Sobre a construção inferencial do conhecimento a partir de três

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Sobre a construção inferencial do conhecimento a partir de três verbos
de percepção sensorial 1
Teresa Oliveira
Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa
Escola Superior de Educação de Portalegre
Abstract
Perception verbs are often markers of evidentiality, as they are able to render the source of the
information that the speaker shares with others. In Portuguese, verbs such as cheirar (‘smell’), soar
(‘sound’) and saber (‘taste’) occur often in metaphoric constructions that link sensory perception to
information acquisition. They encode an inferential reasoning of the speaker, based on cognitive
evidence. A corpus-based analysis of these three verbs was conducted, and two aspects are mainly dealt
with: (i) in which specific construction types are these verbs of perception used evidentially, and (ii) how
does the inferential process occur.
Keywords: Mediative; Evidentiality; Inference; Perception Verbs.
Palavras-chave: Mediativo; Evidencialidade; Inferência; Verbos de percepção.
1. Marcação linguística das fontes do conhecimento
No quadro da Teoria das Operações Predicativas e Enunciativas, designa-se por
mediativo 2 a “categoria gramatical 3 que indica que o enunciador faz referência a
situações (estáticas ou dinâmicas) das quais ele não assume a responsabilidade, por ter
tido conhecimento delas por via indirecta, o que lhe permite manifestar diversos graus
de distância em relação ao conteúdo da sua própria mensagem e permite ao coenunciador pôr em questão, refutar o conteúdo da mensagem” (trad. Guentchéva, 1996:
11).
Esta categoria mostra-se particularmente produtiva na análise de línguas que
possuem marcas morfológicas que indicam a fonte enunciativa. Em línguas que não
comportam essas marcas, como o português, o mediativo é veiculado por processos
Textos Seleccionados, XXVI Encontro da Associação Portuguesa de Linguística, Lisboa, APL, 2011,
pp. 460-474
1
Este texto beneficiou da leitura e das sugestões da Prof. Doutora Clara Nunes Correia e dos revisores anónimos, a
quem estou muito grata. Falhas que subsistam são da minha inteira responsabilidade.
2
Habitualmente estudado no âmbito da evidencialidade (designação cunhada a partir do termo inglês “evidential”,
amplamente utilizado a partir de Jakobson, 1957). Convém notar que o termo “mediativo” é utilizado, na tradição
linguística francesa, para designar o estudo das características específicas dos enunciados que comportam uma
distância entre o enunciador e aquilo que ele diz; o termo “evidencialidade” engloba, na tradição linguística
americana, o estudo do tipo de evidência ou fonte de conhecimento de que o enunciador dispõe (Dendale &
Tasmowski, 2001: 339-341).
3
O estatuto do mediativo é um assunto que tem gerado grande discussão entre quem defende que consiste numa
categoria gramatical autónoma e quem argumenta que é uma subclasse da modalidade. Sobre esta questão, que não
será aqui desenvolvida, ver Dendale & Tasmowski (2001) e Campos (2001), entre outros.
sintácticos e/ou por marcadores não exclusivos deste valor. Considera-se, assim,
marcador mediativo “uma expressão linguística que surge no enunciado e que indica se
a informação transmitida nesse enunciado foi retomada pelo locutor a outra fonte
enunciativa ou se foi criada pelo próprio locutor, através de uma inferência ou de uma
percepção” (trad. Dendale & Tasmowski, 1994: 5).
Segundo Guentchéva (1994: 8-9), o mediativo agrupa diferentes valores, a saber,
factos relatados, factos inferidos e factos de surpresa, consoante os factos são relatados
a partir do discurso de outrem, incluindo os rumores e os conhecimentos transmitidos
pela tradição (mitos, lendas, narrativas históricas, etc.), inferidos pelo sujeito enunciador
ou quando a sua constatação imprevista é motivo de surpresa.
Este trabalho centra-se em algumas ocorrências específicas do valor inferencial, o
qual deriva da construção do conhecimento a partir de indícios, habitualmente, de duas
formas: inferência a partir de resultados e conclusão baseada em raciocínio
(Aikhenvald, 2004: 174).
2. Percepção e conhecimento
Whitt (2009) defende que os verbos de percepção são marcadores privilegiados de
evidencialidade, sobretudo em línguas que não possuem marcadores morfológicos deste
valor. Este autor faz uso da distinção entre verbos de percepção orientados para o
sujeito e orientados para o objecto, proposta por Viberg (1983). Os verbos de percepção
orientados para o sujeito são transitivos e apresentam o experienciador como o sujeito
gramatical do verbo, enfatizando o seu papel no acto de percepção. Podem ser
subdivididos em verbos agentivos e verbos experienciais (“experiencer verbs”),
consoante focam a volição do sujeito e a sua intenção de experienciar ou apenas o
próprio acto de percepção, respectivamente (definição e exemplos de Whitt, 2009:
1085):
(1) Anna listened to the music.
(2) Anna heard the music.
Os verbos de percepção orientados para o objecto são intransitivos, apresentam o
objecto experienciado (ou estímulo) como o sujeito gramatical da oração e o
experienciador não necessita de estar expresso (definição e exemplos de Whitt, 2009:
1085):
(3) The music sounds loud.
(4) Anna sounds sick.
Estes verbos não se limitam a descrever um acto de percepção, mas tendem a
exprimir uma avaliação ou um juízo de valor do sujeito enunciador, baseados na
percepção. Assim, em (3), é descrita uma característica da música; em (4), estamos
perante uma inferência do sujeito enunciador, com base em indícios auditivos. Em (4),
temos, segundo Whitt (2009: 1056), duas camadas de significação: um acto de
461
percepção e uma inferência baseada nessa percepção. É o acto de percepção que
proporciona a evidência à inferência do enunciador (a voz e a respiração de Anna, por
exemplo, dão-me indícios de que está doente).
Sendo ambos os tipos de verbos marcadores de evidencialidade, na medida em que
exprimem a fonte de conhecimento de que o enunciador dispõe, apenas os verbos de
percepção orientados para o objecto se podem enquadrar nos marcadores de valor
mediativo, visto que permitem codificar uma inferência do sujeito enunciador,
marcando o verbo de percepção a distância entre o enunciador e o conteúdo da sua
própria mensagem. Epistemicamente, não há uma asserção estrita, mas uma
probabilidade forte, baseada em indícios.
Considerem-se três verbos de percepção da língua portuguesa, cheirar, saber e
soar. Estes verbos têm, na sua acepção habitual, um significado que exprime uma
determinada percepção sensorial, indissociável de uma avaliação do sujeito enunciador,
como por exemplo em:
(5) Este vestido cheira a naftalina.
(6) Este bolo sabe a laranja.
(7) Este sino soa a bronze antigo.
Simultaneamente, possuem significados adquiridos por alargamento do seu campo
semântico e que, de forma metafórica, associam a percepção sensorial à aquisição do
conhecimento, permitindo a validação do conhecimento a partir de indícios cognitivos,
como em:
(8) Este caso cheira a esturro.
(9) Tudo isto sabe a repetição.
(10) Isso soa a exagero.
Segundo Viberg (1983), o conhecimento pode ser obtido por intermédio de
qualquer um dos sentidos, sem, porém, apresentar o mesmo grau de fiabilidade. Regra
geral, confiamos mais naquilo que os nossos olhos vêem e naquilo que ouvimos do que
naquilo que cheiramos, o que se manifesta na frequência do uso dos verbos de
percepção sensorial, na medida em que uns são muito mais usados do que outros.
Viberg (1983: 136) propõe a seguinte hierarquia para os verbos de percepção sensorial:
Visão > Audição > Tacto > Olfacto, Paladar
Na prática, os três verbos em análise correspondem a dois marcadores do modo de
percepção mais baixo da hierarquia (à direita, no esquema) e a um verbo de percepção
sensorial auditiva orientado para o objecto 4.
4
No caso da percepção auditiva, a orientação para o sujeito é dada, em português, por duas formas lexicais diferentes,
escutar e ouvir. Whitt (2009: 1085) destaca o facto de, no inglês e no alemão, os verbos de percepção orientados para
o objecto que dizem respeito ao olfacto e ao paladar serem os mesmos que exprimem a acção orientada para o sujeito,
enquanto os que exprimem modos de percepção mais elevados na hierarquia são diferentes. Algo semelhante pode ser
constatado em português, com as distinções semânticas entre escutar, ouvir e soar, no caso da audição, e olhar e ver,
para a visão (a orientação para o objecto é dada por verbos variados, como parecer, mostrar-se, estar, entre outros).
No entanto, também para o paladar existe a distinção semântica entre saborear e saber. (Viberg (1983: 136-137)
462
Nos exemplos de (8) a (10), o conhecimento é construído inferencialmente, através
de um raciocínio que poderá ser de tipo dedutivo ou de tipo abdutivo. Entendo a
inferência abdutiva conforme a explicitou Peirce ([1903] 1998: 231) 5:
“The surprising fact, C, is observed;
But if A were true, C would be a matter of course.
Hence, there is reason to suspect that A is true.”
Ou seja, o raciocínio abdutivo fornece uma hipótese explicativa para os factos
constatados. A forma como o sujeito enunciador assume a validação dessa hipótese
explicativa reflecte-se, frequentemente, no uso de marcadores modais, como o verbo
dever, em (11):
(11) Para ter os olhos assim vermelhos, a Maria deve ter estado a chorar.
Também os verbos perceptivos servem para apresentar uma explicação plausível,
assumida como tal pelo sujeito enunciador, que se escusa a validá-la como uma asserção
estrita, modalizada como certa. Assim, um enunciado como (8) supra (“Este caso cheira
a esturro.”) é interpretável como: “constato determinados fenómenos que eu conheço
como recorrentes em casos de corrupção (por exemplo), o que me leva a pensar que é
disso que aqui se trata”. O sujeito enunciador não se compromete com um valor
epistémico de certeza, antes apresenta a sua conclusão como dependendo da percepção
mais do que do raciocínio.
Whitt (2009: 1094) constata que, em relação ao uso inferencial dos verbos de
percepção auditiva, em inglês e alemão, a percepção auditiva não tem, necessariamente,
de estar na base da inferência; o que está em causa é o estatuto da informação linguística
e o acesso a ela por parte do enunciador, sendo os verbos de percepção auditiva usados
mesmo quando não se referem a audição propriamente dita.
Igualmente em português, enunciados como (8) a (10) são interpretados como
independentes da percepção sensorial, pelo que a relação entre percepção e
conhecimento é entendida como transposição metafórica.
3. Constituição do corpus
Neste ponto, julguei interessante fazer uma pesquisa em corpora, com vista a
basear o estudo numa análise exaustiva de ocorrências atestadas. Utilizei a colecção
CHAVE v. 2.0 6, que disponibiliza os textos integrais das edições completas dos jornais
sustenta que um verbo cujo significado básico reflecte um modo sensorial mais alto (à esquerda) na hierarquia pode
adquirir um significado alargado que cubra alguns (ou todos) os modos sensoriais mais baixos. Assim explica quer a
maior frequência quer o maior grau de polissemia dos verbos à esquerda na hierarquia.
5
Dendale & De Mulder (1996) defendem uma leitura diferente dos esquemas de dedução e de abdução, para a
descrição dos marcadores linguísticos de inferência. Nomeadamente, consideram que, se se entender a premissa
maior não como uma implicação lógica, mas como uma explicação plausível, então a maior parte das inferências
linguísticas podem ser descritas como resultado de processos dedutivos, e não necessariamente abdutivos. Esta
proposta não será tida em conta, no seguimento da argumentação de Desclés & Guentchéva (2001).
6
Colecção compilada pela Linguateca (www.linguateca.pt), no quadro do CLEF (www.clef-campaign.org).
463
Público e Folha de São Paulo, dos anos de 1994 e 1995. O facto de poder dispor dos
textos completos foi decisivo na escolha desta colecção, na medida em que, em grande
parte das ocorrências, os indícios que permitem a construção da inferência estão
distribuídos ao longo do texto.
A procura foi feita com vista a obter concordâncias em contexto de formas de 3.ª
pessoa do presente do indicativo dos verbos em análise. Com a restrição à 3.ª pessoa,
pretendi obter as ocorrências dos verbos orientados para o objecto; com a restrição ao
presente do indicativo, procurei limitar os resultados e as variáveis a analisar. A
utilização de um único tempo verbal teve como finalidade neutralizar possíveis
variações aspectuais. O presente do indicativo é o tempo mais habitual neste tipo de
construções, e aquele com que a busca em corpora se mostrou mais profícua.
O facto de poder dispor de textos portugueses e brasileiros permitiu comparar o
funcionamento sintáctico e semântico das construções em análise em ambas as variantes
do português, europeia e brasileira. A primeira constatação é que todas as ocorrências
surgem em texto de opinião (maioritariamente) e cartas dos leitores. Aparentemente, o
carácter metafórico destas construções e o facto de apresentarem conhecimento baseado
em indícios tornam-nas pouco compatíveis com texto informativo.
Os quadros 1, 2 e 3 mostram os dados obtidos nas buscas efectuadas e a sua
distribuição quantitativa, com base numa primeira classificação semântica 7.
A. Ocorrências totais do lema/formas do verbo “cheirar”
B. Ocorrências de 3.ª pessoa do presente do indicativo
– Folha de São Paulo (FSP): 80 (21,6 % de B)
– Público (P): 291 (78,4 % de B)
• Ocorrências de percepção sensorial (43 FSP +
140 P)
– “Exalar cheiro”: 140 (17 FSP + 123 P)
– “Exercer o sentido do olfacto”: 17 (6 FSP +
11 P)
– “Aspirar droga”: 26 (20 FSP + 6 P)
• Ocorrências de percepção cognitiva (37 FSP +
151 P)
823
371 (45,1 % de
A)
183 (49,3 % de
B)
188 (50,7 % de
B)
Quadro 1: Verbo cheirar – distribuição de ocorrências
7
A busca propriamente dita, devido às características do corpus e às formas de pesquisa permitidas, desenrolou-se
em várias etapas, tendo de ser tidos em consideração a diferenciação entre maiúsculas e minúsculas e o efeito da
presença de pronomes enclíticos de caso dativo. Os resultados apresentados referem-se à soma dos totais das várias
buscas efectuadas.
464
A. Ocorrências totais do lema/formas do verbo “saber”
B. Ocorrências de 3.ª pessoa do presente do indicativo
75579
22913 (30,3 %
de A)
C. Ocorrências de 3.ª pessoa do presente do indic. + “a”, 707 (3,1 % de
“bem”, “mal” 8
B)
– Folha de São Paulo: 216 (30,6 % de B)
– Público: 491 (69,4 % de B)
D. Ocorrências como verbo de percepção (apenas 1 114 (16,1% de
FSP)
C)
• Ocorrências de percepção sensorial
23 (20,2 % de
– “Ter sabor”: 23 (1 FSP + 22 P)
D)
• Ocorrências de percepção cognitiva (91 P)
91 (79,8 % de
D)
Quadro 2: Verbo saber – distribuição de ocorrências
A. Ocorrências totais do lema/formas do verbo “soar”
B. Ocorrências de 3.ª pessoa do presente do indicativo
– Folha de São Paulo: 469 (50,1 % de B)
– Público: 468 (49,9 % de B)
• Ocorrências em textos de crítica musical (134
FSP + 242 P)
• Ocorrências de percepção sensorial
– “Emitir ou produzir som” (21 FSP + 48 P)
• Ocorrências de percepção cognitiva (314 FSP +
178 P)
2129
937 (44,0 % de
A)
376 (40,1 % de
B)
69 (7,4 % de
B)
492 (52,5 % de
B)
Quadro 3: Verbo soar – distribuição de ocorrências
4. Análise dos dados relativos ao verbo cheirar
Foram consideradas construções inferenciais as pertencentes aos tipos semânticos e
sintácticos assim parafraseados 9 e ordenados por frequência de ocorrência no corpus:
8
Neste caso, tentei limitar as buscas de forma a encontrar o máximo possível de ocorrências do verbo saber como
verbo de percepção, pelo que procurei formas de 3.ª pessoa do presente do indicativo seguidas de a, bem e mal,
combinadas com pronomes enclíticos de caso dativo. Estas opções de busca foram tomadas tendo em conta a
observação empírica do funcionamento deste verbo, assim como uma análise preliminar dos resultados da pesquisa
do lema “saber”.
9
As paráfrases utilizadas baseiam-se em definições encontradas nos diversos dicionários de Língua Portuguesa,
portugueses e brasileiros, consultados e listados no final deste texto. As definições recolhidas foram agrupadas em
função da sua proximidade semântica e das diferentes construções sintácticas em que ocorrem.
465
(i) Causar determinada impressão; despertar certas suspeitas; ter aparência,
semelhança; dar indícios; parecer; ex.: cheira a esturro;
(ii) Ter um pressentimento ou uma ideia acerca de qualquer coisa com base apenas
na intuição; calcular; ex.: cheira-me que vai haver problemas;
(iii) Conseguir prever ou antever, geralmente baseando-se apenas na intuição;
detectar; ex.: um bom soldado cheira o perigo;
(iv) Supor que não dará bom resultado, ou não sairá bem; ex.: não me cheira.
O funcionamento sintáctico e semântico das construções em análise é semelhante
em ambas as variantes do português, europeia e brasileira.
4.1. Estrutura sintáctica
Os quatro tipos de construções considerados têm, além de diferentes interpretações
semânticas, estruturas sintácticas distintas. Em (i), (ii) e (iv), temos ocorrências do
verbo cheirar orientado para o objecto; em (iii), orientado para o sujeito. Note-se que
este é o único dos três verbos em análise que é usado para exprimir quer a orientação
para o sujeito quer a orientação para o objecto, sendo que permite codificar a construção
inferencial do conhecimento em ambos os casos, como se verá na análise de
ocorrências.
Basicamente, encontramos, nestes quatro tipos de construções, duas estruturas
sintácticas: uma estrutura transitiva e uma estrutura predicativa. Temos uma estrutura
transitiva directa no terceiro tipo, que projecta um sintagma nominal (SN) com caso
estrutural nominativo e papel temático experienciador e cujo verbo subcategoriza um
SN com caso acusativo e papel temático tema.
No primeiro tipo e no segundo, estamos perante estruturas predicativas em que o
verbo pode subcategorizar quer uma oração pequena, como no primeiro tipo, quer um
complemento oracional, como no segundo.
No primeiro tipo, o verbo subcategoriza uma oração pequena, cujo sujeito tem o
papel tema e cujo predicado pode ser realizado por um advérbio (regra geral, mal) ou
por um sintagma preposicional (SP), com a preposição a como núcleo, regendo um SN;
pode ainda subcategorizar um SP, regido pela preposição a, que atribui caso dativo a
um argumento experienciador. No núcleo do SN, podem ocorrer nominais vários:
nomes, pronomes (como em: “cheira aflitivamente a algo de dispensável”) ou
expressões nominalizadas, com base em adjectivos (“esta história cheira a velho”, sem
marcas de concordância com o sujeito) ou numerais (“cheira a 1985”), por exemplo.
No segundo tipo, o verbo subcategoriza um complemento oracional com a
conjunção que como núcleo, opcionalmente regido pela preposição a, e,
obrigatoriamente, um SP experienciador com caso dativo.
466
O quarto tipo pode ser considerado uma elisão do segundo (“não me cheira [que vá
resultar]”, por exemplo). É uma construção fixa que consiste numa negação, com o SP
experienciador com caso dativo obrigatoriamente realizado 10.
4.2. Análise de construções e ocorrências
4.2.1. Tipo I: Causar determinada impressão; despertar certas suspeitas; ter
aparência, semelhança; dar indícios; parecer
Este tipo é, claramente, o mais frequente no corpus, com 92,6 % do total de
construções inferenciais (174 ocorrências, 35 da Folha de São Paulo e 139 do Público).
As variantes admitidas por esta construção são incontáveis. Em comum, possuem o
valor avaliativo negativo que veiculam 11: “cheira mal”, “cheira a esturro”, “cheira a
mofo”, mas também: “cheira a 1985”, “cheira a Chile”, “cheira a anticomunismo”,
“cheira a censura”, “cheira a chatices antigas”, “cheira a chantagem melodramática”,
“cheira a tacho”, etc. As três primeiras construções – “cheira mal”, “cheira a esturro” e
“cheira a mofo” – consistem em metáforas cuja descodificação depende da relação de
identificação que o leitor consegue estabelecer entre o domínio sensorial e o domínio
cognitivo. Como são expressões amplamente utilizadas no dia-a-dia, além da relação de
cheirar com parecer, indiciar, necessitam também da descodificação de mal, esturro e
mofo como, respectivamente, suspeito, vigarice e ultrapassado. Já as restantes
construções deste tipo fazem depender a sua descodificação do conhecimento das três
construções referidas e do consequente reconhecimento do verbo cheirar como
potenciador de metáforas. A partir daqui, não há qualquer restrição de selecção
semântica e o verbo cheirar pode co-ocorrer com qualquer tipo de palavra ou expressão
nominal, sendo os nomes abstractos os mais frequentes (33 % das ocorrências do
primeiro tipo). Os nomes concretos são sempre utilizados metaforicamente, rosas e
laranjas referindo-se, respectivamente, a partidários do PS e do PSD e tacho e poleiro,
a cargo de nomeação política, por exemplo.
Detenhamo-nos, a título de exemplo, na análise de uma ocorrência, retirada do
texto “Quem sobe com o Tirsense?”, crónica desportiva de José J. Mateus, publicada no
jornal Público de 30 de Maio de 1994 12:
(12) “E é assim, enquanto o futebol não termina, o país respira de ansiedades e nem
o Verão cheira a tranquilidade.”
Esta é a última frase de um texto que descreve a situação vivida na II Divisão de
Honra de futebol. Segundo o autor, além da subida de divisão do Tirsense e da descida
10
Sobre a estrutura sintáctica das construções cognitivas com o verbo cheirar, ver Oliveira (2011).
O valor negativo depende, principalmente, da conotação da expressão que segue o verbo ou do contexto em que a
construção ocorre, mais do que do verbo em si. Se, por um lado, as construções com o verbo cheirar são mais
frequentemente negativas do que as que usam os verbos saber e soar, por outro lado, o verbo cheirar também pode
surgir em construções que veiculam um valor positivo, como em: “cheira a feriado”, “cheira a Verão”.
12
Colecção CHAVE v. 2.0, documento n.º PUBLICO-19940530-020.
11
467
do Leixões, a uma jornada do fim, nada mais se sabia, o que deixaria muita gente
inquieta, entre adeptos e agentes desportivos. O texto abre, exactamente, com as frases:
(13) “Emoção até ao fim. É assim a II Divisão de Honra.”
E continua a dar conta da situação em que se encontram as várias equipas. A
crónica é toda ela pontuada por expressões, de tipo diverso, que exprimem a incerteza
reinante: “sabe-se apenas”, “desconhece-se”, “só depois das 18h45 da próxima quintafeira é que se vai saber”, “Subam a terreiro os adivinhos, que ninguém acredita.
Venham as previsões, que todos duvidam!”, “Aparentemente”, “poderá ser”, “no futebol
o que é nem sempre parece”, “Dúvidas, muitas, sim, já que as certezas, agora, só os
mais ferrenhos as têm”, “Depois nada se sabe. Também aqui, quase tudo por definir”,
“mas”, “poderá ver aniquilado este esforço final”, “E mesmo o Portimonense não pode
descansar”.
Do acumular destas incertezas pode-se inferir a falta de tranquilidade que
caracteriza o presente dos envolvidos. O processo inferencial é aqui de tipo dedutivo por
modus ponens: “onde há incertezas, não há tranquilidade (p → q), logo, ao constatar
tantas incertezas (p), concluo pela falta de tranquilidade (q)”.
Com uma frequência muito menor, as construções deste tipo podem também
veicular uma avaliação do sujeito enunciador que não é necessariamente negativa, mas
que consiste numa apreciação de algo como semelhante a outra coisa, com base em
propriedades comuns: por exemplo, dizer de uma determinada música ou intérprete que
“cheira a Jobim” 13 ou “cheira a jazz”. Veja-se esta ocorrência, retirada de um texto de
crítica teatral, intitulado “Nem influência de Nelson Rodrigues evita que «Atos e
Omissões» seja mais que um espetáculo flácido”, assinado por Mário Vítor Santos e
publicado na Folha de São Paulo de 28 de Maio de 1995 14:
(14) “O tema da peça cheira a Nelson Rodrigues (o velho Hersilio solta frases do
tipo «Parecemos mais velhos do que realmente somos»), mas fica muito aquém
do dinamismo do autor de «Anjo Negro».”
O raciocínio subjacente será aqui de tipo abdutivo: “todas as peças de Nelson
Rodrigues têm certas características (p → q); constato essas características na peça a
que assisto (q), logo, esta peça é identificável com as de Nelson Rodrigues (p)”.
4.2.2. Tipo II: Ter um pressentimento ou uma ideia acerca de qualquer coisa
com base apenas na intuição; calcular
Existem sete destas construções no corpus, todas do jornal Público. O verbo
cheirar subcategoriza um complemento oracional, preposicionado num dos casos
encontrados. Veja-se a seguinte ocorrência, num texto assinado por João Dias Miguel,
13
Note-se que, dependendo do contexto, uma expressão como esta poderá ter subjacente uma acusação ou uma
insinuação de plágio.
14
Colecção CHAVE v. 2.0, documento n.º FSP950528-134.
468
sobre vigilantes em Lisboa, “A invasão privada das tarefas da polícia”, de 27 de Junho
de 1995 15:
(15) “Estes guardas-nocturnos podem, em caso de «molho», pedir imediatamente
auxílio aos colegas pelo rádio, ensanduichar um automóvel em perseguição e
movem-se muitas vezes pelo olfacto: «cheira-me que aquele está ali para nos
arranjar alguma».”
O verbo cheirar exprime aqui uma conclusão inferencial de tipo dedutivo por
modus ponens: “quem anda a esta hora por estes sítios, não anda a fazer coisa boa (p →
q); se este indivíduo está aqui agora (p), é um legítimo suspeito de actos ilícitos (q)”.
4.2.3. Tipo III: Conseguir prever ou antever, geralmente baseando-se apenas
na intuição; detectar
Deste tipo, encontrei cinco ocorrências no corpus, duas da Folha de São Paulo e
três do Público. Reconhece-se o sentido de “pressentir”, “prever”, no caso que se segue,
retirado de um texto sobre futebol e o desempenho do Brasil no Campeonato Mundial,
intitulado “Brasil, o finalista evidente”, assinado por Manuel Queiroz e publicado no
jornal Público de 14 de Julho de 1994 16:
(16) “O Brasil joga cadenciado. Pega na bola, troca-a, de vez em quando explode –
se puder ser em contra-ataque, bem ao jeito de Bebeto e Romário, tanto
melhor. Mas quando um dos dois, ali perto da grande área, cheira a
possibilidade do golo, o Brasil volta a ser o Brasil. Bonito, rápido, criativo.
Como aos 26’, quando Romário recebeu a bola de Branco na zona frontal,
esgueirou-se pelo meio dos centrais, «driblou» o guarda-redes e chutou suave,
mas Bjorklund foi lá tirar a bola do risco e Mazinho, na recarga, ainda com a
baliza aberta, atirou por alto. «Ainda estou a tentar saber de onde é que
apareceu aquele defesa – a bola era de golo mesmo», diz Romário.”
A afirmação de Romário de que “a bola era de golo mesmo” reforça o sentido de
previsão.
Note-se que neste tipo de construções, em que o verbo é orientado para o sujeito e
este é diferente do sujeito enunciador, a previsão é construída pelo sujeito enunciador,
que a projecta no sujeito do enunciado. A distância enunciativa é, pois, construída pelo
sujeito enunciador.
15
16
Colecção CHAVE v. 2.0, documento n.º PUBLICO-19950627-174.
Colecção CHAVE v. 2.0, documento n.º PUBLICO-19940714-012.
469
4.2.4. Tipo IV: Diz-se daquilo que se supõe que não dará bom resultado, ou
não sairá bem
Encontrei duas ocorrências deste tipo, ambas do jornal Público, uma das quais num
texto de Dulce Neto, sobre Mário Leston Bandeira e a greve no ensino superior,
intitulado “O teimoso do superior”, de 22 de Julho de 1995 17:
(17) “«Não me cheira», disseram-lhe os sindicatos quando ele chegou com a ideia
de criar uma acção de força no ensino superior. «Isto são coisas sérias, é para
profissionais, para sindicalistas», objectaram. Mas o pendor paternalista não
durou muito tempo e ele conseguiu o que queria: uma frente unida de
sindicatos e um movimento sem precedentes nas universidades e politécnicos.”
O raciocínio que aqui se segue corresponde a uma falácia formal (negação do
antecedente): “quando são organizadas por sindicalistas, as acções de força surtem
efeito” (p → q); como tu não és sindicalista (~p), então a tua ideia não resultará (~q)”.
5. Análise dos dados relativos ao verbo saber
O verbo saber é, dos três considerados, o mais recorrente no corpus, devido,
sobretudo, à sua valência como verbo cognitivo (o que é claramente compreensível em
virtude da constituição da colecção – maioritariamente texto jornalístico de tipo
informativo). Porém, a sua ocorrência como verbo de percepção sensorial é quase
insignificante (menos de 1 %), face ao total de ocorrências de formas do verbo. Este
verbo surge como verbo de percepção sensorial apenas em português europeu; a única
ocorrência na Folha de São Paulo diz respeito a uma citação de um autor do século
XIX.
Como verbo de percepção sensorial relacionado metaforicamente com a cognição,
saber é sempre orientado para o objecto e surge com as seguintes acepções:
(i) Apetecer desfrutar mais de um prazer; ser insuficiente; ex.: o fim-de-semana
soube a pouco;
(ii) Agradar ou não agradar; ex.: sabe bem / sabe mal apanhar vento na cara;
(iii) Dar a ideia de; lembrar; recordar; ex.: este caso sabe a uma história parecida.
Os tipos (i) e (ii) são os mais recorrentes no corpus, cada um com 38 ocorrências; o
tipo (iii) conta apenas com 15 ocorrências (16,5 % das ocorrências de percepção
cognitiva). Os dois primeiros tipos correspondem, essencialmente, a construções
avaliativas (exprimem uma apreciação do sujeito enunciador: “o fim-de-semana foi
pequeno” e “apanhar vento na cara é agradável / desagradável”, respectivamente);
apenas o terceiro permite codificar construções inferenciais.
Nas construções do terceiro tipo, encontramos uma estrutura semelhante à do
primeiro tipo do verbo cheirar: uma estrutura predicativa em que o verbo subcategoriza
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uma oração pequena, cujo sujeito tem o papel tema e cujo predicado é realizado por um
SP, com a preposição a como núcleo, regendo um SN (com um nome como núcleo em
nove ocorrências no corpus e um adjectivo nominalizado em seis); pode ainda
subcategorizar um SP, regido pela preposição a, que atribui caso dativo a um argumento
experienciador (no corpus, em dois dos casos).
5.1. Análise de ocorrências
A seguinte ocorrência surge num texto da secção de Desporto, intitulado “Recordes
e factos”, publicado no jornal Público de 4 de Janeiro de 1994 18:
(18) “Nos Mundiais de Estugarda (14 a 22/8) Manuela Machado obtém uma
medalha de prata que sabe a ouro na maratona: 2h30m54s.”
O raciocínio subjacente a esta construção pode ser entendido como uma inferência
dedutiva de tipo modus ponens: “um atleta que consegue um tempo de 2h30m54s na
maratona obtém um excelente resultado (p → q); ao conseguir esse tempo (p), Manuela
Machado obteve um excelente resultado (q), equivalente a uma medalha de ouro”.
Veja-se outra ocorrência, num texto de Ana Sá Lopes, intitulado “Perante isto,
Costa Freire é um aprendiz”, publicado no jornal Público de 3 de Março de 1994 19:
(19) “O PS deu os parabéns, mas reclamou que os socialistas europeus tinham dado
«uma forcinha» para a chegada dos milhões a Portugal. O PCP foi cáustico:
«As intervenções de Valente de Oliveira e as sucessivas conferências de
imprensa sabem a reprise. O governo já anunciou várias vezes os mesmos
milhões e o mesmo PDR (Plano de Desenvolvimento Regional). É a terceira
vez que o sr. ministro vem ao plenário anunciar exactamente o mesmo»,
ironizou o comunista Lino de Carvalho.”
O raciocínio subjacente é de tipo abdutivo: “todas as intervenções do ministro têm
certas características (anunciam os mesmos milhões e o mesmo PDR) (p → q); constato
essas características na presente intervenção (q), pelo que concluo que esta intervenção
é uma réplica das anteriores (p)”.
6. Análise dos dados relativos ao verbo soar
Como verbo de percepção sensorial orientado para o objecto, soar ocorre nas
seguintes acepções:
(i) Ter semelhança com; parecer-se; significar; indicar; ex.: o comentário soou(lhe) a ironia / como um insulto;
(ii) Dar sinal ou indício de; mostrar por certos sinais; ex.: tudo ali soava a alegria;
(iii) Provocar determinada impressão, geralmente depreciativa; ex.: esta história
soa (-me) a invenção;
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(iv) Agradar a; inspirar confiança a alguém ou alguma coisa; causar prazer,
satisfação; produzir boa impressão, simpatia; interessar; ter bom acolhimento;
ex.: a proposta soou(-me) bem.
Sintacticamente, estas construções analisam-se como estruturas predicativas em que
o verbo pode subcategorizar uma oração pequena ou um complemento oracional.
No primeiro caso, o sujeito tem o papel temático tema e o predicado pode ser
realizado por um advérbio, por um SP (com a preposição a como núcleo, regendo um
SN) ou por um sintagma adjectival (SA); pode ainda subcategorizar um SP, regido pela
preposição a, que atribui caso dativo a um argumento experienciador.
Na variante brasileira, não foram encontradas ocorrências da preposição a seguida
de adjectivo, mesmo que nominalizado (sem marcas de concordância com o sujeito): o
adjectivo surge sempre como núcleo de um SA com a função de predicado, caso em que
concorda em género e número com o sujeito (“as próprias qualidades irritam, soam
falsas”). Também no caso dos nomes, a preposição parece ser opcional na variante
brasileira: os dicionários registam as variantes: “o comentário soou(-lhe) (a) ironia”,
“tudo ali soava (a) alegria”; no corpus, encontram-se ocorrências como: “o trabalho soa
mais Morelenbaum”, “as 20 faixas soam puro rock and roll”.
No segundo caso, o verbo subcategoriza um complemento oracional que tem como
núcleo a conjunção como e, opcionalmente, um SP experienciador com caso dativo.
A estrutura mais frequente no corpus é aquela em que o verbo subcategoriza uma
oração pequena cujo predicado é realizado por um SA, seguida da estrutura de
complementação oracional com como.
6.1. Análise de ocorrências
Whitt (2009: 1093) sustenta que os verbos de percepção auditiva orientados para o
objecto, sound, no inglês, e klingen, no alemão, são, independentemente do tipo de
construção em que ocorrem, marcadores exclusivos de inferência.
O verbo soar é, fundamentalmente, um verbo avaliativo, o que torna muito difícil
separar o domínio cognitivo do domínio sensorial auditivo. 40,1 % das ocorrências do
corpus surgem em textos de crítica musical, que, por apresentarem características muito
próprias, foram deixadas de fora desta análise: na prática, o efeito metafórico joga-se,
exactamente, na indefinição entre o que é perceptivo e o que é cognitivo. O raciocínio
inferencial é mais claramente apreendido nos textos que não abordam temáticas
musicais, os quais contêm 52,5 % das ocorrências presentes no corpus.
Veja-se, a título de exemplo, uma ocorrência retirada de um texto intitulado “MIS
apresenta, a partir de hoje, a mais completa retrospectiva do cineasta alemão já realizada
472
no Brasil”, assinado por Bernardo Carvalho e publicado na Folha de São Paulo de 16
de Março de 1994 20:
(20) “O principal problema de Wenders foi acabar privilegiando o lado discursivo
dessa condenação da proliferação e do comércio das imagens (que soa
inevitavelmente falso, visto o fascínio simultâneo do cineasta por esse mundo)
em detrimento de um cinema mais descritivo, onde as mensagens eram menos
claras (e, portanto, menos primárias), que o havia consagrado.”
O raciocínio subjacente é de tipo dedutivo por modus tollens: “Wim Wenders tem
fascínio pelo mundo da proliferação e do comércio das imagens (p → q); ao condenar
essa realidade (~q), Wenders apresenta-se diferente de si mesmo (~p)”.
7. Considerações finais
Pretendi, com esta exposição, elencar os tipos de construções em que três verbos de
percepção orientados para o objecto podem ocorrer com valor mediativo, isto é,
codificando valores inferenciais que reflectem, simultaneamente, uma distância que o
sujeito enunciador quer sublinhar entre si e aquilo que diz. Quis, igualmente, explicitar
os processos inferenciais na base dos raciocínios produzidos, para mostrar em que
medida eles são, realmente, produtos cognitivos.
A análise do corpus mostrou que estes verbos ocorrem com valor inferencial,
predominantemente, em estruturas predicativas e que os processos inferenciais têm por
base raciocínios de tipo dedutivo ou abdutivo. Evidenciou ainda que este tipo de
construções é usado de forma muito semelhante nas duas variantes do português
consideradas, no que diz respeito quer à estrutura sintáctica, quer aos valores
inferenciais. Ressalvam-se como diferenças, na variante brasileira, a inexistência de
casos de uso do verbo saber como verbo de percepção, assim como a predominância de
ocorrências do verbo soar em estruturas predicativas com predicado adjectival ou
nominal, que dispensam a preposição a.
A explorar, ainda, a relação entre os três verbos, que permite a ocorrência de
construções híbridas, como (sublinhados meus):
(21) “Claro que é a sombra de John Ford que timidamente se quer convocar – há um
baile e tudo, para que não hajam dúvidas – mas o decalque das imagens do
Mestre sem a sua convicção, quando não sabe a esturro, sabe a pouco.”
(22) “Mesmo sem espanto, a imagem sabe a falso, os gestos são sempre fictícios
porque nem sequer podem ser previamente estudados.”
Ou mesmo os valores obtidos pela co-ocorrência destes verbos e a sua relação com
o verbo parecer:
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(23) “A terça-feira carnavalesca parece feriado, cheira a feriado e até sabe a
feriado.”
Ou ainda os valores gerados pela realização do SP com o papel de experienciador.
(24) “A Lei de Imprensa é que me preocupa, cheira-me a censura!”
Referências
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Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (1977). Lisboa: Livros Horizonte.
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Grande Dicionário da Língua Portuguesa (1981). Lisboa: Amigos do Livro/Sociedade da Língua
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Grande Dicionário da Língua Portuguesa (1996). Venda Nova: Bertrand Ed.
Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (1986). Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira.
Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa (1980). Lisboa: Horizonte/Confluência.
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