A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO O DESENVOLVIMENTO DESIGUAL DO CAPITALISMO EM GOIÁS E SEU PAPEL NA (RE)PRODUÇÃO DA DIVERSIDADE DO CAMPESINATO GOIANO EDSON BATISTA DA SILVA1 MANOEL CALAÇA2 Resumo: Há diferentes atores e contradições na ação do capital no território goiano. As regiões se inserem desigualmente na internacionalização do capital, as reações do campesinato também são diferentes. Dessa maneira, o objetivo desta pesquisa foi entender o campesinato goiano como resultado das contradições produzidas pela expansão desigual do capital em Goiás. Para validar está hipótese foi realizada pesquisa bibliográfica, levantamento de dados secundários e pesquisa de campo. Os resultados reafirmam a diferenciação dos atores no Estado. Em Orizona o campesinato foi recriado pela ação da igreja e do Estado, pela ação da Teologia da Libertação e da Empresa de Assistência Técnica do Estado de Goiás (EMATER,GOIÁS). Em Itapuranga sua recriação se consubstanciou na ação do Partido Comunista (PC), da igreja católica e da organização sindical. Isso gerou por um lado um campesinato mais tecnificado, em detrimento a outro mais combativo. Palavras-chave: Campesinato. Capitalismo desigual. Território. Recriação. Resumen: Hay diferentes actores y contradicciones en la acción del capital del territorio de Goiás. Las regiones se dividen de manera desigual en la internacionalización del capital, las reacciones del campesinado también son diferentes. De este modo, el objetivo de esta investigación fue comprender el campesinado goiano como resultado de las contradicciones producidas por la expansión desigual del capital de Goiás. Para validar la hipótesis se llevó a cabo la encuesta bibliográfica, colección de datos secundarios y la investigación de campo. Los resultados reafirman la diferenciación de los actores en el estado. En Orizona el campesinado ha sido recreado por la acción de la Iglesia y el Estado, por la acción de la teología de la liberación y la Compañía de Asistencia Técnica del Estado de Goiás (EMATER,GOIÁS). En Itapuranga su recreación se consolidó en la acción del Partido Comunista (PC ), la organización de la iglesia católica y organización sindical . Esto llevó, por un lado un campesinado más tecnificado, en detrimento de otros más combativo. Palabras-clave: Campesinado. Capitalismo desigual. Territorio. Recreación. 1-Introdução Este artigo compõe parte da tese de doutorado. Parte do pressuposto teórico metodológico de que há um espaço/tempo desigual em Goiás, com a presença de temporalidades não resolvidas (MARTINS, 2010). Esse a priori sustenta a hipótese de que o ritmo desigual de avanço do capital sobre o espaço cria e recria uma diversidade de camponeses em Goiás. Portanto, os modos desiguais de inserção destes sujeitos no processo de produção ocasionam diferentes formas de reação e, 1 Acadêmico do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás, docente da Universidade Estadual de Goiás. E-mail de contato: [email protected] 2 Docente do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás. E-mail de contato: [email protected] 1109 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO por conseguinte, produção dos camponeses neste território. Neste contexto, na relação dialética com o capital, o camponês goiano altera a sua condição como sujeito social. Desta maneira, o objetivo foi entender o campesinato goiano como resultado das contradições produzidas pela expansão desigual do capital. Para isso se procedeu à pesquisa bibliográfica, com localização, copilação, leitura e fichamento de referências. Além do levantamento de dados secundários e pesquisa de campo, com a aplicação de entrevista semi-estruturada e observação sistemática. Na apresentação das entrevistas, realizadas em 2014 e no primeiro semestre de 2015 se adotou nomes fictícios para os entrevistados, tendo em vista a preservação da integridade destes. Já os depoimentos foram expostos, graças à autorização obtida. Os resultados foram apresentados em gráficos e no próprio corpo do texto. O artigo está dividido em três partes; na primeira o debate se verte a compreensão do desenvolvimento desigual, contraditório e combinado, na segunda a discussão se estabelece em torno do conceito de campesinato, enquanto na terceira a análise se volta para a recriação do campesinato goiano. Nesse ínterim, nas próximas páginas o diálogo se estabelece no termo de desenvolvimento desigual e combinado. 2- O desenvolvimento desigual, contraditório e combinado do capital Massey (2012) diz que os defensores da história desenvolvida por estágios não descrevem o mundo como ele é, mas criam uma imagem do mundo articulada a um projeto de domínio, instituem o fim das alternativas. Eles eliminam as heterogeneidades do espaço, a produção e reprodução a partir da diversidade, para reafirmar o império da homogeneidade. Nesse ínterim, Oliveira (2013) critica a visão dualista, que conduziu uma visão unidirecional do desenvolvimento histórico do capitalismo no Brasil. De acordo com ele a acumulação capitalista não se inviabiliza por essa suposta dualidade, pelo contrário, há uma integração dialética entre aquilo que em tese é oposto. Desse modo, relata que o desenvolvimento desigual e combinado é um mecanismo de acumulação do capital. Nestes termos expressa: 1110 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO A expansão do capitalismo no Brasil se dá introduzindo relações novas no arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo, um modo de compatibilizar a acumulação global, em que a introdução das relações novas no arcaico libera força de trabalho que suporta a acumulação industrial-urbana e em que a reprodução de relações arcaicas no novo preserva o potencial de acumulação [...]. (OLIVEIRA, 2013, p. 60). Portanto, o campesinato é compatível com a acumulação capitalista. Martins (2010) declara que a concepção formalista, classificatória e evolucionista da história de desenvolvimento do capital criou o que se pode denominar de força das formas, em que predomina a compreensão do tempo unilinear. Ademais, com está perspectiva negligenciaram-se os conteúdos das relações, que permitem a acumulação. Com isso, adotam-se denominações como a de pré-capitalista, ou resíduo histórico. Martins (2010) diz que é necessário também a adoção do princípio da contradição. Com isso, não é uma anomalia histórica ao tempo do capital a presença de relações não capitalistas, o capital cria ou recria como possibilidade e necessidade aquilo que seu desenvolvimento implicaria destruir. Portanto, o desenvolvimento desigual, contraditório e combinado implica na recriação do campesinato, esse sujeito social contribui para a reprodução ampliada do capital. Luxemburgo (1985, p. 251) afirmava: “De uma ou de outra forma, enquanto processo histórico, a acumulação de capital depende, sob todos os seus aspectos, das camadas e sociedades não capitalistas.” Com isso, parte-se do pressuposto de que a recriação do campesinato não é contrária aos interesses do capital. E como as materializações dos eventos capitalistas nos territórios se diferenciam na forma e no conteúdo, as reações camponesas também são diversas, produzindo campesinato(s) de diferentes faces. Mas antes de discutir este processo, no próximo item serão desenvolvidos “dois dedos de prosa” sobre o conceito de campesinato. 3- Por que ainda falar de camponeses? Costa (2013) na critica a Alves & Buainain et. al (2013), ironiza a ideia do novo rural. Segundo ele, este termo seria a reedição de uma leitura do agrário com origens no século XIX, com a leitura de Kautsky (1998), além da análise leninista de diferenciação do campesinato. O dito “novo rural” representaria a prevalência de um 1111 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO viés teórico-metodológico unilinear e evolucionista da história. Guzmán & Molina (2005) acreditam que esse viés se estrutura em compreensões equivocadas de Kautsky (1998) e Lênin (1870-1924). Segundo eles o primeiro defendia a existência de um setor camponês no capitalismo, como fonte de acumulação contínua. Além disso, tais análises reportam ao próprio Marx (1818-1883), para defender o campesinato como resíduo histórico. Todavia, negligenciam outras leituras, como a da carta a Vera Sassulitch de 1881 (2005), em que Marx discorre sobre as possibilidades socialistas da comuna rural, inclusive de regeneração da sociedade russa. Costa (2013) menciona que isso nega a diversidade estrutural do agrário, tanto na sua natureza, quanto na sua essência, portanto, nega os campesinatos. No mesmo sentido, Mattei (2014), destaca que há a intencionalidade de refutar a questão agrária e de afirmar a supremacia da agricultura moderna. O campesinato neste cenário é o sujeito do atraso, sequer merece menção. No entanto, como declara Mattei (2014), com isso perde-se a capacidade de analisar o agrário pelo espectro multidimensional e multifacetário. Sendo assim, a categoria campesinato permite o entendimento do agrário complexo, composto por territórios e sujeitos diversos. Como afirma Costa (2013), há campesinatos espalhados pelo Brasil. Essa escolha implica no esforço de considerar os elementos a priori que caracterizam este sujeito social. Segundo Wanderley (2014), o campesinato representa um modo de vida e uma identidade própria. Woortmann (1990) destaca que esse modo de vida se estrutura em três categorias culturais, sendo elas: terra-família-trabalho, sendo que nesta tríade há relações de reciprocidade. Almeida (2006) acrescenta que isso institui um habitus de classe, um modus operandi sobre o mundo. Entretanto, Vergés (2011) argumenta que o campesinato é uma classe explorada pelo capital, sendo produto das suas necessidades de reprodução ampliada. Desse modo é explorado por diversos caminhos. Não obstante, Vergés (2011) adiciona que o campesinato pode se constituir em classe para si, diante das ameaças de proletarização. Como afirma Shanin (2005), as contradições do capital levam-no a existir a partir da consciência e da ação política direta de seus membros. Já Guzmán & Molina (2005) defendem que o campesinato é mais do que uma categoria histórica, se constitui numa forma própria 1112 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO de manejar os recursos naturais. Calaça (2010) destaca que no Cerrado a produção camponesa envolve conhecimentos e práticas agrícolas produzidas ao longo do tempo. Nesse ínterim, Brandão (2009) denomina esse processo de “contraracionalidades” camponesas. Como descreve Wanderlei (2014), os esforços para a invisibilidade do campesinato se vinculam ao intento de diluição do seu conteúdo histórico-político. No próximo tópico a discussão se verte para a recriação do campesinato goiano, como resultado da ação desigual do capital nesse espaço. 4- A recriação do campesinato nas microrregiões do Sudeste goiano e Ceres Na pesquisa de campo realizada na Cooperativa da Agricultura Familiar de Orizona (COAPRO) e na Cooperativa da Agricultura Familiar de Itapuranga (COOPERAFI), com realização de entrevista semi-estrutura com os dirigentes das respectivas cooperativas, assim como com os cooperados destas, a ação desigual do capital e, por conseguinte, a recriação diferenciada do campesinato em Goiás ficou evidente. Segundo os membros da COAPRO, sua existência resulta da trajetória histórica de organização da agricultura camponesa no município. Segundo a sua direção, isso se iniciou na década de 1970, em que a criação da diocese de Orizona propiciou a vinda de padres italianos, estes incentivaram a organização coletiva das famílias por meio das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Não obstante, como destaca Mendonça (2004), já na década de 1940 o Partido Comunista (PC) articulou no município a luta camponesa do arrendo. O certo é que nas CEBs as famílias partilhavam as dificuldades e as necessidades, além do que, auxiliavam umas as outras por meio de relações de ajuda mútua. Ademais, a elevada mortalidade de rebanho bovino leiteiro durante a estação seca levou o técnico agropecuário da EMATER, o Sr. José Geraldo a elaborar projetos de produção de silagem e manejo do rebanho, o que proporcionou avanços na produção leiteira. Como resultado deste processo de “gestação” política foram fundadas vinte e sete associações no município, delas surgiu em 1995 a COAPRO. A cooperativa conta atualmente com quinhentos e vinte sete cooperados com diversidade produtiva, agregando desde produtores “altamente produtivos”, os que possuem uma produção média e aqueles que obtêm produção “pouco” significativa. 1113 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Sendo que desse total apenas cento e oitenta e um são participantes efetivos da cooperativa. Essa organização possui um patrimônio de R$ 9.000.000, um faturamento anual de aproximadamente R$ 450.000.000 e tem também uma loja de produtos agropecuários, um posto de gasolina, uma fábrica de ração e estrutura de armazenamento de matéria-prima para a produção de rações. A mercadoria fundamental da cooperativa é o leite, no entanto, também comercializam mel. As dívidas se vinculam aos financiamentos dos caminhões. Não obstante, mesmo sendo um ator capitalista, a cooperativa enfrenta dificuldades no mercado competitivo do setor lácteo. Nesse sentido, a direção menciona que as indústrias do setor conseguem “burlar” impostos e comercializar a ração a um preço módico. Além do que, oferecem vantagens a cooperados estruturados que abandonam a cooperativa. O cercamento da cooperativa e, consequentemente de seus cooperados, não parte somente das indústrias de laticínios. Há no município uma valorização intensa do preço da terra pelo agronegócio, um alqueire com solo de boa qualidade e bem localizado é vendido por cerca de R$ 120.000. Ademais, sofrem com o cercamento e “asfixia” produzida pela economia do agronegócio, territorializada na cultura da soja. Segundo os dirigentes da COAPRO, a produção de mel está seriamente comprometida devido à intensa aplicação de agrotóxicos na soja. De acordo com eles, se destacam entre os princípios ativos utilizados, os conhecidos popularmente como “pó do capeta” e “regente.” Seus efeitos na apicultura são devastadores, o primeiro provoca o abandono das abelhas da colmeia, devido à asfixia que provoca nestas, o segundo, com a contaminação de uma única abelha, promove a mortandade de todas as outras. As dificuldades de reprodução do campesinato, também se devem a migração campo-cidade, processo arrefecido pela ação da Escola Família Agrícola de Orizona (EFAORI). Essa instituição, mantida por entidades internacionais, proporciona a formação dos filhos dos camponeses como técnicos agrícolas. Com isso, mesmo que alguns migrem, muitos permanecem na terra, devido a esse projeto de educação. Na entrevista com o agricultor cooperado, ficou evidente que ele é o denominado capitalista médio do campo, pois tem uma alta produtividade, cerca de 1.000 litros ao dia, uma estrutura de produção mecanizada. Ademais, conta para a 1114 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO gestão da propriedade com o auxilio de um técnico veterinário. Contudo, a direção da COAPRO destacou que há uma diversidade significativa entre os membros cooperados no que tange a produção, com produtores altamente mecanizados e tecnificados, até aqueles que utilizam preponderantemente do trabalho vivo no manejo do rebanho bovino. Nesse sentido, há um processo competitivo, seletivo e excludente na produção leiteira em Orizona, em que os produtores menos capitalizados tendem a abandonar a atividade. Embora, a permanência deles se deve a existência da COAPRO. Portanto, percebe-se que ela se constitui em elemento central para a permanência da agricultura camponesa no município. Já em Itapuranga, o presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Itapuranga (STRI), o senhor Geraldo relatou que o início da luta ocorreu no final de 1950, com a formação da Associação dos Camponeses, dirigida por Claudio Mendes, apoiada pelo Partido Comunista (PC), por meio de Gregório Bezerra. Com a extinção dessa associação, a diocese de Goiás, dirigida por Dom Tomaz Balduíno decide retomar os sindicatos da diocese sob o controle dos latifundiários. Com isso, com o apoio da igreja, o Sr. Geraldo consegue ocupar a direção e passa a defender os trabalhadores rurais em suas demandas. Na entrevista com o presidente da COOPERAFI, o Sr. Gilmar destacou que o SRTI foi fundamental para tomar a direção do Hospital do Funrural em 1978, atual Associação Popular de Saúde. Além disso, possibilitou a formação de outras organizações, como a Sociedade da Vaca, que visava realizar a compra coletiva de carne bovina. Além da Associação da Semente e do Adubo, formada com vistas à aquisição coletiva de insumos. O senhor Geraldo destacou além dessas, a luta do STRI, apoiado pela igreja e por jornalistas do Jornal Diário da Manhã pelas terras ocupadas pelos camponeses da Fazenda Córrego da Onça, requerida por Aureliano José Caiado. A desapropriação dessa fazenda permitiu a permanência de trinta e duas famílias territorializadas. Também, como resultado da luta sindical no município foi formada Cooperativa mista COMIL, que visava à compra coletiva de bens de consumo duráveis e não duráveis, com sua extinção foi formada a COOPERAFI em 1997. 1115 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO De acordo com Gilmar, a Cooperativa conta com cento e trinta e cinco sócios, possui uma agroindústria de processamento de frutas, está inserida no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e no Programa Nacional de Aquisição de Alimentos (PAA). Além do que, desenvolve projetos de horticultura com produção agroecológica, com parcerias com Associação da Agricultura Orgânica (ADAO). Assim como de produção de leite, em que possui cinquenta e quatro tanques, com capacidade para vinte e dois mil litros de leite em média, comercializado com a Central das Cooperativas de Leite (Central/Leite). A coleta atinge os municípios de Guaraita, Cidade de Goiás e Itapuranga. Em dezoito de Outubro de 2014 a cooperativa pagava pelo litro do leite R$ 1,03, enquanto as empresas do setor ofereciam 0,85 centavos. De acordo com Claudio: “se não fosse a cooperativa muitos de nóis não taria mais na roça.” (Entrevista realizada em dezoito de Outubro de 2014). Além da COOPERAFI, existem no município treze associações camponesas, com duzentos e quarenta associados. Outra estratégia camponesa de resistência com origem no STRI é a Feira do Produtor Rural, realizada toda quinta-feira, a partir das 17hs, além da Feira de domingo, que se inicia a partir da 7hs. Na visita a campo aos dois espaços, no dia vinte e três de Abril de 2015 e cinco de Abril de 2015 respectivamente, foi constatado por meio de observação sistemática, que nelas eram ofertadas mercadorias típicas da produção camponesa, além de produtos da indústria artesanal camponesa, como: rapadura, doce de leite e requeijão. Isto comprova a importância dessa produção para o abastecimento local. No entanto, sofre com o cercamento do setor agroenérgetico. O Plano Nacional de Agroenergia (PNA) forneceu entre 2007 e 2010 a Vale Verde Empreendimentos Agrícolas, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC,2010), 143, 2 milhões de reais. No Gráfico 1 constata-se os efeitos desse financiamento na produção camponesa. Por exemplo, o efetivo do rebanho bovino contava com 130.000 cabeças em 2000, caiu para 118.720 cabeças em 2009 e passou para 134.000 cabeças em 2013. No que tange a produção de leite, o comportamento é parecido, com aumento na produção até 2003, queda até 2009, e recuperação da produção a partir de 2010. 1116 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 300.000 nº efetivo de aniamais 250.000 200.000 150.000 100.000 Efetivo de suínos Efetivo de Bovinos Efetivo de Aves 50.000 2013 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 0 Período analisado Gráfico 1 – Estado de Goiás – município de Itapuranga – efetivo de animais por cabeça em diferentes criações, de 2000 a 2013. Fonte: IMB2015. Elaboração: SILVA, Edson B. da. No Gráfico 2 reafirma-se esta questão. Neste sentido, em 2000 eram 25.000 vacas ordenhadas. Já em 2003 este valor subiu para 28.000, mas a partir de 2004 sofreu quedas subsequentes atingindo em 2009, 21.300 matrizes ordenhadas. Sendo que após 2010 apresentou relativa recuperação, alcançando o número de 27.000 vacas ordenhadas em 2013. Efetivo de vacas ordenhadas 30.000 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 2013 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 0 período analisado Gráfico 2–Estado de Goiás– município de Itapuranga–efetivo de rebanho de vacas ordenhadas, do período de 2000 a 2013. Fonte: IMB-2015. Elaboração: SILVA, Edson B. da. 1117 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Na análise constata-se que a queda e a ampliação da produção camponesa tem relação com fortalecimento e diminuição da produção de commodities no município, principalmente do setor sucronergético. O território é monopolizado pela monocultura da cana. Evidentemente que se deve considerar a monocultura das pastagens, no entanto, seu uso é representativo tanto na atividade patronal, quanto na produção camponesa. Sendo assim, o comportamento geral, salvo em algumas exceções, apresenta uma queda da produção camponesa de 2000 até o final desta década. A diminuição da área de produção de cana no município a partir de 2010, devido o fim de contratos de arrendamento e, principalmente a retomada de terras com débitos com a usina, articulado com os programas vinculados a COOPERAFI e a existência das treze associações representou relativa recuperação da produção camponesa. 5-Considerações finais O capitalismo se apropria de forma diferente das microrregiões de Goiás, devido aos aspectos fisiográficos, de infraestrutura, de localização e o peso das formas e conteúdos herdados. No Sudeste goiano, especificamente em Orizona houve a territorialização da monocultura da soja, em que se aliaram os empresários rurais, as corporações multinacionais, com o amparo do Estado. Nesse cenário, o campesinato sofre com o cercamento da sua reprodução social, devido à valorização do preço da terra e uso do pacote mecânico, químico e genético da segunda “Revolução Verde”, que afetam suas atividades. A recriação do campesinato de Orizona, historicamente esteve atrelado à ação do PC, da igreja católica e do Estado, sendo que principalmente o último instituí nestes camponeses um modus operandi tecnicista/modernizante, por meio da EMATER. Com isso, houve a produção de um sujeito que contém permanências e mudanças, mas que com o tempo moldou uma visão técnica como sendo a tábua de salvação. Com isso, muitos se tornaram capitalistas médios, enquanto outros garantiram somente a reprodução simples, ou seja, houve um processo seletista e excludente, com subordinação intensa aos ditames do capital agroindustrial lácteo. 1118 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Na microrregião de Ceres, especificamente em Itapuranga, o setor sucroenergético subordinou os territórios camponeses pelo avanço dos arrendamentos. Portanto, houve a diminuição das áreas disponíveis para as culturas agrícolas camponesas. Não obstante, o pacto do Estado com os atores do setor arrefeceu na segunda década do século XXI, o que proporcionou a retomada da produção familiar. Ademais, o campesinato itapuranguense não recebeu a ação de assistência técnica como aquele de Orizona, seu modus operandi foi sendo tecido nas associações e sindicatos, portanto, menos atrelado ao Estado. O fato é que em ambos os espaços a recriação camponesa se faz no interior do capital, que subordina, “cerca” e ameaça de expropriação os sujeitos sociais. São as contradições que retroalimentam a luta cotidiana contra o capital hegemônico. Referências ALMEIDA, Rosemeire Aparecida de. (Re) criação do campesinato, identidade e distinção: A luta pela terra e o habitus de classe. São Paulo: editora UNESP, 2006. 377 p. ALVES, Eliseu; BUAINAIN, Antônio M. et al. Sete teses sobre o mundo rural brasileiro. Revista de Política Agrícola, v. 22, nº. 2, p. 105-121. 2013. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Tempos e espaços nos mundos rurais do Brasil: Um breve olhar para ontem e hoje. In:______. “No Rancho Fundo”: espaços e tempos no mundo rural. Uberlândia: EDUFU, 2009. 244 p. CALAÇA, Manoel. Territorialização do capital: biotecnologia, biodiversidade e seus impactos no Cerrado. In: Ateliê Geográfico, Goiânia, v. 01, nº 01, fev./ 2010, 18 p. COSTA, Francisco Assis. 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