UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU PROGRAMA DE PÓS

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UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO
STRICTO-SENSU
DISSERTAÇÃO
GISLAINE MOURA DO NASCIMENTO
A REPRESENTAÇÃO DO LUGAR NO PROJETO DE ARQUITETURA
PÓS MODERNO
SÃO PAULO
2013
GISLAINE MOURA DO NASCIMENTO
A REPRESENTAÇÃO DO LUGAR NO PROJETO DE ARQUITETURA
PÓS MODERNO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo
Stricto-Sensu da Universidade São Judas
Tadeu para obtenção de título de Mestre em
Arquitetura e Urbanismo
Orientadora:
Prof.ª Dr.ª Kátia Azevedo Teixeira
SÃO PAULO
2013
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca
da Universidade São Judas Tadeu
Bibliotecário: Ricardo de Lima - CRB 8/7464
N244r
Nascimento, Gislaine Moura do
A Representação do lugar no projeto de arquitetura pós-moderno /
Gislaine Moura do Nascimento. - São Paulo, 2013.
105 f. : il., fig. ; 30 cm.
Orientadora: Kátia de Azevedo Teixeira.
Dissertação (mestrado) – Universidade São Judas Tadeu, São Paulo,
2013.
1. Arquitetura pós-moderna. 2. Conceito de lugar. 3. Representação
arquitetônica. I. Teixeira, Kátia de Azevedo. II. Universidade São Judas
Tadeu, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Arquitetura e
Urbanismo. III. Título
CDD 22 – 724.91
À minha mãe, Maria de Jesus Moura do Nascimento, sempre.
E, aos meus irmãos, Cleiton Moura do Nascimento e
Gleison Moura do Nascimento, que me apoiam incondicionalmente.
AGRADECIMENTOS
À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e à
Universidade São Judas Tadeu o apoio recebido que viabilizou o desenvolvimento
deste trabalho.
À Instituição Centro Cultural São Paulo a disponibilidade do material gráfico que
enriqueceu a pesquisa.
A todos os professores da Pós-Graduação Strictu-Sensu em Arquitetura e
Urbanismo o aprendizado contínuo proporcionado durante o curso.
Às professoras Dr.ª Eneida de Almeida e Dr.ª Myrna de Arruda Nascimento a
colaboração imprescindível à qualificação deste trabalho.
Aos colegas do curso de pós-graduação pela ajuda fundamental ao compartilharem
gentilmente de seus conhecimentos.
Por fim, uma gratidão difícil de expressar: à orientadora deste trabalho,
Prof. Dr.ª Kátia Azevedo Teixeira, por ter se dedicado a ensinar com tamanha
generosidade.
SUMÁRIO
Introdução .................................................................................................................. 1
1.
Fundamentação teórica ............................................................................. 10
1.1.
O conceito de lugar e seus distintos aportes disciplinares .................... 10
1.2.
O conceito de fenomenologia na arquitetura ......................................... 15
1.3.
O período pós moderno: reformulação dos paradigmas do campo da
arquitetura e do urbanismo ............................................................................... 17
2.
1.4.
O conceito de “lugar” na arquitetura ...................................................... 21
1.5.
O Conceito de fatos urbanos: critério das permanências ...................... 29
O projeto e a representação do lugar ....................................................... 34
2.1.
Centro Galego de Arte Contemporânea (A. Siza Vieira, 1993) ............. 37
2.1.1. Condicionantes do lugar ........................................................................ 39
2.1.2. Critérios para implantação do edifício.................................................... 42
3.
Estudo de caso: Centro Cultural São Paulo ............................................ 47
3.1.
O projeto do centro cultural: a representação do lugar na arquitetura ... 59
3.2.
O projeto do centro cultural: a concepção da arquitetura como lugar.... 74
3.2.1. Os acessos ............................................................................................ 76
3.2.2. Os percusos internos ............................................................................. 80
3.2.1. A fronteira tênue entre espaço interno e externo ................................... 83
3.2.2. A segmentação da forma principal: o todo e a parte na escala do
usuário................................................................................................................85
3.2.3. Identificação e orientação na escala do usuário .................................... 89
4.
5.
Considerações finais ................................................................................. 93
4.1.
Quanto à representação do lugar na arquitetura ................................... 93
4.1.
Quanto à concepção da arquitetura como lugar .................................... 95
4.2.
Quanto ao processo do projeto de arquitetura ...................................... 97
Bibliografia ............................................................................................... 101
INDICE DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Museu Guggenheim de Bilbao: a relação de contraste entre a paisagem
urbana e a arquitetura do museu .............................................................................. 14
Figura 2- Espaço representado por área interna, fechada, delimitada e estática.
Noção expressa, principalmente, na arquitetura tradicional. ..................................... 22
Figura 3 – Espaço representado por uma área aberta, transparente, contínua e
dinâmica. Noção expressa, principalmente, na arquitetura moderna, e percebida
claramente nas obras de Mies Van der Rohe ........................................................... 22
Figura 4 – O “espírito do lugar” - Teotihuacan / México. Vista da Calçada dos Mortos
e da Pirâmide do Sol. . A disposição da cidade segue os movimentos dos astros. Ali
seria o ponto de encontro entre os deuses, o céu, a terra e a humanidade. ............. 24
Figura 5 – localização do Centro Galego de Arte Contemporânea e sua relação com
os marcos históricos da Cidade de Santiago de Compostela ................................... 39
Figura 6– localização do Centro Galego de Arte Contemporânea entre edifícios
históricos da cidade................................................................................................... 40
Figura 7–Centro Galego de Arte Contemporânea – área de implantação do edifício.
.................................................................................................................................. 41
Figura 8 – Centro Galego de Arte Contemporânea – condicionantes para
implantação. .............................................................................................................. 42
Figura 9 – Centro Galego de Arte Contemporânea - Delimitação da Rua Ramón del
Valle-Inclán pelas construções existentes e pela fachada do bloco (A) do museu à
esquerda ................................................................................................................... 43
Figura 10– Centro Galego de Arte Contemporânea - Similaridade entre o volume do
bloco (B) do museu e o edifício do Convento. ........................................................... 43
Figura 11- Desnível de 2,50 m entre o terraço do convento e a Rua R. del ValleInclán. ........................................................................................................................ 45
Figura 12 - Escada proposta por Siza para integrar a área do Conjunto Conventual
San Domingo com o centro monumental da Cidade. ............................................... 45
Figura 13 - A liberação do térreo, no ponto em que os dois volumes se encontram,
contribuiu para o acesso e a integração visual entre os diferentes níveis do terreno45
Figura 14 - A rampa paralela à rua R.del Valle-Inclán diminui a distância percorrida
para transpor a quadra, aumentando o fluxo de pedestres na praça de entrada do
museu. ...................................................................................................................... 45
Figura 15 - Articulação do espaço urbano: praça da entrada principal. .................... 46
Figura 16 – Vista Centro Cultural São Paulo – edifício destacado ao centro ............ 47
Figura 17 – Mapa da área do Projeto Vergueiro elaborado pela EMURB ................. 48
Figura 18 – Imagem publicada pela Revista Manchete a partir de perspectiva
elaborada pela EMURB para divulgação do plano de revitalização Nova Vergueiro.
.................................................................................................................................. 49
Figura 19 – Imagem do Projeto vencedor da licitação da Nova Vergueiro, Arquiteto
Roger Smekhol, publicado em 1974 ......................................................................... 50
Figura 20 – Em destaque, área destinada à construção da Nova Biblioteca CentralVergueiro, atualmente ocupada pelo Centro Cultural São Paulo .............................. 51
Figura 21 – Imagens do terreno do Centro Cultural São Paulo anteriores à
construção do edifício. .............................................................................................. 53
Figura 22 – Imagem da construção do CCSP: vegetação mantida durante as obras
do Metro e preservada no novo projeto. .................................................................... 54
Figura 23 – Maquete da primeira proposta para a Biblioteca Central-Vergueiro:
projeto identificado pela horizontalidade e uma marcante cobertura de concreto. .... 56
Figura 24 - Croqui da rua interna – 1977. Acervo PLAE ........................................... 57
Figura 25- Localização: terreno em encosta de Vale no limite entre as regiões da Av.
Paulista (esq.) e Liberdade (dir.). .............................................................................. 59
Figura 26 – Corte elaborado pela EMURB para o termo de referência da Licitação
Nova Vergueiro: torres que permitiam a elevação de adensamento sobre
embasamento destinado a serviços. ......................................................................... 61
Figura 27- CCSP: componentes da paisagem considerados no projeto destacados
na área de implantação do edifício............................................................................ 62
Figura 28 – CCSP –leitura das condicionantes da implantação: ampla perspectiva do
vale e eixo longitudinal predominante do traçado. .................................................... 65
Figura 29 – CCSP –Hipótese de elaboração da forma resultante das condicionantes
da implantação. ......................................................................................................... 65
Figura 30 – CCSP –composição da forma: concepção do edifício em patamares que
reforçam a ideia de horizontalidade do partido.......................................................... 67
Figura 31 – CCSP –composição da forma: alteração do volume do edifício para
incorporar rua interna ao projeto. .............................................................................. 67
Figura 32 - CCSP- Vegetação preservada vista a partir do Jardim Suspenso 23 de
maio. ......................................................................................................................... 68
Figura 33 - CCSP- Vegetação preservada vista a partir do Piso 810........................ 68
Figura 34 - CCSP- Vegetação preservada vista a partir da entrada principal pela Rua
Vergueiro. .................................................................................................................. 68
Figura 35 – CCSP - Planta do Piso 796: Programa .................................................. 70
Figura 36 – CCSP - Planta do Piso 801: Programa .................................................. 71
Figura 37 – CCSP – Planta do Piso 806: Programa.................................................. 72
Figura 38 – CCSP - Planta do Piso 810: Programa .................................................. 73
Figura 39 ................................................................................................................... 73
Figura 40– CCSP – Acesso principal visto pela calçada da Rua Vergueiro .............. 76
Figura 41 – CCSP – Acesso ao edifício visto pela calçada de ligação com a estação
Vergueiro do metrô.................................................................................................... 76
Figura 42 – CCSP –Corte- solução para desnível do terreno os acessos
acompanham a inclinação da Rua Vergueiro. ........................................................... 77
Figura 43– CCSP – Acesso ao Piso 810: a sombra projetada pela cobertura
caracteriza o espaço de entrada como lugar de transição entre interior e exterior ... 78
Figura 44 – CCSP – Acesso ao Piso 806: a possibilidade de visualizar o espaço
interno desde a calçada favorece a curiosidade e atenua a sensação de insegurança
proporcionada pelas dimensões................................................................................ 78
Figura 45 – CCSP –Vista da rua do edifício: à direita o jardim original do terreno e ao
fundo a entrada da Biblioteca. ................................................................................... 80
Figura 46 – CCSP –Vista da rua do edifício: à esquerda o jardim original do terreno e
ao fundo a escada de acesso a um dos jardins suspensos. ..................................... 80
Figura 47 – CCSP –Exemplo de uso espontâneo do espaço da área de convivência:
prática de um grupo de dança de rua........................................................................ 82
Figura 48 – CCSP –Exemplo de uso espontâneo do espaço da rua interna, a
sensação de segurança proporcionada pela integração e escala dos espaços. ....... 82
Figura 49 e 50 – Imagens da área do foyer das salas de espetáculos, vista interna à
esquerda e externa à direita: integração permitida pelas transparencias. ................ 83
Figura 51 e 52– CCSP- Relação de escala dos ambientes. ..................................... 85
Figura 53– CCSP- representação da alteração de escala: a forma do edifício e a
cidade (esq.), a rua no edifício (meio) e segmentação da forma para adequá-la a
escala do usuário. ..................................................................................................... 87
Figura e 54, 55 e 56 – CCSP- Espaços conectados visualmente. ........................... 88
Figura 57 – CCSP- caráter do espaço dado por elementos da arquitetura: plano
gramado que recupera a linha do horizonte da paisagem em meio ao entorno
verticalizado. ............................................................................................................. 89
Figura 58 – CCSP- caráter do espaço dado por elementos da arquitetura: sala de
espetáculos concebida como arena, o espaço pode ser visto no percurso da rua
interna por meio dos fechamentos de vidro. ............................................................. 89
Figura 59 – CCSP- caráter do espaço dado por elementos da arquitetura: escada
helicoidal vermelha que funciona como um marco no percurso do usuário. ............. 89
Figura 60 – CCSP- caráter do espaço dado por elementos da arquitetura: enormes
rampas suspensas no amplo vazio da biblioteca são referencias que podem ficar na
memória do visitante. ................................................................................................ 89
Figura 61– CCSP: a percepção da arquitetura por um usuário do edifício. .............. 95
RESUMO
A presente pesquisa procura relacionar as críticas do pensamento
pós-moderno que se referem à identidade da arquitetura e do
urbanismo, nos aspectos vinculados ao entendimento da ideia de
“lugar”, às soluções de projeto produzidas com base nos conceitos
desenvolvidos no período.
Para tanto, o trabalho identifica o significado que o termo assume
na área de arquitetura e, em decorrência, os seus possíveis
desdobramentos quanto à representação do “lugar” no projeto,
tomam-se como referências principais as reflexões de Christian
Norberg-Schulz e Aldo Rossi.
Como estudo de caso, o trabalho busca verificar a transposição
dos conceitos estudados, na arquitetura do Centro Cultural São
Paulo (1976-82) - projetado por Eurico Prado Lopes e Luiz Telles,
a partir de critérios de análise construídos para ampliar o
entendimento da relação estabelecida entre esse edifício, a
paisagem urbana e o cotidiano da população local.
Palavras Chaves: arquitetura pós-moderna, conceito de lugar,
representação arquitetônica.
ABSTRACT
This research aims to relate the criticism of postmodern thoughts
which refers to architecture and urbanism identity, in the aspects
related to knowledge about the idea of “place”, to project solutions
produced based in concepts developed in the period.
Thus, this work identifies the meaning that the term assumes in
architecture area and, consequently, developments regarding the
representation
of
“place”
in
project,
assuming
as
main
references Christian Norberg-Schulz e Aldo Rossi reflections.
As case study, the paper intends verify the transpositions of
studied concepts in São Paulo Cultural Center (Centro Cultural
São Paulo) (1976-82) architecture – designed by Eurico Prado and
Luiz Telles - from analysis criteria built to expand knowledge of
relation established between this building, the urban landscape
and the daily life of local population.
Key-words:
postmodern
arquitectonic representation.
arquitecture,
concept
of
place,
INTRODUÇÃO
MOTIVAÇÕES DA PESQUISA
O início da prática profissional do arquiteto urbanista torna
possível identificar o afastamento entre atuação cotidiana do
projeto e produção do campo teórico e crítico da arquitetura
contemporânea.
Durante a formação acadêmica do arquiteto há um esforço natural,
na maioria dos casos, para transpor o senso comum e incorporar o
ideário relacionado à sua área de atuação, mas o exercício diário
de projeto inibe, rapidamente, a importância desse ideário, e pode
resultar numa produção decorrente de procedimentos arbitrários,
portanto, distantes dos princípios desse campo disciplinar, que
conduzem a indagações sobre consistência do trabalho realizado
enquanto obra de arquitetura.
Embora o conhecimento das reflexões teóricas, que fundamentam
a noção de síntese e generalização na arquitetura, possa
esclarecer a lógica que conduziu os arquitetos ao afastamento de
questões relativas à ocupação dos espaços produzidos, talvez não
possa justificar a postura puramente idealista, ou a maior atenção
Página |1
a critérios de outros campos disciplinares, como os da economia,
do desenvolvimento social, da tecnologia de materiais ou, até
mesmo, da história e da arte.
Essa pesquisa parte da convicção de que a produção profissional
da arquitetura deve estar fundamentada nas correntes de
pensamento de sua disciplina.
aproximação
do
ideário
Contudo, tentou-se realizar a
restrito
ao
campo
disciplinar
da
arquitetura, ao processo de concepção do projeto, com foco,
principalmente, na ocupação propriamente dita do espaço
construído.
Para tanto, desenvolve-se o trabalho de transpor os princípios e
critérios elaborados com base nas reflexões de dois teóricos, Aldo
Rossi e Christian Norberg-Schulz, cujos trabalhos têm relevância
fundamental na formação acadêmica contemporânea do arquiteto
urbanista. Nessa análise investiga-se a concepção do projeto a
partir da experiência do arquiteto no espaço estudado, processo
que permite a revisão de conceitos teóricos que podem melhor
orientar e instruir as escolhas de projeto, direcionada pelos
questionamentos trazidos durante o conhecimento adquirido na
prática profissional.
Página |2
A ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
Desde os anos 60 do século XX, o conceito de lugar torna-se parte
fundamental da análise crítica e da concepção de uma obra de
arquitetura, inicialmente ressaltado nas manifestações de objeção
às doutrinas e práticas da arquitetura do Movimento Moderno, em
defesa da valorização da história e da memória.
Em seu
prosseguimento, as restrições abraçam também a necessidade de
aproximar
a
prática
da
arquitetura
às
bases
teóricas
contemporâneas, reconhecendo a complexidade dos fatores que
determinam a lógica dos novos espaços produzidos nas cidades.
O conceito de lugar na área de arquitetura (e urbanismo)
ultrapassa a ideia de uma localização abstrata: na composição
dessa identificação está presente uma percepção do local que
reúne a presença humana, os elementos construídos e os fatos
históricos
e
culturais
que
determinam
sua
qualidade
e
diferenciação. Como esclarece Norbert-Schulz, o termo lugar faz
referência a:
(...) uma totalidade constituída de coisas concretas que
possuem substância material, forma, textura e cor.
Juntas essas coisas determinam uma ‘qualidade
ambiental’ que é a essência do lugar. (2006 p. 444)
Página |3
Compreendido o termo essência1 não em seu significado de coisa
mística, mas na acepção de algo que é imanente à própria coisa,
imanente portanto ao lugar, pode-se entender que a obra de
arquitetura em si conforma o lugar, ao mesmo tempo em que é
parte de um conjunto de fatos e elementos psicológicos, culturais
e históricos, assim como propõe Aldo Rossi, outra referência
teórica importante para esta pesquisa. O autor define o lugar em
arquitetura como “espaço singular e concreto”, esclarece para
tanto, o valor do “lócus” como “aquela relação singular mas
universal que existe entre certa situação local e as construções
que se encontram naquele lugar” (2001 p. 147)
O conceito de “locus”, que persevera com mais ou menos ênfase
na arquitetura desde os tratados clássicos (ROSSI, 2001 p. 147),
ganha maior importância em meados dos anos de 1960, período
marcado por uma produção literária significativa de crítica e
reformulações de paradigmas da área de arquitetura, respondendo
à carência, naquele momento, de uma base teórica mais realista
como fundamentação da prática da arquitetura (NESBITT, 2006 p.
22)
1
Imanente (lat. tardio immanentia, de immanens, ficar no lugar): qualidade
daquilo que pertence ao interior do ser, que está na realidade ou na natureza.
Diz-se que é “imanente” aquilo que é interior ao ser, ao ato, ao objeto de
pensamento que consideramos. (Japiassu, et al., 1990 p. 130)
Página |4
As críticas radicais aos paradigmas2 da arquitetura moderna, no
período citado, contribuíram para o desenvolvimento de outros
conceitos que não só flexibilizaram como ampliaram as formas de
ver e pensar o espaço e o papel da arquitetura e do urbanismo na
construção e vivência das cidades. Tornam, também, de modo
crescente, ainda mais complexa a possibilidade de uma doutrina
abrangente para fundamentação do projeto contemporâneo, tal
como equacionado, com relativa facilidade, conforme os princípios
defendidos pelo movimento moderno.
Entre essas novas reflexões que, como intenção, pretendem
reestabelecer a relação entre a arquitetura, o corpo humano, a
natureza, a história, a morfologia construída das cidades e a
memória coletiva, permanecem com importância, entre elas as
referentes à ideologia do “lugar”.
Essa pesquisa tem como principal objetivo relacionar as críticas do
pensamento pós-moderno que se referem à identidade da
arquitetura e do urbanismo, nos aspectos vinculados ao
entendimento da ideia de “lugar”, às soluções de projeto
produzidas com base nos conceitos desenvolvidos no período. O
estudo tem como fio condutor a convicção de que a produção
profissional da arquitetura deva estar fundamentada nas correntes
2
O termo paradigma é aqui utilizado conforme Thomas Khun (1996, p.m): como
parâmetros utilizados para “definir implicitamente os problemas e métodos
legítimos de um campo de pesquisa para as gerações posteriores de
praticantes da ciência”. (KUHN, 1996 p. 30)
Página |5
de pensamento de sua disciplina, o que sugere uma busca por
obras realizadas, inseridas no debate pós-moderno, que permitam
compreender o reflexo das novas formas de pensar o espaço.
Enquanto método procurou-se o conceito de “lugar” incluindo, de
forma breve, a compreensão que dele se tem em outros campos
disciplinares, a partir da contribuição trazida pelo trabalho de Lineu
Castello (2007). Em relação ao significado que o termo assume na
área de arquitetura e, em decorrência, aos seus possíveis
desdobramentos quanto à representação do “lugar” no projeto,
tomam-se como referências principais as reflexões de Christian
Norberg-Schulz e Aldo Rossi.
No prosseguimento, são identificados critérios de análise a partir
do entendimento dos conceitos expostos no primeiro capítulo. A
construção de tais critérios apoia-se, também, no aprofundamento
de leitura anteriormente realizada do projeto do Museu de
Santiago de Compostela (1993), do Arqº. Alvaro Siza, para a
pesquisa
de
Iniciação
Científica3
(2010),
com
enfoque
redirecionado para alguns elementos do lugar que estão
representados pela arquitetura desse edifício.
3
Trabalho de pesquisa desenvolvido pela pesquisadora em 2010, durante a
Graduação em Arquitetura e Urbanismo (USJT) sob orientação da Prof.ª Drª.
Kátia Azevedo Teixeira com enfoque principal nas relações possíveis entre o
projeto de um novo edifício e a arquitetura preexistente, cujo tema foi
“Arquitetura: inserção no meio urbano”.
Página |6
Por isso, outro momento importante no prosseguimento da
pesquisa é aquele que busca identificar a transposição dos
conceitos agora estudados, em uma obra concreta, realizada por
meio de estudo de caso, uma das abordagens da pesquisa
qualitativa4, de base fenomenológica.
O estudo de caso, que privilegia a análise em contexto,
preocupa-se com o entendimento de um fato singular, uma vez
que o objeto estudado é considerado como único, como uma
representação singular da realidade, ao mesmo tempo em que
deve possibilitar – uma característica importante – experiência
vicária5, permitindo generalizações no sentido daquilo que se pode
ou não aplicar , do caso estudado, a uma situação particular do
leitor (TRIVIÑOS,1987).
A obra de arquitetura analisada, o Centro Cultural São Paulo
(1976-82), projeto de Eurico Prado Lopez e Luiz Telles, é
reconhecida pela relação que estabelece com o usuário, ou com a
população local e, conforme comentário de Ruth Verde Zein, no
primeiro ano de inauguração da instituição, essa relação foi criada
na concepção do espaço:
4
Na pesquisa qualitativa, a idéia de fenômeno amplia o rol das possibilidades a
serem investigadas, superando os limites do conceito de fato das ciências
naturais e exatas, que restringe o objeto da investigação ao exclusivamente
objetivo. (MARTINS, J,BICUDO ,M. A. V. 1994).
5
Vicário (lat. Vicariu= vigário): que faz as vezes de outrem ou de outra coisa.
Diz-se do poder exercido por delegação de outrem. (FERREIRA, 2000 p. 710)
Página |7
Nesse
projeto
[Centro
Cultural
São
Paulo],
os
arquitetos iniciaram a concepção não pelo desenho,
mas por pensar e sentir os espaços, colocando- se no
lugar do usuário. Assim foi definida uma rua interna na
qual os acontecimentos vão se sucedendo, visuais que
leem o espaço à distância, momentos contínuos e
distintos. (ZEIN, 1983)
Trata-se de um edifício de uso público e coletivo, foi o primeiro
centro cultural da América Latina, oferece uma programação
aberta à população diariamente, é intensamente frequentado por
diferentes faixas etárias e estratos sociais. Em sendo o local de
trabalho profissional da pesquisadora, permite a observação direta
e
o
registro
fotográfico
em
tempos
distintos;
permite,
principalmente, o direcionamento da vivência que tem no espaço,
agora com o olhar e a reflexão instruídos pela fundamentação
teórica, para tentar compreender e verificar as questões que a
motivaram: Quais critérios podem ser utilizados durante a
concepção do projeto para melhor inserção do edifício na
paisagem e no cotidiano da população local? Como definir
elementos da arquitetura que permitam melhor identificação dos
frequentadores com os espaços produzidos?
Página |8
Capı́tulo 1
FUNDAMENTAÇÃO
Página |9
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1. O CONCEITO DE LUGAR E SEUS
DISTINTOS APORTES DISCIPLINARES
A noção de lugar interessa diretamente às áreas de estudos que
partem de uma visão físico-territorial como a arquitetura e
urbanismo, o planejamento urbano e regional,
o paisagismo, a
ecologia, a geografia, a antropologia. Interessa, ainda, a outros
campos de conhecimento, como filosofia e psicologia. É, portanto,
um constructo teórico que recebe contribuições multidisciplinares,
conectando fatores humanos, sociais e econômicos, o que não
impede que cada área privilegie a abordagem inerente ao seu
campo disciplinar, dentro se suas próprias fronteiras.
Em um panorama mais geral, algumas interpretações oriundas de
outras áreas do conhecimento, são exemplificadas por CASTELLO
(2007). No universo da geografia, Yi- Fu Tuan, além de ser um dos
pioneiros, é um autor cuja reflexão e entusiasmo com as
possibilidades contidas na ideia de lugar levou-o a criar o termo
“topofilia”, conceito denso envolvendo a relação entre paisagem,
memória e cultura, definido como “o elo afetivo entre a pessoa e o
lugar ou ambiente físico.” Difuso, como reconhece o autor, mas um
sentimento “(...) vívido e concreto como experiência pessoal”.
(TUAN, Yi-Fu, apud CASTELLO,2007, p.39).
Página |10
À área da Psicologia, por meio da psicologia da percepção6, também
interessam as relações entre o ambiente físico e os processos
perceptivos e cognitivos, aqueles estímulos objetivos que se
encontram presentes na definição, no reconhecimento ou na
memória de lugares: elementos que impressionam a visão,
sensações táteis transmitidas pelo contato com os materiais
empregados
na
construção,
aromas
que
permitem
a
sua
identificação, silêncio ou ruído que caracterizam outros.
Influenciados pela fenomenologia, os estudos sobre a percepção
dos indivíduos em suas experiências cotidianas nos espaços
urbanos, que aparecem por vezes relacionados à corrente
denominada percepção ambiental e, em outras ocasiões à geografia
da percepção, são uma contribuição aos projetos urbanísticos.
Internamente à própria área de arquitetura e urbanismo, o trabalho
do urbanista Kevin Lynch, A Imagem da Cidade7, publicado pela
primeira vez 1960, é um marco e continua a ser referência de
importância pela metodologia que organiza para a leitura de
6
O significado do termo Percepção (lat. perceptio) adotado trata do “Ato de
perceber, ação de formar mentalmente representações sobre objetos externos a
partir dos dados sensoriais. A sensação seria assim a matéria da percepção. (..)
Embora se possa considerar o objeto como causa da percepção, segundo o
fenomenalismo na verdade nada sabemos sobre o objeto além dos dados
sensoriais que recebemos pela percepção (JAPIASSU, et al., 1990 p. 192).
7
Em Imagem da Cidade (1960) , Kevin Lynch analisa as formas com que as
pessoas se orientam na cidade, e identifica os elementos que conferem ordem
visual à paisagem, como caminhos, limites, marcos, que servem de referência
por serem guardados pela memória do ser humano. A característica empírica
de seus estudos, que analisa a cidade fora do entendimento de sua estrutura,
motiva o uso de suas ideias por outros autores que tratam a questão do lugar,
como Norberg-Schulz e Aldo Rossi.
Página |11
ambientes urbanos, a partir das imagens que mais estimulam a
percepção dos usuários.
As discussões conceituais que se vinculam à ideia de lugar
abordam, na sociologia, por exemplo, aspectos sobre a condição de
viver na sociedade consumista contemporânea e o quê, para tal
sociedade, vem a ser um lugar; reflexões sobre o cotidiano e o lugar
onde o ser humano vive esse cotidiano; o entendimento de lugar não
somente pela ótica de seu uso social, mas como um agente das
representações que são construídas e comunicadas nos lugares
urbanos, os quais passam a ser percebidos como adequados ou não
para a sua apropriação por estratos sociais diferentes.
Na filosofia situam-se as duas aproximações mais antigas existentes
para a noção de lugar, que remontam à Antiguidade: uma, a visão
platônica, que constrói a ideia de lugar exclusivamente do ponto de
vista da geometria; a outra, a visão de Aristóteles, que concebe o
espaço como lugar, como a posição de um corpo em relação aos
outros (ABBAGNAMO, 2003), isto é, a região que o corpo ocupa,
seu contorno externo e o contorno do corpo maior onde o primeiro
está contido.
Para registrar algumas das novas reflexões sobre a concepção de
lugar na filosofia, Castello (2007) apoia-se no trabalho de Edward
Página |12
Casey8 para quem o recrudescimento da atenção a esse conceito
pode ter sido iniciado por Gaston Bachelard, filósofo francês, com os
estudos sobre como as imagens poéticas se situam na mente,
publicados no livro A poética do espaço, em 1958. A casa, para
Bachelard, sendo o primeiro universo de cada homem, o primeiro
lugar depois que se vem ao mundo, guarda um grande número das
memórias e devaneios de cada um, lugar a que se retorna inúmeras
vezes, em sonhos e lembranças.
Na área de economia
a noção significa, primeiramente, que se
admite “(...) discutir lugar como um bem do repertório imobiliário
urbano” (CASTELLO, 2007, p.133). Na atualidade, o lugar de uso e
o lugar de mercado9 fundem-se em um único produto que reúne
ambas as formas de valor, sendo entendido como um atributo da
sociedade de consumo, com empreendimentos pensados e criados
com a função de gerar lugares. A maior parte desses novos lugares
– shoppings, indústria de serviços como entretenimento, cultura,
lazer, turismo - apresenta bons resultados, tanto como instrumento
de economia quanto como geração de urbanidade.
8
Edward Casey, professor de filosofia na State University of New York, é autor
de The Fate of Place. A Philosophical Story, publicado originalmente enm 1977.
Berkeley, CA:
9
A esse respeito, Castello( 2007) lembra as reflexões que integravam a área de
planejamento urbano na década de1970, quando as discussões, ao contrário,
defendiam “ a diferença entre o uso do bem imóvel urbano para a atividade
humana e o seu papel no mercado, sintetizadas na expressão “valor de uso e
valor de troca”.
Página |13
Nessa perspectiva, é grande a aproximação com o resultado
percebido
em
várias
das
grandes
obras
de
arquitetura
contemporânea internacional, como o Museu Guggenheim, em
Bilbao/Espanha (1997), projeto do arquiteto Frank Gehry [Figura 1],
concebido como parte de um processo de intervenções para
revitalização urbana de Bilbao, em decorrência da perda de seu
caráter marcante de cidade industrial consolidado no século XIX,
que gerou significativas alterações sociais e econômicas.
Figura 1 - Museu Guggenheim de Bilbao: a relação de contraste entre a paisagem urbana e a
arquitetura do museu
Fonte: http://ptphoto980x880.mnstatic.com/museu-guggenheim_7231676.jpg acesso:19/03/12
Página |14
O museu de Frank Gehry tornou-se um marco que representa
esse momento de transformação da cidade. Constitui, atualmente,
junto à infraestrutura construída para reurbanização da área, um
núcleo econômico e um polo de atração turística, fundamental
para desenvolvimento de Bilbao.
1.2. O CONCEITO DE FENOMENOLOGIA NA
ARQUITETURA
O termo, segundo Bello (2006) é composto por duas palavras
gregas: “phainomenon” – fenômeno – que significa aquilo que se
mostra, ser visível, brilhar; e “logia”, derivada de logos, definida
com vários significados como estudo, ciência, pensamento,
palavra. Fenomenologia é então, em um sentido geral, a reflexão,
o estudo sobre aquilo que se manifesta ou aparece aos sentidos
ou à consciência.
Na história da filosofia, a fenomenologia passou por três
significados especiais. Ainda na segunda metade do século XVIII,
na expressão do filósofo Jean-Henri Lambert10, foi sinônimo de
"teoria das aparências", como forma de distinguir a aparência das
coisas daquilo que elas são em si mesmas. No início do século
10
Jean-Henri Lambert ( 1728-1777). Matemático e filósofo, nascido na Alsácia,
região fronteiriça entre França e Alemanha, então cantão alemão da Suíça.
Página |15
XIX, com Hegel11, é uma espécie de história do percurso de
aproximações e oposições que o espírito do homem atravessa
para se elevar da sensação individual à razão universal. Com o
filósofo Edmund Husserl12, nas primeiras décadas do século XX, a
fenomenologia é, segundo sua definição, “(...) uma descrição pura
do domínio neutro do vivido (experiência como tal) e das
essências que aí se apresentam”. (HUSSERL, apud (CHALLAYE,
1978 p. 226) Nessa conceituação, portanto, passa a significar o
estudo dos fenômenos em si mesmos, de sua evidência
primordial, e a definir um movimento que vai exercer importante
influência no pensamento filosófico dessa época. (CHALLAYE,
1978 p. 226)
A fenomenologia de Husserl considera que aquilo que é dado à
consciência, percebido por ela, é o fenômeno, e é a essa
consciência que é necessário interrogar, afastando tudo o que é
exterior a ela. Para a sua ampliação, a consciência não pode estar
fechada em si mesma, mas deve ser entendida como uma
maneira de perceber o mundo e seus objetos. Examinar como a
consciência percebe os diversos aspectos dos objetos, como tais
aspectos aparecem à consciência, e descrevê-los como conteúdo
11
Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), filósofo alemão, uma de suas
obras principais é Phänomenologie des Geistes, isto é, Fenomenologia do
espírito, publicada em 1807.
12
Edmund Husserl (1859-1938), filósofo alemão, é autor de Investigações
Lógicas (1900-1901) e de Ideias sobre uma fenomenologia pura e sobre uma
filosofia fenomenológica ( 1913).
Página |16
da consciência constitui a preocupação da fenomenologia
(BELLO, 2006). Nesse sentido, o fenômeno ocorre essencialmente
dentro da consciência, e os objetos exteriores são apenas
condições para que a percepção e a vivência do
fenômeno
interior sejam criadas. A fenomenologia, assim, prescinde da
realidade exterior das coisas, situando-se como anterior às
crenças e juízos, senso comum ou proposição científica.
1.3. O PERÍODO PÓS MODERNO:
REFORMULAÇÃO DOS PARADIGMAS DO
CAMPO DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO
Após a Segunda Guerra Mundial, 1945, inicia-se um processo de
reformulação da arquitetura especialmente no continente europeu,
que se vê diante da necessidade de reparação dos desastres
causados pela guerra, incluindo a reconstrução de seus bens
históricos e de sua memória.
A postura funcionalista da arquitetura que vigorava no Movimento
Moderno, no início do século XX, passa por uma radical
transformação. As correntes de pensamento, nos diversos
contextos culturais, procuram a revisão do conceito de homem
tipo13, trazendo a discussão sobre a importância de uma
13
O conceito, segundo Montaner, trata da visão positivista, que vigorou no
Modernismo, e fundamentou o pensamento da arquitetura em função de um
Página |17
arquitetura pensada para um homem concreto e sobre a
humanização dos espaços produzidos a partir da tecnologia.
O pensamento urbano do Movimento Moderno é o principal tema a
ser revisto na segunda metade do século XX. Os bairros
monofuncionais, os edifícios de arquiteturas generalistas, os
equipamentos urbanos de grandes escalas, o papel do automóvel
e a pretensão de ruptura com a história e a memória, contribuíram
para um modelo de cidade capitalista, ávido na especulação do
espaço que, em consequência, promove a rarefação da essência
da cidade, do encontro coletivo. (MONTANER, 1999 p. 82).
Nessa reação, entre outros, ganha importante repercussão a
publicação, em 1961, do livro Morte e Vida de Grandes Cidades
de Janes Jacobs. Em sua reflexão, a autora defende a valorização
dos espaços de convívio coletivo e retoma o caráter qualitativo das
ruas e calçadas como locais de encontro da população,
diferentemente do pensamento da maior parte dos arquitetos
urbanistas que, segundo Janes Jacobs deixavam de lado a
realidade para projetar as cidades baseadas em modelos ideais do
planejamento urbano Moderno:
Eles se aferram a isso [urbanismo moderno ortodoxo]
com
tal
devoção,
que,
quando
uma
realidade
homem ideal “puro, perfecto, genérico, total (...) El ‘modulor’ de Le Corbusier
constituía una tardía explicitación de este usuario idealizado. Según Le
Corbusier, todos los hombres tienen el mismo organismo, las mismas funciones,
las mismas necesidades” (1999 p. 18)
Página |18
contraditória
se
interpõe,
ameaçando
destruir
o
aprendizado adquirido a duras penas, eles colocam a
realidade de lado. (JACOBS, 2003 p. 6)
A crítica feita à cidade moderna reconhece o problema da
desumanização do espaço público, que passa de espaço vazio,
livre, para espaço construído. Um exemplo significativo é a
preponderância
que
assumem
os
espaços
destinados
ao
automóvel - são construídos túneis, pontes, grandes avenidas, etc.
– cujos projetos não conseguem “compatibilizar automóveis e
cidades” (JACOBS, 2003 p. 6).
É nesse contexto que Robert Venturi publica, em 1966, o livro
Complexidade e Contradição na Arquitetura. O texto defende a
preferência pelo híbrido ao puro, pelo complexo ao simplificado,
pelo ambíguo ao claro. Opõe-se, portanto, aos critérios de
simplificação e de pureza formal criados pelo Modernismo e
celebra em sua teoria o “feio e o ordinário” no meio ambiente.
Venturi evidencia em seu texto a necessidade de admitir múltiplas
interpretações e diversos pontos de vistas, ao contrário do cenário
de hegemonia que prevalecia no período Moderno (NESBITT,
2006 p. 27)
Outras importantes publicações - A imagem da Cidade, 1960, de
Kevin Lynch, Intenciones en Arquitectura, em 1963, de Christian
Página |19
Norberg-Schulz, A Arquitetura da Cidade, em 1966, de Aldo Rossi
e, posteriormente, Aprendendo com Las Vegas, 1977, de Denise
Scott Brown, Robert Venturi e Steven Izenour - acrescentam
instabilidade à supremacia da experiência do modernismo no
século XX e transformam radicalmente a forma de ler, pensar e
fazer arquitetura.
A ideia de abstração, característica da arquitetura moderna, é
contestada pelo interesse renovado em diferentes linguagens; a
atemporalidade é substituída por uma relação de juízo de valor
com a história, o sítio deixa de ser neutro e pode ser entendido
como ponto de partida, a identidade é trocada pelo princípio da
pluralidade.
Mas não somente. As reflexões denominadas de pós-modernas
atingem todas as áreas de conhecimento, na tentativa de entender
e de refletir o universo da diferença, da pluralidade cultural e da
interdisciplinaridade.
Essa
condição
“(...)
manifesta-se
na
multiplicação dos centros de poder e de atividades e na dissolução
de toda espécie de narrativa totalizante que afirme governar todo o
complexo
campo
da
atividade
da
representação
social”
(CONNOR, 1996 p. 16).
Página |20
1.4. O CONCEITO DE “LUGAR” NA
ARQUITETURA
14
Uma noite de inverno
Quando a neve cai pela janela
E os sinos noturnos repicam longamente,
A mesa, posta para muitos,
E a casa está bem preparada.
Há quem, na peregrinação, chegue ao portal da senda misteriosa,
Florescência dourada da árvore da misericórdia,
Da força fria que emana da terra.
O peregrino entra, silenciosamente,
Na soleira, a dor petrifica-se,
Então, resplandecem, na luz incondicional,
Pão e vinho sobre a mesa.
GEORG TRAKL
Relacionados à teoria da arquitetura, os conceitos de “espaço” e
“lugar”
adquirem
abordagens
distintas,
mas
também
complementares, que são fundamentais para a interpretação de
parte significativa da produção pós-moderna.
A ideia de concepção do espaço, como definição da arquitetura,
amplia-se a partir dos anos sessenta com a relevância que a
noção de lugar adquire na teoria e prática da arquitetura. Mas a
transformação na interpretação e representação do espaço marca
14
Poema de Georg Trakl, utilizado por Heidegger para explicar a natureza da
linguagem e retomado por Norberg-Schulz por “apresentar uma situação de
vida total em que o aspecto do lugar é fortemente sentido” (NORBERGSCHULZ, 2006 p. 445)
Página |21
também a transição entre a arquitetura tradicional e moderna
conforme retoma, Montaner, o espaço modernista é representado
por uma área aberta, transparente, contínua e dinâmica,
concebido “em total contraposição ao espaço tradicional que é
diferenciado volumetricamente de forma identificável, descontínuo,
delimitado, específico, cartesiano e estático” (2001 p. 28)
Figura 2- Espaço representado por área interna, fechada, delimitada e estática. Noção expressa,
principalmente, na arquitetura tradicional.
Figura 3 – Espaço representado por uma área aberta, transparente, contínua e dinâmica. Noção
expressa, principalmente, na arquitetura moderna, e percebida claramente nas obras de Mies Van der
Rohe
Fonte: Croquis elaborados pela pesquisadora a partir do texto Espaço e Anti-espaço do livro A
Modernidade Superada de Josep Montaner (2001),
Entretanto, é possível verificar em ambas as representações o
entendimento do conceito de espaço a partir de seu sentido
Página |22
abstrato, que corresponde ao significado geométrico do termo:
uma área ou extensão infinita, incomensurável, caracterizada pela
continuidade, homogeneidade e tridimensionalidade15 [Figura 2
eFigura 3]. Essa condição totalizadora e genérica do conceito de
espaço constitui a diferença em relação ao conceito de lugar, que
acrescenta à concepção do espaço dados concretos e específicos
que ressaltam a individualidade de cada projeto, conforme
esclarece Montaner:
(...) os conceitos de espaço e lugar podem-se definir
claramente. O primeiro tem uma condição ideal,
teórica, genérica e definitiva, e o segundo possui um
caráter concreto, empírico, existencial, articulado,
definido até os detalhes (MONTANER, 2001).
Nesse sentido, é possível ressaltar a interpretação do espaço
geométrico identificado por sua condição abstrata, que pressupõe
uma concepção a partir do pensamento lógico e científico e, do
espaço como lugar, marcado pela situação concreta, concebido
em função de dados existentes na paisagem, com base em
critérios empíricos e variáveis, condicionados pela existência e
condição humana na natureza.
15
JAPIASSU, H. e MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. Jorge
Zahar Editor: Rio de Janeiro, 1996.
Página |23
Chistian Norberg-Schulz16, teórico norueguês, retoma o conceito
romano de genius loci, do espírito guardião que protege e é
responsável pela essência dos indivíduos e dos lugares, e para
quem (romanos) reconhecer o espírito do lugar e viver em
consonância
com
ele,
física
e
psiquicamente,
significava
encontrar e manter uma ordem intrísica a seu habitat [Figura 4].
Figura 4 – O “espírito do lugar” - Teotihuacan / México. Vista da Calçada dos Mortos e
da Pirâmide do Sol. . A disposição da cidade segue os movimentos dos astros. Ali seria
o ponto de encontro entre os deuses, o céu, a terra e a humanidade.
Fonte: cienciahoje.uol.com.br/view-materia-by-id/117211 - acesso:25/03/12
16
Noberg-Schulz relaciona o conceito de Genius loci ao Daimon dos gregos:
“Na filosofia grega, gênio (espírito) bom ou mau, inferior a um deus, mas
superior ao homem: o demônio de Sócrates era um gênio que lhe inspirava e
dava conselhos.” JAPIASSU, H. e MARCONDES, 1996.
Página |24
O entendimento de lugar, para Norberg-Schulz, desenvolvido com
base no pensamento de Heidegger17, é oposto à ideia de sítio
genérico, de uma localização abstrata e, por isso mesmo,
perceber a essência de um lugar, daquilo que é imanente a ele, é
uma das questões colocadas pelo autor explicitando a sua
aproximação com a fenomenologia:
Em geral, um lugar é dado como esse caráter peculiar
ou ‘atmosfera’. Portanto, um lugar é um fenômeno
qualitativo ‘total’, que não se pode reduzir a nenhuma
de suas propriedades, como as relações espaciais,
sem que se perca de vista sua natureza concreta.
(NORBERG-SCHULZ, 2006 p. 445)
O entendimento de “lugar” ou de “ter lugar” adotado, de modo
geral, em arquitetura e o planejamento, atém-se principalmente
aos dados quantitativos e funcionais que incidem diretamente no
dimensionamento,
organização
e
articulação
do
programa,
conceitos analíticos que, segundo o autor, embora necessários,
não permitem definir os lugares agregando outras perspectivas. E
como a “fenomenologia foi concebida como um ‘retorno às coisas’
17
Martin Heidegger, do mesmo grupo de Edmund Husserl, estuda sentimentos
fundamentais que percorrem a existência em geral. Segundo Challaye ( 1978,
p.227) “A conclusão prática da doutrina é uma resolução resignada, na qual a
preocupação se torna ‘consciente de sua própria essência’ e na qual a
existência se encontra ao compreender-se.” Influenciou o existencialismo de
Sartre e de Merleau- Ponty
Página |25
em oposição às abstrações e construções mentais” (NORBERGSCHULZ, 2006 p. 445), a construção teórica para sua aplicação à
arquitetura, assim como a proposta de uma metodologia de
análise é o objetivo desenvolvido pelo autor.
Norberg- Schulz
extrai do poema “ Uma noite de inverno” de
Georg Trakl18 - utilizado por Heidegger para explicar a natureza da
linguagem - a ideia de que toda situação é, ao mesmo tempo,
local e geral, quando se é capaz de transformar características
básicas inerentes e gerais à existência, em uma situação concreta
e local.
Para a melhor compreensão de genius loci, desenvolve alguns
conceitos fundamentais. Um deles é a distinção entre elementos
naturais e elementos fabricados pelo homem19. A natureza (os
elementos naturais) é uma extensa totalidade, um lugar que, no
entanto, e sem dúvida, conforma identidades particulares, com
“espíritos do lugar” distintos uns dos outros, de acordo com as
circunstâncias locais. Nesse entendimento do autor tem, como
categorias principais, o binômio terra-céu, a extensão horizontal e
a vertical: “As fronteiras de uma paisagem... consistem no solo, no
18
GEORG TRAKL (1887- 1914), poeta austríaco, nasceu em Salzburgo. É um
dos mais importantes nomes da poesia de língua alemã do século XX e
considerado, sobretudo pelos poemas escritos em seus dois últimos anos, um
dos maiores expressionistas. Deixou dois volumes de versos, Poemas e
Sebastião em Sonho.
19
Noberg-Schulz (2008) ao referir-se à distinção entre elementos naturais e
elementos criados pelo homem, presente no poema de Trakl, sugere a
possibilidade de ser esse um ponto de partida para uma “fenomenologia do
ambiente”, mais abrangente que aquela do lugar.
Página |26
horizonte e no céu.” (NORBERG-SCHULZ, 2006 p. 450). Essa
definição permite uma compreensão importante do conceito de
paisagem como designação dos lugares naturais, pois evidencia a
percepção do mundo em um interior definido pelos limites da
natureza, portanto a paisagem não é interpretada apenas como
plano de fundo da condição humana, mas sim, determinante para
existência ou condicionante essencial do “habitar” do homem na
terra.
Os elementos do ambiente criados pelo homem são os
assentamentos - em todas as escalas tais como casas, fazendas,
aldeias, cidades, metrópoles – e as ligações entre tais
assentamentos,
os caminhos que estabelecem a conexão. A
primeira característica desses lugares construídos é o que o autor
denomina de concentração e cercamento e, em consequência, tais
lugares são sempre “interiores”: “As fronteiras de um espaço
construído são o chão, a parede, o teto.” (NORBERG-SCHULZ, 2006
p. 450). Dessa análise deriva o outro binômio, a categoria fora-
dentro e, como somente um interior pode conter uma abertura, aos
lugares são acrescentadas as aberturas, por meio das quais são
conectados ao exterior.
Evidenciadas as propriedades empíricas que a relação entre
paisagem e assentamentos pode indicar, a ideia de caráter – de
como as coisas são na análise dos fenômenos concretos - junto
Página |27
ao
conceito
de
espaço
–
“aqui não como uma
noção
essencialmente matemática, mas como uma dimensão existencial”
- é apontada como outro dado necessário ao reconhecimento da
estrutura do lugar, que segundo o autor .
Caráter” é um conceito ao mesmo tempo mais geral e
mais concreto do que “espaço”. Por um lado, indica
uma atmosfera geral e abrangente e, por outro, a forma
e a substância concreta dos elementos definem o
espaço. (...) Até certo ponto o caráter de um lugar é
uma função do tempo; ele muda com as estações, com
o correr do dia e com as situações meteorológicas,
fatores que acima de tudo, determinam diferentes
condições de luz. (NORBERG-SCHULZ, 2008, p. 451)
Como é possível notar, pela definição do autor, as mudanças do
caráter de um determinado lugar não estão relacionadas à
características dos elementos construídos, são atribuídas às
alterações climáticas, decorrentes da natureza. Sugere, assim,
que em sua analise Norberg-Schulz retira do homem as relações
de domínio sobre a paisagem e, ao contrário, recupera a
necessidade de considerar que a sobrevivência está condicionada
pelo lugar.
Página |28
1.5. O CONCEITO DE FATOS URBANOS:
CRITÉRIO DAS PERMANÊNCIAS
O teórico e arquiteto italiano Aldo Rossi pertencia à corrente de
pensamento pós-moderna neorracionalista, que reconhecia os
aspectos positivos do pensamento modernista e propunha sua
continuidade, principalmente no que se refere ao raciocínio de
pureza formal e experimentação que, marcado pela estratégia de
abstração, foi capaz de sintetizar soluções para a problemática
cidade industrial.
Em seu escrito de maior relevância, o texto Arquitetura da Cidade,
publicado em 1966, Rossi apresenta uma leitura sobre alguns
preceitos da arquitetura e urbanismo modernos, e ao mesmo
tempo propõe uma nova metodologia de projeto para a revisão da
postura de ruptura com o passado e melhor entendimento da
relação entre a arquitetura e o lugar. Em síntese o autor expõe,
assim como Lynch, um novo ponto de vista para a leitura do
ambiente urbano.
A cidade, objeto deste livro, é nele entendida como
uma arquitetura. Ao falar de arquitetura não pretendo
referir-me apenas a imagem visível da cidade e ao
conjunto das suas arquiteturas, mas antes à arquitetura
como construção. Refiro-me à construção da cidade no
Página |29
tempo.
Considero
que
independentemente
de
esse
meus
ponto
de
vista,
conhecimentos
específicos, pode constituir o tipo de análise mais
abrangente da cidade; ela remete ao dado último e
definitivo da vida da coletividade: a criação do
ambiente em que se vive. (Rossi A., 2001, p.01)
Como se apreende do texto, Rossi apresenta uma nova lógica
para análise da cidade, propondo que a produção contemporânea
seja concebida a partir do reconhecimento daqueles elementos
urbanos do passado que se fazem presentes e que devem
permanecer no futuro. Esses elementos são, nas palavras de Aldo
Rossi, permanências que caracterizam um “passado que ainda
experimentamos” (ROSSI, 2001 p. 52). Identificar tais elementos –
fatos urbanos - constitui a preocupação de quem estiver envolvido
com a cidade, com o projeto do novo em continuidade com o
espaço urbano existente, questão fundamental, segundo o autor,
para o entendimento da paisagem urbana em sua totalidade.
Nessa perspectiva, a história e a cultura da sociedade estão
registradas na arquitetura, pois são os fatos urbanos, decorrentes
da ocupação e da evolução humana, que constituem a cidade.
São considerados como fatos urbanos tanto um palácio, uma rua,
Página |30
um bairro como qualquer outro elemento da cidade que,
significativamente, delineia sua forma.
Na análise desses elementos o autor privilegia o entendimento das
relações existentes entre os mesmos e as populações que os
construíram e viveram em tal lugar, em uma escala de tempo que
considera a permanência dos elementos construídos, como
significado,
como
construção
e
como
memória,
independentemente das alterações de uso, pois as próprias
alterações de uso são testemunhos de sua persistência.
No entanto, é importante ressaltar a noção de atemporalidade do
pensamento do autor. Para Rossi o entendimento de quem analisa
um fato urbano será diferente de quem vive esse mesmo fato. Ou
seja, para Rossi a forma como as pessoas usufruem o espaço é
um dado variável, imprevisível, que não necessariamente precisa
ser considerado na concepção do projeto, já que se modifica
diante de diversos fatores sociais e culturais entre gerações.
Portanto, o critério para identificação dos fatos urbanos na
paisagem, conforme esclarece o autor, é limitado a:
(...) definir e classificar uma rua, uma cidade, uma rua
na cidade; e o lugar dessa rua, a sua função, a sua
arquitetura e, sucessivamente, os sistemas de ruas
possíveis
na
cidade
e
várias
outras
coisas
semelhantes. (ROSSI, 2001 p. 18)
Página |31
Em continuidade, Rossi afirma a importância do traçado urbano na
leitura da cidade: dentre as transformações diversas que
modificam substancialmente a morfologia, ao longo da história da
ocupação humana, o plano persiste na paisagem – ou tende a
persistir – por isso mesmo constitui um fato urbano de importância.
A partir da rua, “a análise passa ao solo urbano, e o solo urbano,
que é um dado natural mas também é uma obra civil, está ligado
à composição da cidade” (ROSSI, 2001 p. 38)
A cidade é analisada pelo mesmo autor, através de sua forma pois é a morfologia urbana, dada pelas formas de um fato urbano,
que permanece ao longo do tempo; ao contrário, a função dos
edifícios é considerada com importância secundária, justamente
porque é alterada em decorrência das mudanças na sociedade e,
assim, todo o valor simbólico e a memória do uso do edifício ficam
atrelados à sua forma, são somados e transmitidos às próximas
gerações.
Página |32
Capı́tulo2
OPROJETOEA
REPRESENTAÇÃODOLUGAR
Página |33
2. O PROJETO E A REPRESENTAÇÃO DO
LUGAR
Nesse sentido, o mais complexo é identificar maneiras de
representar essas teorias na concepção do projeto. Portanto, é
possível compreender a importância de arquitetos como Robert
Venturi e Aldo Rossi, que além de estabelecer o pensamento que
sintetizava
a
problemática
enfrentada
pela
Arquitetura
e
Urbanismo na década de 60, levaram os conceitos recémestudados à construção propriamente dita da arquitetura.
Aldo Rossi, em especial, segue um caminho ainda mais oportuno
para esse estudo, pois estabelece um possível método de projeto
com base no conceito de fatos urbanos, elementos construídos
pela coletividade, mas que são identificáveis na forma da
arquitetura
presente
na
cidade.
Nesse
sentido,
torna-se
fundamental a contribuição que Norberg-Schulz acrescenta à
análise e concepção da arquitetura a importância da paisagem
natural e da individualidade do projeto, condicionadas ao caráter
concreto do lugar.
O início do projeto para Aldo Rossi pressupõe, como primeira fase
da concepção, a leitura dos elementos urbanos, construídos pelo
homem, que persistem através do tempo e, num procedimento
lógico de entendimento dos fatos urbanos presentes na área ou na
Página |34
região, o desenho proposto é “determinado”, por analogia, pela
estrutura específica daquele lugar.
Norberg-Schulz sugere, assim como Rossi, a leitura do lugar na
etapa inicial do projeto, mas acrescenta maior ênfase aos dados
empíricos,
inclui
nesse
procedimento
a
observação
dos
“fenômenos” concretos e da relação entre o homem e o lugar,
ressaltando, portanto, a individualidade do projeto. O autor
identifica, no processo de elaboração do detalhe, a representação
do lugar e da evidência de seu caráter.
Contudo, o limite entre a individualidade e a coletividade do projeto
de arquitetura pode não ser exato, e exige a sobreposição de
procedimentos e a elaboração de novos conceitos. Nesse sentido,
as reflexões de Aldo Rossi e Norberg-Schulz se complementam e,
reforçam a importância das teorias que antecipam o resultado de
determinadas
decisões
de
projeto
e
oferecem
soluções
alternativas.
Página |35
Capı́tulo3
EstudodeCaso
Página |36
No prosseguimento, com intuito de verificar a transposição dessas
teorias na prática do projeto são identificados critérios de análise a
partir do entendimento dos conceitos expostos no primeiro
capítulo, na leitura anteriormente realizada do projeto do Museu de
Santiago de Compostela (1993), do Arqº. Álvaro Siza, para a
pesquisa de Iniciação Científica (2010), em que é possível verificar
elementos do lugar que estão representados pela arquitetura
desse edifício.
2.1. CENTRO GALEGO DE ARTE
CONTEMPORÂNEA (A. SIZA VIEIRA, 1993)
Santiago de Compostela, Espanha, 1993.
O Centro Galego de Arte Contemporânea foi implantado no antigo
jardim do Convento de San Domingo de Bonaval, próximo ao
monumental centro do município de Santiago de Compostela, em
Galizia, Espanha.
Segundo
Montaner
a
solução
proposta
que
partia
da
indeterminação do programa, “adota a forma de planta triangular
que permite fechar-se em si mesma, adaptar-se à memória da
cidade incluindo seus muros de pedra e localizar-se no jardim
histórico existente, remodelado pelo próprio Siza”. (MONTANER,
2003 p. 82) Portanto, o conhecimento de alguns fatos históricos da
Página |37
cidade de Santiago de Compostela tem fundamental importância
nesse estudo, e serão brevemente expostos, pois nortearam as
decisões do projeto analisado.
A cidade recebe, há doze séculos, peregrinos cristãos de toda
parte do mundo que chegam à Catedral de Santiago de
Compostela para visitar o túmulo de Santiago Maior, um dos
apóstolos de Jesus Cristo, o qual, conforme diz a tradição, teve
seu corpo encontrado na Espanha e sepultado em Galícia. Os
caminhos traçados por essa milenar peregrinação se espalham
por toda a Europa e foram reconhecidos em 1998, pela UNESCO,
como Patrimônio da Humanidade. Na atualidade, as rotas não são
percorridas apenas por motivações religiosas, mas recebem
pessoas de toda parte do mundo que perfazem os caminhos
também pelo reconhecimento de seu valor artístico e cultural.
Página |38
Muralha de Santiago
(Século XII)
Caminho de Santiago –
Itinerário francês
Via de ligação entre o
centro da cidade e o
museu
Portas de acesso a
cidade, correspondentes
com os itinerários de
chegada dos peregrinos
a Santiago de
Compostela
Centro Galego de Arte
Contemporânea (Álvaro
Siza)
Catedral de Santiago de
Compostela
Convento de San
Domingo de Bonaval
Figura 5 – localização do Centro Galego de Arte Contemporânea e sua relação com os marcos históricos da
Cidade de Santiago de Compostela
Fonte: Mapa produzido por Gislaine Moura, a partir de informações retiradas do site
http://www.caminhodesantiago.com (acesso: 07-08-2009) – sobre foto aérea do Google Earth
2.1.1. CONDICIONANTES DO LUGAR
Há diversos elementos históricos que ficaram registrados na
arquitetura da cidade, cujo conjunto foram particularmente
considerados por Álvaro Siza na concepção do projeto: a
elimitação marcante da antiga muralha de proteção à cidade, as
“sete portas de acesso” que encerravam as peregrinações, o
caminho francês para Santiago, a catedral de Santiago de
Página |39
compostela; podem ser observadas, também, as estreitas ruas e
traçado irregular, características do período medieval. [Figura 5]
Platô contruído para
implantação do novo
edifício escolar
Nova via aberta: Rua
Ramón Del ValleInclán
Conjunto Conventual
de Santa Clara
Conjunto Conventual
de San Roque
Conjunto Conventual
San Domingo Bonaval
Centro Galego de Arte
Contemporânea
(Álvaro Siza)
Figura 6– localização do Centro Galego de Arte Contemporânea entre edifícios históricos da cidade
Fonte: Mapa produzido por Gislaine Moura, a partir de foto aérea do Google Earth
O autor do projeto, o arquiteto português Álvaro Siza, adotou como
ponto de partida a remodelação do jardim do Convento de San
Domingo, situado em uma área triangular ocupada, em cada
vértice, por um conjunto conventual [Figura 6]. Essa área foi
descaracterizada no final da década de sessenta pela construção
de um novo edifício escolar que, alterando a topografia do local,
definiu um platô para implantar suas quadras esportivas e, ainda,
pela abertura de uma nova rua através da demolição de algumas
Página |40
paredes existentes, deixando um espaço inutilizado em frente aos
terraços do jardim dominicano. [Figura 6]
1- Jardins do Convento
de San Domingo de
Bonaval
2- A área corresponde
aos terraços dos
jardins do Convento de
San Domingo de
Bonaval, remodelada
por Siza com a
implantação do Centro
de Arte
1
2
Uma das portas do
caminho de santiago caminhi francês
Figura 7–Centro Galego de Arte Contemporânea – área de implantação do edifício.
Croqui:Gislaine Moura
Página |41
2.1.2. CRITÉRIOS PARA IMPLANTAÇÃO
DO EDIFÍCIO
Na busca de um desenho coerente e capaz de reordenar a área
antes degradada [Figura 7], Siza concebe o edifício em dois
volumes, os quais se alinham aos eixos de referência do entorno.
Os blocos são implantados longitudinalmente no sentido norte-sul
e convergem entre si para a cota mais baixa do sitio; um deles é
paralelo à nova Rua Ramón del Valle-Inclán conferindo-lhe uma
fachada;
o outro forma, com a fachada do Convento de San
Domingo de Bonaval, um ângulo de 21º permitindo visuais que
ressaltam a importância histórica e cultural do patrimônio [Figura
8].
1- Jardins do Convento
de San Domingo de
Bonaval
2- Área do museu
3- Nova rua Ramón
del Valle-Inclán
O edifício foi concebido
em dois volumes: o
primeiro, à esquerda
(A), desenhado
pararelo à nova Rua
Ramón del ValleInclán; o outro (B) cria
uma perspectiva em
relação à fachada do
convento.
3
1
2
B
A
Uma das portas do
caminho de santiago caminhi francês
Figura 8 – Centro Galego de Arte Contemporânea – condicionantes para implantação.
Croqui:Gislaine Moura
Página |42
Os eixos de referência do entorno eleitos pelo arquiteto sintetizam
a
leitura
dos
elementos
que
caracterizam
o
sítio,
e
o
reconhecimento daqueles elementos permanentes, constituintes
da paisagem, de acordo com os conceitos de ROSSI (2001):
- ao implantar o edifício (A)
paralelo à Rua Ramón del Valle-
Inclán, Siza delimita a nova via e, com isso, resgata a principal
característica
do
traçado
urbano
do
período
medieval,
preponderante em toda cidade de Santiago de Compostela: as
ruas, assim como as praças desse período, são resultantes dos
vazios deixados pelas construções implantadas na periferia das
quadras, constituindo um espaço público caracterizado por estar
delimitado pelos edifícios [Figura 9];
Figura 9 – Centro Galego de Arte Contemporânea - Delimitação da Rua Ramón del Valle-Inclán pelas construções
existentes e pela fachada do bloco (A) do museu à esquerda
Figura 10– Centro Galego de Arte Contemporânea - Similaridade entre o volume do bloco (B) do museu e o edifício do
Convento.
fonte: El Croquis. Alvaro Siza, 1958-2000. In: El Croquis Editorial, nº 68/69-95. Madri, 2007
o outro volume (B) estabelece com o convento dominicano, datado
do século XII, uma relação de analogia, ressaltando a importância
Página |43
histórica desse edifício que representa um marco na paisagem do
local. Mantém-se, para tanto, o mesmo gabarito e densidade da
forma, além de obedecer ao alinhamento da fachada e criar
perspectivas de diversos pontos para sua entrada [Figura 10].
É importante ressaltar, ainda na implantação do edifício, que o
autor redefine os níveis do entorno, considerando os fluxos de
pedestres: implanta cada volume do edifício na cota natural do
terreno, o que acarreta um desnível de 2,5 m entre eles e, através
de uma rampa de pedestres (paralela à Rua Ramón Del ValleInclán) integra os dois níveis permitindo, com isso, a preservação
da vista para a muralha de Santigo ou para o próprio convento
dominicano [Figuras 11, 12, 13 e 14].
Página |44
Figura 11- Desnível de 2,50 m entre o terraço do convento e a Rua R. del Valle-Inclán.
O gabarito do Museu mantém a mesma altura do edifício do Convento
Figura 12 - Escada proposta por Siza para integrar a área do Conjunto Conventual San
Domingo com o centro monumental da Cidade.
Figura 13 - A liberação do térreo, no ponto em que os dois volumes se encontram, contribuiu
para o acesso e a integração visual entre os diferentes níveis do terreno
Figura 14 - A rampa paralela à rua R.del Valle-Inclán diminui a distância percorrida para
transpor a quadra, aumentando o fluxo de pedestres na praça de entrada do museu.
Croqui: Gislaine Moura
Página |45
Figura 15 - Articulação do espaço urbano: praça da entrada principal.
fonte: El Croquis. Alvaro Siza, 1958-2000. In: El Croquis Editorial, nº 68/69-95. Madri,
2007
Pelo conjunto das características estudadas, o museu projetado
por Álvaro Siza em Santiago de Compostela é, claramente, um
exemplo de trabalho que adota, como premissa, a integração do
edifício à paisagem - física e cultural – da cidade. Nesse sentido, é
resultado
da
criteriosa
atenção
aos
elementos
de
valor
permanente, incluídos tanto a valorização do patrimônio histórico,
arquitetônico e cultural existente, a recomposição da malha
urbana, através do redesenho das vias e do espaço público
circunvizinho,
e
a
preservação
de
vistas
e
perspectivas
importantes à paisagem da cidade [Figura 15].
Página |46
Figura 16 – Vista Centro Cultural São Paulo – edifício destacado ao centro
Fonte: fotografia de Carlos Renno – disponível em
https://picasaweb.google.com/ccspsite/CCSP30Anos#5739847888011719714
3. ESTUDO DE CASO: CENTRO CULTURAL SÃO
PAULO
No período em que se dá a construção da Estação Vergueiro, ao
Metrô cabia a responsabilidade do planejamento das linhas e
projeto das estações e à Empresa Municipal de Urbanização EMURB competia a elaboração dos planos de reurbanização das
áreas envoltórias das estações e linhas, de tal modo, que esses
permitissem
a
comercialização
com
lucros
adequados
à
amortização dos custos de implantação da rede.
Durante a construção da Estação Vergueiro, a longa e estreita
faixa de terreno, entre a Avenida 23 de maio, a Rua Vergueiro,
Página |47
com cerca de 80.000m² foi destinada à revitalização da área
[Figura 17], num projeto nomeado de Nova Vergueiro, objeto de
licitação lançada pela Prefeitura de São Paulo em 1974 (ANELLI,
2007).
Avenida 23 de Maio
.
Rua Vergueiro
Vd. João Julião/
Beneficiencia Portuguesa
Central de Controle
Operacional do Metrô
Viaduto Paraíso
Figura 17 – Mapa da área do Projeto Vergueiro elaborado pela EMURB
Fonte: (Serapião, 2012)
Página |48
Figura 18 – Imagem publicada pela Revista Manchete a partir de perspectiva
elaborada pela EMURB para divulgação do plano de revitalização Nova Vergueiro.
Fonte: Imagem disponível em Anelli, 2007
No Termo de Referência preparado pela EMURB demonstravamse em croquis esquemáticos as diretrizes para elaboração dos
projetos [Figura 18], conforme esclarece Renato Anelli:
Os esquemas de implantação e índices de ocupação e
de aproveitamento propõem que o espaço da Rua
Vergueiro
estendesse
através
do
nível
térreo,
tornando-se uma praça em plataforma para o vale da
23 de Maio. Acima desse nível seriam erguidas as
torres e abaixo ficariam serviços e estacionamento. A
Igreja de Santo Agostinho, com seu pequeno largo,
Página |49
assumiram o papel de uma referência histórica da
região, estruturando a travessia do vale pelo Viaduto
Beneficência Portuguesa e Rua João Julião. (ANELLI,
2007 p. s/n)
Figura 19 – Imagem do Projeto vencedor da licitação da Nova Vergueiro, Arquiteto Roger
Smekhol, publicado em 1974
Fonte: (Serapião, 2012 p. 21)
O projeto vencedor, de autoria dos arquitetos Roger Zmekhol e
Sidinei Rodrigues, provocou uma série de discussões, tanto em
relação ao rumo do aproveitamento das grandes áreas vinculadas
aos investimentos de infraestrutura, quanto ao impacto que
causaria na paisagem urbana.
Em 1975, após determinar a anulação dessa concorrência, Olavo
Setúbal, o novo prefeito, doa uma parte de aproximadamente
22.000m² da área utilizada para canteiro de obras do Metrô [Figura
20], ao Departamento de Bibliotecas Públicas do Município de São
Paulo, para a construção da Nova Biblioteca Central-Vergueiro.
Página |50
A – Área
remasnecente às
obras do Metrô,
destinado inicialmente
aos projetos de
urbanização da
EMURB e
posteriormente a
construção do CCSP.
A
4
B – Estação Vergueiro
– Linha Norte/Sul do
Metrô
B
C – Central de
Controle Operacional
do Metrô.
1 – Via expressa:
Avenida 23 de Maio
2 – Rua Vergueiro
3 – Viaduto Paraíso
1
4 – Viaduto
Beneficiencia
Portuguesa
2
Acessos da atual
Estação Vergueiro do
Metrô
C
3
Figura 20 – Em destaque, área destinada à construção da Nova Biblioteca Central-Vergueiro, atualmente
ocupada pelo Centro Cultural São Paulo
Fonte: Mapa elaborado pela pesquisadora sobre o GEGRAN de 1972
Para tanto, esse Departamento contratou a equipe de arquitetos
da PLAE Arquitetura SC Ltda, liderada pelo arquiteto Eurico Prado
Lopes, para acompanhamento e finalização do relatório do
Programa Funcional e para a elaboração do projeto de arquitetura,
que é entregue em outubro de 1975 (TELLES, 2002).
Página |51
O extenso programa, amplamente pesquisado e elaborado, com
grande atenção à ideia de que deveria atender a todos os
segmentos da população, envolveu, segundo Luiz Telles:
(...)
questões
dimensionamento,
de
Biblioteconomia,
desempenho
e
de
relacionamento
entre setores, questões relacionadas à expansão futura
e aspirações, à arquitetura – edifício, cidade e edifíciocidade, e questões relacionadas ao usuário e à
cidadania, resultando em um trabalho completo e
profundo (...). As determinações do projeto e a
investigação
pormenorizada
da
realidade
foram
categorias referenciais para o desenvolvimento do
projeto, mas também funcionaram como aberturas para
uma reflexão paralela, que nos encaminhou para os
questionamentos, as dúvidas e as indagações criativas
dessa mesma realidade. (Telles, 2002 p. 207)
Página |52
Figura 21 – Imagens do terreno do Centro Cultural São Paulo anteriores à construção do
edifício.
Fonte: TELLES, 2002, p.210 e 212
Página |53
As características físicas do terreno – longa e estreita faixa com
declividade acentuada de cerca de 10m – foram consideradas
condicionantes importantes, conduzindo soluções que permitissem
a manutenção da conformação da área [Figura 21]. O edifício,
sem ostentação, deveria integrar-se perfeitamente à paisagem e,
para isso “Fazia-se necessário captar o espírito do lugar (genius
loci), sua alma, sua atmosfera” ( TELLES, 2002, p.213). Desde o
início, o edifício é pensado com a preocupação de não se impor à
paisagem urbana - deveria ser baixo, leve, convidativo –
incorporando o formato do terreno e o
desnível entre a Rua
Vergueiro e a Av. 23 de Maio.
Figura 22 – Imagem da construção do CCSP: vegetação mantida durante as obras do
Metro e preservada no novo projeto.
Fonte: (Bucci, 2003 p. s\n)
Praticamente no centro da extensão do terreno ainda permanecia
um conjunto de árvores de maior porte [Figura 22], poupado no
Página |54
uso do terreno como canteiro de obras do Metrô. Essa vegetação
existente, reunida, passou a ser uma referência a ser preservada,
em um enfoque que, ainda segundo Telles (2007, p. 217)
“distanciava-se da conhecida tabula rasa, comumente proposta
pela arquitetura moderna”.
O primeiro anteprojeto foi entregue em 1977, mas recusado pelo
prefeito com o argumento de que a monumentalidade do edifício
não correspondia às propostas políticas de sua gestão (Serapião,
2012, p. 61). Essa questão é reconhecida por um dos autores da
proposta, em que pese a preocupação da equipe, já nos primeiros
estudos, com um edifício sem ostentação, adequado à paisagem e
atento ao bem estar dos usuários, como já mencionado:
(...) Não se conseguiu refrear a ‘experiência moderna’,
o edifício surgiu como uma grande estrutura em
concreto
muito
marcante,
grandes
vãos,
vigas
inclinadas que se encontravam em nós, destes
nascendo outros conjuntos de vigas inclinadas –
propôs-se um espaço monumental. (Telles, 2002 p.
225)
Página |55
Figura 23 – Maquete da primeira proposta para a Biblioteca Central-Vergueiro: projeto
identificado pela horizontalidade e uma marcante cobertura de concreto.
Fonte: (Serapião, 2012 p. 21)
Novos estudos se sucedem. Mas é a proposta, apresentada pelo
arquiteto Eurico Prado Lopes, de uma rua interna ao edifício,
tendo uma extremidade no viaduto João Julião e a outra junto ao
Centro de Controle e Operação do Metrô – CCO, entendida como
uma área de transição entre a cidade e o edifício, e da qual se
poderia ter acesso a todas as atividades da Biblioteca [Figura 24],
que se torna o ponto chave do projeto, a “ideia luminosa” que
faltava, capaz de promover “(...) grande salto qualitativo no
desenvolvimento do trabalho”, na expressão de Luiz Telles (2002,
p. 233; 235).
Página |56
Figura 24 - Croqui da rua interna – 1977. Acervo PLAE
Fonte: Dissertação de mestrado do autor do projeto: Telles, 2002, p. 232
Em 1978, o novo anteprojeto para a Biblioteca Central foi
aprovado e durante a construção, em 1980, na gestão do prefeito
Reinaldo
de
Barros,
passa
por
nova
reformulação.
Por
determinação de Mario Chamie, novo Secretário Municipal da
Cultura, o edifício deveria abrigar um Centro Cultural, sob a
argumentação principal de que uma nova biblioteca na área
central com capacidade para milhões de livros, não estava de
acordo com sua política cultural, que propunha a construção de
pequenas
bibliotecas
nas
áreas
de
periferia
da
cidade,
reafirmando a intenção de descentralização da cultura em sua
Secretaria (Serapião, 2012 p. 75).
Nesse sentido, a criação do Centro Cultural, pelas atividades que
contemplaria, “melhor atenderia à carência da população com
relação à informação e ao lazer cultural” (Telles, 2002 p. 253).
Página |57
Propunha-se, portanto, um espaço multiuso, com programa de
necessidades amplo e variado, incluindo instalações do teatro,
cinema, exposições, biblioteca e programação que favorecesse a
vinculação entre usuário e atividades oferecidas:
Não se iria mais somente a um teatro, cinema,
exposição, mas a um espaço com transporte urbano
fácil, tendo-se opção de participação ativa nas
atividades – um lugar em que poder-se-ia ver ou fazer
teatro, cinema, música, arte, a cidade representada no
projeto. (Telles, 2002, p. 253)
Permaneceu, contudo, a forma do edifício que, pelas dimensões
favoreceu a ampliação de programa necessária para a construção
desse Centro Cultural, e pela natureza da proposta, foi possível
dar continuidade com conceito de espaço aberto à população, que
até então, havia conduzido a elaboração do projeto.
Página |58
3.1. O PROJETO DO CENTRO CULTURAL: A
REPRESENTAÇÃO DO LUGAR NA
ARQUITETURA
Rua Vergueiro
Viaduto João Julião
(Beneficência Portuguesa)
Avenida 23 de Maio
Centro Cultural São Paulo
Rua Bernardino de Campos /
Av. Paulista
Viaduto Paraíso
Figura 25- Localização: terreno em encosta de Vale no limite entre as regiões da Av.
Paulista (esq.) e Liberdade (dir.).
Fonte: Mapa produzido por Gislaine Moura sobre foto aérea do Google
Earth
Conforme visto anteriormente, a localização do lote conferiu ao
projeto significativa complexidade: em um trecho da encosta do
vale do antigo córrego Itororó20 (Serapião, 2012 pp. 15,16), o
20
Afluente do rio Anhangabaú - assim como os córregos Saracura, Moringuinho
e Bexiga - o córrego Itororó (pequena cachoeira ou salto) coincide com a Av.
23 de Maio, saindo da parte alta da mesma, entre a Av Paulista e a Liberdade.
Fonte: http://cidadedesaopaulo-historia.blogspot.com.br/2010/01/fundacao-desao-paulo.html
Página |59
terreno, de geometria alongada e estreita, encontra-se na
separação das regiões da Avenida Paulista e Liberdade,
delimitado por vias de alto tráfego [Figura 25]. Tais características
destacam a condição de área remanescente à ocupação dos
bairros e construção da cidade [Figura 27].
No entanto, verificou-se, a partir dos croquis de orientações da
EMURB, a arquitetura resultante da leitura dessas condicionantes
sob um primeiro conjunto de critérios, que pode ser identificado
pela ideia de funcionalismo21.
Ao conjunto de edifícios propostos era estabelecida uma função
no reordenamento e desenvolvimento urbano dessa região da
cidade, e em consequência a forma projetada representava esse
ideal: torres para elevação de adensamento, erguidas sobre um
embasamento em que se concentrariam as áreas de serviços e
estacionamentos.
Também o relevo, condicionante fundamental da implantação, foi
representado a partir do programa arquitetônico do edifício, uma
área de lazer, como uma praça em plataforma que prolongaria o
espaço da Rua Vergueiro e se encerraria como um mirante para o
21
O funcionalismo e o organicismo são duas correntes da arquitetura moderna,
baseadas no conceito de função que, segundo Aldo Rossi, foi “tomado de
empréstimo da fisiologia, assimila a forma a um órgão cujas funções são as que
justificam sua formação e o seu desenvolvimento”. (2001 p. 30). No entanto, no
período pós-moderno essa relação entre forma e função é subvertida, em sua
posição de Critica ao funcionalismo ingênuo, Aldo Rossi afirma que a função é
um aspecto secundário na conformação da constituição da arquitetura, de um
fato urbano.
Página |60
Vale da Avenida 23 de Maio, relação que pode ser reconhecida
entre as duas vias, a partir da leitura do corte transversal do
terreno apresentado na proposta. [Figura 26].
Figura 26 – Corte elaborado pela EMURB para o termo de referência da Licitação Nova
Vergueiro: torres que permitiam a elevação de adensamento sobre embasamento destinado a
serviços.
Fonte: Anelli, 2007
Na proposta dos arquitetos Eurico Prado Lopes e Luiz Telles, tanto
para a Biblioteca quanto para o Centro Cultural é possível
reconhecer um segundo conjunto de critérios, que serão
sintetizados, nessa análise, pela noção de continuidade da
paisagem urbana, em referência à teoria desenvolvida por Aldo
Rossi, com foco principalmente no conceito de fatos urbanos.
Página |61
1 - Rua Vergueiro
2 - Av. 23 de Maio
3 – Vd. Beneficencia
Portuguesa
4
4 – Vd. Paráiso
5
1
5 - Vegetação
existente no terreno
2
6
6 - Estação Vergueiro
do Metrô
3
Figura 27- CCSP: componentes da paisagem considerados no projeto destacados na
área de implantação do edifício.
Fonte: Croqui produzido pela pesquisadora a partir de imagem aérea posterior a
construção do edifício [Figura 16]
Adotar a continuidade da paisagem urbana como partido
arquitetônico pressupõe, no início da concepção do projeto a
leitura dos elementos que deram origem a essa paisagem, mas
que ainda estão presentes e que se preservados permitirão a
apreciação da mesma imagem após a construção da nova
arquitetura. Esses elementos são, nas palavras de Aldo Rossi,
permanências
que
caracterizam
um
“passado
que
ainda
experimentamos” (ROSSI, 2001 p. 52), identificá-los, portanto,
constitui o método para explicar os fatos urbanos, que ainda
segundo o mesmo autor, é fundamental para o entendimento da
paisagem urbana em sua totalidade.
Página |62
Nesse sentido, os autores do projeto optaram por preservar e
ressaltar duas permanências fundamentais na configuração da
área de implantação: o traçado, ou seja, o desenho do plano e, o
relevo [Figura 27].
Embora a construção da cidade tenha criado uma relação de
interdependência entre o traçado, o relevo e a arquitetura,
tornando justo o reconhecimento do conjunto desses elementos
como um fato urbano, o método das permanências, que
fundamenta essa análise, “é obrigado a considerá-lo fora das
ações presentes que o modificam” (ROSSI, 2001 p. 52), ou seja,
detectar e analisar separadamente os elementos que compõem
esse fato urbano, segundo Aldo Rossi, permite a verificação da
relevância efetiva de cada um desses elementos na origem da
paisagem para eleger as principais condicionantes durante a
elaboração do projeto.
Quanto ao traçado, numa abordagem simplificada da área de
estudo, as vias e a estação de transporte de massa que cercam o
lote, teriam sua importância elevada, pois compõem o sistema de
mobilidade
urbana
em
escala
metropolitana,
portanto,
desempenha função essencial no cotidiano da população e
dinâmica da cidade.
No entanto, o traçado origina-se das características do relevo.
Apesar de oculto sob da Avenida 23 de Maio, o afluente do Rio
Página |63
Tamanduateí, pode ser verificado como a permanência de maior
importância nessa paisagem, pois condiciona a ocupação humana
nessa região e, consequentemente, a arquitetura.
Nesse contexto, pode-se perceber que a leitura das vias que
limitam o lote ultrapassa o caráter funcional, a criação da Rua
Vergueiro, por exemplo - que data do início da ocupação da
cidade - por acompanhar o antigo curso d’água, pode representar
a necessidade de orientação do homem ao se deslocar no espaço,
assim como, a criação dos Viadutos João Julião e Paraíso a
transposição e ligação entre as duas regiões divididas pelo vale
[Figura 27].
O desenho resultante da implantação da Avenida 23 de Maio e da
Rua Vergueiro conferem expressão significativa ao sentido
longitudinal da paisagem, como pode ser observado no mapa de
localização [Figura 25]. Conforme mencionado anteriormente, a
proximidade entre as duas vias cria uma estreita faixa de terrenos,
com cerca de 70m de largura e 3 km de extensão, iniciada no
Bairro Paraíso, zona sul da cidade, até a Sé na área Central.
Portanto,
o
lote
aproximadamente
estudado
400m
ocupa
desse
apenas
recorte
da
uma
parte
cidade.
de
Esse
entendimento que pode ser fundamental na elaboração de um
projeto de arquitetura, verifica-se na análise da forma do edifício
estudado na presente análise.
Página |64
1 - Rua Vergueiro
2 - Av. 23 de Maio
3 – Vd. Beneficencia
Portuguesa
4
4 – Vd. Paráiso
5
5 – Vegetação
existente no terreno
2
1
6 - Estação Vergueiro
do Metrô
6
3
Abertura visual
da paisagem
permitida pela
condição de
Vale
Eixo
predominante
da implantação,
parelelo as vias
que limitam o
lote
Forma
resultante dos
alinhamentos
obtidos a partir
dos limites e
geometria do
terreno
4
5
1
2
6
3
Figura 28 – CCSP –leitura das condicionantes da implantação: ampla perspectiva do vale e eixo
longitudinal predominante do traçado.
Figura 29 – CCSP –Hipótese de elaboração da forma resultante das condicionantes da implantação.
Croquis: Gislaine Moura
A ideia de conservação e continuidade da paisagem existente
conduziu à elaboração da forma do edifício a partir do mimetismo
dos elementos dela predominantes: a situação de encosta,
Página |65
reconhecida em toda extensão da Avenida 23 de Maio, e a
possibilidade
de
ampla
perspectiva
proporcionada
pela
horizontalidade e dimensão longitudinal do terreno [Figura 28],
foram representadas por um volume baixo e estreito marcado por
um plano inclinado, como um talude [Figura 29].
Essa leitura da paisagem, observada até aqui no projeto,
aproxima- se da reflexão que Rossi desenvolve sobre a arquitetura
concebida como parte do sítio, tomando como referência a
arquitetura do mundo clássico e do renascimento:
Ela ‘conformava’ um sítio; suas próprias formas
mudavam na mutação mais geral do sítio, constituíam
um ‘todo’ e serviam a um acontecimento, constituindose elas próprias em acontecimento. (ROSSI, 2001, p.
151)
Página |66
1 - Rua Vergueiro
2 - Av. 23 de Maio
3 – Vd. Beneficencia
Portuguesa
4
5
4 – Vd. Paráiso
5 – Vegetação
existente no terreno
6 - Estação Vergueiro
do Metrô
2
1
6
3
Piso Nível 796 –
Acesso pela
Avenida 23 de
Maio
Piso Nível 801
– Acessos
criados por
elementos de
circulação
vertical
Piso Nível 810
– Acesso direto
pela Rua
Vergueiro
4
5
Piso Nível 806
– Acesso direto
pela Rua
Vergueiro E
Viaduto
Beneficencia
Portuguesa
1
6
2
3
Figura 30 – CCSP –composição da forma: concepção do edifício em patamares que reforçam a ideia
de horizontalidade do partido.
Figura 31 – CCSP –composição da forma: alteração do volume do edifício para incorporar rua interna
ao projeto.
Croquis: Gislaine Moura
Página |67
Figura 32 - CCSP- Vegetação preservada vista a partir do Jardim Suspenso 23 de maio.
Figura 33 - CCSP- Vegetação preservada vista a partir do Piso 810
Figura 34 - CCSP- Vegetação preservada vista a partir da entrada principal pela Rua
Vergueiro.
Fonte: fotos do arquivo da pesquisadora
Nesse mesmo sentido, a decisão de preservar o conjunto de
árvores existentes, pouco deslocadas do centro do terreno,
perpetua-se no desenho do edifício, evidente no amplo recorte
feito no volume [Figura 30]. A presença expressiva dessa
vegetação permite ao espaço concebido maior clareza, é possível
avistá-la nos diversos pisos do edifício, mesmo nos espaços
internos, em função da transparência aplicada aos fechamentos.
Define-se, dessa maneira, um marco que orienta os percursos
Página |68
pelo edifício e conduz também a organização do programa que,
atualmente, em linha gerais, estão ao sul do Jardim Central, as
áreas de biblioteca e exposições e, ao norte, as salas de
espetáculos e dependências administrativas da Instituição [Figuras
35,36,37 e 38].
Confirma-se nessa análise a importância dada à forma para Aldo
Rossi, segundo o autor “esta parece resumir o caráter total dos
fatos urbanos, inclusive a origem deles” (ROSSI, 2001 p. 17),
Entretanto, a alteração do volume para incorporar ao projeto a rua
interna proposta por Eurico Prado Lopes [Figura 31], correspondia
à necessidade de atenuar a monumentalidade obtida no primeiro
anteprojeto, para que o edifício se aproximasse do cotidiano das
pessoas.
Acrescentou-se
ao
projeto,
portanto,
uma
intencionalidade imprecisa, pressupunha-se que à arquitetura
competia a criação de um espaço com o qual a população se
identificasse.
Altera-se, com isso, a escala de elaboração da proposta, ou seja,
até esse momento considerava-se em primeiro plano a relação
desse edifício com a cidade e passou-se a pensar a seguir na
ocupação
do
espaço
dessa
arquitetura
pelas
pessoas.
Entendimento que desloca essa análise a admitir a concepção da
arquitetura sob um terceiro conjunto de critérios, identificados pela
ideia de criação do lugar.
Página |69
1 – Sala de Espetáculos Ademar Guerra
5
2 – Áreas de Reserva Técnica
3 – Áreas de Serviços
4 – Acesso a Avenida 23 de maio
5 – Acesso ao Viaduto. João Julião
1
Figura 35 – CCSP - Planta do Piso 796:
Programa
2
Fonte: Planta elaborada pela pesquisadora com
base em arquivo “as built” de arquitetura cedido
pelo Centro Cultural São Paulo.
3
4
3
2
Página |70
1 – Administração
2 – Sala Lima Barreto
3 – Sala Paulo Emílio
4 – Sala Jardel Filho
5 – Sala Adoniran Barbosa
6 – Bibliotecas
7–Circulação de acesso às Rampas
1
Figura 36 – CCSP - Planta do Piso 801:
Programa
2
4
3
Fonte: Planta elaborada pela pesquisadora com
base em arquivo “as built” de arquitetura cedido
pelo Centro Cultural São Paulo.
5
6
6
7
6
Página |71
1 – Rampa de acesso a Estação Vergueiro do
Metro
2 – Foyer das Salas de Espetáculo
3 – Sala Adoniran Barbosa
1
4 – Área de Convivência
5 – Jardim Central
6 – Piso Expositivo Flávio de Carvalho
7 – Jardim dos Estudantes
8
2
8 – Acessos à Rua Vergueiro
8
9 – Rampa de acesso às bibliotecas
3
10- Rampas de acesso ao Piso 810
4
Figura 37 – CCSP – Planta do Piso 806:
Programa
8
5
Fonte: Planta elaborada pela pesquisadora com
base em arquivo “as built” de arquitetura cedido
pelo Centro Cultural São Paulo.
9
10
6
7
Página |72
10
1 – Jardim Suspensos
2 – Piso Expositivo Caio Graco
3 – Acesso a Rua Vergueiro
4 – Rampas de acesso ao piso 806
5 – Escadaria de acesso a Avenida 23 de Maio
(ponto de ônibus)
Figura 38 – CCSP - Planta do Piso 810:
Programa
Fonte: Planta elaborada pela pesquisadora com
base em arquivo “as built” de arquitetura cedido
pelo Centro Cultural São Paulo.
1
1
4
2
2
3
2
1
1
5
Página |73
3.2. O PROJETO DO CENTRO CULTURAL: A
CONCEPÇÃO DA ARQUITETURA COMO
LUGAR
As experiências e impressões diversas das pessoas sobre a
Arquitetura não estão em primeiro plano no início da concepção do
projeto pelo Método das Permanências, por serem estas, variáveis
ao longo do tempo e, por não constituírem fatos verificáveis.
Segundo Aldo Rossi, “o todo [arquitetura da cidade como
construção coletiva] é mais importante do que as partes” (2001 p.
24) na elaboração de um projeto arquitetura.
Embora a constatação do autor não exclua a possibilidade de se
encontrar “uma legitimidade de expressão numa residência, ou em
todo caso, numa obra menor (...)” (ROSSI, 2001 p. 56) ou anule a
necessidade da arquitetura contemplar dados do cotidiano,
contemporâneos de sua época de construção, entende-se nessa
análise que a representação da relação do edifício com cotidiano
das pessoas, observado na obra estudada, melhor se aproxima às
reflexões de Norberg-Schulz em que defende o retorno ao
principio da criação da arquitetura::
El propósito de la arquitectura es dar orden a ciertos
aspectos del ambiente, y con ello queremos decir que
la arquitectura controla o regula las relaciones entre el
home y el ambiente. Participa, por lo tanto, en la
creación de un ‘medio’, es decir, de un marco
Página |74
significativo
para
las
actividades
del
hombre.
(NORBERG-SCHULZ, 2008 p. 71)
A teoria desenvolvida por esse autor reafirma a noção de atenção
à função do edifício na cidade, à relação da arquitetura com a
paisagem urbana e natural, mas, sobretudo, defende que esses e
outros aspectos da criação do arquiteto “estaban unificados
originalmente en una necesidad general de protección que
asegurase la supervivencia de la especie (...)” (NORBERGSCHULZ, 2008 p. 71), o que sugere a elevação da importância da
experiência humana nos espaços produzidos pela arquitetura, por
ser esse, o aspecto que constitui seu verdadeiro propósito.
Nesse sentido, interessa nessa análise identificar algumas
soluções adotadas pelos autores no projeto estudado em que a
relação do edifício com o usuário é favorecida. Uma primeira delas
refere-se à entrada, à criação de acesso ao edifício capaz de não
inibir as pessoas por razões como classe social ou faixa etária ou
qualquer outra questão capaz de gerar insegurança, mas que,
pelo contrário, possa ser convidativo, agradável, favorecendo a
curiosidade do usuário, do transeunte.
Página |75
3.2.1. OS ACESSOS
Figura 40– CCSP – Acesso principal visto pela calçada da Rua Vergueiro
Figura 41 – CCSP – Acesso ao edifício visto pela calçada de ligação com a estação Vergueiro
do metrô.
Fonte: arquivo da pesquisadora
Numa abordagem abstrata e objetiva, que pode ser verificada em
cortes do projeto, a solução técnica aplicada ao problema da
declividade acentuada do terreno, que determinou a construção do
edifício em patamares, esclarece a criação dos acessos a partir da
intersecção desses patamares com a inclinação das vias que
limitam o lote.
Página |76
Piso 810
Altura do Vd. Paraíso
Piso 806
Piso 801
Piso 796
Rua Vergueiro
Av. 23 de Maio
Figura 42 – CCSP –Corte- solução para desnível do terreno os acessos acompanham a
inclinação da Rua Vergueiro.
Croqui: Gislaine Moura
No entanto a análise, a partir desse ponto de vista, por seu caráter
científico, não abrange os dados concretos e subjetivos, nas
palavras de Norberg-Schulz, “por uma questão de princípio, a
ciência “abstrai” o que é dado para chegar a um conhecimento
neutro e objetivo” (2006 p. 445), portanto, não permite a
verificação da totalidade das questões relacionados à ideia de
acesso, entendido nessa pesquisa como lugares específicos que
representam o importante momento em que um indivíduo transpõe
o limite entre o espaço externo e o interior da arquitetura.
Nesse sentido, é possível identificar na arquitetura do projeto
estudado as intenções que conduziram a concepção das entradas
do edifício: as aberturas sutis, sem ornamentações sofisticadas
sugerem a preocupação de eliminar barreiras que gerem
insegurança e impeçam qualquer pedestre de acessar o edifício;
Página |77
a disposição das entradas ao longo da Rua Vergueiro com
espaçamentos de cerca de 50m no máximo, podem representar a
preocupação com a escala humana, ou seja, com a distância
confortável ao caminhar; o afastamento dessas entradas do limite
do lote e, por vezes, seu deslocamento em relação ao nível da
calçada, configuram um ganho do ponto de vista do desenho
urbano pelo alargamento da calçada, mas também ressaltam e
respeitam o momento de transição, de ansiedade ou hesitação
que o ingresso ou a saída de um determinado espaço pode
proporcionar. [Figuras 43 e 44].
Figura 43– CCSP – Acesso ao Piso 810: a sombra projetada pela cobertura caracteriza o espaço
de entrada como lugar de transição entre interior e exterior
Figura 44 – CCSP – Acesso ao Piso 806: a possibilidade de visualizar o espaço interno desde a
calçada favorece a curiosidade e atenua a sensação de insegurança proporcionada pelas
dimensões.
Fonte: arquivo da pesquisadora
Essas mesmas soluções de concepção dos acessos podem ser
explicadas, por exemplo, pela relação da natureza das atividades
do programa com as entradas mais próximas, que também, de
Página |78
certa forma, indicariam a relevância da ocupação e do
comportamento das pessoas em relação ao espaço. Mas sob o
método da fenomenologia do lugar, que fundamenta a análise,
sugere um “‘retorno às coisas’ em oposição a abstrações e
construções
mentais”
(NORBERG-SCHULZ,
2006
p.
445),
portanto, a verificação do programa torna-se uma abordagem
funcional que não considera os fenômenos concretos que
conferem o caráter aos espaços e indicam sua qualidade:
Em geral, um lugar é dado como esse caráter peculiar
ou ‘atmosfera’. Portanto, um lugar é um fenômeno
qualitativo ‘total’, que não se pode reduzir a nenhuma
de suas propriedades, como as relações espaciais,
sem que se perca de vista sua natureza concreta”.
(NORBERG-SCHULZ, 2006 p. 445)
Na definição de fenômenos concretos consistem “nosso mundoda-vida cotidiana” que segundo o autor:
(...) compõe-se de pessoas, animais, flores, árvores e
florestas, pedra, terra, madeira e água, cidades, ruas e
casas, portas janelas e mobílias. E consiste no sol, na
lua e nas estrelas, na passagem das nuvens, na noite
e no dia, e na mudança das estações. Mas também
compreende fenômenos menos tangíveis, como os
sentimentos. Isto é, o que nos é ‘dado’ é o ‘conteúdo’
Página |79
de nossa existência. (...) (NORBERG-SCHULZ, 2006
p. 444)
Nesse
mesmo
sentido,
compreende-se
o
objetivo
dos
apontamentos de dados empíricos e variáveis, na leitura dos
acessos, como por exemplo, insegurança, distância confortável ao
caminhar, respeito ao momento de ansiedade e hesitação.
Aspectos imprecisos, considerados na elaboração do projeto do
edifício estudado, que promoveram a aproximação da arquitetura
ao cotidiano das pessoas.
3.2.2. OS PERCUSOS INTERNOS
Figura 45 – CCSP –Vista da rua do edifício: à direita o jardim original do terreno e ao fundo a
entrada da Biblioteca.
Figura 46 – CCSP –Vista da rua do edifício: à esquerda o jardim original do terreno e ao fundo a
escada de acesso a um dos jardins suspensos.
Fonte: arquivo da pesquisadora
Página |80
Outro conjunto de soluções identificado por meio dessa análise
refere-se ao tratamento conferido a rua interna ao edifício. Esse
percurso
pode
demostrar
o
entendimento
de
questões
relacionadas ao sítio, pois oferece ao pedestre uma opção de
caminho sombreado [Figuras 45 e 46], afastado do ruído do
trânsito proporcionado pela via expressa 23 de Maio e a pela rua
Vergueiro projetadas primordialmente para deslocamento de
automóveis.
Entretanto, a possibilidade de convívio entre as pessoas sem
comprometer a dinâmica das atividades do cotidiano, imprime o
caráter ao espaço dessa rua, que segundo Norberg-Schulz tem
importância essencial no reconhecimento da estrutura do lugar:
Caráter é um conceito ao mesmo tempo mais geral e
mais concreto do que “espaço”. Por um lado, indica
uma atmosfera geral e abrangente e, por outro, a forma
e a substancia concreta dos elementos definem o
espaço. (NORBERG-SCHULZ, 2008 p. 451)
Observa-se, portanto, que na rua do Centro Cultural São Paulo, há
quem simplesmente atravesse o edifício para chegar até o metrô,
ou
pare
durante
percurso
para
ver
rapidamente
alguma
apresentação artística, ou sempre passe para ver as exposições,
Página |81
ou entre para almoçar, ou para descansar nos jardins, ou ler ao
final do dia para evitar o caos dos horários de pico na volta para
casa. E, há ainda, os que aproveitam toda essa movimentação
para praticar suas aptidões artísticas pessoais espontaneamente.
Figura 47 – CCSP –Exemplo de uso espontâneo do espaço da área de convivência: prática de um
grupo de dança de rua.
Figura 48 – CCSP –Exemplo de uso espontâneo do espaço da rua interna, a sensação de segurança
proporcionada pela integração e escala dos espaços.
Fonte: imagens diponíveis respectivamente em https://fbcdn-sphotos-h-a.akamaihd.net/hphotos-akash3/p480x480/941389_10152857683005643_1397734478_n.jpg e
http://f.i.uol.com.br/folha/informatica/images/0910242.jpg,
No entanto, foram verificados alguns elementos de arquitetura
concebidos durante a elaboração do projeto, que podem ter
contribuído de maneira significativa para a atmosfera agradável e
qualidade do espaço que observamos, atualmente, pela obra
construída: o tratamento dado aos fechamentos que limitam os
espaços internos e as áreas descobertas do edifício, a
segmentação da forma em atenção à escala dos lugares, a
Página |82
integração visual entre os diversos lugares do edifício, mas,
sobretudo, a criação de elementos marcantes em cada espaço da
arquitetura.
3.2.1. A FRONTEIRA TÊNUE ENTRE
ESPAÇO INTERNO E EXTERNO
Figura 49 e 50 – Imagens da área do foyer das salas de espetáculos, vista interna à esquerda e externa à
direita: integração permitida pelas transparencias.
Fonte: foto da pesquisadora
Optou-se, na concepção do projeto, pelo uso de transparências
nos fechamentos dos diversos espaços para ampliar o alcance da
visão do usuário durante o passeio pela rua interna, conforme
comenta Telles “O percurso seria mais lento pela possibilidade do
usuário – através de transparências da arquitetura – visualizar o
desenrolar das atividades nos espaços” (2002 p. 235).
Entretanto, essa transparência, aplicada aos fechamentos [Figura
49], revela ao indivíduo o caráter dos espaços internos e externos
Página |83
simultaneamente, ou seja, é possível estar presente no espaço
interno sem acessa-lo, bem como, conhecer seu exterior sem
transpor a fronteira que os cercamentos dessa área delimitam.
Nesse sentido, a relevância dos fechamentos dos espaços da
arquitetura é abordada por Norberg-Schulz:
Todo espaço cercado é definido por uma fronteira, e
Heidegger afirma: “A fronteira não é aquilo em que
uma coisa termina, mas, como já sabiam os gregos, a
fronteira é aquilo de onde algo começa a se fazer
presente.” (NORBERG-SCHULZ, 2006 p. 450)
Os dois aspectos - ampliar o alcance da visão e eliminar as
barreiras visuais entre interior e exterior - parecem argumentos
idênticos, mas há diferenças significativas que estão relacionadas
à experiência do usuário ao transitar entre um espaço e outro. As
áreas internas do edifício estudado, assim como na maioria das
construções, estão condicionadas às atividades propostas pela
instituição, assim como, aos seus regulamentos de segurança,
horários de funcionamento, etc. Os espaços externos, ao
contrário, são caracterizados por uma maior liberdade de uso.
Portanto, pode-se verificar que os planos de vidro, que delimitam
essas áreas, eliminam a tensão que marca a decisão de ingressar,
participar, ou pertencer a aquele outro espaço fechado, marcada
Página |84
também pela insegurança de não ter a permissão para acessar, ou
não ser bem aceito no lugar desconhecido.
Acrescenta-se a esse entendimento, que o conjunto dessas
transparências, permite o reconhecimento do espaço cercado em
sua totalidade, em outras palavras, a sequência de lugares criados
pela arquitetura está sempre ao alcance da visão. O momento em
que um lugar termina ou outro se inicia não está determinado pela
arquitetura por um elemento fixo, considera-se nessa análise, que
essa decisão do projeto permitiu a criação de lugares a partir do
uso do espaço, da experiência da Arquitetura.
3.2.2. A SEGMENTAÇÃO DA FORMA
PRINCIPAL: O TODO E A PARTE
NA ESCALA DO USUÁRIO
Figura 51 e 52– CCSP- Relação de escala dos ambientes.
Fonte: fotos da pesquisadora
Página |85
Na análise do projeto como representação da paisagem,
elaborada no item anterior, foi possível verificar que o eixo
longitudinal predominante da implantação conduziu a concepção
da forma do edifício. Como resultante, observa-se um volume que
acompanha quase toda extensão do terreno, cujo comprimento em
seu maior sentido tem cerca de 400m extensão.
Prenominam nessa decisão de projeto os pressupostos de
inserção adequada do edifício em relação à paisagem urbana e
natural, portanto, a uma escala que privilegia a relação do edifício
com a cidade e abrange uma totalidade que está fora do alcance
olhar, em outras palavras, está fora do alcance dos sentidos, da
percepção humana.
No entanto, o entendimento dos arquitetos criadores da obra,
quanto à necessidade de adequar a escala do edifício às pessoas
[Figura 51], é identificado a partir do gesto de segmentação da
forma principal, considerado nessa análise, outro meio de
representação do lugar, dada compreensão de que a arquitetura
se modifica com objetivo de permitir e facilitar a ocupação do
homem, base do pensamento de Norberg-Schulz, que fundamenta
esse estudo.
Página |86
Figura 53– CCSP- representação da alteração de escala: a forma do edifício e a cidade (esq.), a rua no
edifício (meio) e segmentação da forma para adequá-la a escala do usuário.
Fonte: croqui da pesquisadora
Na prática, o projeto de edifício permite ao usuário a noção clara
sobre sua localização em determinado espaço, pela dimensão que
a área recortada adquire, mas, sobretudo, pela possibilidade
visualizar os diversos outros lugares a partir da integração visual
entre os espaços, definida pela “rua interna na qual os
acontecimentos vão se sucedendo, visuais que leem o espaço à
distância, momentos contínuos e distintos” (ZEIN, 1983)
Página |87
Figura e 54, 55 e 56 – CCSP- Espaços conectados visualmente.
Fonte: fotos da pesquisadora
Página |88
3.2.3. IDENTIFICAÇÃO E ORIENTAÇÃO
NA ESCALA DO USUÁRIO
Figura 57 – CCSP- caráter do espaço dado por elementos da arquitetura: plano gramado que recupera
a linha do horizonte da paisagem em meio ao entorno verticalizado.
Fonte: arquivo da pesquisadora
Figura 58 – CCSP- caráter do espaço dado por elementos da arquitetura: sala de espetáculos
concebida como arena, o espaço pode ser visto no percurso da rua interna por meio dos fechamentos
de vidro.
Fonte: disponível em http://www.overmundo.com.br/uploads/guia/img/1316373269_dsc_0384.jpg
Figura 59 – CCSP- caráter do espaço dado por elementos da arquitetura: escada helicoidal vermelha
que funciona como um marco no percurso do usuário.
Fonte: arquivo da pesquisadora
Figura 60 – CCSP- caráter do espaço dado por elementos da arquitetura: enormes rampas suspensas
no amplo vazio da biblioteca são referencias que podem ficar na memória do visitante.
Fonte: arquivo da pesquisadora
Página |89
A rua com suas variações – rampa descoberta,
canteiro central que se modifica tornando-se espaço de
atividades,
cobertura
parcial,
filtros
visuais,
transparências, canteiro das árvores – vai trazendo ao
transeunte informação sobre as variações do espaço
percorrido, e sobre sua localização urbana, pelas
aberturas dosadas para a cidade. (Telles, 2002 p.
280;281)
No comentário de Telles, ressalta-se a noção de localização no
percurso dos usuários no edifício em relação ao sítio, ou seja, as
aberturas e acessos funcionam como um elemento de ligação
entre o espaço cercado e a paisagem exterior, a cidade. Mas,
maior ênfase será dada, nessa análise, aos elementos que,
segundo o autor, configuram as variações do espaço percorrido
[Figuras 57, 58, 59 e 60], pois com base nos critérios de NorbergSchulz, são esses elementos que determinam um caráter aos
espaços, portanto, instituem os lugares:
Usamos a palavra ‘habitar’ para nos referirmos às
relações entre o homem e o lugar. Para entender
melhor o que esta última palavra significa, vale a pena
retomar a distinção entre ‘espaço’ e o ‘caráter’. Quando
Página |90
o homem habita, está simultaneamente localizado no
espaço e exposto a um determinado caráter ambiental.
Denominarei de ‘orientação’ e ‘identificação’ as duas
funções
psicológicas
implicadas
nessa
condição.
(NORBERG-SCHULZ, 2006 p. 455)
Compreende-se, no pensamento do autor, a abordagem empírica
e subjetiva que a verificação dessas duas funções psicológicas
abrange, mas entende-se também que a arquitetura pode
contribuir de forma significativa para a identificação e orientação
das pessoas em seus espaços, com a criação de elementos que
confiram melhor ordem visual.
Nesse sentido, podem-se transpor o critério de legibilidade22
desenvolvido por Kevin Lynch para a leitura do ambiente urbano à
escala do edifício. Considera-se, para esse estudo, que a
proporção do lugar ocupado por uma pessoa é parte do todo que é
o edifício, assim como o edifício é a parte do todo que é cidade.
Uma boa imagem ambiental oferece a seu possuidor
um importante sentimento de segurança emocional.
Ele pode estabelecer uma relação harmoniosa entre
ele e o mundo a sua volta. (...) Na verdade um
22
O termo, segundo Kevin Lynch, trada da “clareza aparente da paisagem das
cidades ... a facilidade com que suas partes podem ser reconhecidas e
organizadas num modelo coerente ... uma cidade legível seria aquela cujos
bairros, marcos ou vias fossem facilmente reconhecíveis e agrupados num
modelo geral. (2011 p. 3)
Página |91
ambiente característico e legível não oferece apenas
segurança, mas também reforça a profundidade e a
intensidade
potenciais
da
experiência
humana.
(LYNCH, 2011 p. 5)
Na arquitetura do Centro Cultural São Paulo, nota-se a intenção
de marcar os espaços com elementos de referência, que orientam
o deslocamento do visitante, mas também que podem ser
registrados em sua memória e, portanto, criar uma identidade
desse mesmo usuário com o lugar.
Na linguagem e experiência do cotidiano das pessoas, o conjunto
desses elementos é o que caracteriza a arquitetura do edifício: o
enorme gramado descoberto, a escada curva e vermelha, as
grandes rampas azuis, o palco em arena, são exemplo de
elementos concebidos no projeto, que tornam secundária a
necessidade de recursos gráficos, como placas indicativas ou
mapas para orientação do usuário na instituição, e ainda, se
sobrepõe a imagem do edifício em sua totalidade, por serem
lugares que se pode sentir concretamente, ou seja, ver e ouvir de
perto, percorrer, tocar, fato que nos termos de Norbert-Schulz,
corresponde ao a definição de habitar.
Página |92
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
4.1. QUANTO À REPRESENTAÇÃO DO LUGAR
NA ARQUITETURA
Dentre o exposto na análise da representação do lugar na
arquitetura do Centro Cultural São Paulo, cabe enfatizar, a
diferença entre os dois partidos arquitetônicos que conduziram a
concepção do projeto realizado (1974) com base nas diretrizes da
EMURB, e a primeira proposta do Eurico Prado Lopes e Luiz
Telles (1977), para a Biblioteca-Central Vergueiro, já que a relação
com a cidade constitui o objetivo principal das duas propostas.
No primeiro projeto, entende-se a interação do edifício com a
cidade a partir da articulação entre o papel que as funções do
novo empreendimento desempenham na complexa estrutura da
cidade. A forma projetada representava esse ideal: torres para
elevação de adensamento, erguidas sobre um embasamento em
que se concentrariam as áreas de serviços e estacionamentos
ligados por uma área de lazer, como uma praça em plataforma
que prolongaria o espaço da Rua Vergueiro e se encerraria como
um mirante para o Vale da Avenida 23 de Maio
Página |93
No segundo, a mesma relação se estabelece a partir da leitura da
paisagem urbana e representação dessa imagem visível pela
arquitetura, por meio de um volume predominantemente horizontal
e estreito, que enfatiza o sentido longitudinal do traçado e, ao
mesmo tempo, a abertura do vale da Avenida 23 de Maio marcado
por um plano inclinado, como um talude, que recupera a ideia de
situação de encosta às margens o antigo afluente, hoje oculto na
paisagem.
Duas estratégias de projeto, para a mesma área e com a mesma
intenção
-
revitalização
urbana
daquela
área
da
cidade,
fundamentadas por critérios distintos, aproximados para o fim
dessa análise ao conceito de funcionalismo, que vigorava na
arquitetura moderna e, ao o conceito de permanências, introduzido
pelo pós-moderno, resultaram em arquiteturas completamente
opostas.
Página |94
4.1. QUANTO À CONCEPÇÃO DA
ARQUITETURA COMO LUGAR
Tarde de domingo no Centro
Cultural São Paulo. Se eu voltar a
ser adolescente, quero passar os
meus fins de semana aqui, entre
exposições, concertos e sessões
de teatro, uma biblioteca imensa,
mesas para jogar xadrez, grupos
de rapers a dançar break-dance,
e no topo uma relvinha para
apanhar sol. Para quem vai de
metrô, fica uma estação antes do
Paraíso.
[email protected]
11.Dezembro.2011
São Paulo, Vegetal
Figura 61– CCSP: a percepção da arquitetura por um usuário do edifício.
Fonte: disponível em http://aquihasabia.wordpress.com/category/vegetal
Na análise da concepção da arquitetura como lugar, foram
verificados alguns elementos concebidos durante a elaboração do
projeto, que podem ter contribuído de maneira significativa para a
atmosfera
agradável
e
qualidade
do
espaço
observada
atualmente, pelos que frequentam o Centro Cultural São Paulo
[Figura 61].
Página |95
Na avaliação foram apontadas as decisões que conduziram ao
desenho dos acessos ao edifício, os percursos internos criados
para o pedestre, o tratamento dado aos fechamentos que limitam
os espaços internos e externos, a segmentação da forma em
atenção à escala dos lugares, a integração visual entre os
diversos lugares do edifício, mas, sobretudo, a criação de
elementos marcantes em cada espaço da arquitetura.
Entretanto, tão importante quanto identificar esse conjunto de
elementos que explicam a relação de pertencimento que os
usuários
demonstram
no
cotidiano
da
instituição,
foi
o
entendimento dos critérios e pressupostos que podem ter
conduzido às soluções.
Dentre esses pressupostos, ressaltaram-se critérios embasados
em dados empíricos e variáveis, como por exemplo, atmosfera
convidativa e agradável, espaço seguro e legível, distâncias
confortáveis ao caminhar, respeito, ansiedade, hesitação, etc.
Aspectos imprecisos, difíceis de identificar, mas que foram
considerados na elaboração do projeto do edifício estudado e,
podem ter promovido a aproximação da arquitetura ao cotidiano
das pessoas.
Página |96
4.2. QUANTO AO PROCESSO DO PROJETO
DE ARQUITETURA
(...) o que é no fundo a qualidade arquitetônica? É
relativamente
fácil
de
responder.
A
qualidade
arquitetônica – para mim – não significa aparecer nos
guias arquitetônicos ou na história da arquitetura ou ser
publicado, etc. Qualidade arquitetônica só pode
significar que sou tocado por uma obra. Mas porque
diabos me tocam essas obras? E como posso projetar
tal coisa? (ZUMTHOR, 2006 p. 10)
A análise do processo de elaboração do edifício do Centro Cultural
São Paulo, partiu inicialmente da hipótese de aferir nesse projeto a
intenção de promover a apropriação da arquitetura pelos usuários,
pois é possível observar ao percorrer o edifício, que é essa
apropriação que determina a qualidade da arquitetura identificada
nessa pesquisa.
A aproximação inicial da análise à teoria dos fatos urbanos de Aldo
Rossi segue a conclusão obtida numa primeira abordagem, pela
inserção acertada e inovadora - naquele momento e naquela área do edifício na paisagem, entendimento que pressupõe que a noção
de continuidade da paisagem existente teve significativa importância
no resultado investigado nesse trabalho.
Página |97
Conforme exposto anteriormente, o esforço de recuperar e
reconstruir a situação de encosta de vale, por meio de um talude
ajardinado voltado para a Avenida 23 de Maio, e ainda a relevância
do conjunto de árvores existentes no terreno na elaboração do
projeto, são decisões que distanciam o projeto “da conhecida tabula
rasa, comumente proposta pela arquitetura moderna” (Telles, 2002
p. 217), portanto, reforça a identificação dessa obra dentre os
questionamento do período pós-moderno, momento em que emerge
o interesse que a retomada da noção de lugar.
O prosseguimento da pesquisa revela, outros questionamentos
pertinentes relacionados à transposição dos ideais do campo da
arquitetura, aferidos pelos arquitetos no exercício de concepção sem
considerar a realidade e a individualidade de cada projeto, verificouse o cancelamento da licitação que promoveu o primeiro projeto para
área (1974) de Roger Smekhol, pelo impacto que o adensamento da
região e verticalidade propostas com o edifício causaria na
paisagem. Em outro momento, o projeto proposto por Eurico Prado
Lopes e Luiz Telles em 1977 recusado pelo prefeito da época, sob o
argumento de que a monumentalidade do edifício dificultaria o
acesso de pessoas mais simples, E, em outro momento ainda
(1980), a alteração do programa do edifício para adequá-lo, segundo
novos gestores da prefeitura, à população local.
Página |98
Nesse contexto, iniciou-se pelos arquitetos o aprofundamento em
procedimentos que tornassem essa arquitetura adequada aos
interesses públicos, da população, portanto, o enfrentamento de
questões subjetivas, como percepção, identificação, apropriação dos
usuários, que se aproxima, nessa pesquisa, à fenomenologia da
arquitetura, desenvolvida por Norberg-Schulz.
A reflexão de Norberg-Schulz, de certo modo, complementa o
pensamento apresentado por Aldo Rossi. Enquanto este defende
o progresso da arquitetura como ciência, e enfatiza a forma
urbana e a coletividade como conceitos primordiais do projeto.
Norberg-Schulz além de ressaltar o papel da paisagem natural,
bem como suas mudanças diárias, como critérios fundamentais às
decisões de projetos destaca a importância da menor escala do
projeto, no sentido do cuidado a ser observado e valorizado nas
soluções mais imediatamente ligadas à percepção do usuário, ao
seu cotidiano.
A questão apresentada, no inicio desse item, de Peter Zumpthor,
compõe parte das dúvidas que motivaram e surgiram ao longo dessa
pesquisa, mas a busca pelas respostas, no presente caso, reforça o
entendimento de que o processo de aferir puramente um
determinado conceito, ou conjunto de critérios teóricos na prática
profissional em seu âmbito mais geral, não deve se sobrepor a
intencionalidade original da arquitetura, nem isentar o arquiteto do
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aprofundamento às questões específicas relacionadas a cada
projeto, a cada lugar, ao mesmo tempo, a teoria permite, entre
outros aspectos, a antecipação de resultados de determinadas
escolhas de projeto e apresentam soluções alternativas, portanto,
pode orientar a criação dos espaços, mesmo que o projeto
represente a busca por qualidade arquitetônica impossível de
descrever racionalmente.
As reflexões apresentadas no desenvolvimento da pesquisa, Aldo
Rossi
e
Norberg-Schulz,
especialmente,
contribuem
para
o
desenvolvimento de outros conceitos que permitem novas formas de
pensar o espaço e de refletir sobre o papel da arquitetura e do
urbanismo na construção e vivência das cidades.
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