UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS ÉRICA ALVES COSTA TRAUMATISMO CRÂNIO-FACIAL: AUTO-IMAGEM E ACIDENTE DE TRÂNSITO Governador Valadares 2008 ÉRICA ALVES COSTA TRAUMATISMO CRÂNIO-FACIAL: AUTO-IMAGEM E ACIDENTE DE TRÂNSITO Projeto de pesquisa submetido ao curso de Psicologia da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Vale do Rio Doce, como requisito para obtenção do grau de bacharel em Psicologia. João Carlos Muniz Martinelli Orientador Governador Valadares 2008 2 ÉRICA ALVES COSTA TRAUMATISMO CRÂNIO-FACIAL: AUTO-IMAGEM E ACIDENTE DE TRÂNSITO Monografia apresentada com requisito para obtenção do grau de bacharel em Psicologia, apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Vale do Rio Doce. Governador Valadares, 17 de novembro de 2008. Banca Examinadora: __________________________________________ Professor João Carlos Muniz Martinelli Universidade Vale do Rio Doce __________________________________________ Professor Marco Antônio Amaral Chequer Universidade Vale do Rio Doce __________________________________________ Professora Tatiana Amaral Nunes Universidade Vale do Rio Doce 3 Dedico este trabalho ao amor incondicional de Deus, por cuidar de mim, me proteger sempre em toda a minha jornada e por proteger também a minha família. Agradeço a ti Senhor pela saúde e inteligência, e por me mostrar sempre o caminho a seguir. Serei sempre um barquinho em seu mar de amor... 4 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente aos meus pais. Obrigada Pai e Mãe! Vocês são os melhores pais do mundo inteiro. Devo-lhes toda a minha vida. Agradeço por estarem sempre comigo, nas derrotas e nas vitórias. Amo vocês! Obrigada Irmã pelo seu amor, pelo incentivo e por ter dado início a tudo. Sem você nunca teria chegado até aqui. Você fez meu sonho se realizar. E obrigada pelo apoio que você me deu do início ao fim, mesmo diante das dificuldades da vida. Agradeço também a meu Cunhado e Sobrinha amada, pelo apoio secundário. Amo vocês! Obrigada Irmão pelo seu carinho. Você, minha Cunhada e meus Sobrinhos me deram um grande amor e foram sempre um porto seguro nos momentos difíceis. Sempre que precisei se aconchego, foram vocês que me acolheram. Amo vocês! Agradeço ao meu orientador e Mestre João Carlos pela amizade, pela paciência, pelo carinho e pela dedicação. Agradeço por acreditar neste projeto e por nunca desistir de mim, principalmente nos momentos difíceis e de insegurança. E estes momentos foram muitos, mas até aqui nós vencemos. E este é apenas o início. Obrigada por tudo! Dedico ao meu orientador e Mestre, pelo carinho e atenção. Agradeço ainda a todos aqueles que de alguma forma contribuíram para a minha formação. Aos doutores, mestres e professores, aos funcionários, aos colegas e aos muitos outros, obrigada! 5 6 SUMÁRIO RESUMO ..................................................................................................................................8 MÉTODO.................................................................................................................................13 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA.................................................................................................14 1.1. TRÂNSITO E ACIDENTES DE TRÂNSITO NO BRASIL............................................14 1.1.1 Definição de trânsito ..............................................................................................14 1.1.2. Acidentes de trânsito .............................................................................................17 1.2.TRAUMATISMO CRÂNIO-FACIAL ....................................................................25 1.2.1. Conceito .................................................................................................................25 1.2.2. Tipos de traumatismos crânio-faciais ..........................................................28 1.2.3. Acidente de trânsito e traumatismo crânio-facial .......................................36 1.2.4. Saúde pública e Traumatismo crânio-facial ............................................40 1.3. PSICOLOGIA DA SAÚDE E ANÁLISE DO COMPORTAMENTO .......46 1.3.1. Conceito .................................................................................................................46 1.3.2. O modelo biopsicossocial ................................................................................49 1.3.3. Intervenção do Psicólogo na Saúde .................................................................51 1.3.4. O papel do psicólogo no atendimento hospitalar ....................................54 1.3.7. Intervenção hospitalar em casos de traumatismo craniofacial e o papel do psicólogo hospitalar .....................................................................................57 1.4. AUTO-IMAGEM ...................................................................................................61 1.4.1. Conceito .................................................................................................................61 1.4.2. A face humana e a auto-imagem ....................................................................67 1.4.3. Auto-imagem e traumatismo crânio-facial .....................................................75 1.4.3. Auto-imagem: perda, pesar e luto .................................................................80 Discussão ...........................................................................................................................84 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................93 1.4.3. Auto-imagem: perda, pesar e luto ...............Error: Reference source not found D ISCUSSÃO .......................................................................Error: Reference source not found CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 90 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................Error: Reference source not found 7 COSTA, ÉRICA ALVES - Traumatismo crânio-facial: auto-imagem e acidente de trânsito. Trabalho de Conclusão de Curso do curso de Psicologia, Universidade Vale do Rio Doce, 2008. Orientador: João Carlos Muniz Martinelli RESUMO Essa pesquisa traz o interesse na investigação de problemas relacionados à auto-imagem de pacientes seqüelados na região crânio-facial, em conseqüências de acidentes de trânsito. Tem como objetivo verificar se há relação do traumatismo crânio-facial, suas conseqüências e problemas referentes à auto-imagem diante de seqüelas que surgiram após o acidente. O método utilizado foi a pesquisa bibliográfica. Traz em sua revisão a descrição de etapas dos primeiros atendimentos hospitalares e o conceito de traumatismo crânio-facial, a importância da psicologia, o papel do psicólogo na equipe multidisciplinar e conceitos de auto-imagem. A face é uma estrutura importante para o equilíbrio emocional do indivíduo. O traumatismo crâniofacial não deixa apenas seqüelas físicas, mas também emocionais, referentes aos problemas que envolvem a auto-imagem do paciente acidentado. A presença do profissional da Psicologia na assistência ao paciente traumatizado é fundamental, sendo requerida durante todo o processo de recuperação da vítima, desde os primeiros atendimentos até o seu completo restabelecimento. A bibliografia sobre o assunto é escassa e direcionada aos atendimentos de outros profissionais de saúde, o que torna necessário maiores estudos sobre o tema. Palavras-chave: Traumatismo crânio-facial, trânsito, auto-imagem, psicologia da saúde. 8 COSTA, ÉRICA ALVES - Skull-face trauma: auto-image and traffic accident. Work of Conclusion of Course of the course of Psychology, University Valley of the River Candy, 2008. Person who orientates: João Carlos Muniz Martinelli ABSTRACT This research brings the interest in the inquiry of related problems to the auto-image of patients seqüelados in the skull-face region, in consequences of traffic accidents. It has as objective vto erificar if has relation of the skullface trauma, its referring consequences and problems to the auto-image ahead of sequels that had appeared the accident after. The used method was the bibliographical research. It brings in its revision the description of stages of the first hospital atendimentos and the concept of skull-face trauma, the importance of psychology, the paper of the psychologist in the team to multidiscipline and concepts of auto-image. The face is an important structure for the emotional balance of the individual. The skull-face trauma does not leave only sequels physical, but emotional, also referring to the problems that involve the auto-image of the rough patient. The presence of the professional of Psychology in the assistance to the traumatizado patient is basic, being required during all the process of recovery of the victim, since the first atendimentos until its complete reestablishment. The bibliography on the subject scarce and is directed to the atendimentos of other professionals of health, what it becomes necessary greaters studies on the subject. key -words: Skull-face trauma, transit, auto-image, psychology of the health. 9 APRESENTAÇÃO Em uma ocasião, ainda no início do curso, conversei com uma mulher que havia se acidentado gravemente no trânsito, e diversas foram suas seqüelas. Uma de suas queixas foi referente ao atendimento recebido, tanto no hospital como durante todo o tratamento posterior. Na primeira ocasião, busquei por literatura que explanasse o assunto, mas não encontrei nada que orientasse o psicólogo nesse tipo de trabalho. Surgiu então um desejo de estudar e pesquisar sobre o assunto. A presente pesquisa versa sobre a auto-imagem e acidente de trânsito em casos de seqüelas observadas na região crânio-facial. Fato que traz ao paciente, em geral, danos físicos, podendo ocorrer danos psicológicos. Serão abordadas as principais etapas do atendimento hospitalar do acidentado, e também os conceitos de traumatismo crânio-facial e de auto-imagem, o papel do psicólogo no atendimento hospitalar e a sua intervenção junto ao paciente seqüelado. Sabe-se que os acidentes de trânsito são uma preocupação mundial devido aos custos pessoais e financeiros associados a sua ocorrência. Eles fazem parte de uma grave realidade brasileira, com um número alarmante de mortos e feridos a cada ano. Diversas são as causas das fatídicas estatísticas: um aumento no número de veículos em circulação, muitos motoristas imperitos e/ou imprudentes, o uso de álcool e outras substâncias, vias em inadequado estado de conservação, o excesso de velocidade alcançada por veículos cada vez mais potentes, entre outros. A alta freqüência de acidentes revela uma verdadeira epidemia, com um número crescente de vítimas. Como uma realidade nos tempos atuais, os acidentes de trânsito são responsáveis por um grande número de vítimas todos os dias. Muitas delas se vêem diante de traumatismos severos e de risco real de vida. Por ser uma região vulnerável do corpo humano, traumas que envolvem a região crâniofacial são bastante freqüentes e com grau de gravidade elevada. 10 As seqüelas advindas de traumatismos crânio-faciais podem trazer repercussões para a auto-imagem. A aparência física é um dos aspectos importantes na primeira avaliação feita sobre alguém nos convívios sociais. É uma variável importante para o comportamento social do indivíduo. Seqüelas crânio-faciais podem trazer diversos prejuízos à pessoa, tanto na vida social quanto na vida profissional. Há uma preocupação da psicologia com a auto-imagem do paciente. Após o traumatismo, eles podem se tornar vulneráveis, com sérios problemas de auto-imagem. Essa é uma realidade que deve ser tratada com dedicação, devido à relevância social e individual para o paciente. A inclusão do psicólogo na equipe multidisciplinar na atenção ao acidentado têm se mostrado cada vez mais necessária, com o objetivo de amenizar o sofrimento e ajudar na readaptação pessoal e social do paciente. Por conter poucos estudos sobre o tema, e muitos deles estarem relacionados às outras áreas de saúde, essa pesquisa tem como objetivo revisar o tema da auto-imagem e as complicações relacionadas a traumatismo crânio-facial em indivíduos seqüelados por acidentes de trânsito, em busca de maiores conhecimentos e de melhores intervenções aos pacientes. Por ser de fundamental importância na equipe de saúde, a Psicologia deve estar atenta às reais necessidades das vítimas de traumatismo crânio-facial, já que cabe a ela o auxílio na reestruturação do indivíduo e sua inserção na sociedade. 11 OBJETIVO A pesquisa tem como objetivo revisar o tema da auto-imagem e complicações relacionadas a traumatismo crânio-facial em indivíduos seqüelados por acidentes de trânsito. 12 MÉTODO Para o presente estudo utilizou-se a pesquisa bibliográfica em livros, periódicos, teses e dissertações e sites relacionados ao tema. Como fontes de busca, foram utilizadas a biblioteca da UNIVALE e do Núcleo ACPC, e ainda sites como o Scielo, de outras universidades, como Unicamp, UFSC e USP, dentre outros. Segundo Siqueira (2005), a pesquisa bibliográfica é uma etapa fundamental em todo trabalho científico. É utilizada para identificar e sistematizar as publicações referentes ao tema estudado. Consiste na seleção, leitura, levantamento, seleção, fichamento e sistematização de todo o material disponível para a pesquisa, e é geralmente indispensável em estudos científicos, sejam eles teóricos oi empíricos. A pesquisa bibliográfica deve ser crítica, baseada em critérios metodológicos. Toda a ênfase deve ser dada na metodologia científica, ou seja, o trabalho deve seguir o rigor científico do método (SIQUEIRA, 2005). Para que a pesquisa tenha um bom desempenho, é necessário que se observe fases indispensáveis como: escolha e delimitação do tema, identificação da bibliografia a ser utilizada, elaboração provisória do plano de trabalho, o levantamento bibliográfico para a pesquisa, a leitura e fichamento da mesma, sua análise e interpretação e o plano definitivo da pesquisa (SIQUEIRA, 2005). Para Siqueira estabelecidas para (2005), sua a pesquisa produção, como bibliográfica sua segue estrutura normas (introdução, desenvolvimento, conclusão e citação das referências utilizadas) e suas normas para redação. A redação da pesquisa bibliográfica deve utilizar linguagem científica, que é informativa e técnica. O texto deve ser sempre impessoal e objetivo, e ter como objetivo a apresentação de teorias, discussões, análises e conclusão sobre questões relativas à ciência. É uma pesquisa técnica, que visa apresentar claramente, com precisão e objetividade, as informações colhidas sobre o tema (SIQUEIRA, 2005). 13 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 1.1. TRÂNSITO E ACIDENTES DE TRÂNSITO NO BRASIL 1.1.1 Definição de trânsito O Código de Trânsito Brasileiro (Lei Nº 9.503, de 23 de setembro de 1997) define trânsito em seu Art. 1º ♣1º, como: C ons i dera- s e t râns i t o a ut i li z ação das vi as por pes s oas , veí cul os e ani m ai s , is ol ados ou em grupos , conduz i dos ou não, para fi ns de ci rcul aç ão, parada, es t aci onam ent o de car ga e des car ga . Há ainda diferentes definições de trânsito na literatura. Cada uma delas abordando aspectos considerados relevantes na caracterização desse ambiente de circulação. Em linhas gerais, os autores abordam o deslocamento ou circulação nas vias, a presença de um sistema de normas e finalidades para a ação. Para Alencar (2008), o fenômeno trânsito é produzido a partir de comportamentos de indivíduos e de seus efeitos no ambiente, sendo que o ambiente, por suas características físicas, possibilitaria a ocorrência de certos comportamentos enquanto impede a ocorrência de outros. Rozestraten (1988) define trânsito como O conj unt o de des l ocam ent os de pes s oas e veí cul os nas vi as públi cas , dent ro de um s i st em a convenci onal de norm as , que t em por fim as s egu ra r a i nt egri dad e de s eus part i ci pant es ... (R OZES TR ATEN, 1988, P .4). Para o autor, o sistema funciona por meio de normas e construções e é constituído de vários subsistemas, destacando-se dentre eles o homem, a via e o veículo. Tratando-se de ser um subsistema mais complexo, o homem tem maior probabilidade de desorganizar o sistema como um todo. Para Vasconcelos (1998), 14 ... O t râns it o é, as s i m , o conj unt o de t odos os des l ocam ent os di ári os , fei t os pel as cal çadas e vi as da ci dade, e que apar ece na rua na form a de movi m ent ação ge ral de pedes t res e veí cul os (VAS C ONC ELOS , 1998, p.11) Para Mauro (2001), o sentido da palavra trânsito supõe todo o tipo de deslocamento de pessoas, animais e veículos, de um lado para outro. E esse deslocamento se realiza através de comportamentos humanos. Assim, o autor define trânsito como um conjunto de comportamentos - deslocamentos num sistema de normas preestabelecidas. O conceito de trânsito abrange a circulação de animais, pessoas e veículos nas vias de circulação terrestre, de formas diversas, segundo os interesses e necessidades próprias. Com a evolução da tecnologia, os veículos apresentam maior capacidade em desenvolver alta velocidade e conforto ao ser humano, mas é fato concreto que os acidentes causados pelo uso dos mesmos causam inúmeros prejuízos físicos, financeiros e sociais (WILLERMANN, 2003). Vasconcelos (1998) retrata a dimensão social ou cultural associada ao uso das vias públicas. Para o autor “... não existem “os pedestres”, “os motoristas”, como seres imutáveis, existem pessoas “enquanto” pedestres, motoristas etc.” (p.19). Interesses diversos tornam o ambiente trânsito um ambiente de conflitos (pessoas em uma dada sociedade, com diferenças sociais e políticas), com o trânsito sendo considerado um ambiente onde há disputa pelo espaço físico, consistindo em uma negociação permanente do espaço, e dependente de como as pessoas se vêem e agem em sociedade e fazem uso do poder. Em resumo, ... t râns i t o não é apenas um probl em a “t écni co”, m as , s obret udo, um a ques t ão s oci al e pol í ti ca, di ret am ent e l i gada às caract erí s t i cas da nos s a s oci edade. P ara ent ender o t râns i t o, não bas t a dis cut i r os probl em as d o di a-a- di a, com o conges t i onam ent os e aci dent es , é preci s o t am b ém anal i s ar com o o t râns i t o s e form a, com o as pes s oas part i ci pam del e, quai s s ão s eus i nt eres s es e neces s i dad es (VAS C ONC E LOS , 1998, p.11). Segundo Queiroz e Oliveira (2003), o comportamento no trânsito é fortemente influenciado, tanto pelo comportamento do indivíduo como por um sistema de valores, estreitamente ligados a uma dimensão sócio-cultural. Os 15 autores relatam ainda que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 1984), é necessário que se tenha um conhecimento maior dos contextos sócioculturais e psicológicos dos indivíduos envolvidos no trânsito, para desenvolver programas adequados de capacitação, de reabilitação e de educação, que possam promover comportamentos mais adequados, diminuindo-se assim os acidentes de trânsito e suas conseqüências. Mauro (2001) destaca que, como o trânsito implica em um comportamento social, alguns dos fatores responsáveis pelos acidentes são relativos aos próprios indivíduos em interação social. Ele relata que, quando o indivíduo participa do trânsito, traz consigo todos os seus motivos pessoais e os seus próprios interesses. Este indivíduo que transita está repleto de experiências pessoais, como os afetos, as rejeições, suas crenças e valores pessoais, seus ideais e opiniões próprias, suas atitudes diante do outro, ou seja, sua história pessoal de vida. E traz, principalmente, seus valores culturais advindos da comunidade em que está inserido (MAURO, 2001). Deve-se lembrar ainda que, condutores que com egoísmo exacerbado colocam os interesses próprios e imediatos acima da coletividade, e que fazem manobras irregulares e arriscadas. Geralmente são pessoas que têm conhecimento da legislação e do comportamento correto, mas querem sempre levar vantagem sobre os demais usuários, não se importando se a sua atitude vai perturbar o fluxo de tráfego ou colocar em risco os demais usuários da via (MARTINEZ FILHO, 2006). No trânsito inadequadas por diário parte de podem-se observar alguns condutores, com que freqüência atitudes prejudicam o bom desempenho e representam riscos, tanto a eles próprios e como aos demais usuários da via pública. Essas atitudes de inadequação são denominadas pelo autor com desvios comportamentais no trânsito (MARTINEZ FILHO, 2006). É claro e observável que nem todo condutor que sai da escola de motorista com a Carteira Nacional de Habilitação está devidamente capacitado para dirigir, por não possuir um repertório comportamental mínimo para enfrentar, discriminar ou comportar-se operantemente no trânsito (ALENCAR, 2008). Uma forma eficiente de controle do desvio comportamental de alguns motoristas é por meio da multa. No Brasil, podem-se perceber inúmeras 16 impunidades, seja pela fiscalização pouco efetiva, pela pouca efetividade na cobrança das multas e na atribuição da pontuação. Isto comprova uma relação direta entre o número de autuações sobre infrações graves (em geral, aquelas com o veículo em movimento) e os acidentes graves de trânsito (MARTINEZ FILHO, 2006). O autor destaca ainda que o aumento do número de autuações reflete imediatamente na redução dos acidentes. Esse fato pode ser observado em todo o mundo, e há comprovação de que países que conseguiram significativo sucesso em programas de redução dos acidentes de trânsito, possuem procedimentos rigorosos de fiscalização (MARTINEZ FILHO, 2006). Os acidentes de trânsito e suas variáveis (o comportamento humano, a tecnologia, a engenharia de tráfego, entre outras), é foco de preocupação social. Motivos para o aumento da frota de veículos nas vias públicas incluem deficiência do sistema de transporte público e pelo aumento populacional. Os comportamentos no trânsito têm sido objeto de estudo, tanto no campo das ciências do comportamento humano quanto na saúde pública (MARÍN-LEÓN E VIZZOTTO, 2002). Em geral, os indivíduos têm seu comportamento influenciado por situações adversas no seu dia-a-dia, que são, por sua vez, influenciadas pelas condições do trânsito. Desta forma, desenvolver conhecimentos referentes à Psicologia do Trânsito é uma forma de educação, de prevenção e de reabilitação dos indivíduos para o trânsito e estes conhecimentos devem ser oferecidos à população para ajudar em sua melhoria (MAURO, 2001). 1.1.2. Acidentes de trânsito Quanto ao acidente de trânsito, Rozestraten (1988) aponta que são diversas as definições de acidente, e elas podem mudar conforme a finalidade. Propõe como definição de acidente de trânsito 17 Um a des avenç a não int enci onada, envol vendo um ou m ai s part i ci pant es do t râns i t o, i m pl i cando al gum dano e not i ci ada à pol í ci a di ret am ent e ou at ravés de s ervi ços de M edi ci na Le ga l (R OZES TR ATEN, 1988, p.75). De acordo com Hoffmann e Gonzáles (2003), “o acidente sempre esteve associado a uma imagem de azar, de geração espontânea e imprevisão...” (p.380). Entretanto, reconhece-se que os acidentes não são fenômenos fortuitos, imprevisíveis e dependentes da sorte, mas, sim, eles são sempre uma conseqüência. Pode ser considerado o resultado final de um processo com diversos eventos, condições e comportamentos relacionados, originando-se de uma complexa relação entre veículo-normas/sinalização-regulação externacomportamento do condutor. O acidente de trânsito é tratado como evento previsível e prevenível quando da definição de políticas públicas no Brasil. A Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001 1 ) considera que ... aci dent e é ent endi do com o o event o não i nt enci onal e evi t ável , caus ador de l es ões fí si cas e ou em oci onai s no âm bi t o dom és t i co ou nos out ros am bi ent es s oci ai s , com o o do t rabal ho, do t râns i t o, da es col a, de es port es e o de l az er. Os aci dent es t am bém s e apres ent am s ob form as concret as de agr es s ões het erogêne as quant o ao t i po e reper cus s ão. Ent ret ant o, em vi s t a da di fi cul dade para es t abel ec er, com preci s ão, o carát e r de int enci onal i dade des s es event os , reconhe ce - s e que os dados e as i nt erpret a ções s obre aci den t es e vi ol ênci as com port arão s em pre um cert o grau de im preci s ão. Est a P olí t i ca adot a o t erm o aci dent e em vi st a de es t ar cons agrado pel o us o, ret i rando- l he, cont udo, a conot ação fort ui t a e cas ual que l he pode s er i m put ada. As s um e- s e, aqui , que t ai s event os s ão, em m ai or ou m enor grau, perfei t am ent e previ s í vei s e prevení vei s . Os acidentes de trânsito, apesar de ser de conhecimento de todos os cidadãos, é um tema que está sendo aprofundado pelas diversas ciências. As propostas existentes para a sua prevenção não são suficientemente efetivas e não implicam em mudança de atitude. Esse fato se dá devido à baixa participação dos indivíduos nas questões do trânsito. O Código de Trânsito Brasileiro, apesar de ser abrangente e ter seu objetivo voltado para a prevenção dos conflitos e dos acidentes de trânsito, não atinge os objetivos 1 MINISTÉRIO DA SAÚDE - Pol í ti ca Naci on al d e Redu ção da Morb i mo rtal i d ad e por Aci d en tes e Vi ol ên ci as . P OR TAR IA GM / M S Nº 737 DE 16/ 05/ 01P UBLIC A DA NO DOU Nº 96 S EÇ ÃO 1e – DE 18/ 05/ 01. 18 propostos inicialmente, conforme mostram os números de acidentes e de vítimas, antes e depois de sua implantação (MAURO, 2001). Os problemas advindos do trânsito são inúmeros. Atualmente, devido ao crescimento demográfico, urbano e industrial no mundo, houve um aumento significativo da frota de veículos. Apesar dos veículos contribuírem com a diminuição do tempo de percurso, de trazer mais comodidade e mais acessibilidade, para a sociedade, estes são benefícios que causam o aumento da frota de veículos. E este aumento traz graves problemas para a população, principalmente por não haver uma adequação de políticas e de planejamento urbano (MAURO, 2001). Mauro (2001) relata ainda que essas conseqüências não param por aí. Um dos graves problemas relativos ao aumento na frota de veículos é a ocorrência dos acidentes de trânsito, que tem como conseqüência um número expressivo de vítimas. As conseqüências dos acidentes de trânsito são facilmente identificadas pelo alto índice de mortos e seqüelados. As deficiências físicas decorrentes, os custos médicos, os custos sociais e previdenciários, jurídicos, entre outros, estão entre as principais conseqüências dos acidentes de trânsito. Acidentes de trânsito e suas variáveis representam um grande problema social. Um dos fatores que contribuem para a ocorrência de acidentes de trânsito está relacionado à importância do comportamento do indivíduo nas vias públicas. O trânsito exige decisões rápidas, e para isso se faz necessário que as pessoas envolvidas conduzam de forma adequada, sejam capazes de fazer julgamentos imediatos e tomem decisões claras e concisas. Entre essas decisões estão atitudes como ultrapassagem, mudança de pista e respeito à sinalização. Outro fator a ser considerado é o consumo de álcool, por ser um fator que dificulta a tomada de decisões e entorpece as habilidades psicomotoras (MARÍN-LEÓN E VIZZOTTO, 2002). Segundo Martinez Filho (2006) não há apenas uma causa, mas uma convergência de fatores. Apenas com uma análise minuciosa em cada evento pode identificar as causas. Nos acidentes, há sempre uma causa principal, determinante do acontecimento. Mas, em geral, há sempre outros fatores de risco que também contribuem decisivamente para o seu acontecimento. Em um 19 programa adequado para a prevenção de acidentes, a eliminação desses pequenos fatores diminuiria a probabilidade de novos acidentes. Grande parte dos acidentes de trânsito é devido a fatores humanos, e suas causas diretas são conseqüências de desobediência das leis impostas (falta de habilitação, desconhecimento e/ou desobediência das normas), de causas físicas (uso de drogas e/ou álcool, sono, fadiga, deficiência auditiva ou visual) e de causas psicológicas (falta de atenção, patologias) (MAURO, 2001). Um fator importante a ser considerado nos acidentes de trânsito são os outros condutores, que podem apresentar comportamentos não esperados por falta de correta informação, decorrente de sinalização insuficiente, confusa e/ ou incompleta. Estas são situações bastante freqüentes, e a responsabilidade pela correção compete à autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via (MARTINEZ FILHO, 2006). Outro fator importante a se considerar são os outros desvios registrados diariamente no trânsito, e que estão relacionados a indesejáveis condições físicas e/ou psicológicas dos condutores, que podem ser permanentes ou temporárias. Este condutor pode ter uma atitude indevida por fadiga, após estar dirigindo em jornada excessivamente longa e sem os períodos de descanso essenciais ao corpo humano. Há ainda indivíduos que estão sob forte pressão psicológica, como o estresse, o desemprego, os problemas financeiros, as divergências familiares, etc., e provavelmente não conseguirão manter a devida atenção na condução do veículo. Essas condições adversas e de alto risco deveriam ser evitadas e administradas com consciência pelos condutores de veículos, para assim evitar os acidentes (MARTINEZ FILHO, 2006). Mauro (2001) destaca que, grande parte dos acidentes automobilísticos é devido aos fracassos no comportamento do indivíduo, por falha em alguma etapa do processo psíquico para o comportamento de dirigir, seja na atenção, na demora para diminuir a velocidade ou qualquer outra causa que poderia ser evitada. Para ele, o acidente pode ser considerado como uma disfunção do sistema homem - via - veículo que, geralmente, em circunstâncias normais, funciona muito bem. Mas destaca que, uma vez que o sistema consiste em uma 20 enorme quantidade de fatores, é possível que um deles o desvie tanto do normal que dificulte ou impeça a adaptação ao sistema, ou que este sistema não consiga mais adaptá-lo ou colocar outros mecanismos e fatores em seu lugar (MAURO, 2001). Diversos são os fatores responsáveis pelos acidentes de trânsito. Entre eles, destacam-se: o excesso de velocidade e o uso abusivo do álcool, bem como a sonolência e a fadiga, a desatenção, seguidos da imperícia e da imprudência. E essas regras valem tanto para os condutores dos veículos como para os pedestres (WILLERMANN, 2003). Para Bastos, Andrade e Cordoni Jr. (1999), os acidentes de trânsito são uma das principais causas de óbito no Brasil, sendo um grave problema de saúde pública, que além de envolver perdas e vida e seqüelas, gera custos diretos e indiretos, produzindo ônus para a sociedade. Há na violência do trânsito uma ação multifatorial de elementos culturais, econômicos e políticos, cuja solução é difícil. Os óbitos e as deficiências físicas decorrentes de acidentes de trânsito trazem prejuízos à população, como problemas financeiros, familiares e sociais, e ainda problemas de locomoção e problemas profissionais. Para a sociedade como um todo, os prejuízos dos acidentes de trânsito são os gastos hospitalares, a diminuição da capacidade produtiva da vítima, os custos previdenciários, entre outros (MAURO, 2001). Segundo Barros e Manganello (2000), O aum ent o da vel oci dade e da pot ênci a dos agent es vul nerant es (bal í s t i cos , aut om ot i vos ) provocou o apareci m ent o de l es ões ant es pouco obs ervadas . As t écni cas de pres erva ção da vi da – com bat e ao choque, às obs t ruções res pi rat óri as e às hem orra gi as – t êm cons e gui do faz er s obrevi ver paci ent es com l es ões faci ai s ex t ens as , at é há pouco t em po condenados ao óbi t o, aum ent ando a res pons abi l i dade dos es peci al i s t as na recupera ção faci al do paci ent e. Quando um t raum a de cert a i nt ens i dade – por ex em pl o, um i ndi ví duo dent ro de um veí cul o rodando a 80Km / h e que bat e com a face; a força do im pact o é de cerca de 1.200 l i bras , o s ufi ci ent e para frat ura r qual quer os s o da fac e – at i nge um a es t rut ura ós s ea do t erço m édi o da face, ocas i onando um des l ocam ent o, ex is t e, por cont i nui dade, com prom et i m ent o das es t rut uras ós s eas viz i nhas , no s ent i do do t raum a (BAR R OS E M ANGANE LLO, 2000, p.24). 21 No Brasil, os estudos sobre acidentes de trânsito são escassos, ainda que crescentes, e poucas ainda são as ações de prevenção e controle. Além disso, há pouco conhecimento sobre o comportamento dos motoristas e pedestres, sobre as condições de segurança das vias e dos veículos, sobre a engenharia de tráfego, sobre os custos com o trânsito e sobre as conseqüências que resultam em acidentes (MARÍN e QUEIROZ, 2000). Segundo o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2006) e a ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos, 2006), os acidentes de trânsito são uma triste realidade brasileira. São os responsáveis por um grande número de vítimas, muitas delas com seqüelas permanentes ou fatais. Além disso, é fator gerador de um alto custo financeiro para o país. Em todo o Brasil, são grandes os prejuízos causados pelos acidentes de trânsito, e os custos com os tratamentos de acidentados, que duram em média 18 meses, atingem a marca de R$ 56 mil/paciente. Levantamento feito pela Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) aponta que o Brasil gasta anualmente cerca de R$ 28 bilhões com as vítimas de trânsito, desde o atendimento no momento do acidente até o afastamento do trabalho. São anualmente, em média, 337 mil vítimas, sendo que 318 mil delas não são fatais, o que requer maior atenção ao atendimento e maiores gastos no setor público. Entre as vítimas não fatais, destaca-se que 71% são do sexo masculino e que 35% dos acidentes atingem a faixa etária entre 18 a 29 anos (ANUÁRIO ESTATÍSTICO DE ACIDENTES DE TRÂNSITO, 2002). Comprovadamente, a juventude é a mais afetada nos acidentes de trânsito. Algumas causas como a pouca prática na condução de veículos, a falta de adaptação geral no trânsito são associadas ao maior risco de acidentes de trânsito entre jovens e o descaso com os equipamentos de proteção individual. Outra observação relevante é o fato de que é nessa fase (início da vida adulta) em que grande parte das pessoas adquire a licença (Carteira Nacional de Habilitação - CNH) e saem às ruas com pouca experiência para dirigir (MARÍN e QUEIROZ, 2000). 22 Muitos acidentes não deixam vítimas fatais, mas pessoas com seqüelas transitórias ou permanentes. As deficiências físicas resultantes dos acidentes de trânsito trazem aos indivíduos prejuízos financeiros, familiares, de locomoção, profissionais, entre outros. Trazem prejuízos também à sociedade, devido aos altos custos hospitalares, custos previdenciários, diminuição da produção nacional, etc. (MARÍN e QUEIROZ, 2000). Para os autores o número de incapacitados por acidentes de transporte (AT) tem aumentando, e apontam razões para isso: O núm ero de i ncapaci t ados por AT t em aum ent ado s i gni fi cat i vam ent e. Ent re as ex pl i cações para es s e fenôm eno obs ervas e: a) m ai or núm ero de AT ent re j ovens que apres ent am m el hores condi ções de s aúde para sobrevi ver aos aci dent es graves ; b) m ai or vel oci dade dos veí cul os ; c) aum ent o do núm ero de veí cul os pes ados ; d) avanços nas t écni cas m édi cas de res s us ci t am ent o (M AR ÍN & QUE IR OZ, 2000, p.10). Os dados expressam o drama social que provém da motorização nos países em desenvolvimento, como o caso do Brasil, e a crescente necessidade de se trabalhar a questão da segurança no trânsito. Algumas campanhas são implementadas em nível federal, estadual e municipal, mas programas adicionais são imprescindíveis para se criar uma nova cultura no trânsito (MARÍN e QUEIROZ, 2000), tendo em vista a produção de um ambiente viário seguro. O comportamento do motorista é considerado fator principal dos acidentes de trânsito. Cabe a ele observar a sinalização, monitorar a velocidade e tomar decisões, como o momento certo de se fazer uma ultrapassagem ou de parar em um cruzamento. Há também acidentes de trânsito relacionados a causas como a transgressão de regras, que são o reflexo de que o condutor acredita que suas atitudes estão corretas, e à agressividade, ligados ao desejo de segurança, reconhecimento, narcisismo e frustração. Tem-se ainda como causas os comportamentos não ajustados de autodestruição, envolvendo o alcoolismo e a drogadicção, e os transtornos de personalidade anti-sociais (MARÍN e QUEIROZ, 2000). O comportamento do pedestre, por sua vez, assume sua importância; regulamentado pelo Código de Trânsito Brasileiro pode ser responsável por 23 acidentes tanto quanto motoristas, como é o caso de atropelamentos, quando não observadas as regras de trânsito e emissão de comportamentos inadequados. Tal qual o motorista de veículo automotor, o pedestre pode agir sem observância das condições existentes para uma circulação segura e estar sujeito a alterações na percepção do ambiente por fatores diversos como a ingestão de álcool, criando com isso situações de risco. 24 1.2.TRAUMATISMO CRÂNIO-FACIAL 1.2.1. Conceito Conceitua-se traumatismo crânio-facial como aquele que acarreta lesão funcional ou anatômica nas partes moles da face, nos ossos faciais, na dentição e no couro cabeludo. A lesão pode atingir uma ou mais estruturas faciais, como a pele, a gordura, os músculos, os nervos, e a estrutura óssea e as cartilagens (BARROS E MANGANELLO, 2000). As primeiras informações conhecidas sobre os traumatismos crâniofaciais estão contidas no Papiro de Smith, com escritos pressupostos entre vinte e cinco e trinta séculos antes de Cristo, sobre os primeiros usos de ataduras feitas de fibras especiais de linho que, no entanto, desaconselha qualquer tentativa de tratamento de fraturas expostas da mandíbula, sendo indicadas como doença sem tratamento. Já na Grécia, Hipócrates se refere ao tratamento de fraturas mandibulares com o uso de bandagem em forma de tiras de couro e de uma pomada para induzir a adesão à pele (SOARES, 2005). Estas técnicas evoluíram através dos séculos, com atualizações dos tempos modernos da cirurgia das fraturas faciais, mas mantiveram os princípios básicos do tratamento de ossos fraturados, que são a redução dos segmentos fraturados e a imobilização durante o período de recuperação do osso (SOARES, 2005). As etiologias mais freqüentes do traumatismo crânio-facial são os acidentes de trânsito, as agressões físicas e violência doméstica, os traumas por armas de fogo, os acidentes esportivos, entre outros. Entre eles, os acidentes automobilísticos são os mais freqüentes e os mais preocupantes (BONFIM, 2006). Os fatores sócio-econômicos acham-se fortemente relacionados à incidência de fraturas faciais e lesões associadas à face. Nas classes populacionais mais baixas, muitas delas são causadas por golpes, socos, armas e atropelamentos. Já nas populações mais elevadas, as acidentes 25 automobilísticos e de recreação são os principais responsáveis pelos traumatismos e lesões faciais (SOARES, 2005). As fraturas crânio-faciais ocorrem quando a força de impacto exerce o limite de elasticidade do tecido ósseo craniano. Pode haver uma deformação no crânio em curva para dentro no ponto de impacto e, simultaneamente, há o deslocamento da periferia deste local para fora (LIMA JUNIOR, 2005). Os traumas crânio-faciais devem ser tratados nas primeiras horas após o acidente, ou entre a primeira e a segunda semana, após a recuperação do edema. Após este período, o tratamento torna-se mais difícil, e necessita de intervenções cirúrgicas mais complexas (BENINCASA, 2003). A tomografia computadorizada, atualmente, é considerada o melhor recurso radiológico disponível. É utilizado principalmente para o planejamento cirúrgico, por oferece imagem em secções ou cortes, sem que haja sobreposição e imagem. Possui também a capacidade de distinguir diferenças entre tecidos, que muitas vezes não são aparentes na análise simples da imagem reconstruída, e através do armazenamento dos dados em discos ou fitas magnéticas, o equipamento possibilita o processamento de imagens a qualquer momento, de acordo com a necessidade da equipe (LIMA JUNIOR et al). O traumatismo de face resulta em seqüelas complexas, tanto físicas como psicológicas. As funções vitais que dependem da integridade da face são a mastigação, deglutinação, respiração e a percepção do meio, que envolve funções como visão, audição, fala e olfato. A face representa ainda um laço direto com o próprio indivíduo e com a expressão, desempenhando um papel importante na identidade pessoal, na aparência e na comunicação social. Uma grande preocupação do traumatismo crânio-facial é o seu potencial de produzir seqüelas a longo prazo nas emoções, sensações e desfiguração (PINTO e SARAIVA, 2003). O trauma em si é um evento intenso, anormal e fora do comum, que pode causar fortes emoções. Segundo Alves (2006, p. 59), muitos pacientes com traumas crânio-faciais “... não conseguem elaborar ou tolerar o 26 acontecimento, pelo menos em um primeiro momento. Cada ser humano enfrenta as dificuldades a seu modo, não há regras”. Para Alves (2006), após o susto do trauma a pessoa ‘sai do eixo’ e perde suas defesas, e é como se todos os mecanismos aprendidos durante a vida para se enfrentar dificuldades, naquele momento, não servissem mais. Para ela, a pessoa passa a se sentir impotente, e perde o controle de si mesma. Lima Junior (2005) descreve que o trauma crânio-facial associado ao trauma crânio-encefálico, após o estágio agudo inicial, pode provocar uma continuidade de seqüelas, objetivas e subjetivas. Esse fato se dá devido à vulnerabilidade dos nervos cranianos. A extensão e a profundidade das lesões aumentam com a intensidade da aceleração da cabeça durante o acidente. As lesões frontais, mais freqüentes e extensas, ocorrem em acidentes de menor aceleração, e as temporais em maiores acelerações. Para Colombini (2008), a cirurgia craniofacial deve ser realizada o mais breve possível, em observação às condições clínicas do paciente, baseada no princípio de redução de danos e fixação dos fragmentos ósseos. A cirurgia definitiva poderá ser postergada se necessário, em casos de traumatismo crânio-encefálico ou outros traumas corporais que envolvam a manutenção da vida. Após o susto inicial, Alves (2006) relata que as lembranças do acidente e do momento do trauma se tornam vagas, repetitivas, fugidias e paralisantes. Ela relata ainda que algumas imagens costumam se apresentar em forma de flashback da memória, como um sintoma de estresse pós-traumático. Alves (2006) enfatiza ainda que esses sentimentos são intensos devido a presença do evento traumático durante todo o processo de recuperação do paciente. Observa ainda que o paciente está sujeito a outras patologias físicas derivadas do seguimento de procedimentos para o tratamento, como por exemplo, as bucais, que estão diretamente associadas à alimentação e higiene, e as decorrentes da inadequação dos procedimentos de emergência, que estão ligadas à imperícia, negligência ou imprudência da equipe profissional que realizou o atendimento. Seqüelas gerais do organismo, como hemorragias e infecções, também são destacadas, devido à exposição aos germes. 27 Após os primeiros atendimentos, a pessoa que sofreu um traumatismo crânio-facial precisará estar à disposição das necessidades de intervenções cirúrgicas e tratamentos diversos como, odontológicos, fonoaudiólogos, fisioterápicos, psicológicos, entre outros. Por um período de dois anos, aproximadamente, ela ficará completamente envolvida em um processo de restabelecimento. Isso acarreta em disponibilidade de tempo de vida ativa e produtiva, quando os compromissos pessoais continuem presentes (ALVES, 2006). Alves (2006, p. 52) descreve em seus estudos que, após o traumatismo crânio-facial, a complexidade do tratamento e recuperação das lesões faciais “... está no fato de que cada ser humano é único física e psiquicamente e, por isso, além das lesões e danos serem diferentes de uma vítima para outra, a evolução do tratamento é ainda mais distinta entre as pessoas”. 1.2.2. Tipos de traumatismos crânio-faciais Nos últimos 10 anos, o tratamento das fraturas faciais mudou consideravelmente. Os méritos são da utilização freqüente da tomografia computadorizada, que nos tempos atuais possuem maior acuidade diagnóstica, e dos planos de tratamento. A aplicação de técnicas crânio-faciais de abordagem aumentou a possibilidade de se restaurar tanto a parte funcional como a estética do paciente, utilizando-se de enxertos ósseos ainda no tratamento primário e o uso de fixação interna rígida (COLOMBINI, 2008). A história clínica do acidente durante o diagnóstico é um fator importante. A história pode fornecer dados como a intensidade do trauma e sua dissipação por todo o crânio, e também sintomas como dor, edema, hematoma, desoclusão dentária, alteração do contorno facial, crepitação e mobilidade de fragmentos ósseos (COLOMBINI, 2008). Como o traumatismo crânio-facial possui diversas causas, esta pesquisa abstém-se apenas dos provindos de acidentes de trânsito. Sendo assim, os 28 ferimentos cutâneos são classificados como: cortantes, lacerantes, abrasivos e com perda de substâncias (BARROS E MANGANELLO, 2000). Os ferimentos cortantes são aqueles produzidos por de objetos de corte, ferragens expostas ou por estilhaços de vidros, entre outros. Geralmente atinge o condutor e os passageiros de veículos automotores. O tratamento mais freqüente para esse tipo de ferimento é a sutura por planos (BARROS E MANGANELLO, 2000). Os ferimentos tidos como lacerantes são aqueles em que o tecido cutâneo é levantado, resultando um retalho que pode ou não ter suprimento sangüíneo adequado. São resultados principalmente de atropelamentos ou colisão de automóveis. A sutura por planos é também o tratamento mais utilizado nesse tipo de lesão (BARROS E MANGANELLO, 2000). São chamados de abrasivos os ferimentos causados por queda em superfície áspera, seguida de deslizamento. Estes ferimentos não comportam sutura, devendo ser tratados por curativos até sua epitelização. As principais causas desse tipo de ferimento são os atropelamentos e os acidentes que envolvem veículos motociclísticos (BARROS E MANGANELLO, 2000). São conhecidos como ferimentos com perda de substâncias aqueles em que há perda de tecido muscular, gordura, pele, cartilagem ou nervos. São mais comuns na colisão de veículos automotores. O tratamento é descrito como englobando desde a simples aplicação de curativos até o fechamento por segunda intenção da ferida, aplicação local de enxertos de pele ou a rotação de retalhos de tecido epitelial vizinho. Podem ser ainda utilizadas próteses para a substituição de cartilagens. As danificações nos nervos, na maioria das vezes, se tornam irreversível (BARROS E MANGANELLO, 2000). Após a classificação do tipo de ferimento sofrido e do tipo de tratamento mais adequado para o caso, a equipe médica faz os procedimentos que julgam necessários, mas sempre em observância com a manutenção da vida. Tratamentos estéticos complicados, como enxertos e cirurgias ósseas, por exemplo, são deixados para segundo plano (BARROS E MANGANELLO, 2000), principalmente diante de previsão de morte iminente. 29 Esse é um fator que compromete o processo de cicatrização. Quanto mais recente for a intervenção, maior o sucesso do tratamento. Tudo isso compromete as funções estéticas do paciente, deixando seqüelas muitas vezes irreparáveis, ou com tratamentos alternativos a longo prazo, muitos deles de alto custo para o paciente (BARROS E MANGANELLO, 2000), ou para o sistema de atendimento público, quando disponível. Porém, este é apenas um fator que contribui para os danos estéticos. Muitas vezes, mesmo com todos os procedimentos realizados ainda durante os primeiros atendimentos, as seqüelas provindas do traumatismo crânio-facial podem vir a se tornar inevitáveis. Por exemplo, as “... cicatrizes localizadas em áreas em que a musculatura da mímica é atuante correm o risco de serem bastante visíveis...” (BARROS E MANGANELLO, 2000, p.100). Uma outra classificação para os traumatismos crânio-faciais são as que envolvem as fraturas ósseas da face. Divididas em três grandes categorias que se dividem conforme o nível da fratura tem-se as classificações Le Fort I, Le Fort II e Le Fort III. Essas classificações foram feitas pelo francês René Le Fort, em 1901, em suas pesquisas sobre as fraturas da face em cadáveres, com o intuito de demonstrar os pontos de menor resistência dos ossos faciais. Segundo ele, são importantes o estudo de três fatores nas fraturas faciais: o ponto de atuação do trauma, sua direção e a posição da cabeça durante o mesmo (WILLERMANN, 2003). A fratura Le Fort I, ou fratura horizontal, é tida como a mais baixa. Traço de fratura horizontal do maxilar superior (maxilas) desde a base da abertura piriforme até os processos pterigóides, passando logo acima dos ápices dos dentes superiores; separa, processos alveolares, dentes e palato do resto do viscerocrânio; Nela, a linha de fratura inicia na porção inferior da abertura piriforme, cruza a fossa canina e, posteriormente, se encaminha até a fissura pterigomaxilar. Tem traço de fratura horizontal do maxilar superior (maxilas) desde a base da abertura piriforme até os processos pterigóides, passando logo acima dos ápices dos dentes superiores, separando os processos alveolares, dentes e palato do resto do viscerocrânio (WILLERMANN, 2003). 30 A fratura Le Fort II, ou fratura piramidal, é tida como intermediária. Envolve, de ambos os lados, o osso nasal, processo frontal da maxila, lacrimal, soalho da órbita, processo zigomático da maxila (superfície posterolateral do seio maxilar) e processo pterigóide; e em conseqüência desloca um fragmento que inclui a porção central do viscerocrânio, palato e processo alveolar. Sua linha de fratura cruza a porção inferior dos ossos nasais, envolvendo em ambos os lados, processo frontal da maxila até os lacrimais, rima infra-orbital na junção do malar e maxila, palato e processo alveolar, descendo obliquamente. Posteriormente, caminha até a fissura pterigomaxilar. O septo nasal também é afetado, mas os malares são poupados (WILLERMANN, 2003). A fratura Le Fort III, ou disjunção craniofacial. Uma linha de fratura horizontal que passa de cada lado, pela sutura frontonasal, sutura frontomaxilar, lacrimal, etmóide, fissura orbital superior, asa maior do esfenóide e sutura frontozigomática; o enorme fragmento resultante dessa disjunção craniofacial é o próprio viscerocrânio, que se separa completamente do neurocrânio quando há fratura concomitante do arco zigomático. A linha de fratura aqui percorre os ossos nasais, processo ascendente da maxila, porção superior dos lacrimais, parede medial das órbitas, células etmóides e caminha para o canal óptico, sem atingi-lo. Também percorre as paredes laterais da órbita, afetando o esfenóide ou mesmo frontal, separando o frontal do malar, em nível de sutura fronto malar. Há separação em nível da fissura pterigomaxilar, inferior e posteriormente. A fratura atinge, ainda, o arco zigomático e o septo nasal próximo à lâmina cribiforme. Estas fraturas podem estar acompanhadas de separação das lâminas palatinas e fratura sagital da maxila que eventualmente podem necessitar de fixação rígida para estabilização (WILLERMANN, 2003). Em 1986, Manson acrescentou à classificação de Le Fort umas subdivisões, relacionadas principalmente com comprometimento da parte superior, frontal, independente da porção menor e oclusal. A atualização aparece como: alvéolo maxilar, sagital de palato, fratura da tuberosidade alveolar (Le Fort I), fratura piramidal (Le Fort II), disjunção craniofacial (Le Fort III) e fratura frontal (Le Fort IV) (WILLERMANN, 2003). 31 O trauma pode ser direto ou indireto. O trauma é tido como direto quando a fratura corresponde ao lugar onde se aplicou a violência. O trauma indireto é quando a fratura ocorre numa zona distante de onde houve a violência. Os traumatismos diretos são os mais freqüentes e determinam as lesões mais graves (ALVES, 2006). A mandíbula, por ser o único osso móvel da face, quando fraturada não passa despercebida. A mandíbula é constituída por uma massa óssea resistente, e sua curvatura se assemelha a de uma ferradura. Ela apresenta particularidades anatômicas e funcionais advindas de sua constituição e relação com órgãos anexos ou vizinhos, em especial com a cavidade da boca (ALVES, 2006). Somente uma força violenta pode provocar uma fratura, e esta é dolorosa, principalmente ao se realizar os movimentos mastigatórios, fonatórios e respiratórios. São também as responsáveis pelas maiores assimetrias faciais (COLOMBINI, 2008). As fraturas da mandíbula podem ser parciais ou complexas, e estas podem ocasionar transtornos aos músculos motores que a envolvem, o que tem forte influência na gravidade e sintomatologia das seqüelas (ALVES, 2006 apud GRAZIANI, 1982). Uma classificação da fratura mandibular é proposta para atender à praticidade clínica. Desta forma, as fraturas podem ser classificadas em única, múltipla, cominutiva, complexa, patológica, fechada, galho-verde e exposta. As três últimas são classificadas quanto à sua relação com o meio (COLOMBINI, 2008). A fratura única é representada por apenas um traço que compromete qualquer região da mandíbula. Esta pode ser completa ou incompleta, ou apresentar-se com ou sem desvio. Já a múltipla é quando se associam duas ou mais fraturas em regiões diferentes que comprometem o osso mandibular (COLOMBINI, 2008). A fratura cominutiva representa a situação na qual uma única região é comprometida de maneira múltipla, com fragmentos relacionados ao foco da fratura. A complexa é representada por situações de comprometimento os 32 reparos anatômicos nobres locorregionais, de exposição com perda dentária, de substância óssea e/ou de tecido mole. A fratura patológica se origina nos processos patológicos líticos ou não, que comprometem o arco mandibular (COLOMBINI, 2008). A fratura fechada (simples) é definida como isolada do meio externo. Freqüentemente ocorre em áreas desdentadas da mandíbula. A fratura de galho verde é encontrada em crianças e a exposta é aquela em que há existência de ferimento cutâneo ou mucoso locorregional à fratura e que estabelece contato com o meio externo (COLOMBINI, 2008). Segundo Alves (2006), a falta de uma redução eficiente ou de uma fixação ineficiente, podem ser causas freqüentes de deformidades faciais. Ela relata que as fraturas na mandíbula sempre exigem uma perfeita redução. Isso se dá porque à menor deficiência podem ocorrer distúrbios no articulado dentário e causar deformidades. Estas variam deste assimetrias graves do contorno da face até lesões deformantes graves. Esses problemas são de difícil correção, o que pode agravar o problema (GRAZIANI, 1982, apud ALVES, 2006, p.60). Diversos podem ser os tipos de seqüelas deixados pelo traumatismo crânio-facial. Podem-se verificar cicatrizes aparentes, afundamentos ósseos, avulsão dentária, danos ao globo ocular, entre outros. Alguns deles, além dos danos estéticos causados ao paciente, danificam também o processo funcional do organismo, como a mastigação ou a visão, por exemplo (BARROS E MANGANELLO, 2000). Alves (2006) relata também que as alterações musculares são comuns nesses pacientes e que, muitas vezes, eles necessitam de tratamentos com fonoaudiólogos e fisioterapeutas, para haja uma redução nos distúrbios musculares orais, já que esses causam dores, estalidos, limitam a abertura da boca, e causam ainda dores de dente e de ouvido. Uma das seqüelas mais comuns encontradas nesses casos é o processo de retração da pele. Neste sentido, sabe-se que toda linha cicatricial sofre maior ou menor grau e retração, o que depende de sua forma, localização e eventuais complicações advindas de falhas técnicas. Esse fenômeno se dá 33 devido ao encurtamento das fibras colágenas, que se encontram aumentadas nas primeiras semanas de cicatrização após o trauma (BARROS E MANGANELLO, 2000). A satisfação do resultado obtido pelo paciente após a cicatrização depende não só da localização do ferimento facial, mas também do tipo de pele do paciente. Outras variáveis incluem a idade e sexo, se é ou não um local de muito movimento, se atingiu ou não o tecido muscular (principalmente o mímico), do tipo de cuidado que se tem com a higienização e com a medicação indicada, etc. (BARROS E MANGANELLO, 2000). Outros problemas que envolvem seqüelas estéticas são as cicatrizes hipertróficas e o quelóide. As primeiras são mais elevadas, de cor avermelhada, de características tensas e pruriginosas. São mais comuns em crianças e em pessoas jovens, devido ao grande número de colágeno que se encontra na pele (BARROS E MANGANELLO, 2000). Já o quelóide, que é uma proliferação anormal das fibras colágenas, com extensão lateral sobre o tecido normal, distingue-se pela sua aparência dura e de cor arroxeada. É mais comum em pessoas adultas, por haver uma diminuição no colágeno natural da pele, e com grande incidência na população afro-descendente, característica específica da coloração e da estrutura das fibras de colágeno (BARROS E MANGANELLO, 2000). As principais seqüelas do traumatismo crânio-facial são as cicatrizes anti-estéticas, a perda da sensibilidade da pele, as alterações funcionais (visão, audição, fala, olfato, paladar, tato), dificuldade de respiração, mastigação ou deglutinação, paralisia de músculos da mímica facial, má oclusão e perdas dentárias e perdas irreparáveis no couro cabeludo. Muitas vezes está também associada ao traumatismo crânio-encefálico (TCE), o que dificulta o tratamento e pode gerar lesões neurológicas, temporárias ou permanentes (COLLARES, 2001). Segundo Alves (2006), algumas lesões podem deixar seqüelas, devido à gravidade e complexidade do trauma. As lesões no terço médio necessitam que haja um acompanhamento multidisciplinar. Esse acompanhamento precisa ser com especialista em cirurgia craniomaxilofacial, neurocirurgiões e demais 34 profissionais envolvidos na área. A utilização de materiais e próteses durante o tratamento pode vir a provocar ausência de sensibilidade tátil. A autora relata ainda que, quando os resultados esperados pelo paciente não são obtidos logo na primeira cirurgia, novos procedimentos cirúrgicos tornam-se necessários na tentativa de resgatar, ao máximo possível, o equilíbrio perdido com as lesões crânio-faciais. Segundo ela, esta é uma das formas de contribuição existentes para uma possível reabilitação do paciente (ALVES, 2006). Por ser considerada uma enfermidade grave, que pode envolver seqüelas físicas e psicológicas no paciente, é “... importante que todos os profissionais que atuam na área de atendimento ao traumatizado de face conheçam os princípios básicos de seu manuseio, para obter o melhor resultado logo no primeiro atendimento” (BARROS E MANGANELLO, 2000, p.99). As seqüelas provindas de traumatismo crânio-facial, além da estética, podem afetar a auto-imagem do paciente. E é essa a função da psicologia no ambiente hospitalar: acolher e orientar o indivíduo. Como diz Rosen (2003, p.404), “É preciso desenvolver a tolerância do paciente em admitir imperfeições físicas, mas o que é ainda mais importante: as implicações percebidas do defeito devem ser questionadas”. Segundo Alves (2006), as seqüelas geralmente deixam forte influência no comportamento do paciente. Ela relata que: M es m o que s ej am cons i deradas i nócuas , os paci ent es podem queix ars e de s erem m ot i vos de es t ranhez a ou chacot a de out ros . S endo a vergonha um s ent im ent o s oci al por ex cel ênci a, o probl em a fundam ent al es t á na rel ação ent re o i ndi ví duo e s eu grupo, ou as ex i gênci as do m ei o s oci al em que es t á i ns eri do (A LV ES , 2006, p.62). Segundo Alves (2006), As seqüelas da lesão crânio-facial ficam gravadas na história do paciente e em sua memória. Faz-se necessário que tanto o corpo quanto a memória consigam fazer trabalho de cicatrização, para que assim se possa atenuar o sofrimento. Diante das seqüelas permanentes, é preciso que o paciente consiga reelaborar a nova representação de sua face e/ou corpo, para que assim consiga dar continuidade à sua vida. 35 1.2.3. Acidente de trânsito e traumatismo crânio-facial Nos acidentes de trânsito, 70% resultam em fraturas da face que necessitam da intervenção cirúrgica buco-maxilo-facial. Nestes casos, a questão estética é agravada, já que os índices apontam que 45% dessas vítimas estão na faixa etária entre os 21 e 30 anos. Segundo a ANTP, 100 mil pacientes, vítimas de acidentes automobilísticos, ficam com seqüelas graves. Do total de cirurgias para tratamento de fraturas faciais realizadas no Brasil, 52% são vítimas do trânsito (OLIVEIRA, 2008). Sousa, Regis e Koizumi (1999) caracterizaram diferenças das vítimas de traumatismo crânio-encefálico (TCE) decorrentes de acidentes automobilísticos. Abordaram no estudo 156 acidentados, sendo 80 pedestres, 50 ocupantes de veículos a motor, e 26 motociclistas e passageiros de moto. Quanto ao sexo e idade, a vítima mais freqüente de TCE foi o adulto jovem do sexo masculino, independente da diferentes formas de acidente. Observaram também que a maioria das vítimas chegou transferida de outros serviços de emergência, tendo período de internação de 3 a 20 dias, e mortalidade em 18,6% (principalmente entre pedestres), e chegando a 69,2% de casos em que a lesão se deu em outras regiões além da cabeça (politraumatismo). O trauma de face foi observado em 36,2% dos casos investigados. Quanto à vítima que incluía a presença de trauma facial, foi verificada diferenças na ocorrência da lesão conforme a qualidade do traumatizado, sendo mais freqüente entre ocupantes de motos (44,1%), seguido de ocupantes de veículo à motor (38,9%) e pedestres (32,4%) (SOUSA, REGIS E KOIZUMI, 1999). Em uma pesquisa realizada com pacientes atendidos no serviço de Pronto-Socorro da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo de junho a dezembro de 2003, foram selecionados aleatoriamente 164 pacientes com trauma facial de qualquer intensidade, sem controle de sexo, idade e cor. Este estudo mostrou que o sexo mais acometido é o masculino (78%). Os dois sexos têm maior incidência de trauma facial na faixa etária de 20 a 39 anos, sendo que 64% dos homens e 69% da mulheres estão nesta faixa etária. As 36 contusões foram as lesões mais observadas (23,8%), seguidas das fraturas de mandíbula (21,9%), Le Fort/pan facial/complexas (17,8%), nasal (11,6%), zigoma (10,3%), dental (9,1%), órbita (4,9%) e maxila (0,6%). Não foram encontradas evidências de associação entre sexo e tipo de trauma (WULKAN, JUNIOR E BOTTER, 2005). Em uma pesquisa sobre a epidemiológia de fraturas faciais, foi realizado um estudo retrospectivo, não-randomizado, de 513 pacientes, com diagnóstico de fratura facial, atendidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu pela Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, no período de 13 anos (1991 a 2004). A etiologia das fraturas foi estudada de acordo com: acidentes com veículos automotores (automóvel, motocicletas, caminhões), bicicletas, agressões físicas, quedas acidentais, acidentes esportivos, acidentes com animais e outras causas (MONTOVANI, CAMPOS, GOMES, MORAES, FERREIRA E NOGUEIRA, 2006). Segundo Montovani et al (2006), dos 513 pacientes com fraturas faciais, 77 eram mulheres (15,1%) e 436 homens (84,9%) (Gráfico 1). A faixa etária mais acometida foi a de 20 a 29 anos, sendo que aproximadamente 2/3 (69,8%) das fraturas ocorreram entre as idades de 11 a 39 anos (Gráfico 2). Foi diagnosticado um total de 565 fraturas, com uma média de 1,10 por vítima. A fratura mais freqüente foi a mandibular (35%), seguida da zigomática (24%) e da nasal (23%). A pesquisa mostra que as etiologias das fraturas foram em 169 (32,94%) casos de acidentes com veículos (automóveis, caminhão, ônibus, motocicleta), sendo 13 atropelamentos; 129 (25,1%%) por agressão física, 89 (17,2%) devido à queda, 47 (9,2%) acidentes com bicicleta, 27 (5,3%) associadas a esportes, 25 (4,9%) devido a acidentes com animais e outras (7,4%). As fraturas faciais resultantes dos acidentes de trânsito são as mais freqüentes. E destacam-se entre as pessoas que não fazem do equipamento de segurança obrigatório na ocasião do acidente. Os veículos contribuem para que a região maxilar seja um alvo comum de traumatismos crânio-faciais. Se um veículo em alta velocidade sofre uma desaceleração brusca, a tendência é que a cabeça bata no painel do mesmo, na direção, no retrovisor e no pára37 brisa. As regiões da face mais atingidas são as fraturas de mandíbula, seguidas da região nasal e a labial (BONFIM, 2006). Dependendo do tipo do acidente, da direção e da força do impacto que causa o traumatismo, as fraturas da mandíbula podem ocorrem em diversas localizações. Essa predominância se dá devido à posição anatômica saliente da mandíbula, o que lhe deixa mais vulnerável. (BONFIM, 2006) As fraturas craniofaciais podem apresentar-se com desvio, pouco ou muito significativos. Alguns fatores se sobressaem para essa condição, como a intensidade do trauma, sua direção, o agente contundente, a direção do traço da fratura, o grau de integridade perióstica e a forma de inserção muscular. O grau de comprometimento ósseo está relacionado à situação do trauma, como sua intensidade e direção. O agente contundente é o principal responsável pelas lesões dos tecidos moles (COLOMBINI, 2008). Em muitos casos, a vítima de traumatismo crânio-facial pode perder olho(s), mas a freqüência maior de seqüelas faciais são as da mandíbula e as do nariz, devido à posição de maior proeminência desses, o que os tornam mais vulneráveis durante os acidentes automobilísticos (ALVES, 2006). Em decorrência de impactos frontais no acidente de trânsito, as fraturas do terço médio da face com disjunção crânio-facial (quando a face se desprende do crânio) são consideradas as mais graves fraturas que envolvem a face. E com freqüência, o impacto frontal sofrido apresenta comprometimento neurológico grave (ZANI, 2000 apud WILLERMAN, 2003). As lesões que atingem a face no seu complexo maxilomandibular são as que provocam as opiniões mais controversas, pois essa é uma região que desempenha inúmeras funções, como a articulação, a mastigação e a fonação, e é ainda um referencial de destaque na estética facial do indivíduo. A autora relata que: “A mandíbula tem importância vital para o ser humano, devido a sua força e participação na percepção da beleza do rosto” (ALVES, 2006, p. 21). Segundo Alves (2006), o período pós-trauma para o paciente lesionado na face é complexo, e envolve grande sofrimento físico e psíquico. Ela relata que, “... além de dores crônicas, os traumas no complexo maxilomandibular 38 podem acarretar graves seqüelas uma vez que seu conjunto é responsável pela mastigação, gustação e contribuinte da fonação...” (ALVES, 2006, p. 58). A causa mais freqüente da deformidade após um trauma crânio-facial, segundo Alves (2006), pode ser por perda de substância ou tecido, mas pode ainda ser causado por deficiência do método ou da técnica utilizada no tratamento. A autora relata ainda que a deformidade é causada pela perda da forma, e que a forma se perde quando há perda óssea durante o trauma. O paciente com fratura mandibular bilateral é caracterizado pela instabilidade e corre risco de vida eminente. As estruturas ou tecidos moles sustentados por ela caem para trás em direção à orofaringe, provocando a obstrução da via aérea. Essa é uma condição que requer tratamento imediato e desbloqueio respiratório (COLOMBINI, 2008). Uma outra causa de deformidade facial é decorrente do deslocamento das partes da fratura. Segundo Alves (2006), este deslocamento pode ser ocasionado por falha no diagnóstico médico ou por erro durante o tratamento. Ela destaca ainda que: Tai s procedi m ent os res ul t am em deform i dades si gni fi cat i vas e produz em prej uí z os funci onai s que podem i nt erferi r na fonação, degl ut i nação, res pi raç ão, vi s ão, perdas dent ári as ou de es t rut uras ós s eas , ci cat ri z ação i nadequada, at rofi as ou perdas de t eci dos m ol es (ALVES , 2006, p.60). O trauma crânio-facial associado ao trauma crânio-encefálico, após o estágio agudo inicial, pode provocar seqüelas contínuas, objetivas e subjetivas, devido à vulnerabilidade dos nervos cranianos (LIMA JUNIOR, et al). Segundo Barros e Manganello (2000), o profissional de saúde, quando se depara com pacientes que possuem ferimentos faciais, deve verificar sobe a necessidade de uma adequada caracterização da lesão, para que assim haja uma correta abordagem precedendo o procedimento cirúrgico, quando necessário. As presenças de uma equipe de atendimento especializado de urgência no local do acidente e da equipe multidisciplinar no hospital resultam, muitas das vezes, na eficácia do tratamento. Atualmente, se permite uma melhor 39 abordagem ao paciente traumatizado, devido às técnicas cirúrgicas modernas associadas ao largo avanço tecnológico (BENINCASA, 2003). Alves (2006) relata que o paciente, vítima de um trauma bucomaxilofacial, após os primeiros atendimentos de emergência, precisará estar à disposição da equipe hospitalar e das necessidades de intervenções cirúrgicas e tratamentos odontológicos, fisioterápicos, médicos, fonoaudiológicos, psicológicos e, talvez, outros mais. Segundo a autora, esse paciente fica completamente envolvido com o próprio processo de restabelecimento por um período de aproximadamente dois anos. Isso significa que o mesmo deve ficar parado em seu tempo de vida ativa e produtiva, mesmo que os seus compromissos continuem presentes (ALVES, 2006). 1.2.4. Saúde pública e Traumatismo crânio-facial Com um aumento crescente de traumas crânio-faciais, sua ocorrência passou a ser considerado como um problema de saúde pública. Desde o primeiro atendimento, é necessário que haja uma infra-estrutura adequada para o atendimento aos pacientes traumatizados e uma equipe especializada, com conhecimento e manejo de técnicas específicas (BONFIM, 2006). A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo nº 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Com isso, foi implantado o SUS (Sistema Único de Saúde) pela Lei Federal nº 8.080, em 19 de setembro de 1990, cujos princípios filosóficos são a universalidade, a integralidade, a eqüidade, a hierarquização e a descentralização da atenção e a participação social da gestão. A área de Urgência e Emergência constitui-se em um importante componente da assistência à saúde. Devida à crescente demanda de serviços 40 nesta área nos últimos anos e devido ao crescimento do número de acidentes e da violência urbana, e ainda devido à insuficiente estruturação da rede pública de saúde, tem havido uma sobrecarga nos serviços de Urgência e Emergência disponibilizados para atendimento da população. Esses fatores contribuem para que esta atenção seja transformada em uma das mais problemáticas do Sistema de Saúde brasileiro (Portaria n.º 2048/GM, 2002). Segundo o Ministério da Saúde (2002), o aumento dos casos de acidentes e violência teve um forte impacto sobre o SUS e o conjunto da sociedade. Na assistência, os gastos realizados com internação hospitalar, assistência em UTI e a alta taxa de permanência hospitalar deste perfil de pacientes são uma constante. Como serviço de Suporte, acompanhamento clínico e reabilitação, a Unidade de Saúde que atua na área de Urgência e Emergência deve contar com os serviços e profissionais nas seguintes áreas (dependendo do volume de atendimento, estes profissionais não precisam ser exclusivos da Unidade): Psicologia Clínica, Nutrição, Assistência Social, Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Farmácia e Hemoterapia (Portaria n.º 2048/GM, 2002). A ênfase nos direitos humanos e no respeito à dignidade individual são os principais fatores que auxiliaram nas vitórias alcançadas pelo SUS. Hoje, pode-se notar um fortalecimento dos pacientes considerados vulneráveis (submissas a um tratamento de saúde), embora a atenção para a justiça social seja ainda insuficiente, graças aos desequilíbrios de poder no país (ALVES, 2006). Uma das principais preocupações da equipe de saúde hoje é com a diminuição da dor sentida pelo paciente. Alves (2006, p.68) define a dor como “... uma experiência sensorial e emocional desagradável associada a um dano real ou potencial de tecidos ou descrita em termos deste”. Para a autora, a dor é espectral porque apavora tanto quem a sente como quem assiste ao sofrimento do outro. Se a dor for física, atingirá o psíquico do paciente e, se a dor for psíquica, atingirá o físico do paciente. Destaca que, muitas vezes, fatores como a demora no atendimento, o atendimento precário ou procedimentos desnecessários podem prejudicar a 41 boa recuperação das vítimas de traumatismo crânio-facial, ou podem deixar seqüelas como mutilações, perda de função ou deformidades (ALVES, 2006). Ela relata também que a dor é sempre uma experiência subjetiva, e que esta é relacionada tanto com as experiências pessoais vividas pelo paciente quanto pela sua compreensão de sofrimento. Relata ainda que a dor produz alterações da qualidade de vida do paciente e de sua família, e que esta pode vir acompanhada de depressão. (KOVÁCS, 1997, apud ALVES, 2006). A dor não é apenas uma sensação dolorosa e não está necessariamente diretamente relacionada ao tamanho da lesão ou ao dano físico do paciente. A dor é a única manifestação sentida por ele que não tem medidor e deve ser medicada a partir do seu relato pessoal. Devido ao fato de não se poder medir sua intensidade por medida direta, se torna tão importante verificar qual é o significado individual atribuído à dor e o quanto esta dor ocupa de espaço na vida do paciente (ALVES, 2006). Ao falar sobre a dor física e psíquica do paciente traumatizado, Alves (2006) descreve que: A dor i nt ens a é fat o concret o nos cas os de t raum a da fac e e o cu i dado com el a é um a das pri m ei ras preocupa ções da equi pe de s aúde. Porém , um a vez t rat ada, out ras dores vão s urgi ndo à m edi da q ue os di as pas s am e o indi ví duo vai s e dando cont a de s eu real es t ado de s aúde, de s uas pos s i bil i dades e probabi l i dades e t am bém das perdas que o t raum a acarr et a. Es t as dores t am bém preci s am s er cui dadas pel a equi pe de s aúde, fam i l i ares e am i gos (A LV ES , 2006, p. 68). A percepção da dor é um mecanismo complexo, e é determinado por diversos fatores, com suas influências ambientais e suas múltiplas variáveis psicológicas. A dor pode ser Física (sensação dolorosa), Psíquica (medos, tristeza, raiva, (isolamento, revolta, rejeição, insegurança, abandono, incerteza, inutilidade, depressão), dependência, e Social mudança de papéis) (ALVES, 2006). Ao falar sobre a dor do paciente traumatizado, a autora relata ainda que ela é um sintoma individual e subjetivo. Isso se dá porque a dor só pode ser compartilhada a partir do relato da pessoa que a sente. Para a autora, é um ponto funda mental do atendimento psicológico é acreditar na queixa do paciente e reconhecer o seu efeito devastador no processo de recuperação do paciente (ALVES, 2006). Mesmo reconhecida como uma das principais conseqüências traumatismo, a dor é potencialmente prejudicial ao organismo. do O paciente 42 traumatizado, que convive diariamente com a presença de dor, sendo esta moderada ou intensa, muitas vezes se vê diante do descaso e sua dor é relegada a um plano secundário (CALIL, 2003 apud ALVES, 2006). Diante da complexidade do trauma crânio-facial, e da responsabilidade dos serviços de saúde e dos profissionais que nela atuam, pode-se perceber a importância de estudos multidisciplinares nesta área. É necessário que os recursos disponibilizados para a saúde no Brasil abasteçam os serviços de urgência e emergência dos hospitais públicos e privados, com a finalidade de reduzir os danos às vítimas (BONFIM, 2006). Encontra-se a necessidade de buscar respostas às perguntas que surgem após o acidente, com base para discussão sobre um atendimento de melhor qualidade. Esse paciente, de pessoa passa a ser denominado vítima. E muitas vezes, esse paciente torna-se vítima não só do acidente sofrido, mas também, vítima do sistema de saúde e daqueles que deveriam ser seus cuidadores e, conseqüentemente, vítimas dos tratamentos e prognósticos (ALVES, 2006). Alves (2006) relata a importância das decisões da equipe de saúde para a recuperação do paciente e para que, dentro do possível, se possam evitar maiores seqüelas. Ela destaca que: Todo o cam i nho percor ri do pel a pes s oa ví t i m a de um t raum a es t á envol vi do com s ua dependênci a dos profi s s i onai s de s aúde e das deci s ões que es s es t om am com rel ação ao t rat am ent o. Nes t e cam i nho ex i s t em ri s cos obj et i vos , ori gi nados pel a gravi dade do aci dent e que a pes s oa s ofreu e pel a i nvas ão neces s á ri a em s eu corpo por procedi m ent os ci rúrgi cos e t erapêut i cos efet uados para s ua recuper ação. Tam bém ex is t em os ri s cos s ubj et i vos que s ão ori gi nados pel a i m prudênci a, i m perí ci a e negl i gênci a dos profi s s i onai s de s aúde (ALVES , 2006, p. 102) . Segundo a autora, de modo geral, acredita-se que alguns profissionais de saúde não percebam o quanto a sua exposição à precariedade sócioemocional e cultural dos seus pacientes. Deve-se estar atento diariamente à precariedade do serviço de saúde, ao pesar de seus pacientes e familiares, e ao seu próprio pesar diante da situação (ALVES, 2006). A autora relata ainda que o profissional de saúde, ao desenvolver um trabalho de assistência, sempre estabelece ações e procedimentos teóricos e técnicos de acordo com sua área específica e devem considerar as relações inter-pessoais com os pacientes atendidos (ALVES, 2006). 43 Mori (2003) destaca que, nos tratamentos de saúde, o bom relacionamento entre profissional e paciente é fundamental. Mas esclarece que, para que esse bom relacionamento ocorra, o profissional de saúde deve estar atento à interação entre os aspectos biológicos e psicológicos do paciente. Há a necessidade de se compreender quem são os profissionais que compõem a equipe de saúde e que prestam o atendimento de emergência aos pacientes vítimas de trauma. Quais são os passos prioritários deste atendimento, em que condições eles acontecem e quais as prioridades que devem ser estabelecidas (ALVES, 2006). O comportamento da equipe de saúde com relação a todo o processo físico e psicológico vivido pelo paciente e a relação e/ou atenção dos profissionais de saúde com o paciente, com os familiares e amigos é também um fator importante para um atendimento otimizado (ALVES, 2006). Deve-se também estar atento às reais necessidades de humanização da equipe e do ambiente hospitalar, com ênfase na atenção e na informação com os pacientes, e na formação dos profissionais de saúde que trabalham no serviço de emergência e no hospital (ALVES, 2006). Desta forma, o trabalho do profissional de saúde depende tanto da qualidade teórica e técnica quanto da qualidade da interação. Ao reconhecer os motivos dos comportamentos dos pacientes, os efeitos provocados por estes comportamentos, como a raiva, a angústia, a impotência, a depressão, a ansiedade, entre outros, e as defesas desencadeadas por ele, como a negação, a revolta, a hostilidade, etc., pode-se ajudá-lo de forma concreta e eficiente, e proporcionar o alívio e a melhoria das condições de hospitalização e de trabalho assistencial (ALVES, 2006). Por último, Alves (2006, p.106) destaca que “... não se pode esquecer que os problemas bioéticos são novos e, portanto, exigem novas reflexões e novas soluções”. Ela relata que a Bioética diz respeito ao cuidar, zelar, e respeitar a dignidade da pessoa e a promover qualidade de vida. Segundo a autora, cada caso e cada indivíduo é único e é isso que obriga ao profissional de saúde a tratar cada necessidade de forma individual, apoiado-se sempre na razão e no bom juízo moral, em busca da humanização os ambientes clínicos e hospitalares, integrando a ética das ciências 44 biomédicas e o direito dos pacientes aos serviços prestados na saúde (ALVES, 2006). 45 1.3. PSICOLOGIA DA SAÚDE E ANÁLISE DO COMPORTAMENTO 1.3.1. Conceito A Psicologia da Saúde é um ramo da Psicologia que tem como objetivo a compreensão do papel de variáveis psicológicas que influenciam na manutenção da saúde, no desenvolvimento e tratamento de doenças, e/ou comportamentos associados ao processo do adoecer. Tem ainda o desenvolvimento de pesquisas como um dos objetivos propostos (MIYAZAKI, DOMINGOS e CABALLO, 2001). A saúde sempre foi uma área de atuação e estudos das áreas biológicas, como a medicina, odontologia, farmacologia, enfermagem, entre outras. Segundo Starlin (2001), a saúde tem se transformado também numa área de interesse para psicologia, muitas pesquisas sobre esse tema têm revelado o forte componente comportamental presente nas alterações da saúde biológica e a natureza essencialmente sociocultural das práticas curativas. A Psicologia da Saúde é um ramo recente de atuação profissional, ainda em fase de aperfeiçoamento. Agrega o conhecimento educacional, científico e profissional da disciplina Psicologia, utilizando-o na promoção e manutenção da saúde, na prevenção e no tratamento da doença, na identificação da etiologia e no diagnóstico relacionado à saúde, à doença e às disfunções, bem como no aperfeiçoamento do sistema de política da Saúde (FREIRE, 2006). Nas últimas décadas, inúmeras pesquisas foram realizadas na área de saúde, e muitas delas indicam que o comportamento dos indivíduos e o seu estilo de vida possuem um significativo impacto no desenvolvimento ou na exacerbação de doenças. Muitos desses comportamentos são desenvolvidos ainda na infância, como por exemplo, hábitos alimentares inadequados e/ou a ausência de atividades físicas, ou na adolescência, como por exemplo, o abuso de drogas (lícitas ou ilícitas) ou iniciação da vida sexual sem hábitos preventivos (MIYAZAKI, DOMINGOS e CABALLO, 2001). 46 A inserção do profissional de Psicologia nas instituições de saúde, especificamente, nos hospitais, constitui-se em uma realidade cada vez mais crescente. Isso se dá em virtude da nova visão estabelecida sobre o processo saúde/doença. A saúde não é mais vista apenas como ausência de doença. Conforme a OMS (Organização Mundial de Saúde), a saúde corresponde a um “estado de completo bem-estar físico, psíquico e social”. Assim, admite- se que o processo do adoecer tem uma parcela de responsabilidade dos fenômenos psíquicos e sociais, do desequilíbrio no bem-estar dos indivíduos (FREIRE, 2006). O campo de atuação do psicólogo na saúde é extenso e tende a se ampliar. Pesquisas constantes têm sido realizadas na área de saúde, o que proporciona um atendimento mais apropriado aos pacientes. As estratégias de intervenção estão cada vez mais atualizadas e amplas, e novas concepções sobre a saúde estão surgindo. Todos esses fatores trazem a necessidade da inserção do profissional de Psicologia no ramo da saúde, tanto na rede pública como na privada (MIYAZAKI, DOMINGOS e CABALLO, 2001). Para se falar em saúde e em acidente de trânsito se faz necessário um conhecimento do comportamento do indivíduo no tráfego urbano. Esse comportamento tem como causa básica as condições ambientais. Ele é provocado por um estímulo (S) ou pela situação, que pode ser interno (dor, medo, angústia) ou externo (ruído/buzina, luz alta). O estímulo é um fator determinante para provocar uma resposta (R). A aprendizagem do indivíduo é o equivalente ao condicionamento, produzida pela repetição. Quando a resposta é adequada ao estímulo o sujeito sente-se satisfeito, o que funciona como um reforço da resposta adequada e que, em outras situações semelhantes poderá se tornar mais freqüente (MAURO, 2001). No trânsito, os estímulos (S) são recebidos pelo sujeito através dos órgãos dos sentidos. Estes estímulos, que podem ser do ambiente geral, ambiente do trânsito, ambiente do carro, ambiente corporal e tensão, passam pelo corpo humano e se transformam em impulsos nervosos que agem sobre diversas partes do nosso cérebro, ativando assim centros cerebrais motores ou perceptivos, provocando as respostas (R) que se traduzem em comportamento (MAURO, 2001). 47 Não é somente o estímulo que provoca e determina a resposta no indivíduo. Ela também sofre a influência do organismo, de sua experiência pessoal, dos condicionamentos aprendidos, da aprendizagem, da memória, dos e dos traços de personalidade do indivíduo (MAURO, 2001). Sugere-se que as intervenções da psicologia e dos serviços de saúde trabalhem com a mudança de atitudes, o que envolve crenças e valores instalados, bem como com a modificação de comportamentos dos indivíduos, paralelamente às medidas legais punitivas, pois estas, por si só, não são eficientes agentes de mudança de comportamento (MARÍN-LEÓN E VIZZOTTO, 2002). O trabalho do psicólogo na saúde é realizado através da sua aplicação de conhecimento psicológico em intervenções à pacientes acometido por doenças, com o objetivo de prevenção e tratamento das mesmas, ou na manutenção e/ou promoção da saúde. Outra função importante é dar auxilio ao paciente no manejo o no enfrentamento das doenças, sendo elas crônicas ou não (MIYAZAKI, DOMINGOS e CABALLO, 2001). Não se pode evitar que o acidente de trânsito aconteça, mas se pode preveni-lo. Para que se possam desenvolver programas adequados de prevenção de acidentes de trânsito, é necessário conhecer variáveis, como as situações em que os acidentes ocorrem, quais os comportamentos de risco e como fatores diversos (idade, sexo, escolaridade, condições de moradia, profissão, riscos ocupacionais, a freqüência com que ocorre, a taxa de mortalidade, as incapacidades, as opções de reabilitação, entre outros) estão relacionadas com o risco de acidentes (MAURO, 2001). Em especial, cabe a preocupação da equipe de saúde com a reabilitação da vítima de acidente de trânsito. Estes profissionais devem preocupar-se, especificamente, com o comportamento e o desempenho funcional do indivíduo. A fase final da reabilitação, que é a inserção do indivíduo na sociedade, é uma fase especificamente difícil, que envolve a habilidade da equipe de saúde e em especial do psicólogo hospitalar, preparado para lidar com os aspectos emocionais, o potencial e as limitações do paciente (MAURO, 2001). 48 As equipes de saúde hoje têm como uma realidade a presença de equipes multidisciplinares no atendimento aos indivíduos. Profissionais de diversas áreas trabalham juntos em prol da qualidade de vida e da recuperação da saúde. A importância dos fatores biopsicossociais na doença e no adoecer é cada vez mais reconhecida, o que abre o campo da saúde para a Psicologia e para a atuação de profissionais da área nas equipes (ROMANO, 1999). As três importantes transformações no campo da Saúde e da medicina que resultaram na consolidação definitiva da Psicologia da Saúde como subárea específica da Psicologia que são: a retomada adoção do modelo biopsicossocial, o aumento da incidência de doenças crônicas e os avanços nas tecnologias médicas e da farmacologia (GUIMARÃES, 1999, COHEN COLE E LEVINSON, 1994; LAMOSA apud MIYAZAKI, DOMINGOS e CABALLO, 2001). 1.3.2. O modelo biopsicossocial No século passado, o modelo biomédico tornou-se hegemônico. Estava presente na maioria das práticas de saúde existentes, e considerava-se a doença como um problema apenas do corpo. Apenas os aspectos orgânicos eram reconhecidos pela medicina, e os problemas psicológicos, sociais e ambientais eram deixados de lado, fora do campo da saúde (TRAVERSOYÉRPEZ, 2001). Apesar de serem aspectos relevantes, que podem influenciar tanto a origem do processo do adoecer, quanto a sua manutenção, evolução e prognóstico, não eram reconhecidos como um problema da medicina (TRAVERSO-YÉRPEZ, 2001). Mudanças recentes vêm ocorrendo no processo do adoecer. As doenças infecciosas, antes vistas como grandes males da humanidade, começaram a dar lugar às denominadas doenças crônicas, que estão fortemente relacionadas com estilo de vida, fatores ambientais e padrões de comportamento (FREIRE, 2006). 49 Essas transformações integram o novo modelo de atendimento em saúde: o biopsicossocial. Este modelo ressalta o papel significativo dos aspectos psíquicos e sociais como garantia de uma vida saudável, e traz o modelo multidisciplinar para o atendimento em saúde (FREIRE, 2006). O modelo biopsicossocial de atendimento psicológico mostra- se totalmente funcional às necessidades vigentes. Não porque se refere aos interesses econômicos que vêem no modelo uma das melhores fontes de lucro no mercado de consumo de medicamentos e alta tecnologia, até porque este reforça a visão individualista e fragmentada dos fatos sociais. Mas porque atende o indivíduo como um todo, levando em conta todos os aspectos que levam ao adoecer (TRAVERSO-YÉRPEZ, 2001). Em função do acentuado individualismo do sistema, condiciona-se uma visão descontextualizada dos comportamentos humanos. Desta forma, o foco da responsabilidade das doenças e sofrimentos é de responsabilidade dos próprios indivíduos. Este é um erro grave cometido. Mas em uma perspectiva biopsicossocial, as instituições de saúde, auxiliadas pelo trabalho em Psicologia, passam a atuar de forma mais humana e social, e os pacientes passam a ser vistos como um todo (TRAVERSO-YÉRPEZ, 2001). Cabe ao Psicólogo da Saúde identificar as variáveis do modelo biopsicossocial, analisá-las e propor soluções para modificação e controle. Essas variáveis são relativas às questões pessoais, funcionais, institucionais e do trabalho (REIS, 2005). O Psicólogo, neste contexto, é um membro da instituição hospitalar, quando trabalhando nesta instituição, e o seu comportamento é uma variável dependente, pois sua ações repercutem no sistema, da mesma forma que a instituição modela seus comportamentos (REIS, 2005). Segundo Reis (2005), o terapeuta comportamental ao analisar os fenômenos no campo da saúde hospitalar, observará e fará análises de contingências e rearranjos de estímulos para alteração de respostas. É exigido conhecimento técnico-científico na sua área de especialização. 50 1.3.3. Intervenção do Psicólogo na Saúde O psicólogo na saúde atua em diversos contextos, como em ambulatórios, enfermarias, serviços de pronto-atendimento e emergência, unidades de terapia intensiva (UTIs), centros cirúrgicos, centros de saúdeescola, comunidades, faculdades, entre outros (AGUIAR, MEDINA, BESNOSIK, VASCONCELOS E BARRETO, 2004). Destacam-se, dentre as principais atividades desenvolvidas pelo psicólogo na saúde, a avaliação de pacientes candidatos a diferentes procedimentos cirúrgicos, atendimento psico-educacional, grupos para modificação de comportamentos de risco, avaliação e delineamento de programa de intervenção para pacientes com dificuldades de aderir ao tratamento proposto pela equipe saúde, avaliação neuropsicológica para diagnóstico e proposta de intervenção, atuação multidisciplinar com outros profissionais de saúde, auxílio na reabilitação de pacientes com deficiências físicas, intervenções para o controle de sintomas (como, por exemplo, pacientes submetidos à quimioterapia), atendimento em psicologia pediátrico e saúde do trabalhador (AGUIAR et al, 2004). Para a intervenção do psicólogo na saúde se faz necessário uma distinção entre doença e enfermidade. Isso vale tanto para as variáveis da doença quanto para as da enfermidade (STARLING, 2001). Segundo Starling (2001, p.272), ao se considerar a doença como uma variável de estímulo, deve-se reformular sua definição como: ... um a rupt ura ou al t eraç ão na es t rut ura e/ ou na função de al gum a part e do corpo ou s i st em a det erm i nada por es t í m ul os bi ol ógi cos que, devi do a um a vari edade de caus as , pode pers i s t i r, avançar ou regr edi r (...) e pode ou não s er cl i ni cam ent e aparent e, ex cl uí dos os event os nos quai s es t as m udanças ocorrem com o res pos t a a es t í m ul os ps i cos s oci ai s . A enfermidade pode ser considerada uma variável de resposta. Para Starling (2001, p.273), esta pode ser definida como: ... o conj unt o das res pos t as de um i ndi ví duo a um dado es t ím ul o ou conj unt o de es t ím ul os do am bi ent e i nt erno ou ext erno, que a s ua hi s t óri a com port am ent al e/ ou cul t ural s el eci onou com o res pos t as 51 funci onai s à di s cri m i nação da es ti m ul ação de vari ávei s bi ol ógi cas pot enci al m ent e avers i vas e/ ou pot enci al m ent e refor çador as . Desta forma, o autor esclarece que a diferenciação dos conceitos é bastante relevante. Um indivíduo pode estar gravemente doente e não apresentar nenhuma enfermidade, da mesma forma que este pode estar gravemente enfermo sem apresentar qualquer doença (STARLING, 2001). A medicina, geralmente, foca sua ação para a correção e recuperação do paciente, como um retorno a um estado anterior de ordem biológica, ou seja, a intervenção médica é de tratamento. A Psicologia mantém seu foco na alteração e na mudança, na aquisição de um novo estado que possa responder com maior eficácia às demandas que o ambiente faz ao organismo, ou seja, a intervenção da Psicologia é na aprendizagem (RANGEL, 2008). Alves (2006) relata que transformações importantes já foram conquistadas no serviço de saúde, mas que as dimensões humanas, vivenciais, psicológicas e culturais ainda são desprezadas. Ao surgirem problemas na relação médico-paciente, referentes a não compreensão por parte da equipe de saúde das palavras utilizadas pelo paciente ao expressar sua dor e seu sofrimento, ou a falta/dificuldade em informar e/ou esclarecer adequadamente o paciente e ainda a constante dificuldade do paciente em aderir ao tratamento, trazem o profissional da Psicologia à área de saúde. Destaca ainda que os profissionais de saúde precisam estar atentos ao fato de que informam muito pouco aos pacientes sobre o seu estado de saúde e sobre as possibilidades de tratamento, e que o trabalho em equipe e a ajuda do psicólogo hospitalar é uma importante solução para pequenos conflitos de comunicação (ALVES, 2006). Um dos grandes desafios da Psicologia na saúde é ajudar um paciente a produzir mudanças efetivas. A atuação do psicólogo nesta área está relacionada não com as possíveis intervenções diretas, mas com outros tipos de atuações destinadas a potencializar a atividade de outros profissionais da saúde, prestando-lhes a adequada preparação e colaboração que lhes permita um melhor desempenho de seus papéis e atividades profissionais, vindo assim a beneficiar ao paciente (RANGEL, 2008). 52 O psicólogo pode ajudar tanto o paciente no atendimento direto quanto nas relações entre o mesmo e os outros profissionais da saúde. Essas relações terão importância na resposta do paciente ao tratamento e no seguimento ou cumprimento do mesmo. O trabalho desenvolvido pelo profissional da Psicologia na saúde tem como objetivo oferecer apoio aos pacientes e à equipe interdisciplinar, solucionando problemas que os próprios médicos e membros da equipe não estão preparados para resolver (RANGEL, 2008). É necessário que o paciente seja ouvido por profissionais após o acidente. Alves (2006) relata que a pessoa, após o trauma, passa a conviver com a dor. Este paciente perde sua autonomia e muitas vezes a sua privacidade, pois muitas vezes dependem de terceiros para auxiliar em procedimentos de rotina, como na higiene e alimentação. Ela relata ainda se tratar de uma dor subjetiva, em que o único ponto de avaliação de sua dimensão se encontra no próprio paciente e no seu progresso. Este paciente necessita que sua dor seja reconhecida, compreendida e respeitada, e este é o papel do psicólogo inserido na instituição hospitalar. Por fim, a autora destaca que: ... es t as pes s oas neces s i t am de al guém que pos s a es t ar com el as na dor, es cut ando e acol hendo s uas dúvi das , ans ei os , angús t i as e es peranç as . O paci ent e preci s a dar um s i gni fi cado para as ex peri ênci as e s e apropri ar de s eu proces s o de dor, perdas e l ut o. O profi s s i onal de s aúde pode subes t i m ar a percep ção que o paci ent e t em de s ua doença (ALVES , 2006, p.72). Compreender e conhecer melhor as condições físicas e psíquicas dos pacientes faz parte do papel do psicólogo hospitalar, pois ele pode ser uma ponte entre o paciente e a equipe multidisciplinar, e assim promover o processo de humanização, já que este possibilita um resultado satisfatório para ambas as partes e promove o bem estar individual para o paciente (ALVES, 2006). O analista de comportamento em atuação na saúde está mais exposto à avaliação externa. Isso se dá porque o produto final de sua atuação é diretamente observável, em tempo muito curto. Para a análise do comportamento, o que realmente importa são as contingências em operação. Se essas contingências não forem bem-sucedidas ao construir o repertório desejado, a correspondente resultante da análise funcional apontará 53 inadequação de análise e da atuação e deverá ser refeita quantas vezes for necessária ao longo de todo o procedimento. Rangel (2008, p.94) relata que: Nos cont ext os m édi cos as cont i ngên ci as im edi at as s ão, em geral , avers i vas e os “pos s í vei s ” refor çador es posi t i vos , com o é o cas o da “cura ”, s ão cons eqüênci as pos it i vas m ui t o at ras adas . Tam bém , os efei t os não i m edi at am ent e di s cri m i návei s s ão m ai s di fí cei s de s er aprendi dos . Os m édi cos não dão es t ím ul os di s cri m i nat i vos (S ds ) m ui t o cl aros a s eus paci ent es , de modo que es t es poss am reconhe cer i ndí ci os i nt ernos de m el hora ou pi ora e em i ti r com port am ent os que s ej am efi caz es na obt enção da m el hor. Nos contextos médicos, é função do analista do comportamento ensinar competências para lidar com as condições internas e externas ao hospital. Cada indivíduo tem seu próprio perfil interativo. Esses não são dados correlacionais, mas sim dados funcionais. Quando se atua em um contexto médico, o importante é conhecer as contingências e, antes de qualquer coisa, saber descrevê-las de forma clara e compreensível. Todas as categorias estudadas devem ser contextuais, uma vez que o que cada indivíduo faz, ele o faz em condições especiais (RANGEL, 2008). 1.3.4. O papel do psicólogo no atendimento hospitalar Os hospitais são instituições de tratamento, e o trabalho neles realizados tem como foco principal a doença, e todos os acontecimentos que envolvem a manutenção e a recuperação da saúde. As ações, geralmente, são rápidas e decisivas, e muitas vezes se trabalha entre a vida e a morte. Em um contexto assim, muitas vezes a preocupação com o indivíduo e suas relações humanas são deixadas de lado, em especial nas situações de emergência (AMARAL, 1997). A Psicologia Hospitalar teve início na década de 50, mas foi à partir do final da década de 70 que o número de psicólogos contratados pelos Hospitais Gerais aumentou. Os principais fatores que contribuíram para isso foram a regulamentação da profissão em 1962, o aumento de psicólogos no mercado 54 devido ao boom de faculdades particulares e a própria expansão das pesquisas na área hospitalar (PEREIRA, 2003). Para Freire (2006), temos atualmente uma expansão dos contextos e das situações de trabalho do profissional da Psicologia. Um exemplo é a sua atuação no setor de Saúde Pública e Hospitalar. Porém, em sua maioria, as práticas de ensino nas faculdades de Psicologia têm sido direcionadas apenas à preparação para o exercício autônomo do profissional, com a priorização do atendimento clínico. (FREIRE, 2006). Pode-se concluir assim que a inserção do psicólogo na Saúde Pública e Hospitalar atende à demanda expressa, mas esta ainda está longe de ser realizada de maneira insatisfatória. A abordagem de temas macro-sociais ainda é pouco freqüente na formação dos profissionais, o que não permite uma maior discussão das determinações econômicas e sociais e dos fenômenos psicológicos no referente à saúde dos indivíduos. Através da ênfase na intervenção clínica, tanto a formação educacional como a prática profissional têm se mostrado restritas a aspectos emocionais e patológicos (FREIRE, 2006). Para Speroni (2006), os psicólogos estão em constante busca por um lugar definido para a Psicologia no contexto do hospital geral. Entretanto, esse lugar é essencialmente de escuta, mas de uma escuta diferenciada e privilegiada. Além disso, é justamente nesse espaço institucional que momentos de integração entre os pacientes e a Psicologia acontecem, e a Psicologia Hospitalar como profissão se fortalece (SPERONI, 2006). A inclusão do psicólogo na equipe hospitalar é algo novo entre os demais profissionais da área de saúde. Os fatores que compõem o conceito de saúde são múltiplos e a relação entre eles são complexas, o que impõe que seja adotado um modelo biopsicossocial para analisar a questão. Segundo Laloni (1997), o psicólogo inserido na área da saúde deveria ser capaz de identificar essas variáveis, analisá-las e ainda, quando possível, propor soluções para modificações e controle da situação observada. O atendimento hospitalar atual foca sobre a multidisciplinaridade, com o objetivo de atender integralmente ao paciente e ao familiar, considerando a 55 integralidade da assistência. profissional da psicologia, E qualquer se faz que seja a linha teórica do necessário que este vise a um aprimoramento da atenção ao paciente e à equipe hospitalar (POLTRONIERI, 1995). O trabalho o psicólogo hospitalar, em alguns aspectos, difere do trabalho clínico, inclusive em suas necessidades e interesses. Segundo Amaral (1997), o psicólogo nas instituições hospitalares deve trabalhar, entre outros aspectos, com comportamentos tais como dor, depressão, ansiedade, medo, raiva, apatia, alguns decorrentes da própria doença e outros em decorrência das contingências estabelecidas pelo tratamento. Pelas constantes intervenções, isolamento, e restrição, as internações tendem a trazer a perda da autonomia (AMARAL, 1997). A presença do profissional da psicologia no hospital apresenta ambigüidades e particularidades que não devem ser desprezadas, com o risco de ser excluído da equipe. Há ainda uma idealização da equipe hospitalar com relação ao atendimento psicológico, uma idéia de onipotência, como se o psicólogo fosse capaz de resolver tudo o que se refere ao relacionamento com o paciente, o que pode ser considerado um aspecto cultural devido à própria prática desse profissional, que tende a assegurar um olhar para aspectos do comportamento do paciente como fator de superação de uma dificuldade grave (POLTRONIERI, 1995). Há ainda o mito de que muitos problemas para o qual não há um diagnóstico ou causa precisa, que estes se devam a variáveis ou fatores psicológicos não evidentes. De outro lado, pode haver um descrédito das funções e tarefas desempenhadas pelo psicólogo, como se o mesmo fosse desclassificado para pertencer à equipe hospitalar, o que pode também estar relacionado a sua conduta diante das exigências do ambiente, que nem sempre correspondem ao esperado ou mesmo careça de dados que comprovem seus procedimentos a partir de resultados mensuráveis (POLTRONIERI, 1995). Para Poltronieri (1995), os psicólogos podem usar seus conhecimentos teóricos e práticos para o alcance dos objetivos estabelecidos em consenso com os colegas. Defende a presença do psicólogo na equipe multidisciplinar 56 do hospital. Para ele, o consenso permite que a equipe atinja seu objetivo fundamental, que é oferecer o melhor atendimento possível ao paciente hospitalizado. O principal objetivo da atuação do psicólogo no contexto hospitalar é a minimização do sofrimento gerado pelo adoecimento e a hospitalização, evitando as possíveis seqüelas emocionais dessa vivência. O campo de entendimento e o foco de atuação da Psicologia Hospitalar são exatamente os aspectos psicológicos em torno do adoecimento (SPERONI, 2006). O psicólogo hospitalar pode ajudar a responder questões, como a possibilidade de amenizar a ansiedade e a angústia provocadas pelo traumatismo crânio-facial, e como as dúvidas sobre a readaptação social e a adaptação de sua nova imagem. Principalmente nos casos de desfiguramento, em que é essencial o fornecimento de uma base de apoio para o paciente (POLTRONIERI, 1995). Geralmente, dentro da instituição, procura-se o uso do controle por reforçamento positivo, evitando práticas coercitivas, aversivas, que dentro do contexto hospitalar já se encontra em demasia. Trabalha-se principalmente em uma abordagem individual ao paciente, buscando descrever as discriminações adequadas e inadequadas que o mesmo faz a respeito da resposta dos outros em relação à sua aparência, as discriminações que faz de si mesmo em outras condições e situações de sua vida, e as conseqüências de seus comportamentos diante do problema (AMARAL, 1997). 1.3.7. Intervenção hospitalar em casos de traumatismo craniofacial e o papel do psicólogo hospitalar Os primeiros cuidados com o paciente vitimado no trânsito devem começar logo após o acidente. O socorro imediato e a forma como é transportado para o hospital é de fundamental importância para a sobrevida do paciente e para a redução de seqüelas. Cuidados básicos com ossos e tecidos cutâneos, bem como uma preocupação com higiene, são relevantes nos primeiros atendimentos médicos. O paciente, ao dar entrada no hospital, 57 muitas vezes não se dá conta da gravidade do acidente (BARROS E MANGANELLO, 2000), abrindo-se assim um campo para a intervenção psicológica. O traumatologista de face, em geral, é o primeiro especialista a ser chamado para examinar o paciente, pois as lesões faciais são as que mais chamam a atenção. É realizado um exame geral e a atenção é voltada para as medidas de emergência, tais como a desobstrução das vias aéreas e a verificação das funções de órgãos vitais como coração, abdômen e outros (WILLERMANN, 2003). Essa primeira sobrevivência do politraumatismo, fase do paciente. e o atendimento Geralmente, paciente precisa hospitalar em é acidentes ser crucial de submetido para trânsito aos a há diversos procedimentos vitais, muitos deles envolvendo intervenções cirúrgicas e ligação à aparelhos cardíaco e/ou respiratório, e o limiar entre a vida e a morte é uma realidade. Há também uma preocupação inicial com o traumatismo crânio-encefálico. Possíveis intervenções neurológicas devem ser imediatas (BARROS E MANGANELLO, 2000). Na maioria das vezes, é nessa fase ainda que ocorrem os primeiros cuidados com os traumatismos crânio-faciais. A necessidade de suturas e enxertos é verificada, bem como as fraturas e os problemas dentários. Mesmo não sendo uma prioridade vital, a equipe hospitalar sabe a importância da aparência física para o paciente, e algumas dessas intervenções são realizadas nas primeiras horas de hospitalização (BARROS E MANGANELLO, 2000). Após os primeiros atendimentos, uma nova fase é vivida pelo paciente. Passada a dor e o susto inicial, ele encontra-se confuso e inseguro. Não se sabe ao certo o que aconteceu e que tipo de tratamento foi utilizado. Como na maioria das vezes não se encontra em condições de esclarecimentos, muitas dúvidas surgem, misturadas com sentimentos de alívio (BARROS E MANGANELLO, 2000). Apesar de o atendimento, em princípio, estar envolvido com a manutenção da vida, ao se deparar com conseqüências estéticas e funcionais do corpo, o paciente se vê diante do medo e de uma tristeza profunda. 58 Mutilações ou disfunções de membros e de órgãos são abordadas como capazes de alterar o esquema corporal, levando a perdas equivalentes à de uma pessoa muito querida (BOTEGA, 2006). Botega (2006) afirma que é um medo real, onde o corpo se encontra fragilizado e os pensamentos confusos. Em uma cultura onde a estética e os estereótipos de beleza são sinônimo de saúde e sucesso, saber-se lesado fisicamente torna toda a situação vivida ainda mais difícil. Nessa fase em que o paciente precisaria de repouso e tranqüilidade, ele luta consigo mesmo e enfrenta a dura realidade que se apresenta diante dele (BOTEGA, 2006). Essas são observações importantes e relevantes para um estudo psicológico. Os pacientes, principalmente ao se depararem com traumatismos crânio-faciais, se tornam vulneráveis, com sérios problemas de auto-imagem. Estar hospitalizado, por si só já é algo desconfortante. Saber-se lesado em uma parte do corpo tão pessoal como a face, deixa o paciente ainda mais assustado e com sérios problemas ligados à auto-estima (BOTEGA, 2006). Segundo Castilho (2001), do nascimento à morte, a aparência física é parte importante daquilo que as pessoas são como também para os outros quanto para nós mesmos. Essa observação é bastante relevante quando se trata de lesão crânio-facial. O paciente enfrenta uma verdadeira batalha, consigo mesmo e com o mundo. Se sente sozinho e desamparado. Todos os seus planos de vida encontram-se agora incertos. Botega (2006) afirma que outro ponto importante é lembrar que, no hospital, o paciente encontra-se sob efeito de medicamentos, o que torna ainda mais confusos seus pensamentos. A maior parte do tempo ele se encontra dormindo, e os períodos de vigília são marcados por curativos, visitas, refeições, etc. Sobra pouco tempo para que o paciente possa refletir sobre o acontecido e sobre como enfrentar o problema que se apresenta diante dele. O autor acrescenta que com o aumento dos períodos de vigília, e passado o tumulto das primeiras horas, o paciente começa a se dar conta do que realmente aconteceu com ele. Após os problemas iniciais enfrentados, ele começa a retomar o ânimo para pensar como será sua vida futura. 59 Dem ora um t em po para, pas s ada a fas e de di agnós t i co e de t erapêut i ca i ni ci al , a pes s oa s e acal m ar e, m ais ou m enos depres s a, i r- s e recom pondo e am pl i ando s eus i nt eres s es , vol t ando a t er âni m o e a pl anej ar o fut uro... (BOTEG A, 2006, p.50). A fase seguinte vivida pelo paciente é de grande interesse para a psicologia. Depois de se ter enfrentado as primeiras batalhas de manutenção da vida, ele se sente sozinho e fragilizado. A pergunta freqüentemente feita a si mesmo é o porquê tudo isso está acontecendo. E é ainda mais preocupante quando o paciente se sente culpado pelo acontecido, causador do próprio sofrimento, e em alguns casos, de outros (BOTEGA, 2006). Nessa fase, é crucial o apoio social recebido pelo paciente, mais em termos da qualidade do que da quantidade, considerando não somente o apoio familiar, mas de toda a equipe hospitalar. Toda a insegurança vivida pelo paciente é atenuada sabendo-se amparado e protegido. Em um momento tão difícil, é tranqüilizador saber que não se está sozinho, e que de alguma forma, as pessoas se mobilizam e acolhem (BOTEGA, 2006). Cabe ao psicólogo hospitalar o papel de auxiliar o paciente nessa fase importante do tratamento. O medo e dor estão presentes, dificultando ainda mais a situação vivida. O terapeuta, junto com o paciente, poderá aplicar procedimentos de ajuda como procurar tornar situações ameaçadoras mais seguras, auxiliando no reconhecimento e na expressão dos sentimentos vivenciados (BOTEGA, 2006). 60 1.4. AUTO-IMAGEM 1.4.1. Conceito Do momento de sua concepção até a morte, o ser humano passa por várias transformações, mudando não apenas sua aparência física, mas também a sua interpretação e percepção do mundo ao seu redor. Mas de todas as mudanças que ocorrem durante a vida humana, as que se referem ao corpo são as que mais ganham atenção e destaque (POLTRONIERI, 1995). A auto-imagem é um fator de grande importância pessoal e social. Por mais que as pessoas se contradigam, no convívio social a primeira avaliação que se faz é a aparência. Os seres humanos estão sempre observando a si mesmo e aos outros em busca de informações sobre a imagem corporal. Segundo Tommaso (2008, p.01), “... diversas emoções e sentimentos podem ser projetados ou inspirados nesta imagem: simpatia, antipatia, desejo, aconchego, rejeição e outros” (CASTILHO, 2001 E TOMMASO, 2008). Desde as culturas mais antigas, a simbologia da imagem corporal é exaltada pelo homem. Na Mitologia Grega, encontram-se personagens como Narciso, que se apaixonou pela sua própria imagem e morreu ao contemplá- la, e de Afrodite, a deusa o amor e da beleza, levada ao Olímpio para ser adorada e exaltada (CASTILHO, 2001). A história da civilização humana está diretamente ligada à estética e à beleza, que se constitui com o passar do tempo em uma das grandes preocupações do ser humano, uma vez que este fator provoca sentimentos de aprovação ou desaprovação social (MORI, 2003) Como conceito, tem-se a auto-imagem como a visão que se tem de si mesmo, a forma como cada um se vê, baseado em suas experiências vividas, na sua interação consigo mesmo e com o ambiente. Inclui formato, tamanho, 61 coloração, odor, percepção tátil, entre outros. Inclui também os sentimentos em relação a si mesmo e ao seu próprio corpo (TOMMASO, 2008). O indivíduo percebe a parte física com todos os seus pontos positivos e negativos, e muitas vezes nem mesmo se dá conta do que é uma característica individual ou estabelecida pela cultura que se está inserido. A construção da auto-imagem é dada como um todo, sem que a pessoa consiga separar os fatores que levam à sua formação psíquica (CASTILHO, 2001). Essa imagem de si mesmo é construída ao longo da vida. “O desenvolvimento da percepção corporal se dá de forma gradativa e contínua desde que nascemos (...). A forma de pensarmos, sentirmos e reagirmos frente à percepção de nossos atributos físicos vem influenciar na caracterização de nossa personalidade” (CASTILHO, 2001, p.03). Um fator importante para a construção da imagem corporal é a cultura. Cada sociedade possui um fator característico típico, que traz embutido o que é belo e o que é aceito. Variáveis como proporções de partes do corpo, cor da pele, o uso de cabelos longos ou curtos, especificidades faciais, entre outros, podem influenciar na integração social (TOMMASO, 2008). O conceito que se tem de beleza sempre foi cultural. Mas, em geral, a aparência física tem um significado importante no bem-estar das pessoas, e é um fator biopsicossocial relevante para o equilíbrio humano (ALVES, 2006). Mori (2003) destaca em seu texto que a importância da beleza na humanidade começa ainda na infância: A bel ez a e a at ração fí s i ca perm ei am as at i t udes e o com port am ent o hum ano. As pes s oas bel as s ão m el hores acei t as pel o out ro, pri nci pal m ent e no prim ei ro cont at o, o que lhes faci l i t a a int eraç ão s oci al . E es t a as s oci ação ent re bel ez a e acei t ação t em i ní ci o na i nfânci a: as pri nces as dos cont os de fada s ão bel as , os prí nci pes e os herói s s ão si m pát i cos , enquant o as brux as , os dem ôni os e os vil ões s ão des prez í vei s e fei os . As s i m , t oda a nos s a vi da de rel aç ão – aí s e i ns eri ndo a s ex ual i dade, a educação e o t rabal ho – é fort em ent e m arcada por es s es concei t os , que foram i ncul cados em nos s o im agi ná ri o i nfant i l (M OR I, 2003, p.06). A percepção da beleza, principalmente facial, sofre forte influência psicológica e é modificada pelo conhecimento. Para a grande maioria das 62 pessoas, a harmonia e a beleza da face têm enorme destaque e importância nos mais variados âmbitos da vida pessoal, social e econômica (MORI, 2003). Segundo Mori (2003), a atração facial é uma das mais importantes dimensões da aparência física. Ela é usada para encontrar as influências de atitudes, percepções e comportamento de crianças e adultos. Destaca ainda que, “... gostando ou não, convivemos com os conceitos de beleza impostos pela sociedade” (MORI, 2003, p.07). O padrão cultural de beleza se modifica com o passar do tempo e com novos padrões estabelecidos pela maioria. O que se cultuava em uma determinada época, hoje está em completo esquecimento. Um exemplo é a imagem da mulher frágil, delicada, com uma imagem sofrida, que não tomava sol e não se expunha socialmente. Nos tempos de hoje foi substituída pela imagem forte da mulher que trabalha, cuida da casa e dos filhos, faz esportes e se apresenta à sociedade bronzeada e com um largo sorriso estampado (CASTILHO, 2001). Ainda pode-se citar aqui alguns padrões de beleza culturais, que podem parecer bizarros para a maioria, mas que fazem toda a diferença na sociedade em que estão embutidos. Temos como exemplo as mulheres girafa na Tailândia, com suas argolas de metal para alongar o pescoço e os índios Caiapós (Raoni) com seus botoques de madeira no lábio inferior. Esses grupos culturais possuem uma auto-imagem diferenciada, dentro dos padrões sociais aprendidos (CASTILHO, 2001). A beleza causa sensação de perfeição e prazer em harmonia da forma. É tida como um valor social, e está relacionada à vida saudável e ao bem-estar. O belo é influenciado por uma infinidade de valores, entre eles os étnicos e os individuais, e expressa o que agrada de forma universal e que influencia nas atitudes e no comportamento humano (ALVES, 2006). A mídia estabelece padrões de beleza não alcançados pela maioria. Seu apelo é tão intenso que se pode claramente perceber a busca por produtos de beleza, por clínicas de estética, por academias e clínicas de cirurgias plásticas. E é uma busca de homens e mulheres, muitas vezes jovens e belos (ALVES, 2006). 63 A auto-imagem inclui as experiências vividas no passado, o que se vive no presente e quais as expectativas do indivíduo quanto ao seu futuro. Segundo Tommaso (2008, p.02), sua definição mais apropriada é “... a imagem ou figura que formamos do tamanho do nosso corpo em nosso psiquismo e nossas sensações, sentimentos e ações em relação ao tamanho e à forma de nosso corpo (...). Seria uma imagem tridimensional que cada um tem de si próprio.” O termo auto-imagem descreve o indivíduo consigo mesmo, com a imagem que tem de si. Mas a pessoa aprende a se reconhecer e a se avaliar de acordo com o olhar dos outros que a cerca. Ela sabe que a sua imagem muitas vezes é mais importante que suas experiências, habilidades, caráter, entre outras características pessoais, pois será sempre julgada por sua aparência (ALVES, 2006). É necessário que se tenha um espelho para ver o próprio rosto, pois não é algo acessível à própria visão da pessoa. A face humana não foi criada para agradar ao próprio indivíduo, mas sim aos que o cercam. Ou seja, o homem se vê e se reconhece através do olhar do outro (ALVES, 2006). A auto-imagem, por outro lado, é variável, pois se altera em função das mudanças corporais que ocorrem no indivíduo. Se algo vai mal com a imagem que se tem de si, todo o resto vai mal (ALVES, 2006). Mori (2003), fala da importância da harmonia e da beleza facial. Segundo ela, estes são conceitos impostos pela sociedade, e afetam o indivíduo tanto na vida social quanto na econômica. Relata em seus estudos que: P es s oas s at i s fei t as com s ua aparênci a e que s e cons i deram at raent es e s audávei s t endem a s er m enos vi t i m adas pel a depres s ão, pel a s oli dão e pel a fut il i dade. A aut o- im agem com prom et i da pode s er m ai s prej udi ci al , do pont o de vi s t a do des envol vi m ent o, do que de um defei t o fí s i co. Quant o m ai s s e concent ra a at enção em um a área part i cul ar, m ai or a poss i bi li dade de o indi ví duo adqui ri r um a aut oim agem negat i va des s a re gi ão (M OR I, 2003, p. 07). Há um interesse na qualidade de vida do ser humano, o que desperta a valorização da importância da aparência e da harmonia da face. A pessoa desfigurada está ligada à “monstruosidade” e isso “chama a atenção”, o que 64 deveria levar a uma preocupação com as possibilidades profissionais e relacionamentos interpessoais das pessoas que tiveram seqüelas decorrentes de traumas crânio-faciais (ALVES, 2006). A auto-imagem pode ser classificada como independente ou interdependente, termos que surgiram em estudos sobre diferenças culturais em valores e metas do trabalho, e hoje se justifica sua utilização como características ou atributos pessoais de cada indivíduo (GOUVEIA, SINGELIS E COELHO, 2002). A auto-imagem independente se define como um self delimitado, unitário e estável. É separado do contexto social, enfatiza as qualidades internas, os pensamentos e sentimentos. O indivíduo é tido como ser único, com expressão de si mesmo, que procura promover seus próprios interesses e objetivos, e que é direto e claro em sua comunicação. Ao pensarem sobre si, têm como referência suas próprias habilidades, suas características e seus atributos internos. Já ao pensarem nos outros, as características mais consideradas são as habilidades e os atributos internos e individuais, e não o contexto social em que estão inseridos, ou seus papéis sociais e relações interpessoais. Quando solicitada sua auto-descrição, são indivíduos com afirmativas pessoais e individualistas, usando adjetivos em sua expressão, que evitam mencionar atributos ou características que envolvam o contexto social, o papel social desempenhado e sua relação com outros indivíduos (GOUVEIA, SINGELIS E COELHO, 2002). A auto-imagem interdependente compreende uma dimensão ou postura flexível, contextualizada e relacional do self. O indivíduo com esta característica enfatiza os efeitos públicos externos, como o papel social que desempenha, seu posto ocupacional e status. Sua auto-imagem é construída com referência nas relações interpessoais, e compreendem aspectos distinguíveis, como pertencer ou se identificar com determinados grupos. É uma pessoa que se preocupa com o lugar que ocupa na sociedade, que se engajam em atividades apropriadas e que são indiretas na comunicação, que concebem seu self individual atrelado ao social. Buscam por relacionamentos interpessoais harmoniosos dentro do grupo social, tendem a estar atentas aos sentimentos e aos pensamentos alheios. Quando se solicita que este indivíduo 65 se descreva, ele usa termos como ser um bom amigo, um bom filho, entre outros. Provavelmente se recusaria ou faria com menor freqüência a indicação de atributos pessoais, com atribuição a processos internos ou condição individual (GOUVEIA, SINGELIS E COELHO, 2002). Os tipos e auto-imagem independente e interdependente não são incompatíveis, e em geral, as pessoas apresentam aspectos de um ou de outro em suas características pessoais. Estes conceitos de self diferenciados indicam a coexistência de pessoas individuais e sociais dentro de uma mesma cultura, com predominância ou não de um dos dois tipos de classificação, não se tratando de apenas uma única dimensão, mas de duas (GOUVEIA, SINGELIS E COELHO, 2002). Ao falar sobre a auto-imagem, Alves (2006) relata sobre a transformação facial após o traumatismo crânio-facial e sobre os problemas psicológicos envolvidos. Fala sobre a dificuldade de encarar a deformação, tanto por parte do paciente como dos outros a sua volta. Esta realidade, muitas vezes, provoca um sofrimento real naquele que possui a deformidade, “... somando-se as perdas físicas reais às perdas sociais, psíquicas, financeiras, profissionais, além da perda de alguns sonhos, a pessoa sente-se tão acuada que é como se não vivesse” (ALVES, 2006, p.70). Pessoas belas, satisfeitas com sua aparência e que se consideram atraentes e saudáveis, geralmente tendem a sofrer menos com a depressão, a solidão, o estresse, entre outros. O ponto de vista do desenvolvimento humano, a auto-imagem comprometida pode ser mais prejudicial do que um defeito físico real. Quanto mais o indivíduo concentra a sua atenção em uma área particular do corpo, maior a possibilidade de vir a adquirir uma autoimagem negativa (MORI, 2003). Segundo Mori (2003), em geral, indivíduos física ou facialmente atraentes provocam expectativa e impressão positivas, e conseguem maiores vantagens interpessoais. Relata ainda que, ao contrário, indivíduos portadores de deformidades faciais, geralmente, provocam respostas negativas nos outros, o que lhes exige melhores resultados e responsabilidade que aqueles esperados de pessoas belas, muitas vezes tratadas com maior benevolência. 66 Alves (2006) descreve sobre depoimentos de pacientes que citam o descuido, descaso, desrespeito, aflições e perdas enfrentadas no tratamento pós-acidente. Os pacientes reclamam da ausência de informações adequadas sobre o que aconteceu e sobre a gravidade dos ferimentos. Eles assustam-se com as reações de espanto das pessoas. Assustam-se principalmente com o fato de não serem reconhecidos por amigos e/ou familiares durante as visitas. Desta forma, a autora destaca que os pacientes passam a viver com a dúvida e a ausência de si mesmos, pois ao olharem sua imagem no espelho, sentem-se aniquilados, desamparados e com medo (ALVES, 2006). 1.4.2. A face humana e a auto-imagem A face ocupa um lugar privilegiado em todas as culturas humanas. Nela é possível perceber sensações que surgem como a linguagem articulada dispensando palavras, o riso, o pranto, a dor, a alegria, a tristeza, entre outros. A face e a parte mais exposta e mais conhecida, pois expressa o homem. É nela que a identidade se apresenta como fonte de sentidos e experiência pura. A face identifica o ser humano (ALVES, 2006). Mori (2003) relata que a face é útil nas relações sociais do indivíduo. Ele destaca que a face, como foco primário de identificação, é rica fonte de comunicação verbal e não-verbal, e que isso se dá graças aos músculos faciais complexos e altamente desenvolvidos, que reagem aos estímulos e dão origem às expressões. Relata ainda que as emoções positivas e negativas podem ser prontamente lidas na face, pois os seus músculos reagem aos estímulos, e originam expressões diversas, como as indicativas de zanga, alegria, tristeza, entre outras. As manifestações dos músculos faciais, decorrentes das emoções recebidas pelo indivíduo, são difíceis (ou impossíveis) de se ocultar, já que na maioria das culturas, a face é completamente exposta ao social, o que não ocorre com as outras partes do corpo, que são cobertas pelas roupas (MORI, 2003) 67 Alves (2006) destaca que o ser humano consegue uma incomparável e admirável sutileza e uma grande variedade de expressões faciais, que são capazes de expressar seu estado de espírito, independente de qual seja. A face é o primeiro e mais importante estímulo visual que se apresenta nos relacionamentos sociais e interpessoais. “Em contatos face-face mais demorados, é possível obter indícios sobre o comportamento do outro. Viver com uma face atípica pode gerar tensões para a pessoa e sua família” (ALVES, 2006, p. 18). Segundo Alves (2006), para que se tenha a dimensão da importância da face, se faz necessário que se estabeleça a sua representação na vida social, definindo palavras como estética, estereótipo e estigma. Destaca que: “A atração física, fator determinante na vida de relação, influencia de forma positiva ou negativa na interação entre pessoas” (ALVES, 2006, p.21). A estética é uma relação cultural do ser humano, e é ditada pelas normas e padrões impostos pela sociedade. Está diretamente ligada à história da civilização e se constitui em uma das grandes preocupações humanas, pois provoca sentimentos de aprovação e desaprovação social. A estética é importante para a saúde plena do indivíduo e para seu bem-estar, influi na aparência, auxilia na melhora da auto-estima e autoconfiança e ainda atua nos aspectos psicológicos do indivíduo (MORI, 2003). Porém, segundo Mori (2003), a estética não é absoluta, mas extremamente subjetiva. O tratamento do paciente interessado apenas na estética deve ser diferente daquele direcionado ao indivíduo que busca o alívio do sofrimento e da dor. Isso quer dizer que o tratamento estético é importante para a saúde plena e o bem-estar do indivíduo, já que atua sobre a aparência e tem influência sobre os aspectos psicológicos, e auxilia no aumento da auto-estima e da autoconfiança (MORI, 2003, p.25). O estereótipo reflete no comportamento individual. As pessoas que possuem defeitos estéticos têm maiores dificuldades na vida social, o quer resulta muitas vezes na limitação do seu potencial de desenvolvimento pessoal (ALVES, 2006). O termo estigma foi uma criação grega, com a intenção de evidenciar sinais corporais como algo extraordinário, ou mau (criminoso, traidor ou escravo) sobre o status moral do seu portador. Tratava-se de uma pessoa 68 marcada e ritualmente poluída, que deveria ser evitada, principalmente em lugares públicos. Atualmente, a palavra indica que se a pessoa tem uma marca que chama a atenção, ela afasta outras pessoas. O estigma impede a possibilidade de que outros atributos do indivíduo sejam notados (ALVES, 2006). As pessoas com seqüelas de traumatismo crânio-facial passam longe dos padrões de estética e estereótipos de beleza, e em muitos casos há cicatrizes que se tornam estigmas. Essas pessoas, geralmente, são avaliadas apenas pela sua aparência, e não pelas suas qualidades pessoais e capacidades. Mori (2003, p.09) relata em seus estudos que: Geral m ent e, os i ndi ví duos fí s i ca ou faci al m ent e at raent es provocam ex pect at i va e im pres s ão pos i t i vas , auferi ndo vant agens int erpes s oai s . Em cont rapart i da, as pes s oas port adoras de deform i dades faci ai s m ui t as vez es provocam res pos t as negat i vas nos out ros , s endo- l hes ex i gi dos m el hores res ul t ados e res pons abi l i dades que aquel es es perados de pes s oas m ai s at raent es , t rat ada com m ai or benevol ênci a. Alves (2006) destaca ainda que o estigma, como uma inabilidade para a aceitação social plena, segue todo um procedimento de discriminação e de segregação do indivíduo. Pode-se claramente notar a conotação de desumanidade aplicada à pessoa estigmatizada. É de difícil compreensão a sobrevivência psicológica dos indivíduos que enfrentam uma súbita transformação, como as seqüelas do traumatismo crânio-facial, e se transformam de pessoa normal para pessoa estigmatizada. Alves (2006, p. 93) relata em seus estudos sobre o processo de estigmatização e “... reforça a importância de olhar a pessoa com deformidade facial, em suas necessidades psicológicas juntamente com as necessidades físicas e jurídicas, possibilitando seu retorno à vida de relações sociais”. A depreciação da face, independente do motivo, atinge até mesmo os aspectos intelectuais e psicológicos do indivíduo, diminuindo a sua autoestima. Interfere inclusive na inserção do mercado de trabalho, principalmente em ocupações consideradas de prestígio ou de exposição ao público (MORI, 2003). As expressões emitidas pela face são importantes fatores de atração ou repulsão. A face produz a diversidade humana, é importante na expressão da auto-imagem e da comunicação com os outros. Algumas partes da face merecem destaque especial, como os olhos e a boca, por serem responsáveis 69 por grande parte das expressões faciais. Quando se olha de perto para a face, os olhos percorrem todos os seus traços e se concentram nos olhos e boca (ALVES, 2006). Um estudo sobre o comportamento dos olhos humanos pode trazer diversas revelações sobre o relacionamento interpessoal. A forma de olhar o outro indica se o encontro é amigável ou não, se é tímido ou atrevido, se é amoroso ou rancoroso. A posição, a forma e a intensidade do olhar fazem parte dos relacionamentos. (ALVES, 2006). Ao se dirigir o olhar a alguém, a resposta é quase que imediata, pois muitas vezes o olhar atrai. O olhar do outro não é marcado pela simples observação, e este fato pode ser observado quando, ao se perceberem olhadas, a maioria das pessoas tende afastar seu olhar (ALVES, 2006). Os olhos são estruturas de grande importância para o indivíduo. Dão sentido à comunicação social e trazem à luz a expressão de sentimentos. A capacidade de expressão dos olhos é tamanha que possibilitam o estabelecimento de comunicação com pessoas que não podem falar. É considerada por muitos como a forma mais confiável para se identificar as emoções. (ALVES,2006). Pequenas diferenças individuais nos olhos humanos são uma forma de registro, tão exclusivos quanto às impressões digitais dos dedos. Alves (2006) descreve que algumas mudanças emocionais podem interferir na dilatação da pupila dos olhos. Ela relata que essas mudanças estão além do controle do indivíduo e que, de certa forma, denunciam os verdadeiros sentimentos. Segundo Alves (2006), os sinais percebidos através da pupila são recebidos de forma inconsciente pelo organismo, que reage conforme os estímulos do ambiente. Se a pupila estiver dilatada, o indivíduo sentirá uma excitação emocional maior do que se a pupila estiver contraída. Outra região importante na face é a boca. Quando se estuda a boca, devem- se levar em conta inúmeras possibilidades de significados e representações. Este é um espaço íntimo, privado. Esta é uma parte do corpo que se sobressai na face humana. É através dela que os seres humanos iniciam seus conhecimentos sobre o mundo. Segundo Alves (2006), a boca é um dos órgãos mais importantes para a sobrevivência humana, pois é sinônimo de auto-preservação, auto-percepção e auto-imagem. 70 Para Mori (2003), a boca tem um importante papel na estrutura emocional do paciente. Ele relata que: O concei t o de aut o- im agem t am bém es t á fort em ent e rel aci onado à boca – part e int egr ant e da face – que repres ent a t oda um a concent raç ão de ex pres s ões s ens i t i vas , afet i vas e i ns t i nt i vas das at i vi dades da vi da. A boca perm i t e não s ó a i nges t ão de al im ent os , m as t am bém a s ua degus t aç ão, a art i cul aç ão de sons e pal avras e as ex pres s ões m ím i cas . O com prom et i m ent o da boca (...) acar ret a dis t úrbi os da fal a, da es t ét i ca e da m as t i gação e degl ut i naç ão, e pode provocar es t ado de depres s ão e s ent i m ent os de i nferi ori dade no i ndi ví duo, poi s um a part e im port ant e de s eu corpo foi perdi da ou al t erada (M OR I, 2003, p.12). A boca é responsável pelo beijo, que é um gesto ligado diretamente às expressões de carinho e está presente em diferentes culturas e formas de relacionamento. Beijar a mão é sinal de reverência e inferioridade de quem beija, na testa é gesto de cuidado e respeito, no nariz é uma forma paternal e de zombaria e na boca é sinal de amor e desejo sexual (ALVES, 2006). Segundo Alves (2006), a boca está diretamente ligada com o trabalho, com a cultura, com estruturas psíquicas e com as representações. É uma fronteira entre o mundo exterior e interior, pois é por ela que se entra o alimento e também a maioria das infecções (por germes) que acometem o cormo humano. A boca está articulada com novas práticas sociais e novas formas de dispor o corpo em sociedade, e é um acesso à privacidade e à intimidade. A autora relata que: “Quando mistura seus movimentos aos sons da respiração produz palavras e estas, tanto são capazes de construir como destruir pessoas e até o mundo” (ALVES, 2006. p. 32). Alves (2006) aponta que todas as sensações e/ou emoções passam pela boca. Ela concentra inúmeras expressões, permite a manutenção física e psíquica através da ingestão e deglutinação de alimentos e é a maior responsável pela comunicação verbal e não-verbal. A autora relata ainda que: A s ubj et i vi dade da boca é um tópi co im port ant e des t e es t udo. Fal o s obre pes s oas que t êm a boca e s uas funções bas t ant e com prom et i das ao l ongo do proces s o de res t abel e ci m ent o pós -t raum a, s e não com s uas funções i m poss i bi li t adas , com cert ez a, m ui t o li m it adas e dol ori das (ALVES , 2006. p. 28). Segundo Mori (2003), o conceito de auto-imagem está fortemente relacionado à boca, pois esta estrutura importante da face humana representa 71 toda uma concentração de expressões sensitivas, afetivas e instintivas das atividades da vida. Destacam também que a boca permite não somente a ingestão de alimentos, mas funções como a deglutinação, a articulação de sons e palavras e as expressões mímicas. O comprometimento dessa estrutura pode trazer distúrbios da fala, da estética e da mastigação, e ainda pode provocar estados psicológicos como a depressão e o sentimento de inferioridade no indivíduo, já que uma parte importante e funcional de seu corpo foi perdida ou alterada (MORI, 2003). Dentro da boca, estruturas importantes como a língua e os dentes são igualmente significantes. A língua, por ser um instrumento de palavra e discernimento de sabores, é responsável tanto pela expressão e como pelos prazeres da alimentação. Além da sua função física, como órgão auxiliar no aparelho digestivo (MORI, 2003). A língua possui grande sensibilidade e permite perceber a rugosidade das coisas. Aliada ao olfato, ajuda na percepção do sabor das coisas. Como órgão do discernimento e do sabor, separa o salgado, o doce, o azedo e o amargo (ALVES, 2006. p. 33). Os dentes são a estrutura mais rígida do corpo humano. Sua dureza é resistente ao tempo, a alguns ácidos e à incineração. Interiormente, o dente guarda uma ligação com a vida, pois pode ser usada na identificação de uma pessoa ou até mesmo uma cultura antiga (ALVES, 2006). Mori (2003, p.23) destaca que: “A forma, o tamanho, a cor e a função dos dentes e da boca, como todos os demais aspectos do corpo, tornam- se parte do quadro mental que o indivíduo cria sobre si mesmo”. Relata que esse padrão estético é refletido pelos valores familiares e sociais, e que diferenças entre o que se vê sobre si mesmo e o padrão normal podem causar extrema angústia mental ao paciente. Porém, alguns paciente, mesmo diante das pequenas melhoras, sentem-se satisfeitos e tem sua auto-estima reforçada. Os dentes se integram à imagem corporal do indivíduo, e mantém o equilíbrio funcional da boca e da face. Podem gerar sentimentos variados, como a vergonha e a ansiedade. Suas perdas resultam em desequilíbrio do sistema digestivo e danos à auto-estima, pois o paciente pode se sentir menos valorizado e mais dependente (MORI, 2003). 72 Indivíduos retrognatas ou prognatas, com alterações no perfil facial tegumentar, principalmente no sentido ântero-posterior, são considerados pela estética como menos atraentes. A estética dentária destaca também a importância de dentes claros e alinhados. Segundo Mori (2003, p.14), “... o alinhamento dentário é considerado mais importante, seguido pela aparência dentária, pela saúde dentária e pela aparência total” (MORI, 2003, p.14). A perda dos dentes compromete a face e o sorriso. Segundo Mori (2003), indivíduos com aspecto facial equilibrado são considerados mais atraentes, mais inteligentes, mais desejáveis como amigos e como amante e menos inclinados a agressões. Grande parte do organismo humano se regenera, mas os dentes não se regeneram. Isso pode indicar que, embora a perda dos dentes possa ser socialmente suportada, essa perda é sinônimo de regressão (ALVES, 2006). A ansiedade relacionada à deformidade dentária é fortemente influenciada pela própria visão do paciente no espelho e pelas reações de terceiros. O primeiro e principal efeito psicológico dessa seqüela é o sentimento de inferioridade gerado. È um sentimento gerado pelo estado emocional complexo e doloroso vivido pelo paciente, caracterizado por sensações de incompetência e inadequação (MORI, 2003). O tratamento dentário pode melhorar a qualidade de vida, mas o estado que a pessoa se encontra após o traumatismo crânio-facial é frágil e vulnerável. A alimentação e a aparência podem ficar comprometidas e o paciente pode se sentir mais fraco durante este período (ALVES, 2006). O uso da expressão: os dentes são o cartão de visita , mostra uma ligação dos dentes com a auto-imagem da pessoa e revela a sua importância na aceitação social. Alves (2006, p.40), revela que: ... pes s oas em qual quer i dade s e perdem os dent es ant eri ores , pri nci pal m ent e i nci s i vos cent rai s superi ores , podem s e s enti r envergonh adas e s em forças para real i z ar qual quer coi s a, enq uant o repõem o el em ent o dent ári o perdi do. (...) Ví t im as de t raum a podem perder um , poucos , vári os ou at é t odos os dent es abrupt am ent e no m om ent o do t raum a, ou durant e o perí odo de recuper aç ão (A LV ES , 2006. p. 40). Assim, uma das seqüelas do traumatismo crânio-facial é a perda dentária. Entre elas, destacam-se a avulsão de dentes, a sua descoloração, a necrose pulpar, a reabsorção externa, a diminuição do osso suporte marginal, 73 a heterogenia na retirada de fragmentos, a perda de função e as seqüelas neurológicas, sensoriais e motoras, entre outras. É importante que o profissional de saúde especializado tenha conhecimento das características da lesão e faça uma avaliação crítica, para assim tratar corretamente o paciente e reduzir o máximo possível essas seqüelas (ALVES, 2006, p.67). Mori (2003) destaca que, quando ocorrem perdas dentárias após o traumatismo, o organismo se desequilibra, principalmente em seu sistema estomatognático. Os indivíduos, geralmente, após a perda dentária, sentem-se menos valorizadas e mais dependentes, o que resulta em danos psicológicos. Destaca ainda que: “Pessoas com problemas estéticos dentários tem baixa auto-etima, e tendem a cobrir a boca quando falam, ou movem os lábios de forma artificial” (MORI, 2003, p.15). A boca é ainda responsável pelo sorriso. Segundo Alves (2006), um belo sorriso e dentes saudáveis são fatores importantes na auto-apresentação do indivíduo. O sorriso anuncia o bem-estar e a alegria, representa segurança e auto-satisfação, entre outros sentimentos agradáveis e atrativos. Através do sorriso, a pessoa pode demonstrar sentimentos e revelar mais sobre a importância da boca e dos dentes. Alves (2006, p.41) descreve que: ... as pes s oas com dent es l argos e boni t os cos t um am m os t ras um s orri s o ex age radam ent e i nt ens o, com l ábi os abert os , faz endo is s o i ncl usi ve em s it uações de m oderação; enquant o pes s oas com dent es rui ns ex pres s am um s orri s o fechado m es m o que fort em ent e m ot i vado para ex pl odi r em um a gargal had a a pl enos pulm ões . O ser humano possui um conjunto de músculos faciais que auxiliam no sorriso. No entanto, o modo de sorrir é diferente para cada indivíduo, levando em consideração seu estado de humor e a ocasião em que se encontra. A cultura e a forma de manifestação do sorriso variam de lugar para lugar. O sorriso é um gesto expressivo e universal, mas pode ser um comportamento modificado por diversos fatores, como a cultura, o tempo, o local e a interação social, entre outros (ALVES, 2006). Segundo Mori (2003), os sorrisos e as expressões faciais exprimem sentimentos transitórios e emoções diversas do indivíduo. Destaca que, um sorriso agradável, pode produzir uma aura que amplia a beleza facial e faz parte das qualidades e virtudes da personalidade humana. 74 O sorriso faz parte da constituição do rosto como uma característica especial. Ele transmite uma imagem de simpatia, de acolhimento, de bemestar, e de felicidade. “Representativo da essência da capacidade humana, além de ser um indicativo de prazer, o sorriso aliado às expressões faciais, tanto revela emoções como os sentimentos efêmeros” (ALVES, 2006. p. 42). Tal como o choro, o sorriso é o resultado da tensão muscular da face, da abertura de boca, da retração dos lábios, do exagero da respiração e das expirações intensas. Em alta intensidade, o sorriso implica também em vermelhidão da face e lacrimejar dos olhos. O sorriso muito intenso, aberto e radiante é um sinal de saudação e boa recepção, e se constitui em um dispositivo de atração amigável (ALVES, 2006). Para Alves (2006), o sorriso está associado ao bom acolhimento, e em geral. É um sinal de que se gosta de estar em um determinado lugar ou em companhia de uma determinada pessoa. O sorriso é uma resposta do organismo aos sentimentos. 1.4.3. Auto-imagem e traumatismo crânio-facial As pessoas constroem sua auto-imagem e convivem com ela de uma forma rotineira. “Não só é normal que as pessoas sejam conscientes da sua aparência, como também é freqüente se preocupar e estar insatisfeito com ela”. As mudanças sugeridas são vistas como opção de escolha, como as cirurgias plásticas e as maquiagens. O homem se sente no controle de seu próprio corpo e de sua auto-imagem. É como se nada no mundo pudesse abalar o que está estabelecido (ROSEN, 2003, p.387). Os acidentes de trânsito fazem vítimas todos os dias. Entre elas, diversas se encontram com traumatismos crânio-faciais severos. Por se tratar de uma região importante e sensível do corpo humano, a face é muitas vezes danificada, deixando seqüelas físicas e problemas com a auto-imagem do indivíduo (BARROS E MANGANELLO, 2000). 75 Alves (2006) relata sua experiência nos atendimentos aos pacientes com lesão crânio-facial: Os cont at os que ti ve com al guns paci ent es m e perm i t i ram perceb er a angús t i a e t ri s t ez a que s ent em e a bus ca pel a aparênci a ant eri or ao t raum a. Not a- s e um a es péci e de l ut o pel a aparên ci a e ident i dade perdi das que neces s i t am s er cons ci ent em ent e i dent i fi cadas , vi vi das e rees t rut uradas , para que es t as pes s oas pos s am cont i nuar s uas vi das com qual i dade a part i r do aci dent e, no qual , em s egundos , t i veram s uas vi das com pl et am ent e des or gani z adas em vi rt ude, t am bém , de s ua face des fi gu rada (ALVES , 2006, p.71). Mori (2003) explica que entender as expectativas estéticas do paciente muitas vezes é difícil, já que as emoções e os valores culturais estão envolvidos no processo de reabilitação, e que os valores do profissional e do paciente são freqüentemente diferentes. Destaca ainda que a estética, muitas vezes, provoca uma satisfação diferente daquela decorrente do agradável, do bom e do útil. Destaca que a beleza é expressa como aquilo que agrada universalmente, e que não tem relação com qualquer juízo moral, pragmático ou de valor. A beleza existe e agrada pela forma. Não tem nenhuma dependência com a atração sensível e nem com conceitos como utilidade ou perfeição. Ressalta ainda que, no entanto, “... a concepção do belo é influenciada por uma multiplicidade de fatores: étnico, individuais, culturais, etc.” (MORI, 2003, p.06). Segundo Mori (2003), as atitudes do grupo social no qual o indivíduo está inserido levam-no a desenvolver imagens pessoais do que venha a ser atraente, simpático, belo e bonito. Essas imagens pessoais desenvolvidas, por vezes, são diferentes daquelas dos demais indivíduos da sociedade. Em um mundo onde a competitividade (econômica, social ou sexual) é uma forte característica, uma aparência física agradável vai além do desejo pessoal, mas se torna uma necessidade. Um trabalho sério e multidisciplinar no hospital é estritamente necessário. “Torna-se fundamental a instituição de tratamento correto visando à obtenção de bons resultados funcionais e estéticos imediatos, para evitar seqüelas indesejáveis que podem resultar, muitas vezes, na marginalização social do paciente” (BARROS E MANGANELLO, 2000, p.99). O rosto está diretamente ligado aos relacionamentos humanos. Ele é a expressão e a representação da identidade do indivíduo. É através dele que os 76 seres humanos se reconhecem e se apresentam. A face fornece informações através de gestos, mesmo que de forma inconsciente. Os documentos de identificação trazem sempre a foto do rosto da pessoa, o que reforça a importância social desta parte do corpo (ALVES, 2006). Devido à sua importância na vida da pessoa, a face precisa estar em harmonia com a estética. Para Alves (2006, p.15), “O rosto desfigurado foge a todos os padrões de estética e beleza preconizados e a pessoa com deformidade facial passa a conviver com um estigma”. Os ferimentos localizados na face, devido à complexidade funcional, criam dificuldades para o indivíduo, pois prejudicam a sua harmonia estética. Estes ferimentos, quando deixam cicatrizes permanentes, podem acarretar danos à sua vida social, profissional, afetiva, etc. (ALVES, 2006). Ao se verem diante de uma seqüela após um trauma crânio-facial, geralmente as pessoas se sentem desnorteadas, com sentimentos confusos e ameaçadores. Quando a seqüela é de grande proporção, o indivíduo chega a perder sua identidade, sem saber quem realmente é. Nestes casos, os fatores de construção de sua auto-imagem fazem toda a diferença (POLTRONIERI, 1995; BARROS E MANGANELLO, 2000). As expectativas dos pacientes acerca dos tratamentos oferecidos, sendo eles provisórios ou temporários, encontraram forte preocupação com a estética, com ênfase na aparência anterior ou ao menos natural. Entre os fatores mais importantes para a busca do tratamento, os pacientes listam com freqüência a aparência e a dor e por último o comprometimento funcional (MORI, 2003). O psicólogo hospitalar sabe que, após uma avaliação cuidadosa das queixas dos pacientes, há a possibilidade de se localizar o ponto gatilho psíquico e o tratamento adequado da dor total do paciente. Este ponto gatilho psíquico pode ser encontrado naquilo que a autora chama de “... o instante em que falta a imagem de si”. O paciente, entre o estranho e o familiar, sente-se desamparado diante de si mesmo, e a sua imagem real se encontra entre o belo e o horrível, fato este que o deixa despojado de suas defesas. Ao faltar a imagem íntima, que é o retrato de si mesmo, sua incompletude se torna 77 evidente e o paciente é invadido pelo sentimento de angústia (ALVES, 2006, p.72). Geralmente, após o traumatismo crânio-facial, os mais tímidos encontram um equilíbrio emocional mais rapidamente, com maior aceitação do infortúnio. Já os indivíduos que vivem em constante interação social, o fato de se encontrarem seqüelados é como uma verdadeira catástrofe. São mais propícios ao desespero e às outras patologias, como a depressão e estresse pós-traumático (BOTEGA, 2006). O fator religioso também é algo importante a ser considerado. Em geral, as pessoas com uma religião pré-estabelecida e com fé interior estão mais propícias à aceitação e à submissão do fato ocorrido. Correspondem melhor ao tratamento oferecido e se agarram às oportunidades possíveis de redução das seqüelas (BOTEGA, 2006). Tem-se ainda como fator importante o acolhimento familiar e social. Quando se pode contar com pessoas confiáveis, que se encontram presentes durante todo o tratamento, o paciente consegue se restabelecer mais rapidamente. Sentir-se amado e protegido faz toda a diferença, e o indivíduo consegue superar o trauma inicial e buscar os tratamentos disponíveis com mais segurança (BOTEGA, 2006). Segundo Alves (2006), o paciente com seqüelas após o traumatismo crânio-facial passa por um momento difícil quando se dá conta da gravidade do seu problema. Ela destaca em seu texto que: A part i r do mom ent o em que o i ndi ví duo t orna- s e cons ci ent e de s er um obj et o de m al efí ci o – nes t e cas o, doent e, m ui t as vez es , t rans fi gur ado de form a i rrepar ável e, t em porari am ent e dependent e de cui dados – acaba pers uadi do pel o própri o grupo (parent es , am i gos e equi pe de s aúde) de que es t á condenado, pri vado de s eus el os fam i l i ares e s oci ai s e ex cl uí do de s uas at i vi dades e funções que pos si bi l it avam o s eu s ent i m ent o de pert enci m ent o (A LV ES , 2006, p.71-72). O indivíduo traumatizado com seqüelas, quase sempre se vê diante de um problema com pouca ou nenhuma solução. “Alguns pacientes (...) precisam de ajuda quanto a gerar respostas comportamentais de enfrentamento em situações que compreendem ser incomodados, posto em ridículo ou observados fixamente por outras pessoas” (ROSEN, 2003, p.411). 78 Segundo Mori (2003), a mudança causada pelo traumatismo crâniofacial pode provocar traumas emocionais, desencadeadas pela quebra na harmonia estética. Para ele, a relação entre a imagem do corpo e a auto-estima é forte. Mudanças corporais podem afetar o indivíduo, levando-o a revisar aquilo que considera como sua imagem. Em casos de deformidade facial pós-trauma, Alves (2006) relata que, quando o paciente não consegue se identificar e se reconhecer, há um rompimento consigo mesmo. Ela destaque que o ser humano, vive com um receio de não ser aceito socialmente como se é. Diante da possibilidade de diminuição da pessoa (defeitos naturais, inferioridades físicas, intelectuais ou morais ou diferenças causadas por doenças ou tragédias), e se ela não é o que deseja ser, pode vir a entrar em desespero. Em caso de traumatismo, ao paciente deseja ser alguém que não é naquele momento. Segundo a autora, é preciso que o psicólogo hospitalar ajude a criar pontes entre o que se foi no passado e o que se é agora, para que o paciente possa se encontrar novamente (ALVES, 2006). A pessoa com seqüelas faciais apresenta diversas dificuldades advindas da complexidade da região com relação aos aspectos anatômicos, funcionais e estéticos. Para Alves (2006, p.46-47): ... é s i gni fi cat i va a percepç ão de que pes s oas que nas cem com deform i dades faci ai s fi cam cada vez m ai s s at is fei t as após i nt ervençõ es ci rúrgi c as , poi s s e di s t anci am da i m agem ant eri or e aproxi m am - s e cada vez m ai s de um a i m agem cons i derad a norm al e i deal iz ada (m odel o). P es s oas que t êm s eu ros t o modi fi cado em ques t ões de mi nut os /s egundos decorr ent es de t raum as , fi cam cada vez m ai s ins at i s fei t as após as i nt ervenções ci rúrgi c as , poi s s e cons ci ent i z am cada vez m ai s da di s t ânci a da im agem ant eri or, que pas s a a s er - para a m ai ori a das pes s oas com deform i dade faci al pós t raum a – m odel o de refer ênci a, o obj et i vo a s er al canç ado. A im agem ant eri or é i deal i z ada, poi s é cons i derada perdi da. Alves (2006) relata que há uma interferência na qualidade de vida do indivíduo com deformidade facial. Essa interferência o coloca na condição de vulnerável, tornando-se de fundamental importância a exploração e a compreensão dos processos físicos e psíquicos pelos quais os pacientes traumatizados passam, assim como o respeito aos preceitos éticos nos atendimentos de emergências, na hospitalização e em tratamentos futuros. 79 As seqüelas advindas do traumatismo crânio-facial, geralmente, trazem ao paciente uma má adaptação psicológica e possíveis problemas de conduta, em virtude do especial significado da face para o indivíduo. Alves (2006, p.95), destaca que “... as pessoas sem atrativos físicos, com deformidades faciais, são estereotipadas negativamente, recebem menos tempo e atenção dos outros, são menos contratadas e seu trabalho tem menor valor”. Quando alguém sobrevive a um acidente automobilístico e teve a sua vida em risco, em casos de deformidades de qualquer espécie ou perda de alguma função física, geralmente os parentes e amigos procuram não valorizar essa perda. Esse fato se dá, talvez, na tentativa de diminuir o sofrimento do paciente e o próprio sofrimento, pois estar vivo é o sempre o mais importante (ALVES, 2006). A autora relata que, além dos riscos e ameaças de deformação, existem ainda outros fatores que podem prejudicar o paciente e colocá-lo em perigo e/ ou deformá-lo psicologicamente: A depressão e o estresse pós-traumático. Esses sintomas podem ser sentidos ainda no ambiente hospitalar, durante o contato com outras pessoas. Mas os riscos são principalmente na volta para casa, quando o paciente constata que, geralmente, a reação das pessoas é um encolher de ombros e frases baratas e evasivas (ALVES, 2006). Muitos pacientes, após o tratamento e a diminuição das seqüelas, tendem a aumentar a sua auto-estima, melhorar a sua auto-imagem, manifestar mais autoconfiança e obter melhores oportunidades na carreira e na vida social. Esses pacientes passam a valorizar a vida e a zelar pela manutenção da saúde (MORI, 2003). 1.4.3. Auto-imagem: perda, pesar e luto O luto é o acontecimento mais grave experienciado pela maioria dos seres humanos. Ele pode influenciar a saúde do indivíduo, e esta influência pode ser tanto na saúde física quanto na saúde psíquica (ALVES, 2006). Alves (2006) relata que os processos de perda, pesar e luto são encontrados nas pessoas com deformidade facial adquirida após o traumatismo 80 crânio-facial. Segundo a autora, as perdas repentinas e violentas podem ser fatores de risco no processo de luto por serem mais difíceis de serem elaboradas. As palavras de pesar e luto são utilizadas em seu trabalho com os seguintes significados: “Pesar é utilizado para falar da experiência de tristeza profunda ou violenta, enquanto que luto implica a expressão dessa tristeza” (ALVES, 2006, p. 75). Ela afirma ainda que o luto é seguido pela privação e que perda e privação são inseparáveis. Para a autora, o pesar é a reação à perda, e que o pesar do luto pode ser fraco ou forte, imediato ou adiado, breve ou prolongado. As situações de perda enfrentadas pelo paciente traumatizado são diversas. Essas perdas podem ser concretas (físicas, financeiras, etc.) e/ou abstratas (subjetivas, como a auto-estima). Alves (2006, p.99) relata também que “... o sofrimento dos pacientes não é só pela perda física, desfiguramento ou mau funcionamento, mas também pela desintegração da vida social, familiar e toda dimensão emocional...” É necessário que o profissional de saúde tenha consciência de que o paciente que se submeteu anteriormente a tratamentos restauradores convencionais mal-sucedidos já tem sua auto-estima e autoconfiança abaladas, e que este fato pode gerar grandes expectativas e possíveis frustrações quanto ao resultado do tratamento. Mori (2003, p. 23) destaca ainda que, “... para muitos pacientes, a aparência e a auto-imagem são mais importantes que a saúde”. Segundo Alves (2006), esses pacientes se encontram muitos enfraquecidos após o acidente, e a crise que eles vivem está acompanhada da perda do sentido da vida, da perda do controle dos fatos e da perda da própria força para reagir. A perda não se refere somente a pessoas, mas a qualquer processo de mudança de vida. Implicam no desaparecimento de uma condição antiga, conhecida e segura, e a passam obrigatoriamente para uma nova e desconhecida fase. Alves (2006) relata que a perda é um dos processos mais desorganizadores da vida humana. O processo de perda, pesar e luto, na sua totalidade, não envolvem apenas paciente, vítima de traumatismo crânio-facial, mas também os 81 familiares e amigos, que pode estar interferindo de maneira positiva ou negativa na sua recuperação. Muitas vezes, esse comportamento não é consciente e, a família e os amigos, acreditam estar agindo da forma correta e só desejam ajudar (ALVES, 2006). A perda da auto-imagem é aflitiva e pode originar um longo processo de pesar e luto. Alves (2006, p.77) relata que: Quando s ofrem o t raum a, m es m o que não fi quem hos pi t al i z adas , preci s am fi car afas t adas de s uas at i vi dades s oci ai s para recuper aç ão de s eus feri m ent os , agua rdando ci rurgi a. Após a ci rur gi a, fi cam aproxi m adam ent e 40 a 60 di as com cont enção na boca, im pos s i bil i t ados de com er e fal ar e, port ant o, ai nda afas t ados das at i vi dades s oci ai s . Quando ret i ram a cont enção ai nda preci s am es t ar dis poní vei s para cont i nuação do t rat am ent o porque o s ervi ço públi co pode cham ar a qual quer hora e di a, o que t am bém não perm i t e que t rabal hem . Nes t e perí odo, a m ai ori a del es não cons egue aux í li o doença ou apos ent adori a e fi cam s em condi ções fi nancei ras de s e m ant er, com prar m edi cam ent os e cui dar das fam í l i as (enquant o as t êm ). Segundo Alves (2006), as mudanças advindas do traumatismo crâniofacial podem trazer alterações na potencialidade de realização do indivíduo em sua vida pessoal e profissional. Esses pacientes enfrentam o medo frente ao desconhecido, desde o desenrolar da recuperação, aos tratamentos dolorosos e invasivos. Estas situações vividas pelo paciente podem implicar situações semelhantes ao processo de perda por morte. Uma das perdas que o paciente traumatizado deve enfrentar, segundo Alves (2006, p.75), “... vem do não reconhecimento de si mesmo em frente ao espelho e, a partir de então, muitas outras que ocorrem ao longo do percurso do tratamento para restabelecimento de funções e da estética”. Esse paciente, assim que se dá conta de sua perda, dá início a um sentimento de pesar e à experiência do luto, em busca de parte de si desaparecida. Esse paciente se olha no espelho, procura e não se encontra. Os sintomas mais comuns encontrados no processo de luto são: nervosismo, depressão, medo, sensação de pânico, tremores persistentes, pesadelos, insônia, alteração do apetite e do peso, redução da capacidade de trabalho e fadiga (PARKES, 1998 apud ALVES, 2006). Para Alves (2006), ao elaborar o luto, o paciente encontra a possibilidade de encontrar novos significados para as questões que norteiam sua vida. O paciente que não consegue elaborar o seu luto pode vir a ter 82 complicações médicas e/ou psicológicas. Assim, “... o luto não é um estado e sim um processo de aprendizagem no qual se compreende progressivamente cada mudança ocorrida e se estabelece um novo conjunto de concepções sobre o mundo” (Alves, 2006, p.90) A emoção do luto pode ser semelhante a uma doença. Cada indivíduo fica enlutado à sua maneira, pois o luto é uma experiência pessoal e única. Comportamentos como esquiva ou fuga do luto podem causar ansiedade excessiva, confusão mental e depressão (ALVES, 2006). A autora destaca ainda que, para que se possa delinear a intervenção psicológica necessária, a forma como o luto afeta o comportamento da pessoa e da família deve ser considerada. Entretanto, a crise vivida durante o luto pode vir a ser positiva, pois esta implica em reorganizações e mudanças nos hábitos de vida (ALVES, 2006). 83 Discussão Os acidentes de trânsito são cada vez mais freqüentes e mais violentos. Isso se dá devido ao aumento de velocidade dos motoristas, tanto nas estradas como nas cidades, aos novos veículos fabricados mundialmente, com estruturas mais frágeis e motores mais potentes, e aos fatores de risco assumidos pelos usuários do trânsito, como o uso de substâncias psicoativas, a desatenção, a imprudência e a imperícia (MARÍN-LEÓN E VIZZOTTO, 2002, MAURO, 2001 e MARTINEZ FILHO, 2006). Para falar sobre os acidentes de trânsito, Batista (1985), Rozestraten (1988), Mauro (2001) e Vasconcelos (1998) definem o conceito de trânsito, que é o deslocamento das pessoas nas vias públicas, ou seja, o comportamento de deslocamento dos indivíduos nos espaços terrestres comuns, feito de formas diversas, conforme a necessidade de cada um. Envolve a circulação de veículos, pedestres e animais. Trata-se de um evento não apenas de caráter individual, mas político-social. Por muitas vezes ocorrem atritos durante o deslocamento, causando os acidentes. Estes eventos são, em sua maioria, imprevisíveis e não intencionais. E os prejuízos são grandes e envolvem o físico, o financeiro e o social. Os acidentes de trânsito, por muitas vezes, levam ao óbito ou a seqüelas irreversíveis. E nosso país, os estudos que envolvem os acidentes de trânsito são escassos, e poucas são as ações de prevenção e controle (QUEIROZ E OLIVEIRA, 2003 e MAURO, 2001). Diariamente, um grande número de vítimas de acidentes automobilísticos dá entrada nos hospitais, muitas delas com traumatismos graves e fatais. Muitos desses acidentes envolvem o traumatismo crâniofacial, por se tratar de uma região vulnerável do corpo humano (SOUSA, REGIS E KOIZUMI, 1999, WULKAN, JUNIOR E BOTTER, 2005 e MONTOVANI et al, 2006). Segundo Barros e Manganello (2000), Lima Junior (2005) e Pinto e Saraiva (2003), o traumatismo crânio-facial é aquele que envolve as regiões anatômicas e funcionais do crânio e/ou da face (partes moles, ossos, dentes e 84 estrutura capilar). É no crânio que se situam todos os cinco sentidos, importantes para a sobrevivência. E também é a estrutura que protege o que se tem de mais valioso para manutenção da vida: o cérebro humano . Willermann (2003) destaca que os tipos de traumatismo crânio-facial são diveros. Estão diretamente relacionados à intensidade do trauma, e podem causar ferimentos cutâneos e/ou ósseos. Os cutâneos podem ser classificados como cortantes, lacerantes, abrasivos ou com perda de substâncias. Já os ferimentos ósseos são classificados como Le Fort I, Le Fort II e Le Fort III. Bonfim (2006), Colombini (2008), Alves (2006), Collares (2001) e Barros e Manganello (2000) relatam que a recuperação do paciente depende de diversos fatores como os processos de cicatrização, da localização do trauma, do tipo de atendimento recebido, e de fatores pessoais, como o tipo de pele e estrutura óssea, e ainda de fatores como sexo, idade, etc. As principais seqüelas desse tipo de traumatismo são as cicatrizes aparentes, os afundamentos ósseos, as perdas dentárias e os danos ao globo ocular. A fratura de mandíbula é a mais comum nos traumas. Segundo Oliveira (2008), Sousa, Regis e Koizumi (1999), Montovani et al (2006), Bonfim (2006) e Benincasa (2003), os traumatismos crânio- faciais ocorridos no trânsito são os mais freqüentes. O uso correto do equipamento de segurança reduz muito esse tipo de trauma, mas muitas pessoas não fazem o uso correto desse dispositivo. A presença de equipes de emergência e de pessoal especializado nos primeiros socorros e no atendimento em geral, são fatores importantes na redução de seqüelas permanentes. Pela grande incidência de acidentes de trânsito no país, sua ocorrência passou a ser considerada com um problema de saúde pública. Com a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), houve a necessidade de criação de infra-estrutura adequada para o atendimento aos pacientes de trauma e de implementação de uma equipe de profissionais de saúde, com conhecimento e manejo de técnicas específicas para atendimento emergencial e especializado (BONFIM, 2006, ALVES, 2006 e BENINCASA, 2003). Alves (2006), Bonfim (2006) e Mori (2003), destacam que, f atores como a ênfase nos direitos humanos e no respeito à dignidade individual, fazem parte das principais conquistas brasileiras alcançadas pelo SUS. O 85 cuidado com a dor do paciente e com a redução de seqüelas é uma das grandes preocupações da equipe de atendimento à saúde. Por vezes, a demora no atendimento e procedimentos desnecessários prejudicam a boa recuperação das vítimas, o que pode deixar seqüelas permanentes como mutilações, perda de função ou deformidades. O psicólogo inserido na equipe de saúde é algo recente. O psicólogo utiliza seu conhecimento na promoção e manutenção da saúde, na prevenção e no tratamento da doença, na identificação da etiologia e no diagnóstico relacionado à saúde, à doença e às disfunções, bem como no aperfeiçoamento do sistema de política da Saúde. As estratégias de intervenção estão cada vez mais atualizadas e amplas com o surgimento de novas concepções sobre a saúde. Outra função específica do psicólogo da saúde são as pesquisas constantes realizadas na área, o que proporciona um atendimento mais apropriado (MIYAZAKI, DOMINGOS e CABALLO, 2001, CARVALHO, 2002, FREIRE, 2006, MARÍN-LEÓN E VIZZOTTO, 2002, MAURO, 2001 e LALONI, 1997). Freire (2006), Traverso-Yérpez (2001) e Reis, (2005), destacam que o atendimento atendimento, psicológico que se na mostra saúde segue totalmente o modelo funcional às biopsicossocial de necessidades dos pacientes. Esse modelo traz a multidisciplinaridade ao atendimento à saúde, e ressalta o papel significativo dos aspectos psíquicos e sociais do indivíduo. As instituições de saúde, dentro de uma perspectiva biopsicossocial e auxiliadas pelo trabalho da Psicologia, trazem a humanização aos pacientes, que passam a ser visto em sua totalidade. È papel do psicólogo da saúde identificar as variáveis do modelo biopsicossocial, analisá-las e propor soluções para modificação e controle, em benefício do paciente (FREIRE, 2006, TRAVERSO-YÉRPEZ, 2001e REIS, 2005). Aguiar et al (2004), Starling (2001), Rangel (2008), Alves (2006), Amaral (1997), Freire (2006), Speroni (2006) e Poltronieri (1995), relatam que o psicólogo na saúde atua em diversos contextos. Entre eles destacam- se os ambulatórios, as enfermarias, os serviços de pronto-atendimento e de emergência, as unidades de terapia intensiva (UTIs), os centros cirúrgicos, os centros de saúde-escola, as comunidades, as faculdades, etc. Suas principais 86 atividades são a avaliação, o diagnóstico, a atuação multidisciplinar, o auxílio, acolhimento e intervenção em função da recuperação, o atendimento pediátrico e o atendimento ao trabalhador. Para Botega (2006), Castilho (2001), Poltronieri (1995), Speroni (2006), Amaral (1997) e Alves (2006) o psicólogo hospitalar atende à demanda expressa pela instituição. Sua inclusão na equipe multidisciplinar é algo novo. Sua função são as constantes intervenções com os pacientes em aspectos comportamentais como dor, depressão, ansiedade, medo, raiva, apatia, alguns decorrentes da própria doença ou em decorrência das contingências estabelecidas pelo tratamento. Os pacientes, com freqüência, enfrentam o isolamento e/ou restrição advindas das internações, o que tendem a trazer a perda da sua autonomia, o que faz do psicólogo hospitalar um grande aliado da equipe de saúde. Amaral (1997) e Rangel (2008) destacam que, dentro da instituição hospitalar, em geral, o psicólogo utiliza-se de controle por reforçamento positivo, evitando práticas coercitivas/aversivas no tratamento. Porém, o trabalho do psicólogo hospitalar ainda está longe de ser realizado de maneira satisfatória. Os profissionais estão em constante busca por um lugar definido para a Psicologia no contexto hospitalar, já que esse lugar é essencialmente de escuta. Mas deve-se destacar que esta escuta é diferenciada e privilegiada, e traz grandes auxílios aos pacientes (ALVES, 2006, SPERONI, 2006, FREIRE, 2006, AMARAL, 1997 e POLTRONIERI, 1995). Para Botega (2006), Speroni (2006), Barros e Manganello (2000), Alves (2006) e Amaral (1997), os primeiros cuidados com o paciente que sofreu com traumatismo crânio-facial devem ser iniciados logo após o acidente. Esse paciente vive fases diferentes durante o processo de recuperação, que vão do saber-se vivo após o acidente até a fase de tratamento e total recuperação. A presença do psicólogo hospitalar é de fundamental importância nesse processo vivido pelo paciente, pois pode trazer segurança nas situações ameaçadoras do tratamento ao traumatismo crânio-facial. Ao falar sobre lesões crânio-faciais, é necessário um conhecimento da importância da auto-imagem para a estabilidade emocional humana e para sua socialização. A face é o “cartão de visitas” da pessoa. É a estrutura do corpo 87 humano de maior importância para a socialização e para a estabilidade emocional e financeira do indivíduo. Por isso é necessário que se conheçam os problemas causados nessa região específica do corpo e os possíveis tratamentos disponíveis (CASTILHO, 2001, MORI, 2003, TOMMASO, 2008, ALVES, 2006). Segundo Alves (2006), Mori (2003) e Caballo (2003), as pessoas estão sempre se observando e observando aos outros em busca de informações. A auto-imagem é um fator pessoal e social importante. A auto-imagem é a visão que se tem de si mesmo, a forma como cada indivíduo se vê. Essa imagem é construída com base nas experiências vividas, na interação consigo mesmo, com o outro e com o ambiente. Inclui o formato, o tamanho, a coloração, o odor, a percepção tátil, entre outros sentidos. A auto-imagem inclui também sentimentos em relação a si mesmo e ao seu próprio corpo. Ela é construída ao longo da vida. Neste trabalho, a autoimagem foi classificada como independente ou interdependente. A autoimagem é variável, pois se altera em função das mudanças corporais que ocorrem ao longo do tempo. Se algo vai mal com a imagem que se tem de si mesmo, tudo o mais fica comprometido (GOUVEIA, SINGELIS E COELHO, 2002, ALVES, 2006 e MORI, 2003). Alves (2006) e Mori (2003) destacam que cultura é um fator importante para a construção da auto-imagem. A face ocupa um lugar privilegiado em todas as culturas humanas. A face é um importante estímulo visual, e influencia nos relacionamentos sociais e interpessoais. Para se conhecer a importância social da face, este trabalho definiu temas como estética, estereótipo e estigma. E ainda destacou as partes mais importantes da face e suas principais funções. Para Barros e Manganello (2000), Alves (2006), Mori (2003), Botega (2006), Castilho (2001) e Poltronieri (1995), o traumatismo crânio-facial pode deixar seqüelas físicas e psicológicas na vítima. Por se tratar de uma região importante do corpo humano e de grande complexidade funcional, as seqüelas faciais criam dificuldades para o indivíduo, pois prejudicam a harmonia estética e muitas vezes trazem danos sociais, profissionais e afetivos . 88 Muitas são as expectativas dos pacientes acerca dos tratamentos oferecidos atualmente, sendo eles provisórios ou temporários. Em casos de deformidade facial pós-trauma, geralmente o paciente não consegue se identificar e se reconhecer, fato que faz do psicólogo hospitalar um importante aliado em sua fase de recuperação (CABALLO, 2003, ALVES, 2006 e MORI, 2003 e TOMMASO, 2008). Alves (2006), Mori (2003), Botega (2006) e Tommaso (2008) relatam que os pacientes traumatizados se sentem enfraquecidos após o acidente. Muitas vezes, perdem o sentido da vida, o controle dos fatos e a força para reagir. As mudanças vividas após o traumatismo crânio-facial podem trazer alterações na vida pessoal e profissional do indivíduo. Alves (2006) e Mori (2003) destacam ainda que estes s ão pacientes que, desde o desenrolar da recuperação, enfrentam tratamentos doloridos e invasivos. O presente trabalho fala sobre os processos de perda, pesar e luto vividos pelos pacientes com traumatismo crânio-facial, já que esse paciente se encontram muitas vezes enfraquecidos e confusos em relação ao tratamento e recuperação. Esse trabalho relaciona o traumatismo crânio-facial, o paciente acidentado e os possíveis danos causados à sua auto-imagem, devido às seqüelas deixadas pelo acidente de trânsito. Está relacionada também à psicologia da saúde e à atuação do psicólogo, tanto no contexto geral quanto na instituição hospitalar (ALVES, 2006, MORI, 2003, TOMMASO, 2008, FREIRE, 2006, RANGEL, 2008, AMARAL, 1997 e CABALLO, 2003). Estudos dessa natureza são de grande importância para a Psicologia. É função do psicólogo inserido na saúde o cuidado com a auto-imagem do paciente e com seu bem estar individual e social. Com o crescimento de profissionais inseridos nesta área, exige-se que o profissional busque conhecer os problemas reais vividos pelos pacientes, para que se proporcione um atendimento concreto e humanizado (ALVES, 2006, MORI, 2003 e CABALLO, 2003. O material bibliográfico e de pesquisas referentes a este assunto é escasso, tanto no contexto geral como na Psicologia. Os traumatismos crâniofaciais são pouco citados em textos de especialistas, como cirurgiões plásticos 89 e dentistas, e quase sempre se referem apenas aos cuidados físicos do paciente. Isso dificulta o trabalho dos profissionais da saúde e principalmente dos psicólogos hospitalares, pois ficam desamparados nos atendimentos aos pacientes traumatizados. É importante que a psicologia esteja atenta aos problemas vividos pelos pacientes acidentados de trânsito, que tiveram seqüelas advindas de traumatismo crânio-facial, para que assim se possam identificar quais os principais problemas relacionados à auto-imagem vividos por eles e levar o quanto antes a ajuda psicológica necessária. Devido à sua grande importância para o homem, a auto-imagem é um objeto de estudo relevante para a psicologia. Conhecer as funções que a estética desempenha na vida humana ajuda o profissional a ter uma intervenção mais precisa e fidedigna. É através desse conhecimento que se pode levar um apoio concreto ao indivíduo seqüelado por traumatismo crâniofacial. 90 Conclusão Os acidentes de trânsito são uma triste realidade brasileira. Todos os dias têm-se notícias de acidentes graves, com vítimas fatais ou em estado de saúde agravado. Mas essa realidade é ainda mais grave vista do contexto hospitalar. Felizmente, muitas delas recebem os primeiros atendimentos especializados ainda no local, já que serviços como o SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) e Bombeiros, que estão cada vez mais preparados para os atendimentos emergenciais. Pelo país, diversas vítimas chegam aos hospitais diariamente, com diferentes tipos de traumas, à espera de atendimento adequado. E muitas dessas vítimas sofrem traumatismo crânio-facial, devido à fragilidade dessa região do corpo e à sua posição anatômica do corpo. Tanto em veículos automotivos, motocicletas, bicicletas, e pedestres, a face costuma ser a primeira parte do corpo a ser atingida. A face é uma estrutura importante para o equilíbrio emocional do ser humano. Lesões nessa região podem acarretar em seqüelas graves, às vezes sem uma total recuperação. O paciente, ao se dar conta do acontecido, vê-se diante de um problema nunca antes pensado. É um período de adaptação e o apoio da família costuma ser muito importante neste momento. O paciente traumatizado crânio-facialmente geralmente se encontra fragilizado, e em muitos casos com sérios riscos de vida, por se tratar de uma região frágil do corpo humano. E o trabalho do psicólogo hospitalar na equipe multidisciplinar é auxiliar esse paciente a ser restabelecer. É sua função a avaliação do paciente, fazer e repassar para a equipe o diagnóstico da vítima, dar apoio ao paciente e aos seus familiares e instruí-lo sobre o tratamento e sobre as possíveis intervenções a que precisará ser submetido. O profissional da Psicologia é fundamental durante todo o processo de recuperação da vítima, desde os primeiros atendimentos até o seu completo restabelecimento. Em geral, o traumatismo crânio-facial não deixa apenas seqüelas físicas, mas emocionais, referentes aos problemas que envolvem a autoimagem do paciente acidentado. Falar sobre auto-imagem é falar sobre autoconhecimento. As pessoas aprendem a se reconhecer ainda na infância, e 91 trazem consigo uma imagem de si mesmas. As seqüelas de traumatismos crânio-faciais trazem modificações à auto-imagem da vítima. É preciso tempo e apoio para que o paciente volte a formar uma nova imagem de si mesmo, diante das seqüelas visíveis em sua face. Esse trabalho faz uma pesquisa bibliográfica sobre o processo vivido pelas vítimas de acidentes de trânsito com traumatismos crânio-faciais e seus possíveis problemas referentes à auto-imagem, devido à complexidade das seqüelas e ao pouco conhecimento que se tem sobre o assunto. A bibliografia é escassa e direcionada aos atendimentos de outros profissionais de saúde. Dentro das publicações da Psicologia, pouco se fala sobre o assunto, e quase sempre se encontram separadas, em temas como a Psicologia Hospitalar, a Psicologia da Saúde e textos sobre auto-imagem. Diante do exposto, conclui-se que se faz necessário maiores estudos sobre os problemas referentes à auto-imagem dos indivíduos acidentado no trânsito com seqüelas de traumatismo crânio-facial no campo da psicologia. É somente através de estudos mais detalhados que o psicólogo poderá dar um suporte especializado às vítimas e auxiliá-las em seu processo de recuperação, que em geral é lento, invasivo e dolorido. Muitos trabalhos estão sendo realizados no Brasil, mas sem muito apoio bibliográfico e sem atualizações, necessárias ao aprimoramento do atendimento psicológico. 92 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR, et al. A Formação em Psicologia da Saúde. CienteFico, ano IV, v. I. Salvador, janeiro a junho de 2004. 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