AIDS, 30 ANOS DEPOIS: quando a morte se oculta, a doença se

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INÁ MEIRELES DE SOUZA
AIDS, 30 ANOS DEPOIS:
quando a morte se oculta, a doença se esconde e a
vida é
regulada pelos medicamentos.
Rio de Janeiro
2014
AIDS, 30 ANOS DEPOIS: Quando a
morte se oculta, a doença se esconde e
a vida é regulada pelos medicamentos.
Tese de doutorado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Instituto
de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como requisito
parcial à obtenção do título de Doutor em
Saúde Coletiva.
Orientadores: Luiz Fernando Rangel Tura e Ivany Bursztyn
Rio de Janeiro
2014
AIDS, 30 ANOS DEPOIS: Quando a morte se oculta, a doença se
esconde e a vida é regulada pelos medicamentos.
Iná Meireles de Souza
Orientadores: Luiz Fernando Rangel Tura e
Ivany Bursztyn
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva,
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Saúde Coletiva.
Aprovada por:
-----------------------------------------------------------------------------------------------Professor Doutor Luiz Fernando Rangel Tura – ( UFRJ/PPGSC)
---------------------------------------------------------------------------------------------Professora Doutora Antonia Oliveira Silva – (UFPB/PPGENF)
---------------------------------------------------------------------------------------------Professora Doutora Célia Pereira Caldas – (UERJ/ PPGENF)
---------------------------------------------------------------------------------------------Professora Doutora Ângela Arruda – (UFRJ/PPGPSI)
---------------------------------------------------------------------------------------------Professora Doutora Diana Maul de Carvalho – (UFRJ/PPGSC)
---------------------------------------------------------------------------------------------Professora Doutora Talita Vidal Pereira – (PPGED/UERJ-FEBF), suplente
----------------------------------------------------------------------------------------------Professora Doutora Ivani Bursztyn – (UFRJ/PPGSC), suplente
Resumo
MEIRELES, Iná. AIDS 30 ANOS DEPOIS: Quando a morte se oculta, a doença se
esconde, e a vida é regulada pelos medicamentos. Rio de Janeiro, 2014. Tese
(Doutorado em Saúde Coletiva) Instituto de Estudos em Saúde Coletiva. Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 2014.
O objetivo desta pesquisa foi conhecer as representações sociais da morte pela aids,
visando entender o impacto destas representações nas práticas de proteção, processo de
adoecimento e cuidado com as pessoas que vivem com o HIV/Aids (PVHA). Utilizouse como marco teórico a Teoria das Representações Sociais formulada por Moscovici, e
como método a análise lexográfica do texto produzido nas entrevistas com os sujeitos,
com a ajuda do programa informático ALCESTE (Análise Lexical Contextual de um
Conjunto de Segmentos de Texto). Realizou-se estudo exploratório através de
entrevistas semi-estruturadas com 22 sujeitos HIV positivos atendidos em ambulatórios
de um hospital universitário no Rio de Janeiro. Após análise dos resultados foram
encontradas 6 classes, divididas em 2 eixos, que chamamos Morrer de aids e Viver com
aids. Considerou-se que as Classes 1, 2 contêm as representações da morte por aids. A
morte por aids está representada na Classe 1 como a morte em consequência do
descuido, da pobreza, da solidão e não só como consequência da doença. Objetivada
como decrepitude física, é descrita como um processo doloroso e solitário. A morte
deve-se a dificuldades no tratamento, atingindo principalmente aqueles que vivem com
problemas sociais e econômicos. Esta representação parece ancorada na posição política
e social dos sujeitos. A morte permanece oculta nos hospitais públicos, uma morte
social, que atinge aqueles já excluídos da sociedade. Na Classe 2 a morte por aids é
representada como a morte da pessoa, do outro, do indeterminado. É objetivada como
um processo doloroso e feio. As pessoas vão emagrecendo, definhando, têm problemas
de pele, um caminho lento até a morte. A figura de Cazuza, exposto durante seu
processo de adoecimento, ancora esta representação. A morte das pessoas é uma morte
lenta, feia, triste. Como em Cazuza, a vida vai abdicando de estar presente nelas. A
morte é vista como a morte do outro, oculta no imaginário, na qual se tenta não pensar,
esquecer. Na Classe 3 (Vida Ameaçada) a morte aparece como representação da aids
(doença) no momento do diagnóstico, se contrapondo à vida, “normal” mas limitada,
após este momento, representada na Classe 4. As Classe 5 e 6 são descritivas, referindose a problemas cotidianos da vida com aids – o tratamento e a falta de autonomia devido
à doença. Vê-se que a vida com aids é uma vida limitada por regras, pelo tratamento,
por preconceitos. A morte é uma ameaça iminente na hora do diagnóstico, ocultando-se
depois. A doença se esconde, procura-se levar vida normal. A prevenção é dificultada
pelo desconhecimento atual do perigo da aids, dificultando relações afetivas/sexuais
para as PVHA. E os medicamentos tornam-se regulador da vida e da morte, podendo ser
suspensos a qualquer momento. Conhecer estas representações pode ajudar no
enfrentamento da epidemia hoje, quando a prevenção aparece apenas em campanhas
pontuais, e a doença não está mais visível para o público. Evidenciar a doença,
recolocar a prevenção em pauta, desconstruir medos. Desafios que não podem ser
enfrentados sem desvelar a morte e superar limites impostos por preconceitos.
Palavras chave: AIDS, MORTE, REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
MEIRELES, Iná. AIDS 30 Years after: When death is hidden, the disease hides
away, and then life is regulated by medicines. Rio de Janeiro, 2014. Thesis
(Doctorate in Collective Health). Instituto de Estudos em Saúde Coletiva. Universidade
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Brazil.
ABSTRACT
The goal of this research was to know the social representations of death by aids,
seeking to understand the impact of these representations in the practices of protection,
illness process and care to the people who live with HIV/Aids (PLWHA). It was used as
a theoretical framework the Theory of Social Representations formulated by Moscovici,
and as method the text lexicographic analysis produced through interviews with the
subjects, with help from the computer programme named ALCESTE (Contextual
Lexical Analysis of a set of text Segments). An exploratory study was accomplished
through semi-structured interviews with 22 HIV-positive subjects attending an
outpatient clinic of a university hospital in Rio de Janeiro. After results analysis it was
found 6 classes, divided into 2 axes, which we have called “To Die of aids” and “Living
with aids”. It considered that Classes 1, 2 contain the representations of death by aids.
Death by aids is represented in the class 1 as death as a result of negligence, poverty,
loneliness and not only as a consequence of the disease itself. Objectified as physical
decrepitude, is described as a painful and lonely process. The death is due to treatment
difficulties, reaching primarily those who live with social and economic problems. This
representation seems anchored in the political and social position of the subjects. The
death remains hidden in public hospitals; it is a social death which affects those already
excluded from society. In Class 2, the death by aids is represented as the death of the
person, of the other, of the indeterminate. Is objectified as a painful and ugly process.
The people lose weight, weakening, having skin problems; it is a slow path until death.
The picture of the popstar Cazuza, exposed during his illness process, anchors this
representation. The death of people is a slow, ugly and saddeath. As in Cazuza, life will
be abdicating from being present in them. The Death is then seen as the death of the
other, hidden in the imaginary, in which one try not to think, one tries to forget. In Class
3 (Threatened Life) death appears as representation of aids (disease) at the moment of
diagnosis, as opposed to life, "normal" but limited, after this moment, represented in
Class 4. The Class 5 and 6 are descriptive, referring to the everyday problems of life
with aids-treatment and lack of autonomy due to the disease. One sees as if life with
aids is a life which is limited by rules, by treatment, by prejudices. Death is an imminent
threat at the time of diagnosis, and hiding itself afterwards. The disease then hides itself;
one then seeks to lead a normal life. Prevention is hampered by the current lack of
knowledge about the danger of aids, hindering emotional/sexual relationships for
PVHA. And the medicines become the regulator of life and death, and may be
suspended at any time. Knowing these representations can help in facing the epidemic
today, when prevention is shown only on campaigns, and the disease is no longer
visible to the public. Evidencing the disease, reattach prevention in the agenda,
deconstruct fears. Challenges that cannot be tackled without unveiling death and
overcoming the limits imposed by prejudices.
Keywords: AIDS, DEATH, SOCIAL REPRESENTATIONS
Agradecimentos
Este trabalho é fruto de reflexões feitas durante os anos que tenho convivido com
pessoas que vivem com o HIV/Aids, e teve, portanto, a participação daqueles que atendi
e me confiaram parte de suas vidas, e daqueles que têm trabalhado comigo, dos amigos
com quem divido preocupações e propostas. Não seria possível nomeá-los, mas guardo
comigo agradecimento profundo a todos.
Este é um trabalho do Núcleo de Epidemiologia do Hospital Universitário Pedro
Ernesto, onde venho construindo minha visão sobre saúde, sobre a vida, sobre as
transformações da sociedade, sobre o mundo. César e Terezinha são meus parceiros
nesta construção, e compartilhamos mais do que ideias, afetos, cumplicidade.
Aos meus colegas neste período, doutor Júlio Gamboa, Cláudia Ragon e Helber
Medeiros, agradeço pela rica discussão travada em nossos encontros, pela ajuda em
tarefas que eu não conseguiria dar conta, pelo companheirismo e carinho que me
dedicaram nesta jornada.
Ao professor Jarbas, agradeço a ajuda nas versões para o inglês, e o incentivo e carinho
para comigo desde a preparação para o mestrado.
Aos professores doutores Dirce Bonfim e Michael Deveza, agradeço a confiança e boa
vontade com que atenderam ao pedido para encaminhar pacientes por eles atendidos
para participarem desta pesquisa.
Ao acadêmico de medicina Renan Martins Pereira Malheiro, agradeço pelo apoio
durante o trabalho de campo e digitação das entrevistas.
À professora doutora Márcia de Assunção Ferreira, agradeço a ajuda com o programa
ALSCESTE, fundamental para obtenção dos resultados encontrados.
Aos professores doutores Ângela Arruda, Célia Pereira Caldas e Diana Maul de
Carvalho, que participaram da banca de qualificação deste projeto, agradeço as
importantes observações e sugestões. À professora doutora Ivany Bursztyn a orientação
e os “toques” sempre pertinentes.
Ao professor doutor Luiz Fernando Rangel Tura, agradeço pela disponibilidade,
compreensão, generosidade com que tem acompanhado esta trajetória. Não teria sido
possível concluir esta pesquisa sem sua presença atenta e sua colaboração permanente e
pertinente. Sou sua admiradora para sempre.
Aos sujeitos da pesquisa, que se dispuseram a expor suas vidas e abrir sua intimidade,
meus sinceros agradecimentos. Espero que os resultados encontrados possam servir para
amenizar seus sofrimentos.
Apresentação
Em nossa pesquisa de mestrado procuramos compreender as representações sociais da
epidemia de aids nas comunidades adeptas do candomblé, buscando relações entre
valores culturais, práticas religiosas e vulnerabilidade à doença. Para a investigação
adotamos a abordagem estrutural, desenvolvida principalmente por Abric (2001) e
Flament (2001). Encontramos “prevenção” como o provável núcleo central dessa
representação social. As consequências da epidemia foram quase que exclusivamente
representadas por este grupo no campo sócio afetivo, tendo por centro termos como:
isolamento, discriminação, preconceito, solidão, medo. Entre os entrevistados na
pesquisa, 39% daqueles que responderam que conheciam pessoas com aids disseram
que elas morreram, mostrando sua experiência com a epidemia desde o início, quando a
morte era frequente.
Quando comparado a estudos anteriores feitos no Brasil, onde sexo e morte, às vezes
em conjunto com prevenção (nos mais jovens), aparecem no núcleo central desta
representação social, podemos imaginar que uma mudança está se processando
(CARMARGO, BARBARÁ e BERTOLDO, 2007) e talvez este grupo, por sua relação
particular com os elementos sexo e morte, expresse esta diferença (SANTOS, 1986).
A representação da aids para estes sujeitos nos faz refletir sobre sua visão da vida e da
morte, e do modo como esta visão se integra na sociedade moderna, caracterizada pelo
pluralismo e pela rapidez com que ocorrem mudanças (econômicas, políticas e
culturais).
Nos últimos 17 anos, temos acompanhando, em ambulatório clínico, pessoas que vivem
com HIV/Aids. Junto com elas aprendemos que a vida, a sexualidade, e a morte têm
dimensões que jamais alcançaríamos sem esta convivência. E nos deparamos com
desafios que nos instiga a buscar respostas que não encontramos nos manuais,
consensos, protocolos.
As representações sociais têm função mediadora entre grupos culturais diferentes e
entre os homens e seu meio. Para entendê-las é preciso analisar as formas culturais de
expressão dos grupos, a organização e a transmissão desta expressão (JODELET, 2009).
Ivana Marková (2007) chama a atenção para a importância deste conhecimento na área
de educação para a saúde. Citando a campanha de prevenção da aids na Inglaterra, nos
anos 1980, com o título “não morra de ignorância”, ela argumenta que, neste caso, foi
ignorado que já existia um conhecimento popular sobre o assunto, que havia
representações sociais do HIV/Aids que eram parte da cultura. Estas representações
estavam ancoradas em pecado, doenças sexualmente transmissíveis (DST), e outras
práticas consideradas negativas. Ela afirma que estas representações eram mais
influentes nas atividades das pessoas que um “conhecimento neutro e objetivo sobre o
vírus, antivírus, agulhas infectadas e camisinhas” que eram proporcionadas pelas
campanhas de saúde. As representações do HIV/Aids eram ameaçadoras, e a prevenção
da transmissão do vírus poderia indicar que o indivíduo estava infectado e propiciar
rejeição. Marková considera que é preciso levar-se em conta as representações que
circulam na população e na sociedade para obter-se efetividade nestas campanhas.
(MARKOVÁ, 2007).
O enfrentamento à epidemia da aids tem sofrido modificações nos últimos anos. Após
mais de 30 anos de seu aparecimento, a tendência é o uso de medicamentos como forma
de tratar o portador do vírus. Os medicamentos também passam a ser entendidos como
importante meio de controle da epidemia, já que se verifica a diminuição da transmissão
do vírus com seu uso. Não se fala mais na aids como uma doença que leva à morte, o
doente não está mais visível, as campanhas pelo uso do preservativo tornam-se mais
raras.
Para Cardoso e Arruda (2004), a observância ao tratamento pelos indivíduos
soropositivos depende de vários fatores, entre os quais a representação social que a
soropositividade tem para estes sujeitos.
A trajetória da epidemia da aids na direção de tornar-se uma “doença crônica”, trazendo
novos desafios no que se refere à prevenção e à adesão aos tratamentos dá especial
relevância a este conhecimento.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO – A MORTE, AS MORTES E O
MORRER DE AIDS
13
1.1 A morte
13
1.2 As mortes
17
1.3 O morrer de aids – Eros e Tânatos
27
1.4 A epidemia da aids – 30 anos depois
35
1.5 As representações sociais da morte pela aids
37
2 OBJETIVOS DA PESQUISA
45
2.1 Objetivo Geral
45
2.2 Objetivos Específicos
45
3 MARCO TEÓRICO: A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS
46
4 MÉTODOS
57
5 RESULTADOS
66
6 DISCUSSÃO
101
7 CONCLUSÕES
107
REFERÊNCIAS
109
ANEXO 1 – ROTEIRO PARA ENTREVISTA
115
13
1 INTRODUÇÃO - A MORTE, AS MORTES, E O MORRER DE AIDS
1.1 A morte (filosofia)
Voltaire disse que “a espécie humana é a única que sabe que vai morrer, e sabe disso
pela experiência”¹. Os animais, quando se sentem ameaçados, têm algum
pressentimento da morte. Mas não é um saber, e mesmo que o fosse, não seria um saber
da necessidade da morte. Somente o homem possui a compreensão da ligação entre
nascimento e morte. Trata-se de uma experiência cujo conteúdo não é apenas o fato de
morrer, mas também a certeza de dever morrer. (LANDSBERG, 2009).
Ricoeur (2012) contesta Landsberg e os epicuristas, dizendo que não se trata de
experiência, mas sim de imaginação. A morte é um acontecimento que não se pode
experimentar individualmente e depois descrever o que se passou.
A experiência humana da necessidade da morte ultrapassa a biologia, assim como
ultrapassa o sentimento de envelhecer. Não se tem apenas a evidência de que é preciso
morrer quando se atinge o ponto limite da morte natural, como pensava Scheler (2008).
Tem-se também a evidência de que se está diante da possibilidade real da morte em
cada instante da vida. Só se pode conhecer isto através da morte do outro, que se assiste
ou que se toma consciência de modo indireto. A morte está sempre por perto. A
consciência da morte avança com a individualização humana, com a constituição de
individualidades singulares (ARIÈS, 1988).
Tem-se a ideia da morte como agonia antecipada, vendo a própria morte e a própria
agonia na imagem do moribundo no olhar do outro. Ricouer (2012) recorre ao
testemunho de médicos que trabalham com terapias paliativas para portadores de aids
ou de câncer incuráveis, doentes em fase terminal, para entender este processo. Segundo
ele, estes profissionais não veem o agonizante como um moribundo, que logo morrerá.
14
Eles o veem como ainda vivo, como apelando para os recursos mais profundos da vida,
é outro olhar. “É o olhar da compaixão, e não o do espectador que se antecipa ao jámorto.” (p.15). Para ele, compaixão, neste caso, não significa piedade, comiseração,
mas sim lutar-com, um acompanhamento. Acompanhar com o sentido da “atitude
devido à qual o olhar sobre o morrente se volta para um agonizante, que luta pela vida
até a morte, e não para um moribundo que logo vai ser um morto.” (p.16).
Há estados parecidos com a morte, que os vivos podem conhecer: o sono profundo, os
desmaios, o estado comatoso. E também se experimenta a morte vivendo o perigo de
morte: a guerra, a doença grave, os acidentes. Ricoeur diz que “somente os fantasmas se
lembram da morte” (p.28). Refere-se ao horror dos campos de concentração, ao
extermínio. À memória da morte dos sobreviventes (que sobreviveram por “sorte”, sem
mérito). Ao imaginário da morte a partir do extermínio “arraigado na vivência que se
torna indistinguível da ‘angústia de viver’ em seu caráter de ‘sorte’.” (RICOUER,
2012, p. 29).
Pode-se pressentir ou imaginar a própria morte. Mas a diferença entre estas experiências
permanece oculta. A morte intervém como o desconhecido: ultrapassa qualquer
experiência de doença, sofrimento e velhice. É através da morte do outro que se conhece
a morte. O outro representa todos os outros.
A morte do próximo é ainda mais intensa que a morte do outro em geral. Quando
alguém conhecido morre, passa-se pela experiência da ausência misteriosa da pessoa.
Aquele corpo não mais representa a pessoa conhecida (LANDSBERG, 2009).
Do ponto de vista biológico, viver é uma luta constante contra obstáculos e ameaças, o
organismo gasta suas energias nesta luta. Mas a experiência vivida mostra a
coincidência desse limite biológico com o desaparecimento da pessoa. Quando uma
15
pessoa próxima morre, sente-se a morte no interior da própria existência. A perda
decorrente da morte, a ausência do outro, promove esta experiência.
Landsberg (2009) considera que nesta experiência há algo como o sentimento de uma
infidelidade trágica da parte do outro, assim como há o sentimento de morte no
ressentimento da infidelidade. “Ele morreu para mim”, “eu morri para ele” – é mais que
uma maneira de falar. (p.23).
Para compreender a morte do outro é preciso que a experiência do morrer do outro se
desvele. Os pais de soldados mortos na guerra realizam seu sofrimento ao receberem as
cartas fatais com a notícia de suas mortes. Buscam, então, saber os detalhes dos últimos
momentos dos filhos, procurando encontrar a atmosfera do morrer para entrar nesta
compaixão vital que necessitam. O ato de morrer em que a pessoa se concentra é mais
acessível à compreensão. A compaixão serve como uma ponte para o outro, sendo um
consolo (LANDSBERG, 2009).
O prazer e a dor podem, igualmente, se aproximar da morte. No prazer se está perto da
angústia da morte, ela parece prolongá-lo, o homem foge de sua lei ontológica mais
profunda, segue para o nada. O êxtase, que não precisa ser necessariamente religioso,
parece vencer a angústia e o tédio, libertar uma força que parece existir
independentemente da vida corporal.
Desde Platão, os filósofos do espírito seguiram por esta via para justificar com
argumentos a esperança de uma vida após a morte. Scheler (2008) defende a autonomia
dos atos espirituais em relação ao processo vital. O conhecimento não seria determinado
biologicamente, ele seria supervital, inacessível à morte. A autonomia do espírito diante
da vida e da morte se constituiria através da participação no mundo das ideias
(SCHELER, 2008). Ricoeuer (2012) reflete que o artista morre e a obra fica. Quando se
16
fala do artista usa-se as datas de nascimento e de morte entre parênteses. Estas datas
marcam o tempo da produção de cada obra como acontecimento de vida, mas também
mostram o momento em que a obra ¨se reinscreve no tempo imortal - ¨angélico¨ - tempo
trans-histórico da recepção da obra por outros vivos que têm seu tempo próprio.¨
(RICOEUR, 2012, p 56)(2).
Epicuro criou a doutrina chamada de sofisma da inexistência da morte. Se nós
existimos, ela não existe. Se ela existe, nós já não existimos (SCHLIEMANN, 2002).
Sêneca e os estoicos entenderam que a morte pertence ao todo ordenado do cosmo,
assim como o nascimento. A morte não é um fim absoluto, pois o homem pertence ao
cosmo, nada perece no mundo, apenas passa. O estoicismo é uma doutrina de liberdade,
fundada na possibilidade de morte livre. Uma porta aberta por onde se pode escapar de
qualquer servidão (SENECA, 2011).
O budismo, baseado na fé bramanista, considera que a ligação do nascimento com a
morte é indestrutível por ser inerente à essência da realidade. O imutável que existe em
cada ser sobrevive ao fim, renascendo como deus, semideus, ou elementos da natureza.
Existem práticas que ajudam a encontrar a esperança que há na morte, e a combater a
negação e o medo que ela pode inspirar (RINPOCHE, S., 2011).
O pensamento judaico está na base da visão do cristianismo: a ligação do nascimento e
da morte encontra-se no pecado original, pode ser rompida por um novo nascimento,
pela intervenção da graça divina que vence o pecado e, portanto, a morte.
(LANDSBERG, 2009).
O cristianismo propõe, para o crente, a libertação da morte. Para os cristãos, o homem
pode transcender a condição de mortal porque há a possibilidade de vida depois da
17
morte. A mortalidade é a punição do pecado. A participação do homem na eternidade da
pessoa divina só se realiza integralmente além da morte, a própria morte se torna um
nascimento superior ao nascimento empírico. A danação aparece como a única morte
verdadeira, morte eterna, porque é a perda definitiva de tal participação. A pessoa
espiritual do defunto não se aniquila, ela adquire uma existência definitiva na morte ou
na vida, no inferno ou no céu.
A desvinculação do corpo da alma, após Descartes, embasa o início da separação deste
do sagrado, sendo o corpo associado à matéria. Descartes considerava a alma racional,
distinta do corpo em que habitava. Foi o primeiro que formulou o dualismo completo
entre a alma e o corpo, entre a mente e a matéria, que depois se impôs como
pensamento geral. A filosofia de Platão, Aristóteles e a tradição cristã consideravam
corpo e alma diferentes, mas ontologicamente unidos. Descartes rompe com este
pensamento, afirmando que a alma não precisava do corpo para pensar e sentir. Eram
duas substâncias. O corpo seria gerado como uma máquina, regida por leis da mecânica.
A alma poderia existir sem ele, no momento do fim, quando se separavam. Isto
possibilitou que os cientistas concebessem o corpo, até o séc. XIX, como matéria,
apesar de se continuar crendo na ressurreição da alma. Isto abre caminho, também, para
a separação entre o pensamento racional e a fé. (RODRIGUES; FRANCO., 2011).
Para Landsberg (1) o cristianismo determina o início da conversão da atitude do homem
diante da morte. Discutindo o suicídio à luz do cristianismo, única doutrina que o
condena de forma absoluta, ele considera que a morte é uma tentação (por isto pecado
provocá-la). Há momentos que o homem deseja a morte.
1. 2 As mortes
A partir dos anos 1950 estudos empíricos de antropólogos como Marcel Mausse e Lévi-
18
Strauss, entre outros, mostraram que as doenças, a saúde e a morte não se reduzem
apenas a uma evidência orgânica, natural e objetiva, mas que sua vivência pelas pessoas
e pelos grupos sociais está intimamente relacionada com características organizacionais
e culturais de cada sociedade. Questionaram a hegemonia da biomedicina, quando esta
colocava a sua visão como “a verdade” ou a “única verdade”, e quando menosprezava o
saber e a experiência das pessoas comuns. Entenderam que não há racionalidade
biomédica independente do ambiente cultural e histórico de seu exercício (MINAYO,
2006).
As epidemias também estão ligadas à organização social. Fatores culturais não apenas
influenciam doenças, mas também induzem ambientes que favorecem seu
aparecimento. Segundo Rodrigues (2005), “não basta estudar apenas o aspecto
laboratorial das enfermidades e não é satisfatório compreender delas somente aquilo
que é possível perceber por meio do microscópio” (p.177). Ele propõe o alargamento
dos estudos de antropologia do corpo, pois compreender a vida humana significa
entender que ela “tem suas razões (amor, ódio, honra, vergonha, orgulho, etc.) que a
biologia desconhece” (p.188). Para ele, portanto, é necessário correr o risco de
relativizar a própria biologia humana, pois o corpo humano não tem dois lados – um
fixo e biológico, outro variável e cultural - mas apenas um.
Também a disciplina histórica considerou, durante muito tempo, que o corpo não
pertencia à cultura, e sim à natureza. Mas o corpo é agente e produto de representações
mentais. Para Le Goff (2010), a história da Idade Média era desencarnada, os
historiadores interessavam-se pelos homens, secundariamente pelas mulheres, mas
geralmente sem seus corpos. Mas se o corpo vem mudando através do tempo, ele tem
história. Para ele, uma das principais tensões existentes nesta época era entre o corpo e a
alma. O pecado original, que no Gênesis era descrito como um pecado de orgulho e um
19
desafio do homem contra Deus, torna-se um pecado sexual. O primeiro homem e a
primeira mulher são condenados ao trabalho e à dor (parto com dor), e devem ocultar a
nudez de seus corpos (p.11) (LE GOFF; TRUONG, 2010).
A coexistência dos vivos e dos mortos era desconhecida da Antiguidade pagã e mesmo
cristã. Segundo Ariès (1988), apesar da familiaridade com a morte, os antigos temiam
os mortos e os mantinham afastados. Os cemitérios ficavam fora das cidades. Na cultura
greco-romana da Antiguidade, o culto e os rituais funerários objetivavam impedir que
os mortos e suas almas perturbassem os vivos. (RODRIGUES; FRANCO, 2011).
O corpo foi glorificado no cristianismo medieval. Jesus é a encarnação de Deus, que
toma um corpo de homem, e vence a morte. A ressurreição de Jesus funda o dogma
cristão da ressurreição dos corpos, crença inexistente em outras religiões. (LE GOFF;
TRUONG, 2010).
Foucault, nos trabalhos publicados no ano de sua morte (1984), afirma que existe uma
continuidade entre a Antiguidade e o cristianismo primitivo, e destaca as diferenças e as
novidades que separam a ética corporal (no caso, sexual) da religião de Estado que irá
se impor na Europa medieval, daquela dos tempos greco-romanos. (FOUCAULT,
2006; 2012).
Le Goff e Truong (2010) consideram importante estudar a Idade Média porque o triunfo
do cristianismo nos séculos IV e V provocou quase uma revolução nos conceitos e nas
práticas corporais. E também porque a Idade Média é, mais que qualquer época, a
matriz do presente. É na Idade Média que se instala esse elemento fundamental da
identidade coletiva ocidental que é o cristianismo.
Essa Idade Média se instaura em torno do corpo martirizado e glorificado de Cristo. É
nesta época que se criam novos heróis, santos, que são mártires em seus corpos. A partir
20
do séc.XIII, a Inquisição faz da tortura uma prática legítima que se aplica a todos os
suspeitos de heresia, e não somente aos escravos, como na Antiguidade. A tortura era
considerada uma ação sobre o espírito. Assim como a autoflagelação, abria caminho
para a salvação (RODRIGUES; FRANCO, 2011). É verdade que os povos da
Antiguidade mostravam bem pouca empatia com outros humanos. É só lembrarmos os
jogos em que os homens lutavam e morriam diante de um público nada penalizado com
suas sortes (e mortes).
Ariès (1988) considera que a atitude diante da morte permanece sem mudar por longos
períodos de tempo no mundo ocidental. Modificações lentas, entretanto, foram se
realizando. Atualmente estas mudanças são mais rápidas e mais evidentes.
Até o séc. XVIII, na Europa, as pessoas estavam familiarizadas com a própria morte. A
pessoa que morria organizava o ritual, que era uma cerimônia pública, com participação
inclusive de crianças. Era um assunto privado, familiar, mas com participação de muitas
pessoas. Hoje os adultos evitam falar da morte com as crianças. A gestão do processo da
morte e a morte estavam basicamente em mãos femininas da própria família.
Posteriormente, a morte torna-se um assunto de especialistas (homens), médicos e
hospitais (ARIÈS, 1988; MIGUEL, 1995).
Apesar do mundo mágico da época, a morte era simples. Havia ritos, dependendo da
religião, mas o moribundo participava sabendo que ia morrer. O doente aguardava a
morte no leito. A familiaridade com a morte refletia a aceitação da natureza onde o
homem se via inserido (ARIÈS, 1988).
Na Idade Média a morte (e os doentes e os moribundos) era mais pública e era pouco
comum que as pessoas estivessem sozinhas. A maneira de viver, trabalhar e morar não
permitia outra coisa. Elias (2001) destaca que outros aspectos biológicos da vida
21
humana também eram mais públicos, como o nascimento.
Ariès (1988) destaca que havia neste período uma concepção coletiva do destino. O
homem era profundamente socializado, e esta socialização não separava o homem da
natureza. A familiaridade com a morte era uma forma de aceitação da ordem da
natureza. A morte era uma das leis da espécie. Era simplesmente aceita.
O morrer junto à família e de maneira menos oculta não significava que esta fosse uma
experiência tranquila, já que os sentimentos religiosos de culpa e castigo prevaleciam no
mundo ocidental. As epidemias também faziam da morte um evento comum e visível. A
expectativa de vida era menor do que atualmente nas sociedades desenvolvidas, as
doenças infecciosas aumentavam as taxas de mortalidade infantil, e levavam a um curso
de doença rápido. Nestas sociedades havia um nível baixo de individualização e a
autoridade religiosa desempenhava papel central que podia conduzir ao medo do castigo
após a morte (ELIAS, 2001).
A partir dos séculos XI-XII – a segunda idade média - esta realidade foi parcialmente
alterada. Foram modificações sutis, que aos poucos dão um sentido dramático e pessoal
à familiaridade tradicional do homem com a morte.
A relação entre a morte e a biografia de cada vida particular se consolida nos séculos
XIV e XV. Acredita-se que cada homem revê toda sua vida no momento da morte. Sua
atitude neste momento dará à sua biografia o sentido definitivo, a conclusão. A
solenidade do ritual da morte no leito ganha uma carga emocional que não tinha antes.
A partir do séc. XV é através da morte que as pessoas adquirem um conhecimento pleno
de si mesmo. A preocupação se centra na morte de si mesmo, a importância do ser
individual.
Nos dois últimos séculos deste período começa a haver preocupação com a morte dos
22
outros. Teme-se a morte, sobretudo a morte dos outros. Visitam-se os cemitérios como
se visitasse um vizinho ou amigo. A memória, junto com a visita ao túmulo do morto/a,
proporciona certa imortalidade social ao ser humano. É como se a sociedade estivesse
composta dos vivos e dos mortos. (MIGUEL, 1995).
A partir do século XIX, ocorre um processo de afastamento social da morte, e a morte
do outro se torna dramática e difícil de suportar. No século XIX e XX inicia-se o
processo de medicalização do social, e a medicina e sua instituição torna-se referência
central no que se refere à saúde, à vida, ao sofrimento e à morte (MENEZES, 2004). Há
uma mudança do lugar da morte, das casas para o hospital, das comunidades e famílias
para os médicos.
Até o século XIX, no Brasil, o corpo morto era associado ao universo do sagrado,
seguindo a tradição do catolicismo luso-brasileiro que prevalecia na época. Havia rituais
e cuidados com o defunto, pois se acreditava que isto era importante para que o morto
alcançasse a salvação. Há uma mudança nesta tradição em meados do século XIX,
principalmente na Corte, resultante de transformações na maneira que o corpo morto era
concebido de modo geral. As representações do catolicismo luso-brasileiro que
predominaram na sociedade colonial e no início do Império sofreram uma mutação com
a emergência do saber médico e a introdução de ideias e concepções sobre o corpo
morto, que passa a ser visto de forma mais materializada e biológica. Isto leva à
desritualização, gerando novos cuidados. O corpo morto passa a ser chamado mais
comumente de cadáver (corpo de homem morto, corpo sem alma), e se começa a dar
novos destinos a ele, baseado em ideias de higiene (RODRIGUES; FRANCO, 2011).
Apesar do contato da cultura lusitana com diferentes crenças existentes no Brasil, de
origem indígena e africana, as representações do catolicismo permanecem
23
predominantes.
As práticas e rituais são muito sincretizadas ou miscigenadas em
relação ao corpo morto ao longo dos séculos. Elementos “pré-cristãos” da antiga
tradição ibérica juntaram-se a elementos principalmente de culturas africanas, e muitos
negros escravizados e ex-escravos filiavam-se às irmandades religiosas para conseguir
um sepultamento digno ou para tranquilizar seus espíritos, segundo suas crenças
ancestrais. O catolicismo, nessa época, considerava a doença como castigo decorrente
do pecado, e os médicos eram obrigados, pela legislação eclesiástica, a chamar o pároco
antes de tratar dos males do corpo. A confissão deveria ser feita assim que surgissem os
primeiros sintomas da doença (RODRIGUES; FRANCO, 2011).
No séc. XX, após a Segunda Guerra, há uma modificação nas práticas e representações
da morte e do morrer no mundo ocidental. Há um processo de ocultamento dos que
estão prestes a morrer, a institucionalização e a rotinização dos cuidados aos doentes.
Há uma mudança na relação entre o homem “moderno” e a morte (MENEZES, 2004).
O nascimento e a morte deixam de ser um tema familiar e em mãos não especialistas
(principalmente mulheres) para realizar-se em hospitais, depender de especialistas
(homens) de alta tecnologia. (MIGUEL, 1995).
O Brasil segue contendo importante diversidade religiosa. Apesar disto, até hoje, o
Estado não é totalmente laico, mantendo ligação com o simbolismo da Igreja Católica.
A religiosidade é relevante para grande parte da população, e não pode ser
negligenciada no entendimento do contexto da doença e da morte (BOUSSO, POLES et
al., 2011). Em pesquisa que compara o sentido da morte para protestantes e
neopentencostais no Brasil, Pinezi (2009) encontra importante distinção. Para os
neopentencostais a morte ocupa um espaço simbólico pequeno, e não deve ser
considerada uma negação de Deus ao pedido de cura dos fiéis. O presente e os
benefícios conseguidos pelos vivos se sobrepõem a este evento natural. Eles contestam
24
os protestantes históricos em relação a estas questões, acusando-os de não terem fé
suficiente para operar os milagres de cura, prosperidade e restauração. Em suas igrejas
não se celebram ofícios fúnebres, não há um ritual que dramatize a morte. Os cultos
enfatizam a vida, a cura, o bem-estar do corpo e da alma aqui na terra. Já os
presbiterianos estudados por ela não consideram a morte algo natural. Consideram que
não foram criados para morrer. A morte é vista como decorrência da desobediência aos
mandamentos divinos, através do mito de Adão e Eva que cedem à tentação do diabo,
simbolizando o erro que levou a morte a todos os homens. A morte é ritualizada por
eles, faz-se cultos fúnebres em seus templos, a morte é pranteada e o pastor da igreja
emite mensagem consoladora a seus fiéis e à família dos mortos. O morrer é
considerado como um período de transição em que se aguarda o reencontro em um
mundo sem doença, sem dor, sem tristeza. Uma esperança de encontro, na eternidade,
de todos os escolhidos (PINEZI, 2009).
Nas religiões de matriz-africana de origem nagô, existe o mundo dos vivos (Aiyê) e um
mundo sobrenatural, onde estão os orixás e outras divindades e espíritos, para onde vão
os que morrem (Orun). Quando alguém morre, seu espírito, ou uma parte dele, vai para
o Orun, de onde pode retornar ao Aiyê, nascendo de novo. Todos os homens, mulheres e
crianças vão para um mesmo lugar, sem a ideia de punição ou prêmio após a morte. Os
espíritos retornam à vida no Aiyê tão logo possam, pois o ideal é o mundo dos vivos, o
bom é viver. A morte de um iniciado implica a realização de ritos funerários. Os
vínculos religiosos devem ser desfeitos, liberando o espírito, o egum, das obrigações
para com o mundo do Aiyê. O rito funerário é, pois, o desfazer de laços e compromissos
e a liberação das partes espirituais que constituem a pessoa. Simbolizando a ruptura que
tal cerimônia representa, os objetos sagrados do morto são desfeitos, desagregados,
quebrados, partidos e despachados. Iku – a morte – sempre levará os humanos, mas
25
estes lhe resistirão o máximo que puder. Homens e deuses gostam de viver na Terra.
(SANTOS, 1986).
Ziegler (1975) mostra que em uma sociedade de classes não é possível uma consciência
igualitária da morte. As classes dominantes, no capitalismo, impuseram o pensamento
de que a morte é um evento natural e universal, igual para todos. Mas não existe
igualdade diante da morte. A expectativa de vida, as chances de vida (mortalidade
infantil), as causas das mortes não são as mesmas para pobres e ricos, variam entre
países desenvolvidos e em desenvolvimento, entre continentes, entre segmentos da
população (por exemplo, entre brancos e negros no Brasil). A tradição humanista que
valida a ideia de que todos são iguais perante a morte mascara o caráter de classe,
naturaliza as diferenças e impede uma consciência própria da morte, cuja imagem
poderia servir como arma de consciência e de revolta. O humanismo mudou o fato de
que a morte levaria à outra vida. Privilegia o homem vivo, que pode quase tudo. Morto
não é mais nada, pois a morte interrompe sua possibilidade de transformar o mundo. “A
linguagem vai hipertrofiar-se em relação ao homem que vive; vai progressivamente
calar-se sobre o homem morto e sobre o homem que morre.” (ZIEGLER, 1975, p 138).
O evento da morte é, portanto, também social, e os sentidos das mortes são diferentes
dependendo do grupo, contexto, momento histórico e cultura em que eles são
construídos. Também a experiência da morte difere de sociedade para sociedade, e é
variável e específica segundo os grupos (ELIAS, 2001).
O tabu da morte existente na atualidade foi construído socialmente. Hoje é pequena a
experiência da morte do outro, e é impossível focalizar a própria morte sem ter sido
socializado antes na morte de outros. Os jovens e as crianças conhecem menos ainda a
morte. As pessoas não costumam mais sequer saber que estão morrendo. (MIGUEL,
26
1995).
Elias (2001) chama a atenção para a dificuldade que muitas pessoas têm, nos dias atuais,
em identificar-se com os velhos e moribundos, levando a um sofrimento maior para
estes, dado o isolamento a que são relegados. Para ele “o problema social da morte é
especialmente difícil de resolver porque os vivos acham difícil identificar-se com os
moribundos” (ELIAS, 2001, p. 9).
Atualmente o conhecimento da inevitabilidade da morte é aliviado pela noção de que os
eventos naturais são cada vez mais controláveis. A vida tornou-se mais previsível e a o
espetáculo da morte em consequência de doenças deixou de ser comum (MENEZES,
2004).
Na morte atual há pouco espaço para emoções – dos médicos, dos doentes ou dos
familiares. Para Elias, há uma clivagem entre “mundo interno” e “mundo externo”, o
que leva à solidão, ao isolamento emocional, e ao autocontrole. Há um recalcamento
individual e coletivo, propiciando um afastamento dos rituais tradicionais e um maior
controle individual da expressão dos sentimentos. O moribundo fica excluído da
comunidade dos vivos, causando neles constrangimento (ELIAS, 2001).
Assim, “a morte moderna” é silenciosa e higiênica, e ao invés de gemidos ouvem-se os
sons dos monitores, o cheiro não é mais o das excreções do corpo, e, cada vez mais, os
hospitais se “humanizam” com cores e sabores. Não se pode entender, hoje, como a
tuberculose um dia foi uma doença cercada de romantismo, já que um episódio de
hemoptise é angustiante, com muito sangue e cheiro de morte.
Para Miguel (1995), no mundo pós-moderno atual a morte é evitada, retardada ao
máximo, escondida. Morre-se no hospital, em um quarto isolado (UTI), entre tubos e
máquinas, inconsciente. Nos hospitais, onde antes morriam os pobres, agora morrem os
27
ricos. Vai-se ao hospital para morrer, não para se curar. Não há uma cerimônia ou ritual
de morrer. A pessoa moribunda não sente sua morte. São os médicos que diagnosticam
que a vida terminou. É um evento secreto, definido por médicos ou a equipe hospitalar.²
Parece que atualmente a morte substituiu o sexo como tema proibido. Uma sociedade
feliz que exalta a juventude e a alegria, a aventura de viajar, de estar sempre contente,
anula a ideia da morte. Proíbe-se a ideia da morte. Suprime-se, inclusive, tudo o que
lembra a ideia da morte. Pensar na própria morte é mórbido, representa um sintoma de
doença mental. A morte é um tema clandestino inclusive para os pesquisadores sociais.
(MIGUEL, 1995).
A morte é um tabu em seus três aspectos: do ato de morrer, do funeral e do luto. A
maioria da população se sente imortal. A espécie humana é a única que sabe que vai
morrer. Entretanto, vive-se como se não se fosse morrer jamais.
Para Miguel (1995), entretanto, a aids poderia mudar este tabu no futuro. Para ele, a
epidemia da aids “não só legitimou a análise científica (e humanitária) da conduta
sexual, mas também chamou a atenção sobre o corpo moribundo.”(p.114). Mas apesar
de haver dinheiro para pesquisas de temas como aids (sociologia médica) ou velhice,
“curiosamente, em ambos os campos os estudos sobre a morte propriamente dita são
muito escassos.” (MIGUEL, 1995, p.114).
1.3 O morrer de AIDS – Eros e Tânatos
A morte biológica não põe fim apenas à existência física, mas acaba também com
aquele ser social a quem se atribuíam qualidades (boas ou não). O morto - e a morte pode ser mais ou menos valorizado. E a própria morte pode ser uma “boa morte” ou
não, uma morte fecunda ou estéril, uma morte heroica ou vergonhosa, e assim por
diante.
28
A morte pode ter diversas versões sobre sua natureza e causa. Se à morte biológica,
atualmente, não cabem questionamentos a não ser para a medicina e biologia, à morte
do sujeito cabem significações que a integrem na sociedade. As religiões - mas não
apenas elas - são instâncias em que os eventos de morte são tratados e representados.
Em nossa sociedade existem pelo menos duas formas de interpretar a morte: uma forma
positiva, como aquela de quem cumpriu sua missão, ou que estava prevista ou esperada,
e aquela cujos eventos são incompreensíveis ou indicadores de situações anormais.
Como estas formas são interpretações, e não são, necessariamente, partilhadas
universalmente, dependendo de por quem e onde foram percebidas, elas são sempre
uma das versões possíveis destes eventos (MESQUITA, 2000).
Duas perguntas em geral se colocam quando se trata de uma morte: a causa da morte e
quantos anos tinha a pessoa quando morreu. A aids e a pouca idade, muitas vezes
juntas, acrescentam a esta morte uma “anormalidade” – tornando-a “suspeita” (Ibid).
A morte, esta desconhecida, costuma ser imaginada de uma forma mágica. Quantas
vezes homens e mulheres não se imaginam mortos, assistindo às reações a sua morte?
Vendo o sofrimento dos entes queridos, o desespero daqueles que dependem deles, ou
dos que o amam ... Quantas vezes não se imagina a própria morte como uma vingança?
A morte imaginada também surge quando homens e mulheres se encontram em situação
crítica, como uma solução mágica. Por exemplo, quando se tem dívidas, uma situação
vergonhosa, uma gravidez indesejada. Como a senhorita Else, personagem de Arthur
Schnitzler. Sua morte imaginada, como solução dos problemas por ela vividos, é bem
diferente da morte que ela encontra no final do romance: páginas em branco, nunca se
saberá o que sentiu(3).
Cremos que o mesmo possa ocorrer diante da notícia de uma doença estigmatizante, que
29
mudará vidas e obrigará ao enfrentamento de pessoas próximas, ao desvendamento de
condutas que antes estavam ocultas, ao esclarecimento de traições. Morrer e pronto.
Ninguém ficará sabendo, ou se souberem, não se estará mais aqui para enfrentar as
consequências.
Como se está cada vez mais afastado do processo da morte (da dor, do sofrimento
físico, da fealdade da doença), ela aparece como uma forma de fugir do problema.
Esquece-se o diagnóstico, esconde-se (inclusive de si mesmo) o problema. Depois a
morte. Simples assim.
Isto pode significar não buscar tratamento, não usar métodos preventivos, não
compartilhar preocupações. E quando a doença de fato se manifesta, não é só a morte
que se encontra no caminho. É com a doença que se tem que lidar, muitas vezes sem
sucesso. A morte demora a chegar, e chega com sofrimento.
Com o advento dos tratamentos que tornam a aids quase uma doença crônica, e com os
doentes não mais expostos, já que as figuras públicas atingidas geralmente se tratam e
não demonstram os efeitos da doença, estes efeitos ficam também escondidos. O choque
só ocorre quando se sabe da morte de alguma destas figuras.
O câncer tem sido revestido de glamour, com artistas aparecendo de cabeças raspadas,
dando notícias dos tratamentos. As mortes por câncer são cercadas de glória, morre-se
lutando contra a doença.
A aids continua oculta. Escondem-se os remédios e se evita emagrecer, para não
levantar suspeitas sobre a doença.
Herzlich (2004) comenta que, por muito tempo, historiadores e sociólogos analisaram as
instituições assistenciais e as políticas de saúde, a evolução das epidemias e as
30
principais fases em saúde coletiva, mas só mais recentemente a experiência privada e
pessoal da doença teve atenção das Ciências Sociais. Ela cita Marc Augé que diz que “o
grande paradoxo da experiência da doença é que ela é tanto a mais individual quanto a
mais social das coisas”.
A aids vem mostrar isto e, devido seu caráter epidêmico e sua disseminação inicial em
grupos específicos, logo se torna um fenômeno público e coletivo. Pesquisas dedicadas
à aids demostraram como o domínio privado e público da vida se sobrepõem e como a
intimidade se torna coletiva e política (HERZLICH, 2004).
No século XIX, o sexo era tabu e a morte pública, relação que se inverte na segundo
metade do século XX. Mas a aids – peste gay, câncer gay, vírus criado em laboratório
para exterminar haitianos e africanos, como foi representada em várias partes do mundo
– exibe o sexo, a doença, os moribundos e a morte.
A morte por aids teve cara, assistimos no Brasil às trajetórias icônicas de Cazuza e de
Betinho, seus rostos emagrecidos, cabelos ralos, suas imagens transformando-se na
imagem ocidental da morte: o esqueleto, a caveira.
Eros e Tânatos. Mistura explosiva, ainda mais em se tratando de sexo transgressor,
comportamentos desviantes, e celebridades.
Uma epidemia que pôs em evidência, em um país de origem puritana como os Estados
Unidos, práticas sexuais e relacionamentos homoeróticos antes encobertos. Uma
epidemia que deixou claro em um mundo machista e homofóbico, que mulheres
praticam sexo e homens podem ser bissexuais.
A aids representou também um desafio para os médicos. Acostumados com a crença de
terem alcançado o poder do conhecimento e da cura, viram-se de novo diante de uma
31
doença que não eram capazes de dominar, obrigados a reconhecer que não sabiam
controlar a epidemia e os males causados por ela.
A dificuldade dos médicos e outros profissionais de saúde frente à morte antecede a
formação profissional, pois o processo de socialização dos indivíduos não concebe a
morte e não os prepara para sua vivência. O avanço tecnológico da medicina tem como
objetivo o prolongamento da vida, mas isto nem sempre é alcançado, ocorrendo na
verdade um prolongamento no processo de morrer (HOFFMMAN, 1993).
No caso da aids, por um momento médicos e pacientes se aliaram no medo e na dor. A
comunidade biomédica, impotente, aliou-se aos pacientes, mas à medida que o
tratamento foi se tornando eficaz, o distanciamento voltou a ocorrer (HERZLICH,
2004).
Novos desafios, entretanto, estão colocados, mesmo onde existe acesso ao tratamento e
à prevenção, como no Brasil. A dificuldade de adesão aos medicamentos e aos métodos
de prevenção conhecidos ameaça a efetividade dos programas ora em curso.
Atualmente, o perfil da epidemia se modificou. O doente estereotipado da aids - homem
branco, homossexual e bem sucedido no mundo da moda ou das artes - está longe de ser
a cara das vítimas da epidemia. A aids tornou-se uma doença de pobres, de mulheres, de
gente com baixa escolaridade. Além de jovens, atinge também os mais velhos. E se
interiorizou no Brasil.
As notícias do sucesso dos novos tratamentos, se por um lado, diminui o medo incutido
pelas primeiras campanhas terroristas, que diziam que estar infectado pelo HIV
significava estar diante da morte iminente, agora podem reforçar a perigosa noção de
que não é necessária tanta preocupação com a prevenção.
32
Reportagem publicada no Jornal do Brasil com o título “'Barebacking' cresce no Brasil
e torna-se caso de saúde pública”, assinada por Vagner Fernandes, em 03 de janeiro de
2009, relata a existência de uma moda que já vinha sendo comentada nos consultórios
médicos há algum tempo, inspiradas em práticas realizadas nos EUA. A reportagem
inicia-se assim:
RIO - "Procuram-se HIVs". Impresso em um caderno de classificados dos jornais das
grandes metrópoles, o anúncio não passaria despercebido. Do ponto de vista conceitual,
HIV é uma sigla que desperta interesse e hostilidade, fascínio e medo, compaixão e ódio.
Estigmatizada até então como o acrônimo da morte, ela vem ganhando novos contornos
etimológicos devido a um grupo de homens que praticam sexo com homens (os HSH),
absolutamente crentes na teoria de que o vírus da Aids, se contraído numa relação sexual,
pode trazer benefícios para seu cotidiano, libertando-o, de uma vez por todas, do uso do
preservativo, aumentando o prazer, proporcionado uma liberdade só experimentada no auge
da revolução sexual, na década de 70.
A teoria foi posta em prática. E tem nome: "barebacking" (derivado da palavra barebackers,
usada em rodeios para designar os caubóis que montam a cavalo sem sela ou a pelo).
(JORNAL DO BRASIL, 3 de janeiro de 2009)
O jornalista segue descrevendo as festas realizadas no Rio de Janeiro, onde se pratica
sexo com pessoas desconhecidas, que podem ser soropositivas para o HIV ou não,
causando a emoção do risco. Chamadas “festas da conversão” (conversionparties) ou
roleta russa, mistura entre os convidados os bug chasers (caçadores de vírus) - HIV
negativos - que se lançam ao sexo sem camisinha, e os giftgivers (presenteadores), os
soropositivos para o HIV que se dispõem a contaminar um negativo. São esses os
responsáveis por entregar o gift (presente), o vírus. Segundo depoimento dos
participantes da reportagem “o prazer sem barreiras é o que importa”. É a “sensação de
perceber a adrenalina disparar e o coração bater aceleradamente devido ao unsafe sex
(sexo inseguro) sem pudores e em público que os impulsiona”.
33
Para eles, a contaminação elimina o medo e apresenta uma perspectiva futura de
possibilidade do contato pleno. Eles ainda consideram como ponto positivo da prática o
fato de a ansiedade e a angústia frente ao possível contágio pelo HIV desaparecerem,
assim que se descobrem soropositivos. Isso é visto como libertação, pois que o uso do
preservativo passa a ser desnecessário. Mais uma vez, Eros e Tânatos.
No VIII Seminário de Prevenção das DST/AIDS e I Seminário de Integração dos
Programas das Doenças Transmissíveis realizado em novembro de 2008, no Rio de
Janeiro, foi apresentado pelo psicanalista George Gouvêa um trabalho com o título “Os
Estigmas da Promiscuidade e da Morte – Impactos subjetivo diante do diagnóstico da
Aids”. Ele considera que estes estigmas são representados no imaginário do indivíduo
soropositivo porque a ideia da morte iminente, construída com base na equação “doença
incurável = morte” e o estigma relacionado ao preconceito ligado a comportamentos
considerados desabonadores ainda existem e são percebidos em sua prática clínica,
existindo uma dissonância inicial entre a realidade (a existência dos antirretrovirais e o
fim da lógica dos grupos de riscos) e a percepção a respeito do diagnóstico aids
(GOUVEA, 2009). Ilustrando a publicação de seu trabalho no 6º Cadernos de
Prevenção da Gerência DST/AIDS do Rio de Janeiro, está a figura de uma caveira com
o título “Idéia da morte e do adoecimento que, em geral, invade o indivíduo no
momento da comunicação do diagnóstico Positivo para o HIV” (p.10). A ideia da morte
ligada à aids mantinha-se vigente.
Apesar dos avanços da medicina nestes mais de 30 anos, a aids continua sendo uma
doença grave e incurável, ainda não existem vacinas, e se caminha na direção de se
tratar a prevenção e a doença com remédios. A forte carga de preconceito que envolve
a doença - e os doentes - traz um sofrimento adicional que não se consegue medir. A
emoção causada pela notícia do diagnóstico dificilmente pode ser explicada apenas pelo
34
medo da morte ou das consequências físicas da doença (MEIRELES e SANTOS, 2007),
pois outras doenças letais não têm o mesmo impacto.
A tuberculose foi muitas vezes vista como uma doença que atingia as pessoas
talentosas, passionais, sensíveis. A sífilis chegou a ganhar uma reputação positiva,
mesmo que sinistra, por ser relacionada à atividade mental intensa, “febril”, assim como
a tuberculose foi ligada à atividade emocional intensa. O câncer tem sido ligado à morte
há muito tempo, e esta morte é vista como uma derrota genérica. A aids o substitui
como a vitória sobre a vida e a esperança (SONTAG, 1989), até o estabelecimento da
terapia antirretroviral.
Há uma distinção entre o morrer e a morte, pois o morrer não é um processo
ininterrupto. Quando se tem saúde, o fim inevitável não se anuncia de maneira
espalhafatosa (ROTH, 2006). Na aids o processo de adoecimento é sofrido, feio e
atualmente nem sempre leva à morte. Mas pode deixar sequelas que marcam o
indivíduo e dificultam sua vida. A morte – que pode ser um obscuro objeto de desejo
(LOPES, 2008) – nos desafia a desvendá-la para que nos livremos do medo.
É
preciso,
então,
continuar
no
caminho
de
pesquisas
que
esclareçam
sentimentos/percepções/atitudes de difícil compreensão para uma sociedade que
escondeu até a morte natural, e para profissionais acostumados com a objetividade da
ciência e com diagnósticos a partir de evidências.
1. 4 A epidemia da aids – 30 anos depois
Em 2012, cerca de 35,3 milhões [32,2-38,8 milhões] de pessoas viviam com HIV no
mundo. 1,6 milhões [1,9-2,7 milhões] de pessoas morreram por enfermidades
relacionadas a aids (UNAIDS, 2014).
35
Estima-se que até 2012 houve 2,3 milhões de novos casos de infecção pelo HIV no
mundo. Isto significou 33% de redução em relação ao número de 2001. Houve ainda
uma redução de 52% de novas infecções em crianças. As mortes por aids caíram em
30% desde 2005, queda atribuída à expansão do tratamento com antirretrovirais
(TARV). No final de 2012, cerca de 9,7 milhões de pessoas de países de baixa e média
renda tiveram acesso ao TARV, o que significou um aumento de 20% em um ano
(UNAIDS, 2014).
Os países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) pactuaram atingir a meta
de 15 milhões de pessoas em tratamento até o ano de 2015. A Organização Mundial de
Saúde (OMS), entretanto, após a expansão do tratamento e de estudos que mostram a
efetividade do TARV na prevenção do HIV, estabeleceu novas diretrizes antecipando o
uso dos antirretrovirais, aumentando em mais de 10 milhões o número de pessoas
elegíveis ao tratamento (UNAIDS, 2014).
As metas estabelecidas pela UNAIDS para 2015 são ousadas: os países concordaram
em envidar esforços para reduzir pela metade a transmissão sexual do HIV, inclusive
entre jovens, homens que fazem sexo com homens e a transmissão no contexto do
trabalho sexual; eliminar a transmissão vertical do HIV e reduzir pela metade a
mortalidade materna relacionada à aids, além de reduzir pela metade as mortes
relacionadas com a tuberculose em pessoas vivendo com o HIV/Aids no mesmo
período. (UNAIDS, 2010).
No Brasil, o Ministério da Saúde propõe, a partir de 2012, a ampliação do uso precoce
dos antirretrovirais para pacientes com linfócitos T CD4 igual ou menor do que 350
células/mm³. A partir de dezembro de 2013, estabelece a estratégia de oferecer TARV a
todas as pessoas que vivem com o HIV/Aids, independente de seu estado imunológico
36
(medido através da contagem de linfócitos T CD4). Segundo o Ministério, existem
cerca de 780.000 de pessoas vivendo com o HIV atualmente, e cerca de 300.000 em
tratamento medicamentoso. As novas diretrizes aumentarão em mais de 100.000
pessoas elegíveis ao TARV (UNAIDS). Ainda em 2013, a política de tratamento como
prevenção é adotada no país. O consenso médico, usado até então para orientar os
esquemas de tratamento, é substituído por protocolo de tratamento, com limitações na
escolha dos antirretrovirais a serem prescritos pelos médicos (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2014).
Até o final de 2013 só era obrigatória a notificação de casos de aids, o que faz com que
os números de infecção pelo HIV sejam estimados. A partir da publicação da nova
portaria ministerial que atualizará a lista completa de agravos de notificação
compulsória, em 2014, a notificação de casos de infecção pelo HIV se tornará
obrigatória no nível nacional. Essa lista, pela primeira vez, incluirá a notificação
universal da “infecção pelo HIV”, além das categorias já sob notificação compulsória, a
saber: “aids” (adultos e crianças), “HIV em gestantes” e “crianças expostas ao HIV”
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013).
Assim, verificamos que a estratégia adotada volta-se para o tratamento e a prevenção
através de medicamentos. Os recursos são aí alocados. A sociedade civil, que
historicamente participou da luta contra a epidemia no Brasil, passa a ter um papel
reduzido. Rareiam os militantes, as campanhas de prevenção perdem força. O
Ministério da Saúde recua em algumas campanhas, como ocorreu em 2013 na
campanha voltada para os jovens homossexuais, grupo onde cresce outra vez as novas
infecções no Brasil. Grupos religiosos exercem papel de oposição a estas campanhas,
conseguindo barrar iniciativas que antes foram consideradas importantes para o êxito do
programa de DST/Aids no Brasil.
37
São os medicamentos, agora, que garantem a vida. Usando uma expressão cunhada por
Menezes (2013) há a “medicalização da esperança”.
1 5 As representações sociais da morte por aids
Realizou-se uma busca de artigos sobre a morte por aids, através das bases de dados
Medline e Lilacs. Excluí-se a Embase por ser voltada para ensaio clínico e
farmacológico e a Cocchrane por ser local de protocolo e divulgação de ensaios
clínicos.
A pesquisa foi realizada em 29/11/2011, através da BIREME/OPAS/OMS – Biblioteca
virtual em Saúde. Usou-se os descritores death and aids and qualitative and research.
Procurou-se responder às seguintes questões: 1. Quais as representações sociais do
morrer de aids?
2. Estas representações podem ter influência no enfrentamento à
doença e na qualidade de vida dos sujeitos? 3. Estas representações podem ter influência
na observância aos tratamentos? 4. Estas representações podem ter influência na
prevenção?
Os sujeitos da pesquisa seriam as pessoas infectadas ou afetadas pelo hiv/aids; e as não
infectadas e não afetadas pelo HIV/aids. Considerou-se infectados pelo HIV aqueles que
sabem ser soropositivos para o HIV ou que têm aids; afetados aqueles que convivem
com pessoas sabidamente soropositivas para o HIV ou que têm aids; não infectados e
não afetados aqueles que não sabem serem soropositivos para o HIV/aids, e não
convivem com portadores de HIV/aids.
Assim, os sujeitos são pessoas portadoras do HIV/aids, pessoas que convivem com
portadores do HIV/aids, pessoas da população em geral não sabidamente portadoras do
HIV/aids.
38
Utilizou-se a seguinte estratégia para revisão:
1- Exposição: infecção pelo HIV/aids; convívio com portadores de HIV/aids; HIV; aids;
prevenção da infecção pelo HIV/aids; tratamento do HIV/aids.
2-Desfecho: representações sociais da morte pelo HIV ou da morte por aids;
representações sociais da morte; representações sociais do morrer de aids.
Tipos de estudos: estudos de representações sociais; pesquisas de representações
sociais; pesquisas qualitativas.
Procurou-se descritores no MeSH (MediclaSubjectHeardings); DeCS ( Descritores em
ciência e Saúde). Foram encontrados os seguintes descritores:
DescritoresMeSH: Death; Attitude to Death; Bereavement; Grief; Fatal Outcome;
Thanatology. Acquired Immunodeficiency Syndrome; AIDS; Serodiagnosis HIV;
Seropositivity
HIV;
Seronegativity.
HIV;Long-TermSurvivors;
AIDS
Long-
TermSurvivors; HIV Non-Progressors (excluído depois por ser categoria clínica).
QualitativeResearch.
Descritores DeSC: Morte; Atitude frente à morte; Síndrome de Imunodeficiência
Adquirida (aids, SIDA); HIV; Sobreviventes de Longo Prazo ao HIV (depois excluído,
por ser categoria clínica); Pesquisa Qualitativa.
“Representações Sociais” não consta como descritor.
Na base de dados Medline foram encontrados 86 artigos. Após leitura de Título e
leitura rápida dos resumos selecionamos 49 artigos.
Na base de dados LILACS não foram encontrados artigos com estes descritores (0
artigos). Constava, entretanto, um local chamado Temas em Destaques, onde, com o
39
subtítulo “Luta contra Aids”, encontrou-se 258 artigos. Após leitura de títulos e leitura
rápida dos resumos restaram 54 artigos.
Foram excluídos os artigos sobre clínica, epidemiologia e políticas públicas. Após
comparação entre as duas listas, verificou-se um artigo repetido em uma das bases
(excluído) e nenhuma repetição entre as duas bases de dados.
Depois de leitura mais apurada dos resumos dos artigos, foram selecionados dois artigos
na base LILACS e um artigo na base MEDLINE.
Artigos selecionados:
Cognitive representations of AIDS: a phenomenological study, de Anderson EH e
Spenser MH, publicado em Qual Health Res; 12 (10): 1338-52 de dez de 2002.
(Medline)
Representações sociais da prática do enfermeiro entre usuários do Programa Nacional
de DST e Aids/ Social representationsofthe nurse practiceamongusersoftheNational
STD and AIDS, escrito por Fernanda Vasconcelos Spitz em 2009 como dissertação de
mestrado (Fac. de Enfermagem da UERJ).(LILACS)
Representações sociais da AIDS para pessoas que vivem com HIV e suas interfaces
cotidianas, de Antonio Marcos Tosoli Gomes, Érika Machado Pinto Silva e Denize
Cristina de Oliveira, publicado pela Rev. Latino Americana de Enfermagem (19 (3):[08
telas] de mai-jun de 2011. (LILACS)
O primeiro artigo utiliza na sua análise o método fenomenológico Colaizzi (1978), e
não estava disponível na íntegra, sendo por isto eliminado da seleção. O segundo - uma
dissertação de mestrado -, trata de identificar e descrever as representações sociais das
práticas do enfermeiro no Programa Nacional de DST/aids
pelos usuários HIV
40
positivos e analisar se estas representações contribuem para a aceitação e enfrentamento
da doença. O marco teórico usado foi a Teoria das Representações Sociais elaborada por
Moscovici. Foram entrevistados 17 pacientes soropositivos para o HIV atendidos em
centros de saúde municipais da cidade do Rio de Janeiro. A conclusão da pesquisa é de
que não há representação social da prática do enfermeiro neste grupo, já que os usuários
não reconhecem/conhecem este profissional. Consideramos, portanto, que o trabalho
não responde às questões colocadas.
O terceiro artigo também usa a teoria das representações sociais. Busca descrever o
conteúdo das representações da aids entre pessoas soropositivas para o HIV, usuárias de
ambulatório da rede pública de saúde, e analisar a interface das representações sociais
da aids com o cotidiano dos sujeitos que vivem com o HIV, principalmente no que se
refere à adesão ao tratamento. Utiliza a técnica de análise de conteúdo manual. Foram
realizadas 30 entrevistas semi-estruturadas em profundidade, com participação de
usuários de uma instituição pública municipal do Rio de Janeiro, em acompanhamento
ambulatorial, e em uso de antirretrovirais. Foram encontradas 2.843 unidades de
registros (UR), distribuídas em 265 temas, com seis categorias. A primeira categoria
refere-se a uma das ancoragens da aids, que a relaciona com os homossexuais e pessoas
promíscuas. A origem da aids foi remetida a países estrangeiros, principalmente a
África, e a teoria do macaco africano que poderia ter relação sexual com humanos. Para
os autores, “o estudo demonstrou que o processo de ancoragem que ocorreu no início
da epidemia permanece presente no discurso social nos tempos atuais” (tela 4). Outro
processo de ancoragem liga a aids com a diabete, entendendo a síndrome como uma
doença crônica e não fatal. Para os autores isto mostra a superação da representação da
morte, substituída pela vida e sobrevivência.
Outra categoria refere-se à transmissão e prevenção da aids. Ainda que os sujeitos
41
conheçam as formas de contágio consideradas comprovadas pela ciência, os sujeitos
demonstram forte sentimento de culpa, declarando ter adotado comportamento sexual
de risco. Em relação ao uso do preservativo observa-se a mesma concepção que aparece
em outros estudos em relação àqueles que têm relacionamentos estáveis, onde o uso do
preservativo passa a ser considerado desnecessário, por se sentirem seguros quanto ao
risco de infecção pelo HIV.
A terceira categoria refere-se ao cotidiano de soropositivos, permeado pelo processo de
vulnerabilidade ao HIV. Aparece a vulnerabilidade individual, onde os sujeitos
consideram que todas as pessoas são suscetíveis a adquirir o HIV. Isto, entretanto, foi
colocado por pequena parte dos entrevistados, podendo indicar um subgrupo em relação
à vulnerabilidade e aos riscos individuais e sociais frente à síndrome. Para os autores, a
representação do grupo de risco permanece presente, pois os homossexuais, os
promíscuos, os usuários de drogas, são constantemente citados quando se fala de risco
para adquirir o HIV.
A quarta categoria refere-se à discriminação e ao ocultamento no conviver com o HIV.
Mostra a estratégia adotada pelas pessoas portadoras do HIV/aids para sobreviver
socialmente, através do ocultamento da doença. Assim continuam com sua vida normal,
sem acusações ou discriminações, tanto por familiares, como no trabalho. Esses sujeitos
sentem dificuldade de serem aceitos socialmente, e a omissão de seu estado sorológico
justifica-se pelo medo de ser julgado. A aids é vista como um “castigo”, e continua
sendo diretamente associada a condutas desviantes. Faz-se a opção por esconder a
doença, considerando-se que o HIV tem, em sua história metafórica, julgamento moral e
reprovável. Este processo aumenta o medo e o isolamento das pessoas afetadas, e o
estigma é estendido à família e aos amigos. Os sujeitos do estudo apresentaram
tendência a se resguardar ou se excluírem do convívio social depois de receberem o
42
diagnóstico. Alguns apresentaram como alternativa buscar relacionamentos com
pessoas soropositivas como eles.
A quinta categoria diz respeito ao processo de adesão ao tratamento no cotidiano de
indivíduos soropositivos. Para os sujeitos há uma dicotomia em torno da terapêutica,
pois a vida e a saúde depende do uso dos medicamentos, e o abandono tem como
consequência a progressão da doença e a morte. O auto-cuidado também está
relacionado com a qualidade de vida e a falta dele também resulta em adoecimento e
morte. A percepção dos objetivos do tratamento é um fator favorável à adesão aos
antirretrovirais (ARV). Os entrevistados mostraram que tinham compreensão sobre o
uso correto dos ARV. Identificou-se os efeitos colaterais como fator relevante para o
abandono dos ARV, especialmente a alteração do corpo provocado pela lipodistrofia,
que pode caracterizar as pessoas como soropositivas. Havia também tendência para
naturalizar o conviver com o HIV, não como fuga da situação, mas como aceitação da
doença e do tratamento. Para os autores, isto sugere que os entrevistados estão
conscientes do tratamento, sabendo que é para o resto da vida, como uma doença
crônica, como o diabete. Esta naturalização está ligada ao sucesso do tratamento. A
religião e a fé também fazem parte da vida cotidiana da maioria dos sujeitos e aparecem
como suporte para o enfrentamento da doença. Eles destacam, entretanto, que muitas
vezes a religião pode levá-los a abandonar o tratamento prometendo a cura.
A sexta categoria relaciona-se ao enfrentamento cotidiano, experenciado pelos sujeitos
que convivem com o HIV. Parte desta categoria está atrelada aos temas sentimentos
negativos – aids e aids relacionada à morte. As outras partes trazem uma dimensão
prática desses sentimentos, como medo da aids, da morte, depressão, ideias suicidas
entre outros. Para eles, a aids era o fim, representando uma sentença fatal. Esta fala,
entretanto, é seguida por desmistificação da aids como morte, representando a aids
43
ligada à vida e a novas perspectivas. A representação da morte iminente apresenta-se no
memento do diagnóstico. Depois, através do contato com profissionais de saúde e outras
pessoas soropositivas, a morte deixa de ser tão imediata. A fragilidade da vida torna-se
o centro de tudo, o sofrimento por enfrentar uma realidade irreversível determina
sentimentos negativos, como o medo da aids, da morte e da rejeição. Os sujeitos passam
a fazer parte de um mundo novo, e conhecer sobre a doença e compreender o tratamento
aumenta a possibilidade de aceitação e superação dos medos e a organização do
cotidiano. O apoio da família, a rede social de apoio e amigos também são temas
importantes para a construção deste novo cotidiano. Os autores destacam que somente
20% dos entrevistados relataram suporte da família após terem revelado sua doença.
Os autores concluem que os resultados mostraram complexa representação social da
aids e de sua influência no cotidiano dos sujeitos soropositvos. Essas representações
apresentam-se como um modulador da realidade vivida e um operador das situações
enfrentadas por estes sujeitos.
Ainda que este artigo trate de questões que interessam ao nosso estudo, não responde à
questão colocada no início sobre as representações da morte pela aids, não havendo,
portanto, em nossa busca nenhum artigo pertinente a nossa pesquisa.
Durante a realização da pesquisa continuamos buscando artigos sobre o tema
(representações da morte por aids) sem sucesso.
NOTAS
1 - Landsberg (1901-1944), autor em quem baseamos esta seção, morreu aos 42 anos em um
campo de concentração nazista. Nascido na Alemanha, filho de judeus, fazia parte da Escola de
Frankfurt. Saiu da Alemanha às vésperas da tomada de poder por Hitler. Foi para a Espanha, de
onde teve que sair por causa de Guerra Civil (1936). Mudou-se para a França, onde permaneceu
44
mesmo depois da ocupação nazista. Na clandestinidade, participou da Resistência até ser preso
em 1943. Foi deportado para o campo de concentração de Oraniemburg, onde morreu em 2 de
abril de 1944. Segundo Jean Lacroix, que o escondeu em Lyon, ele carregava consigo uma dose
de veneno para usar caso fosse descoberto pela Gestapo. Mas deve ter modificado esta intenção
ao adotar o cristianismo. Escreveu O problema moral do suicídio, que se supõe que ter sido
escrito em 1942, onde ele dialoga com a condenação católica ao suicídio. Sua mãe, que não
conseguiu permissão para sair da Alemanha, suicidou-se para não ser presa pelos nazistas.
(César Benjamim e Maria Clara LucchettiBingemer, na apresentação do livro Ensaio sobre a
experiência da morte e outros ensaios).
2 – Paul Ricouer(1913-2005)Nasceu em Valence, França, e tornou-se professor em 1933. Foi
prisioneiro durante a Segunda Guerra Mundial. Os textos que usamos aqui foram publicados
após sua morte, e escritos provavelmente em 1996, quando Simone Ricoeur, sua mulher durante
63 anos, “se extinguia suavemente” de uma doença degenerativa. Ele tinha 83 anos. Ela morreu
em casa, acompanhada por uma especialista em terapia paliativa. Sua longa reflexão sobre o
morrer, sobre o moribundo e sua relação com a morte, e sobre o pós-vida (ressurreição), passa
por textos de sobreviventes dos campos de deportação (Semprum, Levi) e pela discussão com
um livro de Xavier Léon-Dufour sobre a ressurreição. Contemporâneo de Landsberg.
3 - Arthur Schinizler (1862-1931), nascido em Viena, era médico e escritor. Frequentemente
comparado com Sigmund Freud, nos seus dramas e novelas usa a técnica do “fluxo de
consciência”, onde mostra drasticamente a atividade subconsciente dos seus protagonistas.
Senhorita Else é uma curta novela, publicada em 1924, como um monólogo interior. Os temas
são os tradicionais de Schniztler: hipocrisia, desejo e morte. O interessante é que mesmo que a
narrativa se encaminhe para o óbvio - Else fala o tempo todo que quer morrer, chega a imaginar
o próprio velório, sonha com a morte, fala no veronal repetidas vezes - o desfecho é
surpreendente, graças à habilidade de Schniztler. E a morte é representada, no final, por páginas
em branco (cessa o monólogo interior).
45
2 OBJETIVOS DA PESQUISA
2 1 Objetivo Geral
Conhecer as representações sociais da morte pela aids, visando entender o impacto
destas representações nas práticas de proteção, processo de adoecimento e cuidado com
as pessoas que vivem com o HIV/Aids (PVHA).
2 2 Objetivos específicos
a) identificar as representações da morte pelo HIV/Aids em pessoas infectadas pelo
HIV/AIDS;
b) identificar a processo de formação destas representações;
c) buscar correlações destas representações com as práticas e atitudes em relação ao
tratamento, prevenção e cuidado com as pessoas que vivem com HIV/AIDS;
d) prover informações que possam contribuir na formulação de políticas públicas
adequadas à formação sociocultural brasileira.
Sujeitos da pesquisa:
Os sujeitos da pesquisa são as pessoas infectadas pelo hiv/aids.
Consideramos infectados pelo HIV aqueles que sabem ser soropositivos para o HIV ou
que têm aids.
46
3 MARCO TEÓRICO: A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
Herzlich (2005) considera que o conceito de representação social resgatado e atualizado
pela produção francesa dos anos de 1960 é um marco analítico para se pensar
fenômenos da saúde e da doença. Para ela, a obra de Moscovici sobre a representação
social da psicanálise revive esta noção, modificando-a.
A dimensão social destes fenômenos vinha sendo relegada, e Moscovici reintroduz esta
dimensão em seu sentido pleno. Ele não se limitou à estruturação pela sociedade dos
fenômenos da representação, mas buscou o sentido da construção da realidade que se
opera através desses fenômenos e dos quais os sujeitos também são autores. Assim, ele
procura articular a influência recíproca da estrutura social e do sujeito, e, diferente de
Durkheim, sua reflexão se apoia mais no sujeito ativo do que na estrutura social. Ele
substitui as representações coletivas – como analisadas por Durkheim - pelas
representações sociais, introduzindo outras formas de pensar esse conceito. Estuda as
representações sociais da ciência, e não a ciência em si mesma. Sua teoria é adequada à
investigação empírica das concepções leigas da ciência (FARR, 2000).
No final da Primeira Guerra Mundial o conceito de representação coletiva de Durkheim
quase desapareceu da sociologia francesa. Mas continuou tendo impacto em outras
ciências. Na antropologia, através de Lévy-Bruhl. Na psicologia, influenciou Piaget, em
sua epistemologia genética e em seus estudos sobre o pensamento infantil. Também
influenciou no trabalho de Vygotsky e Luria, e na psicopatologia, através de Janet em
seus estudos da psicopatologia e das crenças patológicas (MARKOVÁ, 2006).
Foi somente depois da Segunda Guerra Mundial, nos anos 1950/1960 que o conceito foi
reinstituído nos estudos sociais psicológicos por Serge Moscovici. Ele reconheceu sua
importância para o estudo do pensamento e da linguagem, como sendo um fenômeno
47
social e dinâmico. Inspirado nos estudos de Piaget sobre o conhecimento de senso
comum nas crianças, ele estudou o conhecimento de senso comum dos adultos. Através
da psicologia da criança de Piaget, Moscovici propôs um conceito transformado da
representação social baseado no pensamento do senso comum, no conhecimento e na
comunicação (MARKOVÁ, 2006).
A partir da segunda metade do século XIX a ciência sofreu várias mudanças. A imagem
que a ciência tradicionalmente forneceu do mundo das continuidades e equilíbrios,
desapareceu. A ciência passa a se preocupar com descontinuidades, desequilíbrios e
relatividades. Além disso, a ciência se transforma em uma propriedade pública, devido
ao crescimento das instituições educacionais e a ampliação da educação pública.
As novas descobertas passam a ser publicamente discutidas. Fenômenos como os raios
X, a radioatividade, a telegrafia sem fios e a teoria da evolução produzem imagens
inimagináveis antes. O raio X, descoberto por Roentgen em 1895, por exemplo,
impactou as ciências e as artes. Provocou uma grande quantidade de imagens e de
novas representações. Deu argumentos contra o positivismo, que dependia de dados
sensoriais. A sensação e a realidade passam a ser reconhecidas como coisas diferentes
(MARKOVÁ, 2006).
Diferente de Durkheim, Moscovici convive com a ciência das descontinuidades,
instabilidades e relatividades. Vive na idade das ciências sociais afetadas por duas
guerras mundiais e pelo nazismo. A questão da ciência e seus significados era um
assunto instigante para a geração do final dos anos 1940 e início dos 1950, quando
Moscovici estava refugiado em Paris e estudava na Sorbonne (MARKOVÁ, 2006).
Vindo da Romênia, onde já havia publicado alguns ensaios e uma revista de vanguarda
em Bucareste, ele vive uma época em que o marxismo estava muito difundido entre os
48
intelectuais, e havia grande interesse na discussão sobre os impactos da ciência nas
mudanças históricas e no pensamento. Moscovici segue por outro caminho,
interessando-se pelo impacto da ciência na cultura das pessoas, em suas mentes, suas
crenças e comportamento. Contrapõe-se à interpretação do marxismo-leninismo da
época, que considerava que o conhecimento espontâneo está impregnado de mitos,
crenças religiosas e idealismos, necessitando ser substituído pela teoria materialista e
científica da história e da natureza. Também intelectuais não marxistas consideravam
que o conhecimento científico se desvaloriza quando difundidos para o público leigo.
Moscovici relata que reagiu ao ponto de vista que passava a ideia de que as pessoas
eram incapazes de pensar racionalmente, e que somente os intelectuais eram capazes
disto. Sua experiência com o nazismo lhe indicava que os intelectuais nem sempre são
tão racionais, pois produziram teorias como o racismo e o nazismo, e a violência
antissemita aconteceu primeiro em escolas e universidades, e foi legitimada por
intelectuais. Ele se perguntava como os seres humanos podem se mobilizar a partir de
ideias que aparentemente superam a razão (MOSCOVICI, 2007; ARRUDA, 2002).
Moscovici busca reabilitar o conhecimento comum, baseado na experiência, linguagem
e práticas cotidianas. Sua questão, então, era a seguinte: como o conhecimento
científico é transformado em conhecimento comum, ou espontâneo? Não considerou o
senso comum como algo tradicional ou folclore, mas como algo moderno, proveniente
da ciência, que se transforma em parte da cultura. Quis estudar esta transformação.
Segundo ele, como não poderia escolher o marxismo para estudo, já que era um
estrangeiro e um refugiado de país comunista, decidiu estudar a psicanálise, que era
uma das principais teorias que estavam penetrando na sociedade francesa. Seu
orientador, Daniel Lagache, era psicanalista, e lhe encorajou a pesquisar nesta área.
Assim, La Psychanalyse, son image et son public, publicada em 1961 e em segunda
49
edição, com algumas reformulações, em 1976, analisa os efeitos de uma nova ideia, ou
conhecimento científico, quando penetra na esfera pública de uma sociedade, e como se
dá o processo de transformação do conhecimento, o nascimento de uma nova
representação social (MARKOVÁ, 2007).
Moscovici destaca a especificidade das sociedades atuais diante daquelas estudadas por
Durkheim, este mundo moderno marcado pela ciência, onde as representações sociais
constituem uma forma de conhecimento específica e irredutível a qualquer outra. Tratase de um conceito capaz de explicar a diversidade do pensamento em sociedades
particulares, aquelas em que os conteúdos do conhecimento científico passaram a
circular. As representações cumprem a função de tornar familiar o que era inicialmente
não familiar, função que Moscovici lhes atribuiria em 1976 (CASTRO, 2002).
A noção de representação social está entre a sociologia e a psicologia, e se refere a
representações do universo interior dos indivíduos, mas com características também
sociais. Três destas características definem isto: são expressas por grupos sociais, são
engendradas coletivamente (produção) e contribuem para os processos de formação dos
comportamentos e de orientação das comunicações sociais (função).
São duas as principais especificações internas a este conceito: a descrição do que é uma
representação social e a dos processos pelas quais estas representações se constituem.
Moscovici propõe que as representações são um conjunto de proposições, ações e
avaliações emitidas pela opinião pública, organizada de formas diversas, segundo as
classes, as culturas ou os grupos, e constituem outros tantos universos de opiniões. Cada
um destes universos tem três dimensões: a informação, a atitude, e o campo da
representação. A informação tem a ver com os conhecimentos, a atitude com a
orientação global e avaliativa em relação ao objeto (pode ser positiva ou negativa). O
50
campo de representação “reenvia para a ideia de imagem, como conteúdo concreto das
proposições que têm a ver com um aspecto específico do objecto da representação”
(p.953, CASTRO, 2002). Aí está a totalidade de expressões, imagens, ideias e valores
presentes no discurso, - a linguagem é o suporte destes conteúdos (ARRUDA, 2002b).
A Teoria das Representações Sociais ajuda a compreender a construção de um saber
socialmente elaborado e compartilhado, que se direciona para a prática e direciona a
prática. Este se constrói através do saber preexistente, enraizado nos grupos e suas
características, apoiado a memória (ARRUDA, 2002).
A representação desempenha funções na manutenção da identidade social e do
equilíbrio sócio cognitivo a ela ligado, mobilizando defesas em relação a novidades.
Mas quando a novidade é incontornável, há um trabalho de ancoragem, com o objetivo
de torná-la familiar e transformá-la. Assim ela é integrada no universo de pensamento
preexistente. Isto corresponde a uma função cognitiva essencial da representação. A
representação tem também função de orientação das condutas e comunicações, de
justificação antecipada ou retrospectiva das interações sociais ou relações intergrupais.
(JODELET, 2001)
A representação social não é uma cópia da realidade, mas uma versão dela. Trata-se de
uma tradução, uma retomada, não uma fotografia ou uma reprodução. O que serve de
base para os sujeitos fazerem sua construção do real é aquilo que eles carregam, e a sua
história. A base para assentar a novidade será a experiência, o acúmulo que os sujeitos
trazem. Toda novidade tem que se encaixar no universo já conhecido, provocar a
conversão do não familiar, dando-lhe sentido, tirando a carga de ansiedade que ela
provoca. O processo de ancoragem faz esse movimento: ¨joga a âncora no terreno
firme dos conhecimentos pré-existentes para poder fixar aí o objeto navegante que se
51
apresenta¨ (ARRUDA, 2002, p.222).
Moscovici (2007) define dois mecanismos do processo que gera representações sociais,
ou seja, transformam o não familiar em familiar. Estes mecanismos fazem parte do
processo de pensamento baseado na memória e em conclusões passadas. Eles são a
ancoragem e a objetivação.
A ancoragem é o processo em que se tenta apreender ideias estranhas, reduzi-las a
categorias e a imagens comuns. Neste processo ocorrem dois passos: o da classificação
e o da nomeação. Há uma comparação do não familiar com o paradigma de uma
categoria, de modo que o estranho adquire características desta e, assim, é adequado a
ela. Na classificação de um objeto ou pessoa há uma aproximação destes aos
comportamentos e regras de uma categoria e que indicam o que é ou não permitido. A
partir da classificação, o que era estranho pode ser nomeado, e assim localizado,
permitindo que seja representado.
Moscovici (2007) afirma que dar nome a uma pessoa ou coisa é precipitá-la, e tem três
consequências: permite sua descrição e adquire características; propicia a distinção de
outras pessoas ou objetos; e torna-se objeto de uma convenção entre os que adotam e
partilham uma mesma convenção (p.67).
Duas consequências das representações sociais são destacadas a partir dessas asserções:
é excluída a ideia de pensamento ou percepção que não possua ancoragem; e o principal
objetivo da classificação e nomeação é favorecer a interpretação de características, de
intenções e motivos subjacentes às pessoas. (MOSCOVICI, 2007).
Assim, a ancoragem, definida por Moscovici em sua pesquisa sobre as representações
da psicanálise, dá conta da constituição de uma rede de significados em torno desta, por
aproximação a categorias já existentes, e que orienta as conexões entre esta e o meio
52
social (CASTRO, 2002).
Estudar a ancoragem das atitudes nas relações sociais que as produzem significa estudálas como representações sociais. Elas determinam as condutas desejáveis ou permitidas;
compreendê-las permite o acesso às justificativas usadas para orientar julgamentos e
ações acerca do mundo. Permite conhecer as estratégias dos seres humanos quando
estão diante da tarefa de compreender fatos desconhecidos (BARBARÁ, SACHETTI,
& CREPALDI, 2005).
Outro aspecto deste processo gerador de representações sociais é a objetivação. É o
dispositivo que apreende o objeto pelo lado mais acessível, ou seja, toma dele o que se
pode, o que se consegue, o que sobressai, tornando-o concreto, objetivo. É a seleção e a
descontextualização, que precede a ¨recolagem¨ das partes selecionadas num novo
desenho. Seu objetivo é transformar algo abstrato em algo quase concreto, transferir o
que está na mente em algo que exista no mundo físico, torná-lo tangível. É ligar um
conceito a uma imagem. Esta é o cerne da representação (ARRUDA, 2002b).
Nem todas as palavras podem ser associadas a uma imagem, mas a objetivação de um
conceito leva a uma materialização de uma abstração. Há para isso uma seleção de
imagens, que são organizadas em um núcleo figurativo, e de termos representados,
aqueles mais conhecidos e mais utilizados, a partir de crenças e de imagens
preexistentes. O núcleo figurativo apresenta-se como um complexo de imagens que
reproduzem um complexo de ideias e deixa de ser um signo para ter um status de
realidade. Passa a existir como objeto, e com referência a este poderão ser feitas
aproximações do que for não familiar (ARRUDA, 2002b; JODELET, 2001).
Ao se relacionar esses mecanismos de geração das representações, pode-se compreender
melhor como elas são caracterizadas como produto e processo de apropriação da
53
realidade exterior ao pensamento, e de elaboração psicológica e social da realidade
(JODELET, 2001).
Assim, as representações sociais estão inseridas em um referencial de pensamento préexistente, ¨são dependentes de sistemas de crenças ancorados em valores, tradições e
imagens do mundo e da existência (p. 216, MOSCOVICI, 2007). Através do discurso e
no discurso elas são objeto de um trabalho social que faz com que cada novo fenômeno
possa ser incorporado dentro de modelos explicativos e justificativos que são familiares
e aceitáveis, respondendo às exigências dos indivíduos e das coletividades. Elas são
transmitidas através das linguagens e lógicas naturais. Não há representações sem
linguagem, assim como não há sociedade sem representações. Segundo Moscovici
(2007), ¨as palavras não são a tradução direta das ideias, do mesmo modo que os
discursos não são nunca as reflexões imediatas das posições sociais¨ (p. 219).
As representações sociais têm como objetivo a constituição de mentalidades ou crenças
que influenciam o comportamento. São fenômenos que permitem compreender as
formas das práticas de conhecimento e de conhecimentos práticos que consolidam as
experiências de vida dos indivíduos e são partilhadas pela sociedade (MOSCOVICI,
2007).
Para Marková (2006), foi a ênfase na teoria da comunicação e no pensamento comum
que forneceu a base para a transformação da teoria das representações sociais, originada
num fenômeno social específico (a psicanálise na França nos anos 1950) em uma teoria
do conhecimento social. Ela defende que a teoria tem dois significados distintos, mas
interconectados. Primeiro, ela é a teoria que lida com o estudo e as explicações dos
fenômenos sociais específicos que aparecem no discurso público. Segundo, ela é uma
teoria do conhecimento social. Para ela, estes dois significados têm se desenvolvido em
54
conjunto (MARKOVÁ, 2006).
Marková considera que, por insistir nos tipos diferentes de pensamento e comunicação e
enfatizar as naturezas múltiplas das realidades sociais, a teoria das representações
sociais, como teoria do conhecimento social, estabelece a fundação para a diversidade
teórica na psicologia social. Para ela, depois dos anos 1990, Moscovici re-conceituou a
teoria das representações sociais e da comunicação em termos do themata e da
thematização. São conceitos dialógicos que contribuem para o desenvolvimento desta
teoria como uma teoria do conhecimento social.
Themata foi denominação dada por Gerald Holton para um pequeno número de
antinomias do pensamento que determinaria a direção do pensamento científico. Assim
como tema (singular) e temas (plural), thema (singular) e themata (plural) têm sido
usados numa grande variedade de disciplinas. Na definição de Holton, thema significa
as
pré-concepções
atomicidade/continuum,
na
ciência,
envolvendo
simplicidade/complexidade,
díades
ou
tríades
análises/sínteses,
etc.
como:
Tais
antinomias de posição ajudariam a explicar a formação das tradições das escolas de
pensamento e o curso das controvérsias (MARKOVÁ, 2006).
Themata, então, são pressuposições teóricas que orientam e restringem o pensamento
científico de dentro para fora. Não estão normalmente explícitos nas terminologias
científicas e podem ser revelados através de meta-análises.
Muitas vezes os themata são de longa duração, afetando o pensamento científico
durante séculos, como, por ex., o atomismo/continuum. Pode-se identificar somente
uma pequena quantidade de themata importantes. É raro o fato de um novo thema
emergir no pensamento científico (MARKOVÁ, 2006).
Moscovici propôs que os themata constituem a base do pensamento de senso comum, e,
55
portanto, das representações sociais. Exemplos de antinomias no senso comum seriam:
nós/eles, liberdade/opressão, humano/não humano, medo/esperança.
As antinomias no pensamento de senso comum tornam-se themata quando, no curso de
certos eventos sociais e históricos, elas se transformam em problemas e são o foco da
atenção social e fonte de tensão e conflito. Quando elas entram no discurso público, ao
se tornarem problematizadas, tornam-se themata. A partir daí começam a gerar
representações sociais em relação ao fenômeno em questão. Apesar de, em princípio,
todas as antinomias poderem se tornar themata, muitas delas não alcançam este nível, e
existem implicitamente no pensamento de senso comum durante séculos. Mas mesmo
antinomias mais neutras deram lugar a thematizações (MARKOVÁ, 2006).
O trabalho de Claudine Herzlich (2005) demonstrou haver na representação social do
binômio saúde-doença uma nítida presença da mesma oposição entre indivíduo – ou
natureza - e sociedade, que comumente se manifesta no pensamento popular. O caráter
estranho e ameaçador da doença responde pela sua grande capacidade em gerar
representações. A doença mental e a aids têm sido neste campo os objetos específicos
que mais têm ensejado pesquisas. No caso da aids, a pesquisa tem assumido relevância
social por servir à prevenção e à educação para saúde, além de esclarecer os sentidos
produzidos pelo público em relação à epidemia.
A epidemia da aids modificou o comportamento, a cultura, os costumes de homens e
mulheres em todo o mundo. A aids é uma doença que não atinge somente os indivíduos,
mas os grupos humanos – famílias, casais, comunidades. Seus impactos sociais e
demográficos se multiplicam do indivíduo infectado para o grupo (MANN, 1993). A
forte carga de preconceito que envolve a doença (e os doentes) traz um sofrimento
adicional que interfere na adesão ou não ao tratamento, na possibilidade ou não de uma
56
qualidade de vida após o diagnóstico. A morte biológica não é a única ameaça para estes
pacientes. A morte social também pode ser cruel e insuportável.
Trata-se, portanto, de uma epidemia que envolve as emoções, as sociedades, as
coletividades. Assim como se considera que não existe apenas uma epidemia, também é
preciso se considerar que existem múltiplas maneiras de entender a prevenção, de viver
ou de morrer com aids (MEIRELES, 2010).
A adoção de referenciais e metodologias que nos ajudem a obter modelos explicativos
úteis no diagnóstico de situações socioculturais pode propiciar intervenções mais
adequadas em relação ao controle e à prevenção da epidemia.
57
4 MÉTODOS
Raynaud (2002) afirma que, diante dos problemas encontrados no campo da promoção
de saúde, é necessária a colaboração entre disciplinas sociais e médicas e a
complexidade do real não pode ser abordada apenas a partir de um ângulo ou de um
nível de análise. É necessário juntar diversos olhares e competências. A Teoria das
Representações Sociais destaca-se como uma ferramenta conceitual e metodológica
situada na interface de várias áreas – a psicologia, a sociologia, a antropologia.
Victora (2011) chama a atenção para o desafio para as Ciências Sociais e Humanas em
Saúde em encontrar uma metodologia apropriada para projetos nesta interface, além da
dificuldade em se ter uma visão crítica das aproximações e distinções entre as Ciências
Sociais e as Ciências da Saúde. Para ela, a pesquisa qualitativa tem sido criticada e é
preciso uma discussão sobre método, ética e os discursos dos pesquisadores destas
áreas. As dicotomias daí provenientes ultrapassam os discursos e marcam as práticas de
pesquisa qualitativa em saúde, dificultando a compreensão de sua lógica.
Faz-se
necessário refletir sobre a relação método-técnica e sobre a relação do pesquisador e a
realidade pesquisada, que pode produzir uma despolitização do processo de pesquisa ou
se equivocar ao conceber os métodos qualitativos a partir da funcionalidade das técnicas
(VICTORA, 2011).
Gomes e Silveira (2012) fazem reflexões no mesmo sentido, e destacam a importância
dos referenciais teóricos, sem os quais os diversos métodos são apenas técnicas de
aplicação sem a dimensão sociocultural necessária ao conhecimento das realidades. Para
elas, o que propicia este conhecimento é a teorização (teoria posta em ação). O
pesquisador faz escolhas, e estas são orientadas pelo seu próprio pertencimento
sociocultural. Não é neutro. E isto só se esclarece com a exposição de seus referenciais
58
teóricos. “A ciência é tanto método como teoria, ou uma é condição de outra” (GOMES
e SILVEIRA, 2012, p. 163).
Outro problema destacado por Victora (2011) se refere ao número de sujeitos
envolvidos nas pesquisas, pois às vezes se confunde quantidade e qualidade. Para ela a
definição do número de entrevistados e de indivíduos envolvidos depende do problema
a ser estudado. Trata-se mais de sobre “o que” se conversa e “como” se conversa, do
que com quantas pessoas se conversa. Nem sempre é possível ou desejável definir estes
números com precisão no início da pesquisa. A relação entre a amostragem e a análise é
interativa, sendo direcionada pela teoria que a orienta (VICTORA, 2011).
Tratando-se do estudo de representações sociais, utiliza-se a comparação de textos e
verificação de recorrência de elementos linguísticos e de suas relações (palavras e sua
estruturação). O repertório, o vocabulário, são indicadores concretos de representações
sociais, que são saberes compartilhados. A comprovação de que a compreensão de um
objeto é social depende da recorrência de elementos e da estruturação deles nos sujeitos,
que fazem parte de um grupo ou possuem identidade entre eles. A quantidade de
participantes, portanto, não pode ser subestimada, para que o pensamento seja
caracterizado como social (NASCIMENTO-SCHULZE e CAMARGO, 2000).
A Teoria de Representações Sociais não preconiza uma unicidade de métodos nem de
técnicas de investigação. A pesquisa com Representações Sociais é qualitativa, porque
trabalha com o significado e com a interpretação, mas não despreza a quantidade. Como
afirma Robert Farr (2000), a teoria das representações sociais não privilegia nenhum
método de pesquisa em especial, mas isto não quer dizer que todos os métodos servem
para a pesquisa destas representações, independente de seu enquadramento teóricoconceitual.
É importante a observação etnográfica, a consulta de documentos, o
59
levantamento histórico – elementos que permitem penetrar no universo dos sujeitos. E é
sempre interessante a aproximação múltipla do objeto, para poder captar sua
complexidade (SÁ, 1998).
Os fenômenos de representação social não podem ser captados pela pesquisa científica
de um modo direto e completo. Eles são construídos no que Moscovici (2001) chamou
de universos consensuais de pensamento. Os objetos de pesquisas derivados deles são
uma elaboração do universo reificado da ciência. Eles são mais complexos do que os
objetos de pesquisa que construímos a partir deles (SÁ, 1998).
Em relação aos processos e estados das representações sociais, a pesquisa se ocupa dos
suportes da representação (o discurso ou o comportamento dos sujeitos, documentos,
práticas, etc.), para daí inferir seu conteúdo e sua estrutura, bem como da análise dos
processos de sua formação, sua lógica própria e de sua eventual transformação.
As condições que afetam a emergência ou não da representação social de um objeto em
um determinado conjunto social, estabelecidas por Moscovici (2001), são: a dispersão
da informação, a focalização e a pressão à inferência. A forma e a intensidade de tais
condições podem variar de um objeto para outro dentro de um grupo, bem como de um
grupo para outro em relação ao mesmo objeto.
Sá (1998) sugere o trabalho em duas etapas: uma com descrição e/ou comparação das
representações e depois a pesquisa da gênese destas mesmas representações. A
existência de uma gênese social identificável – e não perdida no tempo, como nas
representações coletivas de Durkheim – é uma marca distintiva da grande teoria. Quanto
à objetivação, ele sugere que, ao invés de pesquisá-la junto a sujeitos específicos do
grupo estudado, tentar evidenciá-la nos meios de comunicação de massa.
Pode-se organizar o quadro em torno de dois problemas metodológicos básicos: a coleta
60
de dados empíricos e a análise ou tratamento desses dados.
Nesta pesquisa utilizou-se a análise lexográfica do texto produzido nas entrevistas com
os sujeitos, com a ajuda do programa informático ALCESTE (Análise Lexical
Contextual de um Conjunto de Segmentos de Texto), introduzido no Brasil em 1998.
Elaborado por Reinert, se concretiza em um programa informático que produz uma
análise de classificação hierárquica descendente. Ele permite além de uma análise
lexográfica do material textual, a análise de contextos (classes lexicais) que são
caracterizados pelo seu vocabulário e pelos segmentos de textos que compartilham este
vocabulário (CAMARGO, 2005). Esta abordagem é um instrumento para se estudar as
relações intergrupos, a troca de informações e de conhecimentos, e a produção de
discurso e de representações sociais.
Lima (2005) preconiza a articulação entre o conceito de “themata” (MOSCOVICI,
2007, MARCOVÁ, 2006), e o conceito de “fundos tópicos” desenvolvido por M.
Reinert (1998). Isto possibilita “compreender como a dinâmica intergrupo atualiza os
themata e como os themata reativam a dinâmica intergrupo e reanimam a comunicação
relativa ao objeto” (LIMA, 2008, p.243).
Os fundos tópicos pensados por Reinert (1998) são sistemas de oposições lexicais que
marcam os lugares de enunciação. Nas palavras de Reinert:
¨Notre hypothèse est que ce fondement topique, dans ce qu’il a de plus inconsciente, n’est
pas attaché à um mot singulier ni à aucune forme em particulier et qu’il se diffuse
globalement dans tous éléments de l’enoncé, et principalement dans le choix des mots
pleins independamment de leur position sytaxique. Autrement dit, notre hypothèse
consiste à dire: la trace lexicale des mots pleins d’un énoncé est um índice de son
fondement topique. (REINERT, 1998, p.7).
Para Lima (2005), a operacionalização da articulação themata-fundos tópicos permite
61
estudar aspectos dinâmicos pouco acessíveis quando estudamos a formação das
representações sociais.
O método consiste em dividir um texto em pequenos segmentos e estudar a distribuição
das palavras principais nestas unidades, para juntá-las em classes em função de suas
semelhanças e diferenças. Cada grupo quantifica uma tendência à repetição, os
diferentes grupos exprimem uma oscilação entre as posições da enunciação (REINERT,
2000).
O programa usa como base um único arquivo, preparado de acordo com regras
determinadas, onde estão indicadas as unidades de contexto iniciais (UCI) pelo
pesquisador. Um conjunto de UCI constitui um corpus de análise, que deve ser um
conjunto textual monotemático. Quando se trata de entrevistas, com textos mais
extensos, desde que o grupo seja homogêneo, é preciso entre 20 ou 30 UCI para
produzir o corpus. Caso seja feito comparações, sugere-se pelo menos 20 UCI para cada
grupo. Cada entrevista é uma UCI. Quando se trata de respostas a questões abertas de
um questionário, cada UCI deve ser composta somente de textos obtidos das respostas
que se referem a um mesmo tema. Se houver temas diferentes é necessário realizar uma
análise para cada questão. Se as respostas tiverem uma média de três ou quatro linhas, é
preciso um número maior de repostas para a constituição de um corpus de análise.
As unidades de contexto elementar (u.c.e.) são segmentos de texto, dimensionados em
função do tamanho do corpus, em geral respeitando a pontuação. Nem sempre é o
pesquisador que controla a divisão do corpus em segmentos de textos (u.c.e.), feita pelo
programa depois de reconhecer as indicações das UCI.
Segundo Camargo (2005) a análise consiste em quatro etapas:
a) leitura do texto e cálculo dos dicionários;
62
b) cálculo das matrizes de dados e classificação das UCE;
c ) descrição das classes de UCE;
d) cálculos complementares (CAMARGO, 2005).
Segundo Reinert (2000) as linhas do quadro de dados (UCE) modelizam o sentido como
percurso, como sucessão de momentos (parte do Real). Em colunas, as palavras plenas
ganham sentido por sua aparição simultânea em uma mesma UCE. Esta simultaneidade
em um mesmo percurso mostra uma mesma ancoragem intuitiva, uma mesma crença
daquele que fala, seu “mundo” (parte do Imaginário). As linhas e colunas do quadro
demonstram, então, uma representação estatística formal do percurso do Sujeito em seus
posicionamentos e reposicionamentos. Estes movimentos, na medida em que se
repetem, são colocados em representações simplificadas com a ajuda da análise dos
dados. Neste nível, há um problema a ser destacado: é preciso interpretar até onde uma
representação estatística formal se torna inteligível, mostrando uma tomada de
consciência reflexiva. Estes aspectos são relativos a uma ordem emergente do
Significante que dá ¨sentido¨ ao percurso do Sujeito (lado do Simbólico) (REINERT,
2000).
O discurso expressa um sistema de “mundos lexicais” organizadores da racionalidade e
coerência do enunciado de quem fala. O mundo lexical é evocado pelo conjunto de
palavras que constituem uma frase ou um fragmento do discurso, independentemente de
sua construção sintática. Os mundo lexicais podem ser estudados a partir da análise da
organização e distribuição das palavras principais co-ocorrentes nos enunciados simples
de um texto. Parte-se da ideia de que a análise das sucessões de palavras principais
(substantivos, adjetivos, verbos) em um conjunto de enunciados vai permitir diferenciar
globalmente os “lugares de enunciação” ou mundos lexicais mais significativos do
63
discurso (DE ALBA, 2004).
O entrelaçamento destas três partes (Real, Imaginário e Simbólico) nos permite entender
o processo de formação das representações sociais.
Os resultados mais importantes para interpretação de um corpus são o dendrograma da
classificação hierárquica descendente (CHD), a descrição das classes, a seleção das
UCE mais características de cada classe e a classificação hierárquica ascendente das
palavras por classe. As classes são compostas de várias UCE, segundo a distribuição de
seus vocabulários. No caso da pesquisa do conhecimento do senso comum, estas classes
podem indicar representações sociais ou campos de imagens sobre um dado objeto, ou
somente aspectos de uma mesma representação social. O número de classes e o número
de representações sociais geralmente não coincidem. O que as definem como
representações sociais é o seu conteúdo, as relações com as definições da pesquisa, as
características de seus participantes, suas práticas sociais (CAMARGO, 2005).
Com a finalidade de identificar os três processos formadores de representações sociais,
de uma maneira sistemática, Lima (2005) propõe definir os indicadores lexicais mais
adequados ao reconhecimento de cada um deles. São eles:
Termos referentes: são os substantivos que se referem ao objeto estudado, os nomes
comuns que os enunciadores usam para designá-lo, na sua manifestação discreta, a este
objeto contável. Eles podem ser identificados nos textos analisados através das palavras
do dicionário que significam o objeto social em questão; dos nomes que são usados para
se referir a ele; dos rótulos socialmente atribuídos. Daí pode-se inferir as objetivações
das representações sociais do objeto estudado.
Objetos Referentes: são outros objetos sociais associados ao objeto estudado (por uma
agregação de termos), e formam as redes de associações lexicais. Para cada termo
64
referente deve-se verificar qual o objeto referente a ele associado. O estudo da utilização
destes objetos referentes podem dar informações sobre as ancoragens das representações
sociais do objeto estudado.
Fundos Tópicos: vestígios arqueológicos de uma mesma origem tópica que fazem com
que certos léxicos se encontrem próximos ou afastados uns dos outros. Sistemas de
oposições lexicais. Marcam os lugares de enunciação.
Nesta pesquisa foi feito estudo exploratório através de entrevistas semi-estruturadas
com 22 sujeitos HIV positivos. As entrevistas foram gravadas, e a transcrição destas
submetidas ao programa de informática Alceste, conforme apresentamos acima.
O acesso aos sujeitos foi possível pelo fato de estarmos inseridos em um serviço de
saúde que atende pessoas que vivem com HIV/AIDS (PVHA), desenvolve grupos de
apoio e de troca de experiências, e oficinas de prevenção em DST/AIDS em
comunidades.
No desenvolvimento desta investigação buscamos nos pautar por princípios éticos que
considerasse a relevância social e a autonomia dos sujeitos. Na opinião de Victora
(2011), a ética tem que estar presente nas reflexões sobre o método, pois é preciso que
esta esteja incorporada na metodologia no seu sentido mais amplo. É preciso identificar
indivíduos e grupos específicos de pessoas que ou possuam uma característica, ou
vivam em circunstâncias relevantes para o fenômeno social que está sendo estudado e
trabalhar com essas pessoas a fim de chegar a alguma conclusão. O mesmo se dá em
relação à definição do número de pessoas a serem abordadas. Um maior ou menor
número não multiplica ou divide as questões de ética na pesquisa. A escolha dos
informantes, e o conteúdo das entrevistas exigem reflexão ética antes, durante e depois
das entrevistas (VICTORA, 2011). Lida-se, aqui, com pessoas portadoras de uma
65
doença estigmatizante, falando de suas vidas, esperanças e temores, o que exige muito
cuidado com o tratamento dado a esta abordagem e ao material colhido.
A pesquisa contou com 22 entrevistas de pessoas portadoras de HIV/aids, em
tratamento ambulatorial em um hospital universitário do Rio de Janeiro, realizadas entre
junho e agosto de 2013. As entrevistas foram gravadas com o consentimento dos
sujeitos, feitas em sala separada para isto no ambulatório, e os entrevistados assinaram
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme prescrito pela Comissão de
Ética. Uma das entrevistas foi descartada por considerarmos que o paciente estava
pouco esclarecido sobre seu processo de adoecimento, sendo interrompida após
orientarmos o paciente (diagnóstico recente). O critério de inclusão foi de pessoas
portadoras de HIV/Aids em tratamento, maiores de 18 anos. Utilizamos um roteiro
semiestruturado comum (Anexo 1) em todas as entrevistas, com respostas abertas, e
dados referentes ao sexo, idade, escolaridade, orientação sexual e religião. Estas foram
identificadas por números, digitadas por estagiário de medicina sob nossa supervisão e
revisadas por nós.
O perfil dos sujeitos entrevistados se caracteriza da seguinte forma: 13 homens e 8
mulheres, com idades entre 33 e 63 anos, sendo que 76,19% encontram-se entre 41 e 60
anos. No quesito raça/cor, 8 se declararam brancos, 3 pretos,
9 pardos, e 1 não
respondeu. Quanto ao grau de escolaridade 5 têm ensino fundamental, 7 segundo grau
completo, e 9 ensino superior completo. 18 declararam ter religião. Em relação à
orientação sexual 13 disseram manter relações heterossexuais, 7 homossexuais
(homens) e 1 não respondeu. Todos fazem tratamento com medicamentos
antirretrovirais (TARV).
Na preparação das entrevistas para submissão ao ALCESTE, codificamos as
66
características dos indivíduos, após o asterisco, da seguinte maneira:
Sujeitos: ind_01, ind_02...; sexo: masculino : sex_1, feminino: sex_2; Idade: 20-30
id_1, 31-40 – id_2, 41-50 – id_3, 51-60 – id_4, 61-70 – id_5; orientação sexual: hetero:
or_1, homo : or_2; não respondeu: or_3; escolaridade: nenhuma: esc_0,
ensino
fundamental: esc_1, ensino médio: esc_2, ensino superior: esc_3; religião: sim: rel_1,
não: rel_2.
As entrevistas não foram identificadas, sendo numeradas em sequência, para
preservação da confidencialidade dos dados e dos resultados, com avaliação de sua
beneficência. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido teve o papel de
proporcionar melhor entendimento dos sujeitos sobre os objetivos, etapas e
compromissos desta investigação. A divulgação dos resultados será pública, na forma
de trabalhos científicos.
Esta pesquisa teve o projeto analisado e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do
Instituto de Estudos de Saúde Coletiva da UFRJ, em observação às exigências vigentes
sobre pesquisas envolvendo seres humanos.
67
5 RESULTADOS
As entrevistas foram submetidas à análise lexical através do Programa ALCESTE
(Analyse Lexicale par Contexte d`un Ensemble de Segments de Texte). Este gerou um
corpus composto por 21 u.c.i. (Unidades de Contexto Inicial). O corpus foi repartido,
então, em 606 u.c.e. (Unidades de Contexto Elementar), contendo 3228 palavras ou
formas de vocábulos distintos. Após redução das palavras às suas raízes foram
originadas 547 palavras para a análise. O número de ocorrências para definir uma u.c.e.
foi de 32. A percentagem de riqueza do vocabulário foi 98,42%. Uma palavra é
analisada se estiver contida em pelo menos 4 u.c.e.
Depois de analisar o vocabulário, o ALCESTE faz a partição do texto e a classificação.
Neste caso foi feita classificação dupla, sendo que na segunda classificação o número
mínimo de palavras analisadas foi de 16, com 416 u.c.e. e 547 vocábulos analisados.
Após a classificação foram retidas 6 classes estáveis, com 73% das u.c.e. classificadas.
A Figura 1 mostra a divisão das u.c.e classificadas com o número e percentual de u.c.e
em cada classe. Mostra também o numero de palavras analisadas por classe.
A Figura 2 mostra as árvores de classificação descendente decorrentes da primeira e da
segunda classificação.
68
Figura 1
Figura 2
Os temas foram organizados em 6 classes e seus léxicos, com base em sua ocorrência e
co-ocorrência. Após análise para a busca do sentido destas classes e da identificação das
69
representações sociais através do conteúdo discursivo e dos léxicos mais frequentes nas
u.c.e. de cada classe, denominamos os eixos e as classes da seguinte forma:
Uma primeira repartição em dois eixos chamamos Morrer de aids e Viver com aids.
O
eixo Morrer de aids divide-se em dois, gerando a Classe 1 (A Morte por Descuido,
Pobreza, Solidão) e a Classe 2 (A Morte da Pessoa, do Outro, do Indeterminado). O
eixo Viver com aids divide-se também em dois, gerando a Classe 3 (Vida Ameaçada) e
a Classe 4 (Vida Limitada). Há ainda um ramo que se divide em dois, cujo eixo
chamamos Cotidiano com aids: Classe 5 (Medicamento) e Classe 6 (Dependência) ,
conforme vemos na Figura 3 e no Quadro 1.
Figura 3
Classe
Classe 1
Classe 2
Classe 3
Classe 4
Classe 5
Classe 6
Denominação
A Morte por Descuido, Pobreza, Solidão
A Morte da Pessoa, do Outro, do Indeterminado
Vida Ameaçada
Vida Limitada
Medicamento
Dependência
UCE(f /%)
58 / 13,0
164 / 37,0
79 / 18,0
75 / 17,0
38/ 8,0
33/ 7,0
Quadro 1
Classes produzidas pelo ALCESTE com respectivas denominações
As Classes 1 e 2 tratam de sentidos da morte por aids; a Classe 3 trata da sensação de
70
morte iminente no momento do diagnóstico; a Classe 4 trata de limitações e regras da
vida com aids para evitar a morte; as Classes 5 e 6, mais descritivas, referem-se a
problemas cotidianos da vida com aids – o tratamento e a falta de autonomia devido à
doença.
O ALCESTE fornece também a Análise Fatorial de Correspondência (AFC), que faz o
cruzamento entre o vocabulário (considerando a frequência de incidência de palavras) e
as classes, gerando uma representação gráfica em plano cartesiano, onde são vistas as
oposições entre as classes ou formas. Ela permite verificar as relações entre as classes,
mostrando através do gráfico suas interações. Permite a visualização articulada dos
agrupamentos de vocábulos presentes no discurso, indicando sua interação de acordo
com sua localização, auxiliando a visualização articulada dos agrupamentos de
vocábulo no discurso. O fato de agrupamentos de léxicos estarem em pólos opostos no
plano dos eixos não indica necessariamente oposição semântica entre eles. A relação
entre os “mundos lexicais” pode ser de complementariedade. O ALCESTE produz os
eixos, a disposição das formas reduzidas, e classes no plano e informa sobre qual dos
eixos compõe mais fortemente a disposição dos elementos (Figura 4 e Figura 5).
Chamamos o eixo horizontal (x – com 30%) de polo Morte. O eixo vertical (y – 22%)
de polo Vida.
No quadrante superior esquerdo vemos a classe 4,5 e 6, que se encontram no eixo Viver
com aids: Vida Limitada, Medicamento e Dependência. Classes ligadas entre si,
referem-se a convivência cotidiana com a doença, quando a vida volta-se para a família
e a casa, com regras que devem ser seguidas para garantir a sobrevivência. O uso da
medicação ganha centralidade, e se relata os problemas concernentes às relações com
profissionais de saúde e pessoas próximas, uma relação de dependência. Em oposição,
71
no quadrante inferior direito estão as classes 1 e 2 – A Morte por Descuido, Pobreza,
Solidão e A Morte da Pessoa, do Outro, do Indeterminado – eixo Morrer de aids. No
quadrante inferior esquerdo – abaixo do eixo que separa Vida e Morte, mas do lado
onde se encontram as classes do eixo Vida - encontra-se a classe 3, Vida Ameaçada.
Esta classe se refere ao momento do diagnóstico, quando os sujeitos associam a aids à
morte, e sofrem o impacto causado pela notícia. Passado este momento, a vida mostrase possível, com limitações e dificuldades. Tenta-se, então, viver “normal”, como se a
doença não existisse.
Análise Fatorial de Correspondência em coordenadas
Figura 4
72
Análise Fatorial de Correspondência em correlações
Figura 5
Para Camargo (2005) as classes podem indicar representações sociais ou campos de
imagens sobre um determinado objeto. Nem sempre todas as classes referem-se a
representações sociais, e somente seu conteúdo e sua relação com os objetivos e o
contexto da pesquisa pode definir isto.
Consideramos que as representações da Morte por aids encontram-se mais identificadas
nas Classes 1, 2.
O programa ALCESTE apresenta uma lista de u.c.e. representativas de cada classe.
Estas u.c.e. são organizadas através do número de ordem no corpus e um coeficiente
(Phi) de associação dela à classe onde se encontra. Este coeficiente é também utilizado
para as palavras significativas das classes. É através da leitura e análise destes dados
que se busca os sentidos contidos nelas.
Apresentamos, com o objetivo de maior entendimento da discussão, os vocábulos mais
73
representativos de cada classe, que associados às ideias expostas nas u.c.e., auxiliam na
compreensão das representações contidas nelas.
Eixo Morrer de aids
Classe 1 – A Morte por Descuido, Pobreza, Solidão (13,0% das u.c.e.)
Formas
Phi
F
quest+
0,40
13
relac+
0,31
18
mort+
0,30
15
prevenc+
0,28
8
coloc+
0,27
6
Qualidade
0,27
5
Dificuldade
0,24
8
medica+
0,22
6
rincipal+
0,22
6
Sei
0,21
11
Ao
0,21
9
Casos
0,21
4
frequent+
0,21
3
Namorados
0,21
3
Presenças Significativas, com respectivos coeficientes de associação (Phi)
e frequência de formas
Quadro 2
74
Análise Fatorial em coordenadas da Classe 1
Figura 6
“Relac” refere-se a relações (sociais) ou em relação a, “mort” é morte. A forma “quest”
– questão – no contexto significa “o problema, o fato, a questão”.Vemos um exemplo
na seguinte u.c.e:
– imagino que hoje a morte se dê mais assim por estas questões de descuido,
e até involuntário, das pessoas em relação a sua saúde, porque com o avanço
do tratamento você consegue ter uma vida normal e acredito que se morra de
outras causas, (Homem, 48 anos, nível superior, homossexual, sem religião)
A morte é entendida como consequência do descuido, da pobreza, da solidão e não só
75
como consequência da doença. É descrita como decrepitude física.
– pessoas que têm dificuldade de seguir a rotina de tratamento, então como a
gente mais ou menos repete nas consultas as mesmas pessoas, a remarcação
coincide em geral, eu já vi pessoas que morreram que frequentavam o
ambulatório e tiveram processo de internação e dá para você acompanhar o
processo de decrepitude física das pessoas, mas muitos casos em-que isto
aconteceu,
principalmente em casos que acontecem internação, são pessoas que tem
essa dificuldade de financeira, seja de ter uma alimentação adequada, seja de
poder seguir o tratamento, seja porque acabam não conseguindo fugir de, de,
então eu acho que estas pessoas no processo de complicação, pela situação
de isolamento familiar e social, talvez, não puderam fazer o tratamento, seguir
o tratamento, não tiveram ate condições físicas, o-que resultou na internação e
talvez devido o agravamento do quadro os medicamentos, não tiveram o efeito
mais e estas pessoas vieram a falecer, mas eu acho que todos os casos foram
de mortes assim com situações de uma decrepitude física muito grande,
(Homem, 48 anos, nível superior, homossexual, sem religião)
A morte é imaginada como um processo doloroso e solitário. Dentro dos hospitais,
pessoas que não têm condições de cuidar-se morrem sozinhas, em um processo de
decrepitude. Estas mortes não causam impacto, não são vistas.
– complicações que afetavam o cérebro, por exemplo, tinham dificuldades
motoras, tinham dificuldade de fala, e muitas destas pessoas não têm
retaguarda familiar, destas que vivem estes problemas mais sérios. algumas a
gente vê que tem sempre parentes acompanhando, com todas as dificuldades
e tudo, mas estão sempre com alguma companhia, outras se apresentavam
sozinhas.
quando a pessoa vai se descuidando por diversas razões e acaba tendo uma
morte numa situação assim de sofrimento maior, não é uma morte abrupta, e
uma morte num processo continuado, então em geral eu acho e que isto tem a
ver com, (Homem, 48 anos, nível superior, homossexual, sem religião)
76
A forma “prevenc” – prevenção – mostra que há uma preocupação com isto, pois se a
morte não é vista, as pessoas, principalmente os jovens, não a conhecem, não se
previnem, não querem usar o preservativo. Isto dificulta a possibilidade de novos
relacionamentos para os portadores de aids.
– da gravidade da doença porque elas nao veem mortes sucessivas em torno
disso e a dificuldade de prevenção acaba se colocando, até porque estas
pessoas em relação a, a doença, e a outras doenças sexualmente
transmissíveis,
que não conviveram com o início da epidemia e aquelas mortes sucessivas que
aconteciam. então a a relação hoje com a doença/ ela e mais fácil, mas ao
mesmo tempo ela e mais difícil também porque para você estabelecer relações
que tenham algum/ caráter sexual com pessoas mais jovens e difícil você fazer
este diálogo porque as pessoas não têm noção assim do, do, (Homem, 48
anos, nível superior, homossexual, sem religião)
Assim, a morte, oculta nos hospitais, em decorrência da pobreza e do descuido, não
mais assusta os jovens, e com isto diminui a consciência da necessidade de prevenção.
O ALCESTE realiza, ainda, a Classificação Hierárquica Ascendente (CHA), que cruza
as u.c.e. da classe selecionada com as formas reduzidas desta mesma classe,
proporcionando a visualização de relações de vizinhança indicativas de contextos ou
“núcleos” que podem auxiliar na avaliação da inter-relação entre elas (NASCIMENTO,
MENANDRO, 2006).
77
Classificação Hierárquica Ascendente da Classe 1
Figura 7
Aqui vê-se que a palavra morte encontra-se próxima a tratamento, dificuldade e o verbo
acab+ (acaba, acabam), reafirmando o conteúdo de que a dificuldade de fazer o
tratamento acaba conduzindo à morte.
O ALCESTE fornece também uma rede de palavras, mostrando a ligação destas com a
forma “quest” – questão (Figura 8).
Rede da forma “quest+” na Classe 1
Figura 8
78
Nesta figura vê-se que a palavra questão está próxima a relações, doença, morte,
medicamento, dificuldade, o que reforça a ideia de que a morte se deve a dificuldades
no tratamento, atingindo principalmente aqueles que vivem com problemas sociais e
econômicos.
Esta é uma visão bem homogenia em um grupo com escolaridade alta, e parece
ancorado em sua percepção política e social. Como a tuberculose, vista no passado
como uma doença de poetas e artistas, e hoje relegada a doença ligada à pobreza, apesar
de sua alta prevalência no Brasil, a morte por aids, para este grupo, está representada
como a morte devido à condição socioeconômica, consequência da pobreza.
De alguma maneira, esta representação os exclui da morte por aids, já que não fazem
parte dos pobres, solitários ou descuidados. Também eles não veem mais as mortes
sucessivas expostas no início da epidemia, tendo uma vaga noção que elas ainda
ocorrem, uma morte social, que atinge um grupo já excluído da sociedade. A morte é
objetivada como decrepitude física. Permanece oculta nos hospitais públicos, onde
pobres e solitários sofrem um processo continuado de decrepitude e morrem.
Esta classe tem como sujeitos mais representativos homens, com idade entre 41 e 50
anos, com nível superior, homossexuais, sem religião.
Classe 2 - A Morte da Pessoa, do Outro, do Indeterminado (37,0% das u.c.e.).
Formas
pesso+
ach+
Aids
cur+
Diz
Vai
cois+
Sei
Vejo
Phi
f
0,31
0,28
0,23
0,19
0,19
0,19
0,19
0,18
0,17
134
109
33
33
24
48
81
44
17
79
Dia
0,16
24
Rua
0,16
8
acredit+
0,15
29
Homem
0,13
5
ignor+
0,13
5
Presenças Significativas, com respectivos coeficientes de associação (Phi) e número de
formas
Quadro 3
A maior presença é a forma “pesso” – que no caso refere-se à pessoa. Pessoa
indeterminada, pessoas que morrem de aids, que sofrem.
Como mostram as uce:
– eu acho que morre por insuficiência cardíaca, por insuficiência renal,
insuficiência de múltiplos órgãos. morre, tem uma morte sofrida, não é uma
morte natural, quando para um coração, um ataque cardíaco fulminante e
parar, eu acho que e bem diferente, que e uma pessoa que vai sofrer, ela vai
sofrer, vai ficar naquela agonia. (Homem, 57 anos, heterossexual, nível superior,
espírita)
– acho isso mexeu de tal forma com a cabeça dele que ele tenha escolhido
talvez a morte. então foi o único, a única pessoa assim mais próxima. eu acho
que o morrer de aids para mim seria quando você não tem a oportunidade de,
de alguma forma de se cuidar mesmo, e o acesso, mas é claro que
dependendo da virulência do vírus, virulência de muita coisa, não tem
tratamento que dê jeito, (Homem, 49 anos, professor, nível superior,
homossexual, sem religião)
– da perda de imunidade do organismo eu não sei, sinceramente eu não sei
como e que vai/ ser, com certeza, além da dor de perder uma pessoa muito
próxima, sempre bate aquela coisa assim ih, pode ser que eu/ seja a bola da
vez, não é. (Homem, 51 anos, professor, homossexual, escolaridade superior,
umbandista)
Pessoas que têm preconceito. Pessoas que enganam. Pessoas que se matam. Aqui o
80
sujeito é indeterminado, os problemas ocorrem com o outro.
– então eu prefiro ficar sozinha pela vergonha também de dizer dessa doença, porque
eu tenho muita vergonha. não, tenho porque as pessoas são muito, assim, e, e, como e
que a gente fala, e, meu deus, sei lá, olha a gente assim de outro modo, diferente, e se
souber que a pessoa tem aquele problema, não olha daquele mesmo jeito que nem
uma pessoa comum.
(Mulher, 55 anos, nível fundamental, evangélica)
– então no caso do meu marido foi diferente, agora de muitas outras pessoas, não são
todas as pessoas que enganam, não, eu, por exemplo, não falo, mas eu me preveni, eu
acho que a pessoa ela ela não tem nada a ver, porque a vingança,
(Mulher, 51 anos,
nível fundamental, evangélica)
– não sei o que, papapa, papapa, a família dele visitava, era vizinho de leito, um dia
que eu vim fazer uma consulta aqui, eu perguntei por ele e me disseram que ele tinha
se matado, tinha se suicidado, então para mim foi um choque,
(Homem, 57 anos,
heterossexual, nível superior, espírita)
Nesta classe aparecem os verbos ach+ (achar), acredit+ (acreditar), pens+ (pensar). A
u.c.e. mais representativa desta classe mostra uma certa desresponsabilização pelos
acontecimentos, pois se “achava”, “acreditava”, “pensava” coisas (cois+) que nem
sempre se confirmaram. A crença da doença ligada a homossexuais também está
presente. E aqui se fala na aids, que não é muito nomeada no conjunto das entrevistas.
–
que eu não gostaria que acontecesse comigo. não, não pensava, não
pensava, eu achava que, na época, era muito propagado que quem pegava
aids era homossexuais só, não era verdade, então é uma coisa, eu acredito
que era uma coisa muito, muito centralizada, uma coisa mais politicamente,
(Homem, 57 anos, heterossexual, escolaridade superior, espírita)
– e. não e que eu não acredite na força do vírus, não e isso, mas eu acho que
aquilo só vai ter poder sobre mim, se eu permitir, então, eu acho que, no meu
caso, em algum momento que eu não sei precisar, eu devia estar deprimido,
(Homem, 39 anos, homossexual, escolaridade superior, candomblecista)
81
A palavra “rua” aparece aqui como um lugar perigoso, onde se pode encontrar a doença
e a morte:
– fui procurar na rua o que eu tinha dentro de casa e hoje eu não tenho cura, hoje eu
não tenho/ o que fazer, eu estou morrendo e não tenho o que fazer, isso eu ouvi dele
me dizer.
(Mulher, 61 anos, escolaridade superior, presbiteriana)
– eu, eu acho que tem um pouco/ disso. ah, eu acho que e assim, e tipo uma batida de
carro, sei lá, esta na rua atravessando o carro te atropelar, e mais ou menos isso, uma
hora vai chegar, de um jeito ou de outro para todos.
(Homem, 41 anos,
heterossexual, nível superior, batista)
E a morte mostra sua cara.
– aliás, como, aids não mata, mata é outra doença que vem por trás. nao sei, nunca
pensei nisso, só a única coisa que eu falo, se eu tiver de morrer eu quero morrer
bonito, feio não, magro não, não, para todo mundo olhar para minha cara, não, está
arrasado.
(Homem, 41 anos, homossexual, escolaridade fundamental, espírita)
– acho que essas coisas acabam se aproximando muito, aquela coisa da pessoa ir
definhando, sumindo, desaparecendo, isso e um processo muito complicado, difícil.
mas eu sinceramente, eu tento não não, não ficar pensando muito nisso não,
entendeu?
(Homem, 51 anos, homossexual, escolaridade superior, umbandista)
– por exemplo, é. tuberculose, no caso, respiração, a própria pele da pessoa, já vi uma
pessoa toda desfigurada, com problema seríssimo de pele, respiração, atacando assim
a parte cardíaca, nunca, e a pessoa nunca diz, ah, foi aids que matou, a pessoa nunca
diz,
(Mulher, 58 anos, escolaridade fundamental, católica)
A figura de Cazuza ainda está presente no imaginário quando se pensa na morte.
– com certeza essa. a garotada, pessoal mais jovem, não tem não tem essas
referências. E aí eu não sei se por conta disso se relaciona de uma forma mais
tranquila ou menos tranquila, quer dizer, mais responsável ou menos responsável, não
sei, mas na minha geração essas aquelas imagens do cazuza e de outros artistas, e
tal,
(Homem, 51 anos, escolaridade superior, homossexual, umbandista)
82
– passageiro, nada de relacionamento sério, então, é isso aí mesmo. O tipo de
pessoa? qualquer uma, qualquer um. antigamente, também não foi da minha época
que eu tenho 33 anos, eu sou de 80, não fui da época do cazuza, mas naquela época
você ainda desconfiava, você lê nas reportagens, mas hoje em dia você não desconfia.
(Homem, heterossexual, 33 anos, escolaridade média, evangélico)
– realmente eu não sei como foi. eu tenho fé em deus que aids tem cura. acho que ja
estão perto de descobrir. eu acho que é muito triste. ah, eu. assim, pelo que eu sei as
pessoas geralmente ficam acamadas, sofrendo. não. artistas, teve o cazuza, teve
aquele.
(Mulher, 53 anos, escolaridade superior, evangélica)
– então cazuza, por exemplo, que eu acho que e um dos grandes ícones da minha
geração, e ver o cazuza morrer, vir definhando da forma como ele foi definhando, como
é que a vida foi abdicando de estar presente nele,
(Homem homossexual, 51 anos,
escolaridade superior, umbandista)
Cazuza – jovem e belo, que foi exposto durante seu processo de adoecimento e morte,
ancora a representação da morte neste grupo, que aglutina a maioria das u.c.e.
classificadas, composto de indivíduos de ambos os sexos, orientação sexual diversa,
várias idades, grau de escolaridade e crenças religiosas.
Na rede da forma “pessoa”, na Figura 9, vê-se que ela encontra-se próxima às formas
correspondentes aos verbos “achar”, “vai”, “diz”, e aos substantivos “coisa”,
“preconceito”, “rua”. As pessoas agem (verbos- dizem, vão), pensam (acham), têm
preconceito. E é na rua que elas encontram a doença e a morte (lugar indeterminado, de
fora).
83
Rede da forma “pesso+” na Classe 2
Figura 9
A morte (do outro, do indeterminado) se dá através de um processo doloroso e feio. As
pessoas vão emagrecendo, têm problemas de pele, um processo lento e sofrido até a
morte.
Como em Cazuza, a vida vai abdicando de estar presente nelas.
A morte é vista como a morte do outro, oculta no imaginário, na qual se tenta não
pensar, esquecer.
84
Eixo Viver com Aids
Classe 3 – Vida Ameaçada (18,0% das u.c.e.)
Formas
Exame
Fiz
Vim
Pneumonia
fiqu+
Tuberculose
Soube
descobr+
herpes zoster
Fez
repet+
result+
Consegui
Phi
0,45
0,37
0,33
0,29
0,26
0,26
0,25
0,25
0,20
0,20
0,20
0,20
0,20
f
34
27
13
9
29
12
7
15
4
5
5
7
7
Presenças Significativas, com respectivos Phi e frequência de formas.
Quadro 4
85
Análise Fatorial em coordenadas da Classe 3
Figura 10
Esta classe refere-se à descoberta do diagnóstico, momento marcante para os sujeitos.
Ainda que ligada a suas vidas, remete à ameaça de morte que a notícia significa para
eles.
“Exame” é a palavra com maior ligação com a classe. Os verbos “fiz”, “soube”,
“descobr” (descobrir), “repet”
(repetir) estão ligados a ela. Aparecem também as
palavras “pneumonia”, “tuberculose”, “herpes zoster”, que são doenças marcadoras da
aids, que levam os indivíduos a fazer o teste. “Vim” e “consegui” se referem ao
atendimento. E “intern+” (internação) é uma ocorrência importante que os coloca em
contato com a doença e a morte. As u.c.e. com maior ligação com esta classe são:
86
– consegui uma consulta aqui, eu vim, ela viu o meu cansaço, falou, uma
tosse, mandou bater uma chapa, me internou, fiquei 15 dias internado, fiz, tirei
a água do pulmão, me tratei, porque é praticamente uma pneumonia,
tuberculose, e eu descobri, ela foi, (Homem, 41 anos, homossexual,
escolaridade fundamental, com religião)
– eu pedi que fizessem em mim, no mesmo laboratório eu fiz deu negativo,
quando meu marido entrou em coma, depois do natal, ele entrou em coma, eu
implorei que os médicos fizessem o teste de hiv nele, de novo, novamente,
fizeram, deu positivo, (Mulher, 54 anos, escolaridade fundamental, católica)
– E, na verdade, não, eu até me considero uma pessoa bem aceito, quando eu
descobri o problema, eu vim para fazer um exame de rotina e, de repente, fiz
todos os exames e foi onde deu que eu tinha hiv. (Homem, 54 anos,
homossexual, escolaridade média, evangélico)
A notícia do diagnóstico assusta e remete à ideia da morte:
– e dali me levaram para o hospital, me internaram e tal, estava com
pneumonia, para fazer os exames, fiz os exames que constatou. para mim foi
um pouco assim. pavoroso, porque eu fiquei apavorada, porque jamais ia
pensar que poderia ser essa doença, mas mesmo assim com o tempo me
aceitei, tem que aceitar porque deus na frente e tudo, lógico, acho que tem que
ter fé, fé, confiar e se cuidar, principalmente. (Mulher, 44 anos, escolaridade
média, cristã)
– ah, triste, eu fiquei muito triste quando eu soube do resultado, eu soube
porque eu tive herpes zoster, vim pesquisar, aqui que foi descoberto. foi 99
para 2000, fiquei muito triste, muito. porque a gente sempre imagina que
acontece com os outros, não com a gente, foi terrível, terrível, pensei que fosse
morrer, que não tivesse jeito, que remédio não ia resolver, mas já tem 13 anos,
graças a deus. (Mulher, 53 anos, escolaridade superior, evangélica)
A internação também propicia o contato com a morte:
87
– olha, sinceramente, eu sou um. eu nem imagino. não, eu conheci uma
pessoa que se suicidou. foi horrível, porque eu estava internado aqui, e eu,
fiquei internado porque eu tive herpes zoster, foi a segunda vez que eu tive,
vim parar aqui no hospital, me tratando, no dia que eu tive alta, ele estava bem,
falando que tinha um cachorrinho, (Homem, 57 anos, heterossexual, nível
superior, espírita)
– morre de. sofrimento muito, grande, que eu já vi muitos morrerem na minha.
já, muitos. ah, e horrível, e triste, eu estava em isolamento, e depois passei
para enfermaria, nessa época de 90 e. (Mulher, 44 anos, escolaridade média,
cristã)
– que não tinha mais nada e ele acreditou naquela cura/ que não tinha mais
nada e parou de tomar o remédio, bateu no hospital, foi ficando magro, magro,
não comendo, pegou/ uma pneumonia, quando soube já estava no hospital
internado, morreu. (Mulher, 55 anos, escolaridade fundamental, evangélica)
O momento do diagnóstico evoca também sentimentos de culpa, de perda, de traição,
questionando as relações afetivas/sexuais que podem ter levado à contaminação.
– Até que eu vim trabalhar nessa empresa que eu trabalho hoje em dia ainda,
conheci uma pessoa, eu não sei por que cargas d´água, eu achei graça de me
envolver com a pessoa. por azar meu eu não sabia que ele tinha o hiv, numa
internação que ele precisou de fazer, porque ele bebe, para tratar a bebida,
que ele preferiu tratar ate, ele precisou de ficar internado, lá vários exames,
contatou que ele tinha o hiv. (Mulher, 58 anos, escolaridade fundamental,
católica)
– através do exame de sangue que o médico fez nele descobriu que ele tinha
uma doença, que eu fui descobrir que eu tinha, através dele, o bebê ficou 3
meses e faleceu, tadinho, porque ele nasceu, devido a essa doença, com
metade do cérebro desmanchado, (Mulher, 54 anos, escolaridade fundamental,
católica)
– naquele primeiro momento foi mais ou menos no meio do ano, junho, julho de
93 que essa noticia caiu como uma bomba, na nossa relação, mas eu não
consegui, não me senti animado de procurar um médico e de também saber se
88
eu era portador, não, (Homem, homossexual, 51 anos, escolaridade superior,
umbandista)
– porque eu não tinha tido relação sexual fora do casamento, nem com
preservativo nem sem preservativo, nem nada e pronto, quando eu voltei lá no
Sergio Franco, pediu para fazer outro exame, que eu já voltei lá com uma
semana depois, (Homem, heterossexual, 41 anos, escolaridade média, batista)
– que eu fui infectada dentro da minha/ própria casa. não, no momento agora
eu não estou tendo. sim, logo que eu larguei ele ainda tive ainda, mas depois
eu tive/ um câncer no colo do útero, então eu estive muito doente também,
assim, fiquei para baixo quando soube, não/ totalmente, mas fiquei, me
resguardei mais, (Mulher, 51 anos, escolaridade fundamental, evangélica)
Os sujeitos, nesta classe, relatam como a notícia do diagnóstico impacta suas vidas,
como o medo da morte aparece neste momento, a doença e a morte presentes durante as
internações, e o estrago em suas relações afetivas naquele momento e depois. A
representação da aids no momento do diagnóstico, para estas pessoas, era ainda a da
morte. Depois, a morte volta a se ocultar, e a vida segue.
Rede da forma “exame” na Classe 3
Figura 11
89
Na Figura 11 a palavra “exame” encontra-se próxima aos verbos “fiz”, “deu”,
“descobri”, “repet”, todos referentes ao momento do diagnóstico. Encontra-se também
ligada à ‘intern” (internação). Aparecem também ligadas a ela as doenças relacionadas à
aids, que as levaram a fazer exames ou a serem internadas. O gráfico reforça a ideia de
que esta classe se refere ao momento do diagnóstico e seu impacto.
Classificação ascendente da Classe 3
Figura 12
Na classificação ascendente podem ser visualizados os blocos que formam o discurso
característico desta classe. Um bloco que fala do fazer o exame e dar positivo para o
HIV, e da época da descoberta. No outro bloco aparecem as palavras falecer, marido,
descobri, teve, ligados a tuberculose, pneumonia, internação, ficar, hospital.
Discurso referente ao momento do diagnóstico, quando as relações são questionadas e a
vida ameaçada pela doença, internação e morte.
90
Classe 4 – Vida Limitada (17% das u.c.e.)
Formas
cas+
Phi
0,41
f
31
mor+
0,36
20
trabalh+
0,34
45
Normal
0,29
24
Vivendo
0,27
8
estress+
0,23
6
Sai
0,23
9
filh+
0,22
15
tenh+
0,23
42
Atividade
0,23
7
Sair
0,21
8
regr+
0,21
5
empreg+
0,21
4
Uns
0,20
9
Tabela Presenças Significativas, com respectivo Phi
e frequência de formas
Quadro 5
91
Análise Fatorial em Coordenadas
Figura 13
A forma “cas” se refere à casa, casada, casal, casar, caseira; “mor” ao verbo morar,
“trabalh” a trabalhar, trabalhando, trabalhava, trabalhei, trabalho.
É uma classe que mostra relatos indicativos da vida dos indivíduos que vivem com
aids.
– bom, eu trabalho como auxiliar administrativo, já tem 16 anos que eu trabalho
nessa empresa, e tenho uma vida normal, trabalho, tenho minha casa, terminei
minha faculdade, até quando eu descobri o hiv eu estava na faculdade,
como a pessoa é mais nova de idade que eu, ainda um pouco imaturo, não
quis entrar numa situação, e levo uma vida regrada, saio, me divirto, tenho
meus amigos, bebo uma cervejinha de vez em quando, sem. (Homem, 39 anos,
homossexual, nível superior, candomblecista)
– minha vida? bom, atualmente não sou, sou separado, moro eu e um filho só,
trabalho de segunda a sábado, sou vendedor ambulante, trabalho com o
público e tenho a vida regrada, vamos dizer assim, comida, almoço, café,
procuro me regrar um pouco na alimentação, (Homem, 48 anos, heterossexual,
escolaridade média, evangélico)
92
Vida regrada, vida voltada para a família, para o trabalho, com preocupação de não se
expor, não expor a condição de portadores de HIV/aids.
– até hoje não aceito. não. só assim, minha filha que ela e casada, mora na
Pavuna. eu tenho uma filha dela que eu crio desde que nasceu, esta com 14
anos, eu com medo dela afastar a menina de mim, eu precisei ficar internada
aqui mês passado, foi que eu resolvi falar com ela, resolvi assim, porque eu
precisei mesmo, (Mulher, 58 anos, escolaridade fundamental, católica)
– minha família aceitou, me dá apoio, só os amigos que não, que infelizmente,
eu estava falando a sociedade ainda é muito. ah, eu, por isso que eu gosto, eu
moro em Santa Cruz, eu adoro vir me tratar aqui, por isso que eu gosto, porque
ninguém me conhece, ninguém sabe, porque se alguém saber, sabe que
começa o tititi, aquela coisa, fulano tem, infelizmente é chato, (Homem, 41
anos, homossexual, escolaridade fundamental, espírita)
A vida é “normal”, mas as relações afetiva/sexuais são também limitadas, afetadas pela
situação.
– É complicado porque eu tenho maior cuidado com a minha namorada, tem
que tomar cuidado, ela sabe, avisei, quando ela ficou grávida, perdeu a criança
também, eu evito até muito, sair não sai, só trabalho, trabalho em dois
emprego, fico em casa, (Homem, 43 anos, heterossexual, escolaridade
fundamental, sem religião)
– E a pessoa da qual eu estava, eu automaticamente esfriei com ele assim
depois-que eu fiquei sabendo, que eu sei que foi dele. ele chegou a morar um
ano/ junto, mas teve, ter me afastado dele assim fisicamente, carinhosamente
até, meu comportamento com ele, continuo/ querendo bem ele, querendo
ajudar ele, mas só que ele não aceita que tem a doença, (Mulher, 58 anos,
escolaridade fundamental, católica)
As limitações impostas pela condição de portadores de aids são percebidas por alguns
como positivas, porque estes limites melhorarem sua qualidade de vida.
93
– me deu esse choque de ordem, não tive aquela coisa assim, ah, não, eu
estou com hiv, então tenho que sentar e esperar a morte chegar, não, eu tenho
que continuar vivendo, continuar trabalhando, continuar estudando, continuar
rindo, (Homem, 39 anos, homossexual, escolaridade superior, candomblecista)
– algumas coisas que eu normalmente não faria, como por exemplo, cuidar da
minha saúde de forma intensa. então fazer exames pelo menos a cada 4, 5
meses, cuidar da alimentação, e cuidar da atividade física, cuidar da cabeça,
não assumir trabalhos muito estressantes, então, eu acho que se tornou
positivo, por incrível que pareça, (Homem, 49 anos, homossexual, escolaridade
superior, sem religião)
Esta classe mostra, enfim, que a vida é relatada como normal, voltada para família e
trabalho, com regras que limitam, mas que podem até melhorar a qualidade da vida em
relação a que se vivia antes, esconde a aids, palavra que sequer é dita nesta classe.
Rede de Formas da Classe 4
Figura 14
94
Na Figura 14 vemos que “casa” encontra-se próximo de
“mor”, “filh”, “tenh”,
“trabalh”, “sair”, “vida”, “emprego”, “levant”, “normal”.
Isto reforça a ideia de que é uma classe que trata do cotidiano das pessoas com aids,
uma vida “normal”, com regras que permitem que a doença permaneça escondida.
Classe 5 – Medicamento (8,0 % das u.c.e.)
Formas
tom+
Phi
0,55
f
48
remed+
0,42
27
Comprimido
0,34
6
certinh+
0,27
4
medic+
0,26
18
troc+
0,24
4
continu+
0,21
7
Vou
0.20
11
Melhor
0,19
3
Depressão
0,18
4
mont+
0,17
2
Mesma
0,17
4
Período
0,17
2
doutormichael
0,17
2
Presenças Significativas, com respectivos Phi e
frequência de formas
Quadro 6
A forma “tom” refere-se ao verbo tomar; “remed” é remédio.
Esta é uma classe que remete ao tratamento da aids, a medicação ganha uma
centralidade, provoca uma mudança na vida das pessoas.
95
Análise Fatorial em coordenadas
Figura 15
Exemplos de u.c.e.:
– Desde que comecei a tomar esse coquetel a carga ficou indetectável, o cd4
ficou alto, tomo certinho, nunca deixei de tomar, parei de beber, não bebo mais,
bebia muito e é isso. A mesma coisa não é, na realidade, porque a minha vida
mudou, não porque eu parei de beber, minha vida mudou, me relacionava com
várias mulheres, às vezes você vê, é, o físico, acha que a mulher não tem
nada, então, eu vacilei, eu dei mole, (Homem, 33 anos, heterossexual,
escolaridade média, evangélico)
– não, eu estipulei vou tomar o remédio de manhã quando eu for tomar o café e
à noite quando eu jantar ou antes de dormir, e sempre aquela preocupação de
tomar a medicação com alguma alimentação e reforcei, tentei melhorar minha
alimentação com vitamina, (Homem, 39 anos, homossexual, escolaridade
superior, candomblecista)
– elas fazem minhas unhas as vezes. não, tenho tomado direitinho os
remédios. tenho tomado. Só que o acho que e o azt, não sei, tem me dado
anemia muito forte, inclusive, a ponto de prejudicar ate minha visão, mas agora
96
eu fiz uma limpeza de laser, ai melhorou um pouco, ai agora vou trocar o
medicamento. (Mulher, 58 anos, escolaridade fundamental, católica)
O tratamento – o tomar ou não os remédios – vem junto com mudanças de hábitos que
são consideradas importantes para o resultado. O uso de drogas é considerado um
importante impeditivo para o sucesso do tratamento.
– tem como você estacionar ela, se você também fazer por onde, tomar
medicação, não usar droga, não passar/ muitas noites em claro fazendo farra,
não se alimentar, tudo isso é um processo, não e só o remédio, (Mulher, 55
anos, escolaridade fundamental, evangélica)
– eu descobri um colega que ele tem, ele tem, mas ele usa droga, essas coisa,
não quer sair da vida, está magro, está desgostoso da vida, não quer tomar
remédio. Cada um tem a sua cabeça, eu penso muito em mim, eu já perdi meu
pai, perdi minha mãe, desde quando, doutor Michael ficou até preocupado, tem
que tomar o remédio certinho, vai tomar o remédio, e tomo, são 2 comprimidos,
tomo 1 de manhã, 2 à noite, (Homem, 43 anos, heterossexual, escolaridade
fundamental, sem religião)
A depressão é vista como um importante fator que prejudica o tratamento, diminuindo a
eficácia da medicação.
– então é um pouco complicado, isso é muito relativo, porque às vezes as
pessoas bebem, tomam a medicação e continuam muito doentes, já outras
pega a doença, e não consegue e superar, tanto em relação a medicação, tem
muita depressão, (Mulher, 55 anos, escolaridade fundamental, evangélica)
E é considerada um motivo para o abandono do tratamento.
– Até a sexta estarei curada e pronto, e eu na sexta estive curada. que nossa
senhora de aparecida. E foi isso, continuei tomando a medicação, teve vários
altos e baixos, lógico, depressão, teve um período que eu fiquei uns meses
sem tomar remédio, precisou mudar uma medicação porque não sabia que
deixando, achava que era só voltar a tomar, (Mulher, 63 anos, escolaridade
superior, espírita)
97
– E estou continuando, mas na verdade não foi a depressão, a vontade de me
calar para sempre não foi o motivo totalmente, não foi eu, eu deixei sim de
tomar a medicação, mas não foi eu, foi uma situação que eu vi e eu não podia
botar a boca no mundo, (Mulher, 55 anos, escolaridade fundamental,
evangélica)
– A mesma coisa não é, que nem você fica com o psicológico meio abalado, ou
às vezes você cai em depressão, não muito profunda, mas fica chateado, triste,
dai você conhece uma garota, acaba gostando dela, se você falar ela vai
embora. (Homem, heterossexual, 33 anos, protestante)
A medicação, então, pode ser acionada a qualquer momento para o bem ou para o mal.
– falei até isso para minha comadre quando eu falei para ela, é como-se eu
tivesse um disjuntor, eu posso desligar minha vida a qualquer momento, eu
posso simplesmente sair daqui resolver que eu não vou tomar mais o remédio,
ter uma vida desregrada, (Homem, 33 anos, homossexual, escolaridade
superior, evangélico)
Torna-se um regulador da vida e da morte.
Rede da forma “tom” na Classe 5
Figura 16
98
“Tom” – tomar”- encontra-se próximo a ‘” remédio”, “medicação”,
“comprimido”,
“vou”, “certinho”. Mais distante, mas ligada a ela encontra-se depressão, mostrando a
importância desta para os sujeitos quando se referem ao tratamento.
Classe 6 - Dependência (7,0% das u.c.e.)
Formas
Phi
f
Mão
0,30
5
fal+
0,28
27
Pai
0,28
7
Mãe
0,26
8
tivess+
0,22
4
sab+
0,21
16
quer+
0,21
11
Curso
0,18
2
Lógico
0,19
3
Criança
0,19
3
Camisinha
0,18
4
precis+
0,18
5
precis+
0,17
5
lut+
0,15
2
Presenças Significativas, com respectivos Phi
e frequência de formas
Quadro 7
99
Análise Fatorial em Coordenadas
Figura 17
A forma “mão” aqui tem sentidos variados, referindo-se tanto ao substantivo mão, como
à expressão “estar na mão” de deus, dos profissionais, etc. Está ligada principalmente a
verbos.
É uma classe descritiva, onde se relata situações concernentes a relações com familiares,
pessoas próximas, profissionais de saúde e da vida com aids.
Assim, o homem relata que não depende de ninguém para ser enterrado quando morrer.
– então não quero saber não, então o sinaf está pago, eu falo para todo
mundo, a hora que fechar o olho se quiser se dar o trabalho de ir e chorar para
mim já está valendo, porque ninguém precisa botar a mão no bolso. (Homem,
39 anos, homossexual, nível superior, candomblecista)
100
Outro, conta sua dificuldade com os medicamentos e a relação com seu médico.
– comecei as medicações, com o próprio professor Michael que me
acompanha esses anos todo e foi indo, foi indo, foi evoluindo. Quando ele
tentou, ele mudou uma medicação minha para mim foi muito complicado, eu
cheguei com todas as medicações, entreguei na mão dele e falei não quero
mais saber disso, pelo amor de deus. (Homem, 40 anos, homossexual, nível
superior, católico)
E a mulher demonstra sua esperança na cura através de Deus.
– eu não boto na cabeça que eu tenho a doença, eu me cuido, eu me trato e
vou seguindo, com a vontade de deus. O que eu mais penso é que deus me
tire esses retrovirais da minha vida, e dê o diagnóstico na minha mão, porque
eu creio nele, que e o deus poderoso, e o deus que tudo pode, não e, se for a
vontade dele, se eu merecer, se eu não merecer. (Mulher, 44 anos,
escolaridade média, cristã)
Uma mulher relata o papel dos filhos em seu tratamento.
– numa época também da quimioterapia eu queria desistir de tudo, no terceiro
mês que começou a cair cabelo, falei que não ia fazer mais nada, se tivesse
que morrer que morresse e pronto, ai meus filhos chegaram para mim e não,
mãe, não sei o que, (Mulher, 63 anos, nível superior, espírita)
E conta como uma filha se relacionou com o diagnóstico da mãe.
– a filha falou, mãe, pode contar para mim se você teve namorado, ela não,
mas o pai tinha morrido, ninguém sabia do que morreu, foram descobrir que
talvez o senhorzinho teria passado para ela, a mulher não aguentou um mês e
ela morreu. (Mulher, 63 anos, nível superior, espírita)
Fala também da dificuldade nas relações afetivas/sexuais, referindo-se às dificuldades
no uso do preservativo.
– Não quero saber se gosta, ou não tchau, o outro já no começo também
mandei passear. eu não, sinceramente eu não tive mais coragem de começar a
namorar, porque eu fico na indecisão, vou contar ou não vou contar, usa
101
camisinha, começa, lógico que eu vou usar, mas começa a história, ah não, sei
lá porque.
uma vez quase que na hora ele tirou a camisinha e eu fiquei para morrer,
porque também a minha sensação de culpa e depois também não quero pegar
outras coisas além do que eu já tenho, e dai eu mandei passear, ah não, mas
eu gosto de você, (Mulher, 63 anos, nível superior, espírita)
Como podemos ver na Figura 18, “mão” encontra-se ligado a verbos. “fal” é o verbo
falar. “presis” é precisar. “pod” refere-se ao verbo poder, “quer” é querer, “sab” é
saber. “Diss” é do verbo dizer e “tir” ao verbo tirar. Relaciona-se, portanto, a várias
ações, que, de acordo com a análise das u.c.e., se referem a relatos sobre a vida com
aids, mostrando uma falta de autonomia e dependência – da família, dos médicos, dos
parceiros , de deus.
Rede da forma “mão” na Classe 6
Figura 18
102
6 DISCUSSÃO
Os resultados produzidos pelo ALCESTE mostram diferentes pontos de referência que
levam a diferentes modos de falar, sendo que o uso de um vocabulário específico pode
servir para esclarecer maneiras de pensar sobre um objeto. Assim, é possível, através da
classificação de palavras que representam formas diferentes de discursos a respeito do
objeto, analisar ideias que se referem ao objeto, e também ao próprio sujeito naquele
momento. A dupla referência permite a formação da representação do objeto em um
contexto típico de um grupo (NASCIMENTO, MENANDRO, 2006).
As classes produzidas pelo ALCESTE podem indicar representações sociais ou campos
de imagens sobre um determinado objeto. Nem sempre todas as classes referem-se a
representações sociais, e somente seu conteúdo e sua relação com os objetivos e o
contexto da pesquisa pode definir isto (CAMARGO, 2005).
Nesta pesquisa buscou-se as representações da morte por aids, através de entrevistas
realizadas com sujeitos portadores da HIV/Aids atendidos em ambulatórios de um
hospital universitário do Rio de Janeiro.
Foram encontradas 6 classes, divididas em 2 eixos, que chamamos Morrer de aids e
Viver com aids. Considerou-se que as Classes 1, 2 contêm as representações da morte
por aids neste grupo. Na Classe 3 (Vida Ameaçada) a morte aparece como
representação da aids (doença) no momento do diagnóstico, se contrapondo à vida,
“normal”, mas limitada, após este momento, representada na Classe 4. As Classe 5 e 6
são descritivas, referindo-se a problemas cotidianos da vida com aids – o tratamento e a
falta de autonomia devido à doença.
A Morte por aids está representada na Classe 1 como a morte em consequência do
descuido, da pobreza, da solidão e não só como consequência da doença. Esta classe
103
tem como sujeitos mais representativos homens, com idade entre 41 e 50 anos, com
nível superior, homossexuais, sem religião, com militância política ou sindical.
Objetivada como decrepitude física, a morte é descrita como um processo doloroso e
solitário. A morte deve-se a dificuldades no tratamento, atingindo principalmente
aqueles que vivem com problemas sociais e econômicos. Dentro dos hospitais, aqueles
que não têm condições de cuidar-se morrem sozinhos, em um processo sofrido. Estas
mortes não causam impacto, não são vistas. Há uma preocupação neste grupo em
relação à prevenção, pois se a morte não é vista, as pessoas, principalmente os jovens,
não a conhecem, não se previnem, não querem usar o preservativo. Isto dificulta a
possibilidade de novos relacionamentos para os portadores de HIV/Aids.
Esta representação parece ancorada na posição política e social dos sujeitos. A morte
por aids está representada como a morte devido à condição sócio-econômica,
consequência da pobreza. Como a tuberculose, antes vista como doença de poetas e
artistas, e hoje considerada doença de pobres e excluídos.
Esta representação protege os sujeitos da morte, já que eles não fazem parte dos pobres,
solitários ou descuidados. Também eles não veem mais as mortes sucessivas expostas
no início da epidemia, tendo uma vaga noção que elas ainda ocorrem, uma morte social,
que atinge aqueles já excluídos da sociedade.
A morte permanece oculta nos hospitais públicos, onde pobres e solitários sofrem um
processo de decrepitude e morrem.
A Classe 2 aglutina a maioria das u.c.e. classificadas. É composta de indivíduos de
ambos os sexos, orientação sexual diversa, várias idades, grau de escolaridade e crenças
religiosas. A Morte por aids é representada como a morte da pessoa, do outro, do
indeterminado. A morte é objetivada como um processo doloroso e feio. As pessoas vão
104
emagrecendo, definhando, têm problemas de pele, um caminho lento até a morte.
Para estes sujeitos, as “pessoas” têm preconceito, são traídas, capazes de disseminar o
vírus por vingança. Os sujeitos são passivos, pois “acreditavam”, “pensavam” coisas
que nem sempre se confirmaram, como a crença que a doença só atingia homossexuais.
Há certa desresponsabilização dos sujeitos pelos acontecimentos.
É nesta classe que a aids aparece nomeada. A doença e a morte encontram-se na rua, um
lugar perigoso, fora do sujeito. Pessoas podem procurar a morte, e se matarem.
Cazuza – artista jovem e belo, que foi exposto durante seu processo de adoecimento e
morte, ancora esta representação. A morte das pessoas é uma morte lenta, feia, triste.
Como em Cazuza, a vida vai abdicando de estar presente nelas.
A morte é vista como a morte do outro, oculta no imaginário, na qual se tenta não
pensar, esquecer.
Na Classe 3, situada no eixo Vida com aids, a morte também aparece. Refere-se à
descoberta do diagnóstico, momento marcante para os sujeitos. Ainda que ligada a suas
vidas, remete à ameaça de morte que a notícia significa para eles. A notícia do
diagnóstico causa o medo da morte, as doenças e internações ocorridas neste período os
colocam em contato com ela, e provoca dificuldades e sofrimento em suas relações
afetivas. A representação da aids no momento do diagnóstico, para estas pessoas, era
ainda a da morte. Depois, a morte volta a se ocultar, e a vida segue.
Esta classe, que chamamos Vida Ameaçada, contrapõe-se à Classe 4 – Vida Limitada –
onde a vida é considerada “normal”.
A Classe 4 – Vida Limitada – é uma classe que mostra relatos indicativos da vida dos
indivíduos que convivem com a aids. Vida regrada, vida voltada para a família, para o
105
trabalho, com preocupação de não se expor, não expor a condição de portadores de
HIV/aids.
Descrita como normal, com regras que limitam, mas que podem até melhorar a
qualidade da vida em relação a que se vivia antes, esconde a aids, palavra que sequer é
dita nesta classe.
A classe 5 – Medicamentos - é uma classe que remete ao tratamento da aids. A
medicação ganha uma centralidade, provoca uma mudança na vida das pessoas. Os
remédios são entendidos como fundamentais para a manutenção de suas vidas. Há
compreensão de que é preciso tomá-los e de como tomá-los.
Revela também, entretanto, que elas consideram que o tratamento pode ser suspenso no
caso de depressão (desejo da morte?), tornando-se, assim, como um “disjuntor”, um
regulador da vida e da morte.
Esta noção é relevante para entendermos as recorrentes falhas no uso do medicamento.
Em momentos de tristeza ou depressão a PVHA maltrata a si mesmo, suspende o
tratamento, talvez em busca da morte. Quando adoece, ou quando melhora suas
condições na vida, muitas vezes volta usar os remédios, nem sempre com sucesso. Seria
interessante aprofundar os sentidos de ¨depressão¨ para estes sujeitos.
Este tem sido um dos maiores desafios para os profissionais de saúde atualmente. Por
mais explicações que sejam dadas, e por mais que a pessoa demonstre que conhece os
riscos que corre, ela abandona os remédios.
A morte, neste caso, exerce atração para estas pessoas, elas tentam ir, nem sempre
conseguem, talvez uma forma de fugir dos problemas e das tristezas da vida.
A classe 6 – Dependência - é uma classe descritiva, onde se relata situações
106
concernentes a relações com familiares, pessoas próximas, profissionais de saúde e à
vida com aids. Sugere uma vida onde falta autonomia. Revela dependência – da família,
dos médicos, dos parceiros, de deus.
Observações feitas durante as entrevistas, anotadas em caderno de campo, revelam que
as mulheres manifestaram mais tristeza (algumas choraram durante a entrevista),
lamentando a solidão, relatando dificuldades em ter parceiros, já que eles não aceitam o
preservativo e as abandonam quando sabem da doença. Homens heterossexuais também
pareceram mais inconformados com o diagnóstico, ainda que não se queixem da falta de
parceiras.
Alguns homens homossexuais referem melhora na qualidade de vida,
atribuída a
melhor alimentação, menos abusos (¨farras¨), mais cuidados com a saúde depois de
conhecerem o diagnóstico.
Foi entre os homens, independente da orientação sexual, que surgiu a preocupação com
os efeitos estéticos dos medicamentos sobre o corpo (lipodistrofia).
As limitações na pesquisa não permitiram que estas observações fossem confirmadas ao
analisar os dados, pois o número de entrevistas não possibilitou comparações. Outra
limitação do estudo foi que as entrevistas se limitaram a pessoas que têm o diagnóstico
feito há alguns anos. Seria interessante saber se aqueles que souberam do diagnóstico
mais recentemente mantêm estas representações. Também não foram entrevistadas
pessoas mais jovens, que talvez lidem com a morte de forma diferente dos adultos.
A aids, após 30 anos, continua na mídia com frequência, com divulgação para o público
de avanços científicos sobre o assunto. A cura da aids tem aparecido na capa de revistas
de grande circulação, causando a impressão que ela já existe ou está próxima de ser
107
alcançada. As notícias, em geral, causam expectativas positivas nas PVHA, apesar de
acabarem não se confirmando. Um estudo destas publicações seria interessante para o
entendimento do processo de formação das representações sociais produzidas por elas
atualmente.
108
7 CONCLUSÕES
Este estudo buscou conhecer as representações da morte pela aids em pessoas que
vivem com o HIV/Aids, com o fim de entender melhor suas práticas no processo de
adoecimento e na prevenção. Verificou-se que a morte encontra-se oculta, sendo
representada como morte de pobres e excluídos, ou morte de outros, do indeterminado.
A vida com aids aparece como uma vida limitada por regras, pelo tratamento, por
preconceitos. A morte continua aparecendo como uma ameaça iminente na hora do
diagnóstico, ficando oculta depois. A doença se esconde, tenta-se levar uma vida
normal. A prevenção é dificultada pelo desconhecimento atual do perigo da aids,
principalmente entre os jovens, o que dificulta relações afetivas/sexuais para as PVHA.
E os medicamentos são entendidos como regulador da vida e da morte, podendo ser
suspensos a qualquer momento, quando a vida não vale a pena.
Conhecer estas representações pode ajudar no enfrentamento da epidemia hoje, quando
a prevenção aparece apenas em campanhas pontuais, e a doença não está mais visível
para o público a não ser em notícias (alvissareiras) da mídia.
Evidenciar a doença com suas dificuldades e possibilidades de tratamento, recolocar a
prevenção em pauta, desconstruir medos. Desafios que não podem ser enfrentados sem
desvelar a morte e superar limites impostos por preconceitos.
109
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ANEXO 1 - ROTEIRO PARA ENTREVISTA
I – Identificação
Nº:
LOCAL:
DATA:
II – Contexto
1 - Fale um pouco sobre você, sua vida, trabalho, relações, atividades sociais.
III – A idéia sobre a aids
1 - O que vc acha sobre a epidemia da aids?
2- Como vc acha que é viver com aids? - Conte-me sua história.
4 - Como você acha que se adquire aids?
5 - Como você se previne (a você e a seu/sua(s) parceiro(a)s)?
6 - Que tipo de pessoa você acha que tem aids?
IV – A morte por aids
1 – A aids tem cura?
2 – Como você acha que é morrer de aids?
3– Você conhece alguém que morreu de aids? Conte-me esta história.
VI – Complementos da identificação
SEXO:
IDADE:
RAÇA/COR:
ESCOLARIDADE:
Você tem religião?
( ) SIM
QUAL?
( ) NÃO
Você se relaciona sexualmente:
mulheres
( ) só com homens
( ) só com mulheres
( ) com homens e
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