A Comunidade Remanescente de Quilombo de Pedro

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A “Recomendação das Almas” na Comunidade Remanescente de Quilombo de
Pedro Cubas
(Gabriela Segarra Martins Paes)
A Comunidade Remanescente de Quilombo de Pedro Cubas localiza-se no sul
do Estado de São Paulo, no vale do rio Ribeira de Iguape, na zona rural do município de
Eldorado.
A origem dessa comunidade está relacionada com a exploração de metais
preciosos nos séculos XVII e XVIII. Vários núcleos mineradores foram formados ao
longo do rio Ribeira de Iguape e africanos foram importados para o trabalho nas minas.
No entanto, com a decadência da mineração, no final do século XVIII, muitos
escravizados foram abandonados ou alforriados, transformando-se em camponeses
livres 1 .
Na Comunidade de Pedro Cubas, nos dias atuais, a “Recomendação das Almas”
acontece durante a quaresma, em um número ímpar de noites, mas a mais importante é a
da Sexta-feira Santa. Nessa noite, os devotos reúnem-se na casa de um dos participantes
às 22 horas. O culto inicia-se com cânticos entoados em louvor aos parentes e amigos
falecidos. Logo após, inicia-se uma caminhada silenciosa de 9 km até o cemitério. À
meia-noite, o grupo deve chegar ao cemitério - ponto alto da procissão e o horário que
os mortos chegam ao mundo dos vivos. Velas são acesas e outros cânticos são entoados.
Na volta, o grupo deve parar em cinco, sete, nove ou onze (um número ímpar
determinado pelo capelão) pontos significativos para a comunidade, como casas de
conhecidos ou casas existentes no passado, taperas, cruzeiros e encruzilhadas, onde
novamente cânticos são entoados. O grupo deve andar nas laterais da estrada para que o
caminho fique livre para as almas e, também, para não serem levados por elas.
A “Recomendação das Almas” existe em várias regiões do Brasil, como em
Minas Gerais, Alagoas, Bahia, Santa Catarina entre outras, e recebeu a atenção de
vários especialistas em cultura popular, como Câmara Cascudo 2 , Mello Moraes Filho 3 e
1
ANDRADE, Tânia; PEREIRA, Carlos Alberto Claro; ANDRADE, Márcia Regina de Oliveira. Negros
do Ribeira: reconhecimento étnico e conquista do território. 2. ed. São Paulo: ITESP: Páginas & Letras,
2000 (Cadernos do ITESP;3).
2
CASCUDO, Luis da Camara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 6. ed. Belo Horizonte:
Itatiaia, 1988.
3
MORAES FILHO, Mello. Festas e Tradições Populares do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:
Ed. da Universidade de São Paulo, 1979
Alceu Maynard Araújo 4 . As origens dessa tradição são portuguesas e, segundo Margot
Dias e Jorge Dias, a “Encomendação das Almas”, como é chamada em Portugal, é
realizada desde a Alta Idade Média, com a mistura de elementos mágico-pagãos com
uma prática medieval católica 5 . Tanto no Brasil quanto em Portugal, essa tradição foi
popular até o final do século XIX.
Maria Isaura Pereira de Queiroz destacou a longevidade e o enraizamento da
“Recomendação das Almas” tanto no norte quanto no sul do Brasil 6 . Definiu-a como
uma das práticas do catolicismo praticado no meio rural brasileiro. A “Recomendação
das Almas” era organizada por leigos e não por agentes do clero oficial. Esse é um dos
principais aspectos do catolicismo popular, pois na ausência de sacerdotes, os leigos
foram os responsáveis pela difusão da fé cristã. Desenvolveu-se um catolicismo popular
marcadamente diferente do catolicismo romano e repleto de influências africanas.
Assim, a “Recomendação das Almas” de Pedro Cubas, uma das práticas do catolicismo
popular, incorporou elementos africanos e europeus numa nova formação cultural.
Pensando nos primeiros agrupamentos de africanos que aportaram na região,
eles tiveram que encontrar novos laços sobre os quais tece uma nova organização social
e criar novas instituições culturais. Apesar da heterogeneidade desses grupos iniciais,
apresentavam pressupostos básicos amplamente compartilhados, ou seja, uma herança
africana generalizada 7 . Como eram majoritariamente bantos8 os primeiros africanos que
aportaram na região de Eldorado, compartilhavam alguns pressupostos básicos, como a
crença do papel ativo dos mortos na vida dos vivos.
Conforme Sweet, os centro-africanos possuíam uma visão de mundo baseada na
divisão entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, destacando-se os espíritos
ancestrais, os quais podiam intervir no dia-a-dia da comunidade, protegendo seus
descendentes do mal, da desventura e, em contrapartida, esperavam ser lembrados e
amados pelos vivos.
4
ARAÚJO, Alceu Maynard. Cultura Popular Brasileira. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1973.
DIAS, Margot; DIAS Jorge. A Encomendação das Almas. Sep. Douro-Litoral, III-IV da 4° série, Porto,
1951.
6
PEREIRA QUEIROZ, Maria Isaura. O Campesinato Brasileiro: ensaio sobre civilização e grupos
rústicos no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1973, p.171.
7
MINTZ, Sidney; PRICE, Richard. O nascimento da cultura afro-americana. Uma perspectiva
antropológica. Trad: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Pallas; UCAM,2003.
8
Segundo Robert Slenes, banto é o nome genérico de um grande grupo lingüístico, composto de várias
línguas faladas por diferentes povos, aldeias, confederações e reinos da África Centro-ocidental. A
finidade que unias esses povos extrapolava a questão lingüística, os quais compartilhavam também
pressupostos culturais básicos.
5
Assim, a presença de crenças africanas na “Recomendação das Almas” realizada
em Pedro Cubas possibilita que o catolicismo praticado por essa comunidade possa ser
interpretado sob o prisma proposto por Marina de Mello e Souza, ou seja, abordando a
“religiosidade das comunidades afrodescendentes, tomando como foco não os chamados
cultos afro-brasileiros e sim o catolicismo exercido por algumas dessas comunidades” 9 .
E, também, aponta para o peso das tradições africanas na montagem do catolicismo
popular.
BIBLIOGRAFIA:
ANDRADE, Tânia; PEREIRA, Carlos Alberto Claro; ANDRADE, Márcia Regina de
Oliveira. Negros do Ribeira: reconhecimento étnico e conquista do território. 2. ed. São
Paulo: ITESP: Páginas & Letras, 2000 (Cadernos do ITESP;3).
ARAÚJO, Alceu Maynard. Cultura Popular Brasileira. 2. ed. São Paulo:
Melhoramentos, 1973.
CASCUDO, Luis da Camara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 6. ed. Belo Horizonte:
Itatiaia, 1988.
DIAS, Margot; DIAS Jorge. A Encomendação das Almas. Sep. Douro-Litoral, III-IV da
4° série, Porto, 1951.
MINTZ, Sidney; PRICE, Richard. O nascimento da cultura afro-americana. Uma
perspectiva antropológica. Trad: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Pallas; UCAM,2003.
MORAES FILHO, Mello. Festas e Tradições Populares do Brasil. Belo Horizonte:
Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1979.
PEREIRA QUEIROZ, Maria Isaura. O Campesinato Brasileiro: ensaio sobre civilização
e grupos rústicos no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1973, p.171.
SOUZA, Marina de Mello. Catolicismo Negro no Brasil. Afro-Asia, Salvador, nº 28,
2002, p.126.
9
SOUZA, Marina de Mello. Catolicismo Negro no Brasil. Afro-Asia, Salvador, nº 28, 2002, p.126.
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