“Vinde benditos de meu Pai”: A apoteose da - Diocese Leiria

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Homilia na Vigília da Misericórdia 11.2006
“Vinde benditos de meu Pai”:
A apoteose da Misericórdia
† António Marto
Santuário de Fátima
12 de Novembro de 2006
As comemorações dos 90 anos das aparições de Nossa Senhora aqui em Fátima estão marcados pelo Ano da Misericórdia, porque a Graça da Misericórdia constituiu o centro daquela mensagem que Maria veio comunicar ao mundo. Na peregrinação do dia 13 (de Outubro) eu mesmo dei o tom para este ano: descobrir, aprofundar e contemplar a beleza do Mistério da Misericórdia. “Vinde benditos de meu Pai” S. João da Cruz escreveu: “No princípio, está o amor e no entardecer da vida seremos julgados pelo amor”. Esta frase, muito simples e bela, serve para enquadrar as duas leituras da Sagrada Escritura, que acabámos de ouvir, e que são dois monumentos literários e espirituais de toda a humanidade. A Primeira carta de S. João, apresenta-­‐nos o princípio, o fundamento do Mistério da Misericórdia; o capítulo 25 do Evangelho de S. Mateus convida-­‐nos a contemplá-­‐lo na sua fase final como festa da apoteose, do coroamento, do triunfo da misericórdia e de todos os misericordiosos, que poderão ouvir do Pai uma palavra de bem-­‐aventurança: “Vinde benditos de meu Pai. Tomai posse do reino que vos está preparado desde a criação do mundo”. Foi o cântico de abertura da nossa celebração, que deveria fazer vibrar as fibras mais profundas do coração e da alma, porque vem da parte do Senhor. Estas duas leituras, estas duas páginas das Escrituras, constituem como que um díptico, duas telas de um só quadro, onde podemos contemplar duas facetas: o mistério da origem, do fundamento da misericórdia, que enche o nosso coração, a nossa vida, e depois, o coroamento deste mistério na sua plenitude. 1/4
“Vede quão grande Amor Deus nos concedeu” O Apóstolo S. João, na sua primeira carta, como que dá o tom musical que depois nos apresenta ao longo dessa carta em variações diversas. “Vede quão grande amor Deus nos concedeu, de tal modo que podemos chamar-­‐nos filhos de Deus, e somo-­‐lo realmente”. Não se trata de uma mera informação, para satisfazer uma curiosidade, de quem é Deus e quem somos nós. É uma realidade profunda que toca e transforma o nosso ser e a nossa vida. Se reflectíssemos e acreditássemos, seriamente, nesta verdade, “vede quão grande o amor o Pai nos concedeu de tal modo que podemos chamar-­‐nos filhos, e somo-­‐lo realmente”, nós ficaríamos de cócoras, quer dizer estupefactos, desconcertados, deslumbrados, felizes, verdadeiramente felizes, com uma tal declaração de amor. Por detrás desta frase, está uma experiência que o apóstolo viveu e transmite apaixonadamente. Compreendemo-­‐la a partir da experiência do baptismo de Jesus. Também agora o Pai diz a cada um de nós, como disse a Jesus: “Tu és o meu filho muito amado”: uma declaração de amor que não é colectiva mas singular, dirigida a cada um em particular. Significa que somos colocados dentro do horizonte luminoso de Deus, partilhando a sua própria vida, a sua intimidade, o seu amor. Isto é um dom: só por dom é que se acede a este mistério. É amor misericordioso, no sentido mais original do termo, quer dizer, amor entranhado, amor de entranhas, como o amor de um pai e de uma mãe, que está entranhado no mais íntimo, no mais profundo do seu ser e, por isso, este amor manifesta-­‐se misericordioso. Quer dizer em concreto: -­‐ Somos envolvidos pelo amor de Deus que quebra, em primeiro lugar, o gelo da nossa solidão e nunca nos deixa sós. Mais ainda, suscita uma atitude de plena confiança filial, que não nos deixa cair no desespero, mesmo quando parece que caímos na fossa. -­‐ É fonte de perdão que não abandona, não rejeita, de tal maneira que, diz o apóstolo, mesmo quando o nosso coração nos acusa a nossa consciência, podemos pensar sempre com confiança: Deus é maior que o meu coração, Deus é sempre maior que o meu pecado. -­‐ E por isso esse amor entranhado, derramado em nós como que em cascata, em catadupa, do coração aberto de Jesus e do coração terno e materno de Maria, torna possível o amor que nos parece impossível, porque desfaz a dureza do nosso coração. Liberta o nosso coração de todo o ódio e de toda a insensibilidade, e por isso torna-­‐nos a nós mesmos misericordiosos para com cada homem e com cada mulher que encontramos no caminho da vida, a fim de que nasça entre nós, na sociedade e no mundo, a cultura da misericórdia. 2/4
Não há amor que não partilhe a dor O amor tão desconcertante de Deus, que assume a dor dos seus filhos como sendo a sua e diz a todos “o que fizeste ao mais pequenino foi a mim que o fizeste”, dá uma dimensão divina ao gesto da misericórdia, e torna-­‐nos solidários próximos, atentos, a todos aqueles que sofrem, aos mais sofredores dentro dos que sofrem. Não há amor que não partilhe a dor. Queria contar-­‐vos um conto judaico do século XVIII, muito ilustrativo a este propósito. “Um dia, um rabi (um mestre) perguntou a um hebreu “Amas-­‐me?” E este respondeu, com toda a naturalidade, “Claro que te amo!” “Então conhece também a minha dor”, replicou o rabi. “Como posso conhecer a tua dor?”, objectou o outro. “Então não é verdade que me amas, não podes amar se não conheceres a dor do outro”, disse o rabi”. Amor é comunhão profunda, solidariedade não só nas alegrias, mas também nas lágrimas. Por isso, o teste verdadeiro, a sua prova real está exactamente nas obras de misericórdia. O gesto, as atitudes, as obras de misericórdia para com os mais pobres entre os pobres, os mais abandonados entre os abandonados, aqueles que não parecem amáveis, os marginalizados, os excluídos, esses com quem Jesus se identifica. Para ser misericordioso E, para concretizar como ser misericordioso, termino com uma oração de Santa Faustina Kowalska, mensageira da Divina Misericórdia: «Senhor, desejo transformar-­‐me toda na Misericórdia e ser o vosso vivo reflexo. Que o mais grandioso atributo de Deus, a sua insondável misericórdia, possa penetrar pelo meu coração e através da minha alma, em direcção aos outros. Ajudai-­‐me Senhor, para que os meus olhos sejam misericordiosos: que não suspeite de ninguém e não julgue segundo as aparências exteriores. Que eu apenas observe aquilo que é belo na alma do próximo e que vá em seu socorro. Ajudai-­‐me Senhor, para que os meus ouvidos sejam misericordiosos: que eu esteja sempre atenta às necessidades dos outros, e os meus ouvidos não sejam indiferentes às dores e aos gemidos do próximo. 3/4
Ajuda-­‐me Senhor, para que a minha língua seja misericordiosa: que eu nunca diga mal dos outros, mas tenha para com cada um palavras de consolação e de perdão. Ajudai-­‐me Senhor, para que as minhas mãos sejam misericordiosas e cheias de boas obras: que só possa fazer bem ao próximo, reservando-­‐me os trabalhos mais duros e difíceis. Ajudai-­‐me Senhor, para que os meus pés sejam misericordiosos: que eu esteja sempre pronta a ir ajudar o meu próximo, dominando o próprio cansaço e fadiga. Que o meu verdadeiro descanso seja servir os outros. Ajudai-­‐me Senhor, para que o meu coração seja misericordioso: que eu sinta todos os sofrimentos dos outros. A ninguém negarei o meu coração. Que eu conviva sinceramente, mesmo com os que sei que hão-­‐de abusar da minha bondade. Que, por mim mesma me encerrarei no misericordiosíssimo Coração de Jesus e guardarei silêncio dos meus próprios sofrimentos. Ó meu Senhor! Que habite em mim a vossa misericórdia! Ó meu Jesus transformai-­‐me em Vós, já que tudo podeis». Ámen! † António Marto, Bispo de Leiria-­‐Fátima 4/4
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