando eles virem ao que me refiro
concordarão que a posição, é, no fundo, ortodoxa, embora expressada de forma não habitual. O
argumento leva tempo para ser desenvolvido e devemos começar pelo começo, com a origem da
própria vida.
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Capítulo 2
OS REPLICADORES
No princípio era a simplicidade. Já é bastante difícil explicar até mesmo como um universo
simples começou. Considero ponto pacífico que seria ainda mais difícil explicar o súbito
surgimento, plenamente equipada, de uma ordem complexa – vida, ou um ser capaz de criá-la. A
teoria da evolução por seleção natural de Darwin satisfaz porque mostra-nos uma maneira pela qual
a simplicidade poder-se-ia transformar em complexidade, como átomos desordenados poderiam se
agrupar em padrões cada vez mais complexos, até que terminassem por fabricar pessoas. Darwin
fornece uma solução, a única plausível até agora sugerida, para o problema profundo de nossa
existência. Tentarei explicar a grande teoria de maneira mais geral do que é costume, começando
com a época antes que a própria evolução começasse.
A "sobrevivência do mais apto" de Darwin, na realidade, é um caso especial de uma lei mais
geral da sobrevivência do estável. O universo está povoado por coisas estáveis. Uma coisa estável é
uma coleção de átomos a qual é permanente ou suficientemente comum para merecer um nome. Ela
poderá ser uma coleção particular de átomos, como o Matterhorn, o qual dura o suficiente para que
valha a pena lhe dar um nome; ou ela poderá ser uma classe de entidades, tal como pingos de chuva,
os quais formam-se a uma taxa suficientemente alta para merecer um nome coletivo, mesmo embora
cada um deles tenha vida curta. As coisas que vemos ao nosso redor e que achamos que necessitam
de explicação – rochas, galáxias, ondas do mar – são todas, em maior ou menor grau, padrões
estáveis de átomos. As bolhas de sabão tendem a ser esféricas porque esta é uma configuração
estável para estes filmes finos cheios de gás. Em uma espaçonave, a água também é estável em
glóbulos esféricos, mas na Terra, onde há gravidade, a superfície estável da água em repouso é plana
e horizontal. Os cristais de sal de cozinha tendem a ser cubos porque esta é uma maneira estável de
empacotar juntamente íons de sódio e cloreto. No Sol, os átomos mais simples de todos, os de
hidrogênio, unem-se for-mando átomos de hélio, porque nas condições aí reinantes a configuração
do hélio é mais estável. Outros átomos ainda mais complexos estão sendo formados em estrelas por
todo o universo e foram formados na "grande explosão" a qual, de acordo com a teoria dominante,
deu início ao universo. É daí que os elementos de nosso mundo originalmente provieram.
Algumas vezes, quando os átomos se encontram, eles unem-se em uma reação química
formando moléculas, as quais podem ser mais ou menos estáveis. Tais moléculas podem ser muito
grandes. Um cristal como um diamante pode ser considerado uma única molécula, uma molécula
proverbialmente estável neste caso, mas também muito simples, uma vez que sua estrutura atômica
interna é repetida indefinidamente. Nos organismos vivos atuais há outras moléculas grandes que
são altamente complexas, esta complexidade mostrando-se em vários níveis. A hemoglobina de
nosso sangue é uma molécula de proteína típica. Ela é formada por cadeias de moléculas menores,
os aminoácidos, cada qual contendo algumas dezenas de átomos arranjados em um padrão preciso.
Na molécula de hemoglobina há 574 moléculas de aminoácidos. Estas estão arranjadas em quatro
cadeias, as quais estão torcidas umas ao re-dor das outras, formando uma estrutura globular
tridimensional de complexidade assombrosa. Um modelo de uma molécula de hemoglobina
assemelha-se bastante a um espinheiro denso. Entretanto, diferentemente de um espinheiro real, a
molécula não é um arranjo aproximado e casual, mas uma estrutura in-variável e definida, repetida
de maneira idêntica, sem nenhum ramo ou torção fora de lugar, mais de seis mil trilhões de vezes em
um corpo humano médio. A forma precisa de espinheiro de uma molécula de proteína como a
hemoglobina, é estável no sentido de que duas cadeias consistindo nas mesmas seqüências de
aminoácidos tenderão, como duas molas, a se imobilizar exatamente na mesma configuração
espiralada tridimensional. Touceiras de hemoglobina estão se armando em sua forma preferencial
em seu corpo a uma taxa de aproximadamente quatrocentos mil bilhões por segundo e outras estão
sendo destruídas na mesma taxa.
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A hemoglobina é uma molécula moderna, usada para ilustrar o princípio segundo o qual os
átomos tendem a se ordenar em padrões estáveis. O que é relevante aqui é que antes do surgimento
da vida na Terra, uma evolução rudimentar de moléculas poderia ter ocorrido através de processos
usuais da Física e da Química. Não há necessidade de pensar em plano, propósito ou direção. Se um
grupo de átomos, na presença de energia, se ordena em um padrão estável, este grupo de átomos
tenderá a permanecer desta maneira. A primeira forma de seleção natural foi simplesmente uma
seleção de formas estáveis e uma rejeição daquelas instáveis. Não há mistério a respeito disto. Por
definição, tinha que acontecer.
Não se segue, evidentemente, que se possa explicar a existência de entidades tão complexas
como o homem, apenas por meio de exatamente os mesmos princípios. Não adianta tomar o número
certo de átomos, agitá-los juntamente com um pouco de energia externa até que calhem se ordenar
no padrão certo, e então sai Adão! Você poderá fazer uma molécula consistindo de algumas dúzias
de átomos dessa maneira, mas um homem consiste de mais de mil quatrilhões de átomos. Para tentar
fazer um homem, você teria que trabalhar em seu misturador bioquímico por um período tão longo
que toda a idade do universo pareceria um piscar de olhos e mesmo assim você não teria sucesso. É
aqui que a teoria de Darwin, em sua forma mais geral, vem em socorro. A teoria de Darwin assume
onde a história da construção vagarosa de moléculas termina.
A descrição da origem da vida que darei é necessariamente especulativa. Por definição,
ninguém existia para ver o que aconteceu. Existem várias teorias rivais, mas todas elas têm certas
características em comum. A descrição simplificada que darei provavelmente não está muito longe
da verdade.
Não sabemos que matérias primas químicas eram abundantes na Terra antes do surgimento da
vida, mas entre as possibilidades plausíveis estão água, dióxido de carbono, metano e amônia: todos
eles compostos simples os quais, se sabe, estão presentes em pelo menos alguns dos outros planetas
de nosso sistema solar. Os químicos têm tentado imitar as condições químicas da Terra jovem. Eles
colocam essas substâncias simples em um frasco e fornecem uma fonte de energia como luz
ultravioleta ou faíscas elétricas – uma simulação artificial dos relâmpagos primordiais. Após
algumas semanas deste tratamento, algo interessante é geralmente encontrado dentro do vidro: um
caldo marrom diluído contendo um grande número de moléculas mais complexas do que aquelas
originalmente introduzidas. Aminoácidos, em particular, têm sido encontrados – os blocos de
construção das proteínas, uma das duas grandes classes de moléculas biológicas. Antes desses
experimentos terem sido feitos, aminoácidos que ocorrem naturalmente teriam sido considerados
como indicadores da presença de vida. Se eles tivessem sido detectados, por exemplo em Marte,
vida naquele planeta teria parecido quase certa. Hoje em dia, no entanto, sua existência implica
apenas na presença de alguns gases simples na atmosfera e de alguns vulcões, luz solar ou
tempestades. Mais recentemente, simulações em laboratório das condições químicas existentes na
Terra antes do surgimento da vida têm produzido substâncias orgânicas chamadas purinas e
pirimidinas. Estas substâncias são blocos de construção da molécula genética, o próprio DNA.
Processos análogos a esses devem ter dado origem ao "caldo primitivo" o qual, biólogos e
químicos acreditam, constituiu os mares de cerca de três a quatro bilhões de anos atrás. As
substâncias orgânicas concentraram-se localmente, talvez na espuma que secava nas praias ou em
gotículas minúsculas suspensas. Sob a influência ulterior de energia, como luz ultravioleta
proveniente do Sol, elas combinaram-se em moléculas maiores. Atualmente, moléculas orgânicas
grandes não durariam o suficiente para serem notadas: seriam rapidamente absorvidas e degradadas
por bactérias ou outros seres vivos. Mas as bactérias e o resto de nós são retardatários. Naqueles
dias, moléculas orgânicas grandes podiam vaguear pelo caldo que se tornava mais denso, sem serem
molestadas.
Num dado momento, uma molécula particularmente notável foi formada acidentalmente. Nós
a chamaremos a Replicadora. Ela não precisa necessariamente ter sido a molécula maior ou a mais
complexa existente, mas possuía a propriedade extraordinária de ser capaz de criar cópias de si
mesma. Isto talvez pareça um tipo de acidente muito pouco provável de acontecer. E de fato foi. Foi
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extremamente improvável. Durante a vida de um homem, coisas assim improváveis podem, na
prática, ser tratadas como impossíveis. É por isso que você nunca ganhará um prêmio alto nas
apostas de futebol. Mas, em nossas estimativas humanas do que é provável e do que não é, não
estamos acostumados a lidar com centenas de milhões de anos. Se você preenchesse cartelas de
apostas toda semana durante cem milhões de anos, provavelmente ganharia várias boladas.
Na realidade, não é tão difícil imaginar uma molécula que faz cópias de si mesma como parece
à primeira vista e foi suficiente ela aparecer uma vez. Pense no replicador como um molde ou
modelo. Imagine-o como uma grande molécula consistindo de uma cadeia complexa de vários tipos
de moléculas servindo como blocos de construção. Os blocos pequenos estavam abundantemente
disponíveis no caldo que circundava o replicador. Agora suponha que cada bloco tenha afinidade
por outros do mesmo tipo. Então, quando quer que um bloco vindo de algum lugar do caldo vem se
situar próximo a uma parte do replicador com a qual ele tem afinidade, o bloco tenderá a aí aderir.
Os blocos que unem-se desta forma, automaticamente estarão dispostos numa seqüência que imita
aquela do próprio replicador. É fácil, então, vê-los unindo-se e formando uma cadeia estável
exatamente como na formação do replicador original. Este processo poderia continuar como um
empilhamento progressivo, camada sobre camada. É desta forma que os cristais são formados. Por
outro lado, as duas cadeias poderão se separar, quando então teremos dois replicadores, cada qual
podendo continuar a fazer novas cópias.
Uma possibilidade mais complexa é que cada bloco tenha afinidade não pelo seu próprio tipo,
mas, reciprocamente, por um outro tipo particular. O replicador, então, agiria como um modelo não
para uma cópia idêntica, mas para um tipo de "negativo", o qual, por sua vez, refaria uma cópia
exata do positivo original. Para nossos propósitos não importa se o processo de replicação original
era positivo-negativo ou positivo-positivo, embora valha à pena notar que os equivalentes modernos
do primeiro replicador, as moléculas de DNA. usam a replicação positivo-negativo. O que realmente
importa é que repentinamente um novo tipo de "estabilidade" apareceu no mundo. Antes disto é
provável que nenhum tipo de molécula complexa em particular fosse abundante no caldo, pois cada
qual dependia de blocos que acidentalmente entrassem numa configuração estável específica. Tão
logo o replicador surgiu, ele deve ter espalhado suas cópias rapidamente pelos mares, até que as
moléculas constitutivas menores tornaram-se um recurso escasso e outras moléculas maiores
formaram-se cada vez mais raramente.
Parece, então, que chegamos a uma população grande de réplicas idênticas. Mas, devemos
agora mencionar uma propriedade importante de qualquer processo de cópia: ele não é perfeito.
Erros ocorrerão. Espero que não hajam erros de impressão neste livro, mas, se você olhar
cuidadosamente, talvez encontre um ou dois. Eles provavelmente não deturparão de maneira séria o
sentido das sentenças, pois serão erros de "primeira geração". Mas, imagine a época anterior à
imprensa, quando livros tais como os Evangelhos eram copiados à mão. Todos os escribas, não
importa o quão cuidadosos, farão alguns erros e alguns não resistem a uma pequena "melhoria"
intencional. Se todos co-piassem de um único original, o sentido não seria grandemente deturpado.
Mas, assim que cópias são feitas de outras cópias, as quais, por sua vez, foram feitas de outras
cópias, os erros começarão a se tornar cumulativos e sérios. Temos a tendência a considerar a cópia
irregular como uma coisa ruim e, no caso de documentos humanos, é difícil imaginar exemplos onde
erros possam ser descritos como melhorias. Imagino que se poderia, pelo menos, dizer que os
eruditos dos Septuaginta deram início a alguma coisa importante, quando traduz.iram erroneamente
a palavra hebraica que significa "mulher jovem" pela palavra grega que significa "virgem",
originando a profecia: "Eis que uma virgem conceberá. e dará à luz um filho...". De qualquer forma,
como veremos, cópias irregulares em replicadores biológicos podem, de uma forma real, suscitar
melhoramento e foi essencial para a evolução progressiva da vida que alguns erros foram feitos. Não
sabemos com que precisão as moléculas de replicadores originais fizeram suas cópias. Suas
descendentes modernas, as moléculas de DNA, são assombrosamente fiéis comparadas aos
processos humanos de cópia mais precisos, mas mesmo elas ocasionalmente cometem erros e, em
última análise, são esses erros que tornam a evolução possível. Provavelmente os replicadores
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originais eram muito mais irregulares, mas, de qualquer forma, podemos ter certeza que erros foram
feitos e eram cumulativos.
À medida que cópias errôneas foram feitas e propagadas, o caldo primitivo encheu-se de uma
população não de réplicas idênticas, mas de diversas variedades de moléculas replicadoras. todas
"descendentes" do mesmo ancestral. Teriam algumas variedades sido mais numerosas do que
outras? Quase certamente sim. Algumas variedades seriam inerentemente mais estáveis do que
outras. Algumas moléculas, uma vez formadas, teriam menos probabilidade de se quebrar
novamente do que outras. Esses tipos se tornariam relativamente numerosos no caldo, não apenas
como uma conseqüência lógica direta de sua "longevidade", mas também porque eles teriam maior
tempo disponível para produzir cópias de si mesmos. Os replicadores de alta longevidade, portanto,
tenderiam a se tomar mais numerosas e, outros fatores permanecendo iguais, teria havido uma
"tendência evolutiva" em direção a uma maior longevidade na população de moléculas.
Mas, outros fatores provavelmente não permaneceram iguais e outra propriedade de uma
variedade de replicador que deve ter tido importância ainda maior na sua disseminação pela
população foi a velocidade de replicação ou "fecundidade". Se moléculas de replicador do tipo A
fazem cópias de si em média uma vez por semana, enquanto aquelas do tipo B fazem cópias de si
uma vez por hora, não é difícil ver que logo as moléculas do tipo A estarão em minoria, mesmo que
elas "vivam" muito mais do que as moléculas B. Portanto, provavelmente teria havido uma
"tendência evolutiva" em direção a uma maior "fecundidade" das moléculas no caldo. Uma terceira
característica das moléculas de replicador que teria sido selecionada positivamente é precisão de
replicação. Se moléculas do tipo X e do tipo Y duram o mesmo tempo e replicam-se na mesma taxa,
mas X erra, em média, em cada décima replicação, enquanto que Y erra apenas em cada centésima
replicação, Y obviamente se tornará mais abundante. O contingente X na população perde não
apenas os próprios "filhos" incorretos, mas também todos os seus descendentes, reais ou potenciais.
Se você já sabe alguma coisa sobre evolução, talvez veja um pequeno paradoxo com relação
ao último ponto. Podemos reconciliar a idéia de que erros de cópia são um requisito essencial para a
evolução ocorrer, com a afirmação de que a seleção natural favorece a alta fidelidade de cópia? A
resposta é que embora a evolução pareça, em um sentido vago, uma "coisa boa", especialmente
porque somos o produto dela, nada, na verdade, "quer" evoluir. A evolução é alguma coisa que
acontece, queira-se ou não, apesar de todos os esforços dos replicadores (e, hoje em dia, dos genes)
em impedi-la de acontecer. Jacques Monod expressou isto muito bem em sua palestra Herbert
Spencer, após comentar sarcasticamente: "Outro aspecto curioso da teoria da evolução é que todos
pensam que a entendem!"
Voltando ao caldo primitivo, este deve ter sido povoado por variedades de moléculas, estáveis
no sentido de que ou as moléculas individuais duravam um longo tempo, ou replicavam-se
rapidamente, ou então replicavam-se de maneira precisa. Tendências evolutivas em direção a esses
três tipos de estabilidade ocorreram no seguinte sentido: se você tivesse amostrado o caldo em duas
épocas diferentes, a última amostra conteria uma proporção maior de variedades com alta
longevidade/fecundidade/fidelidade de cópia. Isto é essencialmente o que um biólogo entende por
evolução quando está falando de criaturas vivas e o mecanismo é o mesmo – seleção natural.
Deveríamos, então, chamar as moléculas de replicador originais de "vivas"? O que importa?
Eu poderei lhe dizer "Darwin foi o maior homem que jamais existiu" e talvez você diga "Não, foi
Newton", mas espero que não prolongássemos a discussão. O importante é que nenhuma conclusão
fundamental seria afetada não importa de que maneira a discussão fosse resolvida. As realizações e
os fatos ocorridos na vida de Newton e Darwin permanecem totalmente inalterados quer os
chamemos de "grandes" ou não. Da mesma forma, a história das moléculas de replicador
provavelmente ocorreu mais ou menos como estou contando-a, quer decidamos chamá-las de
"vivas" ou não. Sofrimento humano tem sido causado porque muitos de nós não conseguem
entender que as palavras são apenas instrumentos para nosso uso e que a mera presença no
dicionário de uma palavra como "vivo" não significa que ela tenha, necessariamente, que se referir a
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alguma coisa definida no mundo real. Quer chamemos os primeiros replicadores de vivos ou não,
eles foram os ancestrais da vida, nossos antepassados.
A etapa seguinte importante no argumento, a qual foi enfatizada pelo próprio Darwin (embora
ele estivesse falando de animais e plantas, não de moléculas), é competição. O caldo primitivo não
era capaz de sustentar um número infinito de moléculas de replicador. Antes de mais nada, porque o
tamanho da Terra é finito, mas outros fatores limitantes também devem ter sido importantes. Em
nossa imagem do replicador funcionando como modelo ou molde o supusemos banhado em um
caldo rico nas moléculas constitutivas pequenas necessárias para se fazer cópias. Mas, quando os
replicadores se tornaram numerosos, os blocos de construção devem ter sido usados a uma taxa tal
que passaram a ser um recurso escasso e precioso. Variedades ou cepas deferentes do replicador
devem ter competido por eles. Consideramos os fatores que teriam aumentado o número dos tipos
favorecidos do replicador. Podemos ver agora que as variedades menos favorecidas na realidade
devem ter se tornado menos numerosas devido à competição e finalmente muitas de suas linhagens
devem ter se extinguido. Houve luta pela sobrevivência entre as variedades de replicador. Elas não
sabiam que estavam lutando, nem se preocupavam com isto. A luta foi conduzida sem quaisquer
maus sentimentos, de fato, sem sentimentos de qualquer espécie. Mas elas estavam lutando, no
sentido de que qualquer cópia errônea que resultasse em um novo nível de estabilidade mais alto, ou
uma nova maneira de reduzir a estabilidade dos rivais, era automaticamente preservada e
multiplicada. O processo de melhoramento era cumulativo. As maneiras de aumentar a estabilidade
e de diminuir aquela dos rivais tornaram-se mais elaboradas e mais eficientes. Algumas variedades
talvez até tenham "descoberto" como quebrar quimicamente as moléculas de linhagens rivais e
utilizar os constituintes assim liberados para fazer suas próprias cópias. Estes proto-carnívoros
simultaneamente obtinham alimento e removiam rivais competitivos. Outros replicadores talvez
tenham descoberto como se proteger, quer quimicamente, quer construindo uma parede física de
proteína ao redor de si. Talvez tenha sido assim que as primeiras células vivas apareceram. Os
replicadores começaram não apenas a existir, mas a construir envoltórios para si, veículos para sua
existência ininterrupta. Os replicadores que sobreviveram foram aqueles que construíram máquinas
de sobrevivência para aí morarem. As primeiras máquinas de sobrevivência provavelmente
consistiram em nada mais do que um revestimento protetor. Mas, viver tornou-se inexoravelmente
mais difícil à medida que novos rivais surgiam com máquinas de sobrevivência melhores e mais
eficientes. Estas se tornaram maiores e mais elaboradas, o processo sendo cumulativo e progressivo.
Haveria um fim pais o melhoramento gradual nas técnicas e artifícios utilizados pelos
replicadores para garantir sua própria permanência no mundo? Haveria tempo suficiente para
melhoramento. Que máquinas estranhas de auto-sobrevivência os milênios produziram? Quatro
bilhões de anos mais tarde, qual seria o destino dos antigos replicadores? Eles não morreram, pois
são antigos mestres das artes de sobrevivência. Mas, não os procure flutuando livremente no mar.
Eles abandonaram esta liberdade nobre há muito tempo. Agora eles apinham-se em colônias
imensas, em segurança dentro de robôs desajeitados gigantescos, murados do mundo exterior,
comunicando-se com ele por meio de vias indiretas e tortuosas, manipulando-o por controle remoto.
Eles estão em mim e em você. Eles nos criaram, corpo e mente. E sua preservação é a razão última
de nossa existência. Transformaram-se muito, esses replicadores. Agora eles recebem o nome de
genes e nós somos suas máquinas de sobrevivência.
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Capítulo 3
ESPIRAIS IMORTAIS
Somos máquinas de sobrevivência, mas “somos” não significa apenas pessoas. Inclui todos os
animais, plantas, bactérias e vírus. O número total de máquinas de sobrevivência na Terra é muito
difícil de contar e mesmo o número total de espécies é desconhecido. Tomando-se apenas os insetos,
o número de espécies tem sido estimado em cerca de três milhões e o número de indivíduos talvez
seja de um trilhão.
Os tipos diferentes de máquinas de sobrevivência parecem muito variados externamente e em
seus órgãos internos. Um polvo não é em nada parecido com um camundongo e ambos são um tanto
diferentes de um carvalho. No entanto, em sua química fundamental são bastante uniformes e, em
particular, os replicadores que possuem, os genes, são basicamente o mesmo tipo de molécula em
todos nós – de bactérias a elefantes. Somos todos máquinas de sobrevivência para o mesmo tipo de
replicador – moléculas de DNA – mas há muitas maneiras de viver no mundo e os replicadores
construíram uma ampla gama de máquinas para explorar estas maneiras. Um macaco é uma
máquina que preserva os genes em cima das árvores, um peixe é uma máquina que os preserva
dentro d’água. Há até um pequeno verme que preserva os genes em bolachas de chope. O DNA
trabalha de maneiras misteriosas.
Dei a entender, para simplificar, que os genes modernos, constituídos de DNA, são
praticamente iguais aos primeiros replicadores no caldo primitivo. Não tem importância para a
discussão, mas isto talvez não seja realmente verdadeiro. Os replicadores originais talvez tenham
sido um tipo de molécula relacionado ao DNA, ou talvez tenham sido completamente diferentes.
Neste último caso poderíamos dizer que suas máquinas de sobrevivência devem ter sido capturadas
em um estágio posterior pelo DNA. Se isto ocorreu, os replicadores foram totalmente destruídos,
pois nenhum traço deles resta nas máquinas de sobrevivência modernas. Com referência a este
assunto, A. G. Cairns-Smith fez a sugestão intrigante de que nossos ancestrais, os primeiros replicadores, talvez não tenham sido, absolutamente, moléculas orgânicas, mas sim cristais inorgânicos –
minerais, pequenos pedaços de barro. Usurpador ou não, o DNA tem hoje o domínio incontestável, a
menos que, como sugiro tentativamente no último capítulo, uma nova tomada de poder esteja, agora,
justamente começando.
Uma molécula de DNA é uma longa cadeia de blocos de construção, moléculas pequenas
chamadas nucleotídeos. Da mesma maneira como as moléculas de proteína são cadeias de
aminoácidos, também as moléculas de DNA são cadeias de nucleotídeos. A molécula de DNA é
pequena demais para ser vista, mas sua forma exata foi engenhosamente decifrada por meios
indiretos. Ela consiste em um par de cadeias de nucleotídeos torcidas juntas, formando uma espiral
elegante, a “dupla hélice”, a “espiral imortal”. Os nucleotídeos constituintes existem em apenas
quatro tipos diferentes, cujos nomes podem ser abreviados para A, T, C e G. Eles são os mesmos em
todos os animais e plantas. O que difere é a ordem na qual estão enfileirados. Um constituinte G de
um homem é, em todos os detalhes, idêntico a um constituinte G de um caramujo. Mas, a seqüência
dos constituintes em um homem não é apenas diferente daquela em um caramujo. É também
diferente – embora em menor grau – da seqüência em todos os outros homens (excetuando-se o caso
especial de gêmeos idênticos).
Nosso DNA mora dentro de nossos corpos. Ele não se concentra em uma parte específica do
corpo, mas é distribuído entre as células. Existem cerca de um milhão de bilhões de células
constituindo um corpo humano médio e, com algumas exceções que podemos ignorar, cada uma
dessas células contém uma cópia completa do DNA daquele corpo. Este DNA pode ser considerado
como um conjunto de instruções sobre como construir um corpo, escrito no alfabeto A, T, C e G dos
nucleotídeos. É, como se em cada quarto de um imenso prédio existisse uma estante contendo os
planos do arquiteto para todo prédio. A “estante” em uma célula é chamada de núcleo. No homem,
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os planos do arquiteto montam 46 volumes – em outras espécies o número é diferente. Os volumes
são chamados de cromossomos. São visíveis sob o microscópio como longos fios e os genes estão
enfileirados em ordem ao longo deles. Não é fácil e, de fato, talvez nem seja significativo. decidir
onde um gene termina e o seguinte começa. Felizmente, como este capítulo mostrará, isto não tem
importância para nossos propósitos.
Farei uso da metáfora dos planos do arquiteto, misturando livremente a linguagem da metáfora
com a linguagem da situação real. “Volume” será usado como sinônimo de cromossomo. “Página”
provisoriamente será usado como sinônimo de gene, embora a divisão .”Embora a divisão entre os
genes seja menos distinta.” do que a divisão entre as páginas de um livro. Esta metáfora nos 1evará
bastante longe. Quando ela finalmente falhar, introduzirei outras metáforas. A propósito, não há, é
claro, nenhum “arquiteto”. As instruções do DNA foram montadas pela seleção natural.
As moléculas de DNA fazem duas coisas importantes. Em primeiro lugar, elas replicam-se, ou
seja, fazem cópias de si mesmas. Isto tem continuado ininterruptamente desde o começo da vida e
atualmente a: moléculas de DNA são capazes de fazê-lo muito bem. Como adulto você consiste de
um milhão de bilhões de células, mas quando foi concebido inicialmente era apenas uma única
célula, provida de uma versão original dos planos do arquiteto. Esta célula se dividiu em dois e cada
uma das duas células recebeu sua própria cópia dos planos. Divisões sucessivas levaram o número a
4, 8, 16, 32 e assim por diante, até a casa dos bilhões. Em cada divisão os planos do DNA foram copiados com fidelidade, praticamente sem erros.
É fácil falar da duplicação do DNA, mas se este é realmente um conjunto de planos para se
construir um corpo, como esses planos são postos em prática? Como são eles traduzidos para a
estrutura do corpo? Isto leva-me à segunda coisa importante que o DNA faz. Ele supervisiona
indiretamente a manufatura de um tipo diferente de molécula – a proteína. A hemoglobina
mencionada no último capítulo é exatamente um exemplo da enorme diversidade das moléculas de
proteína. A mensagem codificada do D!AA, escrita no alfabeto de nucleotídeos de quatro letras, é
traduzida para um outro alfabeto de uma maneira mecânica simples. Este é o alfabeto dos
aminoácidos, o qual define as moléculas de proteína.
Fazer proteínas talvez pareça estar muito longe de fazer-se um corpo, mas é a primeira
pequena etapa nesta direção. As proteínas não apenas constituem grande parte da estrutura do corpo,
mas também exercem um controle sensível sobre todos os processos químicos dentro da célula,
ligando-os e desligando-os seletivamente em momentos e lugares precisos. Exatamente como isto
eventualmente leva ao desenvolvimento de um bebê é uma história cujo desvendamento pelos
embriologistas levará décadas ou talvez séculos. Mas, o fato é que assim ocorre. Os genes de fato
controlam indiretamente a fabricação de corpos e a influência é estritamente unidirecional: as
características adquiridas não são herdadas. Não importa quanto conhecimento e sabedoria você
adquira durante sua vida, absolutamente nada será transmitido para seus fá-los por meios genéticos.
Cada geração nova começa da estaca zero. O corpo é a maneira dos genes preservarem-se
inalterados.
A importância evolutiva do fato de que os genes controlam o desenvolvimento embrionário é
o seguinte: significa que os genes são pelo menos parcialmente responsáveis pela sua própria
sobrevivência no futuro, pois esta depende da eficiência dos corpos nos quais eles vivem e os quais
eles ajudaram a construir. Antigamente a seleção natural consistia na sobrevivência diferencial de
replicadores flutuando livremente no caldo primitivo. Hoje, a seleção natural favorece os
replicadores que são bons em construir máquinas de sobrevivência, genes que são hábeis na arte de
controlar o desenvolvimento embrionário. Os replicadores não têm mais consciência disto ou mais
intencionalidade do que jamais tiveram. Os mesmos antigos processos de seleção automática entre
moléculas rivais devido a longevidade, fecundidade e fidelidade de cópia ainda continuam tão cega e
inevitavelmente quanto o fizeram em épocas re-motas. Os genes não têm a capacidade de previsão.
Não fazem planos antecipadamente. Simplesmente são, alguns mais do que outros, e isto é tudo.
Mas, as qualidades que determinam a longevidade e a fecundidade de um gene não são de forma
alguma, tão simples como o foram.
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Nos últimos anos – nos últimos seiscentos milhões ou perto disto – os replicadores
conseguiram triunfos notáveis na tecnologia das máquinas de sobre-vivência, tais como o músculo,
o coração e o olho (os quais evoluíram independentemente várias vezes). Antes disto, eles alteraram
radicalmente características fundamentais de seu modo de vida como replicadores, o que deve ser
compreendido se quisermos continuar com o argumento.
A primeira coisa a entender a respeito de um replicador moderno é que ele é altamente
gregário. Uma máquina de sobrevivência é um veiculo contendo não apenas um gene mas muitos
milhares deles. A fabricação de um corpo é um empreendimento conjunto de tal complexidade que é
quase impossível desemaranhar a contribuição de um gene daquela de outro. Um determinado gene
terá muitos efeitos diferentes sobre partes bastante distintas do corpo. Uma região específica deste
último será influenciada por muitos genes e o efeito de qualquer um deles depende da interação com
muitos outros genes. Alguns agem como dirigentes, controlando a operação de um grupo de outros
genes. Em termos da analogia, qualquer página dada dos planos faz referência a muitas partes
diferentes da construção e cada página tem sentido apenas em termos de referências cruzadas a
numerosas outras páginas.
Esta interdependência intrincada dos genes talvez o faça perguntar-se porque, então, usamos a
palavra “gene”. Por que não usar um substantivo coletivo como “complexo gênico”? A resposta é
que para muitos propósitos esta é, de fato, uma boa idéia. Mas, se olharmos as coisas de outra
maneira, também é possível considerar o complexo gênico como estando dividido em replicadores
ou genes discretos. Isto devido ao fenômeno do sexo. A reprodução sexuada tem o efeito de misturar
e baralhar os genes, o que significa que qualquer corpo individualmente é apenas um veículo
temporário para uma combinação efêmera de genes. A combinação de genes que constitui um
indivíduo qualquer poderá ser efêmera, mas os genes em si são, potencialmente, muito duradouros.
Seus destinos constantemente se cruzam e recruzam ao longo das gerações. Um gene pode ser
considerado como uma unidade que sobrevive por um grande número de corpos individuais
sucessivos. Este é o argumento central que será desenvolvido neste capítulo. É um argumento com o
qual alguns de meus mais respeitados colegas recusam-se obstinadamente a concordar, de modo que
você deve perdoar-me se pareço pormenorizá-la demasiadamente! Em primeiro lugar devo explicar
resumidamente o sexo.
Eu disse que os planos para a construção do corpo humano estão desenvolvidos em 46
volumes. Isto foi, de fato, uma simplificação excessiva. A verdade é um tanto bizarra. Os 46
cromossomos consistem de 23 pares de cromossomos. Poderíamos dizer que existem dois conjuntos
alternativos de 23 volumes de planos arquivados no núcleo de cada célula. Chame-os Volume 1a e
Volume 1b, Volume 2a e Volume 2b, etc., até o Volume 23a e o Volume 23b. Os números de
identificação que utilizo para os volumes e, mais tarde, para as páginas, são, é claro, inteiramente
arbitrários.
Recebemos cada cromossomo intacto de um de nossos dois pais, em cujo testículo ou ovário
ele foi montado. Os volumes 1a, 2a, 3a,... vieram, digamos, do pai. Os volumes 1b, 2b, 3b,... vieram
da mãe. É muito difícil na prática, mas teoricamente você poderia olhar com um microscópio os 46
cromossomos em qualquer uma de suas células e separar os 23 que vieram de seu pai e os 23 que
vieram de sua mãe.
Os cromossomos pareados não passam toda sua vida fisicamente em contato uns com os
outros, ou mesmo perto um do outro. Em que sentido, então, estão eles “pareados”? No sentido de
que cada volume provindo originalmente do pai, pode ser considerado, página por página, como
uma alternativa direta a um volume específico provindo originalmente da mãe. A Página 6 do
Volume 13a e a Página 6 do Volume 13b, por exemplo, talvez “refiram-se” ambas à cor dos olhos.
Talvez uma queira dizer “azul” e a outra “castanho”.
Algumas vezes as duas páginas alternativas são idênticas, mas, em outros casos, como em
nosso exemplo da cor dos olhos, elas diferem. Se fazem “recomendações” contraditórias, o que o
corpo faz? A resposta varia. Algumas vezes uma interpretação prevalece sobre a outra. No exemplo
da cor dos olhos dado acima, a pessoa, na realidade, teria olhos castanhos: as instruções para fazer
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olhos azuis seriam ignoradas na construção do corpo, embora isto não impeça que sejam
transmitidas para gerações futuras. Um gene ignorado desta maneira é chamado recessivo. O oposto
de um gene recessivo é um gene dominante. O gene para olhos castanhos é dominante sobre aquele
para olhos azuis. Uma pessoa tem olhos azuis apenas se ambas as cópias da página relevante são
unânimes em recomendar olhos azuis. Mais comumente, quando dois genes alternativos não são
idênticos, o resultado é algum tipo de compromisso – o corpo é construído segundo um esquema
intermediário ou alguma coisa completamente diferente.
Quando dois genes, como aquele para olhos castanhos e aquele para olhos azuis, competem
pela mesma fenda em um cromossomo, são chamados alelos um do outro. Para nossos propósitos a
palavra alelo é sinônimo da palavra rival. Imagine os volumes dos planos do arquiteto como
fichários cujas páginas podem ser destacadas e permutadas. Todo Volume 13 deve ter a Página 6,
mas há várias Páginas 6 possíveis que poderiam entrar no fichário entre a Página 5 e a Página 7.
Uma versão diz “olhos azuis”, outra versão possível diz “olhos castanhos”. Talvez haja ainda outras
versões na população como um todo que especifiquem outras cores, como a verde. Talvez haja meia
dúzia de alelos alternativos localizados na posição da Página 6 nos décimos terceiros cromossomos
espalhados pela população total. Uma pessoa qualquer tem apenas dois cromossomos do Volume
13. Portanto, ela poderá ter no máximo dois alelos na lenda da Página 6. Talvez ela tenha, como
alguém de olhos azuis, duas cópias do mesmo alelo, ou talvez ela tenha dois alelos quaisquer
escolhidos dentre a meia dúzia de alternativas disponíveis na população total.
Você não pode, é claro, literalmente escolher seus genes do conjunto disponível à população
toda. Em qualquer instante todos os genes estão presos dentro de máquinas de sobrevivência
individuais. Nossos genes nos são distribuídos na concepção e nada podemos fazer a respeito. No
entanto, num certo sentido. os genes da população em geral podem, a longo prazo, ser considerados
um “fundo” de genes * . Esta frase, de fato. é um termo técnico usado pelos geneticistas. O “fundo”
de genes é uma abstração útil porque o sexo mistura os genes, se bem que de uma maneira
cuidadosamente organizada. Em particular, uma coisa semelhante ao destacar e trocar páginas e
conjuntos de páginas em um fichário realmente ocorre, como logo veremos.
Descrevi a divisão normal da célula em duas novas células, cada qual recebendo uma cópia
completa de todos os 46 cromossomos. Esta divisão celular normal é chamada mitose. Mas há outro
tipo de divisão celular chamada meiose. Esta se dá apenas na produção das células sexuais, os
espermatozóides ou os óvulos. Os espermatozóides e óvulos são excepcionais dentre nossas células,
pois contêm apenas 23 cromossomos, em vez de 46. Este número, é claro, é exatamente a metade de
46 – o que é conveniente quando eles fundem-se na fertilização sexual para produzir um novo
indivíduo! A meiose é um tipo especial de divisão celular que ocorre apenas nos testículos e ovários.
Nela uma célula com o conjunto duplo completo de 46 cromossomos divide-se formando células
sexuais com o conjunto simples de 23 (sempre usando os números do homem para ilustrar).
Um espermatozóide com seus 23 cromossomos é formado pela divisão meiótica de uma das
células comuns de 46 cromossomos no testículo. Quais 23 cromossomos são colocados em um dado
espermatozóide? Evidentemente é importante que um espermatozóide não receba 23 cromossomos
antigos quaisquer: ele não deve ser formado com duas cópias do Volume 13 e nenhuma do Volume
17. Teoricamente seria possível a um indivíduo dotar um de seus espermatozóides com
cromossomos provenientes, por exemplo, de sua mãe, isto é, Volume 1b, 2b, 3b,..., 23 b. Neste
acontecimento improvável uma criança concebida deste espermatozóide herdaria metade de seus
genes da avó paterna e nenhum de seu avô paterno. Mas, este tipo de distribuição grosseira, de
cromossomos inteiros, de fato não acontece. A verdade é bem mais complexa. Lembre-se que os
volumes (cromossomos) devem ser encara- dos come fichários. O que ocorre é que durante a
produção do espermatozóide, páginas isoladas, ou melhor, pilhas com muitas páginas, são
destacadas e trocadas pelas pilhas correspondentes do volume equivalente. Assim, um
espermatozóide específico poderá construir seu Volume 1 tomando as primeiras 65 páginas do
*
N. T. Por “fundo de genes” entende-se o conjunto total de genes presentes numa população ou numa espécie.
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Volume 1a e as páginas de 66 até o fim do Volume 1b. Os outros 22 volumes deste espermatozóide
seriam construídos de maneira semelhante. Portanto, cada espermatozóide produzido por um
indivíduo é único, embora todos tenham formado seus 23 cromossomos a partir de pedaços do
mesmo conjunto de 46. Os óvulos são feitos de maneira semelhante nos ovários e todos são também
únicos.
A mecânica real desta mistura é razoavelmente bem compreendida. Durante a produção de um
espermatozóide (ou óvulo) pedaços de cada cromos- somo paterno destacam-se fisicamente e trocam
de lugar com pedaços exata- mente correspondentes do cromossomo materno. (Lembre-se que
estamos falando de cromossomos que viera originalmente dos pais do indivíduo que está produzindo
o espermatozóide, i.e., dos avós paternos da criança que eventualmente será concebida do
espermatozóide). O processo de permutar pedaços de cromossomo é chamado recombinação. Ele é
muito importante para todo o argumento deste livro e significa que se você tornasse seu microscópio
e olhasse os cromossomos em um de seus próprios espermatozóides (ou óvulos, se você for mulher)
seria perda de tempo tentar identificar os cromossomos provenientes de seu pai e aqueles
provenientes de sua mãe. (Isto contrasta fortemente com o caso das células comuns do corpo (ver
página 45). Qualquer cromossomo em um espermatozóide seria uma colcha de retalhos, um mosaico
de genes maternos e paternos.
A metáfora da página representando o gene começa a falhar aqui. Num fichário uma página
inteira pode ser inserida, removida ou trocada, mas não um pedaço de uma página. O complexo
gênico é, porém, apenas uma longa fileira de letras de nucleotídeos, de forma alguma dividida de
maneira óbvia em páginas discretas. Existem, realmente, símbolos especiais significando FIM DA
MENSAGEM DE CADEIA PROTEICA e COMEÇO DA MENSAGEM DE CADEIA PROTÉICA,
escritos no mesmo alfabeto de quatro letras das próprias mensagens de proteína. Entre esses dois
sinais de pontuação estão as instruções codificadas para fazer uma proteína. Se quisermos
poderemos definir um gene individual como a seqüência de letras de nucleotídeos localizada entre
um símbolo para COMEÇO e outro para FIM e codificando uma cadeia protéica. A palavra cistron
tem sido usada para a unidade definida desta maneira e alguns utilizam a palavra gene como
sinônimo de cistron. Mas, a re-combinação não respeita os limites entre os cistrons. Rupturas podem
ocorrer tanto dentro de cistrons como entre eles. É como se os planos do arquiteto estivessem
escritos não em páginas discretas, mas em 46 rolos de fita de telégrafo impressor. Os cistrons não
têm comprimento fixo. A única maneira de saber onde um termina e o seguinte começa seria ler os
símbolos na fita, procurando aqueles para FIM DA MENSAGEM e COMEÇO DA MENSAGEM.
A recombinação seria representada tomando-se fitas paternas e maternas que combinem e cortando e
trocando porções correspondentes, independentemente do que esteja escrito nelas.
No título deste livro a palavra gene não significa um único cistron mas uma coisa mais sutil.
Minha definição não agradará a todos, mas não há definição de gene universalmente aceita. Mesmo
se houvesse, nada há de sagrado com as definições. Podemos definir uma palavra como quisermos
para nossos próprios propósitos, desde que o façamos com clareza e sem ambigüidade. A definição
que quero usar provém de G. C. Williams. Um gene é definido como qualquer porção do material
cromossômico que dura potencialmente por um número suficiente de gerações para servir como
unidade da seleção natural. Usando as palavras do capítulo anterior, o gene é um replicador com alta
fidelidade de cópia. Dizer fidelidade de cópia é outra maneira de dizer longevidade sob a forma de
cópias e abreviarei simplesmente para longevidade. A definição requer justificação.
Segundo qualquer definição, o gene deve ser uma porção de um cromossomo. A pergunta é,
uma porção de que tamanho – quanto da fita do telégrafo? Imagine uma seqüência qualquer de letras
do código sobre a fita. Chame a seqüência de unidade genética. Poderá ser uma seqüência de apenas
dez letras dentro de um cistron, ou uma seqüência de oito cistrons. Talvez comece e ter-mine no
meio de um cistron e se sobreporá a outras unidades genéticas. Incluirá unidades menores e fará
parte de unidades maiores. Para o propósito do presente argumento, não importa quão longa ou curta
seja, é a ela que estamos chamando de unidade genética. É apenas uma extensão de um
cromossomo, de forma alguma distinta fisicamente do resto dele.
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Agora vem o ponto importante. Quanto mais curta for uma unidade genética, mais tempo – em
gerações – ela provavelmente viverá. Em particular, menos provável será que ela seja dividida por
uma recombinação qualquer. Suponha que um cromossomo inteiro tenha, em média, a probabilidade
de sofrer uma recombinação cada vez que um espermatozóide ou óvulo é produzido pela divisão
meiótica, e que esta recombinação possa ocorrer em qualquer lugar ao longo de seu comprimento.
Se considerarmos uma unidade genética muito grande, por exemplo metade do comprimento do
cromossomo, existirá uma probabilidade de 50 por cento da unidade ser rompida em cada meiose.
Se a unidade genética que estamos considerando for apenas 1 por cento do comprimento do
cromossomo, poderemos supor que ela terá apenas 1 por cento de probabilidade de ser rompida em
uma dada divisão meiótica. Isto significa que a unidade poderá ter esperança de sobreviver por um
grande número de gerações nos descendentes do indivíduo. Um único cistron provavelmente terá
muito menos do que 1 por cento do cromossomo. Mesmo um grupo de vários cistrons vizinhos
poderá esperar viver muitas gerações antes de ser quebrado pela recombinação.
A expectativa de vida média de uma unidade genética pode ser expressa convenientemente em
gerações, o que, por sua vez, pode ser transformado em anos. Se tomarmos um cromossomo inteiro
como nossa suposta unidade genética, a história de sua vida durará apenas uma geração. Suponha
que seja o seu cromossomo número 8a, herdado de seu pai. Ele foi criado dentro de um dos
testículos dele, logo antes de você ser concebido. Nunca havia existido antes em toda a história do
mundo. Foi criado pelo processo meiótico de baralhamento e formado pela reunião de pedaços de
cromossomos, oriundos de sua avó e de seu avô paternos. Foi colocado dentro de um
espermatozóide específico, este sendo único. O espermatozóide era um entre vários milhões, uma
grande armada de embarcações minúsculas que juntas navegaram para dentro de sua mãe. Este
espermatozóide específico (a menos que você seja um gêmeo não idêntico) foi o único da flotilha a
encontrar abrigo em um dos óvulos de sua mãe – é por isto que você existe. A unidade genética que
estamos considerando, seu cromossomo número 8a, começou a se replicar, juntamente com todo o
resto de seu material genético. Agora ele existe, em forma duplicada, por todo seu corpo. Mas,
quando você, por sua vez, vier a ter filhos, este cromossomo será destruído quando você fabricar
óvulos (ou espermatozóides). Pedaços dele serão trocados com pedaços de seu cromossomo materno
número 8b. Em uma célula sexual qualquer um novo cromossomo número 8 será criado, talvez
“melhor” do que o antigo, talvez “pior”, mas, excetuando-se uma coincidência um tanto improvável,
definitivamente diferente, definitivamente único. A duração da vida de um cromossomo é de uma
geração.
E qual a duração da vida de uma unidade genética menor, por exemplo 1/100 do comprimento
de seu cromossomo 8a? Esta unidade também proveio de seu pai, mas é muito provável que não
estivesse formada nele originalmente. Seguindo o raciocínio anterior, há uma probabilidade de 99
por cento que ele a tenha recebido intacta de um de seus pais. Suponha que tenha sido da mãe, sua
avó paterna. Há, novamente, uma probabilidade de 99 por cento que ela a tenha herdado intacta de
um de seus pais. Se traçarmos a ascendência de uma pequena unidade genética de volta o suficiente,
chegaremos, eventualmente, a seu criador original. Em algum estágio ela deve ter sido pela primeira
vez criada dentro do testículo ou ovário de um de seus antepassados.
Deixe-me repetir o sentido bastante especial no qual estou usando a palavra “criar”. As subunidades menores que constituem a unidade genética considerada podem muito bem ter existido
anteriormente. Nossa unidade genética foi criada em um momento específico apenas no sentido de
que o arranjo particular das sub-unidades pelo qual ela é definida não existia antes daquele
momento. O momento da criação pode ter ocorrido bastante recentemente, por exemplo em um de
seus avós. Mas, se considerarmos uma unidade genética muito pequena, ela poderá ter sido formada
pela primeira vez em um antepassado muito mais distante, talvez um ancestral pré-humano
semelhante a um macaco. Além disto, uma pequena unidade genética dentro de você poderá
igualmente continuar no futuro, passando intacta pela longa linha de seus descendentes.
Lembre-se também que os descendentes de um indivíduo não constituem um ramo único, mas
uma linha ramificada. Qualquer que tenha sido o antepassado que “criou” um fragmento específico
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curto de seu cromossomo Sa, ele ou ela muito provavelmente tem inúmeros outros descendentes
além de você. Uma de suas unidades genéticas poderá estar presente também em seu primo de
segundo grau. Ela poderá estar presente em mim, no Primeiro Ministro e em seu cachorro, pois
todos nós temos ancestrais em comum se formos para trás o suficiente. Além disto, a mesma
pequena unidade poderá ser formada várias vezes independentemente por acaso. Se a unidade for
pequena, a coincidência não é muito improvável. Nas, mesmo um parente próximo terá pouca
probabilidade de compartilhar um cromossomo inteiro com você. Quanto menor a unidade genética,
mais provável será que outro indivíduo a compartilhe – mais provável será que ela esteja
representada muitas vezes no mundo, sob a forma de cópias.
A aproximação acidental, através da recombinação, de sub-unidades previamente existente é a
maneira usual de uma nova unidade genética ser formada. Uma outra maneira – de grande
importância evolutiva, embora seja rara – é chamada de mutação pontual. Uma mutação pontual é
um erro correspondente a uma única letra incorreta em um livro. Ela é rara, mas, evidentemente,
quanto maior for a unidade genética, maior será a probabilidade que seja alterada por uma mutação
em algum lugar ao longo de seu comprimento.
Outro tipo raro de erro ou mutação que tem conseqüências importantes à longo prazo é
chamado inversão. Um pedaço de cromossomo destaca-se em ambas as extremidades, vira ao
contrário e liga-se novamente na posição invertida. Em termos da analogia apresentada acima isto
exigiria uma certa renumeração das páginas. Algumas vezes porções dos cromossomos não se
invertem simplesmente, mas tornam a se ligar numa parte completamente diferente do cromossomo,
ou até mesmo unem-se a outro inteiramente diverso. Isto corresponde à transferência de uma pilha
de páginas de um volume para outro. A importância deste tipo de erro é que embora em geral seja
desastroso, pode, ocasionalmente, levar à ligação firme de pedaços de material genético que calhem
funcionar bem em conjunto. Talvez dois cistrons que possuam efeito benéfico somente quando estão
ambos presentes – complementam ou reforçam um ao outro de alguma maneira – sejam
aproximados apenas por meio de inversão. A seleção natural, então, poderá tender a favorecer a
nova “unidade genética” assim formada, a qual se difundirá pela população futura. É possível que
complexos gênicos, no decorrer dos anos, tenham sido rearranjados ou “editados” extensivamente
desta maneira.
Um dos exemplos mais nítidos disto se relaciona com o fenômeno conhecido como
mimetismo. Algumas borboletas têm gosto desagradável. Têm geralmente cores brilhantes e
características e os pássaros aprendem a evitá-las através de seus sinais de “advertência”. Outras
espécies de borboletas que não têm gosto desagradável, então, se aproveitam. Mimetizam aquelas de
gosto ruim. Elas nascem assemelhando-se às últimas em cor e forma (mas não gosto) e
freqüentemente enganam os naturalistas humanos e também os pássaros. Uma ave que tenha uma
vez experimentado a borboleta de gosto desagradável genuína tende a evitar todas as borboletas que
a ela se pareçam. Isto inclui os indivíduos miméticos e, assim, os genes para mimetismo são
favorecidos pela seleção natural. É assim que o mimetismo evolui.
Há muitas espécies de borboletas “desagradáveis” e nem todas se parecem. Um indivíduo
mimético não pode assemelhar-se a todas elas. Tem que se restringir a uma espécie desagradável em
particular. Em geral, qualquer espécie mimética dada é especialista em mimetizar uma espécie
desagradável. Mas, há espécies miméticas que fazem algo muito estranho. Alguns indivíduos
mimetizam uma espécie desagradável e os demais mimetizam outra. Qualquer indivíduo
intermediário ou que tentasse mimetizar a ambas seria logo comido. Mas, estes intermediários não
nascem. Da mesma forma como um indivíduo é definitivamente macho ou definitivamente fêmea,
também uma borboleta mimetiza ou uma espécie desagradável ou outra. Uma borboleta poderá
mimetizar a espécie A enquanto que sua irmã mimetiza a espécie B.
Aparentemente um único gene determina se um indivíduo mimetizará a espécie A ou a B. Mas,
como pode um único gene determinar todos os aspectos variados do mimetismo – cor, forma, padrão
de manchas, ritmo de vôo? A resposta é que um gene, no sentido de v.m cistron, provavelmente não
pode. Mas, através da “edição” inconsciente e automática conseguida pelas in-versões e outros
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rearranjos acidentais do material genético, um conjunto grande de genes anteriormente separados
constituiu-se num grupo firme de “linkage” sobre o cromossomo. O conjunto todo comporta-se
como um único gene – pela nossa definição, de fato, ele agora é um único gene – e possui um
“alelo” que é, na realidade, outro conjunto. Um conjunto contém os cistrons envolvidos em
mimetizar a espécie A, o outro aqueles envolvidos em mimetizar a espécie B. Cada conjunto é tão
raramente dividido pela recombinação que a borboleta intermediária nunca é vista na natureza, mas
ocasionalmente aparece se grandes números são criados no laboratório.
Estou usando a palavra gene para indicar uma unidade genética que é pequena o suficiente
para durar por um grande número de gerações e ser distribuída sob a forma de muitas cópias. Esta
não é uma definição rígida do tipo tudo ou nada, mas uma espécie de definição mais vaga, como a
definição de “grande” ou “velho”. Quanto maior a probabilidade de um fragmento de cromossomo
ser dividido pela recombinação ou alterado por mutações de vá-rios tipos, menos apropriado será
chamá-la de gene no sentido em que estou usando o termo. Presumivelmente um cistron poderá ser
chamado de gene, mas unidades maiores também o poderão. Uma dúzia de cistrons poderão estar
tão próximos uns dos outros sobre um cromossomo que para nossos propósitos eles constituem uma
única unidade genética duradoura. O conjunto gp mimetismo da borboleta é um bom exemplo. Ao
abandonar um corpo e entrar no próximo, ao embarcar num espermatozóide ou óvulo para a viagem
h geração seguinte, os cistrons provavelmente verificarão que a pequena embarcação contém seus
vizinhos contíguos da viagem anterior, velhos companheiros com os quais navegaram na longa
odisséia desde os corpos de antepassados distantes. Os cistrons vizinhos no mesmo cromossomo
formam uma companhia bem integrada de colegas de viagem os quais raramente deixam de
embarcar no mesmo navio quando é hora da meiose.
A rigor este livro não devia se chamar nem O Cistron Egoísta e nem O Cromossomo Egoísta,
mas O grande fragmento levemente egoísta de cromos-soma e o pequeno fragmento ainda mais
egoísta. Na melhor das hipóteses este não é um título atraente, de modo que, definindo o gene como
um peque-no fragmento de cromossomo que potencialmente dura muitas gerações, chamo o livro de
Gene Egoísta.
Voltamos agora ao ponto que havíamos atingido no fim do capítulo 1. Vimos na ocasião que o
egoísmo deve ser esperado em qualquer entidade merecedora do título de unidade básica da seleção
natural. Vimos que algumas pessoas consideram a espécie como a unidade da seleção natural,outras
consideram a população ou grupo dentro da espécie e outras, ainda consideram o indivíduo. Eu disse
que preferia encarar o gene como a unidade fundamental da seleção natural e, portanto, como a
unidade fundamental do interesse próprio. O que fiz, então, foi definir o gene de tal forma que não
posso, na verdade, deixar de ter razão!
A seleção natural, em sua forma mais geral, implica na sobrevivência diferencial de
entidades.Algumas entidades vivem e outras morrem,mas, afim de que esta morte seletiva tenha
algum impacto no mundo, mais uma condição deve ser satisfeita. Cada entidade deve existir sob a
forma de muitas cópias e algumas das entidades, pelo menos, devem ser potencialmente capazes de
sobreviver – sob a forma de cópias – durante um período significante de tempo evolutivo. As
unidades genéticas pequenas possuem essas propriedades, o que não acontece com indivíduos,
grupos e espécies. Constituiu a grande realização de Gregor Mendel mostrar que as unidades
hereditárias podem, na prática, ser tratadas como partículas indivisíveis e independentes. Hoje em
dia sabemos que isto é um pouco simplificado demais. Até mesmo um cistron é, ocasionalmente,
divisível e dois genes quaisquer sobre o mesmo cromossomo não são inteiramente independentes. O
que fiz foi definir um gene como uma unidade que aproxima-se, em alto grau, do ideal de partícula
indivisível. Um gene não é indivisível, mas é raramente dividido. Ou ele está definitivamente
presente ou definitivamente ausente no corpo de um indivíduo qualquer. O gene viaja intacto de avô
para neto, passando diretamente pela geração intermediária sem se fundir a outros genes. Se eles
continuamente se misturassem uns com os outros, a seleção natural, como a entendemos atualmente,
seria impossível. A propósito, isto foi provado quando Darwin ainda estava vivo, o que lhe
preocupou muito, pois naquela época assumia-se que a hereditariedade era um processo de mistura.
24
A descoberta de Mendel já havia sido publicada e ela poderia ter salvo Darwin, mas, infelizmente,
ele nunca teve conhecimento dela. Aparentemente ninguém a leu até vários anos depois de Darwin e
Mendel terem ambos morrido. Mendel talvez não tivesse compreendido o significado de suas
descobertas, caso contrário possivelmente teria escrito a Darwin.
Outro aspecto do caráter de partícula do gene é que ele não fica senil. Ele não tem maior
probabilidade de morrer quando tem um milhão de anos de idade do que quando tem apenas cem.
Ele pula de corpo para corpo ao longo das gerações, manipulando um após o outro de sua própria
maneira, e para seus próprios fins, abandonando uma sucessão de corpos mortais antes que estes
mergulhem na senilidade e morte.
Os genes são os imortais, ou melhor, são definidos como entidades genéticas que chegam
perto de merecer o título. Nós, as máquinas de sobrevivência individuais no mundo, podemos
esperar viver mais algumas décadas. Os genes no mundo, porém, têm uma expectativa de vida que
deve ser medida não em décadas mas em milhares e milhões de anos.
Nas espécies de reprodução sexual o indivíduo constitui uma unidade genética grande e
temporária demais para que possa ser considerado uma unidade importante de seleção natural. O
grupo de indivíduos é uma unidade ainda maior. Do ponto de vista genético, os indivíduos e os
grupos são como nuvens no céu ou tempestades de areia no deserto. São agregados ou federações
temporárias, não são estáveis ao longo do tempo evolutivo. As populações podem durar bastante,
mas estão constantemente misturando-se com outras populações e assim perdendo sua identidade.
Estão também sujeitas à mudança evolutiva interna. A população não é uma entidade discreta o
suficiente para ser uma unidade de seleção natural e não é estável e unitária o suficiente para ser
“selecionada” em favor de outra população.
Um corpo individual parece bastante discreto enquanto dura, mas quanto d isto? Cada
indivíduo d único. Você não pode obter evolução selecionando entidades quando existe apenas uma
cópia de cada uma! A reprodução sexual não é replicação. Da mesma forma como uma população é
contaminada por outras populações, também a posteridade de um indivíduo é contaminada por
aquela de seu parceiro sexual. Seus filhos são apenas metade de você, seus netos apenas um quarto.
Dentro de algumas gerações, o máximo que você pode esperar é um grande número de
descendentes, cada um deles exibindo apenas uma porção minúscula de você – alguns genes –
mesmo que alguns tenham também seu sobrenome.
Os indivíduos não são estáveis, são passageiros. Os cromossomos também caem no
esquecimento pelo baralhamento, como as cartas de um jogador logo depois de serem carteadas.
Mas, as cartas em si sobrevivem ao baralhamento. Elas são os genes. Estes não são destruídos pela
recombinação, simplesmente trocam de parceiros e continuam em frente. Evidentemente continuam,
esta é sua profissão. Eles são os replicadores e nós suas máquinas de sobrevivência. Quando
cumprimos nossa missão somos postos de lado. Mas os genes são habitantes do tempo geológico:
são para sempre.
Os genes, como os diamantes, são para sempre, mas não exatamente da mesma maneira como
estes últimos. É o cristal individual de diamante que dura, como um padrão inalterado de átomos. As
moléculas de DNA não têm este tipo de permanência. A vida de uma molécula física qualquer de
DNA é bastante curta – talvez uma questão de meses, certamente não mais do que a duração de uma
vida. Mas, teoricamente, uma molécula de DNA poderia viver sob a forma de cópias de si mesma
por cem milhões de anos. Além disto, da mesma maneira como os antigos replicadores no caldo
primitivo, as cópias de um gene em particular poderão estar distribuídas por todo o mundo. A
diferença é que as versões modernas são todas elas ajeitadamente acondicionadas dentro dos corpos
de máquinas de sobrevivência.
O que estou fazendo é enfatizar a quase imortalidade potencial de um gene, sob a forma de
cópias, como a propriedade que o define. Definir um gene como um único cistron serve para alguns
propósitos, mas para a teoria da evolução é preciso ampliá-lo. O grau de ampliação é determinado
pelo objetivo da definição. Queremos encontrar a unidade prática da seleção natural. Para fazê-lo
começamos identificando as propriedades que uma unidade de seleção natural bem sucedida deve
25
ter. Nos termos do capítulo passado, estas são longevidade, fecundidade e fidelidade de cópia.
Então, simplesmente definimos um “gene” como a maior entidade que pelo menos potencialmente,
possui essas propriedades. O gene é um replicador de vida longa, existindo sob a forma de muitas
cópias duplicadas. Não é infinitamente duradouro. Mesmo um diamante não é literalmente eterno e
até um cistron pode ser dividido em dois pela recombinação. O gene é definido como um pedaço de
cromossomo, curto o bastante para durar, potencialmente, o suficiente para funcionar como uma
unidade significante da seleção natural.
Exatamente quanto é “o suficiente”? Não há uma resposta rígida e inalterável. Dependerá de
quão severa é a “pressão” da seleção natural, isto é, de quanto mais provável é uma unidade genética
“má” morrer em comparação com seu alelo “bom”. Este é um problema de detalhe quantitativo que
variará de caso para caso. Em geral se verificará que a maior unidade prática de seleção natural – o
gene – estará em algum lugar da escada entre o cistron e o cromossomo.
É a sua potencial imortalidade que torna o gene um bom candidato a unidade básica da seleção
natural. Mas, chegou a hora de enfatizar a palavra “potencial”. Um gene pode viver um milhão de
anos, mas muitos genes novos não passam nem mesmo de sua primeira geração. Os novos bem
sucedidos o são, em parte, porque têm sorte, mas, principalmente, porque têm o que é preciso, o que
significa que são bons em fazer máquinas de sobrevivência. Possuem efeito sobre o
desenvolvimento embrionário de todo corpo sucessivo no qual se encontram, de tal forma que cada
corpo tenha uma pequena probabilidade a mais de viver e reproduzir-se do que teria sob a influência
do gene rival ou alelo. Um gene “bom”, por exemplo, poderá garantir sua sobrevivência tendo a
tendência a dotar os corpos sucessivos nos quais se encontra de pernas longas as quais ajudam esses
corpos a escapar de predadores. Este é um exemplo particular, não universal. Pernas longas, afinal
de contas, nem sempre são vantajosas. Par" uma toupeira seriam um empecilho. Ao invés de nos
prendermos a detalhes, podemos pensar em alguma qualidade universal que esperaríamos encontrar
em todos os genes bons (isto é, os de vida longa)? E, reciprocamente, quais as propriedades que
distinguem instantaneamente um gene “ruim”, de vida curta? Talvez hajam várias dessas
propriedades universais, mas há uma delas que é particularmente relevante para este livro: ao nível
do gene, o altruísmo deve ser mau e o egoísmo bom. Isto decorre inexoravelmente de nossas
definições de altruísmo e egoísmo. Os genes estão competindo diretamente com seus alelos pela
sobrevivência, uma vez que estes últimos, no “fundo” de genes, concorrem com eles pelas fendas
nos cromossomos das gerações futuras. Qualquer gene que se comporte de modo a aumentar sua
própria probabilidade de sobrevivência no “fundo” de genes às custas de seus ale-los tenderá, por
definição e tautologicamente, a sobreviver. O gene é a unidade básica do egoísmo.
A principal mensagem deste capítulo foi, agora, apresentada. Mas, passei por cima de algumas
complicações e pressuposições ocultas. A primeira complicação já foi mencionada resumidamente.
Não importa quão independentes e livres sejam os genes em sua viagem através das gerações, eles
efetivamente não são agentes livres e independentes em seu controle do desenvolvimento
embrionário. Colaboram e interagem de maneiras inextricavelmente complexas, tanto uns com os
outros como com seu ambiente externo. Expressões como “gene para pernas longas” ou “gene para
comportamento altruístico” são figuras de retórica convenientes, mas é importante entender o que
significam. Não há nenhum gene, que, por si só, construa uma perna, longa ou curta. A construção
de uma perna é um empreendimento de cooperação entre muitos genes. As influências do ambiente
externo também são indispensáveis. Afinal de contas, as pernas são, na realidade, feitas de alimento!
Mas, poderá muito bem haver um único gene que, outras coisas se mantendo constantes, tenda a
fazer as pernas mais longas do que seriam sob a influência de seu alelo.
Como uma analogia pense na influência de um fertilizante, por exemplo nitrato, no
crescimento do trigo. Todos sabem que o trigo cresce mais na presença do nitrato do que em sua
ausência. Mas ninguém seria tolo a ponto de afirmar que o nitrato por si só possa fazer uma planta
de trigo. A semente, o solo, o sol, a água e vários minerais são, é claro, igualmente necessários. Mas,
se todos esses outros fatores forem mantidos constantes, e mesmo se for permitido que variem
dentro de certos limites, a adição de nitrato fará o trigo crescer mais. O mesmo ocorre com genes
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isolados no desenvolvimento de um embrião. O desenvolvimento embrionário é controlado por uma
rede intrincada de relações tão complexa que é melhor não a considerarmos. Nenhum fator isolado,
genético ou ambiental, pode ser considerado como a “causa” única de qualquer parte de um bebê.
Todas essas partes têm um número quase infinito de causas antecedentes. Porém, uma diferença
entre um dado bebê e outro, por exemplo uma diferença no comprimento da perna, poderá
facilmente ser imputada a uma ou a algumas diferenças precedentes simples, quer no ambiente quer
nos genes. São diferenças que importam na luta competitiva para sobreviver. E são diferenças
controladas geneticamente que importam na evolução.
No que se refere a um gene seus alelos são seus rivais mortais, mas outros genes são
igualmente parte de seu ambiente, comparáveis à temperatura, alimento, predadores ou
companheiros. O efeito do gene depende de seu ambiente, o qual inclui outros genes. Algumas vezes
um gene tem um efeito na presença de outro gene específico e efeito completamente diferente na
presença de outro conjunto de genes companheiros. O conjunto todo de genes em um corpo constitui
uma espécie de clima ou “background” genético, modificando e influenciando os efeitos de qualquer
gene em particular.
Agora, porém, parece que temos um paradoxo. Se a construção de um bebê é um
empreendimento cooperativo tão intrincado e se cada gene necessita de vários milhares de outros
genes para completar sua tarefa, como podemos reconciliar isto com minha imagem de genes
indivisíveis, pulando como cabritos imortais de um corpo a outro ao longo das eras, os agentes
livres, desimpedidos e interesseiros da vida? Seria tudo isto bobagem? Absolutamente.
Talvez eu tenha sido levado um pouco longe demais pelas passagens rebuscadas, mas não
estava falando bobagem e não há um paradoxo verdadeiro. Podemos explicar isto por meio de outra
analogia.
Um remador sozinho não pode vencer a competição de remo da Universidade de Oxford ou de
Cambridge. Necessita de oito colegas. Cada um deles é um especialista que senta-se sempre numa
parte específica do barco – na proa, na posição do voga, do patrão, etc. Remar é um
empreendimento cooperativo, porém, alguns homens são assim mesmo melhores do que
outros.Suponha que um treinador tenha que escolher sua equipe ideal a partir de um conjunto de
candidatos, alguns especializados na posição de proa, outros na
Um remador sozinho não pode vencer a competição de remo da Universidade de Oxford ou de
Cambridge. Necessita de oito colegas. Cada um deles é um especialista que senta-se sempre numa
parte específica do barco – na proa, na posição do voga, do patrão, etc. Remar é um
empreendimento cooperativo, porém, alguns homens são, assim mesmo, melhores do que outros.
Suponha que um treinador tenha que escolher sua equipe ideal a partir de um conjunto de
candidatos, alguns especializados na posição de proa, outros na de mestre de barco, e assim por
diante. Suponha que ele faça sua seleção da seguinte forma. Cada dia reúne três novas equipes
tentativas misturando ao acaso os candidatos a cada posição e fazendo as três equipes competirem
entre si. Após algumas semanas começará a ficar claro que o barco vencedor freqüentemente tem a
tendência a conter os mesmos indivíduos. Estes são identificados como bons remadores. Outros
indivíduos parecem se encontrar consistentemente em equipes mais vagarosas e são eventualmente
rejeitados. Porém, mesmo um remador excepcionalmente bom poderá, algumas vezes, ser membro
de uma equipe vagarosa, quer devido à inferioridade dos outros membros, quer devido à má sorte –
por exemplo, um vento contrário forte. É apenas em média que os melhores homens tenderão a se
encontrar no barco vencedor.
Os remadores são genes. Os concorrentes a cada lugar no barco são ale-los potencialmente
capazes de ocupar a mesma fenda ao longo do cromossomo. Remar rapidamente corresponde a
construir um corpo bem sucedido em sobreviver. O vento é o ambiente externo. O estoque de
candidatos alternativos é o “pool” de genes. No que se refere à sobrevivência de um corpo qualquer,
todos seus genes estão no mesmo barco. Muitos genes bons caem em má companhia e se vêem
compartilhando um corpo com um letal o qual elimina este corpo na infância. O gene bom, então, é
destruído juntamente com o resto. Porém, isto é apenas um corpo e réplicas do mesmo gene bom
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continuam vivendo em outros corpos que não possuam o gene letal. Muitas cópias de genes bons são
eliminadas, pois calham compartilhar um corpo com genes maus e muitas perecem por outros
exemplos de falta de sorte, como quando seu corpo é atingido por um raio. Porém, a sorte, boa ou
má, por definição age ao acaso e um gene que está consistentemente perdendo não tem falta de
sorte: é um gene mau.
Uma das qualidades de um bom remador é trabalho de equipe, a capacidade de cooperar com o
resto da tripulação e nela se enquadrar. Isto poderá ser tão importante quanto músculos fortes. Como
vimos no caso das borboletas, a seleção natural poderá inconscientemente “editar” um complexo
gênico por meio de inversões e outros movimentos grosseiros de fragmentos de cromossomos, desta
forma reunindo em grupos firmemente ligados, genes que cooperam bem. Mas, há também um
sentido no qual genes que não estão de forma alguma ligados fisicamente podem ser selecionados
pela sua compatibilidade mútua. Um gene que cooperar bem com a maioria dos outros genes que ele
tenha probabilidade de encontrar em corpos sucessivos, isto é, os genes em todo o resto do “fundo”,
tenderá a ter vantagem.
Por exemplo, vários atributos são desejáveis no corpo de um carnívoro eficiente, entre eles
dentes cortantes e afiados, o tipo certo de intestino para digerir carne e muitos outros. Um herbívoro
eficiente, por outro lado, necessita de dentes planos para moer e um intestino muito mais longo com
um tipo diferente de química digestiva. Em um “fundo” de genes de herbívoros qualquer gene novo
que desse a seus possuidores dentes afiados para comer carne não teria muito sucesso. Isto se dá não
porque comer carne seja universalmente uma má idéia, mas porque não se pode comer carne
eficientemente a menos que se tenha também o tipo certo de intestino e todos os outros atributos de
um modo de vida carnívoro. Os genes para dentes afiados de carnívoro não são intrinsecamente
maus, só em um “fundo” de genes dominado por genes para qualidades de herbívoros.
Esta é uma idéia sutil e complicada. É complicada porque o “ambiente” de um gene consiste
em grande parte de outros genes, cada um dos quais, por sua vez, sendo selecionado segundo sua
habilidade de cooperar com o seu ambiente consistindo de outros genes. Uma analogia adequada
para lidar com este assunto sutil de fato existe, mas não provém da experiência cotidiana. É a
analogia com a “teoria dos jogos” humana, a qual será introduzida no Capítulo 5 com relação a
disputas agressivas entre animais. Portanto, adio outras discussões sobre este assunto até o fim
daquele capítulo e retorno à mensagem central deste. E esta é a de que é melhor não considerar a
espécie, nem a população e nem mesmo o indivíduo como a unidade básica da seleção natural, mas
uma unidade pequena de material genético a qual é conveniente rotular de gene. O ponto chave do
argumento, como apresentado acima, foi a suposição de que os genes são potencialmente imortais,
enquanto que os corpos e todas as outras unidades superiores são temporárias. Esta suposição
baseia-se em dois fatos: a reprodução sexual e a recombinação, e a mortalidade individual. Esses
fatos são inegavelmente verdadeiros. Isto, porém, não nos impede de perguntar porque eles são
verdadeiros. Por que nós e a maioria das outras máquinas de sobrevivência praticamos a reprodução
sexual? Por que nossos cromossomos se recombinam? E por que não vivemos para sempre?
A pergunta sobre porque morremos de velhice é complexa e os detalhes estão além do objetivo
deste livro. Além das razões particulares, algumas mais gerais têm sido propostas. Uma teoria, por
exemplo, é que a senilidade representa um acúmulo deletério de erros de cópia e outros tipos de
injúria aos genes que ocorrem durante a vida do indivíduo. Outra teoria, de autoria de “Sir” Peter
Medawar, é um bom exemplo de pensamento evolutivo em termos de seleção de genes. Em primeiro
lugar Medawar rejeita argumentos tradicionais tais como: “os indivíduos velhos morrem como um
ato de altruísmo para com o resto da espécie, pois se continuassem vivos quando estivessem
decrépitos demais para se reproduzir apinhariam o mundo sem nenhum objetivo.” Como Medawar
salienta, este é um argumento circular, pressupondo o que ele tenta provar, ou seja, que os animais
velhos são decrépitos demais para se reproduzir. É também um tipo de explicação por seleção de
grupo ou seleção de espécie ingênuo, embora esta parte possa ser expressa de maneira mais
respeitável. A própria teoria de Medawar tem uma bela lógica. Podemos chegar até ela da seguinte
maneira.
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Já nos perguntamos quais os atributos mais gerais de um gene “bom” e resolvemos que o
“egoísmo” era um deles. Mas, outra qualidade geral que os genes bem sucedidos terão é a tendência
a adiar a morte de suas máquinas de sobrevivência pelo menos até depois da reprodução. Sem
dúvida, alguns de seus primos e tios-avôs morreram durante a infância, mas absolutamente a
nenhum de seus antepassados ocorreu o mesmo. Os antepassados simplesmente não morrem jovens!
O gene que faz com que seu possuidor morra é chamado de gene letal. Um gene semi-letal tem
algum efeito debilitante, de modo que ele torna a morte por outras causas mais provável. Qualquer
gene exerce seu efeito máximo sobre o corpo em algum estágio particular da vida e os letais e semiletais não constituem exceção. A maioria dos genes exerce sua influência durante a vida fetal, outros
durante a infância, o começo da vida adulta, a meia-idade e outros, ainda, na velhice. (Pense que
uma lagarta e a borboleta na qual ela se transforma têm exatamente o mesmo conjunto de genes.) Os
genes letais, evidentemente, terão a tendência a ser removidos do “fundo” de genes. É óbvio
também, porém, que um gene letal de efeito tardio será mais estável no “fundo” do que um gene
letal de efeito precoce. Um gene letal num corpo mais velho ainda poderá ser bem sucedido no
“pool”, desde que seu efeito letal não apareça até depois do corpo ter tido tempo de deixar pelo
menos alguns descendentes. Um gene que fizesse com que corpos velhos contraíssem câncer, por
exemplo, poderia ser transmitido para muitos descendentes, pois os indivíduos se reproduziriam
antes de apanhar a doença. Por outro lado, um gene que fizesse corpos de adultos jovens contrair
câncer não seria transmitido a muitos descendentes, e um que fizesse crianças pequenas contrair
câncer fatal não seria transmitido a absolutamente nenhum descendente. Então, segundo esta teoria,
a deterioração por senilidade é simplesmente um subproduto do acúmulo, no “fundo”, de genes
letais e semi-letais de efeito tardio, aos quais foi possível passar pela rede da seleção natural
simplesmente porque têm efeito tardio.
O aspecto que o próprio Medawar enfatiza é que a seleção favorecerá os genes que tens o
efeito de adiar a atuação de genes letais e favorecerá também aqueles que tenham a ação de apressar
o efeito de genes bons. Talvez ocorra que uma boa parte da evolução consista em mudanças
geneticamente controladas na ocasião do início da atividade gênica.
É importante notar que esta teoria não requer que se faça qualquer suposição prévia no que se
refere à reprodução ocorrer apenas em certas idades. Tomando como pressuposição inicial que todos
os indivíduos têm a mesma probabilidade de ter um filho em qualquer idade, a teoria de Medawar
rapidamente prediria o acúmulo no “fundo” de genes deletérios de efeito tardio. A tendência dos
indivíduos se reproduzirem menos na velhice seguir-se-ia como uma conseqüência secundária.
Abrindo um parêntese, uma das boas características desta teoria é que ela nos leva a
especulações bastante interessantes. Decorre dela, por exemplo, que se quiséssemos prolongar a
duração da vida humana haveria duas maneiras gerais pelas quais poderíamos fazê-la. Em primeiro
lugar, poderíamos proibir a reprodução antes de uma certa idade, por exemplo, quarenta anos.
Depois de alguns séculos o limite mínimo de idade seria elevado para cinqüenta e assim por diante.
É presumível que a longevidade humana pudesse ser estendida desta forma até vários séculos. Não
posso imaginar que alguém seriamente gostaria de instituir tal política.
Em segundo lugar, poderíamos tentar “enganar” os genes e fazê-los pensar que o corpo em
que estão é mais jovem do que na realidade o é. Isto significaria, na prática, identificar as mudanças
no ambiente químico interno do corpo que ocorrem durante o envelhecimento. Qualquer uma dessas
poderiam ser os “sinais” que “ligam” genes letais de efeito tardio. Talvez seja possível impedir o
acionamento de genes deletérios de efeito tardio estimulando as propriedades químicas superficiais
de um corpo jovem. O aspecto interessante é que os sinais químicos de velhice não precisam, em
qualquer sentido comum, ser deletérios em si. Suponha, por exemplo, que casualmente ocorra que
uma substância S seja mais concentrada no corpo de indivíduos velhos do que de jovens. S em si
poderá ser bastante inofensiva, talvez alguma substância na comida que acumula-se no corpo com o
passar do tempo. Automaticamente, porém, qualquer gene que por acaso exercesse um efeito
deletério na presença de S, mas que de outra forma tivesse um efeito favorável, seria selecionado
positivamente no “fundo” e seria, de fato, um gene “para” morte de velhice.
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O que é revolucionário a respeito desta idéia é que o próprio S é apenas um “rótulo” para
velhice. Qualquer médico que notasse que altas concentrações de S tendem a levar à morte,
provavelmente imaginaria a substância como um tipo de veneno e quebraria a cabeça para descobrir
uma ligação causal direta entre S e o mau funcionamento do corpo. No caso de nosso exemplo
hipotético, porém, ele talvez estivesse perdendo seu tempo!
Talvez haja também uma substância Y, um “rótulo” para juventude no sentido de que é mais
concentrada em corpos jovens do que em velhos. Novamente, poderiam ser selecionados genes que
tivessem bons efeitos na presença de Y, mas que fossem deletérios em sua ausência. Sem possuir
qualquer maneira de saber o que são S ou Y – poderia haver muitas substâncias deste tipo – podemos
simplesmente fazer a previsão geral de que quanto mais se possa estimular ou imitar as propriedades
de um corpo jovem em um velho, não importando quão superficiais essas propriedades pareçam,
mais tempo o corpo velho deveria viver.
Devo enfatizar que essas são apenas especulações baseadas na teoria de Medawar. Embora
haja um sentido no qual esta teoria deve, logicamente, ter algo de verdadeiro, isto não significa
necessariamente que seja a explicação correta para qualquer exemplo prático dado de deterioração
por senilidade. O que interessa aqui é que a idéia de evolução por seleção de genes não encontra
dificuldade em explicar a tendência dos indivíduos a morrer quando se tornam velhos. A
pressuposição da mortalidade individual, a qual está no centro de nosso argumento neste capítulo, é
justificável dentro dos moldes da teoria.
A outra pressuposição que dissimulei, a da existência da reprodução sexual e da
recombinação, é mais difícil de justificar. A recombinação nem sempre tem que acontecer. Os
machos da mosca-das-frutas não a apresentam. Há um gene que tem o efeito de suprimi-la
igualmente nas fêmeas. Se criássemos uma população de moscas na qual este gene fosse universal, o
cromossomo em um “fundo” cromossômico tornar-se-ia a unidade básica indivisível da seleção
natural. De fato, se seguíssemos nossa definição até sua conclusão lógica, um cromossomo inteiro
teria que ser considerado um “gene.”
Ainda, alternativas ao sexo efetivamente existem. As fêmeas do pulgão podem gerar
descendentes vivos do mesmo sexo, sem pai, cada qual contendo todos os genes de sua mãe. (A
propósito, um embrião no “útero” de sua mãe poderá ter um embrião ainda menor dentro de seu
próprio útero. Assim, um pulgão pode dar à luz uma filha e uma neta simultaneamente, ambas
equivalentes a suas próprias irmãs gêmeas idênticas). Muitas plantas propagam-se vegetativamente
emitindo brotos. Neste caso talvez prefiramos falar em crescimento e não em reprodução. Mas, se
pensarmos no assunto, existe de qualquer forma, uma distinção bastante pequena entre crescimento
e reprodução não-sexual, uma vez que ambos se dão por divisão celular mitótica simples. Algumas
vezes as plantas produzidas por reprodução vegetativa destacam-se da “mãe”. Em outros casos, por
exemplo no olmo, os brotas unidos à planta-mãe permanecem intactos. Todo um bosque de olmo
pode, de fato, ser considerando um único indivíduo.
A pergunta então é : se pulgões e olmos não o fazem, por que o resto de nós tem tanto trabalho
em misturar os genes com aqueles de outra pessoa anotes de fazermos um bebê? Parece uma
maneira estranha de agir. Por que o Celso, esta perversão bizarra da replicação direta, jamais se
originou? Para que serve o sexo?
Esta é uma pergunta extremamente difícil para um evolucionista responder. A maioria das
tentativas sérias de respondê-la envolvem raciocínio matemático sofisticado. Francamente a evitarei,
a não ser para dizer uma coisa. E esta é que pelo menos parte da dificuldade que os teóricos têm em
explicar a evolução do sexo resulta do fato deles habitualmente considerarem que os indivíduos
tentam maximizar o número de seus genes que sobrevivem. Nestes termos o sexo parece paradoxal
porque é uma maneira "ineficiente” de um indivíduo propagar seus genes: cada filho tem apenas 50
por cento dos genes do indivíduo, os outros 50 por cento sendo fornecidos pelo parceiro sexual. Se
ele ao menos pudesse, como um pulgão, originar filhos que fossem réplicas exatas de si mesmo, ele
passaria 100 por cento de seus genes para a geração seguinte no corpo de cada um deles. Este
aparente paradoxo levou alguns teóricos a adotar o selecionismo de grupo, uma vez que é
30
relativamente fácil pensar em vantagens do sexo ao nível de grupo. Como W. F. Bodmer re-sumiu, o
sexo “facilita o acúmulo em um único indivíduo de mutações vantajosas que originaram-se
separadamente em diferentes indivíduos.”
O paradoxo, porém, parece menos paradoxal se seguirmos o argumento deste livro e tratarmos
o indivíduo como uma máquina de sobrevivência construída por uma confederação efêmera de
genes duradouros. Vê-se então que a “eficiência” do ponto de vista do indivíduo total é irrelevante.
A sexualidade versus a não-sexualidade será considerada um atributo sob o controle de um único
gene, exatamente como olhos azuis versus olhos castanhos. Um gene “para” sexualidade manipula
todos os outros genes para seus próprios fins egoístas. O gene para recombinação faz o mesmo.
Existem até genes – chamados mutadores – que manipulam as taxas de erros de cópias cm outros
genes. Um erro de cópia, por definição, é desvantajoso para o gene que é copiado erroneamente. Se
for vantajoso para o gene mutador egoísta que o induz, porém, este último poderá difundir-se no
“pool” de genes. Da mesma maneira, se a recombinação beneficia um gene para recombinação, isto
é explicação suficiente para a existência deste mecanismo. E se a reprodução sexual, comparada a
não-sexual, beneficia um gene para reprodução sexual, isto é explicação suficiente para a existência
desta última. É comparativamente irrelevante se ela beneficia ou não todo o restante dos genes de
um indivíduo. Do ponto de vista do gene egoísta o sexo não é, afinal de contas, tão bizarro.
Isto se aproxima perigosamente de um argumento circular, já que a existência da sexualidade é
uma condição prévia para toda a cadeia de raciocínio que termina com o gene sendo considerado a
unidade da seleção. Acredito que hajam maneiras de escapar da circularidade, mas este livro não é o
local apropriado para examinar a questão. O sexo existe, isto é verdade. Constitui uma conseqüência
do sexo e da recombinação que a pequena unidade genética ou gene possa ser considerada a coisa
mais próxima que temos de um agente independente fundamental da evolução.
O sexo não é o único aparente paradoxo que torna-se menos enigmático assim que
aprendemos a pensar em termos do gene egoísta. Por exemplo, aparentemente a quantidade de DNA
nos organismos é maior do que o estritamente necessário para construí-los: uma grande fração dele
nunca é traduzido para proteínas. Do ponto de vista do organismo individual isto parece paradoxal.
Se o “propósito” do DNA é supervisionar a construção de corpos, é surpreendente encontrar uma
grande quantidade de DNA que não o faz. Os biólogos estão quebrando a cabeça tentando imaginar
que tarefa útil este DNA aparentemente em excesso está realizando. Do ponto de vista dos genes
egoístas em si, no entanto, não há paradoxo. O verdadeiro “propósito” do DNA é sobreviver, nem
mais nem menos. A maneira mais simples de explicar o DNA em excesso é supor que é um parasita
ou pelo menos um passageiro inofensivo mas inútil, dando um passeio nas máquinas de
sobrevivência criadas pelo outro DNA.
Algumas pessoas objetam ao que consideram uma visão da evolução excessivamente centrada
no gene. Afinal de contas, argumentam, são indivíduos inteiros com todos seus genes que na
realidade vivem ou morrem. Espero ter dito o suficiente neste capítulo para mostrar que de fato não
há discordância com isto. Assim como barcos inteiros vencem ou perdem corridas, são de fato
indivíduos que vivem ou morrem, e a manifestação imediata da seleção natural é, quase sempre, ao
nível de indivíduo. As conseqüências a longo prazo da sorte e sucesso reprodutivo individuais nãoaleatórios manifestam-se sob a forma de freqüências alteradas no “fundo” de genes. Este último
exerce, com algumas reservas, o mesmo papel para os replicadores modernos que exercia o caldo
primitivo para os replicadores originais. O sexo e a recombinação cromossômica têm o efeito de
preservar a fluidez do equivalente moderno do caldo. Devido ao sexo e à recombinação o “fundo” de
genes é mantido bem misturado e os genes parcialmente baralhados. A evolução é o processo por
meio pp qual alguns genes tornam-se mais numerosos e outros menos no “fundo” gênico. Quando
quer que estejamos tentando explicar a evolução de alguma característica, como o comportamento
altruísta, é bom adquirir o hábito de perguntarmo-nos simplesmente: “que efeito esta característica
terá sobre as freqüências de genes no “fundo”?” Às vezes a linguagem de genes torna-se um pouco
tediosa e para brevidade e destaque utilizaremos metáforas. Mas sempre estaremos céticos a seu
31
respeito a fim de fazer certo que podem ser traduzidas novamente para a linguagem de genes, se for
preciso.
No que se refere ao gene, o “fundo” é exatamente o novo tipo de caldo onde aquele subsiste. A
única coisa que mudou é que hoje em dia ele subsiste cooperando com grupos sucessivos de
companheiros retirados do “fundo” de genes para construir uma máquina de sobrevivência mortal
após outra. É às próprias máquinas de sobrevivência e ao sentido no qual se pode dizer que os genes
controlam seu comportamento que nos dedicamos no próximo capítulo.
32
Capítulo 4
A MÁQUINA GÊNICA
As máquinas de sobrevivência começaram como receptáculos passivos para os genes,
fornecendo pouco mais do que paredes para protegê-los da guerra química de seus rivais e da
destruição pelo bombardeio molecular acidental. Nos primeiros tempos elas “alimentavam-se” de
moléculas orgânicas disponíveis à vontade no caldo. Esta vida fácil terminou quando o alimento
orgânico no caldo que havia sido lentamente formado sob a influência energética de vários séculos
de luz solar, foi todo consumido. Um ramo importante de máquinas de sobrevivência, agora
chamado de plantas, começou a utilizar a luz solar diretamente para construir moléculas complexas a
partir de outras simples, restabelecendo a uma velocidade muito maior os processos sintéticos do
caldo original. Um outro ramo, agora conhecido como animais, “descobriu” como explorar o
trabalho químico das plantas, quer comendo-as, quer comendo outros animais. Ambos os principais
ramos de máquinas de sobrevivência desenvolveram truques cada vez mais engenhosos a fim de
aumentar sua eficiência nos vários modos de vida e destes últimos, outros novos estão sendo
continuamente inaugurados. Sub-ramos e ramos ainda menores desenvolveram-se, cada qual
sobressaindo-se numa maneira especializada especifica de ganhar a vida: no mar, na terra,
subterraneamente, em cima de árvores, dentro de outros corpos vivos. Esta ramificação deu origem à
diversidade imensa de animais e plantas que tanto nos impressiona hoje em dia.
Tanto os animais como as plantas desenvolveram-se em corpos multicelulares, cópias
completas de todos os genes sendo distribuídas a cada célula. Não sabemos quando, porque, ou
quantas vezes independentemente isto ocorreu. Alguns usam a metáfora de uma colônia,
descrevendo um corpo como uma colônia de células. Prefiro imaginar o corpo como uma colônia de
genes e a célula como uma unidade funcional conveniente para as indústrias químicas daqueles.
Talvez eles sejam colônias de genes, mas, em seu comportamento, os corpos inegavelmente
adquiriram uma individualidade própria. Um animal move-se como um todo coordenado, como uma
unidade. Subjetivamente, sinto-me como uma unidade, não como uma colônia. E isto era de se
esperar. A seleção favoreceu os genes que cooperam entre si. Na competição ferrenha por recursos
escassos, na luta implacável por comer outras máquinas de sobre-vivência e evitar ser comido, deve
ter havido um prêmio para a coordenação central e não para a anarquia dentro do corpo comum.
Hoje em dia a intrincada evolução conjunta mútua dos genes extendeu-se a tal ponto que a natureza
coletiva de uma máquina de sobrevivência individual é praticamente irreconhecível. Muitos
biólogos, de fato, não a aceitam e discordarão de mim.
Felizmente para o que os jornalistas chamariam de “credibilidade” do resto deste livro, a
discordância é em grande parte acadêmica. Da mesma forma como não é conveniente falar sobre
quanta e partículas fundamentais quando discutimos o funcionamento de um carro, assim também é
muitas vezes tedioso e desnecessário constantemente introduzir genes quando discutimos o
comportamento de máquinas de sobrevivência. Como uma aproximação, na prática é geralmente
conveniente considerar c corpo individual como um agente “tentando” aumentar o número de todos
os seus genes nas gerações futuras. Usarei a linguagem da conveniência. Salvo alguma afirmação
em contrário, “comportamento altruísta” e “comportamento egoísta” significarão o comportamento
dirigido de um corpo animal para outro.
Este capítulo trata de comportamento – o truque do movimento rápido que tem sido, em
grande parte, explorado pelo ramo animal das máquinas de sobrevivência. Os animais tornaram-se
veículos ativos e vigorosos dos genes: máquinas gênicas. A característica do comportamento, como
os biólogos utilizam o termo, é ele ser rápido. As plantas movem-se mas muito vagarosamente.
Quando vistas em um filme muito acelerado as trepadeiras parecem animais ativos. A maior parte do
movimento das plantas, entretanto, é, na realidade, crescimento irreversível. Os animais, por outro
lado, desenvolveram famas de se movimentar centenas de milhares de vezes mais rapidamente.
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Além disto, os movimentos que realizam são reversíveis e podem ser repetidos um número
indefinido de vezes.
O dispositivo desenvolvido pelos animais para conseguir movimento rápido foi o músculo. Os
músculos são máquinas que utilizam a energia armazenada no combustível químico para gerar
movimento mecânico, da mesma forma como a máquina à vapor e o motor de combustão interna. A
diferença é que a força mecânica imediata de um músculo é gerada sob a forma de tensão e não de
pressão de gás como no caso das duas outras máquinas. Os músculos, todavia, são como máquinas
no sentido de freqüentemente exercerem força sobre cabos e alavancas com dobradiças. As
alavancas são, em nós, conhecidas como ossos, os cabos como tendões e as dobradiças como
articulações. Sabe-se bastante sobre o mecanismo molecular pelo qual os músculos trabalham, mas
acho mais interessante a questão de como as contrações musculares são reguladas.
Você alguma vez observou uma máquina artificial de certa complexidade, uma máquina de
costura ou de tricô, um tear, uma fábrica de engarrafamento automático, ou uma enfardadeira de
feno? A força motriz vem de algum lugar, de um motor elétrico, por exemplo, ou de um tratar.
Muito mais surpreendente, porém, é a regulagem complicada das operações. Válvulas abrem e
fecham na ordem certa, garras de aço habilmente dão um nó ao redor de um fardo de feno e então,
exatamente no momento certo, uma lâmina projeta-se e corta a corda. Em muitas máquinas
artificiais a regulagem é obtida por meio da carne, esta invenção brilhante. Ela transforma o
movimento rota-t6rio simples em um padrão rítmico complexo de operações, por meio de uma roda
excêntrica ou de forma especial. O princípio da caixa de música é semelhante. Outras máquinas
como o órgão à vapor e a pianola utilizam cilindros de papel ou cartões perfurados segundo um
padrão. Recentemente tem havido uma tendência a substituir estes reguladores mecânicos simples
por outros eletrônicos. Os computadores digitais são exemplos de dispositivos eletrônicos grandes e
versáteis que podem ser usados para gerar padrões complexos regulados de movimento. O
componente básico de uma máquina eletrônica moderna, como o computador, é o semicondutor, do
qual o transistor é um exemplo familiar.
As máquinas de sobrevivência parecem ter deixado de lado completamente a carne e o cartão
perfurado. O mecanismo que utilizam para regular seus movimentos tem mais em comum com o
computador eletrônico, embora seja rigorosamente diferente no funcionamento básico. A unidade
fundamental dos computadores biológicos, a célula nervosa ou neurônio, na realidade não se parece
em nada a um transístor em seu funcionamento interno. O código pelo qual os neurônios
comunicam-se entre si, sem dúvida, se parece um pouco com os códigos de pulsações dos
computadores digitais, mas o neurônio individual é uma unidade de processamento de dados muito
mais sofisticada do que o transístor. Em vez de ter apenas três conexões com outros componentes,
um único neurônio poderá ter dezenas de milhares. Ele é mais Vagaroso do que o transístor, mas
avançou muito mais em direção à miniaturização, a tendência que tem dominado a indústria
eletrônica nas últimas duas décadas. Isto é ilustrado pelo fato de que existem cerca de dez bilhões de
neurônios no cérebro humano: você poderia acondicionar apenas poucas centenas de transistores em
um crânio.
As plantas não têm necessidade do neurônio, pois obtêm seu sustento sem se movimentarem,
mas ele é encontrado na grande maioria dos grupos animais. Talvez tenha sido “descoberto” cedo na
evolução animal e herdado por todos os grupos, ou talvez tenha sido redescoberto
independentemente várias vezes.
Os neurônios são, basicamente, apenas células, com um núcleo e cromossomos como as
demais. Suas paredes celulares, no entanto, são prolongadas em projeções finas e longas,
semelhantes a fios. O neurônio possui, freqüentemente, um “fio” particularmente longo chamado
axônio. Embora a espessura do axônio seja microscópica, seu comprimento poderá ser de bem mais
de um metro: existem axônios individuais que percorrem toda a extensão do pescoço da girafa. Os
axônios estão, geralmente, enfeixados em cabos com muitos fios chamados nervos. Estes estendemse de uma parte do corpo a outra, levando mensagens, de forma semelhante a cabos de troncos
telefônicos. Outros neurônios possuem axônios curtos e estão confinados a concentrações densas de
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tecido nervoso chamadas gânglios ou, quando são muito grandes, cérebros. Estes últimos podem ser
considerados como tendo função análoga aos computadores. São análogos no sentido de que ambos
os tipos de máquinas geram padrões complexos de saída, após a análise de padrões complexos de
entrada e após consulta à informação armazenada.
A principal maneira pela qual os cérebros de fato contribuem para o sucesso das máquinas de
sobrevivência é controlando e coordenando as contrações dos músculos. Para fazer isto necessitam
cabos que se estendam aos músculos, os quais são chamados nervos motores. No entanto, isto só
leva à preservação eficiente dos genes se a regulagem das contrações musculares tiver alguma
relação com a regulagem de acontecimentos no mundo exterior. É importante contrair os músculos
das mandíbulas apenas quando elas contiverem alguma coisa que valha à pena ser mordida, e
contrair os músculos da perna em configurações de corrida apenas quando há alguma coisa para a
qual ou da qual valha à pena correr. Devido a isto, a seleção natural favoreceu os animais que
equiparam-se com órgãos dos sentidos, dispositivos que traduzem os padrões de eventos físicos no
mundo externo para o código de pulsações dos neurônios. O cérebro é conectado aos órgãos dos
sentidos – olhos, ouvidos, papilas gustativas, etc. – por meio de cabos chamados nervos sensoriais.
O funcionamento dos sistemas sensoriais podem realizar feitos muito mais sofisticados de
reconhecimento de padrões do que as melhores e mais caras máquinas feitas pelo homem. Se assim
não fosse, todas as datilógrafas seriam supérfluas, sobrepujadas por máquinas de reconhecimento da
linguagem falada ou por máquinas para a leitura de manuscritos. As datilógrafas humanas ainda
serão necessárias muitas décadas.
Talvez tenha havido uma época na qual os órgãos dos sentidos comunicavam-se mais ou
menos diretamente com os músculos. As anêmonas marinhas, de fato, não estão, hoje, muito longe
deste estado, pois ele é eficiente para seu modo de vida. Porém, para se obter um relacionamento
mais complexo e indireto entre a regulagem de acontecimentos no mundo externo e a regulagem das
contrações musculares, foi necessário algum tipo de cérebro como intermediário. Um avanço
notável foi a “invenção” evolutiva da memória. por meio deste dispositivo a regulagem das
contrações musculares pode ser influenciada não apenas por acontecimentos do passado imediato,
mas também por acontecimentos do passado distante. A memória ou armazenamento é, igualmente,
uma parte essencial de um computador digital. As memórias dos computadores são mais confiáveis
do que as humanas, mas têm menos capacidade e são muito menos sofisticadas em suas técnicas de
recuperação de informação.
Uma das propriedades mais surpreendentes do comportamento de máquinas de sobrevivência
é sua aparente intencionalidade. Com isto não quero dizer apenas que este comportamento parece
estar corretamente calculado para ajudar os genes do animal a sobreviver, embora, evidentemente,
ele esteja. Estou me referindo a uma analogia mais próxima do comportamento humano intencional.
Quando observamos um animal “procurar” alimento, um parceiro sexual, ou um filhote extraviado,
dificilmente podemos deixar de atribuir-lhe alguns dos sentimentos subjetivos que nós próprios
experimentamos quando fazemos o mesmo. Estes sentimentos poderão incluir o “desejo” por algum
objeto, um “quadro mental” do objeto desejado, ou um "propósito” ou “objetivo em vista”. Cada um
de nós sabe, a partir da evidência de sua própria introspecção, que pelo menos em uma máquina de
sobrevivência moderna esta intencionalidade desenvolveu a propriedade que chamamos de
"consciência”. Não sou filósofo o suficiente para discutir o que isto significa, mas felizmente não
importa para nossos propósitos aqui porque é fácil falar sobre máquinas que se comportam como se
fossem motivadas por uma finalidade e deixar em aberto a questão sobre se elas realmente são
conscientes. Estas máquinas são, basicamente, muito simples e os princípios do comportamento
intencional inconsciente estão entre os lugares-comuns da Engenharia. O exemplo clássico é o
governador de vapor de Watt.
O princípio fundamental envolvido é chamado retroalimentação negativa, da qual existem
várias formas diferentes. O que acontece, em geral, é o seguinte. A “máquina finalista”, aquela
máquina ou coisa que se comporta como se tivesse um propósito consciente, d equipada com algum
tipo de mecanismo de medida, o qual mede a discrepância entre o estado atual e o estado
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“desejado”. A máquina é construída de tal forma que quanto maior for esta discrepância, mais
arduamente ela trabalhará. Desta maneira a máquina automaticamente tenderá a reduzir a
discrepância – por isto chama-se retroalimentação negativa – e poderá, de fato, parar se o estado
“desejado” for atingido. O governador de Watt consiste de um par de bolas que são giradas por uma
máquina a vapor. Cada bola se localiza na extremidade de um braço articulado. Quanto mais
rapidamente as bolas giram, mais a força centrífuga empurra os braços em direção a uma posição
horizontal, esta tendência sendo resistida pela gravidade. Os braços estão ligados à válvula de vapor
que alimenta a máquina, de tal forma que o fluxo deste tende a ser interrompido quando os braços se
aproximam da posição horizontal. Assim, se a máquina funciona rapidamente demais parte do vapor
será fechada e a máquina tenderá a funcionar mais lentamente. Se ela se torna lenta demais, mais
vapor lhe será automaticamente fornecido através da válvula e ela acelerará novamente. Máquinas
finalistas como esta freqüentemente oscilam devido à correção excessiva e à atuação retardada.
Constitui parte da perícia do engenheiro introduzir mecanismos adicionais a fim de reduzir as
oscilações.
O estado “desejado” do governador de Watt é uma velocidade específica de rotação. Ele, é
claro, não a deseja conscientemente. O “objetivo” de uma máquina é definido simplesmente como
aquele estado ao qual ela tende a voltar. As máquinas finalistas modernas utilizam extensões de
princípios básicos, como retroalimentação negativa, para obter um comportamento “aparentemente
vivo” muito mais complexo. Os mísseis guiados, por exemplo, parecem buscar ativamente seu alvo
e quando o têm em mira parecem persegui-la, levando em conta suas curvas e voltas evasivas e,
algumas vezes, até mesmo “prevendo-as” ou “antecipando-as”. Não vale a pena entrar nos detalhes
de como isto é feito. Estes envolvem retroalimentação negativa de vários tipos, “avante –
alimentação” e outros princípios bem compreendidos pelos engenheiros e que agora se sabe estão
extensamente envolvidos no funcionamento de corpos vivos. Nada que remotamente se aproxime de
consciência precisa ser postulado, embora um leigo, observando o comportamento aparentemente
deliberado e intencional do míssil, ache difícil acreditar que ele não está sob o controle direto de um
piloto humano.
Constitui uma concepção errônea comum a idéia de que por uma má-quina tal como um míssil
guiado ter sido originalmente planejada e construída pelo homem consciente, então deve, na
verdade, estar sob o controle imediato deste. Outra variante desta falácia é que “os computadores na
realidade não jogam xadrez, pois só podem fazer aquilo que um operador humano lhes mandar”. É
importante compreendermos porque isto é falacioso, uma vez que afeta nossa compreensão do
sentido no qual se pode dizer que os genes “controlam” o comportamento. O xadrez de computador
é um exemplo bastante bom para ilustrar a questão, de modo que discutirei-o rapidamente.
Os computadores ainda não jogam xadrez tão bem quanto os grão-mestres humanos, mas
atingiram o padrão de um bom amador. Mais exatamente, deveria-se dizer que os programas
atingiram o padrão de um bom amador, pois um programa para jogo de xadrez não se incomoda com
que computador físico ele usa para desempenhar suas habilidades. Então, qual é o papel do
programador humano? Em primeiro lugar, ele não manipula o computador a todo instante, como um
titereiro puxando os cordões. Isto seria trapacear. Ele escreve o programa, coloca-o no computador e
então este último fica só: não há intervenção humana subseqüente, a não ser o adversário
datilografando seus movimentos. Será que o programador antecipa todas as posições possíveis do
xadrez e fornece ao computador uma longa lista de movimentos adequados, um para cada
eventualidade possível? Certamente não, pois o número de posições possíveis no xadrez é tão
grande que o mundo terminaria antes que a lista estivesse completa. Pela mesma razão, o
computador absolutamente não pode ser programado para experimentar “em sua cabeça” todos os
movimentos e todas as conseqüências possíveis, até encontrar uma estratégia para a vitória. Há mais
jogos de xadrez possíveis do que átomos na galáxia. Isto é suficiente a respeito de pseudo-soluções
triviais para o problema de programar um computador para jogar xadrez. Na realidade, este é um
problema extremamente difícil e não surpreende que os melhores programas ainda não tenham
atingido o nível de grão-mestres.
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O verdadeiro papel do programador é mais semelhante àquele do pai ensinando seu filho a
jogar xadrez. Ele diz ao computador quais os movimentos básicos do jogo, não separadamente para
cada posição inicial possível, mas em termos de regras expressadas mais economicamente. Ele não
diz literalmente em inglês claro “os bispos movem-se em diagonal”, mas diz alguma coisa
matematicamente equivalente tal como (mas mais resumidamente): “novas coordenadas para o bispo
são obtidas a partir de coordenadas antigas adicionando-se a mesma constante, embora não
necessariamente com o mesmo sinal, tanto à coordenada antiga x como à coordenada antiga y.” O
programador poderá então programar alguns “conselhos”, escritos no mesmo tipo de linguagem
matemática ou lógica, mas correspondendo, em termos humanos, a sugestões tais como “não deixe
seu rei desprotegido”, ou a truques úteis como “forking” com o cavalo. Os detalhes são intrigantes,
mas nos levariam longe demais. O importante é o seguinte. Quando está realmente jogando, o
computador está só e não pode esperar ajuda de seu mestre. A única coisa que o programador pode
fazer é preparar o computador de antemão da melhor maneira possível com um equilíbrio
apropriado entre listas de conhecimento e sugestões sobre estratégias e técnicas.
Os genes também controlam o comportamento de suas máquinas de sobrevivência, não
diretamente com seus dedos nos cordões dos bonecos, mas indiretamente como o programador de
um computador. A única coisa que podem fazer é preparar a máquina de sobrevivência de antemão.
Ela então estará só e os genes apenas poderão acomodar-se passivamente dentro dela. Por que eles
são tão passivos? Por que não pegam as rédeas e assumem a direção a cabida instante? A resposta é
que eles não podem fazer isto devido a problemas de retardamento. Isto é exemplificado melhor por
outra analogia, tirada da ficção científica. A for Andromeda * de Fred Hoyle e John Elliot é uma
história excitante e como toda boa ficção científica possui algumas questões científicas interessantes
por trás. O livro, estranhamente, parece não conter menção explícita a mais importante destas
questões subjacentes. Ela é deixada à imaginação do leitor. Espero que os autores não se importem
se a explícito aqui.
Há uma civilização a 200 anos-luz de distância, na constelação de Andrômeda. Eles querem
difundir sua cultura a mundos distantes. Qual a melhor maneira de fazê-lo? A viagem direta está
fora de cogitação. A velocidade da luz impõe um limite superior teórico à velocidade pela qual se
pode ir de um lugar a outro no universo e considerações mecânicas impõem, na prática, um limite
muito inferior. Além disto, talvez não hajam tantos mundos assim aos quais valha a pena ir, e como
se pode saber em que direção ir? O rádio é uma maneira melhor de se comunicar com o resto do
universo, já que se tivermos a potência suficiente para transmitir os sinais em todas as direções, em
vez de irradiá-los em uma direção apenas, poderemos atingir um grande número de mundos (este
número aumenta segundo o quadrado da distância que o sinal viaja). As ondas de rádio viajam à
velocidade da luz, o que significa que o sinal leva 200 anos para alcançar a Terra a partir de
Andrômeda. O problema com uma distância desta natureza é que não se pode manter uma
conversação. Mesmo se descontarmos o fato de que cada mensagem sucessiva a partir da Terra seria
transmitida por pessoas separadas entre si por doze gerações, seria simplesmente um desperdício
tentar conversar a tais distâncias.
Este problema logo surgirá seriamente para nós: as ondas de rádio levam cerca de quatro
minutos para viajar entre a Terra e Marte. Não há dúvida de que os astronautas terão que se
desacostumar a conversar por sentenças curtas alternadas e terão que utilizar solilóquios ou
monólogos longos mais semelhantes a cartas do que a conversas. Como outro exemplo, Roger Payne
lembrou que a acústica do mar tem certas propriedades peculiares, de modo que o "canto”
extremamente alto da baleia corcunda poderia, teoricamente, ser ouvido em todo o mundo, desde
que as baleias nadem a uma certa profundidade. Não se sabe se elas realmente comunicam-se entre
si a grandes distâncias, mas se o fazem devem ter o mesmo problema que um astronauta em Marte.
A velocidade do som na água é tal que levaria quase duas horas para o canto viajar através do
Oceano Atlântico e a resposta voltar. Sugiro isto como explicação para o fato de que as baleias
*
N. T. – Ameaça de Andrômeda, trad. Jorge Fonseca, Ed. Livros do Brasil, col. Argonauta n. 98, Lisboa, s/ data.
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emitem um solilóquio contínuo, sem se repetirem, durante oito minutos. Voltam, então, para o
começo do canto e repetem-no inteiramente, assim muitas vezes, cada ciclo completo durando
aproximadamente oito minutos.
Os habitantes de Andrômeda da história fizeram a mesma coisa. Como não tinha sentido
esperar uma resposta, reuniram tudo o que queriam dizer em uma única mensagem ininterrupta
enorme e então irradiaram-na para o espaço, repetindo-a muitas vezes, com um ciclo de vários
meses. Sua mensagem, no entanto, era muito diferente daquela das baleias. Consistia em instruções
codificadas para a construção e programação de um computador enorme. As instruções,
evidentemente, não estavam em nenhuma língua humana, mas quase qualquer código pode ser
decifrado por um criptográfico habilidoso, especialmente se seus autores desejaram que ele fosse
facilmente decifrado. Captada pelo radiotelescópio de Jodrell Bank na Inglaterra, a mensagem foi
eventualmente decifrada, o computador construído e o programa processado. Os resultados foram
quase desastrosos para a humanidade, pois as intenções dos habitantes de Andrômeda não eram
universalmente altruístas e o computador estava a caminho de se tornar ditador do mundo antes que
o herói eventualmente o eliminasse com um machado.
De nosso ponto de vista a questão interessante é em que sentido se poderia dizer que os
habitantes de Andrômeda estavam manipulando eventos na Terra. Eles não tinham controle direto
sobre o que o computador fazia a cada instante. Eles não tinham, de fato, nenhuma maneira de saber,
inclusive, que o computador havia sido construído, pois a informação teria levado 200 anos para
voltar a eles. As decisões e ações do computador eram inteiramente suas. Ele não poderia nem
mesmo recorrer a seus mestres para pedir instruções sobre o plano de ação geral. Todas as suas
instruções tinham que ser incorporadas antecipadamente devido à barreira inviolável dos 200 anos.
Ele deve ter sido programado, em princípio, de maneira semelhante a um computador de jogo de
xadrez, mas com maior flexibilidade e capacidade para absorver informação local. E isto porque o
programa tinha que ser projetado para funcionar não apenas na Terra mas em qualquer mundo que
possuísse uma tecnologia avançada, qualquer um de um conjunto de mundos cujas condições
detalhadas os habitantes de Andrômeda não tinham possibilidade de conhecer.
Da mesma maneira como os habitantes de Andrômeda tinham que possuir um computador na
Terra para tomar suas decisões cotidianas, nossos genes têm que construir um cérebro. Os genes, no
entanto, não são apenas os habitantes de Andrômeda que mandam as instruções codificadas, são
também as próprias instruções. O motivo pelo qual eles não podem manipular nossos cordões de
bonecos diretamente é a mesma : intervalos. Os genes funcionam controlando a síntese protéica.
Esta é uma maneira poderosa de manipular o mundo, mas é vagarosa. Leva meses de um paciente
puxar de cordões de proteína para formar um embrião. A característica básica do comportamento,
por outro lado, é que ele é rápido. Ele trabalha não numa escala de meses mas de segundos e frações
de segundos. Alguma coisa acontece no mundo, uma coruja surge por cima, um farfalho no capim
alto denuncia a presa e em milissegundos sistemas nervosos entram em ação, músculos arremetem e
a vida de alguém é salva – ou perdida. Os genes não têm tempos de reação como esses. Como os
habitantes de Andrômeda, os genes apenas podem fazer o melhor possível antecipadamente
construindo um computador executante rápido para si e programando-o de antemão com regras e
“conselhos” para lidar com tantas eventualidades quantas possam “antecipar”. A vida, porém, como
o jogo de xadrez, oferece eventualidades diferentes possíveis em número grande demais para que
todas possam ser antecipadas. Como o programador de xadrez, os genes têm que “instruir” suas
máquinas de sobrevivência não quanto a aspectos específicos, mas quanto a estratégias e truques
gerais da arte de viver.
Como J. Z. Young lembrou, os genes têm que realizar uma tarefa análoga à predição. Quando
o embrião de uma máquina de sobrevivência está sendo construído os perigos e problemas de sua
vida estão no futuro. Quem pode saber que carnívoros estão agachados esperando-o atrás daqueles
arbustos, ou que presa veloz se lançará e ziguezagueará em seu caminho? Nenhum profeta humano e
nem tampouco nenhum gene. Algumas previsões gerais, porém, podem ser feitas. Os genes de ursos
polares podem prever com segurança que o futuro de sua máquina de sobrevivência ainda não
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nascida será frio. Eles não imaginam isto como uma profecia, não imaginam nada: simplesmente
fazem uma cobertura espessa de pelos, pois é isto que sempre fizeram antes em corpos anteriores e é
por isso que ainda existem no “pool” de genes. Prevêem também que o solo estará coberto de neve e
esta previsão assume a forma da construção da cobertura de pelos de cor branca, portanto camuflada.
Se o clima das regiões árticas mudasse tão rapidamente que o filhote do urso nasces-se em um
deserto tropical, as previsões dos genes estariam erradas e estes pagariam o preço. O filhote morreria
e eles dentro dele.
A previsão em um mundo complexo é uma coisa arriscada. Toda decisão que uma máquina de
sobrevivência toma é uma jogada arriscada e constitui uma tarefa dos genes programar os cérebros
de antemão de modo que em média eles tornem decisões que compensem. A moeda corrente
utilizada no cassino da evolução é a sobrevivência, mais exatamente a sobrevivência do gene, mas a
sobrevivência do indivíduo é, para muitos propósitos, uma aproximação razoável. Se você vai à
cacimba beber água, aumenta seu risco de ser comido por predadores que vivem de emboscar presas
em cacimbas. Se você não vai à cacimba eventualmente morrerá de sede. I3á riscos para qualquer
lado que você se vire e é preciso tomar a decisão que maximize as chances de sobrevivência a longo
prazo de seus genes. Talvez a melhor política seja adiar o beber até que você tenha muita sede, e
então ir até lá e beber longamente, de modo que lhe seja suficiente por muito tempo. Desta forma
você reduziria o número de visitas separadas à cacimba, mas teria que passar muito tempo com a
cabeça abaixada quando finalmente fosse beber. Por outro lado, a melhor jogada talvez seja beber
pouco muitas vezes, apanhando goles rápidos de água enquanto passa correndo pela cacimba. Qual é
a melhor estratégia depende de muitas coisas complexas, sendo importante entre elas o hábito de
caça dos predadores, o qual, por sua vez, foi desenvolvido para ter eficiência máxi-ma do ponto de
vista destes últimos. Algum tipo de avaliação das possibilidades tem que ser feito. Mas,
evidentemente, não temos que imaginar que o animal faça os cálculos conscientemente. Apenas
temos que acreditar que os indivíduos cujos genes construíram cérebros de maneira que tenham a
tendência a fazer jogadas carretas, terão, como conseqüência direta, maior probabilidade de
sobreviver e portanto de propagar aqueles mesmos genes.
Podemos levar a metáfora do jogo um pouco mais longe. Um jogador deve pensar em três
quantidades importantes: a aposta, as possibilidades e o prêmio. Se o prêmio é muito grande o
jogador estará preparado para arriscar uma aposta alta. Um jogador que arrisca tudo em uma única
jogada sujeita-se a ganhar muito. E também sujeita-se a perder muito, mas jogadores de apostas
altas, em média, não são mais nem menos favorecidos do que outros que disputam ganhos pequenos
com apostas baixas. Uma comparação análoga é aquela entre investidores especuladores e
investidores seguros na bolsa de valores. Sob certos aspectos a bolsa é uma analogia melhor do que
um cassino, porque os cassinos são manejados deliberadamente em favor do banco (o que significa,
a rigor, que os jogadores de apostas altas, em média, acabarão mais pobres do que os jogadores de
apostas baixas e estes acabarão mais pobres do que aqueles que absolutamente não jogam. Mas isto
é devido a um motivo que não é importante para nossa discussão). Se isto for ignorado, tanto o jogo
alto como o baixo parecem razoáveis. Haverá jogadores animais que apostam alto e outros que
fazem um jogo mais conservador? No Capítulo 9 veremos que é freqüentemente possível imaginar
os machos como jogadores de apostas e risco elevados e as fêmeas como investidores seguros,
especialmente em espécies polígamas nas quais os machos competem pelas fêmeas. Os naturalistas
que lerem este livro poderão ser capazes de pensar em espécies que possam ser descritas como
jogadores de apostas e risco elevados e outras que fazem um jogo mais conservador. Volto agora ao
tema mais geral de como os genes fazem “previsões” sobre o futuro.
Uma maneira dos genes resolverem o problema de fazer previsões em ambientes bastante
imprevisíveis é incorporar a capacidade de aprender. Aqui, o programa poderá assumir a forma das
seguintes instruções à máquina de sobrevivência: “eis aqui uma lista de coisas definidas como
gratificantes: gosto doce na boca, orgasmo, temperatura moderada, uma criança sorrindo. E eis aqui
uma lista de coisas desagradáveis: vários tipos de dor, náusea, estômago vazio, uma criança
gritando. Se por acaso você fizer alguma coisa que for seguida por uma das coisas desagradáveis,
não o faça novamente, mas, por outro lado, repita qualquer coisa seguida por uma das coisas boas.”
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A vantagem deste tipo de programação é que ele reduz grandemente o número de regras detalhadas
que devem ser introduzidas no programa original. E ele é também capaz de lidar com mudanças no
ambiente as quais não poderiam ter sido previstas com detalhe. Por outro'lado, certas previsões ainda
precisam ser feitas. Em nosso exemplo, os genes prevêem que o gosto doce na boca e o orgasmo
serão “bons” no sentido de que comer açúcar e copular provavelmente serão benéficos à
sobrevivência do gene. De acordo com este exemplo, a possibilidade da existência da sacarina e da
masturbação não é antecipada. Tampouco são antecipados os perigos da ingestão excessiva de
açúcar em nosso meio, onde ele existe em abundância não natural.
Estratégias de aprendizagem têm sido utilizadas em alguns programas para jogo de xadrez por
computador. Esses programas de fato melhoram à medida que jogam contra adversários humanos ou
contra outros computadores. Embora estejam equipados com um repertório de regras e táticas,
também possuem uma pequena tendência aleatória introduzida em seu procedimento de decisão.
Eles registram decisões anteriores e quando quer que ganhem um jogo aumentam ligeiramente o
peso atribuído à tática que precedeu a vitória, de modo que na vez seguinte têm um pouco mais de
probabilidade de escolher novamente a mesma tática.
Um dos métodos mais interessantes de prever o futuro é a simulação. Se um general deseja
saber se um plano militar específico será melhor do que outros alternativos ele tem um problema de
previsão. Existem variáveis desconhecidas no clima, no moral de suas tropas e nas possíveis
medidas defensivas do inimigo. Uma maneira de descobrir se ele é um plano bom é experimentá-lo
e verificar, mas é indesejável usar este teste para todos os planos tentativos imagináveis, se não por
outra razão simplesmente porque o suprimento de rapazes preparados para morrer “por sua pátria” é
exaurível e o suprimento de planos possíveis é muito grande. É melhor experimentar os vários
planos em manobras do que em situações reais. Isto poderá assumir a forma de exercícios em larga
escala com os “Azuis” combatendo os “Vermelhos”, utilizando-se munição de festim, mas mesmo
isto é dispendioso em tempo e materiais. Jogos de guerra poderão ser realizados menos
dispendiosamente com soldadinhos de chumbo e pequenos tanques de brinquedo sendo movidos
sobre um mapa.
Recentemente os computadores têm assumido grande parte da função de simulação, não
apenas em estratégia militar mas em todos os campos onde a previsão do futuro é necessária,
campos como Economia, Ecologia, Sociologia e muitos outros. A técnica funciona da seguinte
maneira. Um modelo de algum aspecto do mundo é montado no computador. Isto não significa que
se você desparafusasse a tampa veria uma pequena imitação em miniatura dentro, com a mesma
forma do objeto simulado. No computador que joga xadrez não há nenhuma “imagem mental”
dentro do banco de memória que possa ser reconhecida como um tabuleiro de xadrez com cavalos e
peões sobre ele. O tabuleiro de xadrez e sua posição num dado instante seriam representados por
listas de números codificados eletronicamente. Para nós um mapa é um modelo em miniatura em
escala de uma parte do mundo, comprimido em duas dimensões. Em um computador, um mapa seria
representado, mais provavelmente, por uma lista de cidades e outros locais, cada qual com dois
números – sua latitude e sua longitude. Mas não importa como o computador realmente guarda o
modelo do mundo em sua cabeça, desde que o guarde de forma que possa operar sobre ele,
manipulá-lo, realizar experimentas e comunicar-se de volta com os operadores humanos em termos
que estes possam entender. Através da técnica da simulação batalhas em miniatura podem ser
ganhas ou perdidas, aviões de passageiros podem voar ou cair, políticas econômicas podem levar à
prosperidade ou à ruína. Em cada caso todo o processo ocorre dentro do computador em uma
pequena fração do tempo que leva-ria na situação real. Há, evidentemente, bons e maus modelos do
mundo, e mesmo os bons são apenas aproximações. Nenhuma simulação pode prever exatamente o
que acontecerá na realidade, mas uma boa simulação é muito preferível à tentativa e erro cegos. A
simulação poderia ser chamada de tentativa e erro substitutivos, um termo infelizmente já
apropriado há muito tempo pelos psicólogos de ratos.
Se a simulação é uma idéia tão boa poderíamos esperar que as máquinas de sobrevivência a
tivessem descoberto primeiro. Afinal de contas, elas in-ventaram muitas das outras técnicas da
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Engenharia humana muito antes que surgíssemos: a lente de focalização e o refletor parabólico, a
análise de freqüência de ondas sonoras, o servocontrole, o sonar, o armazenamento auxiliar de
informação de entrada e inúmeras outras com nomes longos, cujos detalhes não importam. E com
respeito à simulação? Bem, quando você próprio tem uma decisão difícil a tomar envolvendo fatores
desconhecidos do futuro, você de fato faz um tipo de simulação. Você imagina o que aconteceria se
seguisse cada uma das alternativas disponíveis. Estabelece um modelo em sua cabeça, não de tudo
no mundo, mas do conjunto restrito de entidades que você acha que talvez sejam relevantes. Poderá
ver estas últimas distintamente em seu olho mental, ou poderá ver e manipular suas abstrações
estilizadas. Em qualquer caso, é pouco provável que exista disposto em algum lugar de seu cérebro
um modelo espacial real dos acontecimentos que você está imaginando. Exatamente como no
computador, porém, os detalhes de como seu cérebro representa o modelo do mundo são menos
importantes do que o fato dele ser capaz de usar e prever eventos possíveis. As máquinas de
sobrevivência que podem simular o futuro estão um passo à frente das máquinas de sobrevivência
que podem apenas aprender com base na tentativa e erro manifestos. O problema com a tentativa
manifesta é que ela custa tempo e energia. E o problema com o erro manifesto é que ele é
freqüentemente fatal. A simulação é ao mesmo tempo mais segura e mais rápida.
A evolução da capacidade de simular parece ter culminado na consciência subjetiva. Porque
isto aconteceu é para mim o mais profundo mistério com o qual se defronta a Biologia moderna.
Não há razão para supor que os computadores eletrônicos estejam conscientes quando simulam,
embora tenhamos que admitir que no futuro eles talvez o fiquem. Talvez a consciência se origine
quando a simulação que o cérebro faz do mundo se toma tão completa que precisa incluir um
modelo de si mesma. Os membros e o corpo de uma máquina de sobrevivência devem, obviamente,
constituir uma parte importante de seu mundo simulado. Pela mesma razão, presumivelmente, a
própria simulação poderia ser considerada parte do mundo a ser simulado. Outra palavra para isto
poderia, de fato, ser “auto-consciência”, mas não acho esta explicação plenamente satisfatória para a
evolução da consciência, e isto não apenas porque ela envolve uma regressão infinita – se há um
modelo do modelo, por que não um modelo do modelo do modelo...?
Quaisquer que sejam os problemas filosóficos suscitados pela consciência, para os propósitos
desta história ela pode ser imaginada como a culminação de uma tendência evolutiva dirigida à
emancipação das máquinas de sobrevivência, enquanto tomadoras de decisões executivas, de seus
derradeiros mestres, os genes. Os cérebros não estão apenas encarregados do controle contínuo das
ocupações das máquinas de sobrevivência, mas adquiriram também a habilidade de prever o futuro e
agir de acordo. Têm até mesmo o poder de rebelarem-se contra os ditames dos genes, por exemplo
ao recusar ter tantos filhos quanto são capazes. A este respeito, porém, o homem é um caso muito
especial, como veremos.
O que tudo isto tem a ver com altruísmo e egoísmo? Estou tentando formar a idéia de que o
comportamento animal, altruísta ou egoísta, está sob o controle dos genes apenas em um sentido
indireto, embora assim mesmo muito poderoso. Ditando a maneira pela qual as máquinas de
sobrevivência e seus sistemas nervosos são construídos, os genes exercem o poder final sobre o
comportamento. Mas as decisões a cada instante sobre o que fazer em seguida são assumidas pelo
sistema nervoso. Os genes são os fazedores primários dos planos de ação, os cérebros são os
executantes. Mas à medida que os cérebros tornaram-se mais altamente evoluídos assumiram cada
vez mais as decisões reais sobre os planos de ação, usando, ao fazê-lo, truques tais como a
aprendizagem e a simulação. A conclusão lógica desta tendência, ainda não atingida em qualquer
espécie, seria os genes darem à máquina de sobrevivência uma única instrução global sobre o
programa de ação: o que achar melhor para nos manter vivos.
É fácil fazer analogias com computadores e com a tomada de decisões pelo homem. Mas
agora devemos voltar à realidade e lembrar que a evolução de fato ocorre por etapas, através da
sobrevivência diferencial dos genes no “fundo”. Portanto, para que um padrão de comportamento –
altruísta ou egoísta – se desenvolva é necessário que um gene “para” este comportamento sobreviva
no “fundo” com maior sucesso que um gene rival ou alelo “para” um comportamento diferente. Um
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gene para comportamento altruísta significa qualquer gene que influencie o desenvolvimento de
sistemas nervosos de tal maneira que faça com que seja mais provável estes se comportarem
altruisticamente. Há alguma evidência experimental de herança genética do comportamento
altruísta? Não, mas isto não surpreende, pois pouco tem sido feito com relação à Genética de
qualquer tipo de comportamento. Em vez disso, deixe-me falar-lhe sobre um estudo de padrão de
comportamento o qual não parece obviamente altruísta, mas que é complexo o suficiente para ser
interessante. Ele serve de modelo sobre como o comportamento altruísta poderá ser herdado.
As abelhas de mel sofrem de uma doença infecciosa chamada cria pútrida, a qual ataca as
larvas em suas células. Das variedades domésticas utilizadas pelos apicultores algumas estão mais
ameaçadas pela cria pútrida do que outras, e verifica-se que a diferença entre as linhagens, pelo
menos em alguns causos, é comportamental. Existem linhagens assim chamadas higiênicas que
eliminam epidemias rapidamente localizando as larvas infectadas, puxando-as de suas células e
lançando-as para fora da colméia. As linhagens são suscetíveis porque não praticam este infanticídio
higiênico. O comportamento efetivamente envolvido na higiene é bastante complicado. As operárias
precisam localizar a célula de cada larva doente, remover a tampa de cera desta, puxar a larva para
fora, arrastá-la através da porta da colméia e lançá-la no depósito de detritos.
Realizar experimentos de Genética com abelhas é uma tarefa complicada por várias razões. As
próprias operárias normalmente não se reproduzem, de modo que é preciso cruzar uma rainha de
uma linhagem com um zangão (ou seja, um macho) de outra e em seguida examinar o
comportamento das operárias geradas. Foi isto que W. C. Rothenbuhler fez. Ele verificou que todas
as colméias híbridas de primeira geração eram não-higiênicas. O comportamento do progenitor
higiênico parecia ter sido perdido, embora, como se verificou depois, os genes higiênicos ainda
estivessem presentes, mas eram recessivos, como os genes humanos para olhos azuis. Quando
Rothenbuhler cruzou “para trás” híbridos de primeira geração com uma linhagem higiênica pura
(usando novamente, é claro, rainhas e zangões) ele obteve um belo resultado. As colméias filhas
enquadraram-se em três grupos. Um deles apresentou comportamento higiênico perfeito, outro não
apresentou comportamento higiênico nenhum e o terceiro grupo ficou no meio termo. Este último
grupo destampou as células de cera das larvas doentes, mas não prosseguiu jogando estas para fora.
Rothenbuhler supôs que talvez hajam dois genes separados, um par para destampar e outro para
jogar para fora. As linhagens higiênicas normais possuem ambos, as linhagens suscetíveis, em vez
disto, possuem seus alelos (rivais). Os híbridos que ficaram no meio termo presumivelmente
possuíam o gene para destampar (em dose dupla), mas não o gene para jogar para fora.
Rothenbuhler supôs que seu grupo experimental de abelhas à primeira vista completamente não
higiênicas talvez encobrisse um subgrupo possuindo o gene para lançar para fora, mas incapaz de
revelá-lo porque faltava-lhes o gene para destampar. Ele confirmou isto elegantemente removendo
ele próprio as tampas. Com efeito, metade das abelhas aparentemente não higiênicas, então,
apresentaram o comportamento de jogar para fora perfeitamente normal.
Esta história ilustra vários pontos importantes que surgiram no capítulo anterior. Ela mostra
que pode ser perfeitamente apropriado falar de “um gene para tal comportamento”, mesmo se não
temos nenhuma idéia da cadeia química de causas embrionárias que levam do gene ao
comportamento. A cadeia causal poderia até mesmo envolver aprendizagem. Poderia ocorrer, por
exemplo, que o gene para destampar exercesse seus efeitos dando às abelhas predileção por cera
infectada. Isto significa que elas achariam recompensador comer as tampas de cera que cobrem as
vítimas da doença e portanto tenderiam a repetir este comportamento. Mesmo se o gene realmente
funcionar assim, ele ainda será, de fato, um gene “para destampar”, desde que, outros fatores se
mantendo constantes, as abelhas que possuem o gene efetivamente destampem e aquelas que não o
possuem não o façam.
Em segundo lugar a história ilustra o fato de que os genes “cooperam” em seus efeitos sobre o
comportamento da máquina de sobrevivência coletiva. O gene para jogar para fora é inútil a menos
que esteja acompanhado pelo gene para destampar e vice-versa. Entretanto, experimentas genéticos
mostram com igual clareza que os dois genes são, em princípio, bastante separáveis em sua viagem
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através das gerações. No que se refere a seu funcionamento útil pode-se imaginá-los como uma
única unidade cooperadora, mas como genes que se replicam são dois agentes livres e
independentes.
Para efeito de discussão será necessário especular sobre genes “para” fazer uma série de coisas
improváveis. Se eu falar, por exemplo, sobre um gene hipotético “para salvar companheiros de
afogamento” e você achar um conceito desses incrível, lembre-se da história das abelhas higiênicas.
Lembre-se Que não estamos falando do gene como a única causa antecedente de todas as complexas
contrações musculares, integrações sensoriais e até mesmo decisões conscientes envolvidas em
salvar alguém de afogamento. Nada estamos dizendo sobre a questão referente a se a aprendizagem,
a experiência ou as influências ambientais entram no desenvolvimento do comportamento. Você tem
apenas que admitir que é possível um único gene, outras coisas sendo iguais e muitos outros fatores
ambientais e genes essenciais estando presentes, fazer um corpo que tenha maior probabilidade de
salvar alguém de afogamento do que seu alelo o faria. A diferença entre os dois genes, no fundo,
talvez seja uma pequena diferença em alguma variável quantitativa simples. Os detalhes do processo
de desenvolvimento embrionário, sem dúvida muito interessantes, são irrelevantes para as
considerações evolutivas. Konrad Lorenz expôs isto muito bem.
Os genes são programadores magistrais e programam por sua vida. São julgados de acordo
com o sucesso de seus programas em contender com todos os riscos que a vida lança a suas
máquinas de sobrevivência e o juiz é o juiz implacável do tribunal da sobrevivência. Veremos mais
tarde maneiras pelas quais a sobrevivência do gene pode ser favorecida pelo que aparenta ser um
comportamento altruísta. Mas as primeiras prioridades óbvias de uma máquina de sobrevivência e
do cérebro que toma as decisões por ela, são a sobrevivência individual e a reprodução. Todos os
genes na “colônia” concordariam sobre essas prioridades. Os animais, assim, esforçam-se por
encontrar e capturar alimento, por evitar serem eles próprios capturados e comidos, por evitar
doenças e acidentes, por protegerem-se de condições climáticas desfavoráveis, por encontrar
membros do sexo oposto e persuadi-los a se acasalar e por conferir a seus descendentes vantagens
semelhantes àquelas que eles próprios gozam. Não darei exemplos – se você quiser um,
simplesmente olhe com cuidado o próximo animal selvagem que encontrar. Quero, porém,
mencionar um tipo particular de comportamento porque precisaremos nos referir a ele novamente
quando falarmos de altruísmo e egoísmo. É o comportamento que pode ser chamado a grosso modo
de comunicação.
Pode-se dizer que uma máquina de sobrevivência se comunicou com outra quando ela
influencia seu comportamento ou o estado de seu sistema nervoso. Esta não é uma definição que eu
gostaria de ter que defender por muito tempo, mas é suficiente para nossos propósitos. Por
influência quero dizer in-fluência causal direta. Os exemplos de comunicação são numerosos: o
canto nas aves, nos sapos e nos grilos; o balançar da cauda e eriçar dos pêlos em cães; o “arreganhar
dos dentes” nos chimpanzés; a linguagem e os gestos humanos. Um grande número de ações das
máquinas de sobrevivência promovem o bem-estar de seus genes, indiretamente influenciando o
comportamento de outras máquinas de sobrevivência. Os animais esforçam-se por tornar essa
comunicação efetiva. Os cantos dos pássaros maravilham e mistificam gerações sucessivas de
homens. Já me referi ao canto ainda mais elaborado e misterioso da baleia corcunda, com seu
alcance prodigioso e suas freqüências abarcando toda a extensão da audição humana, de roncos
subsônicos a guinchos ultra-sônicos, As máquinas amplificam seu canto até volumes estentóreos
atando para dentro de um buraco que cavam cuidadosamente com a formação de uma trompa
exponencial dupla ou megafone. As abelhas dançam no erro para dar a outras abelhas informação
precisa sobre a direção e a distância pp alimento, um feito de comunicação rivalizado apenas pela
própria língua humana.
A história tradicional dos etólogos é que os sinais de comunicação evoluem para o benefício
mútuo tanto do emissor como do receptor. Os pintos, por exemplo, influenciam o comportamento de
suas mães soltando pios agudos e penetrantes quando estão perdidos ou com frio. Isto geralmente
tem o efeito imediato de chamar a mãe, a qual conduz o pinto de volta à ninhada. Poder-se-ia dizer
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que este comportamento desenvolveu-se para o benefício mútuo, no sentido de que a seleção natural
favoreceu os filhotes que piam quando estão perdidos, e também as mães que respondem
adequadamente ao pio. Se quisermos (não é realmente necessário) poderemos supor que sinais, tais
como o pio de chamamento, têm um significado ou carregam informação: neste caso “estou
perdido”. Poder-se-ia dizer que o grito de alarme emitido por aves pequenas, o qual mencionei no
Capítulo 1, transmite a informação “há um gavião”. Os animais que recebem esta informação e
agem de acordo são beneficiados. Pode-se dizer, portanto, que a informação é verdadeira. Mas os
animais jamais comunicam informação falsa, jamais mentem? A idéia de um animal mentir se presta
à interpretação errônea, de modo que devo tentar prevenir isto. Lembro-me de ter ouvido uma
palestra proferida por Beatrice e Allen Gardner sobre sua famosa chimpanzé “falante” Washoe (ela
usa a linguagem de sinais americana e sua façanha é de grande interesse potencial para estudantes de
línguas). Havia alguns filósofos na platéia e na discussão após a palestra eles estavam muito
preocupados com a questão sobre se Washoe poderia mentir. Imaginei que os Gardners acharam que
havia coisas mais interessantes sobre as quais falar, e concordei com eles. Neste livro estou usando
palavras como “enganar” e "mentir” num sentido muito mais direto do que aqueles filósofos. Eles
estavam interessados na intenção consciente de enganar. Estou falando simplesmente sobre ter um
efeito funcionalmente equivalente ao engano. Se uma ave usasse o sinal “há um gavião” quando não
houvesse nenhum gavião, desta maneira afugentando suas colegas, as quais deixariam-lhe toda sua
comida, poderíamos dizer que a ave havia mentido. Não quereríamos dizer que ela havia pretendido
deliberadamente enganar de maneira consciente. A única coisa que está implícita é que o mentiroso
obteve alimento às custas das outras aves e o motivo porque estas fugiram foi por terem reagido ao
grito daquele, de maneira apropriada à presença de um gavião.
Muitos insetos comestíveis, como as borboletas do capítulo anterior, adquirem proteção
mimetizando a aparência externa de outros insetos picadores ou de gosto desagradável. Nós próprios
somos freqüentemente enganados ao sermos levados a pensar que certas moscas listradas de amarelo
e preto são vespas. Algumas moscas que mimetizam abelhas são ainda mais perfeitas em seu
engodo. Os predadores mentem igualmente. O diabo-marinho espera pacientemente no fundo do
mar, combinando bem com o substrato. A única parte conspícua é um pedaço de carne vermiforme
que se contorce na extremidade de uma longa “vara de pescar”, projetada do topo da cabeça.
Quando um pequeno peixe se aproxima o diabo-marinho agita sua isca vermiforme em frente deste e
atrai-o para a região de sua própria boca escondida. Subitamente ele abre suas mandíbulas e o
pequeno peixe é sugado e comido. O diabo-marinho está mentindo, explorando a tendência do
pequeno peixe de aproximar-se de objetos vermiformes que se contorcem. Ele está dizendo “aqui há
um verme” e qualquer peixe pequeno que “acredite” na mentira é rapidamente comido.
Algumas máquinas de sobrevivência exploram os desejos sexuais de outras. Certas orquídeas
induzem abelhas a copular com suas flores, devido a grande semelhança destas com abelhas fêmeas.
O que a orquídea tem a ganhar com este engano é polinização, pois uma abelha que é enganada por
duas orquídeas acidentalmente levará pólen de uma para outra. Os vaga-lumes (os quais são, na
realidade, besouros) atraem seus parceiros sexuais piscando-lhes luzes. Cada espécie possui seu
próprio padrão de ponto e traço de lampejo, o qual evita confusão entre espécies e a conseqüente
hibridização prejudicial. Da mesma forma como os marinheiros procuram os padrões de lampejo de
faróis específicos, também os vaga-lumes buscam os padrões de lampejo codificado de sua própria
espécie. As fêmeas do gênero Photuris “descobriram” que podem atrair machos do gênero Photinus
se imitarem o código de lampejo de uma fêmea de Photinus. E é isto que fazem. Quando um macho
de Photinus é enganado pela mentira e se aproxima é sumariamente comido pela fêmea de Photuris.
As sereias e a Lorelei vêm à mente como analogias, mas os cornualeses preferirão pensar nos
ladrões de navios naufragados de antigamente, os quais usavam lanternas para atrair os navios às
rochas e então pilhavam a carga que se espalhava dos destroços.
Quando quer que um sistema de comunicação se desenvolva, há sempre o perigo de que
alguns o explorarão para seus próprios fins. Criados como fomos dentro da idéia de evolução do
“bem da espécie”, naturalmente imaginamos antes de mais nada que os mentirosos e enganadores
pertencem a espécies diferentes: predadores, presas, parasitas e assim por diante. No entanto,
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devemos esperar que mentiras, enganos e exploração egoísta de comunicação apareçam quando quer
que os interesses dos genes de indivíduos diferentes divirjam. Isto incluirá indivíduos da mesma
espécie. Como veremos, devemos até mesmo esperar que filhos enganem seus pais, que maridos
trapaceiem com as esposas e que irmão minta para irmão.
Mesmo a crença de que os sinais de comunicação animal originalmente desenvolvem-se para
promover o benefício comum e então, posteriormente, passam a ser explorados por grupos
malévolos, é por demais simples. Talvez ocorra que toda a comunicação animal contenha um
elemento de engano desde o começo, pois todas as interações animais envolvem pelo menos um
certo conflito de interesses. O próximo capítulo introduz uma maneira vigorosa de pensar sobre
conflitos de interesse de um ponto de vista evolutivo.
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Capítulo 5
AGRESSÃO: ESTABILIDADE E A MÁQUINA EGOÍSTA
Este capítulo trata principalmente do tópico mulato mal compreendido da agressão.
Continuaremos a considerar o indivíduo como uma máquina egoísta, programada para fazer o que
for melhor para seus genes como um todo. Esta é a linguagem da conveniência. No final do capítulo
voltaremos à linguagem dos genes isolados.
Para uma máquina de sobrevivência outra máquina de sobrevivência (que não seja de própria
prole ou outro parente próximo) é parte de seu ambiente, como uma rocha, um rio ou uma porção de
alimento. É alguma coisa que a atrapalha ou que pode ser explorada. Difere de uma rocha ou de um
rio em um aspecto importante: ela tem a tendência a reagir. Isto porque ela é também uma máquina
que guarda seus genes imortais para o futuro e que igualmente não se deterá diante de nada a fim de
preservá-los. A seleção natural favorece os genes que controlam suas máquinas de sobrevivência de
tal forma que estas façam o melhor uso de seu ambiente. Isto inclui fazer o melhor uso de outras
máquinas de sobrevivência, tanto da mesma espécie como de espécies diferentes.
Em alguns casos as máquinas de sobrevivência parecem se influenciar muito pouco. As
toupeiras e os melros, por exemplo, não se alimentam uns dos outros, não se acasalam e nem
competem por espaço para viver. Mesmo assim não devemos tratá-los como se estivessem
completamente isolados. É possível que compitam por alguma coisa, talvez minhocas. Isto não
significa que você algum dia verá uma toupeira e um melro envolvidos num cabo-de-guerra, lutando
por uma minhoca. De fato, um melro talvez nunca veja uma toupeira em toda sua vida. Mas, se você
eliminasse a população de toupeiras, o efeito sobre os melros poderia ser dramático, embora eu não
pudesse arriscar um palpite sobre como seriam os detalhes e nem por quais vias tortuosamente
indiretas a influência poderia viajar.
As máquinas de sobrevivência de espécies diferentes influenciam-se mutuamente de várias
maneiras. Elas poderão ser predadores ou presas, parasitas ou hospedeiros, ou competir por algum
recurso raro. Elas poderão ser exploradas de maneiras especiais, como por exemplo quando as
abelhas são usadas pelas flores como carregadoras de pólen.
As máquinas de sobrevivência da mesma espécie tendem a influenciar-se mutuamente de
forma mais direta. Isto se deve a vários motivos. Um deles é que metade da população da própria
espécie poderá ser constituída por parceiros sexuais em potencial e por pais potencialmente
trabalhadores e exploráveis para a própria prole. Outro motivo é que os membros da mesma espécie,
sendo muito semelhantes entre si e sendo máquinas para preservar genes do mesmo tipo de lugar,
com o mesmo tipo de vida, são competidores particularmente diretos por todos os recursos
necessários à sobrevivência. Uma toupeira poderá ser um competidor para um melro, mas não é tão
importante quanto outro melro. Toupeiras e melros poderão competir por minhocas, mas os melros
competem entre si por minhocas e tudo o mais. Se forem membros do mesmo sexo poderão
competir também por parceiros sexuais. Por razões que veremos depois geralmente são os machos
que competem uns com os outros pelas fêmeas. Isto significa que um macho poderá beneficiar seus
próprios genes se fizer alguma coisa prejudicial a outro macho com o qual está competindo.
A política lógica de uma máquina de sobrevivência, portanto, talvez pareça ser assassinar suas
rivais e em seguida, de preferência, comê-los. Embora o assassinato e o canibalismo realmente
ocorram na natureza, não são tão comuns quanto uma interpretação ingênua da teoria do gene
egoísta poderia prever. Konrad Lorenz, de fato, em seu livro On Aggression * , enfatiza a natureza
contida e cavalheiresca da luta entre os animais. Para ele o aspecto notável a respeito das lutas
animais é que elas são torneios formais, realizados de acordo com regras como as de boxe ou
*
N. T. – A Agressão, trad. Maria Isabel Tamen, Livraria Martins Fontes Editora, Santos, 1973.
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esgrima. Os animais lutam com luvas nos punhos e lâminas sem corte. A ameaça e o blefe
substituem a seriedade fatal. Os gestos de rendição são reconhecidos pelos vencedores os quais,
então, abstêm-se de desferir o golpe ou dentada mortal que nossa teoria ingênua talvez previsse.
Esta interpretação da agressão animal como sendo contida e formal é discutível.
Especificamente, sem dúvida é errado condenar o pobre velho Homo sapiens como sendo a única
espécie que mata seus próprios companheiros, a única herdeira da marca de Caim e acusações
melodramáticas semelhantes. O fato de um naturalista enfatizar a violência ou a moderação da
agressão animal depende, em parte, dos tipos de animais que ele está acostumado a observar e, em
parte, de suas pressuposições evolutivas – Lorenz, afinal de contas, é um adepto do “bem da
espécie”. Mesmo que ela tenha sido exagerada, a concepção de “luvas nos punhos” das lutas animais
parece encerrar pelo menos alguma coisa de verdadeiro. Superficialmente parece ser uma forma de
altruísmo. A teoria do gene egoísta deve enfrentar corajosamente a tarefa difícil de explicá-la. Por
que é que os animais não saem todos a matar membros rivais de sua espécie em todas as
oportunidades possíveis?
A resposta geral a isto é que há custos assim como benefícios resultantes da belicosidade pura
e simples, além dos custos 6bvios em tempo e energia. Suponha, por exemplo, que B e C são ambos
meus rivais e eu encontro B acidentalmente. Talvez pareça sensível eu tentar, como indivíduo
egoísta, matá-lo. Mas espere um momento. C é tanto meu rival como de B. Matando B eu
potencialmente estou favorecendo C pela remoção de um de seus rivais. Talvez fosse melhor deixar
B viver, pois ele poderá então competir ou lutar com C e desta maneira indiretamente beneficiar-me.
A moral deste exemplo hipotético simples é que não há mérito óbvio em tentar matar
indiscriminadamente os rivais. Num sistema grande e complexo de rivalidades a remoção de um
rival da cena não traz necessariamente nenhuma vantagem: outros rivais talvez tenham maior
probabilidade de se beneficiarem com sua morte do que o próprio animal que o eliminou. Este é o
tipo de lição desagradável que tem sido aprendida por agentes de controle de pragas. Tem-se uma
praga importante da agricultura, descobrimos uma boa maneira de exterminá-la e alegremente o
fazemos, para então descobrir que outra praga se beneficia com a exterminação ainda mais do que a
agricultura humana e acabamos pior do que antes.
Por outro lado, talvez pareça um bom plano matar certos rivais específicos, ou pelo menos
lutar com eles, de uma maneira discriminada. Se B é um leão marinho de posse de um grande harém
cheio de fêmeas e se eu, outro leão marinho, posso adquirir seu harém matando-o, talvez seja uma
boa idéia tentar fazê-la. Mas há custo e riscos mesmo na belicosidade seletiva. É vantajoso para B
contra-atacar e defender suas posses valiosas. Se eu começo uma luta tenho a mesma possibilidade
que ele de acabar morto. E talvez tenha uma possibilidade ainda maior. Ele mantém posses valiosas,
é por isso que quero lutar com ele. Mas por que as mantém? Talvez as tenha conquistado em
combate. Provavelmente repeliu outros desafiantes antes de mim. Provavelmente é um bom lutador.
Mesmo se eu ganhar a luta e conquistar o harém talvez fique tão ferido no processo que não poderei
desfrutar os benefícios. Além disto, a luta consome tempo e energia. Talvez seja melhor conserválos por enquanto. Se me concentrar em me alimentar e evitar encrencas por algum tempo ficarei
maior e mais forte. No fim lutarei com ele pelo harém, mas pode-rei ter uma chance melhor de
eventualmente vencer se esperar, em vez de precipitar-me agora.
Este solilóquio subjetivo é apenas uma maneira de indicar que a decisão de lutar ou não
idealmente deveria ser precedida de um cálculo complexo, se bem que inconsciente, do tipo “custobenefício”. Os benefícios em potencial não estão todos do lado da realização da luta, embora, sem
dúvida, alguns deles estejam. Da mesma forma, durante uma luta cada decisão tática referente a sua
escalada ou ao seu refreamento tem custos e benefícios os quais pode-riam, em princípio, ser
analisados. Isto há muito tempo foi entendida pelos etólogos de uma maneira um tanto vaga, mas
levou J. Maynard Smith, o qual normalmente não é considerado um etólogo, a expressar a idéia de
maneira clara e vigorosa. Em colaboração com G. R. Price e G. A,Parker ele utiliza o ramo da
Matemática conhecido como Teoria dos Jogos. Suas idéias elegantes podem ser expressadas em
palavras sem símbolos matemáticos, não obstante algum prejuízo no rigor.
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O conceito essencial que Maynard Smith introduz é o de estratégia evolutivamente estável,
uma idéia que para ele remonta a W. D. Hamilton e R. H. MacArthur. Uma “estratégia” é uma
política de comportamento pré-programado. Um exemplo de uma estratégia seria: “Ataque o
oponente; s: ele fugir persiga-o; se ele retaliar fuja”. É importante entender que não imaginamos a
estratégia como sendo conscientemente planejada pelo indivíduo. Lembre-se que estamos
concebendo o animal como uma máquina de sobrevivência robô, possuindo um computador préprogramado que controla os músculos. Escrever a estratégia por extenso como um conjunto de
instruções simples em português é apenas uma maneira conveniente de podermos pensar sobre ela.
O animal comporta-se como se estivesse seguindo estas instruções, através de algum mecanismo não
especificado.
Urna estratégia evolutivamente estável ou EEE é definida como uma estratégia que se adotada
pela maioria dos membros de uma população, não poderá ser sobrepujada por uma estratégia
alternativa. Esta é uma idéia sutil e importante. Outra maneira de expressá-la é dizer que a melhor
estratégia para um indivíduo depende do que a maioria da população está fazendas. Como o resto da
população consiste de indivíduos, cada um tentando maximizar o seu próprio sucesso, a única
estratégia que persistirá será aquela que depois de desenvolvida não possa ser aperfeiçoada por
nenhum indivíduo anômalo. Após uma mudança ambiental grande poderá haver um período curto à;
instabilidade evolutiva, talvez até mesmo uma oscilação na população. Mas uma vez que a EEE é
alcançada ela se manterá: a seleção punirá os desvios.
A fim de aplicar esta idéia à agressão imagine um dos casos hipotéticos mais simples de
Maynard Smith. Suponha que existam apenas dois tipos de estratégia de luta em uma população de
determinada espécie, chamados gavião e pombo. (Os nomes referem-se ao uso humano
convencional e não têm ligação com os hábitos das aves das quais derivam: os pombos, na realidade,
são aves bastante agressivas.) Qualquer indivíduo de nossa população hipotética é classificado como
um gavião ou como um pombo. Os gaviões sempre lutam o mais dura e desenfreadamente que
podem, afastando-se apenas quando estão seriamente feridos. Os pombos apenas ameaçam de uma
maneira digna convencional, jamais ferindo alguém. Se um gavião luta com um pombo, este último
foge rapidamente e assim não fica ferido. Se um gavião luta com outro eles continuam até que um
deles fique seriamente ferido ou morra. Se um pombo encontra outro pombo ninguém se machuca.
Eles continuam a exibir posturas um para o outro durante um longo tempo até que um deles se canse
ou decida não mais se importar, e assim se retira. Assumimos por enquanto que não haja maneira de
um indivíduo saber antecipadamente se determinado rival é um gavião ou um pombo. Ele só
descobre lutando e não tem lembrança de lutas passadas com indivíduos específicos para guiá-la.
Agora, como uma convenção puramente arbitrária, atribuímos “pontos” aos competidores. Por
exemplo, 50 pontos para uma vitória, zero para uma derrota, -100 por ter sido seriamente ferido e 10 por ter perdido tempo num combate longo. Esses pontos podem ser considerados diretamente
convertíveis na moeda corrente da sobrevivência dos genes. Um indivíduo que faz pontos altos, que
tem um resultado médio elevado, é um indivíduo que deixa muitos genes atrás de si no “pool”.
Dentro de limites amplos os valores numéricos reais não importam para a análise, mas ajudam-nos a
pensar no problema.
O importante é que não estamos interessados em saber se os gaviões tenderão a vencer os
pombos quando lutam com estes. Já sabemos a resposta para isto: os gaviões sempre vencerão.
Queremos saber se gavião ou pombo é uma estratégia evolutivamente estável. Se um deles for uma
EEE e o outro não, deveremos esperar que aquele que é evolua. É teoricamente possível existirem
duas EEEs. Isto ocorreria se independentemente de qual fosse a estratégia da maioria da população,
gavião ou pombo, a melhor estratégia para um indivíduo dado qualquer fosse seguir o exemplo.
Neste caso a população tenderia a aderir a qualquer um dos dois estados estáveis que por acaso
tivesse sido alcançado primeiro. Como veremos agora, entretanto, nenhuma dessas duas estratégias,
gavião ou pombo, seria, de fato, evolutivamente estável em si mesma e não deveríamos esperar,
portanto, que qualquer uma delas evoluísse. Para mostrar isto devemos calcular os resultados
médios.
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Suponha que tenhamos uma população constituída inteiramente de pombos. Ninguém fica
ferido quando quer que eles lutem. Os combates consistem em torneios rituais prolongados, talvez
em desafios de olhares, os quais terminam apenas quando um dos rivais desiste. O vencedor então
faz 50 pontos por ter ganho o expediente na disputa, mas paga uma multa de -10 por ter perdido
tempo num desafio longo de olhares, de modo que faz ao todo 40 pontos. O perdedor também é
multado em -10 pontos por perder tempo. Qualquer pombo individualmente pode esperar, em média,
vencer metade de suas disputas e perder a outra metade. O resultado médio por disputa será,
portanto, a média entre +40 e -10, ou seja +15. Em uma população cada pombo individualmente,
portanto, parece estar se saindo bastante bem.
Mas agora suponha que um gavião mutante apareça na população. Como ele é o único gavião
existente, toda luta que ele realiza é contra um pombo. Os gaviões sempre vencem os pombos, de
forma que ele faz +50 em cada luta, este sendo seu resultado médio. Ele goza de enorme vantagem
em relação aos pombos, cujo resultado líquido é apenas +15. Como resultado disto os genes de
gavião rapidamente se espalharão pela população. Mas agora cada gavião não pode mais ter certeza
que todo rival que ele encontrar é um pombo. Tomando um exemplo extremo, se o gene para gavião
se difundir com tanto sucesso que toda a população passa a consistir de gaviões, todas as lutas agora
seriam entre gaviões. As coisas então são bastante diferentes. Quando dois gaviões se encontram um
deles é ferido seriamente, fazendo -100 pontos, enquanto que o vencedor faz +50. Cada gavião em
uma população pode esperar vencer metade de suas lutas e perder a outra metade. Seu resultado
médio esperado por luta será, portanto, um valor intermediário entre +50 e -100, ou seja, -25. Agora
imagine um único pombo em uma população de gaviões. Ele perde todas as lutas, sem dúvida, mas,
por outro lado, nunca fica ferido. Seu resultado médio é zero em uma população de gaviões,
enquanto que o resultado médio de um gavião numa mesma população é -25. Os genes de pombos,
portanto, tenderão a se espalhar pela população.
Pela maneira como contei a história parece que haverá uma oscilação contínua na população.
Os genes de gavião aumentarão rapidamente. Então, como conseqüência dos gaviões estarem em
maioria, os genes de pombo novamente terão vantagem e aumentarão em número até que de novo os
genes de gavião comecem a prosperar, e assim por diante. Não é necessário, no entanto. que se dê
uma oscilação como esta. Há uma proporção estável entre gaviões e pombos. Para o sistema de
pontos arbitrários em particular que estamos usando a proporção estável, se você fizer as contas,
será 5/12 pombos para 7/12 gaviões. Quando esta proporção estável for atingida o resultado médio
para gaviões será exatamente igual ao resultado médio para pombos. A seleção, portanto, não
favorecerá nenhum deles em relação ao outro. Se o número de gaviões na população começasse a se
deslocar para cima de tal forma que a proporção não mais fosse 7/12, os pombos começariam a obter
uma vantagem extra e a proporção oscilaria de volta para o estado estável. Da mesma maneira como
verificaremos que a proporção estável de sexo é 50 : 50, também a proporção estável de gavião para
pombo neste exemplo hipotético é 7 : 5. Em qualquer um dos casos, se há oscilações ao redor do
ponto estável, elas não precisam ser muito grandes.
Superficialmente isto parece-se um pouco com seleção de grupo, mas na realidade nada tem a
ver com ela. Parece-se com seleção de grupo porque permite-nos imaginar que uma população
possua um equilíbrio estável ao qual tende a retornar quando perturbada. A EEE, porém, é um
conceito muito mais sutil do que a seleção de grupo. Ela nada tem a ver com o fato de alguns grupos
serem mais bem sucedidos do que outros. Isto pode ser bem ilustrado usando-se o sistema de pontos
arbitrários de nosso exemplo hipotético. O resultado médio para um indivíduo em uma população
estável consistindo de 7/12 gaviões e 5/12 pombos será 6 1/4. Isto vale independentemente do fato
do indivíduo ser um gavião ou um pombo. Porém, 6 1/4 é muito menos do que o resultado médio
para um pombo em uma população de pombos (15). Se ao menos todos concordassem em ser um
pombo, cada indivíduo isoladamente se beneficiaria. Pela seleção de grupo simples qualquer grupo
no qual todos os indivíduos concordassem mutuamente em ser pombos seria muito mais bem
sucedido do que um grupo rival que permanecesse na proporção da EEE. (Na realidade uma
conspiração de pombos apenas não é exatamente o grupo mais bem sucedido possível. Em um grupo
consistindo de 1/6 de gaviões e 5/6 de pombos, o resultado médio por disputa é 16 2/3. Esta é a
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conspiração mais bem sucedida possível, mas para os nossos objetivos podemos ignorá-la. Uma
conspiração mais simples, constituída somente por pombos, com seu resultado médio de 15 para
cada indivíduo, é muito melhor para cada indivíduo isoladamente do que seria a EEE). A teoria da
seleção de grupo, portanto, prediria uma tendência à evolução em direção a uma conspiração
constituída somente de pombos, já que um grupo que contivesse uma proporção de 7/12 de gaviões
seria menos bem sucedido. O problema com as conspirações, porém, é que elas estão sujeitas ao
abuso, mesmo aquelas que a longo prazo são vantajosas para todos. É verdade que todos se saem
melhor num grupo só de pombos do que num grupo na EEE. Infelizmente, porém, em conspirações
de pombos um único gavião se sai tão excepcionalmente bem que nada poderia frear a evolução de
gaviões. A conspiração, portanto, está fadada a ser destruída de dentro por traição. Uma EEE não é
estável porque é particularmente boa para os indivíduos que nela participam, mas simplesmente
porque é imune à traição interna.
É possível aos seres humanos associarem-se em pactos ou conspirações que sejam vantajosos
para todos, mesmo que não sejam estáveis no sentido da EEE. Mas isto é possível apenas porque
cada indivíduo utiliza sua capacidade de previsão consciente e é capaz de ver que é de seu próprio
interesse a longo prazo obedecer as regras do pacto. Mesmo nos pactos humanos há o perigo
constante de que os indivíduos poderão ganhar tanto a curto prazo quebrando o pacto que a tentação
de fazê-la será irresistível. Talvez o melhor exemplo disto seja a fixação de preços. É do interesse a
longo prazo de todos os donos de postos de gasolina padronizar o preço desta num valor qualquer
artificialmente alto. Conluios para controle de preços, baseados na estimativa consciente dos
melhores interesses a longo prazo, podem sobreviver por períodos bastante longos. De vez em
quando, no entanto, um indivíduo cede à tentação de obter sucesso financeiro rápido baixando seus
preços. Seus vizinhos imediatamente seguem seu exemplo e uma onda de abaixamento nos preços se
espalha pelo país. Infelizmente para nós, a previsão consciente dos donos dos postos então se afirma
novamente e eles estabelecem novo pacto de fixação de preços. Assim, mesmo no homem, uma
espécie com o dom da previ-são consciente, os pactos ou conspirações baseados nos melhores
interesses a longo prazo balançam constantemente à beira do colapso devido a traição in-terna. Nos
animais selvagens, controlados pelos genes em luta, é ainda mais difícil vislumbrar maneiras pelas
quais benefícios de grupo ou estratégias de conspiração poderiam de alguma forma evoluir.
Devemos esperar encontrar estratégias evolutivamente estáveis em toda parte.
Em nosso exemplo hipotético adotamos a suposição simples de que cabida indivíduo era ou
um gavião ou um pombo. Obtivemos no final uma proporção evolutivamente estável entre gaviões e
pombos. Na prática o que isto significa é que uma proporção estável entre genes de gavião e genes
de pombo seria alcançada no “poo1”. O termo técnico de Genética para este estado é polimorfismo
estável. Do ponto de vista matemático uma EEE exatamente equivalente pode ser conseguida sem
polimorfismo da seguinte maneira. Se cada indivíduo for capaz de se comportar ou como um gavião
ou como um pombo em cada disputa em particular, pode-se conseguir uma EEE na qual todos os
indivíduos têm a mesma probabilidade de se comportar como um gavião, ou seja, 7/12 em nosso
exemplo específico. Na prática isto significaria que cada indivíduo entra nas disputas tendo feito
uma decisão ao acaso sobre como se comportar nesta ocasião, como gavião ou como pombo. A
decisão é ao acaso, mas com uma tendência de 7 : 5 em favor de gavião. É muito importante que as
decisões, embora tendendo em favor de gavião, sejam ao acaso no sentido de que um rival não tenha
possibilidade de adivinhar como seu oponente se comportará em qualquer disputa específica. Não
adianta, por exemplo, se comportar como gavião durante sete lutas em seguida e então como pombo
durante cinco lutas, e assim por diante. Se qualquer indivíduo adotasse uma seqüência simples deste
tipo seus rivais logo compreenderiam e aproveitariam. O modo de tirar vantagem de um estrategista
de seqüência simples é comportar-se como gavião contra ele apenas quando se sabe que ele se
comportará como pombo.
A história do gavião e do pombo, é claro, é ingenuamente simples. É um “modelo”, uma coisa
que na realidade não ocorre na natureza, mas que nos ajuda a compreender coisas que efetivamente
ocorrem. Os modelos podem ser muito simples, como este, e mesmo assim serem úteis para
entender um assunto ou ter idéias. Os modelos simples podem ser elaborados e tornados
50
gradualmente mais complexos. Se tudo sair bem, a medida que se tornam mais complexos passam a
assemelhar-se mais ao mundo real. Uma maneira pela qual podemos começar a desenvolver o
modelo do gavião e do pombo é introduzir mais algumas estratégias. Gaviões e pombos não são as
únicas possibilidades. Uma estratégia mais complexa que Maynard Smith e Price introduziram é
chamada Retaliador.
Um retaliador atua como um pombo no começo de cada luta. Isto é, ele não arma um ataque
selvagem completo como um gavião, mas realiza a disputa de ameaças convencional. Se seu
oponente o ataca, entretanto, ele retalia. Em outras palavras, um retaliador se comporta como um
gavião quando é atacado por um gavião e como um pombo quando encontra um pombo. Quando
encontra outro retaliador age como um pombo. O retaliador é um estrategista condicional. Seu
comportamento depende daquele de seu oponente.
Outro estrategista condicional é chamado Fanfarrão. Um fanfarrão comporta-se como um
gavião até que alguém contra-ataque. Ele então foge imediatamente. Ainda outro estrategista
condicional é o Retaliador-testador. O retaliador-testador é basicamente igual a um retaliador mas
ocasionalmente tenta uma escalada experimental rápida da disputa. Ele persiste em seu
comportamento semelhante ao do gavião se seu oponente não contra-atacar. Por outro lado, se seu
oponente contra-atacar, ele volta à ameaça convencional como um pombo. Se ele for atacado
retaliará exatamente como um retaliador normal.
Se todas as cinco estratégias que mencionei forem deixadas interagir umas com as outras
numa simulação de computador. apenas uma delas, o retaliador, emerge como sendo evolutivamente
estável. O retaliador-testador é quase estável. O pombo não é estável, pois uma população deste tipo
seria invadida por gaviões e fanfarrões. O gavião não é estável porque a população seria invadida
por pombos e fanfarrões. O fanfarrão, igualmente, não é estável, pois a população seria invadida por
gaviões. Em uma população de retaliadores nenhuma outra estratégia invadiria, uma vez que não há
nenhuma outra que seja mais bem sucedida do que ela própria. O pombo, no entanto, se sai
igualmente bem em uma população de retaliadores. Isto significa que outras coisas mantendo-se
constantes. o número de pombos poderia elevar-se vagarosamente. Se o número de pombos se
elevasse significativamente, os retaliadores-testadores (e, a propósito, os gaviões e os fanfarrões)
começariam a ter vantagem, pois eles saem-se melhor contra os pombos do que os retaliadores. O
próprio retaliador-testador, diferentemente do gavião e do fanfarrão, é quase uma EEE, no sentido
de que numa população de retaliadores-testadores apenas uma outra estratégia, a de retaliador, é
mais bem sucedida, e assim mesmo apenas fracamente. Poderemos esperar, portanto, que uma
mistura de retaliadores e retaliadores-testadores predominasse, talvez até com uma pequena
oscilação entre os dois, associada a uma oscilação no tamanho de pequena minoria de pombos.
Novamente, não é preciso pensar em termos de um polimorfismo no qual cada indivíduo sempre
desempenha uma estratégia ou outra. Cada indivíduo poderia desempenhar uma mistura complexa
entre retaliador, retaliador-testador e pombo.
Esta conclusão teórica não está longe do que de fato ocorre na maioria dos animais selvagens.
De certo modo explicamos o aspecto de “luvas nos punhos” da agressão animal. Os detalhes,
evidentemente, dependem do número exato de “pontos” atribuídos à ação de vencer, de ser ferido,
de perder tempo, e assim por diante. Nos leões marinhos o prêmio pela vitória provavelmente será
direitos quase que monopolizadores sobre um grande harém de fêmeas. O valor do resultado da
vitória, portanto, deve ser considerado muito alto. Não admira que as lutas sejam ferozes e a
probabilidade de ferimento sério também seja alta. O custo pela perda de tempo presumivelmente
deve ser considerado pequeno em comparação com o custo de ser ferido e o benefício da vitória.
Para um pássaro pequeno em um clima frio, por outro lado, o custo da perda de tempo
provavelmente é fundamental. O passarinho Parus major, quando está alimentando seus filhotes,
precisa capturar em média uma presa a cada trinta segundos. Cada segundo durante o dia é precioso.
Para uma ave deste tipo mesmo o tempo comparativamente curto gasto numa luta entre dois gaviões
deve, talvez, ser considerado mais sério do que o risco de ferimento. Infelizmente sabemos muito
pouco atualmente para atribuir números realistas aos custos e benefícios de vários desfechos na
51
natureza. Devemos ter cuidado para não tirar conclusões que resultam simplesmente de nossa
própria escolha arbitrária de números. As conclusões gerais importantes são que as EEEs tenderão a
evoluir, que uma EEE não é igual ao ótimo que poderia ser alcançado por uma conspiração de grupo
e que o bom senso pode ser enganador.
Outro tipo de jogo de guerra analisado por Maynard Smith é a “guerra de desgaste”. Pode-se
imaginá-lo originando-se em uma espécie que nunca se entrega a combate perigoso, talvez uma
espécie bem protegida com uma armadura, na qual um ferimento é muito pouco provável. Todas as
disputas nesta espécie são resolvidas por posturas convencionais. Uma disputa sempre termina com
a desistência de um dos rivais. A fim de vencer basta manter-se firme e fitar o oponente até que ele
finalmente fuja. Nenhum animal, obviamente, pode permitir-se gastar um tempo infinito ameaçando.
Há coisas importantes a fazer em outro lugar. O recurso pelo qual ele está competindo talvez seja
valioso, mas não é infinitamente valioso. Ele só vale determinado tempo, e como em um leilão, cada
indivíduo está disposto a gastar apenas certa quantia nele. O tempo é a moeda corrente deste leilão
de dois licitantes.
Suponha que todos os indivíduos deste tipo determinassem com antecedência quanto tempo
exatamente eles achavam que'valia um determinado tipo de recurso, por exemplo uma fêmea. Um
indivíduo mutante que estivesse disposto a continuar um pouco mais sempre venceria. Assim, a
estratégia de manter um limite fixo de lances é instável. E ela será instável mesmo se o valor do
recurso puder ser estimado precisamente e se todos os indivíduos lançarem exatamente o valor
carreto. Dois indivíduos quaisquer fazendo lances segundo esta estratégia máxima desistiriam
exatamente no mesmo instante e nenhum deles conseguiria o recurso! Seria vantajoso para um
indivíduo, então, desistir logo no começo em vez de perder tempo com disputas. A diferença
importante entre a guerra de desgaste e o leilão real, afinal de contas, é que naquela ambos os
competidores pagam o preço mas apenas um deles recebe a mercadoria. Em uma população de
licitantes máximos, portanto, a estratégia de desistir no começo seria bem sucedida e se difundiria
pela população. Em conseqüência, certa vantagem começaria a advir àqueles indivíduos que não
desistissem imediatamente mas que esperassem alguns segundos para fazê-la. Esta estratégia seria
vantajosa quando realizada contra aqueles que se retiram imediatamente, os quais agora
predominam na população. A seleção, então, favoreceria uma extensão progressiva do tempo de
desistência até que novamente ele se aproximasse daquele máximo permitido pelo valor econômico
verdadeiro do recurso que está sendo disputado.
Utilizando palavras fomos levados, outra vez, a imaginar uma oscilação na população.
Novamente, a análise matemática mostra que isto não é necessário. Há uma estratégia
evolutivamente estável a qual pode ser expressa segundo uma fórmula matemática, mas em palavras
ela equivale ao seguinte. Cada indivíduo continua durante um tempo imprevisível. Isto é,
imprevisível para cada ocasião específica mas em média correspondendo ao valor verdadeiro do
recurso. Suponha, por exemplo, que o recurso realmente valha cinco minutos de exibição. Na EEE
um indivíduo qualquer poderá continuar por mais de cinco minutos, por menos, ou mesmo por
exatamente cinco minutos. O importante é que seu oponente não tem como saber quanto tempo ele
está disposto a persistir nesta ocasião especifica.
Obviamente é de importância vital na guerra de desgaste que os indivíduos não dêem
indicação de quando desistirão. Qualquer um que revelasse pela mais leve agitação de uma vibrissa
que estava começando a pensar em entregar os pontos teria um instante de desvantagem. Se o agitar
de uma vibrissa, por exemplo, fosse uma indicação confiável de que a retirada se seguiria dentro de
um minuto, haveria uma estratégia de vitória muito simples: "se as vibrissas de seu oponente se
agitarem espere mais um minuto, independentemente de quais eram seus planos prévios sobre
desistência. Se as vibrissas de seu oponente ainda não se agitaram e falta um minuto para o instante
no qual você pretende desistir de qualquer forma, desista imediatamente e não perca mais tempo.
Nunca agite suas próprias vibrissas.” A seleção natural, assim, rapidamente puniria o agitar de
vibrissas e quaisquer indicações análogas de comportamento futuro. A expressão impassível
evoluiria.
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Por que a expressão impassível e não mentiras completas? Porque, novamente, a mentira não é
estável. Suponha que acontecesse a maioria dos indivíduos eriçar suas penas do pescoço apenas
quando realmente pretendessem continuar por um longo tempo a guerra de desgaste. O contragolpe
óbvio evoluiria: os indivíduos desistiriam imediatamente quando um oponente eriçasse suas penas.
Agora, porém, os mentirosos talvez comecem a evoluir. Indivíduos que realmente não tinham
nenhuma intenção de continuar por muito tempo eriçariam suas penas em todas as ocasiões e
colheriam os frutos de uma vitória fácil e rápida. Desta maneira, os genes para a mentira se
espalhariam. Quando os mentirosos se tornassem a maioria, a seleção então favoreceria os
indivíduos que cumprissem a palavra. Os mentirosos, portanto, diminuiriam novamente de número.
Na guerra do desgaste mentir não é evolutivamente mais estável do que dizer a verdade. A
expressão impassível é evolutivamente estável. A rendição, quando finalmente ocorre, será repentina
e imprevisível.
Até agora examinamos apenas o que Maynard Smith chama de disputas "simétricas”. Isto quer
dizer que assumimos que os contendores são idênticos em todos os aspectos exceto em sua
estratégia de luta. Supõe-se que os gaviões e pombos são igualmente fortes, igualmente bem dotados
de armas e armadura e que têm o mesmo a ganhar com uma vitória. Esta é uma suposição
conveniente para se fazer para um modelo, mas não é muito realista. Parker e Maynard Smith
prosseguiram examinando disputas assimétricas. Por exemplo, se os indivíduos variarem em
tamanho e habilidade para lutar, e se cada indivíduo for capaz de estimar o tamanho de um rival em
comparação ao seu pró-pio, será que isto afeta a EEE resultante? É quase certo que sim.
Parece haver três tipos de assimetria. O primeiro acabamos de encontrar: os indivíduos podem
diferir em tamanho ou equipamento de luta. Em segundo lugar eles podem diferir no quanto têm a
ganhar com a vit6ria. Um macho velho, por exemplo, o qual de qualquer forma não tem muito mais
para viver, poderá ter menos a perder se for ferido do que um macho jovem com a maior parte de
sua vida reprodutiva à frente.
Em terceiro lugar, constitui uma estranha conseqüência da teoria o fato de uma assimetria
puramente arbitrária, aparentemente irrelevante, poder originar uma EEE, já que pode ser usada para
decidir disputas rapidamente. Por exemplo, geralmente acontecerá que um dos contendores chega no
local da disputa mais cedo do que o outro. Chame-os de “residente” e “intruso”, respectivamente.
Para efeito de discussão estou supondo que não haja vantagem geral em se ser residente ou um
intruso. Como veremos, existem razões práticas pelas quais esta suposição provavelmente não é
verdadeira, mas isto não importa. O que importa é que mesmo se não houvesse nenhuma razão geral
para assumir que os residentes têm vantagem em relação aos intrusos, u>ria EEE dependente da
própria assimetria provavelmente evoluiria. Uma analogia simples é com os seres humanos que
decidem uma disputa rapidamente e sem alarde lançando uma moeda.
A estratégia condicional, “se você for o residente ataque, se for o intruso retire-se,” poderia ser
uma EEE. Como supõe-se que a assimetria é arbitrária, a estratégia oposta, "se residente retire-se, se
intruso ataque” também poderia ser estável. Qual das duas EEE é adotada em uma determinada
população dependeria de qual delas atinge primeiro a maioria. Assim que a maioria dos indivíduos
estiver adotando uma dessas duas estratégias condicionais aqueles que se desviarem dela são
punidos. Conseqüentemente, ela é, por definição, uma EEE.
Suponha, por exemplo, que todos os indivíduos adotem a estratégia “residente vence, intruso
foge”. Isto significa que eles vencerão metade de suas lutas e perderão a outra metade. Nunca serão
feridos e nunca perderão tempo, já que todas as disputas são imediatamente resolvidas pela
convenção arbitrária. Agora imagine um rebelde mutante novo. Suponha que ele adote uma
estratégia de gavião puro, sempre atacando e nunca se retirando. Ele vencera quando seu oponente
for um intruso. quando este for um residente ele correrá um sério risco de ferimento. Em média ele
terá um resultado menor do que os indivíduos que atuam de acordo com as regras arbitrárias da
EEE. Um rebelde que tente a convenção inversa, "se residente fuja, se intruso ataque”, se sairá ainda
pior. Ele não apenas será freqüentemente ferido, como também raramente ganhará uma disputa.
Suponha, no entanto, que por meio de alguns acontecimentos acidentais os indivíduos que adotam
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esta convenção contrária conseguissem se tornar a maioria. Neste caso sua estratégia tornar-se-ia,
então, a norma estável e desvios dela seriam punidos. Pode-se imaginar que se observássemos uma
população durante muitas gerações veríamos uma série de viragens ocasionais de um estado estável
para outro.
Na vida real, no entanto, assimetrias verdadeiramente arbitrárias provavelmente não existem.
Por exemplo, os residentes provavelmente têm a tendência a ter vantagem prática sobre os intrusos.
Eles têm um conhecimento melhor do terreno local. Um intruso talvez tenha maior probabilidade de
estar sem fôlego porque ele locomoveu-se para a área da batalha, enquanto o residente estava lá todo
o tempo. Existe uma razão mais abstrata pela qual, entre os dois estados estáveis, o do tipo
“residente vence, intruso se afasta” é mais provável na natureza. Esta razão é que a estratégia inversa
“intruso vence, residente se afasta” possui uma tendência intrínseca à auto-destruição – é o que
Maynard Smith chamaria de uma estratégia paradoxal. Em qualquer população mantendo-se nesta
EEE paradoxal os indivíduos sempre estariam se esforçando por nunca serem pegos como
residentes: sempre estariam tentando ser o intruso em qualquer encontro. Eles só conseguiriam isto
através de uma movimentação incessante e, a não ser por este motivo, despropositada!
Independentemente dos custos em tempo e energia nos quais se incorreria, esta tendência evolutiva
por si tenderia a levar a categoria “residente” a desaparecer. Numa população mantendo-se no outro
estado estável, “residente vence, intruso retira-se”, a seleção natural favoreceria os indivíduos que se
esforçassem por ser residentes. Para cada indivíduo isto significaria agarrar-se a uma determinada
porção do terreno, abandonando-a o menos possível e dando a impressão de “defendê-la”. Como é
bem conhecido agora, tal comportamento é observado comumente na natureza e recebe o nome de
“defesa de território”.
A demonstração mais clara que conheço deste tipo de assimetria comportamental foi fornecida
pelo grande etólogo Niko Tinbergen, em um experimento de simplicidade caracteristicamente
engenhosa. Ele possuía um aquário contendo dois machos de Gasterosteus aculeatus. Cada um dos
machos havia construído um ninho nas extremidades opostas do aquário e cada um deles “defendia”
o territ6rio ao redor de seu próprio ninho. Tinbergen colocou cada um dos machos em um grande
tubo de ensaio de vidro, mantendo os dois tubos próximos, e observou os machos tentando lutar
através do vidro. Vem agora o resultado interessante. Quando ele levou os dois tubos para próximo
do ninho do macho A, este último assumiu uma postura de ataque e o macho B tentou retirar-se. Mas
quando ele levou os dois tubos para o território de B os papéis se inverteram. Tinbergen foi capaz de
impor qual macho atacava e qual macho afastava-se simplesmente movendo os dois tubos de uma
extremidade a outra do aquário. Ambos os machos estavam, evidentemente, atuando segundo a
estratégia condicional simples: “se residente ataque, se intruso afaste-se”.
Os biologistas freqüentemente perguntam quais são as “vantagens” biológicas do
comportamento territorial. Numerosas sugestões têm sido feitas, algumas das quais serão
mencionadas mais tarde. Mas podemos ver aguçara que talvez a própria pergunta seja supérflua. A
“defesa” territorial talvez seja simplesmente uma EEE que origina-se devido à assimetria no tempo
de chegada, a qual geralmente caracteriza a relação entre dois indivíduos e uma porção do terreno.
Presumivelmente o tipo mais importante de assimetria não-arbitrária é no tamanho e na
habilidade geral para a luta. O tamanho grande nem sempre é necessariamente a qualidade mais
importante exigida para se vencer lutas, mas é provavelmente uma delas. Se o maior entre dois
lutadores sempre vence e se cada indivíduo sabe com certeza se ele é maior ou menor do que seu
oponente, apenas uma estratégia tem sentido: “se seu oponente for maior do que você, fuja.
Provoque brigas com indivíduos menores.” As coisas são um pouco mais complicadas se a
importância do tamanho for menos evidente. Se um tamanho grande confere apenas uma pequena
vantagem, a estratégia que acabei de mencionar ainda será estável. Mas se o risco de ferimento for
sério talvez haja também uma segunda estratégia, uma “estratégia paradoxal”. Esta será: “Provoque
brigas com indivíduos maiores do que você e fuja de indivíduos menores”! É óbvio porque esta
estratégia é chamada de paradoxal. Ela parece ser completamente aposta ao bom senso. A razão
porque ela pode ser estável é a seguinte. Numa população consistindo inteiramente de estrategistas
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para-taxais ninguém jamais fica ferido. Isto porque em todas as disputas um dos participantes, o
maior, sempre foge. Um mutante de tamanho médio que age segundo a estratégia “sensata” de
perseguir oponentes menores fica envolvido numa luta seriamente intensificada com metade dos
indivíduos que encontra. E isto porque se ele encontra alguém menor, ele ataca; o indivíduo menor
contra-ataca ferozmente, pois ele está agindo paradoxalmente. Embora o estrategista sensato tenha
maior probabilidade de vencer do que o paradoxal, assim mesmo corre um risco razoável de perder e
de ser seriamente ferido. Como a maioria da população é paradoxal, um estrategista sensato terá
maior probabilidade de ser ferido do que qualquer estrategista paradoxal.
Embora a estratégia paradoxal possa ser estável, ela provavelmente tem interesse apenas
acadêmico. Os lutadores paradoxais só terão um resultado médio mais alto se excederem em número
de muito os sensatos. Para começar, é difícil imaginar como este estado de coisas poderia jamais se
originar. Mesmo se ele se originasse basta que a proporção entre sensatos e paradoxais na população
desloque-se um pouco em direção ao lado sensato para que alcance a “zona de atração” da outra
EEE, a sensata. A zona de atração é o conjunto de proporções da população nas quais, neste caso, os
estrategistas sensatos têm vantagem: quando uma população alcança esta zona ela é inevitavelmente
puxada em direção ao ponto sensato estável. Seria emocionante encontrar um exemplo de uma EEE
paradoxal na natureza, mas tenho dúvida se realmente podemos esperar fazê-la. (Falei cedo demais.
Após ter escrito esta última sentença o professor Maynard Smith chamou minha atenção para a
seguinte descrição, feita por J. W. Burgess, do comportamento da aranha social do México Oecobius
civitas: “Se uma aranha é perturbada e expulsa de seu refúgio ela corre pela rocha e, na ausência de
uma fenda vaga na qual se esconder, poderá procurar abrigo no esconderijo de outra aranha da
mesma espécie. Se a outra aranha aí estiver habitando quando a intrusa entra, ela não ataca mas
corre para fora e procura um novo abrigo próprio. Assim, depois que a primeira aranha é perturbada,
o processo de deslocamento seqüencial de teia para teia poderá continuar durante vários segundos,
freqüentemente fazendo com que a maioria das aranhas no agregado mudem de seu próprio refúgio
para outro” “Social Spiders”, Scientific American, março de 1976). Esta estratégia é paradoxal no
sentido da página 97.
E se os indivíduos retiverem alguma lembrança do resultado de lutas passadas? Isto depende
de se a mem6ria é específica ou geral. Os grilos têm uma mem6ria geral sobre o que aconteceu em
lutas passadas. Um grilo que tenha vencido um grande número de lutas recentemente, exibirá
comportamento mais semelhante ao de gaviões. E um grilo que recentemente teve um período de
azar comporta-se mais como um pombo. Isto foi claramente demonstrado por R. D. Alexander, Ele
utilizou modelos de grilos para surrar os grilos verdadeiros. Após este tratamento estes últimos
passaram a ter maior probabilidade de perder as lutas contra outros grilos reais. Pode-se imaginar
que cada grilo constantemente atualiza sua própria estimativa de sua habilidade de luta relativamente
àquela de um indivíduo médio da população. Se animais tais amo os grilos, que funcionam com uma
lembrança geral de lutas passadas, forem mantidos em um grupo fechado durante algum tempo, um
tipo de hierarquia de dominância provavelmente se desenvolverá. Um observador poderá colocar os
indivíduos em ordem. Aqueles mais em baixo na ordem tendem a ceder àqueles mais acima. Não há
necessidade de supor que os indivíduos re-conhecem-se mutuamente. O que acontece é que aqueles
acostumados a vencer logram uma probabilidade ainda maior de vencer, enquanto aqueles
acostumados a perder cada vez terão maior probabilidade de derrota. Mesmo se os indivíduos
começassem vencendo ou perdendo ao acaso eles tenderiam a se separar numa ordem hierárquica.
Isto incidentalmente tem o efeito de diminuir gradativamente o número de lutas sérias no grupo.
Tenho que usar a frase “tipo de hierarquia de dominância” porque muitas pessoas reservam o
termo hierarquia de dominância para os casos nos quais está envolvido o reconhecimento individual.
Nestes casos a lembrança de lutas passadas é específica e não geral. Os grilos não se reconhecem
mutuamente como indivíduos, mas as galinhas e os macacos o fazem. Se você for um macaco,
aquele que lhe bateu no passado provavelmente lhe baterá no futuro. A melhor estratégia para um
indivíduo é ter comportamento semelhante ao de pombo em relação a um indivíduo que tenha lhe
batido anteriormente. Se galinhas que nunca haviam se encontrado antes forem colocadas juntas,
geralmente ocorrem muitas lutas. Após algum tempo as lutas diminuem, porém não pelo mesmo
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motivo que nos grilos. No caso das galinhas a diminuição deve-se ao fato de cada indivíduo
“aprender qual o seu lugar” em relação a cada um dos outros indivíduos. Isto é incidentalmente bom
para o grupo como um todo. Como uma indicação disto, tem sido observado que nos grupos
estabelecidos de galinhas, onde lutas ferozes são raras, a produção de ovos é maior do que nos
grupos onde a composição está sendo continuamente alterada e nos quais as lutas,
conseqüentemente, são mais freqüentes. Os biólogos muitas vezes falam da vantagem biológica ou
“função” das hierarquias de dominância como sendo reduzir a agressão aberta no grupo. Esta, no
entanto, é a maneira errada de encarar a questão. Não se pode dizer que a hierarquia de dominância
per se tenha uma “função” no sentido evolutivo, pois é uma propriedade de um grupo e não de um
indivíduo. Pode-se dizer que os padrões individuais de comportamento que se manifestam sob a
forma de hierarquias de dominância quando vistos ao nível de grupo têm funções. É ainda melhor,
no entanto, abandonar a palavra “função” completamente e pensar em termos das EEEs em
contextos assimétricos nos quais há reconhecimento individual e memória.
Temos pensado até agora em disputas entre membros da mesma espécie. E as disputas
interespecíficas? Como vimos anteriormente, os membros de espécies diferentes são competidores
menos diretos do que os membros da mesma espécie. Por este motivo deveríamos esperar menos
disputas por recursos entre eles. Nossa expectativa confirma-se. Por exemplo, os tordos defendem os
territórios contra outros tordos, mas não contra Parus major. Pode-se desenhar um mapa dos
territórios dos tordos individuais diferentes em um bosque e a ele pode-se sobrepor um mapa dos
territórios de Parus major individuais. Os territórios das duas espécies se sobrepõem de maneira
completamente indiscriminada. Eles poderiam muito bem estar em planetas diferentes.
Mas há também outras maneiras pelas quais os interesses de indivíduos de espécies diferentes
chocam-se fortemente. Por exemplo, um leão quer comer o corpo de um antílope, mas este último
tem planos muito diferentes para seu corpo. Isto normalmente não é considerado competição por um
re-curso, mas do ponto de vista lógico é difícil imaginar porque não. O recurso em questão é carne.
Os genes do leão “querem-na” como alimento para sua máquina de sobrevivência. Os genes do
antílope querem-na como músculos e órgãos em funcionamento também para sua máquina de
sobrevivência. Estes dois usos da carne são mutuamente incompatíveis, havendo, portanto, conflito
de interesses.
Os membros da própria espécie de um animal também são feitos de carne. Por que o
canibalismo é relativamente raro? Como vimos no caso das gaivotas de cabeça preta, os adultos
algumas vezes realmente comem os filhotes de sua própria espécie. No entanto, os carnívoros
adultos nunca são vistos perseguindo ativamente outros adultos de sua própria espécie com a
finalidade de comê-los. Por que não? Ainda estamos tão acostumados a pensar em termos da idéia
de evolução segundo o “bem da espécie” que freqüentemente esquecemos de fazer perguntas
perfeitamente razoáveis como: “por que os leões não caçam outros leões?” Outro tipo de pergunta
que é raramente feita é: “por que os antílopes fogem dos leões em vez de contra-atacar?”
A razão pela qual os leões não caçam membros da mesma espécie é que para eles não seria
uma EEE fazê-lo. Uma estratégia de canibalismo seria instável pela mesma razão que se aplica à
estratégia de gavião do exemplo acima. Há perigo demais de retaliação. Esta terá menor chance de
ocorrer em disputas entre membros de espécies diferentes, o que explica porque tantas presas fogem
ao invés de retaliar. Isto provavelmente provém originalmente do fato de numa interação entre dois
animais de espécies diferentes haver uma assimetria intrínseca maior do que aquela entre membros
da mesma espécie. Quando quer que exista uma assimetria forte em uma disputa, as EEEs
provavelmente serão estratégias condicionais dependentes da assimetria. Estratégias análogas a “se
menor fuja, se maior ataque” têm probabilidade de evoluir em disputas entre membros de espécies
diferentes porque há tantas assimetrias disponíveis. Os leões e os antílopes atingiram um tipo de
estabilidade por divergência evolutiva, a qual acentuou a assimetria original da disputa de maneira
sempre crescente. Eles tornaram-se altamente proficientes nas artes, respectivamente, de perseguir e
de fugir. Um antílope mutante que adotasse uma estratégia de “fique parado e lute” contra os leões
seria menos bem sucedido do que antílopes rivais desaparecendo no horizonte.
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Tenho o palpite de que possivelmente voltemos a olhar a invenção do conceito de EEE como
um dos avanços mais importantes na teoria da evolução desde Darwin. Ele é aplicável onde quer que
encontremos conflitos de interesse, e isto significa em quase toda parte. Os estudantes de
comportamento animal adquiriram o hábito de falar sobre alguma coisa chamada “organização
social”. Muito freqüentemente a organização social de uma espécie é tratada como uma entidade em
si mesma, com sua própria “vantagem” biológica. Um exemplo que já apresentei é o da “hierarquia
de dominância”. Acredito que se possa distinguir pressuposições ocultas de selecionistas de grupo
por trás de um grande número das afirmações feitas por biólogos a respeito da organização social. O
conceito de EEE de Maynard Smith nos possibilitará, pela primeira vez, ver claramente como um
conjunto de entidades egoístas independentes pode vir a assemelhar-se a um todo organizado único.
Acredito que isto ocorrerá não apenas com organizações sociais dentro de espécies, mas também
com “ecossistemas” e “comunidades” consistindo de muitas espécies. A longo prazo prevejo que o
conceito de EEE revolucionará a ciência da Ecologia.
Podemos também aplicá-lo a um assunto que foi protelado no Capítulo 3, oriundo da analogia
com remadores em um barco (representando os genes em um corpo) que necessitam um bom
espírito de equipe. Os genes são selecionados não por serem “bons” isoladamente, mas por serem
bons para funcionar contra o pano de fundo dos outros genes do “fundo”. Um bom gene deve ser
compatível com os outros genes com os quais tem que compartilhar uma longa sucessão de corpos e
ser também complementar a eles. Um gene para dentes trituradores de plantas será bom no “pool”
de uma espécie herbívora, mas ruim naquele de uma espécie carnívora.
É possível imaginar que uma combinação compatível de genes seja selecionada em conjunto
como uma unidade. No caso do exemplo do mimetismo da borboleta do Capítulo 3 isto parece ser
exatamente o que aconteceu. A força do conceito de EEE, porém, é que ele pode agora nos permitir
ver como û mesmo tipo de resultado poderia ser conseguido por seleção unicamente ao nível do
gene independente. Os genes não precisam estar ligados no mesmo cromossomo.
A analogia dos remadores na realidade não está aparelhada para explicar esta idéia. O mais
próximo que podemos chegar é o seguinte. Suponha que seja importante numa equipe realmente
bem sucedida que os remadores coordenem suas atividades oralmente. Suponha ainda que no
“fundo” de remadores à disposição do treinador alguns falem apenas inglês e outros apenas alemão.
Os ingleses não são remadores consistentemente melhores ou piores do que os alemães. Mas, devido
a importância da comunicação, uma equipe mista tenderá a vencer menos competições do que quer
uma equipe inteiramente inglesa quer uma inteiramente alemã.
O treinador não percebe isto. Tudo o que ele faz é misturar seus homens, dando pontos
positivos para os indivíduos de barcos vencedores e pontos negativos para aqueles de barcos que
perdem. Então, se o "fundo” disponível a ele por acaso for dominado por ingleses, segue-se que
qualquer alemão que fique no barco provavelmente fará com que ele perca, pois a comunicação
falhará. Inversamente, se o “fundo” fosse dominado por alemães, um inglês tenderia a fazer com que
qualquer barco no qual ele se encontrasse perdesse. O que emergirá como a melhor equipe total será
um dos dois estados estáveis – puramente de ingleses ou puramente de alemães, mas não misto.
Parece, superficialmente, que o treinador está selecionando grupos lingüísticos inteiros . como
unidades. Isto não é o que ele está fazendo. Ele está selecionando regadores individuais segundo sua
aparente habilidade para vencer competições. Apenas acontece que a tendência de um indivíduo
vencer competições depende de que outros indivíduos estão presentes no “fundo” de candidatos. Os
candidatos em minoria são automaticamente punidos, não porque sejam maus remadores, mas
simplesmente porque são candidatos em minoria. Da mesma forma, o fato dos genes serem
selecionados pela compatibilidade mútua não significa necessariamente que tenhamos que imaginar
que os grupos de genes são selecionados como unidades, como o eram no caso das borboletas. A
seleção ao nível baixo do gene isolado pode dar a impressão de seleção a um nível mais elevado.
Neste exemplo a seleção favorece a conformidade simples. Um aspecto mais interessante é
que os genes podem ser selecionados porque complementam-se mutuamente. Em termos da
analogia, suponha que uma equipe idealmente equilibrada consistisse de quatro destros e quatro
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canhotos. Suponha novamente que o treinador, sem perceber este fato, seleciona cegamente segundo
o “mérito”. Se, então, o “fundo” de candidatos for dominado por destros, qualquer canhoto
individual tenderá a ter vantagem: provavelmente fará com que qualquer barco em que se encontre
vença e portanto parecerá ser um bom remador. Inversamente, em um “fundo” dominado por
canhotos, um destro teria vantagem. Isto é semelhante ao caso de um gavião saindo-se bem em uma
população de pombos e um pombo saindo-se bem em uma população de gaviões. A diferença é que
aí estávamos falando de interações entre corpos individuais – máquinas egoístas – enquanto que aqui
estamos falando, por analogia, de interações entre genes dentro de corpos.
No final, a seleção cega de remadores "bons” feita pelo treinador conduzirá a uma equipe ideal
consistindo de quatro canhotos e quatro destros. Parecerá que ele os selecionou todos juntos, como
uma unidade completa e equilibrada. Acho mais econômico imaginá-lo selecionando a um nível
mais baixo, o nível dos candidatos independentes. O estado evolutivamente estável (“estratégia” é
enganador neste contexto) de quatro canhotos e quatro destros emergirá simplesmente como uma
conseqüência da seleção a nível baixo baseada no mérito aparente.
O "fundo” de genes é o ambiente a longo prazo do gene. Os genes "bons” são selecionados
cegamente como sendo aqueles que sobrevivem no “fundo”. Isto não é uma teoria e nem mesmo um
fato observado: é uma tautologia. A pergunta interessante é o que torna um gene bom. Como uma
primeira aproximação eu disse que o que toma um gene bom é a habilidade para construir máquinas
de sobrevivência eficientes – corpos. Precisamos agora melhorar esta afirmação. O “fundo” de genes
tomar-se-á um conjunto evolutivamente estável de genes, definido como um "fundo” que não pode
ser invadido por qualquer gene novo. A maioria dos genes novos que surgem, quer por mutação,
rearranjo ou imigração, é rapidamente punida por seleção natural: o conjunto evolutivamente estável
é restaurado. Ocasionalmente um gene novo efetivamente consegue invadir o conjunto: consegue
difundir-se pelo “fundo”. Há um período transitório de instabilidade terminando num novo conjunto
evolutivamente estável – um pouco de evolução ocorreu. Por analogia com as estratégias de
agressão, uma população poderá ter mais de um ponto estável alternativo e poderá ocasionalmente
passar de um para o outro. A evolução progressiva poderá não ser tanto uma escalada regular quanto
uma crie de passos discretos de um platô estável para outro. Talvez pareça que a população como
um todo está se comportando como uma única unidade auto-reguladora. Mas esta ilusão é produzida
pelo fato da seleção ocorrer ao nível do gene isolado. Os genes são selecionados por “mérito”. Mas
este é julgado com base na performance contra o pano de fundo do conjunto evolutivamente estável
que é o “fundo” atual de genes.
Concentrando-se nas interações agressivas entre indivíduos totais Maynard Smith foi capaz de
tornar as coisas muito claras. É fácil pensar em proporções estáveis de corpos de gavião e de pombo
porque os corpos são coisas grandes as quais podemos ver. Mas tais interações entre genes
localizados em corpos diferentes são apenas a extremidade do “iceberg”. A grande maioria das
interações significativas entre genes no conjunto evolutivamente estável – o “fundo” – dá-se dentro
dos corpos individuais. Estas interações são difíceis de serem vistas, pois ocorrem dentro das
células, especialmente nas células dos embriões em desenvolvimento. Corpos bem integrados
existem porque são o produto de um conjunto evolutivamente estável de genes egoístas.
Devo voltar, porém, ao nível de interações entre animais totais que é o tema principal deste
livro. Para compreender a agressão foi conveniente tratar os animais individuais como máquinas
egoístas independentes. Este modelo falha quando os indivíduos em questão são parentes próximos
– irmãos e irmãs, primos, pais e filhos. Isto ocorre porque os parentes compartilham uma porção
substancial de seus genes. Cada gene egoísta, portanto, tem sua lealdade dividida entre corpos
diferentes. Isto está explicado no próximo capítulo.
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Capítulo 6
MANIPULANDO OS GENES
O que é o gene egoísta? Não é apenas um fragmento físico único de DNA. Assim como no
caldo primordial, ele é todas as réplicas de um fragmento específico de DNA, distribuído por todo o
mundo. Se nos permitirmos falar sobre os genes como se tivessem objetivos conscientes, sempre nos
certificando de podermos traduzir nossa linguagem descuidada para termos respeitáveis, se assim
quiséssemos, poderíamos perguntar: o que um gene egoísta isolado tenta fazer? Ele tenta tornar-se
mais numeroso no “fundo” de genes. Basicamente ele o faz ajudando a programar os corpos nos
quais se encontra, de modo que sobrevivam e se reproduzam. Agora, porém, estamos enfatizando
que “ele” é um agente distribuído, existindo em muitos indivíduos diferentes ao mesmo tempo. O
ponto chave deste capítulo é que um gene poderá ser capaz de auxiliar réplicas de si próprio
localizadas em outros corpos. Se isso ocorrer, parecerá altruísmo individual, mas realizado pelo
egoísmo dos genes.
Imagine o gene para albinismo no homem. Na realidade existem vários genes que podem
originar o albinismo, mas refiro-me apenas a um deles. Este gene é recessivo, isto é, deve estar
presente em dose dupla para que uma pessoa seja albina. Isto ocorre aproximadamente em 1
indivíduo para cada 20 000. Mas o gene também está presente em dose única em cerca de 1
indivíduo para cada 70; estas pessoas não são albinas. Como ele está distribuído por muitos
indivíduos, um gene tal como esse para o albinismo poderia, teoricamente, auxiliar sua própria
sobrevivência no “fundo”, programando seus corpos de modo que se comportem altruisticamente
em relação a outros corpos albinos, uma vez que sabe-se que estes contêm o mesmo gene. O gene
para albinismo deveria ficar satisfeito se alguns dos corpos que habita morressem, desde que ao
fazê-la, ajudassem outros corpos, contendo o mesmo gene, a sobreviver. Se o gene para albinismo
pudesse fazer com que um de seus corpos salvasse as vidas de dez corpos albinos, então mesmo a
morte do altruísta seria amplamente compensada pelo número aumentado de genes para albinismo
no "fundo".
Deveríamos então esperar que os albinos fossem especialmente gentis uns com os outros? A
resposta, na realidade, é provavelmente não. A fim de entender por que não, devemos abandonar
temporariamente nossa metáfora do gene como um agente consciente, pois neste contexto ela
torna-se, sem dúvida, enganadora. Devemos voltar novamente para termos respeitáveis, embora
mais enfadonhos. Os genes para albinismo, na realidade, não "querem" sobreviver ou auxiliar outros
genes para albinismo, Mas, se acontecesse que o gene para albinismo fizesse seus corpos
comportarem-se altruisticamente em relação a outros albinos, automaticamente, quer queira quer
não, ele tenderia a tornar-se, em conseqüência, mais numeroso no "fundo". Para que isto ocorra,
porém, o gene teria que ter dois efeitos independentes sobre os corpos. Ele não deve apenas conferir
seu efeito normal de tez muito pálida; deve também conferir uma tendência a ser seletivamente
altruísta em relação a indivíduos com tez pálida. Um gene de efeito duplo como este, se ele existisse,
poderia ser muito bem sucedido na população.
É bem verdade que os genes têm efeitos múltiplos, como enfatizei no Capítulo 3. É
teoricamente possível que pudesse surgir um gene, o qual conferisse um "rótulo" visível
externamente, como pele pálida, barba verde, ou qualquer coisa conspícua, a também conferisse a
tendência a ser particularmente gentil aos possuidores deste rótulo perceptível. Isto seria possível,
mas não especialmente provável. A posse de barba verde tem a mesma probabilidade de estar ligada
a uma tendência a crescer unhas encravadas do que a qualquer outra característica; e a predileção
por barbas verdes tem igual probabilidade de vir junto à incapacidade de sentir o cheiro da
palma-de-santa-rita. Não é muito provável que exatamente o mesmo gene produza tanto o rótulo
correto como o tipo adequado de altruísmo. O que talvez possa ser chamado de Efeito Altruístico da
Barba Verde, no entanto, é uma possibilidade teórica.
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Um rótulo arbitrário como barba verde é apenas uma maneira pela qual um gene pode
"reconhecer" cópias de si próprio em outros indivíduos. Haverá outras maneiras? Uma maneira
possível, particularmente direta, é a seguinte. O possuidor de um gene altruísta poderá ser
reconhecido simplesmente pelo fato de realizar atos altruístas. Um gene poderia prosperar no
"fundo" se "dissesse" o equivalente a: "Corpo, se A estiver afogando-se por tentar salvar outra
pessoa de afogamento, pule a salve A." O motivo pelo qual um gene deste tipo poderia ser bem
sucedido é que há uma possibilidade maior do que a média de que A contenha o mesmo gene
altruísta para salvamento de vidas. O fato de A ser visto tentando salvar outra pessoa é um rótulo,
equivalente à barba verde; é menos arbitrário do que uma barba verde, mas ainda parece ser bastante
improvável. Há maneiras plausíveis pelas quais os genes podem "reconhecer" suas cópias em outros
indivíduos?
A resposta é sim. É fácil mostrar que parentes próximos - da família têm uma probabilidade
maior do que a média de compartilharem genes. Desde há muito tem estado claro que esta deve ser a
razão para o altruísmo dos pais em relação a seus filhos ser tão comum. O que R. A. Fisher, J. B. S.
Haldane a principalmente W. D. Hamilton entenderam foi que o mesmo se aplica a outros parentes
próximos - irmãos a irmãs, sobrinhos a sobrinhas, primos próximos. Se um indivíduo morre a fim de
salvar dez parentes próximos, uma cópia do gene para altruísmo de parentesco poderá se perder, mas
um número maior de cópias do mesmo gene será salvo.
"Um número maior" é um tanto vago; "parentes próximos" também o é. Podemos introduzir
maior precisão, como Hamilton mostrou. Seus dois artigos de 1964 encontram-se entre as mais
importantes contribuições à Etologia Social jamais escritas; nunca pude entender porque têm sido
tão negligenciados pelos etólogos (seu nome nem mesmo consta do índice de dois textos básicos
importantes de Etologia, ambos publicados em 1970). Felizmente há sinais recentes de um despertar
de interesse por suas idéias. Os artigos de Hamilton são um tanto matemáticos, mas é fácil apreender
intuitivamente os princípios básicos, sem Matemática rigorosa, embora sob pena de certa
simplificação excessiva. O que queremos calcular é a probabilidade, ou chance, de dois indivíduos,
como duas irmãs, compartilharem um determinado gene.
Para simplificar suporei que estamos nos referindo a genes raros no "fundo" como um todo. A
maioria das pessoas compartilha "o gene para não ser albino", estejam elas relacionadas ou não entre
si. A razão deste gene ser tão comum é que na natureza os albinos têm menor probabilidade de
sobreviver do que os não albinos, porque, por exemplo, o Sol os ofusca a faz com que tenham
relativamente menor probabilidade de ver um predador que se aproxima. Não estamos preocupados
em explicar o predomínio no "fundo" de genes obviamente "bons" como o gene para não ser albino.
Estamos interessados em explicar o sucesso de genes, especificamente como resultado de seu
altruísmo. Podemos, portanto, supor que esses genes são raros, pelo menos nos estágios iniciais
deste processo de evolução. O importante é que mesmo um gene raro na população como um todo é
comum em uma família. Eu possuo vários genes raros na população como um todo, a você também.
A probabilidade de ambos possuirmos os mesmos genes raros é, de fato, muito pequena. Mas, há
uma boa chance de minha irmã possuir um gene raro específico que eu possuo; a há uma chance
igualmente boa de sua irmã possuir um gene raro em comum com você. A probabilidade, neste caso,
é de exatamente 50 por cento. É fácil explicar porque.
Suponha que você possua uma cópia do gene G. Você deve ter recebido-a ou de seu pai ou de
sua mãe (por conveniência podemos ignorar várias possibilidades pouco comuns -que G é uma nova
mutação, que ambos os seus pais possuiam-no, ou que um de seus pais tinha duas cópias deste
gene). Suponha que foi seu pai quem te deu o gene. Cada uma de suas células somáticas comuns,
assim, possuía uma cópia de G. Você lembra-se que quando um homem faz um espermatozóide ele
lhe distribui metade de seus genes. Há, portanto, uma probabilidade de 50 por centro do
espermatozóide que gerou sua irmã ter recebido o gene G. Se, por outro lado, você recebeu G de sua
mãe, um raciocínio inteiramente análogo mostra que metade dos óvulos dela devem ter possuído G;
novamente, a probabilidade de sua irmã possuir G é de 50 por cento. Isto significa que se você
tivesse 100 irmãos a irmãs, aproximadamente metade deles possuiria qualquer gene raro específico
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que você carrega; significa também que se você possui 100 genes raros, aproximadamente 50 deles
estão no corpo de qualquer um de seus irmãos ou irmãs.
Você pode fazer o mesmo tipo de cálculo para qualquer grau de parentesco que deseje. Uma
relação importante é entre pais a filhos. Se você possui uma cópia do gene H, a probabilidade de que
um de seus filhos qualquer o possua também é de 50 por cento, pois metade de suas células sexuais
contêm H e qualquer filho foi feito de uma dessas células. Se você tem uma cópia do gene J, a
probabilidade de que seu pai também o tivesse é de 50 por cento, pois você recebeu metade de seus
genes dele a metade de sua mãe. Por conveniência utilizamos um índice de parentesco o qual
exprime a probabilidade de um gene ser compartilhado entre dois parentes. O parentesco entre dois
irmãos é 1/2, pois metade dos genes apresentados por um irmão serão encontrados no outro. Este é
um número médio; pelo acaso da seleção meiótica é possível a pares específicos de irmãos
compartilhar mais ou menos genes. O parentesco entre pai a filho é sempre exatamente 1/2.
É um tanto cansativo cada vez fazer os cálculos a partir dos princípios básicos, portanto aqui
está uma regra pronta aproximada para determinar o parentesco entre dois indivíduos quaisquer A e
B. Talvez você a ache útil para fazer seu testamento, ou para interpretar semelhanças aparentes em
sua própria família. A regra funciona em todos os casos simples, mas não se aplica no caso de
cruzamento incestuoso a em certos insetos, como veremos.
Em primeiro lugar identifique todos os antepassados em comum de A e de B. Os antepassados
em comum de um par de primos coirmãos são o avô e a avó em comum. Assim que você tiver
encontrado um antepassado em comum, será logicamente verdadeiro, é claro, que todos os seus
antepassados serão também comuns a A e B. No entanto, ignoramos todos os antepassados em
comum com exceção dos mais recentes. Neste sentido, primos coirmãos têm apenas dois
antepassados em comum. Se B for um descendente direto de A, por exemplo seu bisneto, então o
próprio A será o "antepassado em comum" que estamos procurando.
Tendo localizado o antepassado (ou antepassados) em comum de A e B, determine a distância
de geração da seguinte maneira. Começando em A, suba a árvore genealógica até atingir um
antepassado em comum; em seguida desça novamente até B. O número total de degraus para cima a
depois para baixo é a distância de geração. Se A é o do de B, por exemplo, a distância de geração é
3. O antepassado em comum é pai de A (suponha) a avó de B. Começando em A você deve subir
uma geração a fim de atingir o antepassado em comum. Então, para descer até B você deve passar
duas gerações do outro lado. A distância de geração, portanto, será 1 + 2 = 3.
Tendo encontrado a distância de geração entre A e B através de um antepassado em comum
específico, calcule a porção de seu parentesco pela qual o antepassado é responsável. Para fazer isto
multiplique 1/2 por ele mesmo uma vez para cada degrau da distância de geração. Se esta for 3, isto
significará calcular 1/2 x 1/2 x 1/2, ou seja, (1/2)3. Se a distância de geração através de determinado
antepassado é igual a g degraus, a porção do parentesco devida àquele antepassado será (1 /2)g.
Mas isto é apenas parte do parentesco entre A e B. Se eles tiverem mais de um antepassado em
comum teremos que acrescentar o número equivalente para cada antepassado. Geralmente ocorre
que a distância de geração é a mesma para todos os antepassados em comum de um par de
indivíduos. Tendo determinado o parentesco entre A e B devido a cada um dos antepassados,
portanto, na prática você terá apenas que multiplicá-lo pelo número de antepassados. Primos
coirmãos, por exemplo, têm dois antepassados em comum e a distância de geração através de cada
um é 4. Seu parentesco, portanto, é 2 x (1/2)4 = 1/8. Se A for bisneto de B, a distância de geração
será 3 e o número de "antepassados" em comum será 1 (o próprio B), de modo que o parentesco será
1 x (1/2)3 = 1/8. Do ponto de vista genético seu primo coirmão é equivalente a um bisneto. Da
mesma forma, você tem a mesma probabilidade de "puxar" a seu do (parentesco = 2 x (1/2)3 = 1/4)
do que seu avô (parentesco = 1 x (1/2)2 = 1/4).
Para parentescos distantes como primos de terceiro grau (2 x (1/2)8 = 1/128) nos aproximamos
da probabilidade básica de um gene qualquer apresentado por A ser compartilhado por um indivíduo
tomado aleatoriamente da população. Um prime de terceiro grau não é muito diferente de qualquer
João, José ou Antônio no que se refere a um gene altruísta. Um prime de segundo grau (parentesco =
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1 /32) é apenas um pouco especial; um prime coirmão já o é bastante mais (1/8). Irmãos legítimos, e
pais e filhos são muito especiais (1/2); a gêmeos idênticos (parentesco = 1) são tão especiais quarto
o próprio indivíduo. Tios a tias, sobrinhos, avôs a avós, e meio irmãos e irmãs são intermediários
com um parentesco de 1/4.
Estamos agora prontos para falar com mais precisão de genes para altruísmo de parentesco.
Um gene para o salvamento suicida de cinco primes não se tornaria mais numeroso na população,
mas um gene para o salvamento de cinco irmãos ou dez primes coirmãos realmente se tornaria. O
requisite mínimo para que um gene altruísta suicide seja bem sucedido é que salve mais de dois
irmãos (ou filhos, ou pais), mais de quatro meio irmãos (ou tios, tias, sobrinhos, avós, ou netos),
mais de oito primes coirmãos, etc. Este gene, em média, tenderá a manter-se nos corpos de um
número suficiente de indivíduos salvos pelo altruísta para compensar sue própria morte.
Se um indivíduo pudesse ter certeza de que determinada pessoa é seu gêmeo idêntico, deveria
preocupar-se canto pelo bem-estar dente último quarto pelo seu próprio. Qualquer gene para
altruísmo entre gêmeos necessariamente estará presente em ambos, de modo que se um deles morre
heroicamente para salvar o outro, o gene sobrevive. O taco-galinha nasce em ninhadas de
quádruplos idênticos. Pelo que eu saiba nenhuma façanha de sacrifício próprio foi observada em
tacos jovens, mas foi indicado que deve-se definitivamente esperar um altruísmo marcante: valeria a
pena alguém examinar o assunto quando estivesse na América do Sul.
Podemos agora entender que o cuidado com a prole é apenas um case especial de altruísmo
para com parentes. Do ponto de vista genético um adulto deveria devotar tanto cuidado a atenção a
seu irmão pequeno órfão quarto a um de seus próprios filhos. Seu parentesco com ambas as crianças
é exatamente o mesmo, 1/2. Em termos de seleção de genes, um gene para comportamento altruísta
da irmã mais velha deveria ter a mesma probabilidade de espalhar-se pela população quarto um gene
para altruísmo dos pais. Isto, na prática, é uma simplificação excessiva por várias razões que
examinaremos mais tarde; o cuidado fraterno não é, de forma alguma, tão comum na natureza quarto
o cuidado com a prole. Mas o que quem mostrar aqui é que não há nada especial, do ponto de vista
genético, a respeito do relacionamento pais/filhos, em comparação ao relacionamento irmão/irmã. O
fato dos pais efetivamente transmitirem genes aos filhos mas as irmãs não transmitirem-nos umas às
outras é irrelevante, uma vez que ambas as irmãs recebem réplicas idênticas don mesmos genes, don
mesmos pais.
Algumas pessoas usam o termo Seleção de parentesco para diferenciar este tipo de seleção
natural da seleção de grupo (sobrevivência diferencial de grupos) a da seleção individual
(sobrevivência diferencial de indivíduos). A seleção de parentesco é responsável pelo altruísmo
dentro da família; quarto mais próximo o parentesco, mais forte a seleção. Nada há de errado com
este termo, mas infelizmente talvez ele tenha que ser abandonado devido a empregos errôneos a que
foi submetido recentemente, empregos estes que provavelmente desnortearão a confundirão os
biólogos por muitos anos. E. O. Wilson, em seu livro admirável (a não ser pelo que segue)
Sociobiology The New Synthesis, define seleção de parentesco como um tipo especial de seleção de
grupo. Ele apresenta um diagrama que claramente mostra que considera-a um intermediário entre
"seleção individual" a "seleção de grupo" no sentido convencional, o sentido que usei no Capítulo 1.
A seleção de grupo, porém mesmo segundo a própria definição de Wilson, significa a sobrevivência
diferencial de grupos de indivíduos. Há, certamente, um sentido no qual uma família é um tipo
especial de grupo. Mas o âmago do argumento de Hamilton é que a distinção entre família a não
família não é absoluta, mas uma questão de probabilidade matemática. Não constitui pane da teoria
de Hamilton a idéia de que os animais deveriam se comportar altruisticamente em relação a todos os
"membros da família" e egoisticamente em relação aos demais. Não há delimitações definidas a
serem estabelecidas entre família a não família. Não temos que decidir se primes de segundo grau,
por exemplo, devem ser considerados como pertencentes ou não ao grupo da família. simplesmente
esperamos que eles tenham a tendência a receber 1/16 do altruísmo recebido por filhos ou irmãos. A
seleção de parentesco definitivamente não é um case especial de seleção de grupo; é uma
conseqüência da seleção de genes.
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Há uma falha ainda mais séria na definição de seleção de parentesco de Wilson. Ele
deliberadamente exclui os filhos: eles não são parentes! Evidentemente ele sabe muito bem que os
filhos são parentes de seus pais, mas prefere não recorrer à teoria da seleção de parentesco a fim de
explicar o cuidado altruísta don pais para com seus próprios filhos. Ele, evidentemente, tem o direito
de definir uma palavra como quiser, mas esta definição cause muita confusão; espero que Wilson
altere-a nas edições futuras de seu livro justificadamente influente. Do ponto de vista genético, o
cuidado com a prole e o altruísmo fraterno evoluem devido exatamente ao mesmo motive: em
ambos os cases há uma boa chance do gene altruísta estar presente no corpo do beneficiado.
Peço a condescendência do leitor não especializado por esta pequena diatribe a volto
apressadamente à história principal. Até agora simplifiquei excessivamente e é hora de introduzir
algumas restrições. Mencionei, em termos elementares, os genes suicidas para salvamento das vidas
de determinados números de parentes de grau precisamente conhecido de parentesco. Na vida real,
obviamente, não se pode esperar que os animais contem exatamente quartos parentes estão salvando,
nem que façam os cálculos de Hamilton ria cabeça, mesmo que tivessem uma maneira de saber com
certeza quem são seus irmãos a primos. Na vida real o suicídio certo e o "salvamento" absoluto de
vidas devem ser substituídos por riscos estatísticos de morte, de si próprio e de outros. Poderá valer
a pena salvar até mesmo um primo de terceiro grau, se o risco para si próprio for muito pequeno. De
qualquer forma, tanto você como o parente que você pensa em salvar morrerão um dia. Todo
indivíduo tem uma "expectativa de vida" a qual um estatístico poderia calcular com certa
probabilidade de erro. Salvar a vida de um parente que logo morrerá de velhice causa menos
impacto no "fundo" de genes do futuro do que salvar a vida de um parente igualmente próximo que
tenha a maior parte de sua vida pela frente.
Nossos cálculos simétricos, bem definidos, de parentesco têm que ser modificados por
considerações atuariais confusas. Avós a netos têm, do ponto de vista genético, razão idêntica para
comportarem-se altruisticamente uns em relação aos outros, pois cada um compartilha 1/4 dos genes
do outro. Mas se os netos têm maior expectativa de vida, os genes para altruísmo de avô para neto
possuem maior vantagem seletiva do que os genes para altruísmo de neto para avô. É possível que o
benefício líquido resultante do auxílio a um parente jovem distante exceda aquele resultante do
auxilio a um parente próximo velho. (A propósito, não ocorre necessariamente, é claro, que os avós
tenham expectativa de vida menor do que os netos. Em espécies com alta taxa de mortalidade
infantil poderá ocorrer o inverso).
Estendendo-se a analogia com a Atuária, os indivíduos podem ser considerados agentes de
seguros de vida. Pode-se esperar que um indivíduo invista ou arrisque uma determinada proporção
de seu próprio ativo na vida de outro indivíduo. Ele levará em consideração seu parentesco com o
outro indivíduo e também se este é um "bom risco" em termos de sua expectativa de vida comparada
com a do próprio segurador. A rigor deveríamos falar em "expectativa de reprodução" a não em
"expectativa de vida", ou, para sermos ainda mais precisos, "expectativa de capacidade geral de
beneficiar os próprios genes no futuro". Então, para que o comportamento altruístico evolua, o risco
líquido para o altruísta deve ser menor do que o benefício líquido para o receptor multiplicado pelo
parentesco. Os riscos a os benefícios devem ser calculados da maneira atuarial complexa que
esbocei.
Mas que cálculo complicado para se esperar que uma pobre máquina de sobrevivência faça,
especialmente com pressa! Até mesmo o grande biólogo matemático J. B. Haldane observou (em um
artigo de 1955 no qual antecipou Hamilton postulando a difusão de um gene para salvar parentes
próximos de afogamento): ". . .nas duas ocasiões em que tirei da água pessoas que provavelmente
estavam se afogando (com um risco mínimo para mim) não tive tempo de fazer tais cálculos."
Felizmente, no entanto, como Haldane bem sabia, não é necessário supor que as máquinas de
sobrevivência conscientemente façam as somas na cabeça. Assim como poderemos utilizar uma
régua de cálculo sem notar que na realidade estamos usando logaritmos, da mesma maneira um
animal poderá estar programado antecipadamente de tal forma que comporte-se como se tivesse
feito um cálculo complicado.
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Isto não é tão difícil de imaginar como parece. Quando um homem joga uma bola para o alto a
pega-a novamente ele comporta-se como se tivesse resolvido um conjunto de equações diferenciais
ao prever a trajetória da bola. Talvez ele não saiba o que é uma equação diferencial a nem se
preocupe, mas isto não afeta sua habilidade com a bola. A nível subconsciente alguma coisa
funcionalmente equivalente aos cálculos matemáticos está ocorrendo. Da mesma forma, quando um
homem toma uma decisão difícil após pesar todos os prós a os contras a todas as conseqüências da
decisão que ele possa imaginar, estará realizando o equivalente funcional a um cálculo de "soma
ponderada", tal qual um computador poderia efetuar.
Se tivéssemos que programar um computador para que simulasse um modelo de uma máquina
de sobrevivência que tomasse decisões sobre quando comportar-se altruisticamente, provavelmente
teríamos que proceder da seguinte maneira. Deveríamos fazer uma lista de todas as coisas possíveis
que o animal pode fazer. Então, para cada um desses padrões alternativos de comportamento,
programamos um cálculo de soma ponderada. Todos os vários benefícios terão um sinal positivo;
todos os riscos terão um sinal negativo; tanto os benefícios como os riscos serão ponderados através
de sua multiplicação pelo índice de parentesco apropriado, antes de se efetuar a soma. Para
simplificar podemos, inicialmente, ignorar outros pesos, tais como aqueles para idade a saúde.
Como o "parentesco" de um indivíduo consigo mesmo é 1 (isto é, ele possui 100 por cento de seus
próprios genes, obviamente), os riscos a benefícios para si próprio não serão absolutamente
desprezados, mas receberão seu peso normal no cálculo. A soma completa para qualquer um dos
padrões alternativos de comportamento será assim: benefício líquido do padrão de comportamento =
benefício para si próprio - risco para si próprio + 1/2 benefício para o irmão - 1/2 risco para o irmão
+ 1/2 benefício para o outro irmão - 1 /2 risco para o outro irmão + 1 /8 benefício para o primo
coirmão - 1/8 risco para o primo coirmão + 1/2 benefício para o filho - 1/2 risco para o filho + etc.
0 resultado da soma será um número chamado de resultado benéfico líquido daquele padrão de
comportamento. Em seguida o modelo de animal computa a soma equivalente para cada padrão
alternativo de comportamento de seu repertório. Finalmente ele decide realizar o padrão de
comportamento que apresentou o maior benefício líquido. Mesmo que todos os resultados sejam
negativos, ele deve, assim mesmo, escolher a ação com o resultado mais alto, o menor dos males.
Lembre-se que qualquer ação positiva envolve o consumo de energia a de tempo, a ambos poderiam
ter sido usados para fazer outras coisas. Se não fazer nada apresenta-se como o "comportamento"
com maior resultado benéfico líquido, o modelo do animal não fará nada.
Aqui está um exemplo excessivamente simplificado, desta vez expresso sob a forma de um
solilóquio subjetivo a não como uma simulação de computador. Sou um animal que encontrou um
grupo de oito cogumelos. Após considerar seu valor nutritivo a subtrair certo valor pelo pequeno
risco de serem venenosos, estimo que valham seis unidades positivas cada um (as unidades são
resultados arbitrários, como no capítulo anterior). Os cogumelos são tão grandes que eu só poderia
comer três deles. Devo informar alguém mais a respeito de meu achado emitindo um "grito de
alimento"? Quem está por perto? O irmão B (seu parentesco comigo é 1/2), o primo C (parentesco
comigo = 1/8) e D (não tem relação especial comigo; seu parentesco é um número pequeno, o qual,
na prática, pode ser considerado zero). O resultado benéfico líquido para mim, se eu me mantiver
em silêncio, será +6 para cada um dos três cogumelos que como, ou seja, +18 no total. Meu
resultado benéfico líquido se
eu emitir o grito de alimento exige algumas contas. Os oito cogumelos serão compartilhados
igualmente entre nós quatro. O resultado para mim dos dois que como será as seis unidades positivas
normais para cada um, ou seja, +12 no total. Mas, obterei também algum resultado positivo quando
meu irmão e meu primo comerem, cada um, seus dois cogumelos, devido aos genes que
compartilhamos. O resultado real será (1 x 12) + (1/2 x 12) + (1/8 x 12) + (0 x 121 = +19?.=. O
benefício líquido correspondente para o comportamento egoísta era +18: os resultados são próximos,
mas o veredicto é claro. Devo emitir o grito de alimento; neste caso, o altruísmo de minha parte
recompensaria meus genes egoístas.
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Para simplificar fiz a suposição de que o animal calcula o que é melhor para seus genes. O que
acontece na realidade é que o "fundo" enche-se de genes que influenciam os corpos de tal maneira
que estes comportam-se como se tivessem feito os cálculos.
Em qualquer caso o cálculo é apenas uma primeira aproximação ao que idealmente deveria
ser. Ele ignora muitas coisas, incluindo as idades dos indivíduos. Além disto, se acabei de ter uma
boa refeição, de modo que só possa comer um cogumelo, o benefício líquido que resulta de emitir o
grito de alimento será maior do que seria se estivesse famisto. Os refinamentos progressivos de
cálculo que poderiam ser feitos no melhor de todos os mundos possíveis não têm fim. Mas a vida
real não é vivida no melhor de todos os mundos possíveis. Não podemos esperar que animais reais
levem em consideração todos os mínimos detalhes ao chegar a uma decisão ótima. Teremos que
descobrir, através de observação a de experimentação na natureza, o quão próximo os animais reais
de fato chegam a uma análise do tipo custo-benefício ideal.
Apenas para termos certeza de que não fomos levados longe demais pelos exemplos
subjetivos, voltemos rapidamente à linguagem de genes. Os corpos vivos são máquinas programadas
por genes que sobreviveram. E esses sobreviveram sob condições que tenderam, em média, a
caracterizar o ambiente da espécie no passado. As "estimativas" de custos a benefícios, portanto,
estão baseadas em "experiência" passada, exatamente como nas tomadas de decisão no homem No
entanto, experiência, neste caso, tem o sentido especial de experiência de gene ou, mais
precisamente. de condições da sobrevivência passada de genes. (Como os genes também dão às
máquinas de sobrevivência a capacidade de aprender, poder-se-ia dizer que algumas estimativas de
custo-benefício são igualmente tomadas com base na experiência individual.) Enquanto as condições
não mudarem muito drasticamente, as estimativas serão boas a as máquinas de sobrevivência em
média terão a tendência a tomar as decisões acertadas. Se as condições mudam rapidamente, elas
tenderão a tomar decisões errôneas, a seus genes pagarão a pena. Sem dúvida, as decisões humanas
baseadas em informação ultrapassada tendem a ser erradas.
Estimativas de parentesco também estão sujeitas ao erro e à incerteza. Até agora, em nossos
cálculos excessivamente simplificados, consideramos que as máquinas de sobrevivência sabem
quem está relacionado a elas e o quão intimamente. Na vida real um conhecimento certo deste tipo
ocasionalmente é possível, mas mais comumente o parentesco pode apenas ser estimado como um
número médio. Suponha, por exemplo, que A e B pudessem igualmente ser meios irmãos ou irmãos
legítimos. Seu parentesco será 1/4 ou 1/2, mas como não sabemos se são meios irmãos ou irmãos
legítimos, o número efetivamente utilizável é a média, 3/8. Se for certo que possuem a mesma mãe,
mas a probabilidade de terem o mesmo pai for de apenas 1 para 10, então há 90 por cento de
probabilidade de serem meios irmãos a 10 por cento de probabilidade de serem irmãos legítimos; o
parentesco efetivo será 1/10 x 1/2 + 9/10 x 1/4 = 0,275.
Mas, quando dizemos que há 90 por cento de probabilidade, a que nos referimos? Estaremos
dizendo que um naturalista humano após uma longa pesquisa de campo tem 90 por cento de certeza,
ou que os animais têm esta certeza? Com um pouco de some as dual coisas poderão ser quase iguais.
Para entender isto, temos que pensar como os animais poderão de fato estimar quem são seus
parentes próximos.
Sabemos quem são nossos parentes porque nos é dito, porque damo-lhes nomes, porque temos
casamentos formais a porque temos registros escritos a boas memórias. Muitos antropólogos sociais
preocupam-se com "parentesco" nas sociedades que estudam. Eles não se referem ao parentesco
genético verdadeiro, mas às idéias subjetivas a culturais de parentesco. Os costumes humanos a os
rituais tribais normalmente dão grande ênfase ao parentesco; o culto aos antepassados é muito
difundido e a lealdade a obrigações familiares dominam boa pane da vida. As vendetas a as lutas
entre clãs são facilmente interpretadas segundo a teoria genética de Hamilton. Os tabus contra
incesto confirmam os profundos sentimentos de parentesco no homem, embora a vantagem genética
de um tabu contra o incesto nada tenha a ver com altruísmo: provavelmente relaciona-se aos efeitos
nocivos don genes recessivos que aparecem com o "inbreeding". (Per alguma razão muitos
antropólogos não gostam desta explicação.)
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Como poderiam os animais selvagens "saber" quem são seus parentes, ou, em outras palavras,
que regras de comportamento poderiam seguir as quais tivessem o efeito indireto de fazer com que
parecessem saber a respeito de parentesco? A regra "seja gentil para com seus parentes" não
responde a pergunta de como esses devem ser reconhecidos na prática. Os genes devem dar aos
animais uma regra prática de ação simples, uma regra que não envolva a percepção sábia do
propósito último da ação, mas uma regra que funcione mesmo assim, pelo menos sob condições
normais. Nós, humanos , estamos familiarizados com as regras, a elas são tão potentes que, se temos
pouca visão, obedecemos a regra em si, mesmo quando percebemos perfeitamente que ela não está
servindo em nada para nós ou para qualquer outra pessoa. Alguns judeus a muçulmanos, por
exemplo, prefeririam passar fome a quebrar sua regra contra comer carne de porco. Que regras
práticas simples poderiam os animais obedecer as quais, em condições normais, tivessem o efeito
indireto de beneficiar seus parentes próximos?
Se os animais tivessem a tendência a se comportar altruisticamente em relação a indivíduos
que se assemelhassem fisicamente a eles, poderiam, indiretamente, estar ajudando seus parentes.
Muito dependeria don detalhes da espécie em questão. Uma regra deste tipo, de qualquer forma, só
levaria a decisões "corretas" num sentido estatístico. Se as condições mudassem, se uma espécie, por
exemplo, começasse a viver em grupos muito maiores, ela poderia conduzir a decisões erradas. É
possível imaginar o preconceito racial como uma generalização irracional de uma tendência de
seleção de parentesco a identificar-se com indivíduos fisicamente semelhantes e a ser desagradável a
indivíduos de aparência diferente.
Numa espécie cujos membros não se locomovem muito, ou cujos membros movem-se em
pequenos grupos, a probabilidade de que qualquer indivíduo ao acaso que você encontre seja um
parente bastante próximo poderá ser grande. Neste taco a regra "Seja gentil para qualquer membro
da espécie que você encontrar" poderia ter um efeito positive na sobrevivência, no sentido de que
um gene que predisponha seus possuidores a obedecerem a regra poderá tornar-se mais numeroso no
"fundo". Talvez seja por isto que o comportamento altruístico é descrito tão freqüentemente em
bandos de macacos a cardumes de baleias. As baleias a os golfinhos afogam-se se não respirarem ar.
Tem-se observado baleias jovens a indivíduos feridos que não podem nadar para a superfície serem
socorridos a sustentados pelos companheiros do cardume. Não se sabe se as baleias têm alguma
forma de identificar seus parentes próximos, mas talvez isto não importe. Talvez a probabilidade
global, de que um membro qualquer do cardume seja um parente, seja tão alts que o altruísmo vale a
pens. Há, incidentalmente, pelo menos um relate bem autenticado de um banhista afogando-se que
foi salvo por um golfinho não amestrado. Isto poderia ser considerado uma falha da regra para salvar
membros do cardume que estejam afogando-se. A "definição" de um membro do cardume que está
se afogando, para efeito da regra, poderia ser alguma coisa assim: "Uma coisa comprida
debatendo-se a sufocando-se perto da superfície."
Tem-se observado babuínos machos adultos arriscarem suas vidas defendendo o resto do
bando contra predadores como leopardos. É bastante provável que qualquer macho adulto tenha, em
média, um número razoavelmente grande de genes presos em outros membros do bando. Um gene
que efetivamente "diga": "Corpo, se você for um macho adulto, defenda o bando contra leopardos",
poderia tornar-se mais numeroso no "fundo". Antes de deixar de lado este exemplo freqüentemente
citado, deve-se acrescentar honestamente que pelo menos uma especialista respeitada descreveu
fatos muito diferentes. Segundo ela os machos adultos são os primeiros a desaparecerem no
horizonte quando um leopardo surge.
Os pintos alimentam-se em grupos formados pela ninhada, todos seguindo sua mãe. Eles têm
dois piados principais. Além do pie agudo alto que já mencionei, eles emitem gorjeios melodiosos
curtos quando se alimentam. Os pios agudos, que têm o efeito de pedir a ajuda da mãe, são
ignorados pelos outros pintos. Estes, no entanto, são atraídos pelos gorjeios. Isto significa que
quando um deles encontra comida seus gorjeios atraem os demais igualmente para a comida: em
termos do exemplo hipotético anterior, os gorjeios são "gritos de alimento". Como naquele caso, o
aparente altruísmo dos pintos pode ser facilmente explicado por seleção de parentesco. Como na
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natureza todos os pintos seriam irmãos legítimos, um gene para emissão do gorjeio de alimento se
espalharia, desde que o custo para seu emissor seja menos da metade do benefício líquido para os
outros pintos. Como o benefício é distribuído por toda a ninhada. a qual normalmente possui mais de
dois indivíduos, não é difícil imaginar esta condição ocorrendo. Esta regra, evidentemente, falha em
situações domésticas ou de fazendas, quando as galinhas chocam ovos que não são seus próprios, até
mesmo ovos de peru ou de pato. Mas não se pode esperar que a galinha ou seus pintinhos entendam
isto. Seu comportamento foi moldado sob as condições prevalecentes na natureza, a nesta estranhos
não são normalmente encontrados em seu ninho.
Erros deste tipo poderão. entretanto. ocasionalmente ocorrer na natureza Fin espécies que
vivem em rebanhos ou bandos, um filhote órfão poderá ser adotado por uma fêmea estranha, muito
provavelmente uma fêmea que tenha perdido seu próprio filhote. Especialistas em macacos algumas
vezes usam a palavra "tia" para designar uma fêmea que adota filhotes. Na maioria dos casos não há
evidência de que ela realmente seja tia ou qualquer outro parente: se estes estudiosos estivessem tão
cônscios dos genes como deveriam estar, não usariam uma palavra importante como "tia" tão
levianamente. Na maioria dos casos deveríamos provavelmente considerar a adoção, não importa
quão comovente ela pareça, como uma falha de uma regra intrínseca. E isto porque a fêmea
generosa em nada está ajudando seus próprios genes ao cuidar do órfão; está gastando tempo a
energia que poderia estar investindo nas vidas de seus próprios parentes, especialmente os próprios
filhos. A adoção é provavelmente um erro que ocorre tão raramente que a seleção natural não
"preocupou-se" em mudar a regra tornando o instisto maternal mais seletivo. Incidentalmente, em
muitos casos tais adoções não ocorrem e o órfão é deixado morrer.
Há um exemplo de um erro tão extremo que talvez você prefira considerá-lo não como um
erro, mas como evidência contra a teoria do gene egoísta. É o caso das macacas despojadas de seus
filhotes, as quais têm sido vistas roubar um filhote de outra fêmea a cuidar dele. Vejo isto como um
erro duplo, uma vez que a fêmea que adota não apenas perde seu tempo, mas também libera uma
fêmea rival do encargo de criar filhotes a deixa-a livre para ter outro mais depressa. Parece-me um
exemplo crítico que merece uma pesquisa detalhada. Precisamos saber com que freqüência ocorre.
qual, em média, é o parentesco entre a mãe adotiva e o filhote, a qual a atitude da mãe verdadeira afinal de contas, é vantajoso para ela que seu filhote seja adotado; as mães deliberadamente tentam
enganar as fêmeas jovens induzindo-as a adotarem seus filhotes? (Também foi sugerido que as mães
adotivas a as arrebatadoras de filhotes poderiam se beneficiar adquirindo prática valiosa na arte de
criar a prole.)
Um exemplo de uma falha deliberadamente planejada do instinto maternal é oferecido pelo
cuco a por outros "parasitas de filhotes" - pássaros que põem seus ovos em um ninho alheio. O cuco
aproveita-se da regra inerente nas aves com filhotes: "Seja gentil com qualquer pássaro pequeno que
esteja no ninho que você construiu.--- Deixando os cucos de lado, esta regra normalmente terá o
efeito desejado de restringir o altruísmo aos parentes imediatos, pois acontece que os ninhos são tão
isolados uns dos outros que o conteúdo de seu ninho quase que obrigatoriamente será seus filhotes.
A gaivota Lams argentatus adulta não reconhece seus próprios ovos; alegremente chocará ovos de
outras gaivotas a até mesmo modelos grosseiros de madeira se estes forem colocados no ninho por
pesquisadores. Na natureza o reconhecimento de ovos não é importante para as gaivotas, pois eles
não rolam o suficiente para chegar na vizinhança de outro ninho a alguns metros de distãncia.
Porém, as gaivotas reconhecem seus próprios filhotes: estes, diferentemente dos ovos, passeiam a
podem facilmente acabar perto de um vizinho adulto, muitas vezes com resultados fatais, como
vimos no Capítulo 1.
As urias, aves marinhas do hemisfério norte, por outro lado, reconhecem seus próprios ovos
através do padrão de salpicamento a distinguem-nos ativamente ao incubar. Isto presumivelmente
ocorre porque elas nidificam sobre rochas planas onde existe o perigo dos ovos rolarem a serem
confundidos. Poderia-se perguntar, por que elas se preocupam em distinguir a só chocar seus ovos?
Sem dúvida, se fosse certo que cada fêmea choca os ovos de outra, não importaria se cada mãe em
particular choca seus próprios ovos ou não. Este é o argumento de um adepto da seleção de grupo.
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Imagine o que aconteceria se um grupo de amas-secas deste tipo se formasse. O tamanho médio da
ninhada da uria é um. Isto significa que para o círculo de pajeamento mútuo funcionar a contento,
cada adulto teria que chocar em média um ovo. Agora suponha que alguém trapaceasse a se
recusasse a chocar. Em vez de gastar tempo chocando, ela poderia pôr mais ovos; e a beleza do
esquema é que os outros adultos, mais altruístas, tomariam conta dos ovos para ela. Eles
continuariam a obedecer fielmente a regra "Se você vir um ovo perdido de seu ninho arraste-o a
choque-o". Assim, o gene para fraudar o sistema se espalharia pela população e o belo círculo
amistoso de amas-secas se romperia.
"Bem", poder-se-ia dizer, "o que aconteceria se as aves honestas retaliassem recusando-se a
sofrerem chantagem a decidissem resolutamente chocar am a apenas um ovo? Isto frustraria os
trapaceadores, pois eles veriam seus ovos expostos nas rochas sem ninguém incubando-os. Isto iria
logo corrigi-los." Mas não, não iria. Como estamos postulando que as babás não distinguem os ovos,
se as aves honestas pusessem este esquema em prática a fim de resistir ã trapaça, os ovos
eventualmente abandonados teriam a mesma probabilidade de serem os seus próprios ou dos
trapaceadores. Estes ainda teriam vantagem, pois poriam mais ovos a teriam mais filhotes
sobreviventes. A única maneira de uma uria honesta levar a melhor sobre os trapaceadores seria
distinguir ativamente seus próprios ovos, isto é, deixar de ser altruísta a cuidar de seus interesses.
Usando a linguagem de Maynard Smith, a "estratégia" de adoção altruísta não é
evolutivamente estável. É instável no sentido de que pode ser sobrepujada por uma estratégia rival
egoísta de por mais ovos do que a própria quota a em seguida recusar-se a chocá-los. Esta estratégia
egoísta é, por sua vez, instável, pois a estratégia altruísta que ela explora é instável a desaparecerá. A
única estratégia evolutivamente estável para uma uria é reconhecer seu próprio ovo a chocá-lo
exclusivamente; isto é exatamente o que ocorre.
As espécies de passarinhos parasitadas pelos cucos reagiram, não, neste caso, aprendendo a
aparência de seus próprios ovos, mas instintivamente distinguindo aqueles com os sinais típicos da
espécie. Como não há perigo delas serem parasitadas por membros da própria espécie, o
comportamento é efetivo. Mas, os cucos, por sua vez, retaliaram fazendo seus ovos cada vez mais
parecidos em cor, tamanho a padrão com aqueles das espécies hospedeiras. Isto é um exemplo de
uma mentira, a qual freqüentemente funciona. O resultado desta corrida evolutiva de armamentos foi
um aperfeiçoamento notável no mimetismo dos ovos do cuco. Poderemos supor que certa proporção
dos ovos e filhotes do cuco são "descobertos", a aqueles que não o são sobrevivem para pôr a
geração seguinte de ovos. Assim, os genes para fraude mais eficiente espalham-se pelo "fundo" de
genes do cuco. Da mesma maneira, os pássaros hospedeiros cujos olhos são aguçados o suficiente
para detectar qualquer pequena imperfeição no mimetismo dos ovos do cuco, são aqueles que
contribuem mais para o "fundo" de genes. Olhos aguçados a céticos, deste modo, são transmitidos à
geração seguinte. Este é um bom exemplo de como a seleção natural pode apurar a discriminação
ativa, neste caso a discriminação contra outra espécie cujos membros estão fazendo o que podem
para ludibriar os discriminadores.
Voltemos agora á comparação entre a "estimativa" de um animal de seu parentesco com outros
membros de seu grupo, e a estimativa correspondente de um naturalista de campo especialista. Brian
Bertram passou muitos anos estudando a biologia dos leões no Parque Nacional de Serengeti.
Baseado em seu conhecimento de seus hábitos reprodutivos ele estimou o parentesco médio entre
indivíduos numa alcatéia típica. Os fatos usados por ele para fazer suas estimativas são mais ou
menos estes. Uma alcatéia típica consiste de sete fêmeas adultas que são seus membros mais
permasentes, a dois machos adultos, que são itinerantes. Cerca de metade das fêmeas adultas dão
cria em um lote ao mesmo tempo a criam seus filhotes em conjunto, de modo que é difícil dizer a
quem cada um deles pertence. O tamanho típico de uma ninhada é de três filhotes. A paternidade das
ninhadas é compartilhada igualmente pelos machos adultos da alcatéia. As fêmeas jovens
permanecem no bando a substituem as fêmeas velhas que morrem ou se afastam. Os machos jovens
são expulsos quando tomam-se adolescentes. Quando crescem perambulam de alcatéia para alcatéia
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em pequenos grupos ou pares de indivíduos relacionados; é pouco provável que retomem a sua
família original.
Utilizando estas a outras pressuposições você pode ver que seria possível computar um
número médio para o parentesco entre dois indivíduos de uma alcatéia de leões típica. Bertram
chega ao número 0,22 para um par de machos escolhidos ao acaso a 0,15 para um par de fêmeas.
Isto significa que os machos em uma alcatéia em média são ligeiramente menos próximos do que
meios irmãos, a as fêmeas ligeiramente mais próximas do que primas coirmãs.
Evidentemente, qualquer par de indivíduos poderia ser constituído por irmãos legítimos, mas
Bertram não tinha como determinar isto e é bem provável que os leões também não tenham. Por
outro lado, os números médios que Bertram estimou, de certa forma estão disponíveis aos próprios
leões. Se estes números realmente forem típicos para uma alcatéia média, então qualquer gene que
predispusesse os machos a comportarem-se em relação a outros machos como se eles fossem quase
meios irmãos teria um valor positivo de sobrevivência. Qualquer gene que fosse longe demais a
fizesse os machos comportarem-se de maneira amistosa mais apropriada a irmãos legítimos,
sofreria, em média, penalidades, da mesma forma como um gene para comportamento não
suficientemente amistoso, como tratar outros machos como primos de segundo grau. Se os fatos da
vida dos leões forem como Bertram afirma e, igualmente importante, se eles permaneceram assim
por um grande número de gerações, então poderemos esperar que a seleção natural tenha favorecido
um grau de altruísmo adequado ao grau médio de parentesco em uma alcatéia típica. É a isto que me
referi quando disse que as estimativas de parentesco de um animal a de um bom naturalista poderão
estar bastante próximas.
Concluímos, então, que o parentesco "verdadeiro" poderá ser menos importante na evolução
do altruísmo do que a melhor estimativa de parentesco que os animais podem obter. Esta é
provavelmente a chave para entender porque o cuidado com a prole é muito mais comum e mais
dedicado do que o altruísmo entre irmãos na natureza e também porque os animais poderão dar
ainda mais valor a si próprios do que a vários irmãos. Em poucas palavras, o que estou dizendo é
que além do índice de parentesco, devemos levarem conta algo como um índice de "certeza".
Embora o relacionamento pais/filhos não seja, geneticamente, mais próximo do que o
relacionamento entre irmãos, sua certeza é maior. Normalmente é possível ter muito mais certeza
sobre quem são seus filhos do que sobre quem são seus irmãos. E você pode ter ainda mais certeza
sobre quem você mesmo é!
Mencionamos trapaceadores entre as urias; diremos mais sobre mentirosos, trapaceadores e
exploradores nos capítulos seguintes. Em um mundo no qual os outros indivíduos estão sempre
alertas a oportunidades de explorar o altruísmo de seleção de parentesco e usá-lo para seus próprios
propósitos, uma máquina de sobrevivência tem que levar em conta em quem ela pode confiar, de
quem ela pode realmente ter certeza. Se B for realmente meu irmão pequeno, então devo cuidar dele
até metade do que cuido de mim e tanto quanto cuido de meus filhos. Mas posso ter tanta certeza
dele quanto de meus filhos? Como posso saber que ele é meu irmão menor?
Se C for meu irmão gêmeo idêntico, então deverei cuidar dele duas vezes mais do que cuido
de qualquer um de meus filhos; deverei, de fato, prezar sua vida tanto quanto a minha própria. Mas
posso estar certo sobre ele? Ele se parece comigo, sem dúvida, mas talvez aconteça de
compartilharmos os genes para características faciais. Não, não sacrificarei minha vida por ele,
porque embora seja possível que ele porte 100 por cento de meus genes, eu sei com certeza que
possuo 100 por cento deles, de modo que valho mais para mim do que ele. Sou o único indivíduo a
respeito do qual qualquer um de meus genes egoístas pode ter certeza. E embora, idealmente, um
gene para o egoísmo individual possa ser deslocado por um gene rival para o salvamento altruísta de
pelo menos um irmão gêmeo idêntico, dois filhos ou irmãos, ou pelo menos quatro netos, etc., o
gene para o egoísmo individual tem a enorme vantagem da certeza da identidade individual. O gene
rival para altruísmo para com parentes arrisca-se a cometer erros de identidade, quer legitimamente
acidentais, quer deliberadamente planejados por trapaceiros e parasitas. Devemos, portanto, esperar
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o egoísmo individual na natureza num grau maior do que seria previsto apenas por considerações de
parentesco genético.
Em muitas espécies a mãe pode ter mais certeza a respeito de seus filhos do que o pai. A mãe
põe o ovo visível e concreto, ou dá à luz. Ela tem boa probabilidade de saber com certeza quais são
os portadores de seus genes. O pobre pai é muito mais vulnerável ao logro. Ê de se esperar, portanto,
que os pais esforcem-se menos do que as mães em cuidar dos jovens. No capítulo sobre a Batalha
dos Sexos (Capítulo 9) veremos que há outras razões para esperar a mesma coisa. Da mesma forma,
as avós maternas podem estar mais certas de seus netos do que as paternas, e esperar-se-ia que
mostrassem mais altruísmo do que estas últimas. Isto porque elas podem estar certas a respeito dos
filhos de sua filha, mas seu filho talvez tenha sido enganado. Os avôs maternos e as avós paternas
estão igualmente certos a respeito de seus netos, pois ambos contam com uma geração de certeza e
uma de incerteza. Da mesma maneira, os tios do lado materno deveriam estar mais interessados no
bem-estar dos sobrinhos do que aqueles do lado paterno, e de um modo geral deveriam ser tão
altruístas quanto as tias. De fato, em uma sociedade com alto grau de infidelidade conjugal os tios
maternos deveriam ser mais altruístas do que os "pais", pois têm mais base para confiar em seu
parentesco com a criança. Eles sabem que a mãe da criança, é, pelo menos, sua meia irmã. O pai
"legal" nada sabe. Não conheço nenhuma evidência que suporte essas previsões, mas ofereço-as na
esperança de que outros a tenham ou comecem a procurá-la. Os antropólogos sociais, em particular,
talvez tenham coisas interessantes a contar.
Voltando ao fato do altruísmo dos pais ser mais comum do que o dos irmãos, parece razoável
explicar isto em termos do "problema de identificação". Mas isto não explica a assimetria
fundamental na própria relação pais/filhos. Os pais preocupam-se mais com seus filhos do que estes
com seus pais, embora a relação genética seja simétrica e a certeza de parentesco seja idêntica em
ambos os sentidos. Um motivo é que os pais, sendo mais velhos e mais competentes na ocupação de
viver, estão numa posição prática melhor para ajudar seus filhos. Mesmo que um bebê quisesse
alimentar seus pais, na prática ele não está bem equipado para fazê-lo.
Há outra assimetria na relação pais/filhos que não se explica à relação entre irmãos. Os filhos
são sempre mais jovens do que seus pais. Isto freqüentemente, embora nem sempre, significa que
eles têm maior expectativa de vida. Como enfatizei acima, a expectativa de vida é uma variável
importante a qual, no melhor dos mundos possíveis, deveria entrar nos "cálculos" de um animal
quando ele está "decidindo" se deve ou não comportar-se altruisticamente. Numa espécie na qual os
filhos têm uma expectativa de vida média maior do que seus pais, qualquer gene para altruísmo dos
filhos estaria em desvantagem. Significaria planejar o sacrifício próprio altruístico em benefício de
indivíduos que estão mais próximos de morrer de velhice do que o altruísta. Um gene para altruísmo
dos pais, por outro lado. teria uma vantagem correspondente no que se refere aos termos da
expectativa de vida na equação.
Algumas vezes ouve-se que a seleção de parentesco é boa como teoria, mas que há poucos
exemplos de seu funcionamento na prática. Esta crítica só pode ser feita por alguém que não entende
o que significa seleção de parentesco. Na verdade todos os exemplos de proteção dos filhos a
cuidado com a prole, e todos os órgãos do corpo associados, glândulas de secreção de leite, o
marsúpio nos cangurus a assim por diante, são exemplos do funcionamento na natureza do princípio
da seleção de parentesco. Os críticos, evidentemente, estão familiarizados com a existência
difundida do cuidado com a prole, mas eles não entendem que este é um exemplo de seleção de
parentesco tanto quanto o é o altruísmo entre irmãos. Quando eles dizem que querem exemplos,
querem dizer, na verdade, que querem exemplos que não sejam de cuidado com a prole; é verdade
que tais exemplos são menos comuns. Sugeri algumas razões para explicar isto. Poderia ter me dado
ao trabalho de mencionar exemplos de altruísmo fraterno - há, de fato, vários deles. Mas não quero
fazer isto porque significaria reforçar a idéia errônea (aceita, como vimos, por Wilson) de que a
seleção de parentesco trata especificamente de relações diferentes daquelas entre pais a filhos.
0 motivo por este erro ter crescido é em grande parte histórico. A vantagem evolutiva do
cuidado com a prole é tão óbvia que não precisamos esperar por Hamilton para nos chamar a
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atenção; ela foi entendida desde Darwin. Quando Hamilton demonstrou a equivalência genética de
outras relações a seu significado evolutivo, ele naturalmente teve que enfatizar estas outras relações.
Ele tomou exemplos, em particular, de insetos sociais como formigas a abelhas, nos quais a relação
entre irmãs é particularmente importante, como veremos num capítulo posterior. Até mesmo ouvi
pessoas dizerem que pensavam que a teoria de Hamilton aplicava-se apenas aos insetos sociais!
Se alguém não quiser admitir que o cuidado com a prole é um exemplo de seleção de parentes
em ação, então será dele o encargo de formular uma teoria geral de seleção natural que preveja o
altruísmo paterno, mas que não preveja altruísmo entre parentes colaterais. Acho que ele falhará.
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Capítulo 7
PLANEJAMENTO FAMILIAR
É fácil entender porque algumas pessoas quiseram separar o cuidado com a prole dos outros
tipos de altruísmo de seleção de parentesco. O cuidado com a prole parece ser uma parte integrante
da reprodução, enquanto que o altruísmo por um sobrinho, por exemplo, não é. Acho que realmente
há uma distinção importante oculta aqui, mas as pessoas enganaram-se sobre ela. Colocaram a
reprodução e o cuidado com a prole de um lado a todos os tipos de altruísmo de outro. Quero, no
entanto, estabelecer uma distinção entre pôr novos indivíduos no mundo, por um lado, a cuidar dos
indivíduos existentes, por outro. Chamarei essas duas atividades respectivamente de produção de
descendentes a cuidado para com eles. Uma máquina de sobrevivência individual tem que tomar
dois tipos bastante diferentes de decisões, decisões sobre o cuidado a decisões sobre a produção.
Uso a palavra decisão para me referir ao movimento estratégico inconsciente. As decisões sobre os
cuidados são deste tipo: "Há uma criança; seu grau de parentesco comigo é tal; a probabilidade de
ela morrer se eu não a alimentar é tal; deverei alimentá-la?" As decisões sobre produção, por outro
lado, são assim: "Deverei fazer o que for necessário para pôr um novo indivíduo no mundo? Deverei
me reproduzir?" Cuidados a produção, até certo ponto, competirão entre si pelo tempo a por outros
recursos de um indivíduo. O indivíduo talvez tenha que escolher: "Deverei cuidar desta criança ou
deverei produzir outra?"
Dependendo dos detalhes ecológicos da espécie, várias misturas de estratégias de cuidados a
produção poderão ser evolutivamente estáveis. A única coisa que não pode ser evolutivamente
estável é uma estratégia pura de cuidados. Se todos os indivíduos se dedicassem a cuidar das
crianças existentes a ponto de nunca produzirem outras, a população rapidamente seria invadida por
indivíduos mutantes especializados em produzir. A estratégia de cuidados só pode ser
evolutivamente estável como parte de uma estratégia mista - pelo menos alguma produção deve
continuar.
As espécies com as quais estamos mais familiarizados mamíferos e aves - tendem a tomar
grandes cuidados com a prole. A decisão de produzir um novo filhote geralmente é seguida da
decisão de cuidar dele. É devido ao fato da produção a dos cuidados tantas vezes virem juntos na
prática que muitas pessoas confundiram as duas coisas. Mas, do ponto de vista dos genes egoístas,
não há, corno vimos, diferença em princípio entre cuidar de um irmão pequeno a cuidar de um filho
pequeno. Ambas as crianças estão igualmente relacionadas a você. Se você tiver que escolher entre
alimentar uma ou a outra, não há razão genética para decidir em favor do próprio filho. Por outro
lado você não pode, por definição, produzir um irmão pequeno. Você pode apenas cuidar dele
depois que outra pessoa o colocou no mundo. No último capítulo examinamos como máquinas de
sobrevivência individuais deveriam, de forma ideal, decidir a se comportar altruisticamente em
relação a outros indivíduos que já existiam. Neste capítulo examinamos como deveriam decidir a
pôr novos indivíduos no mundo.
É a respeito desse assunto que a controvérsia sobre "seleção de grupo", a qual mencionei no
Capítulo 1, tem em grande parte se desenrolado. E isto porque Wynne-Edwards, que tem sido o
principal responsável pela divulgação da idéia de seleção de grupo, abordou o assunto no contexto
de uma teoria de "regulação de população". Ele sugeriu que os animais reduzem deliberada e
altruisticamente suas taxas de natalidade pelo bem do grupo como um todo.
Esta hipótese é muito atraente porque coaduna-se tão bem com aquilo que os seres humanos
devem fazer. A Humanidade está produzindo filhos demais. O tamanho da população depende de
quatro coisas: nascimentos, mortes, imigrações a emigrações. Tomando-se a população mundial
como um todo. imigrações a emigrações não ocorrem; ficamos então com nascimentos a mortes.
Enquanto o número médio de filhos por casal for maior do que dois que sobrevivem para se
reproduzir, o número de crianças nascidas tenderá a aumentar ao longo dos anos a uma taxa sempre
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crescente. Em cada geração a população, em vez de aumentar segundo uma quantidade fixa,
aumenta mais ou menos segundo ulna proporção fixa do tamanho que ele já havia atingido. Como
este tamanho torna-se maior. também torna-se maior o aumento. Se se deixasse este tipo de
crescimento continuar descontroladamente uma população atingiria proporções astronômicas
surpreendentemente depressa.
O que algumas vezes não é percebido nem mesmo pelas pessoas que se preocupam com
problemas populacionais, a propósito,é que o crescimento da população depende de quando as
pessoas têm filhos, assim como de quantos elas têm. Como as populações tendem a aumentar
segundo uma certa proporção por geração, segue-se que se as gerações forem mais espaçadas a
população crescerá a uma taxa menor por ano. Os cartazes nos quais se lê "Pare com Dois"
poderiam igualmente ser mudados para "Comece com Trinta"! De qualquer forma. o crescimento
populacional acelerado implica em problemas sérios.
Todos nós provavelmente já vimos exemplos dos cálculos assustadores que podem ser usados
para mostrar isso. Por exemplo, a população atual da América Latina está próxima de 300 milhões a
muitos habitantes já estão subnutridos. Mas, se a população continuar a aumentar na taxa atual,
levaria menos de 500 anos para atingir o ponto no qual as pessoas, amontoadas de pé, formariam um
tapete humano sólido cobrindo toda a área do continente. Isso é verdade mesmo se supusermos que
os habitantes são muito magros - uma suposição nada irreal. Em mil anos estariam uns sobre os
ombros dos outros, atingindo uma altura de mais de um milhão de indivíduos. Em aproximadamente
dois mil anos a montanha de pessoas, crescendo com a velocidade da luz, teria atingido o limite do
universo conhecido.
Você certamente percebeu que este é um cálculo hipotético! Na realidade isso não acontecerá
por razões práticas muito boas; os nomes de algumas dessas razões são fome, peste a guerra; ou, se
tivermos sorte, controle da natalidade. Não adianta apelar para progressos na agricultura "revoluções verdes" e coisas semelhantes. O aumento na produção de alimento pode
temporariamente mitigar o problema, mas é matematicamente certo que não pode constituir uma
solução a longo prazo. De fato, exatamente como os avanços na Medicina que precipitaram a crise,
esse aumento poderá piorar o problema, acelerando a taxa da expansão populacional. Constitui uma
verdade lógica simples que, a não ser através de emigração em massa para o espaço, com foguetes
decolando à razão de vários milhões por segundo, taxas de natalidade não controladas certamente
conduzirão a taxas de mortalidade horrivelmente aumentadas. É difícil acreditar que esta verdade
simples não seja entendida por aqueles líderes que proíbem seus seguidores de utilizar métodos
contraceptivos eficientes. Eles expressam preferência por métodos "naturais" de limitação da
população; e é um método natural que obterão: chama-se fome.
Mas, é claro, o mal-estar provocado por esses cálculos a longo prazo baseia-se numa
preocupação pelo futuro bem-estar de nossa espécie como um todo. Os seres humanos (alguns deles)
têm a capacidade consciente de prever as conseqüências desastrosas da superpopulação. Constitui
pressuposição básica deste livro que as máquinas de sobrevivência em geral são guiadas por genes
egoístas, os quais não se pode esperar que prevejam o futuro a nem que preocupem-se com o
bem-estar de toda a espécie. É aqui que Wynne-Edwards separa-se dos teóricos ortodoxos da teoria
da evolução. Ele acha que há uma maneira pela qual o controle da natalidade altruístico genuíno
pode evoluir.
O que não é enfatizado nos trabalhos de Wynne-Edwards, ou na popularização de suas idéias
feita por Ardrey, é que há um grande número de fatos estabelecidos que não são contestados. É um
fato óbvio que as populações de animais selvagens não crescem nas taxas astronômicas de que são
teoricamente capazes, Algumas vezes essas populações permanecem bastante estáveis, com as taxas
de natalidade a de mortalidade mantendo-se aproximadamente iguais. Em muitos casos, os
lemingues constituindo um exemplo famoso. a população flutua amplamente, com explosões
violentas alternando-se com quedas a quase extinção. Ocasionalmente o resultado é a extinção
completa. pelo menos da população de uma área localizada. Algumas vezes, como no caso do lince
do Canadá - onde as estimativas são obtidas pelo número de peles vendidas pela "Hudson's Bay
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Company" em anos sucessivos - a população parece oscilar ritmicamente. A única coisa que as
populações animais não fazem é aumentar indefinidamente.
Os animais selvagens quase nunca morrem de velhice: a fome, as doenças ou os predadores
alcançam-nos muito antes de tornarem-se realmente senis. Até recentemente isso também se
aplicava ao homem. A maioria dos animais morrem durante a infância, muitos nunca passam da fase
de ovo. A fome a outras causas de morte são os motivos fundamentais que impedem o aumento
indefinido das populações. Mas, como vimos para nossa própria espécie, não há necessidade de
sempre ser assim. Se os animais regulassem suas taxas de natalidade, a fome não precisaria nunca
ocorrer. A tese de Wynne-Edwards é que eles fazem exatamente isso. Mas, mesmo aqui, há menos
discórdia do que talvez pareça pela leitura de seu livro. Os adeptos da teoria do gene egoísta de bom
grado concordariam que os animais de fato regulam suas taxas de natalidade. Qualquer espécie
tende a ter ninhadas de tamanho razoavelmente constante: nenhum animal tem um número infinito
de filhotes. A discórdia não provém do fato das taxas de natalidade serem ou não reguladas. Provém
do porquê elas são reguladas: por qual processo de seleção natural o planejamento familiar evoluiu?
Em poucas palavras, a discórdia versa sobre se o controle da natalidade dos animais é altruístico,
praticado para o bem do grupo como um todo, ou egoísta, praticado para o bem do indivíduo que se
reproduz. Tratarei das duas teorias nesta ordem.
Wynne-Edwards supôs que os indivíduos têm menos filhotes do que são capazes para o
benefício do grupo como um todo. Ele reconheceu que a seleção natural normal de forma alguma
pode originar a evolução deste altruísmo: a seleção natural de taxas reprodutivas menores do que a
média é, em si, uma contradição em termos. Ele, portanto, invocou a seleção de grupo, como vimos
no Capítulo 1. De acordo com ele os grupos cujos membros individuais restringem suas próprias
taxas de natalidade têm menor probabilidade de se extinguir do que grupos rivais cujos membros
reproduzem-se tão depressa que comprometem q suprimento de alimento. O mundo, portanto,
torna-se povoado por grupos de reprodutores controlados. A restrição individual sugerida por
Wynne-Edwards equivale, em um sentido geral, ao controle da natalidade; mas ele é mais específico
ainda e, de fato, cria uma concepção grandiosa na qual toda a vida social é vista como um
mecanismo de regulação da população. Por exemplo, duas características importantes da vida social
em muitas espécies de animais são a territorialidade a as hierarquias de dominância, já
mencionadas no Capítulo 5.
Muitos animais dedicam muito tempo a energia para aparentemente "defender" uma área
chamada de território pelos naturalistas. O fenômeno é muito difundido no reino animal, não apenas
em aves, mamíferos a peixes, mas em insetos a até mesmo anêmonas-do-mar. O território pode ser
uma área grande de mata que é a região principal de busca de alimento de um casal na época da
reprodução, como no caso do pisco-de-peito-ruivo, ou, na gaivota Larus argentatus, por exemplo,
poderá ser uma pequena área sem alimento, mas com um ninho no centro. Wynne-Edwards acredita
que os animais que lutam por territórios, lutam por um prêmio simbólico a não por um prêmio real
como um pouco de alimento. Em muitos casos as fêmeas recusam-se a acasalarem-se com machos
que não possuam território. De fato, freqüentemente ocorre que uma fêmea cujo parceiro é derrotado
a tem seu território conquistado, imediatamente une-se ao vencedor. Até em espécies monógamas
aparentemente fiéis a fêmea poderá estar unida ao território do macho a não a ele pessoalmente.
Se a população fica grande demais alguns indivíduos não conseguirão territórios a portanto
não se reproduzirão. Obter um território, para Wynne-Edwards, portanto, é como obter um bilhete
ou licença para se reproduzir. Como há um número finito de territórios disponíveis, é como se um
número finito de licenças para se reproduzir fosse emitido. Os indivíduos poderão brigar pelas
licenças, mas o número total de filhotes que a população como um todo pode ter está limitado pelo
número de territórios disponíveis. Em alguns casos, por exemplo na tetraz vermelha, os indivíduos
parecem, à primeira vista, mostrar limitação, pois aqueles que não conseguem obter territórios não
apenas não se reproduzem, mas aparentemente também desistem da tentativa de conseguí-los. É
como se todos aceitassem as regras do jogo: se, até o fim da estação de competição, você não tiver
adquirido um dos bilhetes oficiais para se reproduzir, você voluntariamente abstem-se de se
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reproduzir a deixa os felizardos em paz durante a estação de acasalamento, de modo que eles possam
continuar a propagar a espécie.
Wynne-Edwards interpreta as hierarquias de dominância de forma semelhante. Em muitos
grupos de animais, especialmente em cativeiro, mas em alguns casos também na natureza, os
indivíduos aprendem as identidades mútuas e também quem podem vencer em uma luta a quem
normalmente vence-os. Como vimos no Capítulo 5, eles têm a tendência a se submeter sem
resistência àqueles indivíduos que eles "sabem" provavelmente vão vencê-los de qualquer maneira.
Como conseqüência, um naturalista será capaz de descrever uma hierarquia de dominância ou
"ordem de bicada" (assim chamada porque foi primeiramente descrita em galinhas) - uma ordenação
da sociedade segundo níveis, na qual todos sabem seu lugar a não se metem em posições mais altas.
Algumas vezes, evidentemente, lutas sérias ocorrem a os indivíduos podem ser promovidos acima
de seus antigos chefes imediatos. Mas, como vimos no Capítulo 5, o efeito global da submissão
automática pelos indivíduos hierarquicamente mais baixos é que poucas lutas prolongadas
efetivamente ocorrem a ferimentos sérios raramente se verificam.
Muitas pessoas acham isso uma "coisa boa" num sentido se aproximando vagamente da
seleção de grupo. Wynne-Edwards tem uma interpretação muito mais ousada. Os indivíduos de
posição hierárquica alta têm maior probabilidade de se reproduzirem do que aqueles de posição
inferior, quer porque são preferidos pelas fêmeas, quer porque fisicamente impedem os machos de
posição inferior de se aproximarem das fêmeas. Wynne-Edwards vê na posição social alta outro
bilhete de permissão para se reproduzir. Em vez de lutar diretamente pelas fêmeas, os indivíduos
lutam pelo "status" social, a aceitam que se não se colocarem numa posição alta na escala social não
têm direito a se reproduzirem. Eles contêm-se no que se refere diretamente às fêmeas,embora de vez
em quando possam tentar obter um "status" superior; poder-se-ia dizer, assim, que competem
indiretamente pelas fêmeas. Porém, como no caso do comportamento de território, o resultado dessa
"aceitação voluntária" da regra pela qual apenas machos de posição alta devem reproduzir-se é, de
acordo com Wynne-Edwards, que as populações não crescem rapidamente demais. Em vez de ter,
realmente, filhos em excesso a então descobrir da maneira mais difícil que foi um erro, as
populações usam disputas formais na luta por "status" a território, como meio de limitar seu
tamanho ligeiramente abaixo do nível no qual a própria fome faz a limitação.
A idéia mais surpreendente de Wynne-Edwards, talvez, é aquela do comportamento epideítico,
uma palavra que ele próprio cunhou. Muitos animais passam muito tempo em bandos, rebanhos ou
cardumes grandes. Várias razões baseadas mais ou menos no bom senso foram sugeridas para
explicar porque esse comportamento de agregação teria sido favorecido pela seleção natural;
mencionaremos alguns deles no Capítulo 10. A idéia de Wynne-Edwards é bastante diferente. Ele
propõe que quando bandos imensos de estorninhos se reúnem à noite, ou quando certos mosquitos
dançam em grande número sobre um mourão, eles estão realizando um recenseamento de sua
população. Como ele supõe que os indivíduos restringem suas taxas de natalidade no interesse do
grupo como um todo, a que têm menos descendentes quando a densidade populacional é alta, é
razoável que eles tivessem alguma maneira de medir essa última. De fato: um termostato necessita
um termômetro como parte integral de seu mecanismo. Para Wynne-Edwards, o comportamento
epideítico é o ajuntamento deliberado em bandos a fim de facilitar a estimativa da população. Ele
não sugere uma estimativa consciente, mas em um mecanismo automático nervoso ou hormonal que
ligue a percepção sensorial que os indivíduos têm da densidade de sua população com seus sistemas
reprodutivos.
Tentei ser imparcial na apresentação da teoria de Wynne-Edwards, embora a tenha resumido.
Se fui bem sucedido, você deve, agora, estar convencido de que ela é, à primeira vista, bastante
plausível. Mas, os capítulos anteriores deste livro deveriam tê-lo preparado a ser cético a ponto de
dizer que não importa quão plausível ela seja, é bom que a evidência para a teoria de
Wynne-Edwards seja boa, caso contrário . . . . E, infelizmente, a evidência não é boa. Ela consiste de
um grande número de exemplos que poderiam ser interpretados da sua maneira, mas que poderiam,
da mesma maneira, ser interpretados ao longo de linhas mais ortodoxas de "gene egoísta".
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Embora ele nunca usaria o termo, o principal arquiteto da teoria do gene egoísta do
planejamento familiar foi o grande ecólogo David Lack. Ele trabalhou principalmente com o
tamanho das ninhadas de aves em liberdade, mas suas teorias a conclusões têm o mérito de terem
aplicação geral. Cada espécie de ave tende a ter um tamanho típico de ninhada. Por exemplo, o
ganso-patola e a uria incubam um ovo de cada vez, as andorinhas três, e Parus major meia dúzia ou
mais. Há variações: algumas andorinhas põem apenas dois ovos de cada vez a parus major poderá
pôr doze. É razoável supor que o número de ovos que uma fêmea põe a incuba está pelo menos
parcialmente, sob controle genético, como qualquer outra característica; isto é, suponha que haja um
gene para pôr dois ovos, um alelo rival para pôr três, outro alelo para pôr quatro a assim por diante,
embora, na prática, provavelmente não seja assim tão simples. A teoria do gene egoísta exige que
perguntemos qual desses genes torna-se-á mais numeroso no "fundo" de genes. Superficialmente
talvez pareça que o gene para pôr quatro ovos necessariamente terá vantagem sobre os genes para
pôr três ou dois ovos. Um pouco de reflexão mostra que esse argumento simples do tipo "mais
significa melhor" não pode, porém, ser verdadeiro. Ele nos leva a esperar que cinco ovos sejam
melhores do que quatro, dez melhores ainda, cem muito melhores a um número infinito o melhor
possível. Em outras palavras, o argumento leva logicamente a um absurdo. Obviamente, há custos
assim como benefícios envolvidos em pôr um número grande de ovos.Um número maior de filhotes
necessariamente terá como conseqüência cuidado menos eficiente com a prole.A idéia essencial de
Lack é que para cada espécie deve haver, para determinada situação ambiental, um tamanho ótimo
de ninhada. Onde ele difere de Wynne-Edwards é em sua resposta à pergunta "ótimo de que ponto
de vista? "Wynne-Edwards diria que o ótimo importante, ao qual todos os indivíduos deviam
aspirar,é o ótimo para o grupo como um todo. Lack diria que cada indivíduo egoísta escolhe o
tamanho da ninhada que maximiza o número de filhotes que ele cria. Se três for o tamanho ótimo de
ninhada para andorinhas, o que isto significa, para Lack, é que qualquer indivíduo que tente criar
quatro provavelmente terminará com menos filhotes do que os rivais, mais cautelosos, que tentam
apenas criar três. A razão óbvia para isso seria que o alimento torna-se tão diluí do entre os quatro
filhotes que poucos sobreviveriam até a idade adulta. Isso aplica-se tanto à distribuição de vitelo nos
quatro ovos, quanto ao alimento dado aos filhotes após a eclosão. Para Lack, portanto, os indivíduos
regulam o tamanho de suas ninhadas por razões longe de serem altruísticas. Eles não estão efetuando
controle de natalidade a fim de evitar a exploração excessiva dos recursos do grupo; realizam-no a
fim de maximizar o número de filhotes sobreviventes que venham a ter, um objetivo exatamente
oposto àquele normalmente associado ao controle da natalidade.
Criar filhotes de aves é uma atividade custosa. A mãe deve investir grande quantidade de
alimento a energia na fabricação dos ovos. Possivelmente com a ajuda de seu parceiro sexual, ela
investe grande esforço na construção de um ninho para abrigar a proteger os ovos. Os pais passam
semanas pacientemente chocando-os. Então quando os filhotes eclodem, os pais exaurem-se
buscando-lhes alimento, praticamente sem descanso. Como já vimos, um adulto de Parus-major traz
em média uma porção de comida para o ninho a cada 30 segundos, durante o dia. Os mamíferos,
como nós mesmos, fazem-no de maneira ligeiramente diferente, mas a idéia básica de que a
reprodução é uma atividade dispendiosa, especialmente para a mãe, é igualmente verdadeira. É
óbvio que se uma mãe tenta distribuir seus recursos limitados de alimento a esforço entre um
número grande demais de filhotes, ela acabará criando um número menor do que se tivesse
começado com menos ambição Ela deve atingir um equilíbrio entre produção a cuidados. A
quantidade total de alimento a outros recursos que uma fêmea ou um casal pode juntar é o fator
limitante que determina o número de filhotes que ela pode criar. A seleção natural, segundo a teoria
de Lack, ajusta o tamanho inicial da ninhada de modo a aproveitar ao máximo esses recursos
limitados.
Os indivíduos que têm filhotes demais são punidos, não porque toda a população se extingue,
mas simplesmente porque um número menor de seus filhotes sobrevive. Os genes para ter filhotes
demais simplesmente não são transmitidos em grande número à geração seguinte, pois poucos dos
filhotes que possuem esses genes chegam à idade adulta. O que aconteceu com o homem civilizado
moderno é que o tamanho das famílias não é mais limitado pelos recursos finitos que os pais possam
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fornecer. Se um casal tem mais filhos do que pode alimentar, o Estado, quer dizer, o resto da
população,simplesmente intervem a mantém os filhos em excesso vivos a saudáveis. Nada impede,
efetivamente, um casal sem absolutamente qualquer recurso material de ter a criar tantos filhos
quanto a mulher possa produzir fisicamente. Mas, a previdência social não é nada natural. Na
natureza, os pais que têm mais filhotes do que podem sustentar, não têm muitos netos a seus genes
não são transmitidos às gerações futuras. Não há necessidade de limitação altruística da taxa de
natalidade, pois não há previdência social na natureza. Qualquer gene para indulgência excessiva é
imediatamente punido: os filhotes que o contenham passarão fome. Como nós, humanos, não
desejamos voltar à velha maneira egoísta na qual deixássemos os filhos de famílias grandes demais
morrerem de fome, abolimos a família como unidade de auto-suficiência econômica a substituímo-la
pelo Estado. Mas não se deve abusar do privilégio de ter amparo garantido aos filhos.
A contracepção às vezes é atacada por ser "antinatural". De fato ela o é, muito antinatural.
Acontece que a previdência social também o é. Acredito que a maioria de nós acha a previdência
social altamente desejável. Mas não se pode ter previdência social antinatural a menos que se tenha
também controle de natalidade antinatural, caso contrário o resultado será uma miséria ainda maior
do que aquela existente na natureza. A previdência social é, talvez, o maior sistema altruístico que o
reino animal j amais conheceu. Mas, todo sistema altruístico é instável por natureza, pois está à
mercê do abuso de indivíduos egoístas, prontos a explorá-lo. Os seres humanos que têm mais filhos
do que são capazes de sustentar, provavelmente são, na maioria dos casos, ignorantes demais para
que sejam acusados de exploração mal-intencionada consciente. As instituições poderosas a os
líderes que deliberadamente os encorajam a proceder assim parecem-me menos livres de suspeitas.
Voltando aos animais selvagens, o argumento de Lack relativo ao tamanho da ninhada pode
ser generalizado a todos os outros exemplos usados por Wynne-Edwards: comportamento territorial,
hierarquias de dominância, a assim por diante. Considere, por exemplo, a tetraz vermelha, com a
qual ele a seus colegas trabalharam. Essas aves alimentam-se de urzes a dividem a região pantanosa
onde vivem em territórios que aparentemente contêm mais alimento do que seus donos realmente
necessitam. No começo da estação elas lutam por territórios, mas depois de algum tempo os
vencidos parecem aceitar que falharam a não lutam mais. Tornam-se párias que nunca obtém
territórios, a no fim da estação quase todos morreram de fome. Somente os que possuem territórios
acasalam-se. Se o dono de um território é morto, seu lugar é prontamente preenchido por um dos
párias, o qual, então, acasala-se; isso demonstra que os que não possuem território são fisicamente
capazes de se reproduzir. A interpretação de Wynne-Edwards desse comportamento territorial
extremo, como vimos, é que os párias "aceitam" seu insucesso em obter um bilhete ou licença para
se acasalar; eles não tentam fazê-lo.
À primeira vista esse parece um exemplo difícil para a teoria do gene egoísta explicar. Por que
os párias não tentam incansavelmente desalojar o dono de um território, até caírem de exaustão?
Aparentemente nada teriam a perder. Mas espere, talvez eles de fato tenham alguma coisa a perder.
Já vimos que se o dono de um território morre, um pária tem chance de ocupar seu lugar, e portanto
de se acasalar. Se a probabilidade de um pária conseguir um território dessa maneira for maior do
que aquela de ganhá-lo lutando, então talvez lhe seja vantajoso, como indivíduo egoísta, esperar que
alguém morra, em vez de desperdiçar a pouca energia que possui numa luta fútil. Para
Wynne-Edwards, o papel dos párias no bem-estar do grupo é esperar atrás dos bastidores como
substitutos, prontos a assumirem o papel de qualquer dono de território que morra no palco principal
da reprodução do grupo. Podemos ver agora que essa poderá ser sua melhor estratégia simplesmente
como indivíduos egoístas. Como vimos no Capítulo 4, podemos considerar os animais como
jogadores. A melhor estratégia para um jogador poderá, às vezes, ser uma de espera, em vez de uma
do tipo "rufião à porta".
Da mesma maneira, os muitos outros exemplos nos quais os animais parecem "aceitar"
passivamente um "status" no qual não se reproduzem podem ser explicados bastante facilmente pela
teoria do gene egoísta. A forma geral da explicação é sempre a mesma: a melhor chance do
indivíduo é conter-se temporariamente, na esperança de ter melhores oportunidades no futuro. Um
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leão marinho que deixa em paz os donos de haréns não o faz pelo bem do grupo. Ele está
aguardando sua vez. Esperando uma ocasião mais propícia. Mesmo se, a ocasião nunca chegar a ele
acabar sem descendentes, a jogada poderia ter dado certo, embora depois possamos ver que para ele
não deu. E quando os lemingues afluem aos milhões do centro de uma explosão populacional, não o
fazem a fim de reduzir a densidade da área que deixam para trás! Estão todos egoisticamente
procurando um lugar menos apinhado para viver. O fato de que um determinado lemingue não o
encontra a morre é algo que podemos ver posteriormente. Ele não altera a probabilidade de que ficar
atrás teria sido uma jogada ainda pior.
Constitui fato bem documentado que o apinhamento às vezes reduz as taxas de natalidade.
Freqüentemente isso é citado como evidência para a teoria de Wynne-Edwards. Mas não é nada
disto. O fato é compatível com sua teoria e igualmente compatível com a teoria do gene egoísta. Em
um experimento, por exemplo, camundongos foram colocados em um recinto ao ar livre com
alimento em abundancia a deixados reproduzirem-se livremente. A população cresceu até um ponto
a então nivelou-se. Verificou-se que o motivo desse nivelamento foi o fato das fêmeas tomarem-se
menos férteis em conseqüência do apinhamento: elas tinham menos filhotes. Esse tipo de efeito tem
sido freqüentemente observado. Sua causa imediata é algumas vezes chamada de stress, embora
dar-lhe um nome assim não ajude, por si só, a explicá-la. De qualquer forma, seja qual for sua causa
imediata, ainda temos que nos perguntar sobre sua explicação fundamental ou evolutiva. Por que a
seleção natural favorece as fêmeas que reduzem sua taxa de natalidade quando a população está
apinhada?
A resposta de Wynne-Edwards é clara. A seleção de grupo favorece os grupos nos quais as
fêmeas medem a população a ajustam suas taxas de natalidade de modo que o suprimento de
alimento não seja excessivamente explorado. Nas condições do experimento acima aconteceu que o
alimento nunca ficaria escasso, mas não se pode esperar que os camundongos entendessem isso.
Eles estão programados para a vida selvagem e é provável que sob condições naturais o
apinhamento seja uma indicação segura de fome no futuro.
O que diz a teoria do gene egoísta? Quase exatamente a mesma coisa, mas com uma diferença
crucial. Você talvez se lembre que de acordo com Lack os animais terão a tendência a ter o número
ótimo de filhotes segundo seu próprio ponto de vista egoísta. Se eles produzirem muito poucos ou
em demasia, terão que criar menos do que teriam se tivessem acertado exatamente o número correto.
Porém, "exatamente o número correto" em um ano quando a população está apinhada
provavelmente será um número menor do que em um ano no qual a população está bem distribuída.
Já concordamos que o apinhamento provavelmente prenuncia fome. Se uma fêmea percebe
evidência segura de que fome deve ser esperada, é de seu próprio interesse egoísta, evidentemente,
reduzir sua taxa de natalidade. As rivais que não respondem dessa maneira aos avisos acabarão por
criar menos filhotes, mesmo que produzam mais. Conseqüentemente, chegamos à mesma conclusão
de Wynne-Edwards, mas por um tipo inteiramente diferente do raciocínio evolutivo.
A teoria do gene egoísta explica até mesmo as "exibições epideíticas". Você se lembrará que
Wynne-Edwards propôs que os animais exibem-se deliberadamente em grandes bandos a fim de
permitir que todos os indivíduos realizem um recenseamento a assim regulem suas taxas de
natalidade. Não há nenhuma evidência direta de que qualquer ajuntamento seja, de fato, epideítico;
mas, suponha que evidência desse tipo fosse descoberta. A teoria do gene egoísta seria perturbada?
De forma alguma.
Os estorninhos pernoitam juntos em grandes números. Suponha que se demonstrasse não
apenas que o apinhamento no inverno diminui a fertilidade na primavera seguinte, mas que o
fenômeno é causado diretamente pelo fato de um pássaro ouvir os pios dos demais. Poderia ser
demonstrado experimentalmente que os indivíduos expostos a uma gravação de um banda denso e
barulhento de estorninhos põem menos ovos do que indivíduos expostos a uma gravação de um
bando menos denso e mais silencioso, Isto, por definição, indicaria que os pios dos estorninhos
constituem uma exibição epideítica. A teoria do gene egoísta explicaria o fato basicamente da
mesma maneira como tratou o caso dos camundongos.
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Começamos, novamente, da suposição de que os genes para possuir uma família maior do que
você pode sustentar são automaticamente punidos e tornam-se menos numerosos no "fundo" dos
genes. A tarefa de uma poedeira eficiente é prever qual será o tamanho ótimo de ninhada para ela,
como indivíduo egoísta, na próxima estação de acasalamento. Você se lembrará, do Capítulo 4, do
sentido especial no qual estamos usando a palavra predição. Como, então, pode uma ave fêmea
prever seu melhor tamanho de ninhada? Quais variáveis deveriam influir em sua previsão? Talvez
ocorra que muitas espécies fazem uma previsão fixa, a qual não varia de ano para ano. Assim, o
tamanho ótimo de ninhada para o ganso-patola é um. É possível que em anos particularmente
abundantes em peixes o ótimo verdadeiro para um indivíduo temporariamente suba para dois ovos.
Se não houver uma maneira dos gansos saberem antecipadamente se um determinado ano será
abundante ou não, não poderemos esperar que as fêmeas arrisquem-se a desperdiçar seus recursos
em dois ovos, quando isso prejudicaria seu sucesso reprodutivo em um ano comum.
Mas talvez haja outras espécies, quem sabe estorninhos, nas quais em princípio é possível
prever no inverno se a primavera seguinte dará uma boa colheita de algum alimento específico. Os
camponeses têm numerosos ditados antigos sugerindo que indicações, como a abundância de certas
frutas,constituem boas previsões sobre o clima da primavera seguinte. Quer qualquer lenda popular
tenha fundamento ou não, é logicamente possível que tais indicações existam e que uma boa
profetisa pudesse, teoricamente, ajustar o tamanho de sua ninhada de ano para ano para vantagem
própria. Certas frutas poderão ou não ser indicações seguras, mas, como no caso dos camundongos,
não parece muito provável que a densidade da população seja uma boa indicação. Uma fêmea de
estorninho pode saber, em princípio, que quando ela for alimentar seus filhotes na primavera
seguinte, competirá por alimento com rivais da mesma espécie. Se ela puder de alguma forma
estimar a densidade local de sua própria espécie no inverno, isso lhe daria uma maneira eficiente de
prever a dificuldade de obter alimento para os filhotes na primavera. Se ela verificar que a população
de inverno é particularmente grande, sua política prudente, de seu próprio ponto de vista egoísta,
poderá ser pôr relativamente poucos ovos: sua estimativa de tamanho ótimo de ninhada teria sido
reduzida.
Mas, quando ocorrer que os indivíduos reduzem o tamanho de suas ninhadas baseando-se em
sua estimativa da densidade populacional, será imediatamente vantajoso para cada indivíduo egoísta
fingir para seus rivais que a população é grande, quer ela realmente o seja, quer não. Se os
estorninhos estimam o tamanho da população pelo volume de barulho em um abrigo de inverno,
seria vantajoso para cada indivíduo gritar o mais alto possível, a fim de soar mais como dois
estorninhos. Essa idéia dos animais pretenderem ser vários ao mesmo tempo foi sugerida em outro
contexto por J. R. Krebs, e é chamada Efeito Beau Geste por causa do romance no qual uma tática
semelhante foi utilizada por uma unidade da Legião Estrangeira francesa. No nosso caso, a idéia é
tentar induzir os estorninhos vizinhos a reduzirem o tamanho de suas ninhadas até um nível mais
baixo do que o ótimo verdadeiro. Se você for um estorninho bem sucedido em fazê-lo, ser-lhe-á
vantajoso como indivíduo egoísta, pois você estará reduzindo o número de indivíduos que não
carregam seus genes. Concluo, portanto, que a idéia de Wynne-Edwards de exibição epideítica pode,
realmente, ser uma boa idéia: talvez ele tenha estado certo todo o tempo, mas pelo motivo errado.
Em termos mais gerais, o tipo de hipótese de Lack é eficaz o suficiente para explicar, em termos de
gene egoísta, toda a evidência que aparentemente suporte a teoria de seleção de grupo, se qualquer
evidência desse tipo for descoberta.
Nossa conclusão desse capítulo é que os pais praticam planejamento familiar, mas no sentido
de que otimizam suas taxas de natalidade e não de que restringem-nas pelo bem comum. Eles tentam
maximizar o número de filhotes sobreviventes; isto significa não ter filhotes nem demais, nem de
menos. Os genes que fazem um indivíduo ter filhotes demais tendem anão persistirem no "fundo",
pois os filhotes portando esses genes tendem a não sobreviverem até a idade adulta.
Basta, portanto, de considerações quantitativas sobre o tamanho da família. Prosseguimos
agora para os conflitos de interesse dentro das famílias. Será sempre vantajoso para uma mãe tratar
todos os seus filhotes igualmente, ou poderá ela ter favoritos? Deve a família funcionar como uma
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unidade de cooperação, ou deveremos esperar egoísmo e trapaça mesmo dentro da família?
Trabalharão todos os membros de uma família pelo mesmo ótimo, ou "discordarão" sobre esse
ótimo? Essas são as perguntas que tentamos responder no próximo capítulo. A questão relacionada a
essas, isto é, se há conflito de interesses entre parceiros sexuais, adiamos até o Capítulo 9.
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Capítulo 8
A BATALHA DAS GERAÇÕES
Comecemos tratando primeiramente das questões propostas no fim do último capítulo.
Deveria uma mãe ter favoritos, ou deveria ela ser igualmente altruísta em relação a todos os seus
filhos? Correndo o risco de ser enfadonho, devo novamente introduzir meu aviso costumeiro. A
palavra "favorito" não possui conotações subjetivas e a palavra "deveria" não possui conotações
morais. Estou encarando uma mãe como uma máquina programada para fazer tudo o que estiver a
seu alcance para propagar cópias dos genes que são levados dentro dela. Como você e eu somos
seres humanos que sabem o que é ter propósitos conscientes, é conveniente que eu use a linguagem
de propósitos como uma metáfora, ao explicar o comportamento das máquinas de sobrevivência.
Na prática, o que significaria dizer que uma mãe tem um filho favorito? Significaria que ela
investiria desigualmente seus recursos entre os filhos. Os recursos disponíveis que uma mãe possui
para investir consistem de várias coisas. Alimento é a mais óbvia, juntamente com o esforço gasto
em obtê-lo, pois esse esforço em si custa alguma coisa à mãe. O risco envolvido em proteger os
filhotes dos predadores é outro recurso que a mãe pode "gastar" ou recusar-se a fazê-lo. A energia e
o tempo dedicados à manutenção do ninho ou do abrigo, à proteção contra os elementos e, em
algumas espécies, o tempo gasto em ensinar os filhotes, são recursos valiosos que os pais podem
distribuir aos filhotes, igual ou desigualmente, como "quiserem".
É difícil imaginar uma moeda corrente comum com a qual medir todos esses recursos que os
pais podem investir. Da mesma forma como as sociedades humanas usam dinheiro como moeda
corrente universalmente permutável, a qual pode ser traduzida para alimento, terras, ou tempo de
trabalho, também necessitamos uma moeda corrente com a qual medir os recursos que uma máquina
de sobrevivência pode investir na vida de outro indivíduo, em particular na vida de um filhote. Uma
medida de energia, como a caloria, é tentadora; alguns ecólogos dedicaram-se à avaliação dos custos
energéticos na Natureza. Mas ela é inadequada, pois é apenas vagamente transformável na moeda
corrente que de fato interessa, o "padrão ouro" da evolução, a sobrevivência dos genes. R. L.
Trivers, em 1972, resolveu claramente o problema com seu conceito de Investimento Parental
(embora, lendo-se nas entrelinhas condensadas perceba-se que "Sir" Ronald Fisher, o maior biólogo
do século vinte, quis dizer basicamente a mesma coisa em 1930, com o seu "gasto parental").
O Investimento Parental (I. P.) é definido como "qualquer investimento feito pelos pais num
descendente que aumente a chance de sobrevivência (e, portanto, o sucesso reprodutivo) desse
descendente, em detrimento da capacidade dos pais de investir em outros descendentes". A beleza
do investimento parental de Trivers é que ele é medido em unidades muito próximas das unidades
que realmente importam. Quando um filhote consome parte do leite de sua mãe, a quantidade de
leite utilizada não é medida em litros nem em calorias, mas em unidades de detrimento a outros
filhotes da mesma mãe. Por exemplo, se uma mãe tem dois filhotes, X e Y, e X bebe meio litro de
leite, a maior parte do I.P. que esse meio litro representa é medida em unidades de probabilidade
aumentada de Y morrer porque não bebeu este meio litro. O I.P. é medido em unidades de
diminuição na expectativa de vida dos outros filhotes, já nascidos ou ainda por nascer.
O investimento parental não é exatamente uma medida ideal, pois enfatiza excessivamente a
importância da paternidade, em relação a outros relacionamentos genéticos. De forma ideal
deveríamos usar uma medida geral de investimento de altruísmo. Pode-se dizer que o indivíduo A
investe no indivíduo B quando A aumenta a chance de sobrevivência de B, em detrimento da
capacidade de A investir em outros indivíduos, inclusive nele próprio, todos os custos sendo
ponderados pelo parentesco apropriado. Assim, o investimento parental em um filhote qualquer
teoricamente deveria ser medido em termos de detrimento à expectativa de vida não apenas de
outros filhotes, mas também de sobrinhos, dos próprios pais, etc. Sob muitos aspectos, no entanto,
isto é apenas um jogo de palavras, e a medida de Trivers vale a pena ser usada na prática.
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Qualquer fêmea adulta tem, durante sua vida toda, uma certa quantidade total de I.P.
disponível para investir nos filhotes (e em outros parentes e nela própria, mas para simplificar
consideraremos apenas os filhotes). Esta quantidade representa a soma de toda a comida que ela
pode obter ou produzir numa vida de trabalho, todos os riscos que ela está preparada a correr e toda
a energia e esforço que é capaz de despender no bem-estar dos filhotes. Como uma fêmea jovem
começando sua vida adulta deveria investir os recursos de sua vida? Qual seria uma política de
investimento inteligente para ela seguir? Já vimos pela teoria de Lack que ela não deveria distribuir
seu investimento escassamente entre muitos filhotes. Desta forma ela perderia muitos genes: não
terá netos suficientes. Por outro lado, não deve dedicar todo seu investimento a demasiadamente
poucos filhos -pirralhos mimados. Ela poderá praticamente garantir-se alguns netos, mas os rivais
que investem no número ótimo de filhotes acabarão com mais netos. Basta de políticas imparciais de
investimento. Nosso interesse agora é se j amais valeria a pena para uma mãe investir desigualmente
entre seus filhotes, i.e., se ela deveria ter favoritos.
A resposta é que não há razão genética para uma mãe ter favoritos. Seu parentesco com todos
os filhotes é o mesmo, 1/2. Sua melhor estratégia é investir igualmente no maior número de filhotes
que ela possa criar até a idade na qual eles têm seus próprios filhotes. Mas, como já vimos, alguns
indivíduos são riscos de seguro de vida melhores do que outros. Um filhote raquítico menor do que
o normal carrega exatamente tantos genes de sua mãe quanto seus companheiros de ninhada mais
sadios. Mas sua expectativa de vida é menor. Outra maneira de dizer isto é que ele precisa mais do
que seu quinhão de investimento parental, simplesmente para terminar no mesmo nível de seus
irmãos. Dependendo das circunstâncias, valerá a pena para uma mãe recusar-se a alimentar um
filhote raquítico e distribuir todo seu quinhão de investimento parental a seus irmãos. De fato,
poderá valer a pena ela dá-lo a seus irmãos para que o comam, ou comê-lo ela própria e usá-lo para
fazer leite. As porcas realmente algumas vezes devoram seus filhotes, mas não sei se elas escolhem
especialmente os raquíticos.
Os filhotes raquíticos constituem um exemplo específico. Podemos fazer previsões mais gerais
sobre como a tendência de uma mãe a investir num filhote poderá ser afetada pela idade deste. Se ela
tiver uma escolha clara entre salvar a vida de um filhote ou a de outro, e se aquele que ela não salva
certamente morrerá, ela deveria preferir o outro. Isto porque ela arrisca-se a perder uma maior
proporção do investimento parental de sua vida se ele morrer do que se seu pequeno irmão morrer.
Talvez uma maneira melhor de dizer isto é que se ela salva o irmão pequeno, ela ainda terá que
investir nele recursos dispendiosos simplesmente para trazê-lo à idade do irmão maior.
Por outro lado, se a escolha não é determinada entre vida e morte como essa, sua melhor opção
poderá ser preferir o filhote mais jovem. Suponha, por exemplo, que seu dilema é dar uma porção de
alimento a um filhote pequeno ou a um grande. O filhote grande tem mais probabilidade de ser
capaz de encontrar seu próprio alimento sem auxilio. Se ela parasse de alimentá-lo, portanto, ele não
morreria, necessariamente. Por outro lado, o filhote pequeno que é jovem demais para encontrar
alimento por si só teria maior probabilidade de morrer se sua mãe desse o alimento a seu irmão
maior. Então, embora a mãe preferisse que o irmão menor morresse, em vez do maior, ela ainda
poderá dar o alimento ao menor, pois o maior provavelmente não morrerá de qualquer forma. É por
isso que as mães nos mamíferos desmamam seus filhotes, em vez de alimentá-los indefinidamente
durante a vida. Chega um momento na vida de um filhote quando vale a pena para a mãe desviar o
investimento dele para futuros filhotes. Quando esse momento chega ela desejará desmamá-lo. Uma
mãe que tivesse uma maneira de saber que teve o último filhote talvez pudesse continuar a investir
nele todos os seus recursos, até o fim de sua vida, e, quem sabe, amamentá-lo quando já adulto. No
entanto, ela deveria "ponderar" se não valeria a pena investirem netos ou sobrinhos, já que embora
esses tenham, em relação a seus próprios filhotes, metade do parentesco para com ela, sua
capacidade para se beneficiarem com seu investimento poderá ser maior do que o dobro daquela de
um de seus filhotes.
Esta parece uma boa ocasião para mencionar o fenômeno intrigante conhecido como
menopausa, o término um tanto abrupto da fertilidade reprodutiva da fêmea humana na meia-idade.
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Ela poderá não ter ocorrido muito comumente em nossos antepassados selvagens, pois poucas
mulheres teriam vivido tanto de qualquer forma. Mesmo assim, a diferença entre a mudança abrupta
de vida nas mulheres e o declínio gradual da fertilidade nos homens sugere que há alguma coisa
"proposital" com relação à menopausa - que ela é uma "adaptação". É bastante difícil explicar. À
primeira vista poderemos esperar que uma mulher continuasse a ter filhos até cair morta, mesmo que
cora a idade se tomasse progressivamente menos provável que qualquer filho sobrevivesse. Não
pareceria, certamente, sempre valer a pena tentar? Mas, devemos lembrar que ela também está
relacionada a seus netos, embora pela metade.
Devido a várias razões, talvez relacionadas com a teoria do envelhecimento de Medawar
(página), as mulheres no estado natural tornaram-se gradualmente menos eficientes em criar filhos à
medida que ficavam mais velhas. A expectativa de vida de um filho de uma mãe velha, portanto, era
menor do que aquela de um filho de uma mãe jovem. Isto significa que se uma mulher tinha um
filho e um neto nascidos no mesmo dia, o neto podia esperar viver mais do que o filho. Quando uma
mulher atingia a idade na qual a probabilidade média de cada filho atingir a idade adulta era um
pouco menor do que a metade da probabilidade de cada neto da mesma idade atingi-Ia, qualquer
gene para investir nos netos preferencialmente aos filhos tenderia a prosperar. Esse gene é carregado
por apenas um em cada quatro netos, enquanto que o gene rival é carregado por um em cada dois
filhos, mas a maior expectativa de vida dos netos compensa isto e o gene para "altruísmo para com
os netos" prevalece no "fundo". Uma mulher não poderia investir plenamente em seus netos se ela
continuasse a ter seus próprios filhos. Os genes para se tornar reprodutivamente infecunda na meia
idade, portanto, tomaram-se mais numerosos, pois eram carregados nos corpos de netos cuja
sobrevivência era auxiliada pelo altruísmo avoengo.
Essa é uma explicação possível para a evolução da menopausa nas mulheres. O motivo da
fertilidade dos homens diminuir gradualmente e não abruptamente é, talvez, que esses não investem,
de qualquer forma, tanto em cada filho como as mulheres. Desde que ele possa produzir filhos
através de mulheres jovens, sempre compensará, mesmo para um homem muito velho, investirem
filhos e não em netos.
Até agora, neste capítulo e no anterior, temos visto tudo do ponto de vista dos pais,
principalmente da mãe. Perguntamo-nos se pode-se esperar que os pais tenham favoritos e, em geral,
qual a melhor política de investimento para um pai ou uma mãe. Mas, talvez cada filho possa
influenciar o quanto seus pais investem nele, em comparação com seus irmãos. Mesmo que os pais
não "queiram" mostrar favoritismo entre seus filhos, poderia ocorrer que esses obtivessem um
tratamento favorecido para si? Seria vantajoso para eles fazê-lo? Mais especificamente, os genes
para a obtenção egoísta entre os filhos tornar-se-iam mais numerosos no "fundo" do que os genes
rivais para aceitar apenas o próprio quinhão? Esse assunto foi brilhantemente analisado por Trivers,
em um artigo de 1974 entitulado O Conflito Pais Descendentes.
Uma mãe é igualmente relacionada a todos os seus filhos, já nascidos ou por nascer. Do ponto
de vista genético apenas, ela não deveria ter favoritos, como já vimos. Se ela mostrar favoritismo,
este deveria se basearem diferenças na expectativa de vida, dependendo da idade e de outras coisas.
A mãe, como qualquer indivíduo, está "relacionada" consigo mesma duas vezes mais do que com
qualquer um de seus filhos. Outras coisas mantendo-se constantes, isto significa que ela deveria
investir a maior parte de seus recursos egoisticamente em si própria; mas, as outras coisas não se
mantêm constantes. Ela pode ajudar mais seus genes investindo uma boa proporção de seus recursos
em seus filhos. Isto porque eles são mais jovens e indefesos do que ela e podem, portanto,
beneficiar-se mais de cada unidade de investimento do que ela própria. Os genes para investir em
indivíduos mais indefesos, em detrimento de si próprio, podem prevalecer no "fundo", apesar dos
beneficiados talvez compartilharem apenas uma porção dos genes do indivíduo. É por isso que os
animais mostram altruísmo parental, e, de fato, qualquer tipo de altruísmo de seleção de parentesco.
Agora encare a questão do ponto de vista de um filhote em particular. Ele está igualmente
relacionado a cada um de seus irmãos como sua mãe o está com eles. O parentesco é 1/2 em todos
os casos. Ele, portanto, "quer" que sua mãe invista parte de seus recursos em seus irmãos. Do ponto
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de vista genético, ele está inclinado altruisticamente a eles tanto quanto sua mãe. Mas, novamente,
ele está relacionado a si próprio duas vezes mais do que a qualquer irmão; e isto incliná-lo-á a
desejar que sua mãe invista nele mais do que em qualquer irmão em particular, outras coisas
mantendo-se constantes. Neste caso as outras coisas poderão, efetivamente, se manter constantes. Se
você e seu irmão têm a mesma idade e ambos poderão se beneficiar igualmente de meio litro de leite
materno, você "deveria" tentar pegar mais do que o seu quinhão, e seu irmão deveria tentar fazer o
mesmo. Você já ouviu um leitãozinho guinchando para chegar primeiro quando a porca deita-se
para alimentar a ninhada? Ou meninos brigando pela última fatia de bolo? A ganância egoísta parece
caracterizar boa parte do comportamento infantil.
Mas há mais do que isto. Se estou competindo com meu irmão por uma porção de alimento e
se ele é muito mais jovem do que eu, de tal forma que poderia se beneficiar do alimento mais do que
eu, talvez compense a meus genes deixar que ele o obtenha. Um irmão mais velho poderá ter
exatamente os mesmos motivos para o altruísmo do que os pais: em ambos os casos, como vimos, o
parentesco é de 1/2, e em ambos os casos o indivíduo mais jovem pode aproveitar melhor o recurso
do que o mais velho. Se eu possuo um gene para entregar alimento, há 50 por cento de probabilidade
que meu irmão mais novo contenha o mesmo gene. Embora o gene tenha o dobro dessa
probabilidade de estar em meu próprio corpo - 100 por cento, ele está em meu corpo minha
necessidade do alimento talvez tenha menos da metade da urgência. Em geral, um filho "deveria"
pegar mais do que o seu Quinhão de investimento parental, mas apenas até certo ponto. Até que
ponto? Até o ponto no qual o custo líquido resultante para seus irmãos, já nascidos e por nascer, é
apenas o dobro do benefício advindo do ato de pegar para si próprio.
Considere o problema de quando a desmama deve ocorrer. A mãe quer parar de amamentar
seu filhote, de modo que possa se preparar para o próximo. O filhote, por outro lado, não quer ainda
ser desmamado, pois o leite é uma fonte de alimento conveniente e sem problemas; ele não quer ter
que sair e lutar pela sobrevivência. Para ser mais exato, ele na realidade quer, eventualmente, sair e
lutar pela sobrevivência, mas apenas quando puder ajudar mais seus genes deixando sua mãe livre
para criar seus pequenos irmãos do que ele próprio ficando. Quanto mais velho é um filhote, menos
benefício relativo ele retira de leite. Isto porque ele é maior e um litro de leite constitui, portanto,
uma proporção menor de suas necessidades, e também porque ele está se tornando mais capaz de se
defender por si só se for forçado a fazê-lo. Quando um filhote velho bebe um litro que poderia ter
sido investido num filhote mais jovem, portanto, ele está retirando relativamente mais investimento
parental para sido que quando um filhote jovem bebe aquele litro. À medida que um filhote fica
mais velho haverá um momento quando seria vantajoso para sua mãe parar de alimentá-lo e investir,
em vez disto, num novo filhote. Um pouco mais tarde virá um momento quando o filhote velho
também beneficiaria seus genes ao máximo desmamando. Este é o momento quando um litro de
leite pode ser mais útil para as cópias de seus genes que poderão estar presentes em seus irmãos, do
que para os genes que estão presentes nele.
A discórdia entre mãe e filhote não é absoluta, mas quantitativa, neste caso uma discórdia a
respeito de sincronização. A mãe quer continuara amamentar seu filhote até o momento quando o
investimento nele atinge seu quinhão "justo", levando em conta sua expectativa de vida e quanto ela
j á investiu nele. Até esse ponto não há discórdia. Do mesmo modo, tanto a mãe como o filhote
concordam em não querer que ele continue a mamar ultrapassando o ponto no qual o custo aos
futuros filhos é maior do que o dobro do benefício para ele. Mas, há discórdia entre a mãe e o filhote
durante o período intermediário, aquele no qual o filhote está recebendo mais do que o seu quinhão,
segundo a mãe, mas no qual o custo para os outros filhotes é ainda menor do que o dobro do
benefício para ele.
A ocasião da desmama é apenas um exemplo de um ponto de discórdia entre a mãe e filho. Ela
poderia também ser considerada uma disputa entre um indivíduo e todos os seus irmãos ainda não
nascidos, com a mãe assumindo o lugar de seus futuros filhos. Poderá haver competição, mais
diretamente, entre rivais contemporâneos pelo seu investimento, entre irmãos da mesma ninhada.
Aqui, novamente, a mãe normalmente estará ansiosa por ver jogo honesto.
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Muitos filhotes de aves são alimentados no ninho pelos pais. Todos eles abrem o bico e
gritam, e um dos pais deixa cair uma minhoca ou outro petisco na boca de um deles. O volume do
grito de cada filhote é, teoricamente, proporcional a quão faminto ele está. Se os pais sempre derem
comida ao que gritar mais alto, portanto, todos eles tenderiam a ganhar seu quinhão, pois quando um
deles estiver satisfeito não gritará tão alto. Pelo menos é isto que aconteceria no melhor de todos os
mundos possíveis, se os indivíduos não trapaceassem. Mas, tendo em vista nosso conceito de gene
egoísta, devemos esperar que os indivíduos trapacearão e mentirão sobre quão famintos estão. Isto
se intensificará, aparentemente sem necessidade, pois poderá parecer que se todos estão mentindo ao
gritar alto demais, esse nível se tornará a norma e deixará, de fato, de ser uma mentira. Não poderá,
porém, haver uma diminuição, pois qualquer indivíduo que tome a iniciativa de abaixar o volume de
seu grito será punido sendo menos alimentado, e provavelmente passará fome. Os gritos dos filhotes
das aves não se tornam infinitamente altos devido a outros fatores; os gritos altos, por exemplo,
tendem a atrair predadores e consomem energia.
Algumas vezes, como vimos, um membro de uma ninhada é mais fraco e muito menor do que
os demais. Ele é incapaz de lutar pelo alimento com tanto vigor como os demais e esses filhotes
geralmente morrem. Analisamos as condições sob as quais realmente seria vantajoso para uma mãe
deixar um filhote fraco morrer. Podemos supor intuitivamente que o próprio filhote deveria
continuar lutando até o fim, mas a teoria não prevê isto necessariamente. Logo que o filhote pequeno
torna-se tão fraco que sua expectativa de vida fica reduzida ao ponto no qual o benefício para ele
devido ao investimento parental é menor do que metade do benefício que o mesmo investimento
poderia, potencialmente, conferir aos outros filhotes, ele deveria morrer voluntária e dignamente.
Fazendo-o ele beneficiará seus genes ao máximo. Isto é, um gene que dá a seguinte instrução,
"Corpo, se você é muito menor do que seus companheiros de ninhada, desista da luta e morra",
poderia se tornar bem sucedido no "fundo", pois ele tem 50 por cento de probabilidade de estar no
corpo de cada irmão salvo, e sua chance de sobreviver no corpo do filhote fraco é, de qualquer
forma, muito pequena. Deveria haver um ponto de retomo impossível na carreira de um filhote
fraco. Antes de ele atingir esse ponto deveria continuar lutando. Assim que ele o alcança deveria
desistir e, de preferência, se deixar comer pelos companheiros de ninhada ou pelos pais.
Não mencionei-a quando discutimos a teoria de Lack do tamanho da ninhada, mas a seguinte
estratégia é razoável para um pai ou uma mãe que esteja indecisa a respeito do tamanho ótimo de
ninhada para aquele ano. Ela poderá pôr um ovo amais do que de fato "pensa" ser o ótimo
verdadeiro. Então, se a quantidade de alimento naquele ano se revelar melhor do que o esperado, ela
criará o filhote extra. Caso contrário, ela pode diminuir sua perda. Tendo o cuidado de sempre
alimentar os jovens na mesma ordem, por exemplo pela ordem de tamanho, ela garante que um
deles, talvez o mais fraco, morra rapidamente e não haja gasto demasiado de alimento com ele, além
do investimento inicial de gema ou o equivalente. Do ponto de vista da mãe, isto poderá ser a
explicação para o fenômeno do aparecimento do filhote mais fraco. Ele representa a compensação
das apostas da mãe. Isto tem sido observado em outras aves.
Usando nossa metáfora do animal individual como uma máquina de sobrevivência
comportando-se como se tivesse o "propósito" de preservar seus genes, podemos falar sobre um
conflito entre os pais e os filhotes, uma batalha das gerações. A batalha é sutil e nenhum método é
excluído de nenhum dos lados. Um filhote não perderá oportunidade de trapacear. Ele fingirá estar
mais faminto do que realmente está, talvez fingirá ser mais jovem ou estar mais em perigo. Ele é
muito pequeno e fraco para intimidar fisicamente seus pais, mas usa toda arma psicológica a sua
disposição: mentir, trapacear, enganar, explorar, até o ponto quando começa a punir seus parentes
mais do que seu relacionamento genético com eles deveria permitir. Os pais, por outro lado, devem
estar alerta para enganos e trapaças, e devem tentar não ser levados. Isto poderá parecer uma tarefa
fácil. Se os pais sabem que o filhote provavelmente mentirá sobre quão faminto está, poderão
empregar a tática de dar-lhe uma quantidade fixa de alimento e não mais, mesmo que ele continue a
gritar. Um problema com essa tática é que talvez o filhote não estivesse mentindo; se ele morrer por
não ter sido alimentado, os pais terão perdido alguns de seus preciosos genes. Pássaros na natureza
podem morrer após ficarem sem comer por apenas algumas horas.
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A. Zahavi sugeriu uma forma particularmente diabólica de chantagem infantil: o filhote grita
de forma a atrair deliberadamente predadores ao ninho. O filhote está "dizendo" "Raposa, raposa,
venha me pegar". A única forma de os pais fazerem-no parar de gritar é alimentando-o. Assim, o
filhote ganha mais do que seu quinhão de alimento, mas com certo risco para si. O princípio dessa
tática implacável é o mesmo do seqüestrador ameaçando explodir um avio, com ele próprio a bordo,
a menos que lhe seja dado um resgate. Tenho dúvidas se ela jamais seria favorecida na evolução,
não porque seja implacável demais, mas porque duvido que pudesse ser vantajosa para o filhote
chantagista. Ele tem muito a perder se um predador realmente vier. Isto é claro com relação a um
único filhote, que é o caso considerado por Zahavi. Não importa quanto sua mãe já tenha investido,
ele deveria sempre valorizar sua própria vida mais do que sua mãe, j á que ela só tem metade de seus
genes. Além disto, a tática não seria vantajosa mesmo que o chantagista fosse um entre uma ninhada
de filhotes vulneráveis, todos juntos no ninho, pois o chantagista tem um "risco" genético de 50 por
cento em cada um de seus irmãos ameaçados, assim como um risco de 100 por cento em si próprio.
Suponho que a teoria presumivelmente funcionaria se o predador mais comum tivesse o hábito de
apenas apanhar o maior filhote de um ninho. Então seria vantajoso para um filhote menor usar a
ameaça de convidar um predador, pois ele não estaria se pondo em grande perigo. Isto é análogo a
apontar uma arma contra a cabeça de seu irmão, em vez de ameaçar explodir-se a si próprio.
De forma mais plausível, a tática da chantagem poderá ser vantajosa para um filhote de cuco.
Como se sabe, a fêmea do cuco põe um ovo em vários ninhos "adotivos" e deixa que os pais
adotivos involuntários de uma espécie bastante diferente criem os jovens cucos. O filhote de cuco,
portanto, não tem risco genético em seus irmãos adotivos. (Algumas espécies de filhotes de cucos
não terão quaisquer irmãos adotivos, por uma razão sinistra que explicarei depois. Por enquanto
suponho que estejamos analisando uma daquelas espécies nas quais irmãos adotivos coexistem
juntamente com filhotes de cucos). Se um filhote de cuco gritasse alto o suficiente para atrair
predadores, ele teria muito a perder -sua vida - mas a mãe adotiva teria ainda mais a perder, talvez
quatro de seus filhotes. Poderia lhe ser vantajoso, portanto, alimentá-lo mais do que seu quinhão; a
vantagem decorrente disto para o cuco poderá compensar o risco.
Esta é uma daquelas ocasiões quando seria sensato voltar à linguagem respeitável dos genes,
simplesmente para nos certificarmos de que não fomos levados longe demais com as metáforas
subjetivas. O que realmente significa propor a hipótese de que os filhotes do cuco praticam
"chantagem" contra seus pais adotivos gritando "Predador, predador, venha pegara mime a todos
meus pequenos irmãos"? Em termos de genes significa o seguinte.
Os genes do cuco para gritar alto tornaram-se mais numerosos no "fundo" porque os gritos
aumentaram a probabilidade dos pais adotivos alimentarem os filhotes do cuco. O motivo pelo qual
os pais adotivos responderam aos gritos dessa maneira foi que os genes para responder aos gritos
haviam se difundido pelo "fundo" gênico da espécie dos pais adotivos. A razão desses genes terem
se difundido foi que os pais adotivos que não deram aos cucos alimento amais criaram um menor
número de seus próprios filhos - menor do que o número criado pelos pais rivais que deram alimento
a mais para seus genes. E isto porque os predadores eram atraídos ao ninho pelos gritos do cuco.
Embora os genes do cuco para não gritar tivessem menos probabilidade de acabar no estômago dos
predadores do que os genes para gritar, os cucos que não gritavam pagaram a pena maior por não
terem recebido rações extras. Os genes para gritar, portanto, espalharam-se pelo "fundo" de genes do
cuco.
Uma seqüência semelhante de raciocínio genético, seguindo o argumento mais subjetivo dado
acima, mostraria que embora um gene chantagista deste tipo pudesse presumivelmente difundir-se
pelo "fundo" de genes de um cuco, ele provavelmente não se espalharia pelo "fundo" de genes de
uma espécie comum, pelo menos não pelo motivo específico de atrair predadores. Numa espécie
comum, evidentemente, poderia haver outras razões para os genes para gritar se espalharem, como já
vimos, e essas casualmente teriam o efeito de, vez por outra, atrair predadores. Aqui, porém, a
influência seletiva da predação seria, no máximo, na direção de tornar os gritos mais baixos. No
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caso hipotético dos cucos, a influência final dos predadores, paradoxal como possa parecer à
primeira vista, poderia se tornar os gritos mais altos.
Não há nenhuma evidência, num sentido ou em outro, a respeito dos cucos e outros pássaros
de hábitos parasitas semelhantes realmente empregarem a tática da chantagem. Mas eles certamente
não deixam de exibir crueldade. Há aves da família Indicatoridae, por exemplo, que como os cucos
põem seus ovos nos ninhos de outras espécies. O filhote de Indicatoridae está equipado com um bico
curvo afiado. Logo que eclode, quando ainda está cego, sem penas e em todos os sentidos indefeso,
ele cega e corta seus irmãos adotivos até a morte: irmãos mortos não competem por alimento! O
cuco comum da Grã-Bretanha obtém o mesmo resultado de forma ligeiramente diferente. Ele tem
um período de incubação curto, de modo que o filhote consegue eclodir antes de seus irmãos
adotivos. Assim que eclode, cega e mecanicamente, mas com eficiência devastadora, joga os outros
ovos para fora do ninho. Ele coloca-se por baixo de um ovo, encaixando-o numa depressão de suas
costas; em seguida vai para trás contra a parede do ninho, vagarosamente, equilibrando o ovo entre
os tocos das asas, até derrubar o ovo para o chão. Ele faz o mesmo com todos os outros ovos, até que
tenha o ninho, e conseqüentemente a atenção de seus pais adotivos, inteiramente para si.
Um dos fatos mais notáveis que aprendi no ano passado foi relatado por F. Alvarez, L. Arias
de Reyna e H. Segura, da Espanha. Eles estavam investigando a habilidade de pais adotivos em
potencial - vítimas em potencial dos cucos para detectar invasores, ovos ou filhotes de cucos.
Durante seus experimentos tiveram ocasião de introduzir nos ninhos de pega os ovos e filhotes de
cucos e, para comparação, ovos e filhotes de outras espécies, tais como andorinhas. Em uma ocasião
introduziram um filhote de andorinha no ninho de uma pega. No dia seguinte notaram um dos ovos
da pega no chão, sob o ninho. Ele não havia se quebrado, então eles apanharam-no, recolocaram-no
no ninho e observaram. O que viram é extraordinário. O filhote de andorinha, comportando-se
exatamente como se fosse um filhote de cuco, lançou o ovo para fora. Eles recolocaram o ovo outra
vez, e exatamente a mesma coisa aconteceu. O filhote de andorinha utilizou o método do cuco de
equilibrar o ovo em suas costas entre os tocos das asas e andar para trás subindo a parede do ninho
até derrubar o ovo.
Talvez sabiamente, Alvarez e seus colegas não tentaram explicar sua espantosa observação.
Como poderia tal comportamento evoluir no "fundo" de genes da andorinha? Deve corresponder a
alguma coisa na vida normal de uma. andorinha. Os filhotes desta ave não estão acostumados a se
encontrarem em ninhos de pegas. Normalmente nunca são encontrados em qualquer ninho, a não ser
o seu próprio. Poderia o comportamento representar uma adaptação evoluída anti-cuco? Estaria a
seleção natural favorecendo uma política de contra-ataque no "fundo" de genes da andorinha, genes
para atingir o cuco com suas próprias armas? Parece ser um fato que os ninhos de andorinhas
normalmente não são parasitados por cucos. Talvez esta seja a razão. Segundo essa teoria, os ovos
da pega do experimento casualmente estariam recebendo o mesmo tratamento, talvez porque, como
os ovos do cuco, são maiores do que aqueles da andorinha. Mas, se um filhote de andorinha pode
distinguir um ovo grande de um ovo normal da ave, a mãe certamente também deveria poder. Neste
caso, por que não é a mãe que joga o ovo do cuco, já que seria muito mais fácil para ela fazê-lo do
que para o filhote? A mesma objeção se aplica à teoria segundo a qual o comportamento do filhote
da andorinha normalmente serviria para remover ovos estragados ou outros restos do ninho.
Novamente, essa tarefa poderia ser - e é - melhor realizada pelos pais. O fato da operação difícil e
habilidosa de jogar o ovo ter sido realizada por um filhote fraco e indefeso de andorinha, enquanto
que um adulto certamente poderia tê-lo feito mais facilmente, leva-me à conclusão que do ponto de
vista dos pais o filhote não tem boas intenções.
Parece-me igualmente concebível que a explicação verdadeira nada tenha a ver,
absolutamente, com cucos. Talvez o sangue gele nas veias com o pensamento, mas poderia ser isto o
que os filhotes de andorinha fazem uns para os outros? Como o primogênito terá que competir com
seus irmãos ainda não eclodidos pelo investimento parental, poderia lhe ser vantajoso começar a
vida jogando para fora um dos outros ovos.
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A teoria de Lack de tamanho de ninhada considerava o ótimo do ponto de vista dos pais. Se eu
sou uma mãe andorinha, o tamanho ótimo de ninhada do meu ponto de vista será, por exemplo,
cinco. Mas, se sou um filhote, o tamanho ótimo, como eu o vejo, poderá muito bem ser um número
menor, desde que eu seja um deles! A mãe tem certa quantidade de investimento parental que
"deseja" distribuir igualmente entre seus cinco filhotes. Mas cada um destes deseja mais do que seu
quinhão de um quinto. Ao contrário do cuco, o filhote não quer tudo, pois está relacionado aos
outros filhotes. Mas ele quer, realmente, mais do que um quinto. Ele pode obter l/4 simplesmente
derrubando um ovo; 1/3 derrubando outro. Traduzindo para a linguagem dos genes, um gene para
fratricídio poderia presumivelmente espalhar-se pelo "fundo", pois ele tem 100 por cento de
probabilidade de estar no corpo do fratricida e apenas 50 por cento de probabilidade de estar no
corpo de sua vítima.
A principal objeção a essa teoria é que é muito difícil acreditar que ninguém tenha observado
esse comportamento diabólico se ele realmente ocorresse. Não tenho explicação convincente para
isso. Há raças diferentes de andorinhas em várias partes do mundo. Sabe-se que a raça da Espanha,
por exemplo, difere, em alguns aspectos, daquela da Grã-Bretanha. A raça da Espanha não foi
submetida a mesma observação intensa como a da Grã-Bretanha; suponho ser possível que
fratricídio ocorra, mas não foi observado.
Meu motivo para propor aqui uma idéia improvável como a hipótese do fratricídio é que quero
apresentar um princípio geral. Este é que o comportamento implacável de um filhote de cuco é
apenas um caso extremo do que deve ocorrer em qualquer família. Irmãos de pai e mãe estão mais
intimamente relacionados entre si do que um filhote de cuco com seus irmãos adotivos, mas a
diferença é apenas de intensidade. Mesmo que não possamos acreditar que o fratricídio direto
pudesse evoluir, deve haver numerosos exemplos menores de egoísmo nos quais o custo para o
filhote, sob a forma de perdas para seus irmãos, é excedido, em mais de dois para um, pelo benefício
para si próprio. Em tais casos, como no exemplo do momento de desmama, há um conflito de
interesses verdadeiros entre os pais e o filhote.
Quem tem maior probabilidade de vencer essa batalha das gerações? R. D. Alexander escreveu
um artigo interessante no qual sugere que há uma resposta geral para esta pergunta. Segundo ele os
pais sempre ganharão. Então, se isto é o que acontece, você perdeu seu tempo lendo este capítulo. Se
Alexander estiver com a razão, muita coisa de interessante segue-se. Por exemplo, o comportamento
altruísta poderia evoluir, não devido a benefícios aos genes do próprio indivíduo, mas simplesmente
devido a benefícios aos genes de seus pais. A manipulação parental, para usar o termo de Alexander,
toma-se uma causa evolutiva alternativa do comportamento altruísta, independente da seleção de
parentesco direta. É importante, conseqüentemente, que examinemos o raciocínio de Alexander e
nos convençamos de que entendemos porque ele está errado. Isto, a rigor, deveria ser feito
matematicamente, mas estamos evitando o uso explícito de Matemática neste livro, e é possível dar
uma idéia intuitiva do que está errado na tese de Alexander.
Sua idéia genética fundamental está contida na seguinte citação resumida. "Suponha que um
jovem provoque uma distribuição desigual de benefícios parentais em seu favor, desta forma
reduzindo a reprodução global da mãe. Um gene que desta maneira aumente a adaptação de um
indivíduo quando ele é jovem, não pode deixar de reduzir mais sua adaptação quando ele for adulto,
pois tais genes mutantes estarão presentes numa proporção crescente dos descendentes mutantes do
indivíduo". O fato de Alexander analisar um gene que acabou de mutar não é fundamental para o
argumento. É melhor pensar num gene raro herdeiro de um dos pais. "Adaptação" tem o sentido
técnico de sucesso reprodutivo. O que Alexander está basicamente dizendo é o seguinte. Um gene
que tenha feito um filhote obter mais do que seu quinhão quando ele era pequeno, em detrimento da
reprodução total de um dos pais, poderá, de fato, aumentar sua chance de sobrevivência. Mas ele
pagaria o preço quando se tornasse pai e mãe, pois seus próprios filhotes tenderiam a herdar o
mesmo gene egoísta; e isto reduziria seu sucesso reprodutivo global. Ele cairia na própria armadilha.
O gene, portanto, não pode ter sucesso e os pais sempre devem vencer o conflito.
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Deveríamos imediatamente suspeitar deste argumento, pois ele baseia-se numa assimetria
genética que realmente não existe. Alexander usa as palavras "pais" e "descendentes" como se
houvesse uma diferença genética fundamental entre eles. Como vimos, embora haja diferenças
práticas entre pais e filhos, por exemplo os pais são mais velhos do que os filhos e estes provêm dos
corpos dos pais, não há, realmente, nenhuma assimetria genética fundamental. O parentesco é de 50
por cento, de qualquer ângulo que você olhe. Para ilustrar o que quero dizer repetirei as palavras de
Alexander, mas com "pais", "jovem" e outras palavras apropriadas invertidas: "Suponha que um dos
pais tenha um gene que tenha a tendência a provocar uma distribuição igual dos benefícios parentais.
Um gene que desta maneira aumente, a adaptação de um indivíduo quando ele é pai ou mãe, não
poderia deixar de ter sua adaptação mais diminuída quando ele era jovem." Chegamos, portanto, à
conclusão oposta de Alexander, isto é, em qualquer conflito pais/filhos o filho deve vencer!
Obviamente alguma coisa está errada aqui. Ambos os argumentos foram apresentados de
forma simples demais. O objetivo de minha citação invertida não é provar a idéia oposta a de
Alexander, mas simplesmente mostrar que não se pode argumentar desta maneira artificialmente
assimétrica. Tanto o argumento de Alexander corno minha inversão dele erraram ao ver as coisas do
ponto de vista de um indivíduo - os pais, no caso de Alexander e o filhote, no meu caso. Acredito
que este tipo de erro seja fácil de cometer quando utilizamos o termo técnico "adaptação". É por isso
que evitei usá-lo neste livro. Só há, realmente, uma entidade cujo ponto de vista interessa na
evolução, e esta entidade é o gene egoísta. Os genes em corpos jovens serão selecionados pela sua
habilidade de superar em esperteza os corpos dos pais; os genes nestes últimos serão selecionados
por sua habilidade de superar os jovens. Não há paradoxo no fato dos mesmos genes ocuparem
sucessivamente um corpo jovem e o corpo de um pai ou de uma mãe. Os genes são selecionados por
sua habilidade em usar da melhor forma possível as ferramentas disponíveis: eles explorarão suas
oportunidades práticas. Quando um gene está num corpo jovem, suas oportunidades práticas serão
diferentes daquelas existentes quando ele está no corpo de um pai ou de uma mãe. Sua melhor
política, portanto, será diferente nos dois estágios da história de seu corpo. Não há motivo para
supor, como faz Alexander, que a melhor política posterior deva necessariamente sobrepujar a
anterior.
Há outra maneira de expor o argumento contra Alexander. Ele está tacitamente supondo a
existência de uma falsa assimetria entre o relacionamento pais/filhos, por um lado, e o
relacionamento irmão/irmã por outro. Você se lembra que de acordo com Trivers o custo para um
filhote egoísta de obter mais do que seu quinhão, o motivo porque ele só pega até certo ponto, é o
perigo de perder seus irmãos, cada um levando metade de seus genes. Os irmãos, no entanto, são
apenas um caso especial de parentes com 50 por cento de parentesco. Os próprios eventuais filhos
do filhote egoísta não lhe são nem mais "valiosos" nem menos do que seus irmãos. O custo líquido
total de pegar mais do que seu quinhão de recursos, portanto, na realidade deveria ser medido não
apenas em irmãos perdidos, mas também em descendentes futuros perdidos devido ao egoísmo entre
eles. A idéia de Alexander a respeito da desvantagem do egoísmo juvenil se espalhar a seus filhos,
desta forma reduzindo sua própria reprodução a longo prazo, é boa, mas simplesmente significa que
devemos adicionar isto no lado dos custos na equação. Um filhote, individualmente, ainda fará bem
em ser egoísta enquanto o benefício líquido para ele for pelo menos metade do custo líquido para os
parentes próximos. Mas "parentes próximos" deve incluir não apenas irmãos, mas também os
próprios futuros filhos. Um indivíduo deveria considerar seu bem-estar como valendo o dobro
daquele de seus irmãos, que é a pressuposição básica feita por Trivers. Mas ele também deveria
dar-se o dobro do valor dado a seus futuros filhos. A conclusão de Alexander de que há uma
vantagem intrínseca da parte dos pais no conflito de interesses não está correta.
Além de sua idéia genética fundamental, Alexander também tem argumentos mais. práticos,
oriundos de inegáveis assimetrias no relacionamento pais/ filhos. O pai ou a mãe constituem a parte
ativa, aquela que efetivamente realiza o trabalho de obter alimento, etc., e portanto está em
condições de tomar as decisões. Se os pais decidem parar seu trabalho, o filhote pouco pode fazer a
respeito, pois é menor e não pode retaliar. Os pais, portanto, estão em condições de impor seu
desejo, independentemente do que o filhote possa querer. Esse argumento não está obviamente
89
errado, pois neste caso a assimetria postulada é real. Os pais são maiores, mais fortes e mais vividos
do que os filhotes. Eles parecem ter todas as boas cartas nas mãos. Mas os filhotes também têm
alguns ases em suas mangas. Por exemplo, é importante para os pais saber quão faminto cada um de
seus filhotes está, de modo que possam distribuir o alimento da maneira mais eficiente. Eles
poderiam, evidentemente, racionar o alimento igualmente entre todos os filhotes, mas no melhor de
todos os mundos possíveis isto seria menos eficiente do que um sistema de dar um pouco mais
àqueles que realmente o usassem melhor. Um sistema no qual cada filhote diz aos pais quão faminto
está seria ideal para esses últimos, e, como vimos, um sistema deste tipo parece ter evoluído. Mas os
jovens estão em condições de mentir, porque sabem exatamente quão famintos estão, enquanto os
pais podem apenas imaginar se eles estão dizendo a verdade ou não. É quase impossível aos pais
detectar uma pequena mentira, embora possam descobrir uma grande.
Por outro lado, é vantajoso para os pais saber quando um filhote está feliz, e é bom para um
filhote ser capaz de dizê-lo aos pais. Sinais, tais como ronronar e sorrir, poderão ter sido
selecionados porque permitem aos pais saber quais de suas ações são mais benéficas a seus filhotes.
A visão de seu filho sorrindo, ou de seu gatinho ronronando é recompensadora para uma mãe, no
mesmo sentido como alimento no estômago é recompensador para um rato em um labirinto. Mas,
assim que um sorriso doce ou um ronronado alto tornam-se recompensadores, o filhote estará em
condições de usá-los a fim de manipular os pais e ganhar mais do que seu quinhão de investimento
parental.
Não há, portanto, nenhuma resposta geral para a pergunta relativa a quem tem maior
probabilidade de vencer a batalha das gerações. O que finalmente ocorrerá será um compromisso
entre a situação ideal desejada pelo filhote e aquela desejada pelos pais. É uma batalha comparável
àquela entre o cuco e os pais adotivos, sem dúvida não uma batalha tão ferrenha, pois os inimigos
têm alguns interesses genéticos em comum - eles só são inimigos até certo ponto, ou durante certas
ocasiões sensíveis. No entanto, muitas das táticas usadas pelos cucos, táticas de engano e de
exploração, poderão ser empregadas pelo próprio filho, embora ele não chegue ao egoísmo total que
é de se esperar de um cuco.
Este capítulo e o próximo, no qual discutimos o conflito entre parceiros sexuais, poderia
parecer horrivelmente cínico, e talvez seja até desolador, para os pais humanos, dedicados como são
a seus filhos e um ao outro. Novamente devo enfatizar que não estou falando de motivos
conscientes. Ninguém está sugerindo que as crianças deliberada e conscientemente enganam seus
pais devido aos genes egoístas que possuem. E devo repetir que quando digo alguma coisa como
"Um filho não deveria perder nenhuma oportunidade de enganar... mentir, trapacear, explorar. . .",
estou usando a palavra "deveria" de maneira especial. Não estou propondo esse comportamento
como sendo moral ou desejável. Estou simplesmente dizendo que a seleção natural tenderá a
favorecer os filhos que efetivamente agem desta forma e que portanto, quando olhamos para
populações selvagens, poderemos esperar ver trapaças e egoísmo dentro das famílias. A sentença "o
filho deveria trapacear" significa que os genes que tendem a fazer com que os filhos trapaceiem têm
vantagem no "fundo". Se há uma moral humana a ser estabelecida, será de que devemos ensinar
altruísmo a nossos filhos, pois não podemos esperar que ele seja parte de sua natureza biológica.
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Capítulo 9
A BATALHA DOS SEXOS
Se há conflitos de interesses entre pais e filhos que compartilham 50 por cento dos genes, quão
mais severos devem ser os conflitos entre parceiros sexuais, que não têm parentesco? Tudo que eles
têm em comum é um investimento, nos mesmos filhos, de 50 por cento de ações genéticas. Como
tanto o pai como a mãe estão interessados no bem-estar de diferentes metades dos mesmos filhos,
poderá haver alguma vantagem para ambos em cooperar entre si na criação desses filhos. Se um dos
pais conseguir investir em cada filho menos do que seu quinhão de recursos dispendiosos, no
entanto, ele levará vantagem, pois terá mais para investir'em outros filhos com outros parceiros
sexuais, e assim propagar mais seus genes. Pode-se imaginar, portanto, que cada parceiro tenta
explorar o outro, tenta forçar o outro a investir mais. Teoricamente, o que um indivíduo "gostaria"
de fazer(não quero dizer desfrutar fisicamente, embora isto também possa acontecer) seria copular
com o maior número possível de elementos do sexo oposto, deixando, em cada caso, que o parceiro
criasse os filhos. Como veremos, essa situação é conseguida pelos machos de várias espécies, mas
em outras os machos são obrigados a compartilhar uma porção igual da carga de criar os filhos. Essa
visão da parceria sexual como uma relação de desconfiança e exploração mútuas foi especialmente
enfatizada por Trivers. É uma visão comparativamente nova para os etólogos. Normalmente
havíamos pensado no comportamento sexual, copulação e a corte que a precede, como um
empreendimento essencialmente de cooperação, realizado para benefício mútuo ou mesmo para o
bem da espécie!
Voltemos diretamente aos primeiros princípios e investiguemos a natureza fundamental da
diferença entre os sexos. No Capítulo 3 discutimos a sexualidade sem enfatizar sua assimetria
básica. Simplesmente aceitamos que alguns animais são chamados de machos e outros de fêmeas,
sem nos perguntar o que essas palavras realmente significavam. Mas, qual a essência da
masculinidade?
O que, no fundo,define uma fêmea? Como mamíferos vemos os sexos definidos por síndromes
de características-existência de um pênis, produção dos filhotes, amamentação por meio de
glândulas lactíferas, especiais, certas características cromossômicas e assim por diante. Esses
critérios para se julgar o sexo de um indivíduo servem para os mamíferos, mas para os animais e
plantas em geral não são mais seguros do que seria a tendência a usar calças como critério para
determinar o sexo humano. Nas rãs por exemplo, nenhum dos dois sexos tem pênis. Talvez, então,
as palavras macho e fêmea não tenham um sentido geral. Elas são, afinal de contas, apenas palavras,
e se acharmos que não são úteis para descrever rãs temos a liberdade de abandoná-las. Poderíamos
arbitrariamente dividir as rãs em Sexo 1 e Sexo 2, se quiséssemos. Há, no entanto, uma característica
fundamental dos sexos que pode ser utilizada para rotular os machos de machos e as fêmeas de
fêmeas em todos os animais e plantas. Esta característica é que as células sexuais ou "gametas" dos
machos são muito menores e mais numerosos do que os gametas das fêmeas. Isto ocorre quer
estejamos lidando com animais, quer com plantas. Um grupo de indivíduos possui células sexuais
grandes; é conveniente usar a palavra fêmea para eles. O outro grupo, que é conveniente chamar de
macho, possui células sexuais pequenas. A diferença é especialmente acentuada nos répteis e aves,
nos quais uma única célula ovo é grande e nutritiva o suficiente para alimentar o filhote em
desenvolvimento durante várias semanas. Mesmo nos seres humanos, onde o óvulo é microscópico,
ainda assim é muitas vezes maior do que o espermatozóide. É possível, como veremos, interpretar
todas as outras diferenças entre os sexos como oriundas dessa diferença básica.
Em certos organismos primitivos, por exemplo em certos fungos, não há sexo masculino e
sexo feminino, embora reprodução sexual de certo tipo ocorra. No sistema conhecido como
isogamia, os indivíduos não são distinguíveis em dois sexos. Qualquer um pode se acasalar com
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qualquer outro. Não há dois tipos diferentes de gametas - espermatozóides e óvulos - mas todas as
células sexuais são iguais, chamadas isogametas. Os novos indivíduos são formados pela fusão de
dois isogametas, cada qual produzido por divisão meiótica. Se tivermos três isogametas, A, B e C, A
poderia fundir-se com B ou com C, B poderia fundir-se com A ou com C. Isto nunca ocorre em
sistemas sexuais normais. Se A for um espermatozóide e puder se fundir com B ou com C, então B e
C devem ser óvulos, e B não poderá se fundir com C.
Quando dois isomagetas se fundem, ambos contribuem com igual número de genes para o
novo indivíduo, e também contribuem com quantidades iguais de reservas alimentares. Os
espermatozóides e os óvulos também contribuem com números iguais de genes, mas esses últimos
contribuem com muito mais reservas alimentares: os espermatozóides, na realidade, não contribuem
com nada; estão simplesmente relacionados ao transporte de seus genes até um óvulo o mais
rapidamente possível. No momento da concepção, portanto, o pai investiu menos do que seu
quinhão justo (i.e., 50 por cento) de recursos na descendência. Como cada espermatozóide é tão
pequeno, um macho pode permitir-se fazer vários milhões todo dia. Isto significa que ele é
potencialmente capaz de gerar um grande número de filhos num período de tempo muito curto,
utilizando diferentes fêmeas. Isto só é possível porque cada novo embrião, em cada caso, recebe
alimento adequado da mãe. Isto, portanto, estabelece um limite ao número de filhos que uma fêmea
pode ter, mas o número de filhos que um macho pode ter é virtualmente ilimitado. A exploração da
fêmea começa aqui.
Parker e outros mostraram como essa assimetria poderá ter evoluído a partir de uma situação
originalmente isogâmica. No tempo quando todas as células sexuais eram permutáveis e
aproximadamente do mesmo tamanho, teria havido algumas que acidentalmente eram um pouco
maior do que as outras. Sob certos aspectos um isogameta grande teria vantagem sobre um de
tamanho médio, porque ele propiciaria um bom começo a seu embrião fornecendo-lhe um grande
suprimento inicial de alimento. Poderá ter havido, portanto, uma tendência evolutiva em direção a
gametas maiores. Mas há um senão. A evolução de isogametas maiores do que o estritamente
necessário teria aberto as portas à exploração egoísta. Os indivíduos que produzissem gametas
menores do que a média começariam a exploração, desde que pudessem garantir que seus gametas
pequenos se fundissem com aqueles excepcionalmente grandes. Isto poderia ser conseguido
tornando os gametas menores mais móveis e capazes de procurar ativamente os maiores. A
vantagem para um indivíduo de produzir gametas pequenos e rápidos seria permitir-se fazer um
grande número de gametas e portanto ter potencialmente mais filhos. A seleção natural favoreceu a
produção de células sexuais pequenas e que procuravam ativamente as grandes para com elas se
fundirem. Podemos pensar,então,em duas "estratégias" sexuais divergentes evoluindo. Havia o
grande investimento ou estratégia "honesta". Esta automaticamente abriu caminho para uma
estratégia exploradora de pequeno investimento ou "traiçoeira". Assim que a divergência entre as
duas estratégias tivesse começado, ela teria continuado sem dificuldade. Os intermediários de
tamanho médio teriam sido punidos, pois não desfrutavam das vantagens de nenhuma das duas
estratégias mais extremadas. Os gametas traiçoeiros teriam desenvolvido um tamanho cada vez
menor e mobilidade maior. Os honestos teriam desenvolvido um tamanho cada vez maior para
compensar o investimento cada vez menor dos traiçoeiros; e tornaram-se imóveis porque sempre
seriam ativamente perseguidos pelos traiçoeiros, de qualquer forma. Cada gameta honesto
"preferiria" fundir-se com um outro honesto, mas a pressão seletiva (página 40) para excluir os
traiçoeiros teria sido mais fraca do que a pressão sobre esses últimos para que se esquivassem ao
cerco: os traiçoeiros tinham mais a perder e portanto venceram a batalha evolutiva. Os gametas
honestos tornaram-se óvulos e os traiçoeiros tornaram-se espermatozóides.
Os machos, então, parecem ser criaturas bastante inúteis e baseando-nos apenas no "bem da
espécie" poderíamos esperar que tornar-se-iam menos numerosos do que as fêmeas. Como um
macho teoricamente pode produzir espermatozóides em número suficiente para manter um harém de
100 fêmeas, poderíamos supor que as fêmeas devessem superar os machos nas populações animais
de 100 para 1. Outras maneiras de dizer isto seriam que o macho é mais "sacrificável" e a fêmea
mais "valiosa" para a espécie. Encarando-se do ponto de vista da espécie como um todo, é claro, isto
92
é perfeitamente verdadeiro. Para mencionar um exemplo extremo, em um estudo de leões marinhos,
4 por cento dos machos foram responsáveis por 88 por cento de todas as cópulas observadas. Neste
caso e em muitos outros, há grande excesso de machos solteiros que provavelmente nunca terão
chance de copular em toda sua vida. Mas, fora isto, esses machos em excesso levam vidas normais e
comem os recursos alimentares da população com a mesma fome dos outros adultos. Do ponto de
vista do "bem da espécie" isto é horrivelmente esbanjador; os machos em excesso podem ser
considerados parasitas sociais. Este é apenas um exemplo das dificuldades com as quais a teoria da
seleção de grupo se depara. A teoria do gene egoísta, por outro lado, não tem nenhum problema em
explicar o fato dos números de machos e fêmeas tenderem a ser iguais, mesmo quando os machos
que realmente se reproduzem constituem uma pequena fração do número total. A explicação foi pela
primeira vez oferecida por R. A. Fisher.
O problema de quantos machos e fêmeas nascem é um caso especial de um problema de
estratégia parental. Da mesma forma como discutimos o tamanho ótimo da família para um dos pais
individualmente tentando maximizar a sobrevivência de seus genes, podemos também discutir a
proporção ótima entre os sexos. Será melhor confiar seus preciosos genes a filhos ou a filhas?
Suponha que uma mãe investisse todos seus recursos em filhos e, portanto, não lhe sobrasse nada
para investir em filhas: contribuiria ela, em média, mais para o "fundo" de genes do futuro do que
uma mãe rival que houvesse investido em filhas? Os genes para preferir filhos tornam-se mais ou
menos numerosos do que os genes para preferir filhas? O que Fisher mostrou é que em
circunstâncias normais a proporção ótima entre os sexos é de 50:50. A fim de ver porque,
precisamos primeiro saber alguma coisa sobre a mecânica da determinação dos sexos.
Nos mamíferos, o sexo é determinado geneticamente da seguinte maneira. Todos os óvulos
são capazes de se desenvolverem quer num macho, quer numa fêmea. É o espermatozóide que
carrega os organismos que determinam os cromossomos. Metade dos espermatozóides produzidos
por um homem são produtores de mulheres, ou espermatozóides X, e metade são produtores de
homens, ou espermatozóides Y. Os dois tipos de espermatozóides são semelhantes. Diferem apenas
com relação a um cromossomo. Um gene para fazer com que um pai tenha apenas filhas poderia
atingir seu objetivo fazendo-o produzir apenas espermatozóides X. Um gene para fazer com que
uma mãe tenha apenas filhas poderia funcionar fazendo-a secretar um espermicida seletivo, ou
fazendo-a abortar os embriões masculinos. O que procuramos é alguma coisa equivalente a uma
estratégia evolutivamente estável (EEE), embora aqui, ainda mais do que no capítulo sobre agressão,
estratégia é apenas um modo de dizer. Um indivíduo não pode literalmente escolher o sexo de seus
filhos. Mas, genes para tender-se a ter filhos de um sexo ou do outro são possíveis. Se supusermos
que tais genes favorecedores de proporções desiguais dos sexos existem, teriam quaisquer deles
probabilidade de se tornarem mais numerosos no "fundo" do que seus alelos rivais, os quais
favorecem proporção igual entre os sexos?
Suponha que nos leões marinhos mencionados acima se originasse um gene mutante que
tivesse a tendência a fazer os pais terem principalmente filhas. Como não há falta de machos na
população, as filhas não teriam dificuldade em achar parceiros sexuais e o gene para fabricar filhas
poderia se difundir. A proporção entre os sexos na população poderia então começar a deslocar-se
em direção a um excesso de fêmeas. Do ponto de vista do bem da espécie isto seria bom, pois
poucos machos são perfeitamente capazes de fornecer todos os espermatozóides necessários até
mesmo para um enorme excesso de fêmeas, como já vimos. Superficialmente, portanto, poderíamos
esperar que o gene produtor de fêmeas continuasse a se espalhar até que a proporção entre os sexos
estivesse tão desequilibrada que os poucos machos restantes, esgotando-se completamente, mal
fossem suficientes. Agora, porém, pense na enorme vantagem genética que será desfrutada pelos
poucos pais que têm filhos. Qualquer um que invista em um filho terá uma boa chance de ser o avô
de centenas de leões marinhos. Aqueles que estão produzindo apenas filhas têm garantidos alguns
netos, mas isto não é nada comparado com as possibilidades genéticas gloriosas que se abrem
àqueles especializados em filhos. Os genes para produzir filhos, portanto, tenderão a se tornarem
mais numerosos e o pêndulo retornará.
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Por simplicidade me expressei em termos de oscilação de um pêndulo. Na prática o pêndulo
nunca poderia oscilar para tão longe na direção do predomínio das fêmeas, pois a pressão para ter
filhos teria começado a empurrá-lo de volta assim que a proporção entre os sexos se tornasse
desigual. A estratégia para produzir números iguais de machos e fêmeas é evolutivamente estável no
sentido de que qualquer gene para desviar-se dela ocasiona uma perda líquida.
Contei a história em termos de números de filhos em relação ao número de filhas. Isto para
torná-la simples, mas a rigor ela deveria ser elaborada em termos de investimento parental,
referindo-se a todo alimento e outros recursos que os pais têm a oferecer, medido da maneira
discutida no capítulo anterior. Os pais deveriam investir igualmente em filhos e filhas. Isto
normalmente significa que eles deveriam ter numericamente a mesma quantidade de filhos e filhas.
Mas poderia haver proporções desiguais entre os sexos que fossem evolutivamente estáveis, desde
que quantidades proporcionalmente desiguais de recursos fossem investidas em filhos e filhas. No
caso dos leões marinhos, poderia ser estável uma política de ter três vezes mais filhos do que filhas,
mas fazer de cada um desses últimos um supermacho, investindo nele três vezes mais alimento e
outros recursos. Investindo mais alimento em um filho e tornando-o grande e forte, um pai poderá
aumentar suas chances de vencer o prêmio supremo de um harém. Mas este é um caso especial.
Normalmente a quantidade investida em cada filho será aproximadamente igual à quantidade
investida em cada filha; a proporção entre os sexos, em termos de números, é geralmente um para
um.
Em sua longa viagem através das gerações, portanto, um gene médio gastará
aproximadamente metade de seu tempo em corpos de machos e a outra metade em corpos de
fêmeas. Alguns efeitos dos genes só se mostram nos corpos de um dos sexos. Esses são chamados
de efeitos gênicos ligados ao sexo. Um gene que controle o tamanho do pênis só expressa esse efeito
nos corpos dos machos, mas ele também é transportado nos corpos das fêmeas e poderá ter um
efeito bastante diferente nesses últimos. Não há motivo para supor que um homem não possa herdar
de uma mãe a tendência a desenvolver um pênis longo.
Não importa em qual dos dois tipos de corpos ele se encontre, poderemos esperar que um gene
faça o melhor uso das oportunidades oferecidas por aquele tipo de corpo. Essas oportunidades
poderão muito bem ser diferentes dependendo de se o corpo é masculino ou feminino. Como uma
aproximação conveniente, podemos novamente supor que cada corpo é uma máquina egoísta
tentando fazer o melhor para todos os seus genes. A melhor política para uma máquina egoísta deste
tipo freqüentemente será uma se ela for um macho e outra diferente se ela for uma fêmea. Para
resumir novamente usaremos a convenção de pensar no indivíduo como se ele tivesse umobjetivo
consciente. Como anteriormente,nos lembraremos que isto é apenas uma figura de linguagem. Um
corpo é, na realidade, uma máquina programada cegamente por seus genes egoístas.
Considere novamente o par acasalado com o qual começamos o capítulo. Ambos os parceiros,
como máquinas egoístas, "querem" filhos e filhas em números iguais. Até aqui eles concordam.
Onde eles discordam é sobre quem suportará o peso do custo de criar cada um desses filhos. Cada
indivíduo quer tantos filhos sobreviventes quanto possível. Quanto menos ele ou ela for obrigado ou
obrigada a investir em cada um desses filhos, mais filhos ele ou ela poderá ter. A maneira óbvia de
conseguir esta situação desejável é induzir seu parceiro sexual a investir mais do que seu quinhão de
recursos em cada filho, deixando você livre para ter outros filhos com outros parceiros. Esta seria
uma estratégia desejável para qualquer um dos sexos, mas mais difícil para a fêmea conseguir.
Como ela começa investindo mais do que o macho, sob a forma de seu óvulo grande e rico em
alimento, no momento da concepção a mãe já está mais "comprometida" com cada filho do que o
pai. Ela se predispõe a perder mais se o filhote morrer do que o pai. Mais objetivamente, ela teria
que investir mais do que o pai no futuro, a fim de trazer um novo filhote substitutivo ao mesmo nível
de desenvolvimento. Se ela tentasse a tática de deixar o pai segurando o bebê enquanto fugia com
outro macho, o pai poderia, com um custo relativamente pequeno para si, retaliar abandonando
também o filhote. Pelo menos nos primeiros estágios do desenvolvimento do filhote, portanto, se
houver alguma deserção provavelmente será o pai abandonando a mãe e não vice-versa. Da mesma
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forma, pode-se esperar que as fêmeas invistam mais nos filhotes do que os machos, não apenas
desde o começo, mas durante todo o desenvolvimento. Assim, nos mamíferos, por exemplo, é a
fêmea que incuba o feto em seu próprio corpo, é a fêmea que produz o leite para amamentá-lo
quando ele nasce, e é ela ainda que carrega o peso de criá-lo e protegê-lo. O sexo feminino é
explorado e a base evolutiva fundamental da exploração é o fato dos óvulos serem maiores do que
os espermatozóides.
Em muitas espécies, é claro, o pai de fato trabalha árdua e fielmente tomando contados
filhotes. Mas, mesmo assim, devemos esperar que normalmente haverá certa pressão evolutiva sobre
os machos, no sentido de investirem um pouco menos em cada filho e tentarem ter mais filhotes com
fêmeas diferentes. Com isto simplesmente quero dizer que haverá uma tendência para terem sucesso
no "fundo" os genes que dizem "Corpo , se você é um macho, abandone sua parceira um pouco mais
cedo que meu alelo rival induziria você a fazer e procure outra fêmea". Até que ponto essa pressão
evolutiva realmente prevalece na prática varia muito de espécie para espécie. Em muitas delas, por
exemplo nas aves do paraíso, a fêmea não recebe absolutamente qualquer ajuda do macho; ela cria
os filhotes sozinha. Outras espécies, como as gaivotas do gênero Rissa, formam pares monógamos
de fidelidade exemplar e ambos os parceiros cooperam na tarefa de criar filhotes. Aqui devemos
supor que
uma contra-pressão evolutiva está atuando: deve haver uma penalidade relacionada à
estratégia egoísta de exploração do parceiro, assim como um benefício, e nessas gaivotas a
penalidade supera o benefício. Em qualquer caso, só valerá a pena para um pai abandonar sua
mulher e filho se esta tiver uma probabilidade razoável de criar o filhote por si mesma.
Trivers considerou as possíveis linhas de ação abertas a uma mãe abandonada por seu
parceiro. O melhor para ela seria tentar enganar outro macho e fazê-lo adotar seu filhote, "pensando"
ser o dele. Isto poderá não ser muito difícil se o filhote ainda for um feto, ainda não nascido.
Evidentemente, o filhote carrega metade dos genes da mãe, mas não carrega nenhum gene do pai
adotivo ingênuo. A seleção natural puniria severamente tal ingenuidade nos machos e, de fato,
favoreceria machos que tratassem de matar quaisquer filhos adotivos em potencial assim que se
acasalassem com uma nova fêmea. Muito provavelmente é esta a explicação para o chamado efeito
de Bruce: os camundongos machos secretam uma substância química a qual, quando cheirada por
uma fêmea grávida, pode fazê-la abortar. Ela só abortará se o cheiro for diferente daquele de seu
parceiro anterior. Desta maneira um camundongo macho destrói seus filhos adotivos em potencial e
torna sua nova fêmea receptiva a seus próprios avanços sexuais. Ardrey, a propósito, vê no efeito de
Bruce um mecanismo de controle populacional! Um exemplo semelhante é o dos leões machos, os
quais, quando chegam a uma alcatéia algumas vezes matam os filhotes existentes, presumivelmente
porque não são seus próprios filhotes.
Um macho pode obter o mesmo resultado sem matar necessariamente os filhos adotivos. Ele
pode impingir um período de corte prolongada antes de copular com a fêmea, afugentando todos os
outros machos que se aproximem dela e impedindo-a de escapar. Desta maneira ele pode esperar e
verificar se ela abriga pequenos filhotes adotivos em seu útero e abandoná-la se for o caso. Veremos
adiante um motivo pelo qual uma fêmea poderá querer um longo período de "noivado" antes da
copulação. Aqui temos um motivo para um macho querê-lo também. Desde que ele possa isolá-la de
todo contato com outros machos, este período de noivado ajuda a evitar que ele seja o benfeitor
involuntário dos filhotes de outro macho.
Supondo então que uma fêmea abandonada não possa enganar um novo macho e fazê-lo
adotar seu filhote, o que mais poderá ela fazer? Muita coisa poderá depender da idade do filhote. Se
ele for recém-concebido ela, sem dúvida, investiu todo um óvulo e talvez mais, mas ainda poderá ser
vantajoso abortá-lo e encontrar um novo parceiro o mais rapidamente possível. Nessas
circunstâncias seria mutuamente vantajoso para ela e para o novo marido em potencial que ela
abortasse - uma vez que estamos supondo que ela não tem esperança de enganá-lo e induzi-lo a
adotar o filhote. Isto poderia explicar porque o efeito de Bruce funciona do ponto de vista da fêmea.
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Outra opção aberta à fêmea abandonada é resistir e tentar criar o filhote sozinha. Isto lhe será
especialmente vantajoso se o filhote já for bastante velho. Quanto mais velho ele for mais já terá
sido investido nele e menos será exigido dela para terminar a tarefa de criá-lo. Mesmo se ele ainda
for bastante jovem, ainda poderá ser vantajoso para ela tentar salvar alguma coisa de seu
investimento inicial, mesmo que ela tenha que trabalhar duplamente para alimentá-lo, agora que o
macho foi embora. Não lhe consola o fato do filhote conter metade dos genes do macho também e
ela poder ofender este último abandonando o filhote. De nada adianta a ofensa em si. O filhote
carrega metade de seus genes e o dilema agora é apenas seu.
Paradoxalmente, uma política razoável para uma fêmea ameaçada de ser abandonada poderá
ser deixar o macho antes que ele a deixe. Isto poderia ser vantajoso para ela, mesmo que ela já tenha
investido mais no filhote do que o macho. A verdade desagradável é que em certas circunstâncias a
vantagem advem ao parceiro que desertar primeiro, seja ele o pai ou a mãe. Nas palavras de Trivers,
o parceiro deixado para trás defronta-se com um dilema cruel. É um argumento horrível mas muito
sutil. Pode-se esperar que um dos pais deserte no momento quando lhe for possível dizer o seguinte:
"Este filhote está agora desenvolvido o suficiente para que um de nós possa terminar de criá-lo
sozinho. Portanto, ser-me-ia vantajoso desertar agora, desde que eu pudesse ter certeza que meu
parceiro não desertaria também. Se eu desertasse agora, meu parceiro faria o que for melhor para
seus genes. Ele seria forçado a tomar uma decisão mais drástica do que a que estou tomando agora,
pois eu já teria partido. Meu parceiro "saberia" que se ele partisse também o filhote certamente
morreria. Supondo, portanto, que meu parceiro tomará a decisão mais acertada para seus próprios
genes egoístas, concluo que minha melhor linha de ação é desertar primeiro. E isto é especialmente
verdade, pois meu parceiro talvez esteja "pensando" exatamente a mesma coisa e poderá tomar a
iniciativa a qualquer momento abandonando-me!" Como sempre, o solilóquio subjetivo pretende
apenas ilustrar. O importante é que os genes para desertar primeiro poderiam ser selecionados
favoravelmente apenas porque os genes para desertar em segundo lugar não o seriam.
Examinemos algumas das coisas que uma fêmea poderá fazer se foi abandonada por seu
parceiro. Mas todas elas parecem visar se obter dos males o menor. Há alguma coisa que uma fêmea
possa fazer para reduzir a exploração de seu parceiro? Ela tem um forte trunfo em mãos; pode
recusar-se a copular. Ela está em demanda, num mercado de vendedores. E isto porque traz o dote
de um óvulo grande e nutritivo. O macho que tem sucesso em copular ganha valiosa reserva
alimentar para sua prole. A fêmea está, potencialmente, em posição de regatear antes de copular.
Assim que ela copula descarta seu ás - seu óvulo é empenhado ao macho. Podemos falar em
regatear, mas sabemos muito bem que não é realmente assim. Há alguma maneira realista pela qual
alguma coisa equivalente a regatear pudesse evoluir por seleção natural? Analisarei duas
possibilidades mais importantes, chamadas de estratégia da bem-aventurança doméstica e estratégia
do macho viril.
A versão mais simples da estratégia da bem-aventurança doméstica é a seguinte. A fêmea
examina os machos e tenta detectar previamente sinais de fidelidade e domesticidade. Certamente
haverá variação na população de machos quanto a sua predisposição a serem maridos fiéis. Se as
fêmeas pudessem reconhecer essas qualidades de antemão, elas poderiam se beneficiar escolhendo
os machos que as possuíssem. Uma maneira de uma fêmea fazê-lo é "se fazer de difícil" durante um
longo tempo, ser recatada. Qualquer macho que não se mostre paciente o suficiente para esperar até
que a fêmea eventualmente consinta em copular, provavelmente terá pouca chance de ser um marido
fiel. Insistindo num longo período de noivado a fêmea elimina pretendentes casuais e finalmente só
copula com um macho que tenha provado de antemão suas qualidades de fidelidade e perseverança.
A timidez feminina, de fato, é muito comum entre os animais, assim como períodos prolongados de
corte ou noivado. Como já vimos, um noivado longo pode também beneficiar um macho onde haja o
perigo dele ser levado a cuidar do filhote de outro macho.
Os rituais de corte freqüentemente incluem considerável investimento pré-copulatório por
parte do macho. A fêmea poderá recusar a copular até que o macho lhe tenha construído um ninho.
Ou o macho talvez tenha que alimentá-la com quantidades substanciais de alimento. Isto,
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evidentemente, é muito bom do ponto de vista da fêmea, mas também sugere outra versão possível
da estratégia da bem-aventurança doméstica. Poderiam as fêmeas forçar os machos a investir tanto
em sua prole antes de permitirem a copulação que não seria mais vantajoso para eles desertar após a
copulação? A idéia é atraente. Um macho que espera por uma fêmea tímida com a qual
eventualmente copular está pagando em preço: está renunciando à chance de copular com outras
fêmeas e está gastando muito tempo e energia em cortej á-la. Quando finalmente lhe for permitido
copular com determinada fêmea, ele inevitavelmente estará fortemente "comprometido" com ela.
Haverá, para ele, pouca tentação em abandoná-la se ele sabe que qualquer fêmea da qual se
aproxime no futuro também delongar-se-á da mesma maneira até que possam ir ao que interessa.
Como mostrei em um artigo, há um erro no raciocínio de Trivers neste ponto. Ele pensou que
o investimento antecipado em si comprometia o indivíduo a um investimento futuro. Isto é
Economia falaciosa. Um homem de negócios nunca deveria dizer "Já investi tanto no avião
Concorde (por exemplo) que não posso me dar ao luxo de mandá-lo para o ferro-velho agora". Em
vez disto ele sempre deveria se perguntar se seria vantajoso, no futuro, suspender suas perdas e
abandonar o projeto agora, mesmo que ele já tenha investido muito nele. Da mesma maneira, de
nada adianta uma fêmea forçar um macho a investir muito nela na esperança de que isto em si
impeça que ele mais tarde a abandone. Esta versão da estratégia da bem-aventurança doméstica
depende de uma outra pressuposição crucial. E esta é que se possa confiar que a maioria das fêmeas
farão o mesmo jogo. Se houver fêmeas devassas na população, dispostas a aceitar machos que
tenham abandonado suas mulheres, então poderia ser vantajoso para um macho abandonar sua
mulher, não importando quanto ele já tivesse investido nos filhos.
Muita coisa, portanto, depende de como a maioria das fêmeas se comporta. Se nos fosse
permitido pensar em termos de uma conspiração de fêmeas não haveria problema. Mas, uma
conspiração de fêmeas não pode evoluir, assim como a conspiração de pombos que consideramos no
Capítulo 5 também não pode. Em vez disto devemos procurar estratégias evolutivamente estáveis.
Tomemos o método de Maynard Smith de análise de disputas agressivas e apliquemo-lo ao sexo.
Será um pouco mais complicado do que o caso dos gaviões e pombos, porque teremos duas
estratégias de fêmeas e duas estratégias de machos.
Como na análise de Maynard Smith, a palavra "estratégia" se refere a um programa de
comportamento cego e inconsciente. As duas estratégias femininas serão chamadas tímida e rápida,
e as duas estratégias masculinas serão chamadas fiel e galanteador. As regras de comportamento dos
quatro tipos são as seguintes. Fêmeas tímidas não copularão com um macho até que ele tenha
passado por um período longo e dispendioso de corte, durando várias semanas. As fêmeas rápidas
copularão imediatamente com qualquer macho. Os machos fiéis estão dispostos a cortejar por um
longo período; após a copulação eles ficam com a fêmea e ajudam-na a criar os filhotes. Os machos
galanteadores perdem a paciência rapidamente se uma fêmea não quiser copular com eles de
imediato: vão embora e procuram outra fêmea; após a copulação também não permanecem agindo
como bons pais, mas saem em busca de novas fêmeas. Como no caso dos gaviões e pombos, essas
não são as únicas estratégias possíveis, mas de qualquer forma é esclarecedor estudar o que acontece
com elas.
Como Maynard Smith, usaremos alguns valores hipotéticos arbitrários para os vários custos e
benefícios. Para generalizar pode-se usar símbolos algébricos, mas os números são mais fáceis de
entender. Suponha que o resultado genético obtido por cada um dos pais quando um filhote é criado
com sucesso seja +15 unidades. O custo de criar um filhote, o custo de todo seu alimento, todo o
tempo gasto tomando conta dele e todos os riscos corridos por ele é igual a - 20 unidades. O custo é
representado por um número negativo porque ele é "pago" pelos pais. O custo de perder tempo com
uma corte prolongada também é negativo; seja este custo -3 unidades.
Suponha que tenhamos uma população na qual todas as fêmeas são tímidas e todos os machos
são fiéis. Esta é uma sociedade monogâmica ideal. Em cada casal o macho e a fêmea obtêm, ambos,
o mesmo resultado médio. Eles obtêm +15 para cada filhote criado; compartilham o custo de criá-lo
(20) igualmente entre si, uma média de -10 para cada um. Ambos pagam a penalidade de -3 pontos
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por perder tempo numa corte prolongada. O resultado médio para cada um, portanto, será +15-10 =
+2.
Agora suponha que uma única fêmea rápida entre na população. Ela terá grande sucesso. Ela
não paga o custo da demora, pois não se entrega a uma corte prolongada. Como todos os machos da
população são fiéis, ela pode ter certeza de encontrar um bom pai para seus filhos, não importa com
quem se acasale. Seu resultado médio por filho será +15-10 = +5. Ela tem 3 unidades de vantagem
sobre suas rivais tímidas. Os genes para rapidez, portanto, começarão a se difundirem.
Se o sucesso das fêmeas rápidas for tão grande que elas começam a predominar na população,
as coisas começarão a mudar do lado dos machos também. Até aqui os machos fiéis tiveram o
monopólio. Mas agora, se um macho galanteador surgir na população, ele começará a se sair melhor
do que seus rivais fiéis. Numa população onde todas as fêmeas são rápidas, os lucros de um macho
galanteador são realmente abundantes. Ele obtém os +15 pontos se um filhote for criado com
sucesso e não paga nenhuma das duas despesas. O que esta ausência de custos basicamente significa
para ele é que ele está livre para sair e se acasalar com novas fêmeas. Cada uma de suas
desafortunadas mulheres continua a lutar sozinha com o filhote, pagando todo o custo de -20 pontos,
embora nada pague por gastar tempo com a corte. O resultado líquido para uma fêmea rápida
quando ela encontra um macho galanteador é +15 20 = -5; o resultado para o galanteador é +15. Em
uma população na qual todas as fêmeas são rápidas, os genes dos galanteadores se espalharão como
varíola.
Se os galanteadores aumentarem com tanto sucesso que passam a dominar a parte masculina
da população, as fêmeas rápidas se verão em uma situação difícil. Qualquer fêmea tímida teria uma
grande vantagem. Se uma fêmea tímida encontra um macho galanteador nada acontece. Ela insiste
numa corte prolongada; ele recusa e sai em busca de outra fêmea. Nenhum dos dois parceiros paga o
preço de gastar tempo. Nenhum dos dois ganha qualquer coisa tampouco, pois nenhum filhote é
produzido. Isto dá um resultado líquido de zero para uma fêmea tímida em uma população na qual
todos os machos são galanteadores. Zero poderá não parecer muito, mas é melhor do que -5, a
contagem média para uma fêmea rápida. Mesmo que uma fêmea rápida decidisse abandonar seu
filhote depois de ter sido deixada por um galanteador, ela ainda teria pago o preço considerável de
um óvulo. Assim, os genes para timidez começam a se difundir pela população novamente.
Para completar o ciclo hipotético, quando as fêmeas tímidas aumentam em número até que
predominem, os machos galanteadores, os quais tiveram tanto sucesso com as fêmeas rápidas,
começam a se ver em apuros. Fêmea após fêmea insiste numa corte longa e difícil. Os galanteadores
pulam de uma para outra, mas a história é sempre a mesma. O resultado líquido para um macho
galanteador quando todas as fêmeas são tímidas é zero. Porém, se um macho fiel aparecer, ele será o
único com o qual as fêmeas tímidas se acasalarão. Seu resultado líquido será +2, melhor do que
aquele dos galanteadores. Assim, os genes para fidelidade começam a aumentar e voltamos ao ponto
de partida.
Como no caso da análise da agressão, contei a história como se ela fosse uma oscilação sem
fim. Mas, como naquele caso, pode-se mostrar que na realidade não haveria oscilação. O sistema
convergiria a um estado estável. Se você fizer as contas, verá que uma população na qual 5/6 das
fêmeas são tímidas e 5/8 dos machos são fiéis é evolutivamente estável. Isto, evidentemente, só se
aplica aos números arbitrários em particular com os quais começamos, mas é fácil determinar quais
seriam as proporções para quaisquer outras pressuposições arbitrárias.
Como nas análises de Maynard Smith, não precisamos pensar que haja dois tipos diferentes de
machos e dois tipos de fêmeas. A EEE poderia ser igualmente alcançada se cada macho gastar 5/8
de seu tempo sendo fiel e o resto sendo galanteador, e cada fêmea gastar 5/6 sendo tímida e 1/6
sendo rápida. Não importa como nós imaginemos a EEE, o que ela significa é o seguinte. Qualquer
tendência dos membros de qualquer um dos sexos a se desviar da proporção estável adequada será
punida por uma mudança resultante na proporção de estratégias do outro sexo, a qual será, por sua
vez, desvantajosa para aquele que se desviou originalmente. A EEE, portanto, será preservada.
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Podemos concluir que certamente é possível uma população consistindo em grande parte de
fêmeas tímidas e machos fiéis desenvolver-se. Nessas circunstâncias a estratégia da
bem-aventurança doméstica para as fêmeas realmente parece funcionar. Não precisamos pensar em
termos de uma conspiração de fêmeas tímidas. A timidez pode, realmente, ser vantajosa para os
genes egoístas de uma fêmea.
Há várias maneiras pelas, quais as fêmeas podem por em prática esse tipo de estratégia. Já
sugeri que uma fêmea poderá recusar-se a copular com um macho que ainda não tenha construído
um ninho, ou pelo menos que não a tenha ajudado a construí-lo. De fato ocorre que em muitas aves
monógamas a copulação não se dá até depois do ninho ter sido construído. O efeito disto é que no
momento da concepção o macho investiu no filhote muito mais do que apenas seus espermatozóides
baratos.
Exigir que um parceiro em potencial construa um ninho é uma maneira efetiva de uma fêmea
segurá-lo. Poder-se-ia pensar que quase qualquer coisa que custe muito ao macho teoricamente
serviria, mesmo que este custo não seja diretamente pago sob a forma de benefício ao filhote não
nascido. Se todas as fêmeas de uma população forçassem os machos a realizar uma façanha difícil e
custosa, como matar um dragão ou escalar uma montanha, antes de consentirem em copular, elas
teoricamente poderiam estar reduzindo a tentação dos machos de desertar após a cópula. Qualquer
macho tentado a desertar sua parceira e a espalhar maior número de seus genes com outra fêmea,
seria desencorajado pela idéia de ter que matar outro dragão. Na prática, no entanto, é pouco
provável que as fêmeas impusessem a seus pretendentes tarefas arbitrárias como matar dragões ou
procurar o Santo Graal. O motivo é que uma fêmea rival que impusesse uma tarefa não menos
árdua, mas mais útil para si e seus filhotes teria vantagem sobre as fêmeas mais românticas que
exigissem uma proeza de amor inútil. Construir um ninho talvez seja menos romântico do que matar
um dragão ou atravessar o Helesponto à nado, mas é muito mais útil.
Igualmente útil à fêmea é a prática que já mencionei, de alimentação de cortejamento pelo
macho. Em aves isto tem sido em geral considerado um tipo de regressão ao comportamento infantil
por parte da fêmea. Ela implora do macho, usando os mesmos gestos que um filhote usaria. Tem-se
assumido que isto é automaticamente estimulante para o macho, da mesma maneira como um
homem acha a fala afetada ou lábios estendidos atraentes em uma mulher adulta. A ave fêmea por
esta época necessita de todo alimento extra que puder obter, pois está aumentando suas reservas para
o esforço de produzir seus ovos enormes. A alimentação de cortejamento pelo macho provavelmente
representa seu investimento direto nos próprios ovos; tem, portanto, o efeito de reduzir a disparidade
entre os pais em seu investimento inicial nos filhotes.
Vários insetos e aranhas também demonstram o fenômeno da alimentação de cortejamento.
Aqui, uma interpretação alternativa tem, algumas vezes, sido óbvia demais. Uma vez que o macho,
como o caso do louva-a-deus, poderá estar a perigo de ser comido pela fêmea maior, qualquer coisa
que ele possa fazer para reduzir seu apetite ser-lhe-á vantajoso. Há um sentido macabro no qual se
pode dizer que o louva-a-deus investe em seus filhos. Ele é usado como alimento para ajudar a fazer
os óvulos, os quais serão então fertilizados, postumamente, por seus próprios espermatozóides
armazenados.
Uma fêmea, jogando a estratégia da bem-aventurança doméstica, que simplesmente examine
os machos e tente reconhecer qualidades de fidelidade de antemão, sujeita-se ao logro. Qualquer
macho que se possa fazer passar por um bom tipo doméstico e leal, mas que na realidade esteja
escondendo uma forte tendência à deserção e infidelidade, poderia ter grande vantagem. Desde que
suas mulheres anteriores desertadas tenham alguma chance de criar alguns dos filhotes, o
galanteador poderá transmitir mais genes do que um macho rival que seja um pai e um marido
honestos. Os genes para o engano eficiente por parte dos machos tenderão a serem favorecidos no
"fundo".
Por outro lado, a seleção natural tenderá a favorecer as fêmeas que se tomarem proficientes em
perceber o engano. Uma maneira pela qual elas podem fazê-lo é mostrarem-se especialmente
difíceis quando cortejadas por um macho novo, mas em estações de acasalamento sucessivas
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tornarem-se cada vez mais dispostas a aceitarem rapidamente os avanços do parceiro do ano
anterior. Isto automaticamente punirá os machos jovens estreando sua primeira estação de
acasalamento, sejam eles enganadores ou não. A ninhada de fêmeas ingênuas do primeiro ano
tenderia a conter uma proporção relativamente alta de genes oriundos de pais infiéis, mas os pais
fiéis têm vantagem nos anos subseqüentes da vida de uma mãe, pois eles não têm que passar pelos
mesmos rituais de acasalamento prolongados que consomem tempo e desperdiçam energia. Se a
maioria dos indivíduos em uma popul ação for constituída por filhos de mães experientes - uma
suposição razoável em qualquer espécie de vida longa - os genes para paternidade honesta e
apropriada prevalecerão no "fundo".
Para simplificar supus que o macho é ou inteiramente honesto ou completamente enganador.
Na realidade, será mais provável que todos os machos, de fato todos os indivíduos, sejam um pouco
enganadores, no sentido de que estão programados para tirar vantagem de oportunidades para
explorar seus parceiros. A seleção natural, aguçando a habilidade de cada parceiro para detectar
desonestidade no outro, manteve o fraude em níveis bastante baixos. Os machos têm mais a ganhar
com a desonestidade do que as fêmeas; devemos esperar que mesmo nas espécies onde os machos
mostram considerável altruísmo paterno, eles geralmente tendem a trabalhar um pouco menos do
que as fêmeas e a estar um pouco mais predispostos a evadirem-se. Em aves e mamíferos isto é, com
certeza, o que normalmente ocorre.
Há espécies, no entanto, nas quais o macho realmente tem mais trabalho em cuidar dos filhotes
do que a fêmea. Entre as aves e os mamíferos esses casos de devoção paterna são extremamente
raros, mas eles são comuns entre os peixes. Por que? Este é um desafio à teoria do gene egoísta que
tem me intrigado por muito tempo. Uma solução engenhosa foi-me recentemente sugerida por uma
orientada minha, Srta. T. R. Carlisle. Ela usa a idéia de Trivers da "ligação cruel", mencionada
acima, da seguinte maneira.
Muitos peixes não copulam, mas em vez disto simplesmente expelem suas células sexuais para
a água. A fertilização ocorre na água, não dentro do corpo de um dos parceiros. É assim que a
reprodução sexual provavelmente começou. Os animais terrestres como as aves, mamíferos e
répteis, por outro lado, não se podem permitir este tipo de fertilização externa, pois suas células
sexuais são muito vulneráveis ao dessecamento. Os gametas de um dos sexos - o macho, pois os
espermatozóides são móveis - são introduzidos dentro do interior úmido de um elemento do sexo
oposto - a fêmea. Até aqui são fatos; agora vem a idéia. Após a copulação, a fêmea terrestre é
deixada com a posse física do embrião; ele está dentro de seu corpo. Mesmo que ela ponha o ovo
fertilizado quase imediatamente, o macho ainda terá tempo de desaparecer, forçando a fêmea, desta
maneira, a entrar na "ligação cruel". O macho, inevitavelmente, tem a oportunidade de tomar a
primeira decisão de desertar, eliminando as opções da fêmea e forçando-a a decidir se abandona o
filhote à morte certa ou se fica com ele e cria-o. O cuidado materno, portanto, é mais comum entre
os animais terrestres do que o cuidado paterno.
Mas, para os peixes e outros animais aquáticos as coisas são muito diferentes. Se o macho não
introduz fisicamente seus espermatozóides no corpo da fêmea, não há sentido obrigatório no qual a
fêmea é deixada "com o filho". Qualquer um dos parceiros poderá escapar e deixar o outro de posse
dos ovos recém fertilizados. Mas, há até mesmo uma razão possível para explicar porque
freqüentemente seria o macho mais vulnerável a ser abandonado. Parece provável que uma batalha
evolutiva se desenvolverá a respeito de quem expele suas células sexuais em primeiro lugar. O
parceiro que o fizer terá a vantagem de poder deixar o outro, então, de posse de novos embriões. Por
outro lado, o parceiro que expelir suas células sexuais em primeiro lugar corre o risco de seu
parceiro em potencial subseqüentemente não seguir seu exemplo. O macho, porém, é mais
vulnerável, simplesmente porque os espermatozóides são mais leves e têm maior probabilidade de se
difundirem do que os óvulos. Se uma fêmea desovar cedo demais, i.e., antes que o macho esteja
pronto, não terá grande importância, porque os óvulos, sendo bastante grandes e pesados,
provavelmente permanecerão juntos em um grupo coeso por algum tempo. Um peixe fêmea,
portanto, pode-se permitir correr o "risco" de desovar cedo. O macho não ousa correr esse risco, pois
100
se ele expelir seus espermatozóides cedo demais estes terão se dispersado antes que a fêmea esteja
pronta e ela própria não desovará, pois não valerá a pena fazê-lo. Devido ao problema da difusão, o
macho deve esperar que a fêmea desove e então deve expelir seus espermatozóides sobre os óvulos.
Mas ela teve alguns segundos preciosos para desaparecer, deixando o macho de posse dos ovos e
forçando-o no dilema de Trivers. Esta teoria, assim, explica claramente porque o cuidado paterno é
comum na água mas raro na terra.
Deixando os peixes de lado, passo agora para a outra estratégia feminina importante, a
estratégia do macho viril. Nas espécies onde esta política é adotada, as fêmeas, de fato, resignam-se
a não obterem ajuda do pai de seus filhos e dedicam-se inteiramente, em vez disto, a conseguir bons
genes. Mais uma vez elas usam sua arma de recusar a cópula. Elas recusam-se a acasalar-se com
qualquer macho, mas tomam o maior cuidado possível e exercem grande discriminação antes de
deixarem um macho copular com elas. Alguns machos sem dúvida contêm um número maior de
genes bons do que outros machos, genes que beneficiariam as perspectivas de sobrevivência tanto
dos filhos como das filhas. Se uma fêmea puder de alguma forma detectar bons genes nos machos,
usando indicações visíveis externamente, ela poderá beneficiar seus próprios genes associando-os a
bons genes paternos. Para usar nossa analogia dos times de remadores, uma fêmea pode minimizar a
probabilidade de seus genes serem debilitados por se acharem em má companhia. Ela pode tentar
escolher a dedo bons colegas de tripulação para seus próprios genes.
Provavelmente a maioria das fêmeas concordarão entre si sobre quais são os melhores machos,
uma vez que todas elas têm a mesma informação pela qual se guiar. Esses poucos machos felizardos,
portanto, realizarão a maior parte das copulações. E isto eles são bastante capazes de fazer, pois tudo
o que devem dar a cada fêmea são alguns espermatozóides baratos. Presumivelmente foi isto que
aconteceu nos leões marinhos e nas aves-do-paraíso. As fêmeas permitem a apenas alguns machos
de se safarem com a estratégia ideal de exploração egoísta à qual todos os machos aspiram, mas elas
certificam-se de que apenas aos melhores machos se permite este luxo.
Do ponto de vista de uma fêmea tentando escolher bons genes com os quais associar os seus
próprios, o que está ela procurando? Uma coisa que ela quer é evidência de habilidade para
sobreviver. Obviamente, qualquer parceiro que esteja cortejando-a provou sua habilidade para
sobreviver pelo menos até a idade adulta, mas ele não provou necessariamente que pode sobreviver
muito mais tempo. Uma política bastante boa para uma fêmea seria empenhar-se em obter homens
velhos. Quaisquer que sejam suas desvantagens, eles pelo menos provaram que podem sobreviver e
a fêmea provavelmente estará associando seus genes a genes para longevidade. Não adianta, no
entanto, garantir que seus filhos vivam muito se eles também não lhe derem muitos netos. A
longevidade não é evidência prima facie de virilidade. Um macho longevo, de fato, poderá ter
sobrevivido precisamente porque ele não se arrisca a fim de se reproduzir. Uma fêmea que selecione
um macho velho não terá, necessariamente, mais descendentes do que uma fêmea rival que escolha
um jovem o qual mostre alguma outra evidência de genes bons.
Que outra evidência? Há muitas possibilidades. Talvez músculos fortes como evidência de
habilidade para capturar alimento, talvez pernas compridas como evidência de habilidade para fugir
de predadores. Uma fêmea poderá beneficiar seus genes associando-os a tais características, pois
elas poderão ser qualidades úteis tanto em seus filhos como em suas filhas. Para começar, então,
temos que imaginar as fêmeas escolhendo os machos baseadas em rótulos ou indicadores
perfeitamente genuínos, os quais tenham a tendência a ser evidência de bons genes subjacentes.
Mas, aqui há um aspecto muito interessante, notado por Darwin e claramente enunciado por Fisher.
Em uma sociedade na qual os machos competem entre si para serem escolhidos como machos viris
pelas fêmeas, uma das melhores coisas que uma mãe pode fazer por seus genes é produzir um filho
o qual, por sua vez, se revele um macho viril atraente. Se ela puder garantir que seu filho seja,
quando crescer, dos poucos machos afortunados que vencem a maior parte das copulações na
sociedade, ela terá um número enorme de netos. O resultado disto é que uma das qualidades mais
desejáveis que um macho pode ter aos olhos de uma fêmea é, simplesmente, a própria atratividade
sexual. Uma fêmea que se acasale comum macho viril extremamente atraente terá maior
101
probabilidade de ter filhos atraentes às fêmeas da geração seguinte e que produzirão muitos netos
para ela. Originalmente, portanto, pode-se imaginar que as fêmeas selecionam os machos baseados
em qualidades obviamente úteis como músculos grandes, mas assim que tais qualidades se
tornassem amplamente aceitas como sendo atraentes entre as fêmeas de uma espécie, a seleção
natural continuaria a favorecê-las simplesmente porque eram atraentes.
Extravagâncias, tais como as caudas dos machos das aves-do-paraíso, portanto, podem ter
evoluído por um tipo de processo instável de fuga. No começo, uma cauda ligeiramente mais
comprida do que o normal poderá ter sido escolhida pelas fêmeas como uma qualidade desejável nos
machos, talvez por indicar uma constituição saudável e apta. Uma cauda curta em um macho poderá
ter sido uma indicação de alguma deficiência vitamínica - evidência de pouca habilidade em obter
alimento. Ou talvez os machos de cauda curta não pudessem fugir de predadores, de modo que
tinham suas caudas mordidas. Note que não temos que supor que a cauda curta em si tenha sido
herdada geneticamente, basta supor que tenha servido como indicação de alguma inferioridade
genética. Seja como for não importa por que razão, suponhamos que as fêmeas da espécie ancestral
da ave-do-paraíso preferissem machos com caudas mais longas do que o normal. Desde que
houvesse alguma contribuição genética à variação natural no comprimento da cauda dos machos,
esta, com o tempo, causaria um aumento no comprimento médio das caudas dos machos da
população. As fêmeas seguiam uma regra simples: examine todos os machos e escolha aquele com a
cauda mais longa. Qualquer fêmea que se afastasse desta regra era punida, mesmo se as caudas já
tivessem se tornado tão longas que na realidade atrapalhavam os machos que as possuíssem. Isto
porque qualquer fêmea que não produzisse filhos de caudas longas tinha pouca chance de que um de
seus filhos fosse considerado atraente. Como a moda das roupas femininas ou do desenho de carros
americanos, a tendência em direção a caudas mais longas se iniciou e ganhou momento; foi
interrompida apenas quando as caudas se tornaram tão grotescamente longas que suas desvantagens
evidentes começaram a superar a vantagem da atratividade sexual.
Esta é uma idéia difícil de aceitar; ela tem atraído seus céticos desde que Darwin pela primeira
vez a propôs, sob o nome de seleção sexual. Uma pessoa que não acredita nela é A. Zahavi, cuja
teoria da Raposa, raposa já foi mencionada. Ele apresenta seu próprio "princípio da desvantagem",
tremendamente oposto, como uma explicação rival. Ele enfatiza que o próprio fato das fêmeas
tentarem selecionar genes bons entre os machos abre as portas ao fraude por parte desses últimos.
Músculos fortes poderão ser uma qualidade genuinamente boa para uma fêmea selecionar, mas
então, o que impediria os machos de desenvolverem músculos postiços com tanto conteúdo real
quanto ombros acolchoados nos jogadores de futebol americano? Se custar menos a um macho
desenvolver músculos falsos do que verdadeiros, a seleção sexual deveria favorecer os genes para
produzir os primeiros. Não demorará, até a contra-seleção levar à evolução de fêmeas capazes de
perceber o embuste. A premissa básica de Zahavi é que a propaganda sexual eventualmente será
descoberta pelas fêmeas. Ele, portanto, conclui que os machos realmente bem sucedidos serão
aqueles que não fazem propaganda falsa, aqueles que demonstram concretamente que não estão
enganando. Se estivermos falando de músculos potentes, então os machos que simplesmente adotem
uma aparência visual de músculos fortes logo serão detectados pelas fêmeas. Mas, um macho que
demonstre por algo equivalente a levantar pesos ou publicamente fazer flexões que ele realmente
tem músculos fortes, terá sucesso em convencer as fêmeas. Em outras palavras, Zahavi acredita que
um macho viril deverá não apenas aparentar ser um macho de boa qualidade: ele deve realmente
sê-lo, caso contrário não será aceito como tal pelas fêmeas céticas. Apenas as exibições que podem
ser feitas por um macho viril verdadeiro, portanto, se desenvolverão.
Até aqui tudo vai bem. Agora vem a parte da teoria de Zahavi que realmente é difícil aceitar.
Ele sugere que as caudas das aves-do-paraíso e dos pavões, as enormes galhadas dos cervos e outras
características selecionadas sexualmente que sempre pareceram paradoxais por aparentemente serem
desvantajosas a seus possuidores, evoluem precisamente porque são desvantajosas. Um macho com
uma cauda longa e incômoda está anunciando às fêmeas que ele é um macho viril tão forte que pode
sobreviver apesar de sua cauda. Pense numa mulher observando dois homens apostando corrida. Se
ambos chegam ao final no mesmo tempo, mas um deles deliberadamente se sobrecarregou com um
102
saco de carvão às costas, as mulheres naturalmente concluirão que na realidade o homem com o
peso é o corredor mais rápido.
Não acredito nesta teoria, embora não esteja tão confiante em meu ceticismo como estava
quando pela primeira vez a ouvi. Na ocasião lembrei que sua conclusão lógica deveria ser a
evolução de machos com apenas uma perna e um olho. Zahavi, que é originário de Israel,
imediatamente retorquiu: "Alguns de nossos melhores generais têm apenas um olho!" No entanto,
continua o problema de que a teoria da desvantagem parece encerrar uma contradição básica. Se a
desvantagem for genuína - e a essência da teoria é que ela deve sê-lo - então a própria desvantagem
punirá os descendentes tão seguramente quanto ela poderá atrair as fêmeas. É importante, de
qualquer forma, que a desvantagem não seja transmitida às filhas.
Se reformularmos a teoria da desvantagem em termos de genes, teremos mais ou menos o
seguinte. Um gene que faça os machos desenvolverem uma desvantagem, tal como uma cauda
longa, torna-se mais numeroso no "fundo" porque as fêmeas escolhem os machos que apresentam
desvantagens. E as fêmeas escolhem machos que apresentam desvantagens porque os genes que
provocam esta escolha por parte das fêmeas também se tornam freqüentes no "fundo". Isto ocorre
porque as fêmeas com uma predileção por machos com desvantagens automaticamente tenderão a
selecionar machos com genes bons em outros aspectos, pois esses machos sobreviveram até a idade
adulta apesar da desvantagem. Estes "outros" genes bons beneficiarão os corpos dos filhotes, os
quais, portanto, sobrevivem e propagam os genes para a própria desvantagem e também os genes
para escolher os machos com desvantagem. Desde que os genes para a própria desvantagem
exerçam seus efeitos apenas nos filhotes machos, da mesma forma como os genes para a preferência
sexual pela desvantagem afetam as fêmeas, a teoria poderá funcionar. Enquanto ela estiver
formulada apenas em palavras, não poderemos ter certeza se ela funcionará ou não. Obtemos uma
idéia melhor da viabilidade de uma teoria deste tipo quando ela é reformulada em termos de um
modelo matemático. Até agora os geneticistas matemáticos que tentaram transformar o princípio da
desvantagem num modelo praticável não tiveram sucesso. Isto talvez ocorra porque a, teoria não é
um princípio praticável ou porque não somos espertos o suficiente. Um dos geneticistas é Maynard
Smith, e minha intuição favorece a primeira possibilidade.
Se um macho puder demonstrar sua superioridade sobre outros machos de maneira que não
seja necessário colocar-se deliberadamente em desvantagem, ninguém duvidará que possa, assim,
ampliar seu sucesso genético. Os leões marinhos obtêm e mantêm seus haréns não por serem
esteticamente atraentes às fêmeas, mas pelo simples recurso de espancarem qualquer macho que
tente estabelecer-se no harém. Os possuidores de haréns tendem a vencer essas lutas contra os
usurpadores em potencial pela razão óbvia que é por isto que eles são possuidores de haréns. Os
usurpadores não vencem freqüentemente porque se fossem capazes de vencer já o teriam feito antes!
Qualquer fêmea que se acasale apenas com um possuidor de harém, portanto, estará associando seus
genes com um macho forte o suficiente para rechaçar desafios sucessivos do grande excesso de
machos solteiros desesperados. Com um pouco de sorte seus filhotes herdarão a capacidade de seu
pai de manter um harém. Na prática, a fêmea não tem grande escolha, pois o dono do harém
espancar se ela tenta afastar-se. Continua, no entanto, o princípio de que as fêmeas que decidem
acasalar-se com machos que vencem as lutas poderão, ao fazê-lo, beneficiar seus genes. Como
vimos, há exemplos de fêmeas preferindo acasalar-se com machos que possuem territórios e com
machos que têm uma posição alta na hierarquia de dominância.
Resumindo este capítulo até aqui, os vários tipos diferentes de sistemas de reprodução que
encontramos entre os animais- monogamia, promiscuidade, haréns, etc. - podem ser entendidos em
termos de interesses conflitantes entre machos e fêmeas. Os indivíduos de cada sexo "querem"
maximizar sua produção reprodutiva total durante suas vidas. Devido a uma diferença fundamental
entre o tamanho e o número dos espermatozóides e dos óvulos, os machos, em geral, provavelmente
se inclinarão à promiscuidade e ausência de cuidado paterno. As fêmeas têm dois estratagemas
defensivos disponíveis, os quais chamei de estratégias do macho viril e da bem-aventurança
doméstica. A circunstância ecológica de uma espécie determinará se as fêmeas inclinam-se em
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direção a um ou ao outro desses estratagemas, e também determinará como os machos respondem.
Na prática encontram-se todos os intermediários entre o macho viril e a bem-aventurança doméstica,
e, como vimos, há casos onde o pai tem mais cuidado com a prole do que a mãe. Este livro não se
preocupa com os detalhes de espécies animais particulares, de modo que não discutirei o que poderia
predispor uma espécie a uma determinada forma de sistema de reprodução. Em vez disto analisarei
as diferenças comumente observadas entre machos e fêmeas em geral, e como essas podem ser
interpretadas. Não enfatizarei, portanto, as espécies nas quais as diferenças entre os sexos são
pequenas; essas são, em geral, as espécies cujas fêmeas favoreceram a estratégia da
bem-aventurança doméstica.
Em primeiro lugar, são os machos que tendem a exibir cores vistosas, sexualmente atraentes, e
as fêmeas que tendem a ser mais monótonas. Os indivíduos de ambos os sexos querem evitar serem
comidos por predadores; haverá certa pressão evolutiva sobre eles para terem coloração monótona.
Cores brilhantes atraem tanto predadores como parceiros sexuais. Em termos de genes, isto significa
que os genes para cores brilhantes têm mais probabilidade de terminarem no estômago de
predadores do que os genes para cores monótonas. Por outro lado, os genes para cores monótonas
poderão ter menos probabilidade do que os genes para cores brilhantes de se encontrarem na geração
seguinte, pois indivíduos pouco vistosos têm dificuldade em atrair um parceiro sexual. Há, portanto,
duas pressões de seleção conflitantes: os predadores tendendo a remover os genes para cores
brilhantes do "fundo" e os parceiros sexuais tendendo a remover os genes para cores monótonas.
Como em tantos outros casos, as máquinas de sobrevivência eficientes podem ser consideradas
como um compromisso entre pressões de seleção conflitantes. O que nos interessa no momento é
que o compromisso ideal para um macho parece ser diferente do compromisso ideal para uma
fêmea. Isto, é claro, é plenamente compatível com nossa idéia de considerar os machos jogadores de
alto risco e alta recompensa. Porque os machos produzem muitos milhões de espermatozóides para
cada óvulo produzido por uma fêmea, os espermatozóides superam em muito o número de óvulos na
população. Qualquer óvulo, portanto, tem muito maior probabilidade de participar de fusão sexual
do que qualquer espermatozóide. O s óvulos são um recurso relativamente valioso e uma fêmea,
conseqüentemente, não precisa ser sexualmente tão atraente quanto um macho a fim de garantir que
seus óvulos sejam fertilizados. Um macho é perfeitamente capaz de procriar todos os filhotes
nascidos de uma grande população de fêmeas. Mesmo se um macho tiver uma vida curta porque sua
cauda vistosa atrai predadores ou se emaranha nos arbustos, ele poderá ter produzido um grande
número de filhotes antes de morrer. Um macho pouco atraente ou de cores monótonas poderá viver
até mesmo tanto quanto uma fêmea, mas ele deixa poucos filhotes e seus genes não são transmitidos.
A que servirá a um macho ganhar o mundo todo e perder seus genes imortais?
Outra diferença sexual comum é que as fêmeas são mais exigentes do que os machos a
respeito do parceiro sexual. Um dos motivos para meticulosidade por parte de um indivíduo de
qualquer um dos sexos é a necessidade de evitar acasalamento com um membro de outra espécie.
Tais hibridizações são nocivas por várias razões. Algumas vezes, como no caso de um homem
copular com um carneiro, a copulação não leva à formação de um embrião, de modo que pouco é
perdido. No entanto, quando espécies mais próximas como cavalos e jumentos se intercruzam, o
custo, pelo menos para a fêmea, poderá ser considerável. O embrião de uma mula provavelmente se
formará, o qual, então, obstruirá o útero da fêmea durante onze meses. Ele tomará grande parte de
seu investimento parental total, não apenas sob a forma de alimento absorvido através da placenta, e
mais tarde sob a forma de leite, mas, principalmente, sob a forma de tempo que poderia ter sido
gasto em criar outros filhotes. Então, quando a mula torna-se adulta, revela-se estéril. Isto
provavelmente ocorre porque embora os cromossomos do cavalo e do jumento sejam semelhantes o
suficiente para cooperar na formação do corpo forte e saudável da mula, não são semelhantes o
suficiente para funcionar adequadamente na meiose. Seja qual for o motivo exato, o investimento
considerável despendido pela mãe ao criar uma mula é totalmente desperdiçado do ponto de vista de
seus genes. As jumentas deveriam ter muito cuidado em assegurar que o indivíduo com o qual
copulam é outro jumento e não um cavalo. Em termos de genes, qualquer gene de jumento que diga
"Corpo, se você é uma fêmea, copule com qualquer macho velho, seja ele um jumento ou um
104
cavalo", é um gene que poderá logo terminar no corpo sem saída de uma mula, e o investimento
parental da mãe naquele filhote diminui em muito sua capacidade de criar jumentos férteis. Um
macho, por outro lado, tem menos a perder se acasalar-se com um membro da espécie errada e,
embora ele talvez nada tenha a ganhar tampouco, deveríamos esperar que os machos fossem menos
exigentes em sua escolha de parceiras sexuais. Onde a questão foi estudada, verificou-se que
realmente é o que acontece.
Mesmo dentro de uma mesma espécie poderá haver razões para meticulosidade. O
acasalamento incestuoso, como a hibridização, provavelmente trará conseqüências genéticas
nocivas, neste caso porque os genes recessivos letais é semi-letais se põem a descoberto.
Novamente, as fêmeas têm mais a perder do que os machos, pois seu investimento em um
determinado filhote tende a ser maior. Onde existem tabus contra o incesto, deveríamos esperar que
as fêmeas fossem mais rígidas em sua adesão aos tabus do que os machos. Se supusermos que
provavelmente o parceiro sexual mais velho em um relacionamento incestuoso será aquele que toma
a iniciativa, deveríamos esperar que uniões incestuosas nas quais o macho é mais velho do que a
fêmea fossem mais comuns do que uniões nas quais a fêmea é mais velha. Por exemplo, o incesto
pai/filha deveria ser mais comum do que o incesto mãe/filho; o incesto irmão/irmã deveria ser
intermediário em freqüência.
Em geral, os machos deveriam ter a tendência a serem mais promíscuos do que as fêmeas.
Como a fêmea produz um número limitado de óvulos a uma velocidade relativamente baixa, ela tem
pouco a ganhar em ter um grande número de copulações com machos diferentes. O macho, por outro
lado, que pode produzir milhões de espermatozóides por dia, tem muito a ganharem ter tantos
acasalamentos promíscuos quanto possa conseguir. Copulações em excesso poderão não custar
muito, realmente, a uma fêmea, além de um pouco de tempo e energia desperdiçadas, mas não lhe
dão nenhum benefício positivo. Um macho, por outro lado, nunca terá tido copulações em número
suficiente, sempre deverá procurar o maior número possível de fêmeas diferentes: a palavra excesso
não tem significado para um macho.
Não falei explicitamente sobre o homem, mas, quando pensamos a respeito de argumentos
evolutivos tais como aqueles deste capítulo, não podemos deixar de refletir, inevitavelmente, sobre
nossa própria espécie e nossa própria experiência. A noção de fêmeas adiarem a copulação até que
um macho mostre alguma evidência de fidelidade a longo prazo poderá soar familiar. Isto talvez
sugira que as mulheres jogam a estratégia da bem-aventurança doméstica e não do macho viril. A
maioria das sociedades humanas, de fato, são monogâmicas. Em nossa própria sociedade o
investimento parental por ambos os pais é grande e não se mostra desequilibrada de maneira óbvia.
As mães, sem dúvida, realizam mais trabalho direto pelas crianças do que os pais, mas estes últimos
freqüentemente trabalham de maneira árdua em um sentido mais indireto, a fim de fornecer os
recursos materiais que são vertidos aos filhos. Por outro lado, algumas sociedades humanas são
promíscuas, e algumas são baseadas em haréns. O que esta surpreendente variedade sugere é que o
modo de vida do homem é em grande parte determinado pela cultura e não pelos genes. No entanto,
ainda é possível que os homens em geral tenham tendência à promiscuidade e que as mulheres
tenham tendência à monogamia, como previríamos do ponto de vista evolutivo. Qual dessas duas
tendências vence, em determinada sociedade, depende de detalhes da circunstância cultural, do
mesmo modo como em espécies animais diferentes dependerá de detalhes ecológicos.
Uma característica de nossa sociedade que parece ser decididamente anômala é a questão da
propaganda sexual. Como vimos, do ponto de vista evolutivo deve-se esperar com grande
probabilidade que onde os sexos diferem, sejam os machos que anunciam e as fêmeas que são pouco
atraentes. O homem ocidental moderno sem dúvida é excepcional a este respeito. É verdade, é claro,
que alguns homens vestem-se vistosamente e que algumas mulheres vestem-se de maneira
monótona, mas, em média, não há dúvida que em nossa sociedade o equivalente à cauda do pavão é
exibido pela fêmea e não pelo macho. As mulheres pintam a face e colam cílios postiços. Com
exceção de atores e homossexuais, os homens não o fazem. As mulheres parecem estar interessadas
em sua própria aparência pessoal e a isto são encorajadas por suas revistas. As revistas dos homens
105
são menos preocupadas com a atratividade sexual masculina e um homem especialmente interessado
em sua própria roupa e aparência provavelmente provocará suspeitas, tanto entre os homens como
entre as mulheres. Quando uma mulher é descrita em uma conversa, provavelmente sua atratividade
sexual, ou ausência dela, será proeminentemente mencionada; isto se dá seja o interlocutor um
homem ou uma mulher. Quando um homem é descrito, os adjetivos usados provavelmente nada
terão a ver com sexo.
Defrontando-se com esses fatos, um biólogo seria forçado a suspeitar que estivesse olhando
para uma sociedade na qual as fêmeas competem pelos machos, ao invés de ocorrer o contrário. No
caso das aves-do-paraíso concordamos que as fêmeas são pouco vistosas porque não têm que
competir por machos.
Estes últimos são brilhantes e pomposos porque as fêmeas estão em demanda e podem se
permitir serem exigentes. O motivo pelo qual as fêmeas nas aves-do-paraíso estão em demanda é
que os óvulos são um recurso mais escasso do que os espermatozóides. O que aconteceu ao homem
ocidental moderno? O macho realmente se tornou o sexo procurado, aquele que está em demanda, o
sexo que se pode permitir ser exigente? Se assim for, qual o motivo?
106
Capítulo 10
VOCÊ COÇA MINHAS COSTAS, EU MONTAREI SOBRE AS SUAS
Analisamos interações parentais, sexuais e agressivas entre máquinas de sobrevivência
pertencentes à mesma espécie. Há aspectos surpreendentes nas interações animais que
aparentemente não são englobados de maneira óbvia por nenhum desses tópicos. Um desses é a
tendência que tantos animais têm a viver em grupos. As aves formam bandos, os insetos enxames,
peixes e baleias cardumes, os mamíferos que habitam campinas reúnem-se em manadas ou caçam
em grupos. Esses agregados geralmente consistem de membros de uma única espécie apenas, mas há
exceções. As zebras freqüentemente formam bandos com os gnus e bandos mistos de aves são
algumas vezes vistos.
Os benefícios sugeridos que um indivíduo pode obter da vida em grupo constituem uma lista
bastante variada. Não vou apresentar o catálogo, mas mencionarei apenas algumas sugestões. Ao
fazê-lo voltarei aos exemplos restantes de comportamento aparentemente altruísta que apresentei no
Capítulo 1 e que prometi explicar. Isto levará a um exame dos insetos sociais, sem o qual nenhuma
descrição de altruísmo animal estaria completa. Finalmente, neste capítulo um tanto variado,
mencionarei a idéia importante do altruísmo recíproco, o princípio do "Você coça minhas costas, eu
coçarei as suas".
Se os animais vivem juntos em grupos, seus genes devem obter mais benefícios da associação
do que os animais investem. Um bando de hienas pode capturar presas tão maiores do que uma
hiena isoladamente pode derrubar que vale à pena para cada indivíduo egoísta caçar em bando,
mesmo que isto signifique compartilhar o alimento. É provavelmente por razões semelhantes que
algumas aranhas cooperam na construção de uma teia comunal enorme. Os pingüins imperiais
conservam o calor aconchegando-se Cada um lucra apresentando aos elementos uma área menor do
que apresentaria se estivesse sozinho. Um peixe que nada obliquamente atrás de outro poderá ganhar
uma vantagem hidrodinâmica a partir da turbulência causada pelo peixe da frente. Isto poderia ser
parcialmente a razão para os peixes formarem cardumes. Um truque semelhante relacionado à
turbulência do ar é conhecido dos ciclistas, e talvez explique a formação em V das aves em vôo.
Provavelmente há competição para evitar a posição desvantajosa à frente do bando. As aves
possivelmente se revezem como líderes involuntários - uma forma de altruísmo recíproco retardado
a ser discutido no fim do capítulo.
Muitos dos benefícios sugeridos para a vida em grupo têm se relacionado à proteção contra
predadores. Uma formulação elegante de uma teoria deste tipo foi dada por W. D. Hamilton, em um
artigo entitulado Geometria para a manada egoísta. Antes que o título provoque um mal-entendido,
devo enfatizar que por "manada egoísta" ele quis dizer "manada de indivíduos egoístas".
Novamente começamos com um "modelo" simples, o qual, embora abstrato, ajuda-nos a
compreender o mundo real. Suponha que uma espécie de animal é caçada por um animal que sempre
tende a atacar a presa mais próxima. Do ponto de vista do predador esta é uma estratégia razoável,
pois tende a diminuir o gasto de energia. Do ponto de vista da presa ela tem uma conseqüência
interessante; significa que cada presa constantemente tentará evitar ser o indivíduo mais próximo do
predador. Se a presa puder detectar o predador à distância, ela simplesmente fugirá. Mas, se o
predador puder surgir repentinamente, sem aviso, por exemplo se ele se emboscar oculto no capim
alto, então cada presa ainda poderá tomar medidas a fim de minimizar sua chance de ser o indivíduo
mais próximo do predador. Podemos imaginar cada presa como estando circundada por um
"domínio de perigo". Este é definido como a área na qual qualquer ponto está mais próximo àquele
indivíduo do que a qualquer outro indivíduo. Por exemplo, se as presas deslocam-se espaçadas
segundo uma formação geométrica regular, o domínio de perigo ao redor de cada indivíduo (salvo se
ele estiver na borda) poderá ter forma aproximadamente hexagonal. Se um predador estiver
espreitando no domínio hexagonal de perigo ao redor do indivíduo A, então este indivíduo
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provavelmente será comido. Os indivíduos nas bordas da manada são especialmente vulneráveis,
pois seu domínio de perigo não é um hexágono relativamente pequeno, mas inclui uma vasta área do
lado aberto.
Claramente, um indivíduo sensato tentará manter seu domínio de perigo o menor possível.
Particularmente, ele tentará evitar ficar na borda da manada. Se ele se encontrar aí ele tomará
medidas imediatas a fim de deslocar-se em direção ao centro. Infelizmente, alguém tem que ficar na
borda, mas no que se refere a cada indivíduo, não será ele! Haverá uma migração incessante das
bordas de um agregado em direção ao centro. Se o rebanho anteriormente estava frouxo e
desgarrado, ele logo estará firmemente agrupado como resultado da migração para dentro. Mesmo
se iniciarmos nosso modelo sem nenhuma tendência à agregação, com as presas dispersas ao acaso,
o ímpeto egoísta de cada indivíduo será para reduzir seu domínio de perigo tentando colocar-se em
uma brecha entre outros indivíduos. Isto rapidamente levará à formação de agregados, os quais se
tornarão cada vez mais densamente compactados.
Na vida real, obviamente, a tendência à compactação será limitada por pressões opostas: caso
contrário todos os indivíduos colapsariam em urna pilha em contorção! Mesmo assim, o modelo é
interessante na medida em que mostramos que até suposições muito simples podem prever
agregação. Outros modelos, mais elaborados, têm sido propostos. O fato deles serem mais realistas
não diminui o valor do modelo mais simples de Hamilton ao ajudar-nos a pensar sobre o problema
da agregação animal.
O modelo da manada egoísta em si não comporta interações de cooperação. Não há, aqui,
altruísmo, apenas a exploração egoísta por parte de cada indivíduo, de todos os outros indivíduos.
Mas, na vida real, há casos onde os indivíduos parecem tomar medidas para proteger colegas de
grupo de predadores. Os gritos de alarme das aves vêm à mente. Eles certamente funcionam como
sinais de alarme no sentido de fazer com que os indivíduos que os ouvem iniciem ação de fuga
imediata. Não há indicação de que a ave que emite o grito esteja "tentando desviar a atenção do
predador" de suas colegas: Ela está simplesmente informando-as da existência do predador avisando-as. No entanto, o ato de gritar, parece, pelo menos à primeira vista, ser altruísta, pois tem o
efeito de chamar a atenção do predador para a ave que grita. Podemos deduzir isto indiretamente de
um fato notado por P. R. Marler. As características físicas dos gritos parecem ser idealmente
adaptadas a torná-los difíceis de localizar. Se a um engenheiro especialista em Acústica fosse pedido
projetar um som do qual um predador achasse difícil se aproximar, ele produziria algo muito
semelhante aos gritos de alarme reais de muitas aves canoras pequenas. Na natureza esta
característica dos gritos deve ter sido produzida pela seleção natural, e sabemos o que isto significa.
Significa que um grande número de indivíduos morreram porque seus gritos de alarme não eram
exatamente perfeitos. Portanto, parece haver certo perigo associado à emissão dos gritos de alarme.
A teoria do gene egoísta deverá apresentar uma vantagem convincente de emitir gritos de alarme,
vantagem essa grande o suficiente para contrabalançar esse perigo.
Isto, de fato, não é muito difícil. Os gritos de alarme das aves têm sido tantas vezes
considerados "embaraçosos" para a teoria darwiniana que tornou-se um tipo de esporte imaginar
explicações para eles. Em conseqüência, temos agora tantas explicações boas que é difícil lembrar o
que causou toda a confusão. Evidentemente, se há alguma probabilidade do bando conter alguns
parentes próximos, um gene para emitir o grito de alarme poderá prosperar no "fundo" porque ele
tem uma boa chance de estar nos corpos de alguns dos indivíduos salvos. Isto ocorre mesmo que a
ave que emite o grito pague caro pelo seu altruísmo atraindo a atenção do predador para si própria.
Se você não estiver satisfeito com esta idéia de seleção de parentesco, há várias outras teorias
para escolher. Há muitas maneiras pelas quais a ave que grita poderia obter benefício egoísta
avisando suas colegas. Trivers relaciona cinco boas idéias, mas acho as duas seguintes, de minha
autoria, bem mais convincentes.
A primeira chamo de teoria cave, da palavra latina significando "tenha cuidado", ainda usada
por meninos de escola para avisar da aproximação de uma autoridade. Esta teoria é apropriada para
aves camufladas que agacham-se imóveis sob os arbustos quando há ameaça de perigo. Suponha que
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um bando de tais aves esteja alimentando-se em um campo. Um gavião voa ao longe; ele ainda não
viu o bando e não está voando diretamente em sua direção, mas há o perigo que seus olhos aguçados
detectem-no a qualquer momento e ele se lance ao ataque. Suponha que um membro do bando vê o
gavião, mas os demais ainda não o viram. Este indivíduo de vista aguçada poderia imediatamente
imobilizar-se e agachar no capim. Mas isto de pouco lhe adiantaria, pois seus companheiros ainda
estão passeando conspícua e ruidosamente. Qualquer um deles poderia atrair a atenção do gavião e
então todo o bando estaria em perigo. De um ponto de vista puramente egoísta a melhor política a
ser seguida pelo indivíduo que detecta o gavião em primeiro lugar é assobiar um aviso rápido a seus
companheiros e assim silenciá-los e reduzira probabilidade de inadvertidamente atrair o gavião para
perto de si.
A outra teoria que quero mencionar pode ser chamada de teoria "nunca rompa as fileiras". Esta
é apropriada a espécies de aves que fogem quando um predador se aproxima, talvez para uma
árvore. Novamente, imagine que um indivíduo, em um bando de aves se alimentando, detectou um
predador. O que ele deverá fazer? Ele poderia simplesmente fugir, sem avisar seus colegas. Mas
agora ele seria uma ave isolada, não seria mais parte de um bando relativamente anônimo, mas um
ser deslocado. Sabe-se, de fato, que os gaviões atacam pombos isolados, mas mesmo que isto não
ocorresse há muitas razões teóricas para pensar que romper as fileiras poderá ser uma política
suicida. Mesmo que seus companheiros eventualmente o seguissem, o indivíduo que primeiro voa
temporariamente aumenta seu domínio de perigo. Quer a teoria de Hamilton em particular esteja
certa ou errada, deve haver alguma vantagem importante para viverem bandos, caso contrário as
aves não o fariam. Seja qual for esta vantagem, o indivíduo que deixa o bando à frente dos demais
será privado, pelo menos parcialmente, desta vantagem. Se ele não deve romper as fileiras, então, o
que deve o pássaro observador fazer? Talvez devesse simplesmente continuar como se nada
houvesse acontecido e confiar na proteção decorrente do fato dele pertencer ao bando, Mas isto
também envolve graves riscos. Ele ainda está a descoberto, altamente vulnerável; estaria muito mais
seguro em uma árvore. A melhor política, de fato, é voar para uma árvore, mas tendo certeza que
todos os demais fazem o mesmo. Desta forma ele não se tornará um deslocado, nem se privará das
vantagens decorrentes de ser parte de uma multidão, mas ganhará a vantagem de se cobrir. Outra
vez, emitir um grito de aviso é visto como tendo uma vantagem puramente egoísta. E. L. Chamov e
J. R. Krebs propuseram uma teoria semelhante na qual chegam a usar a palavra "manipulação" para
descrever o que a ave que grita faz ao resto de seu bando. Distanciamo-nos muito do altruísmo puro
e desinteressado!
Superficialmente essas teorias poderão parecer incompatíveis com a afirmação de que o
indivíduo que dá o grito de alarme se põe em perigo. Não há, na realidade, nenhuma
incompatibilidade. Ele se poria em perigo ainda maior se não gritasse. Alguns indivíduos morreram
porque deram gritos de alarme, especialmente aqueles cujos gritos eram fáceis de localizar. Outros
indivíduos morreram porque não deram gritos de alarme. A teoria cave e a teoria "nunca rompa as
fileiras" são apenas duas dentre muitas maneiras de explicar porque.
E com relação à gazela Thompson saltitante, a qual mencionei no Capítulo 1 e cujo altruísmo
aparentemente suicida levou Ardrey a afirmar categoricamente que só poderia ser explicado por
seleção de grupo? Aqui a teoria do gene egoísta defronta-se com um desafio mais severo. Os gritos
de alarme nas aves de fato funcionam, mas eles claramente são planejados para serem o mais
inconspícuos e discretos possíveis. Não é o que acontece com os saltos altos da gazela. Eles são
ostensivos, chegando à provocação direta. Parece que as gazelas deliberadamente chamam a atenção
do predador, quase como se estivessem desafiando-o. Esta observação levou a uma teoria
encantadoramente ousada. Ela foi originalmente antecipada por N. Smythe, mas, levada à sua
conclusão lógica, ela leva a assinatura inconfundível de A. Zahavi.
A teoria de Zahavi pode ser expressa da seguinte forma. A porção crucial de raciocínio lateral
é a idéia que o saltitamento, longe de ser um sinal às outras gazelas, na realidade destina-se aos
predadores. Ele é notado pelas outras gazelas e afeta seu comportamento, mas isto é acidental, pois é
primariamente selecionado como um sinal para o predador. Traduzido grosseiramente para o
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português significa: "Veja como posso pular alto, obviamente sou uma gazela saudável e apta, você
não pode me pegar, seria muito mais sensato tentar capturar meu vizinho que não está pulando tão
alto!" Em termos menos antropomórficos, os genes para pular alto e ostensivamente provavelmente
não serão comidos pelos predadores porque estes tendem a escolher as presas que parecem fáceis de
serem capturadas. Especificamente, sabe-se que muitos mamíferos predadores atacam os velhos e
doentes. Um indivíduo que pula alto está demonstrando, de maneira exagerada, que não é nem
velho, nem doente. Segundo esta teoria, a exibição está longe de ser altruísta. Na melhor das
hipóteses é egoísta, pois seu objetivo é convencer o predadora perseguir outro animal. De certa
forma há uma competição para ver quem pula mais alto, o vencido sendo escolhido pelo predador.
O outro exemplo ao qual eu disse que voltaria é o caso das abelhas kamikaze, as quais
aferroam os ladrões de mel, mas cometem suicídio quase certo no processo. A abelha é apenas um
exemplo de um inseto altamente social. Outros insetos sociais são as vespas, formigas e térmitas, ou
cupins. Quero discutir os insetos sociais de maneira geral, não apenas as abelhas suicidas. Os feitos
dos insetos sociais são lendários, especialmente suas notáveis façanhas de cooperação e aparente
altruísmo. As missões suicidas de aferroamento lustram suas proezas de auto-abnegação. Em certas
formigas há uma casta de operárias com abdomens grotescamente inchados, cheios de alimento, cuja
única função na vida é dependurarem-se do teto como lâmpadas inchadas, sendo usadas como
reservas de alimento pelas outras operárias. Do ponto de vista humano elas absolutamente não
vivem como indivíduos; sua individualidade é subjugada, aparentemente para o bem-estar da
comunidade. A sociedade de formigas, abelhas ou térmitas alcança um tipo de individualidade a um
nível mais alto. O alimento é compartilhado a tal ponto que pode-se falar num estômago comunal.
As informações são compartilhadas tão eficientemente por sinais químicos e pela famosa "dança"
das abelhas que a comunidade comporta-se quase como se fosse uma unidade com um sistema
nervoso e órgãos dos sentidos próprios. Invasores são reconhecidos e repelidos quase com a
seletividade do sistema de reação imunológica do corpo. A temperatura bastante alta dentro de uma
colméia é regulada quase tão precisamente quanto a temperatura do corpo humano, embora a abelha
individualmente não seja um animal de "sangue quente". Finalmente, e o mais importante, a
analogia aplica-se à reprodução. A maioria dos indivíduos numa colônia de insetos sociais são
operárias estéreis. A "linhagem germinativa" - a linha da continuidade dos genes imortais - flui
através do corpo de uma minoria de indivíduos, os reprodutores. Estes são análogos as nossas
próprias células reprodutivas nos testículos e ovários.As operárias estéreis são análogas ao
fígado,músculo e células nervosas.
O comportamento kamikaze e outras formas de altruísmo e cooperação entre as operárias não
parecem surpreendentes quando aceitamos o fato de que elas são estéreis. O corpo de um animal
normal é manipulado para garantir a sobrevivência de seus genes, tanto pela produção de
descendentes como pelo cuidado com outros indivíduos contendo os mesmos genes. O suicídio
tendo em vista o cuidado com outros indivíduos é incompatível com a produção futura dos próprios
descendentes. O auto-sacrifício suicida, portanto, raramente evolui. Mas uma abelha operária nunca
produz seus próprios descendentes. Todos os seus esforços são dirigidos à preservação de seus genes
cuidando de parentes que não são sua prole. A morte de uma única operária estéril não é mais séria a
seus genes do que o desprender-se de uma folha no outono o é para os genes de uma árvore.
Há uma tentação a nos tornarmos místicos com relação aos insetos sociais, mas realmente não
há necessidade disto. Vale à pena examinar com certo detalhe como a teoria do gene egoísta trata
deles, especialmente como ela explica a origem evolutiva do fenômeno extraordinário da
esterilidade das operárias, do qual tanta coisa parece decorrer.
Uma colônia de insetos sociais é uma enorme família, geralmente todos descendentes da
mesma mãe. As operárias, que raramente ou nunca se reproduzem, freqüentemente estão divididas
em várias castas distintas, incluindo operárias pequenas e grandes, soldados e castas altamente
especializadas como nas formigas nutridoras mencionadas acima. As fêmeas reprodutivas são
chamadas rainhas. Os machos reprodutivos são algumas vezes chamados zangões ou reis. Nas
sociedades mais avançadas os reprodutores nunca fazem nada a não ser procriar, mas nesta tarefa
110
eles são extremamente eficientes. Eles dependem das operárias para sua alimentação e proteção, e
estas são também responsáveis pelo cuidado com a prole. Em algumas espécies de formigas e
térmitas a rainha distendeu-se numa enorme fábrica de ovos, dificilmente identificável como um
inseto, centenas de vezes maior do que uma operária e praticamente incapaz de se locomover. Ela é
constantemente atendida por operárias que a limpam, alimentam e transportam seu fluxo constante
de ovos para os viveiros comunais. Se uma rainha monstruosa destas tem que deslocar-se da célula
real ela é levada com toda pompa às costas de batalhões de operárias esforçadas.
No Capítulo 7 introduzi a distinção entre produzir filhotes e cuidar deles. Eu disse que
normalmente evoluiriam estratégias mistas, combinando produção e cuidado. No Capítulo 5 vimos
que as estratégias evolutivamente estáveis podiam ser de dois tipos gerais. Ou cada indivíduo na
população pode se comportar de maneira mista, e desta forma os indivíduos geralmente atingem
uma mistura ponderada de produção e cuidado, ou então a população poderá estar dividida em dois
tipos diferentes de indivíduos: foi assim que imaginamos primeiramente o equilíbrio entre gaviões e
pombos. Mas é teoricamente possível conseguir-se um equilíbrio evolutivamente estável entre
produzir e criar adotando-se a segunda alternativa: a população poderia ser dividida em produtores e
criadores. Mas isto só pode ser evolutivamente estável se os criadores forem parentes próximos dos
indivíduos de quem eles cuidam, pelo menos tão próximos quanto seriam de sua própria prole, se a
tivessem. Embora seja teoricamente possível a evolução prosseguir nesta direção, aparentemente
apenas nos insetos sociais isto se deu.
Os indivíduos nos insetos sociais estão divididos em duas classes principais, produtores e
criadores. Os primeiros são os machos e fêmeas reprodutores. Os criadores são as operárias machos e fêmeas estéreis nos térmitas, fêmeas estéreis em todos os outros insetos sociais. Ambos os
tipos realizam seu trabalho mais eficientemente porque não têm que se preocupar com o outro. Mas,
eficientemente do ponto de vista de quem? A pergunta que será lançada à teoria darwiniana é o
brado familiar: "O que as operárias ganham com isto?"
Algumas pessoas responderam "nada". Elas acham que a rainha está fazendo o que quer,
manipulando as operárias por meios químicos para seus próprios objetivos egoístas, fazendo-as
cuidar de sua própria prole abundante. Esta é uma versão da teoria da "manipulação parental" de
Alexander, mencionada no Capítulo 8. A idéia oposta é que as operárias "cultivam" os reprodutores,
manipulando-os para aumentar sua produtividade em propagar réplicas dos genes das operárias. Sem
dúvida, as máquinas de sobrevivência feitas pela rainha não são descendentes das operárias, mas
são, de qualquer forma, parentes próximos. Foi Hamilton quem entendeu brilhantemente que pelo
menos nas formigas, abelhas e vespas as operárias poderão, na realidade, ser mais intimamente
relacionadas às larvas do que a própria rainha! Isto levou-o, e mais tarde Trivers e Hare, aos mais
espetaculares triunfos da teoria do gene egoísta. O raciocínio é o seguinte.
Os insetos do grupo conhecido como Hymenoptera, o qual inclui formigas, abelhas e vespas,
possui um sistema muito estranho de determinação do sexo. Os térmitas não pertencem a este grupo
e não compartilham a mesma peculiaridade. O ninho de um himenóptero tipicamente tem apenas
uma rainha madura. Ela realizou um vôo nupcial quando era jovem e armazenou os espermatozóides
pelo resto de sua longa vida - dez anos ou mais. Ela distribui os espermatozóides aos óvulos ao
longo dos anos, deixando que sejam fertilizados à medida que passam pelos ovidutos. Mas nem
todos os óvulos são fecundados. Aqueles que não são fertilizados desenvolvem-se em machos. O
macho, portanto, não tem pai e todas as células de seu corpo contêm apenas um único conjunto de
cromossomos (todos obtidos de sua mãe), em vez do conjunto duplo (um do pai e um da mãe) como
nos seres humanos. Em termos da analogia do Capítulo 3, um himenóptero macho tem apenas uma
cópia de cada "volume" em cada uma de suas células, em vez dos dois volumes normais.
Uma fêmea de himenóptero, por outro lado, é normal no sentido de ter um pai e o conjunto
duplo usual de cromossomos em cada célula de seu corpo. Uma fêmea se desenvolve em uma
operária ou em uma rainha dependendo de como é criada e não de seus genes. Quer dizer, cada
fêmea tem um conjunto completo de genes produtores de rainhas e um conjunto completo de genes
produtores de operárias (ou melhor, conjuntos de genes para produzir cada casta especializada de
111
operária, soldado, etc.). Qual conjunto de genes é "ligado" dependerá de como a fêmea é criada,
particularmente do alimento que recebe.
Embora haja muitas complicações, a situação é essencialmente a seguinte. Não sabemos
porque este sistema extraordinário de reprodução sexuada evoluiu. Sem dúvida houve boas razões,
mas por enquanto devemos tratá-lo simplesmente como um fato curioso a respeito dos
Hymenoptera. Seja qual for a razão original para o fato insólito, ele causa grande confusão nas
regras claras do Capítulo 6 para se calcular parentesco. Uma conseqüência é que os espermatozóides
de um macho, ao invés de serem todos diferentes como nos seres humanos, são todos exatamente
iguais. O macho possui apenas um único conjunto de genes em cada uma das células de seu corpo e
não um conjunto duplo. Cada espermatozóide, portanto, deve receber o conjunto completo de genes,
e não uma amostra de 50 por cento, e todos os espermatozóides de um macho qualquer são,
portanto, idênticos. Vamos, agora, tentar calcular o parentesco entre uma mãe e o filho. Se um
macho sabidamente possui um gene A, qual a probabilidade de sua mãe compartilhá-lo com ele? A
resposta deve ser 100 por cento, pois o macho não teve pai e obteve todos os seus genes de sua mãe.
Mas, agora suponha que sabemos que uma rainha tem o gene B. A probabilidade de seu filho
compartilhá-lo é de apenas 50 por cento, pois ele contém apenas metade de seus genes. Isto parece
uma contradição, mas não é. Um macho obtém todos os seus genes de sua mãe, mas esta dá apenas
metade de seus genes a seu filho. A solução para o aparente paradoxo está no fato de que um macho
possui apenas metade do número normal de genes. É inútil tentar determinar se o índice
"verdadeiro" de parentesco é 1/2 ou 1. O índice é apenas uma medida artificial; se ela nos coloca em
dificuldades em casos particulares, talvez tenhamos que abandoná-la e voltar aos primeiros
princípios. Do ponto de vista de um gene A no corpo de uma rainha, a probabilidade deste gene ser
compartilhado por um filho é de 1 /2, da mesma forma como em relação a uma filha. Do ponto de
vista da rainha, portanto, seus descendentes, de ambos os sexos, estão relacionados tão intimamente
a ela quanto crianças a sua mãe.
Com relação a irmãs a situação começa a ficar intrigante. Irmãs legítimas não compartilham
simplesmente o mesmo pai: os dois espermatozóides que as conceberam eram idênticos quanto a
todos os genes. As irmãs, portanto, são equivalentes a gêmeos idênticos no que se refere a seus
genes paternos. Se uma fêmea tem um gene A, ela deve tê-lo obtido ou de seu pai ou de sua mãe.
Neste último caso, portanto, há 50 por cento de probabilidade que sua irmã o compartilhe. Mas, se
ela o obteve de seu pai, há 100 por cento de probabilidade que sua irmã o possua. Portanto, o
parentesco entre irmãs legítimas nos himenópteros não é 1/2, como seria em animais sexuados
normais, mas 3/4.
Conclui-se que uma fêmea de himenóptero está mais intimamente relacionada com suas irmãs
legítimas do que com seus descendentes de ambos os sexos. Como Hamilton compreendeu (embora
ele não o tenha dito exatamente da mesma maneira) isto poderá predispor uma fêmea a cultivar sua
própria mãe como uma eficiente máquina de produzir irmãs. Um gene para produzir irmãs
substitutivamente replica-se mais rapidamente do que um gene para produzir descendentes
diretamente. Daí a evolução da esterilidade das operárias. Presumivelmente não é por acaso que a
sociabilidade verdadeira, com esterilidade das operárias, parece ter evoluído nada menos do que
onze vezes independentemente nos Hymenoptera e apenas uma vez em todo o resto do reino animal,
ou seja, nos térmitas.
No entanto, há um senão. Se as operárias forem bem sucedidas em cultivar sua mãe como
máquina de produzir irmãs, elas devem, de alguma forma, refrear a tendência natural daquela a lhes
dar, também, um número igual de pequenos irmãos. Do ponto de vista de uma operária a
probabilidade de um irmão conter um de seus genes em particular é de apenas 1 /4. Se se deixasse a
rainha produzir descendentes reprodutivos machos e fêmeas em proporções iguais, a fazenda não
teria lucro do ponto de vista das operárias. Elas não estariam maximizando a propagação de seus
preciosos genes.
Trivers e Hare compreenderam que as operárias devem tentar desviar a proporção entre os
sexos em favor das fêmeas. Eles tomaram os cálculos de Fisher a respeito de proporções ótimas
112
entre os sexos (os quais examinamos no capítulo anterior) e reformularam-nos para o caso especial
dos Hymenoptera. O resultado foi que a proporção ótima de investimento para uma mãe é, como de
costume, 1:1. Mas, a proporção ótima para uma irmã é 3:1 em favor de irmãs e não de irmãos. Se
você é uma fêmea de himenóptero, a maneira mais eficiente para propagar seus genes é deixar de se
reproduzir e fazer sua mãe fornecer-lhe irmãs e irmãos reprodutores na proporção de 3:1. Mas, se
você tiver que produzir descendentes próprios, poderá beneficiar seus genes da melhor maneira
tendo filhos e filhas reprodutores em proporções iguais.
Como vimos, a diferença entre rainhas e operárias não é genética. No que se refere a seus
genes, um embrião de uma fêmea poderá destinar-se a se tornar uma operária, que "quer" uma
proporção de 3:1 entre os sexos, ou uma rainha, que "quer" uma proporção de 1:1. Então, o que este
"querer" significa? Significa que um gene que se encontre no corpo de uma rainha pode se propagar
melhor se este corpo investir igualmente em filhos e filhas reprodutivos. Mas, o mesmo gene se
encontrando no corpo de uma operária pode se propagar melhor fazendo a mãe deste corpo ter mais
filhas do que filhos. Não há um paradoxo real. Um gene deve tirar a máxima vantagem dos meios à
sua disposição. Se ele se encontrar em posição de influenciar o desenvolvimento de um corpo
destinado a se tornar uma rainha, sua estratégia mais eficiente para explorar este controle será
diferente daquela adequada no caso dele se ver em posição de influenciar a maneira como o corpo de
uma operária se desenvolve.
Isto significa que há conflito de interesses na fazenda. A rainha "tenta" investir igualmente em
machos e fêmeas. As operárias tentam desviar a proporção dos reprodutores na direção de três
fêmeas para cada macho. Se estivermos corretos em imaginar as operárias como fazendeiras e a
rainha como sua vaca de reprodução, presumivelmente as operárias terão sucesso em conseguir sua
proporção de 3:1. Caso contrário, se a rainha realmente for digna de seu nome e se as operárias são
suas escravas e babás obedientes dos viveiros reais, então deveríamos esperara proporção de 1:1 que
a rainha "prefere" que prevaleça. Quem vence este caso especial da batalha das gerações? Este é um
problema que pode ser submetido a teste; foi exatamente isto que Trivers e Hare fizeram, utilizando
um grande número de espécies de formigas.
A proporção entre os sexos que interessa é a proporção entre reprodutores machos e fêmeas.
Estes são as formas aladas grandes que emergem do ninho das formigas em erupções periódicas para
realizar vôos nupciais, após os quais as rainhas jovens poderão tentar fundar novas colônias. São
essas formas aladas que devem ser contadas a fim de se obter uma estimativa da proporção entre os
sexos. Os reprodutores machos e fêmeas, em muitas espécies são de tamanho muito diferente. Isto
complica o problema, pois, como vir-nos no capítulo anterior, os cálculos de Fisher relativos à
proporção ótima entre os sexos a rigor se aplicam não a números de machos e fêmeas mas a
quantidade de investimento nos dois sexos. Trivers e Hare levaram isto em conta pesando-os.
Tomaram 20 espécies de formigas e estimaram a proporção entre os sexos em termos de
investimento nos reprodutores. Encontraram um resultado convincentemente próximo da proporção
de 3:1 entre fêmeas e machos, predita pela teoria de que as operárias controlam a situação para seu
próprio benefício.
Parece, portanto, que nas formigas estudadas o conflito de interesses é "ganho" pelas
operárias. Isto não é tão surpreendente, pois os corpos de operárias, sendo os guardiões dos viveiros,
têm mais poder em termos práticos do que os corpos de rainhas. Os genes que tentam manipular o
mundo através de corpos de rainhas são neutralizados por genes que manipulam o mundo por meio
de corpos de operárias. É interessante procurar circunstâncias especiais nas quais poderíamos
esperar que as rainhas tivessem mais poder prático do que as operárias. Trivers e Hare
compreenderam que havia exatamente uma dessas circunstâncias que podia ser usada como teste
crucial da teoria.
Este se origina do fato de existirem certas espécies de formigas que utilizam escravos. As
operárias de uma espécie que possui escravos ou não trabalham normalmente ou fazem-no muito
mal. No que elas são boas é em realizar incursões para obter escravos. Guerra verdadeira, na qual
exércitos rivais grandes lutam até a morte, só é conhecida no homem e nos insetos sociais. Em
113
muitas espécies de formigas a casta especializada de operárias, conhecida como soldados, possui
mandíbulas formidáveis para lutar e devotam seu tempo a lutar pela colônia contra outros exércitos
de formigas. As incursões para obter escravos são apenas um tipo de esforço de guerra. As
escravizadoras montam um ataque a um ninho de formigas pertencentes a uma espécie diferente,
tentam matar as operárias ou soldados que o defendem, e carregam os filhotes que ainda não
eclodiram. Estes eclodem no ninho de suas capturadoras. Eles não "percebem" que são escravos e
põem-se a trabalhar seguindo seus programas nervosos embutidos, realizando todas as tarefas que
normalmente realizariam no próprio ninho. As operárias escravizadoras ou os soldados engajam-se
em outras incursões, enquanto os escravos ficam no ninho e continuam com o serviço diário de
mantê-lo, limpando, buscando alimento e cuidando da prole.
Os escravos, evidentemente, estão ingenuamente ignorantes do fato de que não são
relacionados à rainha e às larvas das quais estão cuidando. Involuntariamente estio criando novos
batalhões de escravizadoras. Sem dúvida, a seleção natural, agindo sobre os genes da espécie de
escravos, tende a favorecer adaptações anti-escravidão. No entanto, essas não são, está claro,
plenamente efetivas, pois a escravidão é um fenômeno muito difundido.
A conseqüência da escravidão interessante de nosso ponto de vista é a seguinte. A rainha da
espécie escravizadora está agora em posição de virar a proporção entre os sexos na direção que ela
"prefere". Isto ocorre porque suas próprias larvas, as escravizadoras, não mantêm mais o controle
prático dos viveiros. Este controle agora é mantido pelos escravos. Eles "pensam" que estão
cuidando de seus próprios irmãos e presumivelmente fazem o que seria apropriado em seu próprio
ninho para atingir o desvio desejado de 3:1 em favor das irmãs. Mas a rainha da espécie
escravizadora consegue ter sucesso com contramedidas: não há seleção operando sobre os escravos
para neutralizar essas contra-medidas porque eles não são relacionados às larvas.
Por exemplo, suponha que em qualquer espécie de formiga, as rainhas "tentam" disfarçar os
ovos que produzem machos fazendo com que tenham o cheiro de ovos de férreas. A seleção natural
normalmente favorecerá qualquer tendência por parte das operárias de "perceber" o disfarce.
Podemos imaginar uma batalha evolutiva na qual as rainhas continuamente "alteram o código" e as
operárias "decifram-no". A guerra será ganha por quem quer que consiga introduzir mais de seus
genes na geração seguinte, através dos corpos dos reprodutores. Como vimos, normalmente as
operárias vencerão. Mas, quando a rainha de uma espécie escravizadora muda o código, as operárias
escravas não podem desenvolver nenhuma habilidade para decifrá-lo. Isto porque qualquer gene
numa operária escrava para "decifrar o código" não está representado no corpo de qualquer
indivíduo reprodutor, e dessa forma não é transmitido. Todos os reprodutores pertencem à espécie
escravizadora e são parentes da rainha mas não das escravas. Se os genes dessas últimas se
encontrarem em algum reprodutor, será nos reprodutores que emergem do ninho original do qual
foram raptados. As operárias escravas, na melhor das hipóteses, estarão decifrando O código errado!
As rainhas de uma espécie escravizadora, portanto, podem ser bem sucedidas mudando livremente
seu código, sem que haja qualquer perigo que os genes para decifrar o código sejam propagados à
geração seguinte.
O desfecho desse argumento complicado é que deveríamos esperar nas espécies
escravizadoras que a proporção de investimento nos reprodutores de ambos os sexos se aproximasse
de 1:1 e não 3:1. Pelo menos uma vez a rainha será dona da situação. É isto que Trivers e Hare
descobriram, embora só tenham examinado duas espécies escravizadoras.
Devo enfatizar que narrei a história de maneira idealizada. A vida real não é tão clara e
ordenada. A espécie mais familiar de inseto social, a abelha, por exemplo, parece fazer
completamente a coisa "errada". Há um grande excesso de investimento em machos, em relação a
rainhas - o que parece não fazer sentido quer do ponto de vista das operárias, quer da rainha mãe.
Hamilton ofereceu uma solução possível para este enigma. Ele lembra que quando uma abelha
rainha deixa a colméia ela sai com um grande enxame de operárias auxiliares, as quais ajudam-na a
iniciar uma nova colônia. Essas operárias são perdidas para a colméia original e o custo de
produzi-Ias deve ser computado como parte do custo da reprodução; para cada rainha que parte,
114
muitas operárias extras têm que ser feitas. O investimento nessas operárias extras deveria ser
contado como parte do investimento em fêmeas reprodutoras. As operárias extras deveriam ser
pesadas na balança contra os machos, quando a proporção entre os sexos é calculada. Assim, esta
não foi uma dificuldade muito séria para a teoria, afinal de contas.
Um problema mais embaraçoso nos trabalhos elegantes da teoria é o fato de que em algumas
espécies a rainha jovem em seu vôo nupcial acasala-se com vários machos, não apenas com um. Isto
significa que o parentesco médio entre suas filhas é menos de 3/4 e poderá até se aproximar de 1 /4
em casos extremos. É tentador, embora provavelmente não seja muito lógico, considerar isto como
um golpe astuto desferido pelas rainhas contra as operárias! A propósito, isto poderá parecer sugerir
que as operárias devessem acompanhar a rainha em seu vôo nupcial, a fim de impedi-Ia de
acasalar-se mais de uma vez. Mas isto de forma alguma ajudaria os genes das operárias - ajudaria
apenas os genes daquelas da geração seguinte. Não há espírito de sindicato entre as operárias como
uma classe. Cada uma delas se "preocupa" apenas com seus próprios genes. Uma operária talvez
tivesse "gostado" de ter acompanhado sua própria mãe, crias faltou-lhe a oportunidade, já que
naquela ocasião ela ainda não tinha sido concebida. Uma rainha jovem em seu vôo nupcial é a irmã
da atual geração de operárias, não sua mãe. Elas, portanto, estão de seu lado e não do lado da
geração seguinte de operárias, que são apenas suas sobrinhas. Já estou tonto, e é hora de terminar
este assunto.
Utilizei a analogia do cultivo para o que as operárias dos himenópteros fazem a suas mães. A
fazenda é de genes. As operárias usam sua mãe como um manufaturador de cópias de seus próprios
genes mais eficiente do que elas próprias seriam. Os genes saem da linha de produção em pacotes
chamados indivíduos reprodutores. Esta analogia com o cultivo não deve ser confundida com um
sentido bastante diferente no qual se pode dizer que os insetos sociais cultivam. Eles descobriram,
como o homem, muito tempo depois, que a cultura estabelecida de alimento pode ser mais eficiente
do que a caça ou a coleta.
Várias espécies de formigas do Novo Mundo, por exemplo, e, independentemente, térmitas da
África, cultivam "jardins de fungos". As mais bem conhecidas são as saúvas da América do Sul.
Elas são extremamente bem sucedidas. Colônias isoladas com mais de dois milhões de indivíduos
foram encontradas. Seus ninhos consistem de enormes e amplos complexos subterrâneos de
passagens e galerias, descendo até uma profundidade de três metros ou mais, construídos pela
escavação de até 40 toneladas de terra. As câmaras subterrâneas contêm os jardins de fungos. As
formigas deliberadamente semeiam o fungo de uma determinada espécie em canteiros adubados que
elas preparam fragmentando as folhas com as mandíbulas. Em vez de buscar alimento diretamente,
as operárias buscam folhas para fazer o adubo. O "apetite" de uma colônia de saúvas por folhas é
gigantesco. Isto as torna uma importante praga econômica, mas as folhas não são alimento para si
mas para seus fungos. As formigas eventualmente colhem e comem o fungo, além de dá-lo às larvas.
Os fungos são mais eficientes em degradar o material das folhas do que seriam os estômagos das
formigas; assim estas se beneficiam com a associação. É possível que o fungo também se beneficie,
embora seja colhido: as formigas propagam-no mais eficientemente do que seu próprio mecanismo
de dispersão de esporos poderia fazê-lo. Além disto, as formigas limpam os jardins de fungos,
livrando-os de espécies invasoras de outros fungos. Eliminando a competição, isto poderá beneficiar
os próprios fungos domésticos das formigas. Poder-se-ia dizer que existe um tipo de relacionamento
de altruísmo mútuo entre as formigas e os fungos. É notável que um sistema muito semelhante de
cultivo de fungos evoluiu independentemente entre os térmitas pouco relacionados com as formigas.
As formigas possuem seus próprios animais domésticos, assim como suas plantas cultivadas.
Os afídeos - pulgões - são altamente especializados em sugar os líquidos das plantas. Eles sugam a
seiva de seus vasos mais eficientemente do que podem depois digeri-Ia. Em conseqüência, excretam
um líquido que teve apenas parte de seu valor nutritivo retirado. Gotículas deste líquido rico em
açúcar são eliminadas pela extremidade posterior a grande velocidade, em alguns casos mais do que
o peso do corpo do próprio inseto por hora. O líquido normalmente cai em gotas ao chão - poderia
ter sido o alimento providencial conhecido como "maná" no Velho Testamento. Formigas de várias
115
espécies, porém, interceptam-no assim que ele sai do pulgão. As formigas "ordenham" os afídeos
afagando a parte posterior de seu corpo com suas antenas e patas. Os afídeos respondem, em alguns
casos aparentemente retendo suas gotículas até que uma formiga os acaricie, e até mesmo
recolhendo uma gotícula se a formiga não está pronta para recebê-la. Sugeriu-se que alguns afídeos
desenvolveram a parte posterior do corpo de modo a se assemelhar à fisionomia de uma formiga,
mais eficiente para atraí-Ias. O que os afídeos ganham com a associação aparentemente é proteção
contra seus inimigos naturais. Como nosso próprio gado leiteiro, eles levam uma vida protegida, e as
espécies de afídeos muito cultivadas pelas formigas perderam seus mecanismos normais de defesa.
Em alguns casos as formigas cuidam dos ovos dos afídeos dentro de seus próprios ninhos
subterrâneos, alimentam os filhotes e, finalmente, quando eles crescem, carregam-nos
cuidadosamente para o local protegido de pastagem.
Uma relação de benefício mútuo entre membros de espécies diferentes é chamada mutualismo
ou simbiose. Os membros de espécies diferentes freqüentemente têm muito a oferecer uns aos outros
porque podem trazer "habilidades" diferentes à sociedade. Este tipo de assimetria fundamental pode
levar a estratégias evolutivamente estáveis de cooperação mútua. Os afídeos têm o tipo certo de
partes bucais para sugar seiva vegetal, mas essas partes bucais sugadoras de nada servem para
auto-defesa. As formigas não podem sugar seiva vegetal, mas são boas para lutar. Os genes de
formigas para criar e proteger os afídeos foram favorecidos nos "fundos" de genes das formigas. Os
genes de afídeos para cooperar com as formigas foram favorecidos em seus "fundos".
Relações simbiônticas de benefício mútuo são comuns entre animais e plantas. Um líquen
parece superficialmente ser uma planta individual como qualquer outra. Mas é, na realidade, uma
união simbiôntica íntima entre um fungo e uma alga verde. Nenhum dos elementos poderia viver
sem o outro. Se sua união tivesse se tornado um pouco mais íntima não mais seríamos capazes de
dizer que o líquen é um organismo duplo. Talvez, então, haja outros organismos duplos ou múltiplos
os quais não reconhecemos como tais. Talvez até nós mesmos?
Dentro de cada uma de nossas células há numerosos corpúsculos chamados mitocôndrias. Elas
são fábricas químicas, responsáveis pelo fornecimento da maior parte da energia de que precisamos.
Se perdêssemos nossas mitocôndrias morreríamos em segundos. Recentemente foi sugerido de
maneira plausível que as mitocôndrias são, originalmente, bactérias simbiontes que juntaram suas
forças ao nosso tipo de célula logo no começo da evolução. Sugestões semelhantes têm sido feitas
para outros corpúsculos dentro de nossas células. Esta é uma daquelas idéias revolucionárias com as
quais leva tempo se acostumar, mas uma idéia para a qual chegou a hora. Imagino que chegaremos a
aceitar a idéia mais radical de que cada um de nossos genes é uma unidade simbiôntica. Somos
colônias gigantescas de genes simbiontes. não podemos, na verdade, falar de "evidência" a favor
desta idéia, mas, como tentei sugerirem capítulos anteriores, ela é realmente inerente à própria
maneira como pensamos a respeito do funcionamento dos genes nas espécies sexuadas. O outro lado
da medalha é que os vírus podem ser genes desgarrados de "colônias" como a nossa. Eles consistem
de DNA puro (ou uma molécula auto replicadora semelhante) envolto por uma capa de proteína. São
todos parasitas. A proposta é que eles evoluíram a partir de genes "rebeldes" que escaparam, e agora
passam de corpo para corpo diretamente pelo ar, e não através dos veículos mais convencionais -espermatozóides e óvulos. Se isto for verdade, poderemos então nos considerar colônias de vírus!
Alguns deles cooperam simbionticamente e passam de corpo para corpo em espermatozóides e
óvulos. Esses são os "genes" convencionais. Outros vivem parasiticamente e viajam como podem.
Se o DNA parasita viaja em espermatozóides e óvulos, ele talvez forme o excesso "paradoxal" de
DNA mencionado no Capítulo 3. Se ele viaja através do ar ou por outros meios diretos, ele é
chamado "vírus" no sentido normal.
Mas essas são especulações para o futuro. Atualmente estamos preocupados com a simbiose
ao nível superior de relacionamento entre organismos multicelulares, e não dentro deles. A palavra
simbiose é usada convencionalmente para designar as associações entre membros de espécies
diferentes. Mas, agora que deixamos de lado a idéia de evolução segundo o "bem da espécie". parece
não haver motivo lógico para distinguir as associações entre membros de espécies diferentes das
116
associações entre membros da mesma espécie. Em geral, as associações de benefício mútuo
evoluirão se cada elemento puder obter mais do que ele introduz. Isto é válido quer estejamos
falando de membros do mesmo bando de hienas, de criaturas completamente diferentes como
formigas e afídeos, ou de abelhas e flores. Na prática poderá ser difícil distinguir casos de benefício
mútuo bidirecional genuínos de casos de exploração unidirecional.
A evolução das associações de benefício mútuo teoricamente é fácil de imaginar se os favores
são feitos e recebidos simultaneamente, como no caso dos elementos que constituem um líquen. Mas
os problemas surgem se há um atraso entre a realização de um favor e sua retribuição. Isto porque o
elemento que recebe o favor poderá ficar tentado a trapacear e recusar-se a retribui-lo na sua vez. A
solução deste problema é interessante e vale à pena ser discutida detalhadamente. Posso fazê-lo
melhor em termos de um exemplo hipotético.
Suponha que uma espécie de ave seja parasitada por um tipo particularmente incômodo de
piolho que transmite uma doença perigosa. É muito importante que esses piolhos sejam removidos o
quanto antes. Um indivíduo normalmente pode retirar seus próprios piolhos ao alizar suas penas. Há
um lugar, no entanto - o topo da cabeça - que ele não pode alcançar com seu bico. A solução para o
problema rapidamente ocorre a qualquer ser humano. Um indivíduo poderá não ser capaz de
alcançar sua própria cabeça, mas nada é mais fácil do que um amigo fazê-lo por ele. Depois, quando
o amigo for parasitado, a boa ação poderá ser paga. O pentear-se mútuo, de fato, é muito comum
tanto em aves como em mamíferos.
Isto intuitivamente tem sentido. Qualquer um com capacidade consciente de previsão pode
perceber que é sensato engajar-se em arranjos mútuos de coçar as costas. Mas aprendemos a ter
cuidado com o que parece intuitivamente sensato. O gene não tem capacidade de previsão. Pode a
teoria do gene egoísta explicar o coçar de costas mútuas, ou "altruísmo recíproco", onde haja um
atraso entre a boa ação e a retribuição? Williams discutiu o problema rapidamente em seu livro de
1966, ao qual já me referi. Ele concluiu, como Darwin já o havia feito, que o altruísmo recíproco
retardado pode evoluir em espécies capazes de reconhecerem seus membros e lembrarem-se deles.
Trivers, em 1971, levou o assunto adiante. Quando ele estava escrevendo não tinha disponível o
conceito de Maynard Smith de estratégia evolutivamente estável. Se ele o tivesse, imagino que o
teria usado, pois ele fornece uma maneira natural de expressar suas idéias. Sua referência ao "dilema
do prisioneiro", um quebra-cabeças favorito da Teoria dos Jogos, mostra que ele já estava pensando
na mesma direção.
Suponha que B tenha um parasita no topo de sua cabeça. A retira-o. Depois, chega o momento
quando A tem um parasita em sua cabeça. Ele naturalmente procura B a fim de que este possa
retribuir sua boa ação. B simplesmente vira-se e vai embora. B é um trapaceiro, um indivíduo que
aceita o benefício do altruísmo de outros indivíduos, mas que não o retribui, ou que o retribui
insuficientemente. Os trapaceiros saem-se melhor do que os altruístas indiscriminados, pois ganham
os benefícios sem pagar os custos. O custo de pentear a cabeça de outro indivíduo sem dúvida
parece pequeno comparado com o benefício de se ter um parasita perigoso retirado, mas não é
desprezível. Tempo e energia valiosos têm que ser gastos.
Suponhamos que a população consista de indivíduos que adotam uma de duas estratégias.
Como nas análises de Maynard Smith, não estamos nos referindo a estratégias conscientes, mas a
programas de comportamento inconsciente estabelecidos pelos genes. Chame as duas estratégias de
Tolo e Trapaceiro. Os tolos penteiam indiscriminadamente qualquer um que o necessite. Os
trapaceiros aceitam o altruísmo dos tolos, mas nunca penteiam ninguém, nem mesmo alguém que já
os tenha penteado anteriormente. Como no caso dos gaviões e pombos, arbitrariamente atribuímos
pontos. Não importa quais sejam os valores exatos, desde que o benefício de ser penteado exceda o
custo de pentear. Se a incidência de parasitas for alta, qualquer indivíduo tolo numa população de
tolos pode esperar ser penteado aproximadamente com a mesma freqüência com que ele penteia. O
resultado médio para um tolo entre tolos, portanto, é positivo. Todos eles, de fato, saem-se muito
bem, e a palavra tolo parece imprópria. Mas agora suponha que surja um trapaceiro, ele pode esperar
ser penteado por todos, mas nada dá em troca. Seu resultado médio é melhor do que a média para
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um tolo. Os genes trapaceiros portanto, começarão a difundir-se pela população. Os genes tolos se
extinguirão. Isto ocorre porque os trapaceiros, não importa qual a proporção na população, sempre
terão mais sucesso do que os tolos. Considere, por exemplo, o caso quando a população consiste de
50 por cento de tolos e 50 por cento de trapaceiros. O resultado médio tanto para tolos como para
trapaceiros será menor do que aquele para um indivíduo qualquer numa população de 100 por cento
de tolos. Mesmo assim, os trapaceiros estarão se saindo melhor do que os tolos, pois estão obtendo
todos os benefícios - sendo como são - e nada dando em troca. Quando a população de trapaceiros
atingir 90 por cento, o resultado médio para todos os indivíduos será muito baixo; muitos animais de
ambos os tipos provavelmente estarão morrendo da infecção transmitida pelos piolhos. Mesmo
assim os trapaceiros estarão se saindo melhor do que os tolos. Mesmo se toda a população declinar
em direção à extinção nunca haverá uma ocasião na qual os tolos se saiam melhor do que os
trapaceiros. Portanto, desde que consideremos apenas essas duas estratégias, nada poderá impedir a
extinção dos tolos e, provavelmente, a extinção igualmente de toda a população.
Suponha agora que haja uma terceira estratégia chamada Rancoroso. Os indivíduos rancorosos
penteiam estranhos e aqueles que já os pentearam anteriormente. No entanto, se algum indivíduo os
enganar, eles lembram-se do incidente e recusam-se a pentear este indivíduo no futuro. Em uma
população de indivíduos rancorosos e de tolos, é impossível distinguir um do outro. Ambos os tipos
comportam-se altruisticamente em relação a todos, e ambos obtêm um resultado médio igual alto.
Em uma população consistindo principalmente de trapaceiros, um único indivíduo rancoroso não
seria muito bem sucedido. Ele gastaria muita energia penteando a maior parte dos indivíduos que
encontrasse - pois levaria tempo até ele ter rancor contra todos eles. Por outro lado, ninguém o
pentearia em troca. Se os indivíduos rancorosos forem raros em comparação aos trapaceiros, o gene
para rancor se extinguirá. Assim que os rancorosos conseguem aumentar em número de modo a
atingirem uma proporção crítica, no entanto, a probabilidade de se encontrarem torna-se
suficientemente grande para compensar o esforço despendido em pentear trapaceiros. Quando esta
proporção crítica é alcançada eles começarão a ter um resultado médio maior do que os trapaceiros,
e estes serão levados cada vez mais depressa à extinção. Quando eles estiverem quase extintos a taxa
de declínio torna-se-á mais lenta e eles poderão sobreviver como uma minoria por bastante tempo.
Isto se dá porque para um dado trapaceiro raro há apenas uma pequena chance dele encontrar o
mesmo indivíduo rancoroso duas vezes; a proporção, na população, de indivíduos rancorosos contra
determinado trapaceiro, portanto, será pequena.
Contei a história dessas estratégias como se fosse intuitivamente óbvio o que aconteceria. De
fato, não é assim tão óbvio e realmente tive o cuidado de fazer a simulação em um computador para
me certificar de que a intuição estava correta. Rancoroso revela-se, efetivamente, uma estratégia
evolutivamente estável contra tolo e trapaceiro, no sentido de que em uma população consistindo
principalmente de indivíduos rancorosos, nem os tolos, nem os trapaceiros invadirão. Trapaceiro, no
entanto, também é uma EEE, pois uma população consistindo principalmente deles não será
invadida nem por rancorosos, nem por tolo. Uma população poderia se estabilizar com qualquer uma
dessas duas estratégias evolutivamente estáveis. A longo prazo ela poderá passar de uma à outra.
Dependendo dos valores exatos dos resultados - as suposições na simulação, é claro, foram
completamente arbitrárias - um ou o outro dos dois estados estáveis terá uma "zona de atração"
maior e terá maior probabilidade de ser alcançado. Note, a propósito, que embora uma população de
trapaceiros tenha maior probabilidade de se extinguir do que uma população de indivíduos
rancorosos, isto de forma alguma afeta sua posição do EEE. Se uma população atinge uma EEE que
a leva à extinção, ela se extinguirá e isto é tudo.
É bastante divertido observar uma simulação de computador a qual começa com uma grande
maioria de tolos, uma minoria de rancorosos um pouco acima da freqüência crítica, e uma minoria
de trapaceiros com aproximadamente o mesmo tamanho. A primeira coisa que acontece é uma
queda dramática na população de tolos, à medida que os trapaceiros exploram-nos implacavelmente.
Os trapaceiros experimentam uma explosão populacional crescente, atingindo seu pico assim que o
último tolo perece. Mas os trapaceiros terão que se haver com os rancorosos. Durante o declínio
súbito dos tolos, os rancorosos vagarosamente diminuíram de número, prejudicados pelos
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trapaceiros prósperos, mas conseguindo manter-se. Depois que o último tolo se foi e os trapaceiros
não podem mais ter sucesso tão facilmente com a exploração egoísta, os rancorosos vagarosamente
começam a aumentar às custas dos trapaceiros. O aumento de sua população uniformemente ganha
impulso. Ele se acelera abruptamente, a população de trapaceiros cai quase até a extinção, depois se
estabiliza quando estes desfrutam o privilégio da raridade e a relativa liberdade dos rancorosos que
isto proporciona. No entanto, vagarosa e inexoravelmente os trapaceiros são expulsos e os
rancorosos tornam-se possuidores únicos. Paradoxalmente, a presença dos tolos na realidade pôs em
perigo os rancorosos no começo da história porque eles foram responsáveis pela prosperidade
temporária dos trapaceiros.
Meu exemplo hipotético a respeito dos perigos de não ser penteado, a propósito, é bastante
plausível. Camundongos mantidos em isolamento tendem a desenvolver feridas desagradáveis nas
partes da cabeça que não podem alcançar. Em um estudo, os camundongos mantidos em grupos não
tiveram este problema, porque os indivíduos lambiam-se as cabeças mutuamente. Seria interessante
testar a teoria do altruísmo recíproco experimentalmente; parece que camundongos são material
adequado ao estudo.
Trivers discute a notável simbiose dos peixes limpadores. Cerca de cinqüenta espécies,
incluindo pequenos peixes e camarões, vivem de coletar parasitas da superfície de peixes maiores de
outras espécies. Os peixes grandes obviamente beneficiam-se ao serem limpos e os limpadores
obtêm um bom suprimento de alimento. O relacionamento é simbiôntico. Em muitos casos os peixes
grandes abrem suas bocas e permitem que os limpadores entrem para limpar seus dentes e em
seguida saiam nadando através das brânquias, as quais eles também limpam. Poder-se-ia esperar que
um peixe grande esperasse astuciosamente até que tivesse sido completamente limpo e então
devorasse o limpador. Entretanto, em vez disto, ele normalmente deixa o limpador afastar-se
livremente. Este é um feito considerável de aparente altruísmo, pois em muitos casos o limpador tem
o mesmo tamanho que as presas normais do peixe maior.
Os peixes limpadores possuem padrões de listras e exibições de danças especiais que os
identificam como limpadores. Os peixes grandes tendem a evitar comer os peixes pequenos que
tenham o tipo correto de listras e que deles se aproximem com o tipo certo de dana. Eles entram num
estado como que de transe e oferecem ao limpador livre acesso a seu exterior e interior. Os genes
egoístas sendo como são, não surpreende que trapaceiros implacáveis e explorados se aproveitaram
da situação. Há espécies de peixes pequenos que se parecem com os limpadores e dançam da mesma
maneira a fim de conseguir um salvo-conduto para se aproximar do peixe maior. Ouando este último
entrou no transe esperado, o trapaceiro, em vez de extrair um parasita, abocanha um pedaço da
barbatana do peixe maior e bate em rápida retirada. Mas, apesar dos trapaceiros, o relacionamento
entre os limpadores e seus clientes é, em grande parte, amigável e estável. A profissão de limpador
desempenha um papel importante na vida diária da comunidade do recife de coral. Cada limpador
tem seu próprio território e tem-se observado peixes grandes fazerem fila para serem atendidos,
como fregueses num salão de barbeiro. Provavelmente é este apego ao lugar que torna possível a
evolução, neste caso, do altruísmo recíproco retardado. O benefício para um peixe grande de poder
retornar constantemente ao mesmo "salão de barbeiro", em vez de sempre procurar um novo, deve
compensar o custo de evitar comer o limpador. A presença de limpadores miméticos embusteiros
talvez indiretamente arrisque os limpadores legítimos estabelecendo uma pequena pressão sobre os
peixes grandes para que estes comam dançarinos listrados. O apego ao lugar por parte dos
limpadores genuínos permite aos fregueses achá-los e evitar trapaceiros.
Uma memória durável e a capacidade para o reconhecimento individual são bem
desenvolvidas no homem. Poderíamos esperar, portanto, que o altruísmo recíproco tivesse
desempenhado um papel importante na evolução humana. Trivers chega a sugerir que muitas de
nossas características psicológicas -inveja, culpa, gratidão, simpatia, etc. - foram moldadas pela
seleção natural para melhorar a habilidade de trapacear, para detectar trapaceiros e para evitar que os
outros indivíduos pensem que somos um embusteiro. De interesse particular são os "trapaceiros
sutis", os quais parecem retribuir, mas que consistentemente devolvem um pouco menos do que
119
recebem. É até mesmo possível que o cérebro aumentado do homem e sua predisposição a raciocinar
matematicamente tenham evoluído como um mecanismo para trapacear cada vez mais
maliciosamente e para a detecção cada vez mais aguçada da trapaça em outros. O dinheiro é um
símbolo formal de altruísmo recíproco retardado.
Não tem fim a fascinante especulação que a idéia de altruísmo recíproco provoca quando a
aplicamos a nossa própria espécie. Tentadora como ela seja, não sou melhor em tais especulações do
que qualquer outro, de modo que deixo o leitor divertir-se.
120
Capítulo 11
MEMES: OS NOVOS REPLICADORES
Até agora não falei muito a respeito do homem em especial, embora tampouco o tenha
deliberadamente excluído. Parte do motivo por eu ter usado o termo "máquina de sobrevivência" é
que "animal" teria excluído as plantas e, para algumas pessoas, os seres humanos. Os argumentos
apresentados deveriam prima facie, aplicar-se a qualquer ser que evoluiu. Se uma espécie constituir
exceção, devem haver boas razões. Há boas razões para supor que nossa própria espécie seja única?
Acredito que a resposta seja afirmativa.
Quase tudo que é incomum no homem pode ser resumido em uma palavra: "cultura". Não usei
a palavra em um sentido esnobe, mas como os cientistas a usam. A transmissão cultural é análoga à
transmissão genética no sentido de que embora seja basicamente conservadora, pode originar um
tipo de evolução. Geoffrey Chaucer não poderia manter conversação com um inglês contemporâneo,
embora estejam ligados entre si por uma cadeia ininterrupta de cerca de vinte gerações de ingleses,
cada um dos quais podia falar com seus vizinhos imediatos na cadeia, como um filho fala com seu
pai. A língua parece "evoluir" por meios não genéticos e a uma velocidade muito superior a da
evolução genética.
A transmissão cultural não é característica apenas do homem. O melhor exemplo que conheço
entre os animais foi recentemente descrito por P. F. Jenkins no canto de uma ave ("saddleback") que
vive em ilhas próximas da Nova Zelândia. Na ilha na qual ele trabalhou havia um repertório total de
cerca de nove cantos diferentes. Cada macho emitia apenas um ou alguns desses cantos. Os machos
podiam ser classificados em grupos dialetais. Por exemplo, um grupo de oito machos possuindo
territórios adjacentes, emitiam um canto específico chamado CC. Outros grupos dialetais emitiam
cantos diferentes. Algumas vezes os membros de um grupo dialetal compartilhavam mais de um
canto diferente. Comparando os cantos dos pais e filhos Jenkins mostrou que os padrões de canto
não eram herdados geneticamente. Cada macho jovem provavelmente adotaria por imitação os
cantos de seus vizinhos de território, de modo análogo à linguagem humana. Durante a maior parte
do tempo em que Jenkins esteve lá, havia um número constante de cantos na ilha, um tipo de "fundo
de cantos" do qual cada macho jovem obtinha seu próprio repertório pequeno. Mas, ocasionalmente
Jenkins teve o privilégio de testemunhar a "invenção" de um novo canto, a qual ocorria por um erro
na imitação de um canto antigo. Ele escreve: "Mostrou-se que novas formas de canto originam-se de
várias maneiras pela mudança da altura de uma nota, repetição, elisão de notas e combinação de
trechos de outros cantos já existentes... O aparecimento da nova forma era um acontecimento
abrupto e o resultado era bastante estável durante vários anos. Além disto, em vários casos a variante
foi transmitida com precisão em sua nova forma a jovens, de modo que um grupo reconhecidamente
coerente de cantores semelhantes se desenvolveu". Jenkins se refere à origem dos novos cantos
como "mutações culturais".
O canto nesta ave realmente evolui por meios não genéticos. Há outros exemplos de evolução
cultural nas aves e nos macacos, mas eles são apenas curiosidades interessantes. É a nossa própria
espécie que realmente mostra o que a evolução cultural pode fazer. A linguagem é apenas um
exemplo dentre muitos. A moda nos vestidos e na alimentação, cerimônias e costumes, arte e
arquitetura, Engenharia e Tecnologia, tudo isto evolui no tempo histórico de uma maneira que
parece evolução genética altamente acelerada, mas que na realidade nada tem a ver com esta última.
No entanto, como na evolução genética, a mudança pode ser progressiva. Há um sentido no qual a
Ciência moderna realmente é melhor do que a Ciência antiga. Nossa compreensão do Universo não
apenas muda com o passar dos séculos: ela melhora. Sem dúvida, a atual explosão de
aperfeiçoamento data apenas do Renascimento, o qual foi precedido por um período sombrio de
estagnação no qual a cultura científica européia ficou congelada no nível atingido pelos gregos. Mas,
121
como vimos no Capítulo 5, a evolução genética também pode ocorrer como uma série de explosões
curtas entre platôs estáveis.
A analogia entre a evolução cultural e a evolução genética tem sido freqüentemente enfatizada,
algumas vezes num contexto de conotações místicas desnecessárias. A analogia entre o progresso
científico e a evolução genética pela seleção natural tem sido esclarecida especialmente por "Sir"
Karl Popper. Quero ir ainda mais além por direções que também estão sendo exploradas, por
exemplo pelo geneticista L. L. Cavalli-Sforza, o antropólogo F. T. Cloak e o etólogo J. M. Cullen.
Como um darwinista entusiasta. tenho ficado insatisfeito com as explicações do
comportamento humano oferecidas por outros entusiastas semelhantes. Eles têm tentado procurar
"vantagens biológicas" nos vários atributos da civilização humana. Por exemplo, a religião tribal tem
sido vista como um mecanismo de solidificação da identidade do grupo, importante para uma
espécie que caça em bandos cujos indivíduos dependem da cooperação para capturar presas grandes
e velozes. O pressuposto evolutivo em termos do qual tais teorias são concebidas muitas vezes é
implicitamente do tipo seleção de grupo, mas é possível reformular as teorias em termos de seleção
gênica ortodoxa. Talvez o homem tenha passado boa parte dos últimos milhões de anos vivendo em
pequenos grupos de parentesco. A seleção de parentesco e a seleção em favor do altruísmo recíproco
poderão ter atuado sobre os genes humanos produzindo muitos de nossos atributos e tendências
psicológicas básicas. Essas idéias são plausíveis até certo ponto, mas acho que elas nem começam a
enfrentar o enorme desafio de explicar a cultura, a evolução cultural e as imensas diferenças entre as
culturas humanas espalhadas pelo mundo, do egoísmo absoluto dos Ik de Uganda, descrito por Colin
Turnbull, ao altruísmo suave dos Arapesh de Margaret Mead. Acho que temos que começar
novamente e voltar aos primeiros princípios. O argumento que proporei, que talvez pareça
surpreendente provindo do autor dos capítulos anteriores, é que para uma compreensão da evolução
do homem moderno devemos começar desprezando o gene como a única base de nossas idéias a
respeito de evolução. Sou um darwinista entusiasta, mas acho que o darwinismo é uma teoria grande
demais para ser confinada ao contexto limitado do gene. O gene entrará em minha tese como uma
analogia, nada mais.
O que, afinal de contas, é tão especial a respeito dos genes? A resposta é que eles são
replicadores. As leis da Física supostamente são verdadeiras em todo o universo acessível. Há
qualquer princípio da Biologia que possivelmente tenha uma validade universal semelhante?
Quando os astronautas viajarem para planetas distantes e procurarem vida, eles podem esperar
encontrar criaturas por demais estranhas e misteriosas para que possamos imaginar. Mas, há alguma
coisa que deva sempre caracterizar a vida, onde quer que ela se encontre e qualquer que seja a base
de sua química? Se existirem formas de vida cuja química é baseada em silício e não em carbono, ou
em amônia e não água, se forem descobertas criaturas que morrem queimadas a -1000 C, se for
encontrada uma forma de vida que não é baseada em química, mas em circuitos eletrônicos de
reverberação, haverá, ainda assim, um princípio geral que se aplique à toda a vida? Evidentemente
eu não sei, mas se tivesse que apostar, confiaria meu dinheiro em um princípio fundamental. Esta é a
lei de que toda a vida evolui pela sobrevivência diferencial de entidades replicadoras. O gene, a
molécula de DNA, por acaso é a entidade replicadora mais comum em nosso planeta. Poderá haver
outras. Se houver, desde que certas outras condições sejam satisfeitas, elas quase inevitavelmente
tenderão a tornarem-se a base de um processo evolutivo.
Mas temos que ir para mundos distantes a fim de encontrar outros tipos de replicadores e
outros tipos resultantes de evolução? Acho que um novo tipo de replicador recentemente surgiu
neste próprio planeta. Ele está nos encarando de frente. Ainda está em sua infância, vagueando
desajeitadamente num caldo primordial, mas já está conseguindo uma mudança evolutiva a uma
velocidade que deixa o velho gene muito atrás.
O novo caldo é o caldo da cultura humana. Precisamos de um nome para o novo replicador,
um substantivo que transmita a idéia de uma unidade de transmissão cultural, ou uma unidade de
imitação. "Mimeme" provém de uma raiz grega adequada, mas quero um monossílabo que soe um
pouco como "gene". Espero que meus amigos helenistas me perdoem se eu abreviar mimeme para
122
meme. Se servir como consolo, pode-se, alternativamente, pensar que a palavra está relacionada a
"memória", ou à palavra francesa même.
Exemplos de memes são melodias, idéias, "slogans", modas do vestuário, maneiras de fazer
potes ou de construir arcos. Da mesma forma como os genes se propagam no "fundo" pulando de
corpo para corpo através dos espermatozóides ou dos óvulos, da mesma maneira os memes
propagam-se no "fundo" de memes pulando de cérebro para cérebro por meio de um processo que
pode ser chamado, no sentido amplo, de imitação. Se um cientista ouve ou lê uma idéia boa ele a
transmite a seus colegas e alunos. Ele a menciona em seus artigos e conferências. Se a idéia pegar,
pode-se dizer que ela se propaga , si própria, espalhando-se de cérebro a cérebro. Como meu colega
N. K. Humphrey claramente resumiu uma versão inicial deste capítulo: ". . . os memes devem ser
considerados como estruturas vivas, não apenas metafórica mas tecnicamente. Quando você planta
um meme fértil em minha mente, você literalmente parasita meu cérebro, transformando-o num
veículo para a propagação do meme, exatamente como um vírus pode parasitar o mecanismo
genético de uma célula hospedeira. E isto não é apenas uma maneira de falar - o meme, por
exemplo, para "crença numa vida após a morte" é, de fato, realizado fisicamente, milhões de vezes,
como uma estrutura nos sistemas nervosos dos homens, individualmente, por todo o mundo".
Considere a idéia de Deus. Não sabemos como ela se originou no "fundo" de memes.
Provavelmente originou-se muitas vezes por "mutação" independente. De qualquer forma, ela é
realmente muito antiga. Como se replica? Pela palavra escrita e falada, auxiliada por música e arte
estupendas. Por que tem um valor de sobrevivência tão alto? Lembre-se que "valor de
sobrevivência" aqui não significa valor para um gene no "fundo", mas valor para um meme num
"fundo" de memes. A pergunta realmente significa: o que há com a idéia de um deus que lhe dá
estabilidade e penetração no ambiente cultural? O valor de sobrevivência do meme para deus no
"fundo" resulta de sua grande atração psicológica. Ele fornece uma resposta superficialmente
plausível para questões profundas e perturbadoras a respeito da existência. Ele sugere que as
injustiças neste mundo talvez possam ser corrigidas no próximo. Os "braços eternos" oferecem uma
proteção contra nossas próprias deficiências, a qual, como o placebo do médico, não é menos
eficiente por ser imaginária. Essas são algumas das razões pelas quais a idéia de Deus é copiada tão
facilmente por gerações sucessivas de cérebros individuais. Deus existe, mesmo se apenas sob a
forma de um meme com alto valor de sobrevivência ou de poder infectante no ambiente fornecido
pela cultura humana.
Alguns de meus colegas sugeriram que esta descrição do valor de sobrevivência do meme para
deus não resolve o problema. Em última análise eles querem sempre retomar à "vantagem
biológica". Para eles não basta dizer que a idéia de um deus possui "grande atratividade
psicológica". Eles querem saber por que ela o tem. A atratividade psicológica significa atratividade
aos cérebros, e estes são moldados pela seleção natural de genes nos "fundos". Eles querem
descobrir uma maneira pela qual ter um cérebro destes aumenta a sobrevivência dos genes.
Tenho muita simpatia por esta atitude e não duvido que haja vantagens genéticas em termos
cérebros como temos. No entanto acho que esses colegas verificarão, se olharem cuidadosamente
para os princípios básicos de suas próprias pressuposições, que deixam de resolver tantos problemas
quanto eu. Basicamente, a razão pela qual é uma boa política tentar explicar fenômenos biológicos
em termos de vantagem aos genes é que eles são replicadores. Assim que o caldo primordial
ofereceu condições nas quais as moléculas podiam fazer cópias de si mesmas, os próprios
replicadores passaram a dominar. Por mais de três bilhões de anos o DNA tem sido o único
replicador digno de menção no mundo. Mas ele não mantêm necessariamente esses direitos de
monopólio para sempre. Sempre que surgirem condições nas quais um novo tipo de replicador possa
fazer cópias de si mesmo, os novos replicadores tenderão a dominar e a iniciar um novo tipo de
evolução própria. Quando essa nova evolução começar não terá, em nenhum sentido obrigatório,
que se submeter à antiga. A evolução antiga de seleção de genes, produzindo cérebros, forneceu o
"caldo" no qual os primeiros memes originaram-se. Quando os memes auto-copiadores surgiram,
seu próprio tipo de evolução, muito mais rápido, teve início. Nós, biólogos, assimilamos a idéia de
123
evolução genética tão profundamente que temos a tendência a esquecer que ela é apenas um dentre
vários tipos possíveis de evolução.
É por imitação, em um sentido amplo, que os memes podem replicar-se. Mas, da mesma
maneira como nem todos os genes que podem se replicar têm sucesso em fazê-lo, da mesma forma
alguns memes são mais bem sucedidos no "fundo" do que outros. Isto é análogo à seleção natural.
Mencionei exemplos específicos de qualidades que determinam um alto valor de sobrevivência entre
os memes. Mas, de um modo geral, elas têm que ser as iguais àquelas discutidas para os replicadores
do Capítulo 2: longevidade, fecundidade e fidelidade de cópia. A longevidade de uma cópia
qualquer de um meme é, talvez, relativamente pouco importante, assim como o é uma cópia
qualquer de um gene. A cópia da melodia "Auld Lang Syrie" que existe em meu cérebro durará
apenas até o fim de minha vida. A cópia da mesma melodia impressa em volume do Livro de
Canções do Estudante Escocês provavelmente não durará muito mais que isto. Mas espero que
existirão cópias da mesma melodia impressas e nos cérebros das pessoas por muitos séculos. Como
no caso dos genes, a fecundidade é muito mais importante do que a longevidade de cópias
específicas. Se o meme for uma idéia científica, sua difusão dependerá de quão aceitável ela é para a
população de cientistas; uma primeira estimativa de seu valor de sobrevivência poderia ser obtida
contando o número de vezes que ela é citada em revistas científicas em anos subseqüentes. Se for
uma melodia popular, sua difusão pelo "fundo" de memes poderá ser avaliada pelo número de
pessoas que a assobiam nas ruas. Se for uma moda de sapato feminino, o memeticista de população
poderá usar estatísticas de vendas de lojas de sapatos. Alguns memes, como alguns genes,
conseguem um sucesso brilhante a curto prazo ao espalharem-se rapidamente, mas não permanecem
muito tempo no "fundo". As canções populares e os saltos finos são exemplos destes. Outros, tais
como as leis religiosas judaicas, poderão continuar a se propagar durante milhares de anos,
geralmente devido à grande durabilidade em potencial dos registros escritos.
Isto me leva à terceira qualidade geral dos replicadores bem sucedidos: a fidelidade de cópia.
Aqui devo admitir que estou inseguro. À primeira vista parece que os memes não são, de forma
alguma, replicadores de alta fidelidade. Cada vez que um cientista ouve uma idéia e transmite-a a
outra pessoa ele provavelmente muda-a bastante. Não fiz segredo a respeito de minha dívida às
idéias de R. L. Trivers neste livro. No entanto, não as repeti com suas próprias palavras.
Reformulei-as para meus próprios propósitos, alterando a ênfase, misturando-as com minhas
próprias idéias e de outras pessoas. Os memes estão sendo transmitidos a você sob forma alterada.
Isto é bastante diferente da qualidade particulada, do tipo tudo-ou-nada, da transmissão dos genes.
Parece que a transmissão dos memes está sujeita à mutação contínua e também à mistura.
É possível que esta aparência de não particularidade seja ilusória e que a analogia com os
genes não se interrompa. Afinal de contas, se olharmos para a herança de muitas características
genéticas tais como a altura ou a da pele nos seres humanos, não parecerá o resultado de genes
indivisíveis e que não se misturam. Se uma pessoa negra e uma branca se casam, seus filhos não
serão nem negros e nem brancos: serão intermediários. Isto não significa que os genes envolvidos
não sejam partículas. Ocorre apenas que há tantos deles relacionados à cor da pele, cada um tendo
um efeito tão pequeno, que parecem se misturar. Até agora falei de memes como se fosse óbvio de
que um meme unitário consiste. Mas isto, é claro, está longe de ser óbvio. Eu disse que uma melodia
era um meme, mas e uma sinfonia: quantos memes temos aqui? Será cada movimento um meme,
cada frase ou melodia, cada compasso, cada acorde, ou o que?
Apelo ao mesmo truque lingüístico usado no Capítulo 3. Neste capítulo dividi o "complexo
gênico" em unidades genéticas grandes e pequenas, e unidades dentro de outras unidades. O "gene"
foi definido não de maneira rígida absoluta, mas como uma unidade de conveniência, um pedaço de
cromossomo com fidelidade de cópia suficiente para servir como unidade viável de seleção natural.
Se uma única frase da Nona Sinfonia de Beethoven for característica e memorável o suficiente para
ser abstraída do contexto de toda a sinfonia e utilizada como um prefixo enlouquece doramente
intrometido de uma estação de rádio européia, então, neste sentido, ela merece ser chamada de
meme. A propósito, ela diminuiu marcantemente minha capacidade de apreciar a sinfonia original.
124
Da mesma maneira, quando dizemos que todos os biólogos atualmente acreditam na teoria de
Darwin, não queremos dizer que todo biólogo tem, gravada em seu cérebro, uma cópia idêntica das
palavras exatas do próprio Charles Darwin. Cada indivíduo tem sua própria maneira de interpretar as
idéias de Darwin. Ele provavelmente as aprendeu não das obras de Darwin, mas de autores mais
recentes. Muito do que Darwin disse, em detalhe, está errado. Se Darwin lesse este livro, ele
dificilmente reconheceria aqui sua teoria original, embora espero que ele gostasse da maneira como
apresentei-a. No entanto, apesar de tudo isto, existe alguma coisa, alguma essência do Darwinismo,
que está presente na mente de todo indivíduo que entende a teoria. Se assim não fosse, então quase
qualquer afirmação a respeito de duas pessoas concordarem entre si não teria sentido. Um "meme de
idéia" pode ser definido como uma entidade capaz de ser transmitida de um cérebro para outro. O
meme da teoria de Darwin, portanto, é o fundamento essencial da idéia que é compartilhado por
todos os cérebros que compreendem-na. As diferenças nas maneiras como as pessoas representam a
teoria não são, por definição, parte do meme. Se a teoria de Darwin puder ser subdividida em partes
componentes, de tal forma que algumas pessoas acreditam no componente A mas não no
componente B, enquanto outras acreditam em B mas não em A, então A e B deveriam ser
considerados memes separados. Se quase todas as pessoas que acreditam em A também acreditam
em B - se os memes estiverem, usando o termo genético, fortemente "ligados" - então será
conveniente juntá-los como um só meme.
Prossigamos um pouco mais com a analogia entre memes e genes. Por todo este livro enfatizei
que não devemos pensar nos genes como agentes conscientes intencionais. A seleção natural cega,
no entanto, faz com que eles se comportem como se fossem intencionais, e tem sido conveniente,
para abreviar, referirmo-nos aos genes na linguagem de propósitos. Por exemplo, quando dizemos
"os genes estão tentando aumentar seu número nos "fundos" do futuro", o que realmente queremos
dizer é que "os genes que se comportam de modo a aumentarem seu número nos "fundos" do futuro
tendem a ser os genes cujos efeitos vemos no mundo". Assim como achamos conveniente imaginar
os genes como agentes ativos, trabalhando intencionalmente para sua própria sobrevivência, talvez
seja conveniente pensar da mesma maneira sobre os memes. Em nenhum dos dois casos devemos
nos tornar místicos. Em ambos a idéia de propósito é apenas uma metáfora, mas já vimos que
metáfora útil ela é no caso dos genes. Até mesmo usamos palavras como "egoísta" e "implacável"
para os genes, tendo plena consciência de que eram apenas um modo de falar. Poderemos, com
exatamente o mesmo espírito, procurar memes egoístas ou implacáveis?
Há um problema aqui com relação à natureza da competição. Onde há reprodução sexuada
cada gene está competindo especificamente com seus próprios alelos - rivais quanto à mesma fenda
cromossômica. Os memes parecem nada ter de equivalente a cromossomos ou a alelos. Suponho que
haja um sentido banal pelo qual se pode dizer que muitas idéias têm "opostos". Mas, em geral, os
memes assemelham-se às primeiras moléculas replicadoras, flutuando caoticamente livres no caldo
primordial, e não aos genes modernos em seus regimentos cromossômicos regularmente pareados.
Em que sentido, então, estão os memes competindo entre si? Deveríamos esperar que fossem
"egoístas" ou "implacáveis" se não têm alelos? A resposta é que deveríamos, porque há um sentido
no qual eles devem engajar-se em um tipo de competição entre si.
Qualquer usuário de um computador digital sabe como são preciosos o tempo e o espaço de
armazenamento de memória de um computador. Em muitos centros de computação grandes eles são
literalmente avaliados em dinheiro; ou cada usuário poderá receber uma ração de tempo, medida em
segundos, e uma ração de espaço, medida em "palavras". Os computadores nos quais os memes
vivem são os cérebros humanos. O tempo possivelmente seja um fator limitante mais importante do
que espaço de armazenamento; ele é objeto de forte competição. O cérebro humano e o corpo por
ele controlado não podem fazer mais do que uma ou algumas coisas de cada vez. Se um meme
quiser dominar a atenção de um cérebro humano, ele deve fazê-lo às custas de memes "rivais".
Outros artigos pelos quais os memes competem são tempo de rádio e televisão, espaço para
anúncios, espaço de jornal e espaço de estantes de biblioteca.
125
No caso dos genes, vimos no Capítulo 3 que complexos co-adaptados de genes podem se
originar no "fundo". Um conjunto grande de genes relacionados ao mimetismo nas borboletas
tornou-se fortemente unido no mesmo cromossomo, tão fortemente que pode ser visto como um
gene. No Capítulo 5 examinamos a idéia mais sofisticada do conjunto evolutivamente estável de
genes. Dentes, garras, vísceras e órgãos dos sentidos mutuamente adequados evoluíram nos "fundos"
gênicos dos carnívoros, enquanto que um conjunto estável diferente emergiu dos "fundos" dos
herbívoros. Será que alguma coisa semelhante ocorre nos "fundos" de memes? Terá o meme para
deus, por exemplo, se associado a outros memes específicos, e será que esta associação auxilia a
sobrevivência de cada um dos memes componentes? Talvez pudéssemos considerar uma igreja
organizada, com sua arquitetura, rituais, leis, música, arte e tradição escrita como um conjunto
co-adaptado estável de memes que se auxiliam mutuamente.
Para mencionar um exemplo específico, um aspecto da doutrina que tem sido eficiente em
compelir à obediência religiosa é a ameaça do fogo infernal. Muitas crianças e até mesmo alguns
adultos acreditam que sofrerão tormentos horríveis após a morte se não obedecerem as regras dos
sacerdotes. Esta é uma técnica particularmente sórdida de persuasão, tendo causado grande angústia
psicológica por toda a Idade Média e até mesmo hoje. Mas é altamente eficiente. Quase podemos
supor que foi deliberadamente planejada por um clero maquiavélico treinado em técnicas profundas
de doutrinação psicológica. No entanto, duvido que os sacerdotes tenham sido tão inteligentes. Mais
provavelmente memes inconscientes garantiram sua própria sobrevivência por meio das mesmas
qualidades de pseudo-implacabilidade que os genes bem sucedidos exibem. A idéia de fogo infernal
é, simplesmente, auto-perpetuadora devido a seu impacto psicológico profundo. Ela ligou-se ao
meme para deus porque as duas idéias reforçam-se mutuamente e cada uma ajuda a sobrevivência da
outra no "fundo" de memes.
Outro membro do complexo religioso de memes é chamado fé; significa confiança cega, na
ausência de evidência, ou mesmo diante dela. A história de São Tomé é narrada não para que o
admiremos, mas para que possamos admirar, por comparação, os outros apóstolos. Tomé exigiu
evidência. Nada pode ser mais letal para certos tipos de memes do que a tendência a procurar
evidência. Os outros apóstolos, cuja fé era tão forte que não precisavam de evidência, nos são
apresentados como dignos de serem imitados. O meme para a fé cega garante sua própria
perpetuação pelo recurso inconsciente simples de desencorajar a indagação racional.
A fé cega pode justificar qualquer coisa. Se um homem acredita em um deus diferente, ou
mesmo se ele utiliza um ritual diferente para adorar o mesmo deus, a fé cega pode decretar que ele
deve morrer - na cruz, na fogueira, traspassado pela espada de um cruzado, por uma bala numa rua
de Beirute ou numa explosão em um bar de Belfast. Os memes para a fé cega possuem seus próprios
métodos implacáveis de se propagarem. Isto vale tanto para a fé religiosa cega como para a fé
patriótica e política.
Os memes e os genes muitas vezes podem se reforçar mutuamente, mas as vezes eles se
opõem. O hábito do celibato, por exemplo, supõe-se não ser herdado geneticamente. Um gene para o
celibato está fadado a falhar no "fundo", exceto sob condições muito especiais tais como
encontramos nos insetos sociais. Assim mesmo, um meme para o celibato pode ser bem sucedido no
"fundo" de memes. Suponha, por exemplo, que o sucesso de um meme dependa de quanto tempo as
pessoas gastam transmitindo-o ativamente a outras pessoas. Todo tempo gasto em fazer qualquer
outra coisa que não tentar transmitir o meme pode ser considerado tempo perdido do ponto de vista
do meme. O meme para o celibato é transmitido por sacerdotes aos meninos jovens que ainda não
decidiram o que querem fazer de suas vidas. O meio de transmissão é a influência humana de vários
tipos, a palavra escrita e falada, o exemplo pessoal e assim por diante. Suponha, para continuar o
raciocínio,que o casamento enfraquecesse o poder de um sacerdote de influenciar sua congregação,
talvez porque ocupasse grande parte de seu tempo e atenção. Isto, de fato, tem sido proposto como
um motivo oficial para a obrigação ao celibato entre padres. Se isto ocorresse, o resultado seria que
o meme para o celibato poderia ter maior valor de sobrevivência do que o meme para o casamento.
Exatamente o oposto, é claro, ocorreria com um gene para o celibato. Se o sacerdote é uma máquina
126
de sobrevivência para os memes, o celibato será um atributo útil para ser introduzido nele. O
celibato é apenas um componente secundário em um grande complexo de memes religiosos que se
ajudam mutuamente.
Imagino que os complexos de memes co-adaptados evoluam da mesma maneira como os
complexos de genes. A seleção favorece os memes que exploram seu ambiente cultural para
vantagem própria. Este ambiente cultural consiste de outros memes que também estão sendo
selecionados. O "fundo" de memes, portanto, passa a ter os atributos de um conjunto evolutivamente
estável, o qual os novos memes acham difícil invadir.
Tenho sido um pouco negativo com relação aos memes, mas eles têm seu lado alegre também.
Quando morremos há duas coisas que podemos deixar atrás de nós; genes e memes. Somos
construídos como máquinas gênicas, criados para transmitir nossos genes. Mas este nosso aspecto
será esquecido em três gerações. Seu filho, talvez até seu neto, poderão se assemelhar a você, talvez
nas características faciais, no talento para a música ou na cor do cabelo. Mas, com a passagem de
cada geração, a contribuição de seus genes fica dividida pela metade; não leva muito tempo para
atingir proporções desprezíveis. Nossos genes poderão ser imortais, mas a coleção de genes que
constitui cada um de nós certamente desintegrar-se-á. A rainha Elizabeth II é descendente direta de
Guilherme o Conquistador. No entanto é bastante provável que ela não possua um único gene
proveniente do velho rei. Não devemos buscar a imortalidade na reprodução.
Mas, se você contribui para a cultura mundial, se você tem uma boa idéia, compõe uma
melodia, inventa uma vela de ignição ou escreve um poema, a idéia poderá sobreviver, intacta,
muito tempo após seus genes terem se dissolvido no "fundo" comum. Sócrates poderá ter ou não
genes vivos no mundo hoje, como G. C. Williams observou, mas quem se importa com isso? Os
complexos de memes de Sócrates, Leonardo, Copérnico e Marconi ainda prosperam.
Não importa quão especulativo seja meu desenvolvimento da teoria dos memes, há um ítem
sério que eu gostaria de enfatizar mais uma vez. Quando examinamos a evolução das características
culturais e seu valor de sobrevivência, devemos deixar claro a sobrevivência de quem estamos
falando. Os biólogos, como vimos, estão acostumados a procurar vantagens ao nível do gene (ou do
indivíduo, do grupo, ou da espécie, de acordo com o gosto). O que não levamos em conta
anteriormente é que uma característica cultural poderá ter evoluído da maneira como o fez
simplesmente porque é vantajoso para ela própria.
Não temos que procurar valores biológicos de sobrevivência convencionais de características
como religião, música e danças rituais, embora eles também possam estar presentes. Assim que os
genes fornecerem às suas máquinas de sobrevivência cérebros capazes de imitação rápida, os memes
automaticamente assumirão a responsabilidade. Não temos nem mesmo que postular uma vantagem
genética da imitação, embora isso certamente ajudasse. Basta que o cérebro seja capaz de imitação:
haverá então a evolução de memes que exploram plenamente a capacidade.
Termino agora o tópico dos novos replicadores e encerro o livro com um lembrete de
esperança moderada. Uma característica única do homem, a qual poderá ou não ter evoluído
memicamente, é sua capacidade de previsão consciente. Os genes egoístas (e, se você permitir as
especulações desse capítulo, os memes também) não têm capacidade de previsão. Eles são
replicadores inconscientes e cegos. O fato deles se replicarem, juntamente com certas outras
condições, significa, quer se queira quer não, que eles tenderão em direção à evolução de qualidades
as quais, no sentido especial deste livro, podem ser chamados de egoístas. Não se pode esperar que
um replicador simples, seja ele um gene ou um meme, abra mão de vantagens egoístas a curto prazo,
mesmo que lhe fosse vantajoso, a longo prazo, fazê-lo. Vimos isto no capítulo sobre a agressão.
Mesmo que a "conspiração de pombos" seja melhor para cada indivíduo isoladamente do que a
estratégia evolutivamente estável, a seleção natural favorecerá a EEE.
É possível que ainda outra qualidade única do homem seja a capacidade de altruísmo
verdadeiro, desinteressado e genuíno. Eu espero que sim, mas não vou discutir o assunto nem
especular a respeito de sua possível evolução mêmica. O que estou argumentando agora P que
mesmo que olhemos para o lado escuro e assumamos que o homem é fundamentalmente egoísta,
127
nossa capacidade consciente de previsão - nossa capacidade de simular o futuro na imaginação
poderia nos salvar dos piores excessos egoístas dos replicadores cegos. Pelo menos temos o
equipamento mental para promover nossos interesses egoístas a longo prazo e não simplesmente
aqueles a curto prazo. Podemos ver os benefícios a longo prazo de participar de uma "conspiração
de pombos" e podemos nos reunir para discutir maneiras de fazer com que a conspiração funcione.
Temos o poder de desafiar os genes egoístas de nosso nascimento e, se necessário, os memes
egoístas de nossa doutrinação. Podemos até discutir maneiras de cultivar e estimular o altruísmo
puro e desinteressado - o que não ocorre na Natureza e que nunca existiu antes em toda história do
mundo. Somos construídos como máquinas gênicas e cultivados como máquinas mêmicas, mas
temos o poder de nos revoltarmos contra nossos criadores. Somente nós, na Terra, podemos nos
rebelar contra a tirania dos replicadores egoístas.
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A presente edição de O GENE EGOISTA,
de autoria de Richard Dawkins foi traduzida por
Geraldo H. M. Florsheim. É o volume n° 7 da
Coleção O Homem e a Ciência, dirigida por
Antônio Brito da Cunha, do Instituto de
Biociências da Universidade de São Paulo. Foi
composta em IBM Polyester-Film, com tipos da
Família Press Roman, corpo 10/12. Notas em
corpo 8/10 da mesma família. A mancha
tipográfica é de 26 x 40 paicas, em máquina MC
Composer IBM, operada por Marli Passos de
Souza nos estúdios da própria Editora. O papel é
de fabricação nacional, no formato 87 x 114 - 85
g/m2, especialmente fabricado para esta edição e
fornecido por SAMAB - S. A. Mercantil AngloBrasileira, à Av. Amazonas, 311 - Belo Horizonte.
A capa foi concebida pela artista plástica Branca
de Castro. Os fotolitos da capa foram executados
por YANGUER – Estúdio Gráfico Ltda., à Rua
Mem de Sá, 134 - São Paulo. Planejado e
diagramado por Alceu Letal. Impressa na Gráfica
Bisordi Ltda., à Rua Santa Clara, 54 - Brás - São
Paulo, para a Editora Itatiaia Limitada, à Rua da
Bahia, 902 - Belo Horizonte, em regime de
co-edição com a EDUSP - EDITORA DA
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, em agosto
de 1979, e no catálogo geral leva o número 0586.
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