Revista Textura 2007 v. 3

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REPENSAR A ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO
GEOGRÁFICO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: NOVOS ESPAÇOSTEMPOS DE APRENDIZAGEM
Josemare Pereira dos Santos Pinheiro*
RESUMO – O artigo focaliza a necessidade de rever a organização do
conhecimento geográfico no Ensino Fundamental e Médio, à luz da nova lógica e
percepção da realidade. Para tal, aborda as mudanças ocorridas na Ciência
Geográfica nos últimos tempos, o que demandou revisão de paradigmas, adoção
de novos conceitos, metodologias e atitudes na Geografia enquanto disciplina
escolar. Apresenta, ainda, possibilidades de atuação do docente de Geografia,
face aos novos espaços – tempos de aprendizagem.
PALAVRAS-CHAVE – Conhecimento geográfico; educação básica; saber
docente; processos de aprendizagem.
ABSTRACT-The article focalizes the need to review the organization of the
geographical knowledge in the Fundamental teaching and Medium, it shines of the
new logic and perception of the reality.Therefore , approach the changes
happened in the Geographical Science in the last times, what demanded revision
of paradigm, adoption of new concepts, methodology and attitudes in the
geography while it disciplines school.Present, still, possibility of the teachers
performance of Geography, face at the new space-times of learning.
KEY WORDS: Geographical science; basic education; to know educational;
learning process.
* Docente do Curso de Licenciatura em Geografia da Faculdade Maria Milza-FAMAM.
Textura, Cruz das Almas-BA, ano 2, n.º 1, p. 43-53, Jan./Jul., 2007.
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INTRODUÇÃO
Em tempos contemporâneos, marcados entre outras características pela
globalização, mobilidade das redes sociais, rupturas de fronteiras e flexibilidade
de conceitos, as incertezas e as inseguranças fazem parte do dia-a-dia.
Nesse contexto de mudanças constantes, precariedade de trabalho,
fragmentação cultural e onde tudo se impõe como efêmero, é fundamental o papel
da educação no desenvolvimento das pessoas e das sociedades. Esta nova era
aponta para a necessidade de se construir uma escola voltada para a formação de
cidadãos e que atenda às novas exigências do mundo do trabalho definidas pelos
avanços tecnológicos e progressos científicos que, marcadamente, caracterizam
os tempos em que vivemos.
A geografia oferece instrumentos fundamentais para a compreensão e
intervenção nesta realidade social. Através dela, podemos compreender como se
dá a interação, em contextos diversos, entre a sociedade e a natureza, o que
resulta na construção do espaço com todas as suas singularidades, os seus
lugares. Conhecer as múltiplas relações de um lugar, com outros lugares,
distantes no tempo e no espaço e perceber as relações do passado com o
presente, condições indispensáveis para a vivência/convivência no mundo
globalizado e pós-moderno, é o aporte essencial ofertado pelos conhecimentos
geográficos.
Numa abordagem propositiva, é inegável que o ensino da Geografia
mantém seu valor cultural/formativo/informativo. Porém é necessário que o
trabalho docente encaminhe propostas metodológicas tendentes ao qual se
afirme seu valor significativo nos processos de aprendizagem. Para tal, é preciso
compreender e superar, fundamentalmente duas questões que se têm
apresentado como entraves neste processo: a definição das bases em que deve
ocorrer a transposição didática para a Educação Básica dos conhecimentos
geográficos acadêmicos e o efetivo lugar do saber docente nessa nova
organização da Geografia.
A GEOGRAFIA COMO CIÊNCIA E A GEOGRAFIA QUE SE ENSINA
As sucessivas mudanças e debates em torno do objeto, teorias e métodos
da Geografia como ciência, presentes no meio acadêmico, tiveram repercussões
diversas na Educação Básica. De certo modo positivas, já que funcionaram como
estímulo para a inovação e a produção de novas propostas didáticas, mas
também, negativas, visto que a precária incorporação pedagógica da produção
teórica acadêmica provocou a produção e utilização de inúmeras propostas
didáticas descartadas a cada inovação conceitual. Isso ocorre, essencialmente,
em função de que a geografia ensinada nas escolas de Ensino Fundamental e
Médio não deve ser a acadêmica, mas reelaborada para ajustar-se aos interesses
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e necessidades destes níveis de escolarização. É nessa perspectiva que
concordamos com MORAES quando aponta que:
Tentar um implante direto das teorias de ponta da Geografia
renovada na prática de ensino de 1° e 2° graus, é uma atitude
que implica uma total perda de todas as mediações existentes
entre um nível teórico-metodológico e elucidação dos
objetivos e meios de uma Geografia renovada e o conteúdo a
ser ministrado aos alunos em termos do conhecimento básico
e informações mínimas sobre os assuntos tratados por esta
disciplina. (2005, p. 121).
É fato que não se pode, simplesmente, transpor o arcabouço teórico da
Ciência Geográfica – constituído de conceitos, teorias e métodos referentes à
problemática de seu objeto de investigação – para a disciplina escolar Geografia.
É necessário, sim, a reelaboração do conhecimento em bases firmes, que
possibilitem a efetiva tradução pedagógica dos discursos geográficos. Para
compreender tal relação, faz-se necessário, então, estabelecer um paralelo entre
o pensamento geográfico construído na academia e os seus desdobramentos nas
práticas de ensino da Educação Básica.
No Brasil, a sistematização do pensamento e a produção científica
geográfica foram definidas, em grande parte, pela forte influência dos
fundamentos da escola francesa, que teve como seu mais expressivo
representante Paul Vidal de La Blache. Essa Geografia apresentava fortes
tendências de estudos regionais, nas quais os estudos geográficos pautavam-se
pela busca de explicações objetivas e quantitativas da realidade. Era marcada
pelo positivismo e tinha como meta abordar as relações do homem com a
natureza de forma objetiva. É importante pôr em relevo que, para a perspectiva
lablachiana, a Geografia não era ciência dos homens, mas dos lugares. Os
lugares ao longo da História produziam um instrumental técnico e cultural que
acabavam dando a esses lugares a sua identidade, criando padrões de
comportamento herdados e transmitidos a outras gerações. De acordo com
TONINI:
Essa identidade marcada pela interação entre os homens e a
natureza passou a ser designada como gênero de vida. Mais
do que adquirirem padrões de comportamento no convívio
entre os homens e estes com a natureza, assumiam, também,
a identificação com a paisagem que emergia historicamente.
Essa paisagem ao mesmo tempo definia a própria região.
(2003, p. 54)
Para La Blache, a região tem a dimensão de uma realidade territorial
concreta, física, estabelecendo-se como um quadro de referência para a
população que a habita. Nesse sentido, os conceitos de paisagem e região eram a
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chave para a compreensão da diversidade do espaço geográfico mundial.
Durante muito tempo, o conceito de região em sua dimensão territorial,
balizou os estudos da Geografia. Pode-se dizer que fazer Geografia estava
restrito à explicação da diversidade regional do mundo como território,
pretendendo encontrar alguns princípios gerais que explicassem sua diversidade
regional.
Na geografia, a tendência lablachiana e as correntes que dela se
desdobraram, passaram a ser denominadas de Geografia Tradicional. Apesar de
o homem ser considerado sujeito histórico, propunha-se, em verdade, na
perspectiva analítica da organização do espaço como lugar e território, estudar as
relações entre o homem e a natureza muito mais como processos de adaptações.
Eram estudadas as populações e os homens como coisas objetivas, nas quais a
sociedade e o espaço emergiam naturalmente das ações humanas, desprovidas
de quaisquer intencionalidades ou ideologias.
No âmbito pedagógico escolar, essa geografia traduziu-se (e muitas vezes
ainda hoje se traduz) pelo estudo descritivo das paisagens, marcadamente com a
cisão entre os aspectos ditos naturais e os humanizados. Os alunos são
orientados a descrever, uma vez que os procedimentos didáticos adotados,
geralmente, priorizavam a descrição e memorização de aspectos objetivamente
observáveis das paisagens, territórios, lugares. O intuito não era colaborar para a
formação de alunos cidadãos participantes, que entendessem a organização do
espaço, que pudessem interferir e até modificar a situação sociopolítica e
econômica vigente. Pelo contrário, os alunos eram levados a decorar conceitos
sem questioná-los, a memorizar listas de países, tipos de relevo, de climas, de
vegetação, sem relacioná-lo entre si ou com as sociedades que deles se
apropriavam.
Contudo, a modernização das relações – sociais, produtivas, das pessoas
e das sociedades – imposta, prioritariamente, pelos avanços da tecnologia,
demandava um novo olhar sobre a organização do espaço geográfico, então
muito complexo. Os métodos e as teorias da Geografia Tradicional tornaram-se
insuficientes para apreender a complexidade do espaço. A simples descrição
tornou-se insuficiente como método.
A partir dos anos 70, então, surge uma tendência crítica à Geografia
Tradicional, cujo postulado teórico ficou conhecido como Geografia Crítica.
Fundada no materialismo histórico e na dialética, concebe a Geografia como um
campo de conhecimento preocupado com os problemas sociais. Por isso, tal
discurso passa a examinar a relação sociedade e natureza como um processo,
em que os elementos da natureza deveriam ser estudados apenas como recursos
a serem utilizados e apropriados pela sociedade.
Matizados pelo paradigma marxista e o materialismo histórico e dialético,
os estudos da Geografia Crítica trazem em suas análises as categorias modo de
produção, formação econômico – social, relações de produção e conceitos de
capital, trabalho assalariado, valor-de-uso, riqueza natural, entre outros, para
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auxiliar na explicação do espaço geográfico. Esse discurso, “passou a abordar o
espaço geográfico como espaço social, construído, pleno de lutas e conflitos
sociais (...), estudando a natureza enquanto recurso apropriado pelos homens e
enquanto uma dimensão da história, da política.” (VESENTINI, 1989, p. 36).
Desse modo, os conteúdos curriculares da geografia passaram a
possibilitar a compreensão de que o espaço é produzido pela sociedade, com
contradições e desigualdades. Para entender esse espaço, seria necessário
examinar as relações econômicas, pois seriam elas que regulariam a produção e
a distribuição de bens materiais que iriam materializar a organização espacial.
Assim, o discurso da Geografia Crítica proporcionou um direcionamento mais
social às análises geográficas, buscando mostrar “as vinculações entre as teorias
geográficas e o imperialismo, a idéia de progresso veiculando sempre uma
apologia da expansão (...) o trabalho do geógrafo como articulado às razões do
Estado” (MORAES, 1988, p. 113).
Com essa perspectiva, esse discurso assinalou, pela primeira vez, o
rompimento da articulação entre o discurso geográfico com o Estado e as classes
dominantes. No ensino, o discurso da Geografia Crítica é matizado pelo
distanciamento entre o pensado epistemologicamente e o efetivamente
construído no cotidiano escolar da Educação Básica. Apesar das críticas aos
constructos da Geografia Tradicional-caráter descritivo da disciplina,
fragmentação do saber (quadro natural, quadro humano, quadro econômico), a
formação do sentimento patriota, ainda predomina nas aulas de Geografia o seu
caráter tradicional. Ao pôr em relevo as motivações desse descompasso, podemse apontar as múltiplas traduções que se vieram fazendo ao longo do tempo do
termo Crítica, uma vez que a implantação da Geografia Crítica nas escolas se deu
de forma verticalizada, ou seja, sem sua construção e aprofundamento entre
professores de Geografia.
Para muitos professores, trabalhar na perspectiva Crítica limita-se a uma
estreita crítica ideológica dos conteúdos programáticos. Vesentini (2005), nos dá
o exemplo do professor que ao ensinar geografia na América sai a falar mal dos
EUA e elogiar Cuba, diferentemente da antiga professorinha que acusava Cuba
pela quebra do panamericanismo. Só o fantasma mudou; antes era o fantasma do
comunismo, agora é o do capitalismo. Pode-se apontar, ainda, no plano
estritamente do conteúdo que, ao se considerar a Geografia uma ciência social,
caiu-se no erro de esquecer que o espaço, objeto de estudo, contém um quadro
físico. Muitos, na ânsia de estar fazendo uma Geografia Crítica, esquecem
completamente os elementos físicos do espaço e passam a ensinar uma pseudohistória ou pseudo-sociologia no lugar de Geografia. É na corrente chamada
Crítico social dos conteúdos, que pensamos residir a definição mais próxima do
propósito dos conteúdos em Geografia Crítica. Segundo LUCKESI:
A difusão dos conteúdos é a tarefa primordial. Não
conteúdos abstratos, mas vivos, concretos e, portanto,
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indissociáveis das realidades sociais. A valorização da
escola como instrumento de apropriação do saber é o
melhor serviço que se presta aos interesses populares,
já que a própria escola pode contribuir para eliminar a
seletividade social e torná-la democrática. (1993, p. 34)
Talvez o maior mal seja o dogmatismo. Qual a diferença de sair do
dogmatismo de direita para se cair no de esquerda?A utilização de categorias
engessadas (marxistas)-modo de produção, formação econômico-social,
relações de produção-leva a não apreensão do dinamismo espacial e de muito de
sua variação espaço-temporal. É inegável a contribuição do marxismo para o
aluno compreender e explicar o processo de produção do espaço. Todavia, não
podemos, no ato pedagógico, fazer uso do marxismo ortodoxo, que considera
alienante qualquer explicação subjetiva e afetiva da relação da sociedade com a
natureza que não priorize a luta de classes, sob pena de contrariar um dos mais
fortes princípios da Geografia escolar: que o aluno, a partir do estudo tanto das
relações socioculturais da paisagem como dos elementos físicos e biológicos que
dela fazem parte, investigue as múltiplas interações entre eles estabelecidas e,
assim, compreenda a constituição de lugares.
Em verdade, o que se passou a observar nas aulas de Geografia na Escola
Básica é que o professor – dito geógrafo crítico – “abandonou” o estudo dos
aspectos naturais como se eles não fizessem parte do espaço geográfico. E, ao
mesmo tempo, buscou introduzir uma perspectiva dos conhecimentos
geográficos pautada exclusivamente pela explicação política e econômica do
mundo que, muitas vezes, pela complexidade que lhe é característica, mostravase inadequada para os alunos dessa etapa de escolaridade. Deste modo, parece
haver uma estagnação do movimento critico no ensino, em face da indefinição
teórico-metodológica gerada pelo não entendimento teórico desta tendência e
sua transposição didática de forma enviesada para as classes de Ensino
Fundamental e Médio. Ademais, geralmente, ainda predominam aulas de
geografia meramente informativas, desvinculadas da realidade dos alunos,
desinteressantes, descritivas, o que põe em relevo a atuação docente,
particularmente em relação a indagação: que Geografia se ensina?
DISCURSO PEDAGÓGICO DA GEOGRAFIA NA ATUALIDADE: O LUGAR
DO SABER DOCENTE.
Independentemente da perspectiva geográfica, a maneira mais comum de
ensinar Geografia tem sido por meio do discurso do professor ou do livro didático.
Neste discurso, elege-se uma noção, um conceito, e a partir dele se versa
isoladamente sob o viés social, cultural, natural, político ou econômico, de
maneira descontextualizada da vivência e do lugar onde o aluno se encontra
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inserido.
Abordagens atuais da geografia têm proposto práticas pedagógicas que
buscam construir autonomia intelectual (senso crítico) do aluno a partir da
problematização de situações baseadas em referências concretas e diversas.
Desse modo, rompe com verdades absolutas ou deterministas, em que os
conhecimentos geográficos, antes de se constituírem em conteúdos circulares,
possam servir como ferramentas necessárias ao desenvolvimento da capacidade
de análise. Tais ferramentas permitem aprender a aprender de forma autônoma e
contínua. Dessa forma, espera-se que os alunos desenvolvam a capacidade de
compreender as características e acompanhar as mudanças do mundo atual,
muito mais do que memorizar conceitos, informações, fórmulas, mapas. Para
isso, é importante aprender a observar, a pesquisar, a registrar, a selecionar as
informações necessárias, a desenvolver espírito de trabalho em equipe e a
estimular cada vez mais a criatividade. É isso que lhes permitirá entender que o
espaço geográfico resulta da interação de fenômenos sociais, culturais e naturais,
tem caráter dinâmico e é passível de transformações.
Em conformidade com tais práticas, é papel da Geografia tornar o mundo
compreensível para os alunos. Nesta perspectiva, se faz necessário que o
professor de geografia considere que no mundo que ora nos é apresentado,
existem novas formas de aprender. Um mundo que se vem tornando multisensorial não pode ter uma escola que exija que os alunos apenas ouçam. É
necessário, ainda, uma profunda reflexão que venha a balizar a prática
pedagógica: O modelo epistemológico crítico continua sendo o melhor explicativo
das relações que se processam no espaço geográfico? Quais são os novos meios
para se atingir o conhecimento? Não podemos pretender que mudar os temas ou
atualizar nossas aulas sejam referências de uma Geografia renovada. É preciso,
antes, haver uma postura renovada de maior diálogo, não só entre professor e
aluno, mas com o próprio conhecimento. Corrobora-se com KAERCHER quando
diz que:
É preciso também uma outra conduta epistemológica, que
renove a base na qual se assenta o conhecimento geográfico.
Uma postura mais investigativa. Que reproduza menos
generalidades que tanto povoam a geografia (geografia como
síntese, geografia como cultura geral, etc.). (2004, p.223).
É preciso, também, ter firmes as bases metodológicas dessa mudança.
Que requisitos são imprescindíveis para a construção do conhecimento
geográfico? Que condições são necessárias para que esse conhecimento incida
efetivamente na vivência do aluno?
Estas indagações apontam para a necessidade de uma mudança
metodológica que rompa com a visão cristalizada e monótona da Geografia como
a ciência que descreve a natureza e/ou dá informações gerais sobre uma série de
assuntos e lugares. Considerando esta perspectiva, o professor de Geografia, na
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Educação Básica, precisa desenvolver uma metodologia dialética com
mobilização, elaboração e expressão do conhecimento, buscando transformar
informação (proveniente das vivências do aluno) em conhecimento (saber
elaborado cientificamente), como é esquematizado na figura abaixo:
INFORMAÇÃO
COTIDIANO
CONHECIMENTO
NÃO COTIDIANO
MEDIAÇÃO DO
TRABALHO
DOCENTE
SABER
GEOGRÁFICO
ESCOLAR
No entanto, o trabalho do professor de Geografia tem-se mostrado distante
de tal perspectiva, levando a percepção de que a renovação neste ensino
encontra-se estagnada. Uma das razões essenciais para que isso ocorra é o fato
de que se pensa a inovação do ensino de Geografia apenas a questão dos
conteúdos, ou seja, a preocupação ancora-se em substituir conteúdos ditos
ultrapassados por temáticas mais atuais, sem considerar outros elementos
importantes no processo ensino-aprendizagem: Como trabalhar esses
conteúdos, que articulações se fazem necessárias para que tenham significado
para os alunos? Como organizar o conhecimento geográfico para que os alunos
do Ensino Fundamental e Médio percebam que a Geografia faz parte do cotidiano,
que a Geografia é o cotidiano? Definitivamente, não existe um “receituário” que
apresente fórmulas para tais questionamentos, mas é inegável que algumas
questões têm-se constituído em entraves para discussões pedagógicas desta
natureza, dentre as quais destacam-se:
1- O trabalho docente incorpora com muita facilidade os modismos, os
novos rótulos – coisas do tipo. “Eu sou geógrafo crítico, porque trabalho com
música, porque realizo trabalho de campo”, sem, no entanto, haver a preocupação
em conhecer o que substancia esta ou aquela corrente, tendência, teoria. Neste
caso, não se tem firmeza e segurança no trabalho que está sendo desenvolvido,
de modo que a descartabilidade (de conteúdos, procedimentos, recursos) passa a
ser uma constante.
2- Embora muito se fale na interação sociedade – natureza como a forma
mais coerente de compreensão da constituição e organização do espaço
geográfico, as propostas pedagógicas ainda têm separado os conteúdos da
“Geografia Humana” dos conteúdos da “Geografia da Natureza”, nas quais ou a
abordagem do conteúdo é essencialmente social ( e a natureza é apenas um
apêndice) ou então se trabalha a gênese dos fenômenos naturais de forma pura, o
que tira do aluno a possibilidade de apreender os fenômenos geográficos em uma
perspectiva socio-ambiental.
3- Mesmo em abordagens mais avançadas, a memorização tem sido o
exercício fundamental praticado no ensino de geografia. Observa-se uma
diversificação nos procedimentos didáticos ao trabalhar os conteúdos mas, no
momento de avaliação do processo, é verificado o grau de memorização dos
conceitos e fenômenos trabalhados e não aquilo que pôde compreender das
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múltiplas relações aí existentes.
4- Em relação aos conteúdos, há, na atualidade, uma ampliação do seu
espectro, uma vez que, além dos tradicionalmente conceituais, que devem ser
considerados também os de natureza procedimental e atitudinal. Isso para que o
objetivo do ensino não fique voltado exclusivamente à aprendizagem de
fenômenos e conceitos, excluindo a aprendizagem de procedimentos e atitudes
fundamentais para a compreensão dos métodos e explicações com as quais a
própria Geografia trabalha. Todavia, nas aulas de Geografia, notadamente se
prioriza a aprendizagem de conceitos, isoladamente dos procedimentos e
atitudes.
Estas questões se impõem como desafios à prática de ensino de Geografia
na Escola Básica visto que os conhecimentos geográficos, nesses níveis de
ensino, devem possibilitar que os alunos compreendam a realidade de forma mais
ampla, para que nela possam interferir de maneira mais consciente e propositiva.
Para tanto, porém, é necessário que eles dominem conceitos, categorias e
procedimentos básicos com os quais este campo do conhecimento opera e
constitui suas teorias e explicações, de maneira que possam não apenas
compreender as ralações socioculturais e o funcionamento da natureza às quais
historicamente pertencem, mas também conhecer e saber utilizar uma forma
singular de pensar sobre a realidade: o conhecimento geográfico.
É pertinente, ao saber e trabalho docente em Geografia, desenvolver
práticas que possibilitem aos alunos apropriar-se de diferentes linguagens e
instrumentais de análise e ação, para aplicar na vida social os conhecimentos que
devem construir de forma autônoma e cooperativa – isso significa conceber a
Geografia enquanto conhecimento e prática social. É fundamental, assim, que o
professor crie e planeje situações de aprendizagem em que os alunos possam
conhecer e utilizar os procedimentos de estudos geográficos, para que possam
começar a operar, criticamente, os conhecimentos que a Geografia como ciência
produz.
Este despertar crítico do aluno é preciso que o professor compreenda que
não se dá espontaneamente: é fruto de uma formação, de um caminhar educativo.
O hábito mental de atitude crítica é um modo de ser, de sentir e pensar adquirido. A
educação institucional de Geografia tem de se firmar em seu valor
verdadeiramente significativo para o ser humano. É um desafio motivador tratar
de diminuir a distância entre o discurso e a prática, pois essa brecha não é só fruto
do erro – ingrediente de toda ação humana – mas, de uma opção funcional do
profissional docente.
Enfim, é oportuno reforçar que a organização do conhecimento geográfico
na Educação Básica não deve obedecer a uma visão unilateral do processo
ensino-aprendizagem, na qual o professor se reconheça como única fonte do
saber geográfico. Pelo contrário, é de grande importância reconhecer que as
mudanças – no mundo, na vida das pessoas, na Geografia – têm a dinâmica
própria, impossível de controlar, mas passível de ser compreendida. É justamente
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aí que reside o papel principal da Geografia escolar: Compreender que as ações
dos sujeitos sociais, as pessoas, alunos são realizados no tempo e no espaço,
criando relações e desdobramentos variados. Neste contexto, definitivamente
não cabe mais apenas reproduzir dados, denominar classificações ou identificar
símbolos, é preciso ir mais além para estar preparado para a vida, num mundo
atual de tão rápidas transformações e de tão difíceis contradições: é necessário
saber informar-se, comunicar-se, argumentar, compreender e agir, enfrentar
problemas de qualquer natureza, participar socialmente, de forma prática e
solidária, ser capaz de elaborar críticas ou propostas e, especialmente, adquirir
uma atitude de permanente aprendizado.
Para não finalizar, mas desejando provocar a reflexão construtiva do
professor de Geografia, toma-se o exemplo usado por COULSAN em seu livro
Introdução Crítica à Sociologia: “Se você tem um relógio à mão, desmonte-o.
Reúna todas as peças e ponha-as na mão. Você não tem um relógio, mas apenas
um monte de peças” (1979, p. 56).
É isso que a Geografia fez com o espaço: desmontou-o. A atuação docente
deve buscar remontá-lo, e para ser remontado, ele tem de deixar de ser abstrato
para ser concreto-o lugar onde os sujeitos sociais vivem.
Um espaço remontado vai além da Geografia da paisagem, do visível
espacialmente, das aparências, para chegar também à essência, ou seja,
entender que o espaço é formado a partir de forças tanto naturais quanto sociais.
Está posto o desafio para repensar a organização do conhecimento geográfico na
Educação Básica.
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KAERCHER, N. A. O gato comeu a Geografia Crítica? Alguns obstáculos a
superar no ensino-aprendizagem de Geografia. IN: OLIVEIRA, Ariovaldo U.
(Org.) Geografia em perspectiva: Ensino e pesquisa.São Paulo: Contexto, 2004.
LUCKESI, C. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, 1993.
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Ariovaldo U. (Org.) Para onde vai o ensino da geografia? São Paulo: Contexto,
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TONINI, I. Geografia escolar: uma história sobre sues discursos
pedagógicos. Rio Grande do Sul: Unijuí, 2003.
VESENTINI, J. W. Geografia Crítica e ensino. IN: OLIVEIRA, Ariovaldo U. (Org.).
Para onde vai o ensina da geografia? São Paulo: Contexto, 2005.
Textura, Cruz das Almas-BA, ano 2, n.º 1, p. 43-53, Jan./Jul., 2007.
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