UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INÁ MEIRELES DE SOUZA AIDS, 30 ANOS DEPOIS: quando a morte se oculta, a doença se esconde e a vida é regulada pelos medicamentos. Rio de Janeiro 2014 AIDS, 30 ANOS DEPOIS: Quando a morte se oculta, a doença se esconde e a vida é regulada pelos medicamentos. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Saúde Coletiva. Orientadores: Luiz Fernando Rangel Tura e Ivany Bursztyn Rio de Janeiro 2014 AIDS, 30 ANOS DEPOIS: Quando a morte se oculta, a doença se esconde e a vida é regulada pelos medicamentos. Iná Meireles de Souza Orientadores: Luiz Fernando Rangel Tura e Ivany Bursztyn Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Saúde Coletiva. Aprovada por: -----------------------------------------------------------------------------------------------Professor Doutor Luiz Fernando Rangel Tura – ( UFRJ/PPGSC) ---------------------------------------------------------------------------------------------Professora Doutora Antonia Oliveira Silva – (UFPB/PPGENF) ---------------------------------------------------------------------------------------------Professora Doutora Célia Pereira Caldas – (UERJ/ PPGENF) ---------------------------------------------------------------------------------------------Professora Doutora Ângela Arruda – (UFRJ/PPGPSI) ---------------------------------------------------------------------------------------------Professora Doutora Diana Maul de Carvalho – (UFRJ/PPGSC) ---------------------------------------------------------------------------------------------Professora Doutora Talita Vidal Pereira – (PPGED/UERJ-FEBF), suplente ----------------------------------------------------------------------------------------------Professora Doutora Ivani Bursztyn – (UFRJ/PPGSC), suplente Resumo MEIRELES, Iná. AIDS 30 ANOS DEPOIS: Quando a morte se oculta, a doença se esconde, e a vida é regulada pelos medicamentos. Rio de Janeiro, 2014. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) Instituto de Estudos em Saúde Coletiva. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 2014. O objetivo desta pesquisa foi conhecer as representações sociais da morte pela aids, visando entender o impacto destas representações nas práticas de proteção, processo de adoecimento e cuidado com as pessoas que vivem com o HIV/Aids (PVHA). Utilizouse como marco teórico a Teoria das Representações Sociais formulada por Moscovici, e como método a análise lexográfica do texto produzido nas entrevistas com os sujeitos, com a ajuda do programa informático ALCESTE (Análise Lexical Contextual de um Conjunto de Segmentos de Texto). Realizou-se estudo exploratório através de entrevistas semi-estruturadas com 22 sujeitos HIV positivos atendidos em ambulatórios de um hospital universitário no Rio de Janeiro. Após análise dos resultados foram encontradas 6 classes, divididas em 2 eixos, que chamamos Morrer de aids e Viver com aids. Considerou-se que as Classes 1, 2 contêm as representações da morte por aids. A morte por aids está representada na Classe 1 como a morte em consequência do descuido, da pobreza, da solidão e não só como consequência da doença. Objetivada como decrepitude física, é descrita como um processo doloroso e solitário. A morte deve-se a dificuldades no tratamento, atingindo principalmente aqueles que vivem com problemas sociais e econômicos. Esta representação parece ancorada na posição política e social dos sujeitos. A morte permanece oculta nos hospitais públicos, uma morte social, que atinge aqueles já excluídos da sociedade. Na Classe 2 a morte por aids é representada como a morte da pessoa, do outro, do indeterminado. É objetivada como um processo doloroso e feio. As pessoas vão emagrecendo, definhando, têm problemas de pele, um caminho lento até a morte. A figura de Cazuza, exposto durante seu processo de adoecimento, ancora esta representação. A morte das pessoas é uma morte lenta, feia, triste. Como em Cazuza, a vida vai abdicando de estar presente nelas. A morte é vista como a morte do outro, oculta no imaginário, na qual se tenta não pensar, esquecer. Na Classe 3 (Vida Ameaçada) a morte aparece como representação da aids (doença) no momento do diagnóstico, se contrapondo à vida, “normal” mas limitada, após este momento, representada na Classe 4. As Classe 5 e 6 são descritivas, referindose a problemas cotidianos da vida com aids – o tratamento e a falta de autonomia devido à doença. Vê-se que a vida com aids é uma vida limitada por regras, pelo tratamento, por preconceitos. A morte é uma ameaça iminente na hora do diagnóstico, ocultando-se depois. A doença se esconde, procura-se levar vida normal. A prevenção é dificultada pelo desconhecimento atual do perigo da aids, dificultando relações afetivas/sexuais para as PVHA. E os medicamentos tornam-se regulador da vida e da morte, podendo ser suspensos a qualquer momento. Conhecer estas representações pode ajudar no enfrentamento da epidemia hoje, quando a prevenção aparece apenas em campanhas pontuais, e a doença não está mais visível para o público. Evidenciar a doença, recolocar a prevenção em pauta, desconstruir medos. Desafios que não podem ser enfrentados sem desvelar a morte e superar limites impostos por preconceitos. Palavras chave: AIDS, MORTE, REPRESENTAÇÕES SOCIAIS MEIRELES, Iná. AIDS 30 Years after: When death is hidden, the disease hides away, and then life is regulated by medicines. Rio de Janeiro, 2014. Thesis (Doctorate in Collective Health). Instituto de Estudos em Saúde Coletiva. Universidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Brazil. ABSTRACT The goal of this research was to know the social representations of death by aids, seeking to understand the impact of these representations in the practices of protection, illness process and care to the people who live with HIV/Aids (PLWHA). It was used as a theoretical framework the Theory of Social Representations formulated by Moscovici, and as method the text lexicographic analysis produced through interviews with the subjects, with help from the computer programme named ALCESTE (Contextual Lexical Analysis of a set of text Segments). An exploratory study was accomplished through semi-structured interviews with 22 HIV-positive subjects attending an outpatient clinic of a university hospital in Rio de Janeiro. After results analysis it was found 6 classes, divided into 2 axes, which we have called “To Die of aids” and “Living with aids”. It considered that Classes 1, 2 contain the representations of death by aids. Death by aids is represented in the class 1 as death as a result of negligence, poverty, loneliness and not only as a consequence of the disease itself. Objectified as physical decrepitude, is described as a painful and lonely process. The death is due to treatment difficulties, reaching primarily those who live with social and economic problems. This representation seems anchored in the political and social position of the subjects. The death remains hidden in public hospitals; it is a social death which affects those already excluded from society. In Class 2, the death by aids is represented as the death of the person, of the other, of the indeterminate. Is objectified as a painful and ugly process. The people lose weight, weakening, having skin problems; it is a slow path until death. The picture of the popstar Cazuza, exposed during his illness process, anchors this representation. The death of people is a slow, ugly and saddeath. As in Cazuza, life will be abdicating from being present in them. The Death is then seen as the death of the other, hidden in the imaginary, in which one try not to think, one tries to forget. In Class 3 (Threatened Life) death appears as representation of aids (disease) at the moment of diagnosis, as opposed to life, "normal" but limited, after this moment, represented in Class 4. The Class 5 and 6 are descriptive, referring to the everyday problems of life with aids-treatment and lack of autonomy due to the disease. One sees as if life with aids is a life which is limited by rules, by treatment, by prejudices. Death is an imminent threat at the time of diagnosis, and hiding itself afterwards. The disease then hides itself; one then seeks to lead a normal life. Prevention is hampered by the current lack of knowledge about the danger of aids, hindering emotional/sexual relationships for PVHA. And the medicines become the regulator of life and death, and may be suspended at any time. Knowing these representations can help in facing the epidemic today, when prevention is shown only on campaigns, and the disease is no longer visible to the public. Evidencing the disease, reattach prevention in the agenda, deconstruct fears. Challenges that cannot be tackled without unveiling death and overcoming the limits imposed by prejudices. Keywords: AIDS, DEATH, SOCIAL REPRESENTATIONS Agradecimentos Este trabalho é fruto de reflexões feitas durante os anos que tenho convivido com pessoas que vivem com o HIV/Aids, e teve, portanto, a participação daqueles que atendi e me confiaram parte de suas vidas, e daqueles que têm trabalhado comigo, dos amigos com quem divido preocupações e propostas. Não seria possível nomeá-los, mas guardo comigo agradecimento profundo a todos. Este é um trabalho do Núcleo de Epidemiologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto, onde venho construindo minha visão sobre saúde, sobre a vida, sobre as transformações da sociedade, sobre o mundo. César e Terezinha são meus parceiros nesta construção, e compartilhamos mais do que ideias, afetos, cumplicidade. Aos meus colegas neste período, doutor Júlio Gamboa, Cláudia Ragon e Helber Medeiros, agradeço pela rica discussão travada em nossos encontros, pela ajuda em tarefas que eu não conseguiria dar conta, pelo companheirismo e carinho que me dedicaram nesta jornada. Ao professor Jarbas, agradeço a ajuda nas versões para o inglês, e o incentivo e carinho para comigo desde a preparação para o mestrado. Aos professores doutores Dirce Bonfim e Michael Deveza, agradeço a confiança e boa vontade com que atenderam ao pedido para encaminhar pacientes por eles atendidos para participarem desta pesquisa. Ao acadêmico de medicina Renan Martins Pereira Malheiro, agradeço pelo apoio durante o trabalho de campo e digitação das entrevistas. À professora doutora Márcia de Assunção Ferreira, agradeço a ajuda com o programa ALSCESTE, fundamental para obtenção dos resultados encontrados. Aos professores doutores Ângela Arruda, Célia Pereira Caldas e Diana Maul de Carvalho, que participaram da banca de qualificação deste projeto, agradeço as importantes observações e sugestões. À professora doutora Ivany Bursztyn a orientação e os “toques” sempre pertinentes. Ao professor doutor Luiz Fernando Rangel Tura, agradeço pela disponibilidade, compreensão, generosidade com que tem acompanhado esta trajetória. Não teria sido possível concluir esta pesquisa sem sua presença atenta e sua colaboração permanente e pertinente. Sou sua admiradora para sempre. Aos sujeitos da pesquisa, que se dispuseram a expor suas vidas e abrir sua intimidade, meus sinceros agradecimentos. Espero que os resultados encontrados possam servir para amenizar seus sofrimentos. Apresentação Em nossa pesquisa de mestrado procuramos compreender as representações sociais da epidemia de aids nas comunidades adeptas do candomblé, buscando relações entre valores culturais, práticas religiosas e vulnerabilidade à doença. Para a investigação adotamos a abordagem estrutural, desenvolvida principalmente por Abric (2001) e Flament (2001). Encontramos “prevenção” como o provável núcleo central dessa representação social. As consequências da epidemia foram quase que exclusivamente representadas por este grupo no campo sócio afetivo, tendo por centro termos como: isolamento, discriminação, preconceito, solidão, medo. Entre os entrevistados na pesquisa, 39% daqueles que responderam que conheciam pessoas com aids disseram que elas morreram, mostrando sua experiência com a epidemia desde o início, quando a morte era frequente. Quando comparado a estudos anteriores feitos no Brasil, onde sexo e morte, às vezes em conjunto com prevenção (nos mais jovens), aparecem no núcleo central desta representação social, podemos imaginar que uma mudança está se processando (CARMARGO, BARBARÁ e BERTOLDO, 2007) e talvez este grupo, por sua relação particular com os elementos sexo e morte, expresse esta diferença (SANTOS, 1986). A representação da aids para estes sujeitos nos faz refletir sobre sua visão da vida e da morte, e do modo como esta visão se integra na sociedade moderna, caracterizada pelo pluralismo e pela rapidez com que ocorrem mudanças (econômicas, políticas e culturais). Nos últimos 17 anos, temos acompanhando, em ambulatório clínico, pessoas que vivem com HIV/Aids. Junto com elas aprendemos que a vida, a sexualidade, e a morte têm dimensões que jamais alcançaríamos sem esta convivência. E nos deparamos com desafios que nos instiga a buscar respostas que não encontramos nos manuais, consensos, protocolos. As representações sociais têm função mediadora entre grupos culturais diferentes e entre os homens e seu meio. Para entendê-las é preciso analisar as formas culturais de expressão dos grupos, a organização e a transmissão desta expressão (JODELET, 2009). Ivana Marková (2007) chama a atenção para a importância deste conhecimento na área de educação para a saúde. Citando a campanha de prevenção da aids na Inglaterra, nos anos 1980, com o título “não morra de ignorância”, ela argumenta que, neste caso, foi ignorado que já existia um conhecimento popular sobre o assunto, que havia representações sociais do HIV/Aids que eram parte da cultura. Estas representações estavam ancoradas em pecado, doenças sexualmente transmissíveis (DST), e outras práticas consideradas negativas. Ela afirma que estas representações eram mais influentes nas atividades das pessoas que um “conhecimento neutro e objetivo sobre o vírus, antivírus, agulhas infectadas e camisinhas” que eram proporcionadas pelas campanhas de saúde. As representações do HIV/Aids eram ameaçadoras, e a prevenção da transmissão do vírus poderia indicar que o indivíduo estava infectado e propiciar rejeição. Marková considera que é preciso levar-se em conta as representações que circulam na população e na sociedade para obter-se efetividade nestas campanhas. (MARKOVÁ, 2007). O enfrentamento à epidemia da aids tem sofrido modificações nos últimos anos. Após mais de 30 anos de seu aparecimento, a tendência é o uso de medicamentos como forma de tratar o portador do vírus. Os medicamentos também passam a ser entendidos como importante meio de controle da epidemia, já que se verifica a diminuição da transmissão do vírus com seu uso. Não se fala mais na aids como uma doença que leva à morte, o doente não está mais visível, as campanhas pelo uso do preservativo tornam-se mais raras. Para Cardoso e Arruda (2004), a observância ao tratamento pelos indivíduos soropositivos depende de vários fatores, entre os quais a representação social que a soropositividade tem para estes sujeitos. A trajetória da epidemia da aids na direção de tornar-se uma “doença crônica”, trazendo novos desafios no que se refere à prevenção e à adesão aos tratamentos dá especial relevância a este conhecimento. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO – A MORTE, AS MORTES E O MORRER DE AIDS 13 1.1 A morte 13 1.2 As mortes 17 1.3 O morrer de aids – Eros e Tânatos 27 1.4 A epidemia da aids – 30 anos depois 35 1.5 As representações sociais da morte pela aids 37 2 OBJETIVOS DA PESQUISA 45 2.1 Objetivo Geral 45 2.2 Objetivos Específicos 45 3 MARCO TEÓRICO: A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS 46 4 MÉTODOS 57 5 RESULTADOS 66 6 DISCUSSÃO 101 7 CONCLUSÕES 107 REFERÊNCIAS 109 ANEXO 1 – ROTEIRO PARA ENTREVISTA 115 13 1 INTRODUÇÃO - A MORTE, AS MORTES, E O MORRER DE AIDS 1.1 A morte (filosofia) Voltaire disse que “a espécie humana é a única que sabe que vai morrer, e sabe disso pela experiência”¹. Os animais, quando se sentem ameaçados, têm algum pressentimento da morte. Mas não é um saber, e mesmo que o fosse, não seria um saber da necessidade da morte. Somente o homem possui a compreensão da ligação entre nascimento e morte. Trata-se de uma experiência cujo conteúdo não é apenas o fato de morrer, mas também a certeza de dever morrer. (LANDSBERG, 2009). Ricoeur (2012) contesta Landsberg e os epicuristas, dizendo que não se trata de experiência, mas sim de imaginação. A morte é um acontecimento que não se pode experimentar individualmente e depois descrever o que se passou. A experiência humana da necessidade da morte ultrapassa a biologia, assim como ultrapassa o sentimento de envelhecer. Não se tem apenas a evidência de que é preciso morrer quando se atinge o ponto limite da morte natural, como pensava Scheler (2008). Tem-se também a evidência de que se está diante da possibilidade real da morte em cada instante da vida. Só se pode conhecer isto através da morte do outro, que se assiste ou que se toma consciência de modo indireto. A morte está sempre por perto. A consciência da morte avança com a individualização humana, com a constituição de individualidades singulares (ARIÈS, 1988). Tem-se a ideia da morte como agonia antecipada, vendo a própria morte e a própria agonia na imagem do moribundo no olhar do outro. Ricouer (2012) recorre ao testemunho de médicos que trabalham com terapias paliativas para portadores de aids ou de câncer incuráveis, doentes em fase terminal, para entender este processo. Segundo ele, estes profissionais não veem o agonizante como um moribundo, que logo morrerá. 14 Eles o veem como ainda vivo, como apelando para os recursos mais profundos da vida, é outro olhar. “É o olhar da compaixão, e não o do espectador que se antecipa ao jámorto.” (p.15). Para ele, compaixão, neste caso, não significa piedade, comiseração, mas sim lutar-com, um acompanhamento. Acompanhar com o sentido da “atitude devido à qual o olhar sobre o morrente se volta para um agonizante, que luta pela vida até a morte, e não para um moribundo que logo vai ser um morto.” (p.16). Há estados parecidos com a morte, que os vivos podem conhecer: o sono profundo, os desmaios, o estado comatoso. E também se experimenta a morte vivendo o perigo de morte: a guerra, a doença grave, os acidentes. Ricoeur diz que “somente os fantasmas se lembram da morte” (p.28). Refere-se ao horror dos campos de concentração, ao extermínio. À memória da morte dos sobreviventes (que sobreviveram por “sorte”, sem mérito). Ao imaginário da morte a partir do extermínio “arraigado na vivência que se torna indistinguível da ‘angústia de viver’ em seu caráter de ‘sorte’.” (RICOUER, 2012, p. 29). Pode-se pressentir ou imaginar a própria morte. Mas a diferença entre estas experiências permanece oculta. A morte intervém como o desconhecido: ultrapassa qualquer experiência de doença, sofrimento e velhice. É através da morte do outro que se conhece a morte. O outro representa todos os outros. A morte do próximo é ainda mais intensa que a morte do outro em geral. Quando alguém conhecido morre, passa-se pela experiência da ausência misteriosa da pessoa. Aquele corpo não mais representa a pessoa conhecida (LANDSBERG, 2009). Do ponto de vista biológico, viver é uma luta constante contra obstáculos e ameaças, o organismo gasta suas energias nesta luta. Mas a experiência vivida mostra a coincidência desse limite biológico com o desaparecimento da pessoa. Quando uma 15 pessoa próxima morre, sente-se a morte no interior da própria existência. A perda decorrente da morte, a ausência do outro, promove esta experiência. Landsberg (2009) considera que nesta experiência há algo como o sentimento de uma infidelidade trágica da parte do outro, assim como há o sentimento de morte no ressentimento da infidelidade. “Ele morreu para mim”, “eu morri para ele” – é mais que uma maneira de falar. (p.23). Para compreender a morte do outro é preciso que a experiência do morrer do outro se desvele. Os pais de soldados mortos na guerra realizam seu sofrimento ao receberem as cartas fatais com a notícia de suas mortes. Buscam, então, saber os detalhes dos últimos momentos dos filhos, procurando encontrar a atmosfera do morrer para entrar nesta compaixão vital que necessitam. O ato de morrer em que a pessoa se concentra é mais acessível à compreensão. A compaixão serve como uma ponte para o outro, sendo um consolo (LANDSBERG, 2009). O prazer e a dor podem, igualmente, se aproximar da morte. No prazer se está perto da angústia da morte, ela parece prolongá-lo, o homem foge de sua lei ontológica mais profunda, segue para o nada. O êxtase, que não precisa ser necessariamente religioso, parece vencer a angústia e o tédio, libertar uma força que parece existir independentemente da vida corporal. Desde Platão, os filósofos do espírito seguiram por esta via para justificar com argumentos a esperança de uma vida após a morte. Scheler (2008) defende a autonomia dos atos espirituais em relação ao processo vital. O conhecimento não seria determinado biologicamente, ele seria supervital, inacessível à morte. A autonomia do espírito diante da vida e da morte se constituiria através da participação no mundo das ideias (SCHELER, 2008). Ricoeuer (2012) reflete que o artista morre e a obra fica. Quando se 16 fala do artista usa-se as datas de nascimento e de morte entre parênteses. Estas datas marcam o tempo da produção de cada obra como acontecimento de vida, mas também mostram o momento em que a obra ¨se reinscreve no tempo imortal - ¨angélico¨ - tempo trans-histórico da recepção da obra por outros vivos que têm seu tempo próprio.¨ (RICOEUR, 2012, p 56)(2). Epicuro criou a doutrina chamada de sofisma da inexistência da morte. Se nós existimos, ela não existe. Se ela existe, nós já não existimos (SCHLIEMANN, 2002). Sêneca e os estoicos entenderam que a morte pertence ao todo ordenado do cosmo, assim como o nascimento. A morte não é um fim absoluto, pois o homem pertence ao cosmo, nada perece no mundo, apenas passa. O estoicismo é uma doutrina de liberdade, fundada na possibilidade de morte livre. Uma porta aberta por onde se pode escapar de qualquer servidão (SENECA, 2011). O budismo, baseado na fé bramanista, considera que a ligação do nascimento com a morte é indestrutível por ser inerente à essência da realidade. O imutável que existe em cada ser sobrevive ao fim, renascendo como deus, semideus, ou elementos da natureza. Existem práticas que ajudam a encontrar a esperança que há na morte, e a combater a negação e o medo que ela pode inspirar (RINPOCHE, S., 2011). O pensamento judaico está na base da visão do cristianismo: a ligação do nascimento e da morte encontra-se no pecado original, pode ser rompida por um novo nascimento, pela intervenção da graça divina que vence o pecado e, portanto, a morte. (LANDSBERG, 2009). O cristianismo propõe, para o crente, a libertação da morte. Para os cristãos, o homem pode transcender a condição de mortal porque há a possibilidade de vida depois da 17 morte. A mortalidade é a punição do pecado. A participação do homem na eternidade da pessoa divina só se realiza integralmente além da morte, a própria morte se torna um nascimento superior ao nascimento empírico. A danação aparece como a única morte verdadeira, morte eterna, porque é a perda definitiva de tal participação. A pessoa espiritual do defunto não se aniquila, ela adquire uma existência definitiva na morte ou na vida, no inferno ou no céu. A desvinculação do corpo da alma, após Descartes, embasa o início da separação deste do sagrado, sendo o corpo associado à matéria. Descartes considerava a alma racional, distinta do corpo em que habitava. Foi o primeiro que formulou o dualismo completo entre a alma e o corpo, entre a mente e a matéria, que depois se impôs como pensamento geral. A filosofia de Platão, Aristóteles e a tradição cristã consideravam corpo e alma diferentes, mas ontologicamente unidos. Descartes rompe com este pensamento, afirmando que a alma não precisava do corpo para pensar e sentir. Eram duas substâncias. O corpo seria gerado como uma máquina, regida por leis da mecânica. A alma poderia existir sem ele, no momento do fim, quando se separavam. Isto possibilitou que os cientistas concebessem o corpo, até o séc. XIX, como matéria, apesar de se continuar crendo na ressurreição da alma. Isto abre caminho, também, para a separação entre o pensamento racional e a fé. (RODRIGUES; FRANCO., 2011). Para Landsberg (1) o cristianismo determina o início da conversão da atitude do homem diante da morte. Discutindo o suicídio à luz do cristianismo, única doutrina que o condena de forma absoluta, ele considera que a morte é uma tentação (por isto pecado provocá-la). Há momentos que o homem deseja a morte. 1. 2 As mortes A partir dos anos 1950 estudos empíricos de antropólogos como Marcel Mausse e Lévi- 18 Strauss, entre outros, mostraram que as doenças, a saúde e a morte não se reduzem apenas a uma evidência orgânica, natural e objetiva, mas que sua vivência pelas pessoas e pelos grupos sociais está intimamente relacionada com características organizacionais e culturais de cada sociedade. Questionaram a hegemonia da biomedicina, quando esta colocava a sua visão como “a verdade” ou a “única verdade”, e quando menosprezava o saber e a experiência das pessoas comuns. Entenderam que não há racionalidade biomédica independente do ambiente cultural e histórico de seu exercício (MINAYO, 2006). As epidemias também estão ligadas à organização social. Fatores culturais não apenas influenciam doenças, mas também induzem ambientes que favorecem seu aparecimento. Segundo Rodrigues (2005), “não basta estudar apenas o aspecto laboratorial das enfermidades e não é satisfatório compreender delas somente aquilo que é possível perceber por meio do microscópio” (p.177). Ele propõe o alargamento dos estudos de antropologia do corpo, pois compreender a vida humana significa entender que ela “tem suas razões (amor, ódio, honra, vergonha, orgulho, etc.) que a biologia desconhece” (p.188). Para ele, portanto, é necessário correr o risco de relativizar a própria biologia humana, pois o corpo humano não tem dois lados – um fixo e biológico, outro variável e cultural - mas apenas um. Também a disciplina histórica considerou, durante muito tempo, que o corpo não pertencia à cultura, e sim à natureza. Mas o corpo é agente e produto de representações mentais. Para Le Goff (2010), a história da Idade Média era desencarnada, os historiadores interessavam-se pelos homens, secundariamente pelas mulheres, mas geralmente sem seus corpos. Mas se o corpo vem mudando através do tempo, ele tem história. Para ele, uma das principais tensões existentes nesta época era entre o corpo e a alma. O pecado original, que no Gênesis era descrito como um pecado de orgulho e um 19 desafio do homem contra Deus, torna-se um pecado sexual. O primeiro homem e a primeira mulher são condenados ao trabalho e à dor (parto com dor), e devem ocultar a nudez de seus corpos (p.11) (LE GOFF; TRUONG, 2010). A coexistência dos vivos e dos mortos era desconhecida da Antiguidade pagã e mesmo cristã. Segundo Ariès (1988), apesar da familiaridade com a morte, os antigos temiam os mortos e os mantinham afastados. Os cemitérios ficavam fora das cidades. Na cultura greco-romana da Antiguidade, o culto e os rituais funerários objetivavam impedir que os mortos e suas almas perturbassem os vivos. (RODRIGUES; FRANCO, 2011). O corpo foi glorificado no cristianismo medieval. Jesus é a encarnação de Deus, que toma um corpo de homem, e vence a morte. A ressurreição de Jesus funda o dogma cristão da ressurreição dos corpos, crença inexistente em outras religiões. (LE GOFF; TRUONG, 2010). Foucault, nos trabalhos publicados no ano de sua morte (1984), afirma que existe uma continuidade entre a Antiguidade e o cristianismo primitivo, e destaca as diferenças e as novidades que separam a ética corporal (no caso, sexual) da religião de Estado que irá se impor na Europa medieval, daquela dos tempos greco-romanos. (FOUCAULT, 2006; 2012). Le Goff e Truong (2010) consideram importante estudar a Idade Média porque o triunfo do cristianismo nos séculos IV e V provocou quase uma revolução nos conceitos e nas práticas corporais. E também porque a Idade Média é, mais que qualquer época, a matriz do presente. É na Idade Média que se instala esse elemento fundamental da identidade coletiva ocidental que é o cristianismo. Essa Idade Média se instaura em torno do corpo martirizado e glorificado de Cristo. É nesta época que se criam novos heróis, santos, que são mártires em seus corpos. A partir 20 do séc.XIII, a Inquisição faz da tortura uma prática legítima que se aplica a todos os suspeitos de heresia, e não somente aos escravos, como na Antiguidade. A tortura era considerada uma ação sobre o espírito. Assim como a autoflagelação, abria caminho para a salvação (RODRIGUES; FRANCO, 2011). É verdade que os povos da Antiguidade mostravam bem pouca empatia com outros humanos. É só lembrarmos os jogos em que os homens lutavam e morriam diante de um público nada penalizado com suas sortes (e mortes). Ariès (1988) considera que a atitude diante da morte permanece sem mudar por longos períodos de tempo no mundo ocidental. Modificações lentas, entretanto, foram se realizando. Atualmente estas mudanças são mais rápidas e mais evidentes. Até o séc. XVIII, na Europa, as pessoas estavam familiarizadas com a própria morte. A pessoa que morria organizava o ritual, que era uma cerimônia pública, com participação inclusive de crianças. Era um assunto privado, familiar, mas com participação de muitas pessoas. Hoje os adultos evitam falar da morte com as crianças. A gestão do processo da morte e a morte estavam basicamente em mãos femininas da própria família. Posteriormente, a morte torna-se um assunto de especialistas (homens), médicos e hospitais (ARIÈS, 1988; MIGUEL, 1995). Apesar do mundo mágico da época, a morte era simples. Havia ritos, dependendo da religião, mas o moribundo participava sabendo que ia morrer. O doente aguardava a morte no leito. A familiaridade com a morte refletia a aceitação da natureza onde o homem se via inserido (ARIÈS, 1988). Na Idade Média a morte (e os doentes e os moribundos) era mais pública e era pouco comum que as pessoas estivessem sozinhas. A maneira de viver, trabalhar e morar não permitia outra coisa. Elias (2001) destaca que outros aspectos biológicos da vida 21 humana também eram mais públicos, como o nascimento. Ariès (1988) destaca que havia neste período uma concepção coletiva do destino. O homem era profundamente socializado, e esta socialização não separava o homem da natureza. A familiaridade com a morte era uma forma de aceitação da ordem da natureza. A morte era uma das leis da espécie. Era simplesmente aceita. O morrer junto à família e de maneira menos oculta não significava que esta fosse uma experiência tranquila, já que os sentimentos religiosos de culpa e castigo prevaleciam no mundo ocidental. As epidemias também faziam da morte um evento comum e visível. A expectativa de vida era menor do que atualmente nas sociedades desenvolvidas, as doenças infecciosas aumentavam as taxas de mortalidade infantil, e levavam a um curso de doença rápido. Nestas sociedades havia um nível baixo de individualização e a autoridade religiosa desempenhava papel central que podia conduzir ao medo do castigo após a morte (ELIAS, 2001). A partir dos séculos XI-XII – a segunda idade média - esta realidade foi parcialmente alterada. Foram modificações sutis, que aos poucos dão um sentido dramático e pessoal à familiaridade tradicional do homem com a morte. A relação entre a morte e a biografia de cada vida particular se consolida nos séculos XIV e XV. Acredita-se que cada homem revê toda sua vida no momento da morte. Sua atitude neste momento dará à sua biografia o sentido definitivo, a conclusão. A solenidade do ritual da morte no leito ganha uma carga emocional que não tinha antes. A partir do séc. XV é através da morte que as pessoas adquirem um conhecimento pleno de si mesmo. A preocupação se centra na morte de si mesmo, a importância do ser individual. Nos dois últimos séculos deste período começa a haver preocupação com a morte dos 22 outros. Teme-se a morte, sobretudo a morte dos outros. Visitam-se os cemitérios como se visitasse um vizinho ou amigo. A memória, junto com a visita ao túmulo do morto/a, proporciona certa imortalidade social ao ser humano. É como se a sociedade estivesse composta dos vivos e dos mortos. (MIGUEL, 1995). A partir do século XIX, ocorre um processo de afastamento social da morte, e a morte do outro se torna dramática e difícil de suportar. No século XIX e XX inicia-se o processo de medicalização do social, e a medicina e sua instituição torna-se referência central no que se refere à saúde, à vida, ao sofrimento e à morte (MENEZES, 2004). Há uma mudança do lugar da morte, das casas para o hospital, das comunidades e famílias para os médicos. Até o século XIX, no Brasil, o corpo morto era associado ao universo do sagrado, seguindo a tradição do catolicismo luso-brasileiro que prevalecia na época. Havia rituais e cuidados com o defunto, pois se acreditava que isto era importante para que o morto alcançasse a salvação. Há uma mudança nesta tradição em meados do século XIX, principalmente na Corte, resultante de transformações na maneira que o corpo morto era concebido de modo geral. As representações do catolicismo luso-brasileiro que predominaram na sociedade colonial e no início do Império sofreram uma mutação com a emergência do saber médico e a introdução de ideias e concepções sobre o corpo morto, que passa a ser visto de forma mais materializada e biológica. Isto leva à desritualização, gerando novos cuidados. O corpo morto passa a ser chamado mais comumente de cadáver (corpo de homem morto, corpo sem alma), e se começa a dar novos destinos a ele, baseado em ideias de higiene (RODRIGUES; FRANCO, 2011). Apesar do contato da cultura lusitana com diferentes crenças existentes no Brasil, de origem indígena e africana, as representações do catolicismo permanecem 23 predominantes. As práticas e rituais são muito sincretizadas ou miscigenadas em relação ao corpo morto ao longo dos séculos. Elementos “pré-cristãos” da antiga tradição ibérica juntaram-se a elementos principalmente de culturas africanas, e muitos negros escravizados e ex-escravos filiavam-se às irmandades religiosas para conseguir um sepultamento digno ou para tranquilizar seus espíritos, segundo suas crenças ancestrais. O catolicismo, nessa época, considerava a doença como castigo decorrente do pecado, e os médicos eram obrigados, pela legislação eclesiástica, a chamar o pároco antes de tratar dos males do corpo. A confissão deveria ser feita assim que surgissem os primeiros sintomas da doença (RODRIGUES; FRANCO, 2011). No séc. XX, após a Segunda Guerra, há uma modificação nas práticas e representações da morte e do morrer no mundo ocidental. Há um processo de ocultamento dos que estão prestes a morrer, a institucionalização e a rotinização dos cuidados aos doentes. Há uma mudança na relação entre o homem “moderno” e a morte (MENEZES, 2004). O nascimento e a morte deixam de ser um tema familiar e em mãos não especialistas (principalmente mulheres) para realizar-se em hospitais, depender de especialistas (homens) de alta tecnologia. (MIGUEL, 1995). O Brasil segue contendo importante diversidade religiosa. Apesar disto, até hoje, o Estado não é totalmente laico, mantendo ligação com o simbolismo da Igreja Católica. A religiosidade é relevante para grande parte da população, e não pode ser negligenciada no entendimento do contexto da doença e da morte (BOUSSO, POLES et al., 2011). Em pesquisa que compara o sentido da morte para protestantes e neopentencostais no Brasil, Pinezi (2009) encontra importante distinção. Para os neopentencostais a morte ocupa um espaço simbólico pequeno, e não deve ser considerada uma negação de Deus ao pedido de cura dos fiéis. O presente e os benefícios conseguidos pelos vivos se sobrepõem a este evento natural. Eles contestam 24 os protestantes históricos em relação a estas questões, acusando-os de não terem fé suficiente para operar os milagres de cura, prosperidade e restauração. Em suas igrejas não se celebram ofícios fúnebres, não há um ritual que dramatize a morte. Os cultos enfatizam a vida, a cura, o bem-estar do corpo e da alma aqui na terra. Já os presbiterianos estudados por ela não consideram a morte algo natural. Consideram que não foram criados para morrer. A morte é vista como decorrência da desobediência aos mandamentos divinos, através do mito de Adão e Eva que cedem à tentação do diabo, simbolizando o erro que levou a morte a todos os homens. A morte é ritualizada por eles, faz-se cultos fúnebres em seus templos, a morte é pranteada e o pastor da igreja emite mensagem consoladora a seus fiéis e à família dos mortos. O morrer é considerado como um período de transição em que se aguarda o reencontro em um mundo sem doença, sem dor, sem tristeza. Uma esperança de encontro, na eternidade, de todos os escolhidos (PINEZI, 2009). Nas religiões de matriz-africana de origem nagô, existe o mundo dos vivos (Aiyê) e um mundo sobrenatural, onde estão os orixás e outras divindades e espíritos, para onde vão os que morrem (Orun). Quando alguém morre, seu espírito, ou uma parte dele, vai para o Orun, de onde pode retornar ao Aiyê, nascendo de novo. Todos os homens, mulheres e crianças vão para um mesmo lugar, sem a ideia de punição ou prêmio após a morte. Os espíritos retornam à vida no Aiyê tão logo possam, pois o ideal é o mundo dos vivos, o bom é viver. A morte de um iniciado implica a realização de ritos funerários. Os vínculos religiosos devem ser desfeitos, liberando o espírito, o egum, das obrigações para com o mundo do Aiyê. O rito funerário é, pois, o desfazer de laços e compromissos e a liberação das partes espirituais que constituem a pessoa. Simbolizando a ruptura que tal cerimônia representa, os objetos sagrados do morto são desfeitos, desagregados, quebrados, partidos e despachados. Iku – a morte – sempre levará os humanos, mas 25 estes lhe resistirão o máximo que puder. Homens e deuses gostam de viver na Terra. (SANTOS, 1986). Ziegler (1975) mostra que em uma sociedade de classes não é possível uma consciência igualitária da morte. As classes dominantes, no capitalismo, impuseram o pensamento de que a morte é um evento natural e universal, igual para todos. Mas não existe igualdade diante da morte. A expectativa de vida, as chances de vida (mortalidade infantil), as causas das mortes não são as mesmas para pobres e ricos, variam entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, entre continentes, entre segmentos da população (por exemplo, entre brancos e negros no Brasil). A tradição humanista que valida a ideia de que todos são iguais perante a morte mascara o caráter de classe, naturaliza as diferenças e impede uma consciência própria da morte, cuja imagem poderia servir como arma de consciência e de revolta. O humanismo mudou o fato de que a morte levaria à outra vida. Privilegia o homem vivo, que pode quase tudo. Morto não é mais nada, pois a morte interrompe sua possibilidade de transformar o mundo. “A linguagem vai hipertrofiar-se em relação ao homem que vive; vai progressivamente calar-se sobre o homem morto e sobre o homem que morre.” (ZIEGLER, 1975, p 138). O evento da morte é, portanto, também social, e os sentidos das mortes são diferentes dependendo do grupo, contexto, momento histórico e cultura em que eles são construídos. Também a experiência da morte difere de sociedade para sociedade, e é variável e específica segundo os grupos (ELIAS, 2001). O tabu da morte existente na atualidade foi construído socialmente. Hoje é pequena a experiência da morte do outro, e é impossível focalizar a própria morte sem ter sido socializado antes na morte de outros. Os jovens e as crianças conhecem menos ainda a morte. As pessoas não costumam mais sequer saber que estão morrendo. (MIGUEL, 26 1995). Elias (2001) chama a atenção para a dificuldade que muitas pessoas têm, nos dias atuais, em identificar-se com os velhos e moribundos, levando a um sofrimento maior para estes, dado o isolamento a que são relegados. Para ele “o problema social da morte é especialmente difícil de resolver porque os vivos acham difícil identificar-se com os moribundos” (ELIAS, 2001, p. 9). Atualmente o conhecimento da inevitabilidade da morte é aliviado pela noção de que os eventos naturais são cada vez mais controláveis. A vida tornou-se mais previsível e a o espetáculo da morte em consequência de doenças deixou de ser comum (MENEZES, 2004). Na morte atual há pouco espaço para emoções – dos médicos, dos doentes ou dos familiares. Para Elias, há uma clivagem entre “mundo interno” e “mundo externo”, o que leva à solidão, ao isolamento emocional, e ao autocontrole. Há um recalcamento individual e coletivo, propiciando um afastamento dos rituais tradicionais e um maior controle individual da expressão dos sentimentos. O moribundo fica excluído da comunidade dos vivos, causando neles constrangimento (ELIAS, 2001). Assim, “a morte moderna” é silenciosa e higiênica, e ao invés de gemidos ouvem-se os sons dos monitores, o cheiro não é mais o das excreções do corpo, e, cada vez mais, os hospitais se “humanizam” com cores e sabores. Não se pode entender, hoje, como a tuberculose um dia foi uma doença cercada de romantismo, já que um episódio de hemoptise é angustiante, com muito sangue e cheiro de morte. Para Miguel (1995), no mundo pós-moderno atual a morte é evitada, retardada ao máximo, escondida. Morre-se no hospital, em um quarto isolado (UTI), entre tubos e máquinas, inconsciente. Nos hospitais, onde antes morriam os pobres, agora morrem os 27 ricos. Vai-se ao hospital para morrer, não para se curar. Não há uma cerimônia ou ritual de morrer. A pessoa moribunda não sente sua morte. São os médicos que diagnosticam que a vida terminou. É um evento secreto, definido por médicos ou a equipe hospitalar.² Parece que atualmente a morte substituiu o sexo como tema proibido. Uma sociedade feliz que exalta a juventude e a alegria, a aventura de viajar, de estar sempre contente, anula a ideia da morte. Proíbe-se a ideia da morte. Suprime-se, inclusive, tudo o que lembra a ideia da morte. Pensar na própria morte é mórbido, representa um sintoma de doença mental. A morte é um tema clandestino inclusive para os pesquisadores sociais. (MIGUEL, 1995). A morte é um tabu em seus três aspectos: do ato de morrer, do funeral e do luto. A maioria da população se sente imortal. A espécie humana é a única que sabe que vai morrer. Entretanto, vive-se como se não se fosse morrer jamais. Para Miguel (1995), entretanto, a aids poderia mudar este tabu no futuro. Para ele, a epidemia da aids “não só legitimou a análise científica (e humanitária) da conduta sexual, mas também chamou a atenção sobre o corpo moribundo.”(p.114). Mas apesar de haver dinheiro para pesquisas de temas como aids (sociologia médica) ou velhice, “curiosamente, em ambos os campos os estudos sobre a morte propriamente dita são muito escassos.” (MIGUEL, 1995, p.114). 1.3 O morrer de AIDS – Eros e Tânatos A morte biológica não põe fim apenas à existência física, mas acaba também com aquele ser social a quem se atribuíam qualidades (boas ou não). O morto - e a morte pode ser mais ou menos valorizado. E a própria morte pode ser uma “boa morte” ou não, uma morte fecunda ou estéril, uma morte heroica ou vergonhosa, e assim por diante. 28 A morte pode ter diversas versões sobre sua natureza e causa. Se à morte biológica, atualmente, não cabem questionamentos a não ser para a medicina e biologia, à morte do sujeito cabem significações que a integrem na sociedade. As religiões - mas não apenas elas - são instâncias em que os eventos de morte são tratados e representados. Em nossa sociedade existem pelo menos duas formas de interpretar a morte: uma forma positiva, como aquela de quem cumpriu sua missão, ou que estava prevista ou esperada, e aquela cujos eventos são incompreensíveis ou indicadores de situações anormais. Como estas formas são interpretações, e não são, necessariamente, partilhadas universalmente, dependendo de por quem e onde foram percebidas, elas são sempre uma das versões possíveis destes eventos (MESQUITA, 2000). Duas perguntas em geral se colocam quando se trata de uma morte: a causa da morte e quantos anos tinha a pessoa quando morreu. A aids e a pouca idade, muitas vezes juntas, acrescentam a esta morte uma “anormalidade” – tornando-a “suspeita” (Ibid). A morte, esta desconhecida, costuma ser imaginada de uma forma mágica. Quantas vezes homens e mulheres não se imaginam mortos, assistindo às reações a sua morte? Vendo o sofrimento dos entes queridos, o desespero daqueles que dependem deles, ou dos que o amam ... Quantas vezes não se imagina a própria morte como uma vingança? A morte imaginada também surge quando homens e mulheres se encontram em situação crítica, como uma solução mágica. Por exemplo, quando se tem dívidas, uma situação vergonhosa, uma gravidez indesejada. Como a senhorita Else, personagem de Arthur Schnitzler. Sua morte imaginada, como solução dos problemas por ela vividos, é bem diferente da morte que ela encontra no final do romance: páginas em branco, nunca se saberá o que sentiu(3). Cremos que o mesmo possa ocorrer diante da notícia de uma doença estigmatizante, que 29 mudará vidas e obrigará ao enfrentamento de pessoas próximas, ao desvendamento de condutas que antes estavam ocultas, ao esclarecimento de traições. Morrer e pronto. Ninguém ficará sabendo, ou se souberem, não se estará mais aqui para enfrentar as consequências. Como se está cada vez mais afastado do processo da morte (da dor, do sofrimento físico, da fealdade da doença), ela aparece como uma forma de fugir do problema. Esquece-se o diagnóstico, esconde-se (inclusive de si mesmo) o problema. Depois a morte. Simples assim. Isto pode significar não buscar tratamento, não usar métodos preventivos, não compartilhar preocupações. E quando a doença de fato se manifesta, não é só a morte que se encontra no caminho. É com a doença que se tem que lidar, muitas vezes sem sucesso. A morte demora a chegar, e chega com sofrimento. Com o advento dos tratamentos que tornam a aids quase uma doença crônica, e com os doentes não mais expostos, já que as figuras públicas atingidas geralmente se tratam e não demonstram os efeitos da doença, estes efeitos ficam também escondidos. O choque só ocorre quando se sabe da morte de alguma destas figuras. O câncer tem sido revestido de glamour, com artistas aparecendo de cabeças raspadas, dando notícias dos tratamentos. As mortes por câncer são cercadas de glória, morre-se lutando contra a doença. A aids continua oculta. Escondem-se os remédios e se evita emagrecer, para não levantar suspeitas sobre a doença. Herzlich (2004) comenta que, por muito tempo, historiadores e sociólogos analisaram as instituições assistenciais e as políticas de saúde, a evolução das epidemias e as 30 principais fases em saúde coletiva, mas só mais recentemente a experiência privada e pessoal da doença teve atenção das Ciências Sociais. Ela cita Marc Augé que diz que “o grande paradoxo da experiência da doença é que ela é tanto a mais individual quanto a mais social das coisas”. A aids vem mostrar isto e, devido seu caráter epidêmico e sua disseminação inicial em grupos específicos, logo se torna um fenômeno público e coletivo. Pesquisas dedicadas à aids demostraram como o domínio privado e público da vida se sobrepõem e como a intimidade se torna coletiva e política (HERZLICH, 2004). No século XIX, o sexo era tabu e a morte pública, relação que se inverte na segundo metade do século XX. Mas a aids – peste gay, câncer gay, vírus criado em laboratório para exterminar haitianos e africanos, como foi representada em várias partes do mundo – exibe o sexo, a doença, os moribundos e a morte. A morte por aids teve cara, assistimos no Brasil às trajetórias icônicas de Cazuza e de Betinho, seus rostos emagrecidos, cabelos ralos, suas imagens transformando-se na imagem ocidental da morte: o esqueleto, a caveira. Eros e Tânatos. Mistura explosiva, ainda mais em se tratando de sexo transgressor, comportamentos desviantes, e celebridades. Uma epidemia que pôs em evidência, em um país de origem puritana como os Estados Unidos, práticas sexuais e relacionamentos homoeróticos antes encobertos. Uma epidemia que deixou claro em um mundo machista e homofóbico, que mulheres praticam sexo e homens podem ser bissexuais. A aids representou também um desafio para os médicos. Acostumados com a crença de terem alcançado o poder do conhecimento e da cura, viram-se de novo diante de uma 31 doença que não eram capazes de dominar, obrigados a reconhecer que não sabiam controlar a epidemia e os males causados por ela. A dificuldade dos médicos e outros profissionais de saúde frente à morte antecede a formação profissional, pois o processo de socialização dos indivíduos não concebe a morte e não os prepara para sua vivência. O avanço tecnológico da medicina tem como objetivo o prolongamento da vida, mas isto nem sempre é alcançado, ocorrendo na verdade um prolongamento no processo de morrer (HOFFMMAN, 1993). No caso da aids, por um momento médicos e pacientes se aliaram no medo e na dor. A comunidade biomédica, impotente, aliou-se aos pacientes, mas à medida que o tratamento foi se tornando eficaz, o distanciamento voltou a ocorrer (HERZLICH, 2004). Novos desafios, entretanto, estão colocados, mesmo onde existe acesso ao tratamento e à prevenção, como no Brasil. A dificuldade de adesão aos medicamentos e aos métodos de prevenção conhecidos ameaça a efetividade dos programas ora em curso. Atualmente, o perfil da epidemia se modificou. O doente estereotipado da aids - homem branco, homossexual e bem sucedido no mundo da moda ou das artes - está longe de ser a cara das vítimas da epidemia. A aids tornou-se uma doença de pobres, de mulheres, de gente com baixa escolaridade. Além de jovens, atinge também os mais velhos. E se interiorizou no Brasil. As notícias do sucesso dos novos tratamentos, se por um lado, diminui o medo incutido pelas primeiras campanhas terroristas, que diziam que estar infectado pelo HIV significava estar diante da morte iminente, agora podem reforçar a perigosa noção de que não é necessária tanta preocupação com a prevenção. 32 Reportagem publicada no Jornal do Brasil com o título “'Barebacking' cresce no Brasil e torna-se caso de saúde pública”, assinada por Vagner Fernandes, em 03 de janeiro de 2009, relata a existência de uma moda que já vinha sendo comentada nos consultórios médicos há algum tempo, inspiradas em práticas realizadas nos EUA. A reportagem inicia-se assim: RIO - "Procuram-se HIVs". Impresso em um caderno de classificados dos jornais das grandes metrópoles, o anúncio não passaria despercebido. Do ponto de vista conceitual, HIV é uma sigla que desperta interesse e hostilidade, fascínio e medo, compaixão e ódio. Estigmatizada até então como o acrônimo da morte, ela vem ganhando novos contornos etimológicos devido a um grupo de homens que praticam sexo com homens (os HSH), absolutamente crentes na teoria de que o vírus da Aids, se contraído numa relação sexual, pode trazer benefícios para seu cotidiano, libertando-o, de uma vez por todas, do uso do preservativo, aumentando o prazer, proporcionado uma liberdade só experimentada no auge da revolução sexual, na década de 70. A teoria foi posta em prática. E tem nome: "barebacking" (derivado da palavra barebackers, usada em rodeios para designar os caubóis que montam a cavalo sem sela ou a pelo). (JORNAL DO BRASIL, 3 de janeiro de 2009) O jornalista segue descrevendo as festas realizadas no Rio de Janeiro, onde se pratica sexo com pessoas desconhecidas, que podem ser soropositivas para o HIV ou não, causando a emoção do risco. Chamadas “festas da conversão” (conversionparties) ou roleta russa, mistura entre os convidados os bug chasers (caçadores de vírus) - HIV negativos - que se lançam ao sexo sem camisinha, e os giftgivers (presenteadores), os soropositivos para o HIV que se dispõem a contaminar um negativo. São esses os responsáveis por entregar o gift (presente), o vírus. Segundo depoimento dos participantes da reportagem “o prazer sem barreiras é o que importa”. É a “sensação de perceber a adrenalina disparar e o coração bater aceleradamente devido ao unsafe sex (sexo inseguro) sem pudores e em público que os impulsiona”. 33 Para eles, a contaminação elimina o medo e apresenta uma perspectiva futura de possibilidade do contato pleno. Eles ainda consideram como ponto positivo da prática o fato de a ansiedade e a angústia frente ao possível contágio pelo HIV desaparecerem, assim que se descobrem soropositivos. Isso é visto como libertação, pois que o uso do preservativo passa a ser desnecessário. Mais uma vez, Eros e Tânatos. No VIII Seminário de Prevenção das DST/AIDS e I Seminário de Integração dos Programas das Doenças Transmissíveis realizado em novembro de 2008, no Rio de Janeiro, foi apresentado pelo psicanalista George Gouvêa um trabalho com o título “Os Estigmas da Promiscuidade e da Morte – Impactos subjetivo diante do diagnóstico da Aids”. Ele considera que estes estigmas são representados no imaginário do indivíduo soropositivo porque a ideia da morte iminente, construída com base na equação “doença incurável = morte” e o estigma relacionado ao preconceito ligado a comportamentos considerados desabonadores ainda existem e são percebidos em sua prática clínica, existindo uma dissonância inicial entre a realidade (a existência dos antirretrovirais e o fim da lógica dos grupos de riscos) e a percepção a respeito do diagnóstico aids (GOUVEA, 2009). Ilustrando a publicação de seu trabalho no 6º Cadernos de Prevenção da Gerência DST/AIDS do Rio de Janeiro, está a figura de uma caveira com o título “Idéia da morte e do adoecimento que, em geral, invade o indivíduo no momento da comunicação do diagnóstico Positivo para o HIV” (p.10). A ideia da morte ligada à aids mantinha-se vigente. Apesar dos avanços da medicina nestes mais de 30 anos, a aids continua sendo uma doença grave e incurável, ainda não existem vacinas, e se caminha na direção de se tratar a prevenção e a doença com remédios. A forte carga de preconceito que envolve a doença - e os doentes - traz um sofrimento adicional que não se consegue medir. A emoção causada pela notícia do diagnóstico dificilmente pode ser explicada apenas pelo 34 medo da morte ou das consequências físicas da doença (MEIRELES e SANTOS, 2007), pois outras doenças letais não têm o mesmo impacto. A tuberculose foi muitas vezes vista como uma doença que atingia as pessoas talentosas, passionais, sensíveis. A sífilis chegou a ganhar uma reputação positiva, mesmo que sinistra, por ser relacionada à atividade mental intensa, “febril”, assim como a tuberculose foi ligada à atividade emocional intensa. O câncer tem sido ligado à morte há muito tempo, e esta morte é vista como uma derrota genérica. A aids o substitui como a vitória sobre a vida e a esperança (SONTAG, 1989), até o estabelecimento da terapia antirretroviral. Há uma distinção entre o morrer e a morte, pois o morrer não é um processo ininterrupto. Quando se tem saúde, o fim inevitável não se anuncia de maneira espalhafatosa (ROTH, 2006). Na aids o processo de adoecimento é sofrido, feio e atualmente nem sempre leva à morte. Mas pode deixar sequelas que marcam o indivíduo e dificultam sua vida. A morte – que pode ser um obscuro objeto de desejo (LOPES, 2008) – nos desafia a desvendá-la para que nos livremos do medo. É preciso, então, continuar no caminho de pesquisas que esclareçam sentimentos/percepções/atitudes de difícil compreensão para uma sociedade que escondeu até a morte natural, e para profissionais acostumados com a objetividade da ciência e com diagnósticos a partir de evidências. 1. 4 A epidemia da aids – 30 anos depois Em 2012, cerca de 35,3 milhões [32,2-38,8 milhões] de pessoas viviam com HIV no mundo. 1,6 milhões [1,9-2,7 milhões] de pessoas morreram por enfermidades relacionadas a aids (UNAIDS, 2014). 35 Estima-se que até 2012 houve 2,3 milhões de novos casos de infecção pelo HIV no mundo. Isto significou 33% de redução em relação ao número de 2001. Houve ainda uma redução de 52% de novas infecções em crianças. As mortes por aids caíram em 30% desde 2005, queda atribuída à expansão do tratamento com antirretrovirais (TARV). No final de 2012, cerca de 9,7 milhões de pessoas de países de baixa e média renda tiveram acesso ao TARV, o que significou um aumento de 20% em um ano (UNAIDS, 2014). Os países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) pactuaram atingir a meta de 15 milhões de pessoas em tratamento até o ano de 2015. A Organização Mundial de Saúde (OMS), entretanto, após a expansão do tratamento e de estudos que mostram a efetividade do TARV na prevenção do HIV, estabeleceu novas diretrizes antecipando o uso dos antirretrovirais, aumentando em mais de 10 milhões o número de pessoas elegíveis ao tratamento (UNAIDS, 2014). As metas estabelecidas pela UNAIDS para 2015 são ousadas: os países concordaram em envidar esforços para reduzir pela metade a transmissão sexual do HIV, inclusive entre jovens, homens que fazem sexo com homens e a transmissão no contexto do trabalho sexual; eliminar a transmissão vertical do HIV e reduzir pela metade a mortalidade materna relacionada à aids, além de reduzir pela metade as mortes relacionadas com a tuberculose em pessoas vivendo com o HIV/Aids no mesmo período. (UNAIDS, 2010). No Brasil, o Ministério da Saúde propõe, a partir de 2012, a ampliação do uso precoce dos antirretrovirais para pacientes com linfócitos T CD4 igual ou menor do que 350 células/mm³. A partir de dezembro de 2013, estabelece a estratégia de oferecer TARV a todas as pessoas que vivem com o HIV/Aids, independente de seu estado imunológico 36 (medido através da contagem de linfócitos T CD4). Segundo o Ministério, existem cerca de 780.000 de pessoas vivendo com o HIV atualmente, e cerca de 300.000 em tratamento medicamentoso. As novas diretrizes aumentarão em mais de 100.000 pessoas elegíveis ao TARV (UNAIDS). Ainda em 2013, a política de tratamento como prevenção é adotada no país. O consenso médico, usado até então para orientar os esquemas de tratamento, é substituído por protocolo de tratamento, com limitações na escolha dos antirretrovirais a serem prescritos pelos médicos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014). Até o final de 2013 só era obrigatória a notificação de casos de aids, o que faz com que os números de infecção pelo HIV sejam estimados. A partir da publicação da nova portaria ministerial que atualizará a lista completa de agravos de notificação compulsória, em 2014, a notificação de casos de infecção pelo HIV se tornará obrigatória no nível nacional. Essa lista, pela primeira vez, incluirá a notificação universal da “infecção pelo HIV”, além das categorias já sob notificação compulsória, a saber: “aids” (adultos e crianças), “HIV em gestantes” e “crianças expostas ao HIV” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013). Assim, verificamos que a estratégia adotada volta-se para o tratamento e a prevenção através de medicamentos. Os recursos são aí alocados. A sociedade civil, que historicamente participou da luta contra a epidemia no Brasil, passa a ter um papel reduzido. Rareiam os militantes, as campanhas de prevenção perdem força. O Ministério da Saúde recua em algumas campanhas, como ocorreu em 2013 na campanha voltada para os jovens homossexuais, grupo onde cresce outra vez as novas infecções no Brasil. Grupos religiosos exercem papel de oposição a estas campanhas, conseguindo barrar iniciativas que antes foram consideradas importantes para o êxito do programa de DST/Aids no Brasil. 37 São os medicamentos, agora, que garantem a vida. Usando uma expressão cunhada por Menezes (2013) há a “medicalização da esperança”. 1 5 As representações sociais da morte por aids Realizou-se uma busca de artigos sobre a morte por aids, através das bases de dados Medline e Lilacs. Excluí-se a Embase por ser voltada para ensaio clínico e farmacológico e a Cocchrane por ser local de protocolo e divulgação de ensaios clínicos. A pesquisa foi realizada em 29/11/2011, através da BIREME/OPAS/OMS – Biblioteca virtual em Saúde. Usou-se os descritores death and aids and qualitative and research. Procurou-se responder às seguintes questões: 1. Quais as representações sociais do morrer de aids? 2. Estas representações podem ter influência no enfrentamento à doença e na qualidade de vida dos sujeitos? 3. Estas representações podem ter influência na observância aos tratamentos? 4. Estas representações podem ter influência na prevenção? Os sujeitos da pesquisa seriam as pessoas infectadas ou afetadas pelo hiv/aids; e as não infectadas e não afetadas pelo HIV/aids. Considerou-se infectados pelo HIV aqueles que sabem ser soropositivos para o HIV ou que têm aids; afetados aqueles que convivem com pessoas sabidamente soropositivas para o HIV ou que têm aids; não infectados e não afetados aqueles que não sabem serem soropositivos para o HIV/aids, e não convivem com portadores de HIV/aids. Assim, os sujeitos são pessoas portadoras do HIV/aids, pessoas que convivem com portadores do HIV/aids, pessoas da população em geral não sabidamente portadoras do HIV/aids. 38 Utilizou-se a seguinte estratégia para revisão: 1- Exposição: infecção pelo HIV/aids; convívio com portadores de HIV/aids; HIV; aids; prevenção da infecção pelo HIV/aids; tratamento do HIV/aids. 2-Desfecho: representações sociais da morte pelo HIV ou da morte por aids; representações sociais da morte; representações sociais do morrer de aids. Tipos de estudos: estudos de representações sociais; pesquisas de representações sociais; pesquisas qualitativas. Procurou-se descritores no MeSH (MediclaSubjectHeardings); DeCS ( Descritores em ciência e Saúde). Foram encontrados os seguintes descritores: DescritoresMeSH: Death; Attitude to Death; Bereavement; Grief; Fatal Outcome; Thanatology. Acquired Immunodeficiency Syndrome; AIDS; Serodiagnosis HIV; Seropositivity HIV; Seronegativity. HIV;Long-TermSurvivors; AIDS Long- TermSurvivors; HIV Non-Progressors (excluído depois por ser categoria clínica). QualitativeResearch. Descritores DeSC: Morte; Atitude frente à morte; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (aids, SIDA); HIV; Sobreviventes de Longo Prazo ao HIV (depois excluído, por ser categoria clínica); Pesquisa Qualitativa. “Representações Sociais” não consta como descritor. Na base de dados Medline foram encontrados 86 artigos. Após leitura de Título e leitura rápida dos resumos selecionamos 49 artigos. Na base de dados LILACS não foram encontrados artigos com estes descritores (0 artigos). Constava, entretanto, um local chamado Temas em Destaques, onde, com o 39 subtítulo “Luta contra Aids”, encontrou-se 258 artigos. Após leitura de títulos e leitura rápida dos resumos restaram 54 artigos. Foram excluídos os artigos sobre clínica, epidemiologia e políticas públicas. Após comparação entre as duas listas, verificou-se um artigo repetido em uma das bases (excluído) e nenhuma repetição entre as duas bases de dados. Depois de leitura mais apurada dos resumos dos artigos, foram selecionados dois artigos na base LILACS e um artigo na base MEDLINE. Artigos selecionados: Cognitive representations of AIDS: a phenomenological study, de Anderson EH e Spenser MH, publicado em Qual Health Res; 12 (10): 1338-52 de dez de 2002. (Medline) Representações sociais da prática do enfermeiro entre usuários do Programa Nacional de DST e Aids/ Social representationsofthe nurse practiceamongusersoftheNational STD and AIDS, escrito por Fernanda Vasconcelos Spitz em 2009 como dissertação de mestrado (Fac. de Enfermagem da UERJ).(LILACS) Representações sociais da AIDS para pessoas que vivem com HIV e suas interfaces cotidianas, de Antonio Marcos Tosoli Gomes, Érika Machado Pinto Silva e Denize Cristina de Oliveira, publicado pela Rev. Latino Americana de Enfermagem (19 (3):[08 telas] de mai-jun de 2011. (LILACS) O primeiro artigo utiliza na sua análise o método fenomenológico Colaizzi (1978), e não estava disponível na íntegra, sendo por isto eliminado da seleção. O segundo - uma dissertação de mestrado -, trata de identificar e descrever as representações sociais das práticas do enfermeiro no Programa Nacional de DST/aids pelos usuários HIV 40 positivos e analisar se estas representações contribuem para a aceitação e enfrentamento da doença. O marco teórico usado foi a Teoria das Representações Sociais elaborada por Moscovici. Foram entrevistados 17 pacientes soropositivos para o HIV atendidos em centros de saúde municipais da cidade do Rio de Janeiro. A conclusão da pesquisa é de que não há representação social da prática do enfermeiro neste grupo, já que os usuários não reconhecem/conhecem este profissional. Consideramos, portanto, que o trabalho não responde às questões colocadas. O terceiro artigo também usa a teoria das representações sociais. Busca descrever o conteúdo das representações da aids entre pessoas soropositivas para o HIV, usuárias de ambulatório da rede pública de saúde, e analisar a interface das representações sociais da aids com o cotidiano dos sujeitos que vivem com o HIV, principalmente no que se refere à adesão ao tratamento. Utiliza a técnica de análise de conteúdo manual. Foram realizadas 30 entrevistas semi-estruturadas em profundidade, com participação de usuários de uma instituição pública municipal do Rio de Janeiro, em acompanhamento ambulatorial, e em uso de antirretrovirais. Foram encontradas 2.843 unidades de registros (UR), distribuídas em 265 temas, com seis categorias. A primeira categoria refere-se a uma das ancoragens da aids, que a relaciona com os homossexuais e pessoas promíscuas. A origem da aids foi remetida a países estrangeiros, principalmente a África, e a teoria do macaco africano que poderia ter relação sexual com humanos. Para os autores, “o estudo demonstrou que o processo de ancoragem que ocorreu no início da epidemia permanece presente no discurso social nos tempos atuais” (tela 4). Outro processo de ancoragem liga a aids com a diabete, entendendo a síndrome como uma doença crônica e não fatal. Para os autores isto mostra a superação da representação da morte, substituída pela vida e sobrevivência. Outra categoria refere-se à transmissão e prevenção da aids. Ainda que os sujeitos 41 conheçam as formas de contágio consideradas comprovadas pela ciência, os sujeitos demonstram forte sentimento de culpa, declarando ter adotado comportamento sexual de risco. Em relação ao uso do preservativo observa-se a mesma concepção que aparece em outros estudos em relação àqueles que têm relacionamentos estáveis, onde o uso do preservativo passa a ser considerado desnecessário, por se sentirem seguros quanto ao risco de infecção pelo HIV. A terceira categoria refere-se ao cotidiano de soropositivos, permeado pelo processo de vulnerabilidade ao HIV. Aparece a vulnerabilidade individual, onde os sujeitos consideram que todas as pessoas são suscetíveis a adquirir o HIV. Isto, entretanto, foi colocado por pequena parte dos entrevistados, podendo indicar um subgrupo em relação à vulnerabilidade e aos riscos individuais e sociais frente à síndrome. Para os autores, a representação do grupo de risco permanece presente, pois os homossexuais, os promíscuos, os usuários de drogas, são constantemente citados quando se fala de risco para adquirir o HIV. A quarta categoria refere-se à discriminação e ao ocultamento no conviver com o HIV. Mostra a estratégia adotada pelas pessoas portadoras do HIV/aids para sobreviver socialmente, através do ocultamento da doença. Assim continuam com sua vida normal, sem acusações ou discriminações, tanto por familiares, como no trabalho. Esses sujeitos sentem dificuldade de serem aceitos socialmente, e a omissão de seu estado sorológico justifica-se pelo medo de ser julgado. A aids é vista como um “castigo”, e continua sendo diretamente associada a condutas desviantes. Faz-se a opção por esconder a doença, considerando-se que o HIV tem, em sua história metafórica, julgamento moral e reprovável. Este processo aumenta o medo e o isolamento das pessoas afetadas, e o estigma é estendido à família e aos amigos. Os sujeitos do estudo apresentaram tendência a se resguardar ou se excluírem do convívio social depois de receberem o 42 diagnóstico. Alguns apresentaram como alternativa buscar relacionamentos com pessoas soropositivas como eles. A quinta categoria diz respeito ao processo de adesão ao tratamento no cotidiano de indivíduos soropositivos. Para os sujeitos há uma dicotomia em torno da terapêutica, pois a vida e a saúde depende do uso dos medicamentos, e o abandono tem como consequência a progressão da doença e a morte. O auto-cuidado também está relacionado com a qualidade de vida e a falta dele também resulta em adoecimento e morte. A percepção dos objetivos do tratamento é um fator favorável à adesão aos antirretrovirais (ARV). Os entrevistados mostraram que tinham compreensão sobre o uso correto dos ARV. Identificou-se os efeitos colaterais como fator relevante para o abandono dos ARV, especialmente a alteração do corpo provocado pela lipodistrofia, que pode caracterizar as pessoas como soropositivas. Havia também tendência para naturalizar o conviver com o HIV, não como fuga da situação, mas como aceitação da doença e do tratamento. Para os autores, isto sugere que os entrevistados estão conscientes do tratamento, sabendo que é para o resto da vida, como uma doença crônica, como o diabete. Esta naturalização está ligada ao sucesso do tratamento. A religião e a fé também fazem parte da vida cotidiana da maioria dos sujeitos e aparecem como suporte para o enfrentamento da doença. Eles destacam, entretanto, que muitas vezes a religião pode levá-los a abandonar o tratamento prometendo a cura. A sexta categoria relaciona-se ao enfrentamento cotidiano, experenciado pelos sujeitos que convivem com o HIV. Parte desta categoria está atrelada aos temas sentimentos negativos – aids e aids relacionada à morte. As outras partes trazem uma dimensão prática desses sentimentos, como medo da aids, da morte, depressão, ideias suicidas entre outros. Para eles, a aids era o fim, representando uma sentença fatal. Esta fala, entretanto, é seguida por desmistificação da aids como morte, representando a aids 43 ligada à vida e a novas perspectivas. A representação da morte iminente apresenta-se no memento do diagnóstico. Depois, através do contato com profissionais de saúde e outras pessoas soropositivas, a morte deixa de ser tão imediata. A fragilidade da vida torna-se o centro de tudo, o sofrimento por enfrentar uma realidade irreversível determina sentimentos negativos, como o medo da aids, da morte e da rejeição. Os sujeitos passam a fazer parte de um mundo novo, e conhecer sobre a doença e compreender o tratamento aumenta a possibilidade de aceitação e superação dos medos e a organização do cotidiano. O apoio da família, a rede social de apoio e amigos também são temas importantes para a construção deste novo cotidiano. Os autores destacam que somente 20% dos entrevistados relataram suporte da família após terem revelado sua doença. Os autores concluem que os resultados mostraram complexa representação social da aids e de sua influência no cotidiano dos sujeitos soropositvos. Essas representações apresentam-se como um modulador da realidade vivida e um operador das situações enfrentadas por estes sujeitos. Ainda que este artigo trate de questões que interessam ao nosso estudo, não responde à questão colocada no início sobre as representações da morte pela aids, não havendo, portanto, em nossa busca nenhum artigo pertinente a nossa pesquisa. Durante a realização da pesquisa continuamos buscando artigos sobre o tema (representações da morte por aids) sem sucesso. NOTAS 1 - Landsberg (1901-1944), autor em quem baseamos esta seção, morreu aos 42 anos em um campo de concentração nazista. Nascido na Alemanha, filho de judeus, fazia parte da Escola de Frankfurt. Saiu da Alemanha às vésperas da tomada de poder por Hitler. Foi para a Espanha, de onde teve que sair por causa de Guerra Civil (1936). Mudou-se para a França, onde permaneceu 44 mesmo depois da ocupação nazista. Na clandestinidade, participou da Resistência até ser preso em 1943. Foi deportado para o campo de concentração de Oraniemburg, onde morreu em 2 de abril de 1944. Segundo Jean Lacroix, que o escondeu em Lyon, ele carregava consigo uma dose de veneno para usar caso fosse descoberto pela Gestapo. Mas deve ter modificado esta intenção ao adotar o cristianismo. Escreveu O problema moral do suicídio, que se supõe que ter sido escrito em 1942, onde ele dialoga com a condenação católica ao suicídio. Sua mãe, que não conseguiu permissão para sair da Alemanha, suicidou-se para não ser presa pelos nazistas. (César Benjamim e Maria Clara LucchettiBingemer, na apresentação do livro Ensaio sobre a experiência da morte e outros ensaios). 2 – Paul Ricouer(1913-2005)Nasceu em Valence, França, e tornou-se professor em 1933. Foi prisioneiro durante a Segunda Guerra Mundial. Os textos que usamos aqui foram publicados após sua morte, e escritos provavelmente em 1996, quando Simone Ricoeur, sua mulher durante 63 anos, “se extinguia suavemente” de uma doença degenerativa. Ele tinha 83 anos. Ela morreu em casa, acompanhada por uma especialista em terapia paliativa. Sua longa reflexão sobre o morrer, sobre o moribundo e sua relação com a morte, e sobre o pós-vida (ressurreição), passa por textos de sobreviventes dos campos de deportação (Semprum, Levi) e pela discussão com um livro de Xavier Léon-Dufour sobre a ressurreição. Contemporâneo de Landsberg. 3 - Arthur Schinizler (1862-1931), nascido em Viena, era médico e escritor. Frequentemente comparado com Sigmund Freud, nos seus dramas e novelas usa a técnica do “fluxo de consciência”, onde mostra drasticamente a atividade subconsciente dos seus protagonistas. Senhorita Else é uma curta novela, publicada em 1924, como um monólogo interior. Os temas são os tradicionais de Schniztler: hipocrisia, desejo e morte. O interessante é que mesmo que a narrativa se encaminhe para o óbvio - Else fala o tempo todo que quer morrer, chega a imaginar o próprio velório, sonha com a morte, fala no veronal repetidas vezes - o desfecho é surpreendente, graças à habilidade de Schniztler. E a morte é representada, no final, por páginas em branco (cessa o monólogo interior). 45 2 OBJETIVOS DA PESQUISA 2 1 Objetivo Geral Conhecer as representações sociais da morte pela aids, visando entender o impacto destas representações nas práticas de proteção, processo de adoecimento e cuidado com as pessoas que vivem com o HIV/Aids (PVHA). 2 2 Objetivos específicos a) identificar as representações da morte pelo HIV/Aids em pessoas infectadas pelo HIV/AIDS; b) identificar a processo de formação destas representações; c) buscar correlações destas representações com as práticas e atitudes em relação ao tratamento, prevenção e cuidado com as pessoas que vivem com HIV/AIDS; d) prover informações que possam contribuir na formulação de políticas públicas adequadas à formação sociocultural brasileira. Sujeitos da pesquisa: Os sujeitos da pesquisa são as pessoas infectadas pelo hiv/aids. Consideramos infectados pelo HIV aqueles que sabem ser soropositivos para o HIV ou que têm aids. 46 3 MARCO TEÓRICO: A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS Herzlich (2005) considera que o conceito de representação social resgatado e atualizado pela produção francesa dos anos de 1960 é um marco analítico para se pensar fenômenos da saúde e da doença. Para ela, a obra de Moscovici sobre a representação social da psicanálise revive esta noção, modificando-a. A dimensão social destes fenômenos vinha sendo relegada, e Moscovici reintroduz esta dimensão em seu sentido pleno. Ele não se limitou à estruturação pela sociedade dos fenômenos da representação, mas buscou o sentido da construção da realidade que se opera através desses fenômenos e dos quais os sujeitos também são autores. Assim, ele procura articular a influência recíproca da estrutura social e do sujeito, e, diferente de Durkheim, sua reflexão se apoia mais no sujeito ativo do que na estrutura social. Ele substitui as representações coletivas – como analisadas por Durkheim - pelas representações sociais, introduzindo outras formas de pensar esse conceito. Estuda as representações sociais da ciência, e não a ciência em si mesma. Sua teoria é adequada à investigação empírica das concepções leigas da ciência (FARR, 2000). No final da Primeira Guerra Mundial o conceito de representação coletiva de Durkheim quase desapareceu da sociologia francesa. Mas continuou tendo impacto em outras ciências. Na antropologia, através de Lévy-Bruhl. Na psicologia, influenciou Piaget, em sua epistemologia genética e em seus estudos sobre o pensamento infantil. Também influenciou no trabalho de Vygotsky e Luria, e na psicopatologia, através de Janet em seus estudos da psicopatologia e das crenças patológicas (MARKOVÁ, 2006). Foi somente depois da Segunda Guerra Mundial, nos anos 1950/1960 que o conceito foi reinstituído nos estudos sociais psicológicos por Serge Moscovici. Ele reconheceu sua importância para o estudo do pensamento e da linguagem, como sendo um fenômeno 47 social e dinâmico. Inspirado nos estudos de Piaget sobre o conhecimento de senso comum nas crianças, ele estudou o conhecimento de senso comum dos adultos. Através da psicologia da criança de Piaget, Moscovici propôs um conceito transformado da representação social baseado no pensamento do senso comum, no conhecimento e na comunicação (MARKOVÁ, 2006). A partir da segunda metade do século XIX a ciência sofreu várias mudanças. A imagem que a ciência tradicionalmente forneceu do mundo das continuidades e equilíbrios, desapareceu. A ciência passa a se preocupar com descontinuidades, desequilíbrios e relatividades. Além disso, a ciência se transforma em uma propriedade pública, devido ao crescimento das instituições educacionais e a ampliação da educação pública. As novas descobertas passam a ser publicamente discutidas. Fenômenos como os raios X, a radioatividade, a telegrafia sem fios e a teoria da evolução produzem imagens inimagináveis antes. O raio X, descoberto por Roentgen em 1895, por exemplo, impactou as ciências e as artes. Provocou uma grande quantidade de imagens e de novas representações. Deu argumentos contra o positivismo, que dependia de dados sensoriais. A sensação e a realidade passam a ser reconhecidas como coisas diferentes (MARKOVÁ, 2006). Diferente de Durkheim, Moscovici convive com a ciência das descontinuidades, instabilidades e relatividades. Vive na idade das ciências sociais afetadas por duas guerras mundiais e pelo nazismo. A questão da ciência e seus significados era um assunto instigante para a geração do final dos anos 1940 e início dos 1950, quando Moscovici estava refugiado em Paris e estudava na Sorbonne (MARKOVÁ, 2006). Vindo da Romênia, onde já havia publicado alguns ensaios e uma revista de vanguarda em Bucareste, ele vive uma época em que o marxismo estava muito difundido entre os 48 intelectuais, e havia grande interesse na discussão sobre os impactos da ciência nas mudanças históricas e no pensamento. Moscovici segue por outro caminho, interessando-se pelo impacto da ciência na cultura das pessoas, em suas mentes, suas crenças e comportamento. Contrapõe-se à interpretação do marxismo-leninismo da época, que considerava que o conhecimento espontâneo está impregnado de mitos, crenças religiosas e idealismos, necessitando ser substituído pela teoria materialista e científica da história e da natureza. Também intelectuais não marxistas consideravam que o conhecimento científico se desvaloriza quando difundidos para o público leigo. Moscovici relata que reagiu ao ponto de vista que passava a ideia de que as pessoas eram incapazes de pensar racionalmente, e que somente os intelectuais eram capazes disto. Sua experiência com o nazismo lhe indicava que os intelectuais nem sempre são tão racionais, pois produziram teorias como o racismo e o nazismo, e a violência antissemita aconteceu primeiro em escolas e universidades, e foi legitimada por intelectuais. Ele se perguntava como os seres humanos podem se mobilizar a partir de ideias que aparentemente superam a razão (MOSCOVICI, 2007; ARRUDA, 2002). Moscovici busca reabilitar o conhecimento comum, baseado na experiência, linguagem e práticas cotidianas. Sua questão, então, era a seguinte: como o conhecimento científico é transformado em conhecimento comum, ou espontâneo? Não considerou o senso comum como algo tradicional ou folclore, mas como algo moderno, proveniente da ciência, que se transforma em parte da cultura. Quis estudar esta transformação. Segundo ele, como não poderia escolher o marxismo para estudo, já que era um estrangeiro e um refugiado de país comunista, decidiu estudar a psicanálise, que era uma das principais teorias que estavam penetrando na sociedade francesa. Seu orientador, Daniel Lagache, era psicanalista, e lhe encorajou a pesquisar nesta área. Assim, La Psychanalyse, son image et son public, publicada em 1961 e em segunda 49 edição, com algumas reformulações, em 1976, analisa os efeitos de uma nova ideia, ou conhecimento científico, quando penetra na esfera pública de uma sociedade, e como se dá o processo de transformação do conhecimento, o nascimento de uma nova representação social (MARKOVÁ, 2007). Moscovici destaca a especificidade das sociedades atuais diante daquelas estudadas por Durkheim, este mundo moderno marcado pela ciência, onde as representações sociais constituem uma forma de conhecimento específica e irredutível a qualquer outra. Tratase de um conceito capaz de explicar a diversidade do pensamento em sociedades particulares, aquelas em que os conteúdos do conhecimento científico passaram a circular. As representações cumprem a função de tornar familiar o que era inicialmente não familiar, função que Moscovici lhes atribuiria em 1976 (CASTRO, 2002). A noção de representação social está entre a sociologia e a psicologia, e se refere a representações do universo interior dos indivíduos, mas com características também sociais. Três destas características definem isto: são expressas por grupos sociais, são engendradas coletivamente (produção) e contribuem para os processos de formação dos comportamentos e de orientação das comunicações sociais (função). São duas as principais especificações internas a este conceito: a descrição do que é uma representação social e a dos processos pelas quais estas representações se constituem. Moscovici propõe que as representações são um conjunto de proposições, ações e avaliações emitidas pela opinião pública, organizada de formas diversas, segundo as classes, as culturas ou os grupos, e constituem outros tantos universos de opiniões. Cada um destes universos tem três dimensões: a informação, a atitude, e o campo da representação. A informação tem a ver com os conhecimentos, a atitude com a orientação global e avaliativa em relação ao objeto (pode ser positiva ou negativa). O 50 campo de representação “reenvia para a ideia de imagem, como conteúdo concreto das proposições que têm a ver com um aspecto específico do objecto da representação” (p.953, CASTRO, 2002). Aí está a totalidade de expressões, imagens, ideias e valores presentes no discurso, - a linguagem é o suporte destes conteúdos (ARRUDA, 2002b). A Teoria das Representações Sociais ajuda a compreender a construção de um saber socialmente elaborado e compartilhado, que se direciona para a prática e direciona a prática. Este se constrói através do saber preexistente, enraizado nos grupos e suas características, apoiado a memória (ARRUDA, 2002). A representação desempenha funções na manutenção da identidade social e do equilíbrio sócio cognitivo a ela ligado, mobilizando defesas em relação a novidades. Mas quando a novidade é incontornável, há um trabalho de ancoragem, com o objetivo de torná-la familiar e transformá-la. Assim ela é integrada no universo de pensamento preexistente. Isto corresponde a uma função cognitiva essencial da representação. A representação tem também função de orientação das condutas e comunicações, de justificação antecipada ou retrospectiva das interações sociais ou relações intergrupais. (JODELET, 2001) A representação social não é uma cópia da realidade, mas uma versão dela. Trata-se de uma tradução, uma retomada, não uma fotografia ou uma reprodução. O que serve de base para os sujeitos fazerem sua construção do real é aquilo que eles carregam, e a sua história. A base para assentar a novidade será a experiência, o acúmulo que os sujeitos trazem. Toda novidade tem que se encaixar no universo já conhecido, provocar a conversão do não familiar, dando-lhe sentido, tirando a carga de ansiedade que ela provoca. O processo de ancoragem faz esse movimento: ¨joga a âncora no terreno firme dos conhecimentos pré-existentes para poder fixar aí o objeto navegante que se 51 apresenta¨ (ARRUDA, 2002, p.222). Moscovici (2007) define dois mecanismos do processo que gera representações sociais, ou seja, transformam o não familiar em familiar. Estes mecanismos fazem parte do processo de pensamento baseado na memória e em conclusões passadas. Eles são a ancoragem e a objetivação. A ancoragem é o processo em que se tenta apreender ideias estranhas, reduzi-las a categorias e a imagens comuns. Neste processo ocorrem dois passos: o da classificação e o da nomeação. Há uma comparação do não familiar com o paradigma de uma categoria, de modo que o estranho adquire características desta e, assim, é adequado a ela. Na classificação de um objeto ou pessoa há uma aproximação destes aos comportamentos e regras de uma categoria e que indicam o que é ou não permitido. A partir da classificação, o que era estranho pode ser nomeado, e assim localizado, permitindo que seja representado. Moscovici (2007) afirma que dar nome a uma pessoa ou coisa é precipitá-la, e tem três consequências: permite sua descrição e adquire características; propicia a distinção de outras pessoas ou objetos; e torna-se objeto de uma convenção entre os que adotam e partilham uma mesma convenção (p.67). Duas consequências das representações sociais são destacadas a partir dessas asserções: é excluída a ideia de pensamento ou percepção que não possua ancoragem; e o principal objetivo da classificação e nomeação é favorecer a interpretação de características, de intenções e motivos subjacentes às pessoas. (MOSCOVICI, 2007). Assim, a ancoragem, definida por Moscovici em sua pesquisa sobre as representações da psicanálise, dá conta da constituição de uma rede de significados em torno desta, por aproximação a categorias já existentes, e que orienta as conexões entre esta e o meio 52 social (CASTRO, 2002). Estudar a ancoragem das atitudes nas relações sociais que as produzem significa estudálas como representações sociais. Elas determinam as condutas desejáveis ou permitidas; compreendê-las permite o acesso às justificativas usadas para orientar julgamentos e ações acerca do mundo. Permite conhecer as estratégias dos seres humanos quando estão diante da tarefa de compreender fatos desconhecidos (BARBARÁ, SACHETTI, & CREPALDI, 2005). Outro aspecto deste processo gerador de representações sociais é a objetivação. É o dispositivo que apreende o objeto pelo lado mais acessível, ou seja, toma dele o que se pode, o que se consegue, o que sobressai, tornando-o concreto, objetivo. É a seleção e a descontextualização, que precede a ¨recolagem¨ das partes selecionadas num novo desenho. Seu objetivo é transformar algo abstrato em algo quase concreto, transferir o que está na mente em algo que exista no mundo físico, torná-lo tangível. É ligar um conceito a uma imagem. Esta é o cerne da representação (ARRUDA, 2002b). Nem todas as palavras podem ser associadas a uma imagem, mas a objetivação de um conceito leva a uma materialização de uma abstração. Há para isso uma seleção de imagens, que são organizadas em um núcleo figurativo, e de termos representados, aqueles mais conhecidos e mais utilizados, a partir de crenças e de imagens preexistentes. O núcleo figurativo apresenta-se como um complexo de imagens que reproduzem um complexo de ideias e deixa de ser um signo para ter um status de realidade. Passa a existir como objeto, e com referência a este poderão ser feitas aproximações do que for não familiar (ARRUDA, 2002b; JODELET, 2001). Ao se relacionar esses mecanismos de geração das representações, pode-se compreender melhor como elas são caracterizadas como produto e processo de apropriação da 53 realidade exterior ao pensamento, e de elaboração psicológica e social da realidade (JODELET, 2001). Assim, as representações sociais estão inseridas em um referencial de pensamento préexistente, ¨são dependentes de sistemas de crenças ancorados em valores, tradições e imagens do mundo e da existência (p. 216, MOSCOVICI, 2007). Através do discurso e no discurso elas são objeto de um trabalho social que faz com que cada novo fenômeno possa ser incorporado dentro de modelos explicativos e justificativos que são familiares e aceitáveis, respondendo às exigências dos indivíduos e das coletividades. Elas são transmitidas através das linguagens e lógicas naturais. Não há representações sem linguagem, assim como não há sociedade sem representações. Segundo Moscovici (2007), ¨as palavras não são a tradução direta das ideias, do mesmo modo que os discursos não são nunca as reflexões imediatas das posições sociais¨ (p. 219). As representações sociais têm como objetivo a constituição de mentalidades ou crenças que influenciam o comportamento. São fenômenos que permitem compreender as formas das práticas de conhecimento e de conhecimentos práticos que consolidam as experiências de vida dos indivíduos e são partilhadas pela sociedade (MOSCOVICI, 2007). Para Marková (2006), foi a ênfase na teoria da comunicação e no pensamento comum que forneceu a base para a transformação da teoria das representações sociais, originada num fenômeno social específico (a psicanálise na França nos anos 1950) em uma teoria do conhecimento social. Ela defende que a teoria tem dois significados distintos, mas interconectados. Primeiro, ela é a teoria que lida com o estudo e as explicações dos fenômenos sociais específicos que aparecem no discurso público. Segundo, ela é uma teoria do conhecimento social. Para ela, estes dois significados têm se desenvolvido em 54 conjunto (MARKOVÁ, 2006). Marková considera que, por insistir nos tipos diferentes de pensamento e comunicação e enfatizar as naturezas múltiplas das realidades sociais, a teoria das representações sociais, como teoria do conhecimento social, estabelece a fundação para a diversidade teórica na psicologia social. Para ela, depois dos anos 1990, Moscovici re-conceituou a teoria das representações sociais e da comunicação em termos do themata e da thematização. São conceitos dialógicos que contribuem para o desenvolvimento desta teoria como uma teoria do conhecimento social. Themata foi denominação dada por Gerald Holton para um pequeno número de antinomias do pensamento que determinaria a direção do pensamento científico. Assim como tema (singular) e temas (plural), thema (singular) e themata (plural) têm sido usados numa grande variedade de disciplinas. Na definição de Holton, thema significa as pré-concepções atomicidade/continuum, na ciência, envolvendo simplicidade/complexidade, díades ou tríades análises/sínteses, etc. como: Tais antinomias de posição ajudariam a explicar a formação das tradições das escolas de pensamento e o curso das controvérsias (MARKOVÁ, 2006). Themata, então, são pressuposições teóricas que orientam e restringem o pensamento científico de dentro para fora. Não estão normalmente explícitos nas terminologias científicas e podem ser revelados através de meta-análises. Muitas vezes os themata são de longa duração, afetando o pensamento científico durante séculos, como, por ex., o atomismo/continuum. Pode-se identificar somente uma pequena quantidade de themata importantes. É raro o fato de um novo thema emergir no pensamento científico (MARKOVÁ, 2006). Moscovici propôs que os themata constituem a base do pensamento de senso comum, e, 55 portanto, das representações sociais. Exemplos de antinomias no senso comum seriam: nós/eles, liberdade/opressão, humano/não humano, medo/esperança. As antinomias no pensamento de senso comum tornam-se themata quando, no curso de certos eventos sociais e históricos, elas se transformam em problemas e são o foco da atenção social e fonte de tensão e conflito. Quando elas entram no discurso público, ao se tornarem problematizadas, tornam-se themata. A partir daí começam a gerar representações sociais em relação ao fenômeno em questão. Apesar de, em princípio, todas as antinomias poderem se tornar themata, muitas delas não alcançam este nível, e existem implicitamente no pensamento de senso comum durante séculos. Mas mesmo antinomias mais neutras deram lugar a thematizações (MARKOVÁ, 2006). O trabalho de Claudine Herzlich (2005) demonstrou haver na representação social do binômio saúde-doença uma nítida presença da mesma oposição entre indivíduo – ou natureza - e sociedade, que comumente se manifesta no pensamento popular. O caráter estranho e ameaçador da doença responde pela sua grande capacidade em gerar representações. A doença mental e a aids têm sido neste campo os objetos específicos que mais têm ensejado pesquisas. No caso da aids, a pesquisa tem assumido relevância social por servir à prevenção e à educação para saúde, além de esclarecer os sentidos produzidos pelo público em relação à epidemia. A epidemia da aids modificou o comportamento, a cultura, os costumes de homens e mulheres em todo o mundo. A aids é uma doença que não atinge somente os indivíduos, mas os grupos humanos – famílias, casais, comunidades. Seus impactos sociais e demográficos se multiplicam do indivíduo infectado para o grupo (MANN, 1993). A forte carga de preconceito que envolve a doença (e os doentes) traz um sofrimento adicional que interfere na adesão ou não ao tratamento, na possibilidade ou não de uma 56 qualidade de vida após o diagnóstico. A morte biológica não é a única ameaça para estes pacientes. A morte social também pode ser cruel e insuportável. Trata-se, portanto, de uma epidemia que envolve as emoções, as sociedades, as coletividades. Assim como se considera que não existe apenas uma epidemia, também é preciso se considerar que existem múltiplas maneiras de entender a prevenção, de viver ou de morrer com aids (MEIRELES, 2010). A adoção de referenciais e metodologias que nos ajudem a obter modelos explicativos úteis no diagnóstico de situações socioculturais pode propiciar intervenções mais adequadas em relação ao controle e à prevenção da epidemia. 57 4 MÉTODOS Raynaud (2002) afirma que, diante dos problemas encontrados no campo da promoção de saúde, é necessária a colaboração entre disciplinas sociais e médicas e a complexidade do real não pode ser abordada apenas a partir de um ângulo ou de um nível de análise. É necessário juntar diversos olhares e competências. A Teoria das Representações Sociais destaca-se como uma ferramenta conceitual e metodológica situada na interface de várias áreas – a psicologia, a sociologia, a antropologia. Victora (2011) chama a atenção para o desafio para as Ciências Sociais e Humanas em Saúde em encontrar uma metodologia apropriada para projetos nesta interface, além da dificuldade em se ter uma visão crítica das aproximações e distinções entre as Ciências Sociais e as Ciências da Saúde. Para ela, a pesquisa qualitativa tem sido criticada e é preciso uma discussão sobre método, ética e os discursos dos pesquisadores destas áreas. As dicotomias daí provenientes ultrapassam os discursos e marcam as práticas de pesquisa qualitativa em saúde, dificultando a compreensão de sua lógica. Faz-se necessário refletir sobre a relação método-técnica e sobre a relação do pesquisador e a realidade pesquisada, que pode produzir uma despolitização do processo de pesquisa ou se equivocar ao conceber os métodos qualitativos a partir da funcionalidade das técnicas (VICTORA, 2011). Gomes e Silveira (2012) fazem reflexões no mesmo sentido, e destacam a importância dos referenciais teóricos, sem os quais os diversos métodos são apenas técnicas de aplicação sem a dimensão sociocultural necessária ao conhecimento das realidades. Para elas, o que propicia este conhecimento é a teorização (teoria posta em ação). O pesquisador faz escolhas, e estas são orientadas pelo seu próprio pertencimento sociocultural. Não é neutro. E isto só se esclarece com a exposição de seus referenciais 58 teóricos. “A ciência é tanto método como teoria, ou uma é condição de outra” (GOMES e SILVEIRA, 2012, p. 163). Outro problema destacado por Victora (2011) se refere ao número de sujeitos envolvidos nas pesquisas, pois às vezes se confunde quantidade e qualidade. Para ela a definição do número de entrevistados e de indivíduos envolvidos depende do problema a ser estudado. Trata-se mais de sobre “o que” se conversa e “como” se conversa, do que com quantas pessoas se conversa. Nem sempre é possível ou desejável definir estes números com precisão no início da pesquisa. A relação entre a amostragem e a análise é interativa, sendo direcionada pela teoria que a orienta (VICTORA, 2011). Tratando-se do estudo de representações sociais, utiliza-se a comparação de textos e verificação de recorrência de elementos linguísticos e de suas relações (palavras e sua estruturação). O repertório, o vocabulário, são indicadores concretos de representações sociais, que são saberes compartilhados. A comprovação de que a compreensão de um objeto é social depende da recorrência de elementos e da estruturação deles nos sujeitos, que fazem parte de um grupo ou possuem identidade entre eles. A quantidade de participantes, portanto, não pode ser subestimada, para que o pensamento seja caracterizado como social (NASCIMENTO-SCHULZE e CAMARGO, 2000). A Teoria de Representações Sociais não preconiza uma unicidade de métodos nem de técnicas de investigação. A pesquisa com Representações Sociais é qualitativa, porque trabalha com o significado e com a interpretação, mas não despreza a quantidade. Como afirma Robert Farr (2000), a teoria das representações sociais não privilegia nenhum método de pesquisa em especial, mas isto não quer dizer que todos os métodos servem para a pesquisa destas representações, independente de seu enquadramento teóricoconceitual. É importante a observação etnográfica, a consulta de documentos, o 59 levantamento histórico – elementos que permitem penetrar no universo dos sujeitos. E é sempre interessante a aproximação múltipla do objeto, para poder captar sua complexidade (SÁ, 1998). Os fenômenos de representação social não podem ser captados pela pesquisa científica de um modo direto e completo. Eles são construídos no que Moscovici (2001) chamou de universos consensuais de pensamento. Os objetos de pesquisas derivados deles são uma elaboração do universo reificado da ciência. Eles são mais complexos do que os objetos de pesquisa que construímos a partir deles (SÁ, 1998). Em relação aos processos e estados das representações sociais, a pesquisa se ocupa dos suportes da representação (o discurso ou o comportamento dos sujeitos, documentos, práticas, etc.), para daí inferir seu conteúdo e sua estrutura, bem como da análise dos processos de sua formação, sua lógica própria e de sua eventual transformação. As condições que afetam a emergência ou não da representação social de um objeto em um determinado conjunto social, estabelecidas por Moscovici (2001), são: a dispersão da informação, a focalização e a pressão à inferência. A forma e a intensidade de tais condições podem variar de um objeto para outro dentro de um grupo, bem como de um grupo para outro em relação ao mesmo objeto. Sá (1998) sugere o trabalho em duas etapas: uma com descrição e/ou comparação das representações e depois a pesquisa da gênese destas mesmas representações. A existência de uma gênese social identificável – e não perdida no tempo, como nas representações coletivas de Durkheim – é uma marca distintiva da grande teoria. Quanto à objetivação, ele sugere que, ao invés de pesquisá-la junto a sujeitos específicos do grupo estudado, tentar evidenciá-la nos meios de comunicação de massa. Pode-se organizar o quadro em torno de dois problemas metodológicos básicos: a coleta 60 de dados empíricos e a análise ou tratamento desses dados. Nesta pesquisa utilizou-se a análise lexográfica do texto produzido nas entrevistas com os sujeitos, com a ajuda do programa informático ALCESTE (Análise Lexical Contextual de um Conjunto de Segmentos de Texto), introduzido no Brasil em 1998. Elaborado por Reinert, se concretiza em um programa informático que produz uma análise de classificação hierárquica descendente. Ele permite além de uma análise lexográfica do material textual, a análise de contextos (classes lexicais) que são caracterizados pelo seu vocabulário e pelos segmentos de textos que compartilham este vocabulário (CAMARGO, 2005). Esta abordagem é um instrumento para se estudar as relações intergrupos, a troca de informações e de conhecimentos, e a produção de discurso e de representações sociais. Lima (2005) preconiza a articulação entre o conceito de “themata” (MOSCOVICI, 2007, MARCOVÁ, 2006), e o conceito de “fundos tópicos” desenvolvido por M. Reinert (1998). Isto possibilita “compreender como a dinâmica intergrupo atualiza os themata e como os themata reativam a dinâmica intergrupo e reanimam a comunicação relativa ao objeto” (LIMA, 2008, p.243). Os fundos tópicos pensados por Reinert (1998) são sistemas de oposições lexicais que marcam os lugares de enunciação. Nas palavras de Reinert: ¨Notre hypothèse est que ce fondement topique, dans ce qu’il a de plus inconsciente, n’est pas attaché à um mot singulier ni à aucune forme em particulier et qu’il se diffuse globalement dans tous éléments de l’enoncé, et principalement dans le choix des mots pleins independamment de leur position sytaxique. Autrement dit, notre hypothèse consiste à dire: la trace lexicale des mots pleins d’un énoncé est um índice de son fondement topique. (REINERT, 1998, p.7). Para Lima (2005), a operacionalização da articulação themata-fundos tópicos permite 61 estudar aspectos dinâmicos pouco acessíveis quando estudamos a formação das representações sociais. O método consiste em dividir um texto em pequenos segmentos e estudar a distribuição das palavras principais nestas unidades, para juntá-las em classes em função de suas semelhanças e diferenças. Cada grupo quantifica uma tendência à repetição, os diferentes grupos exprimem uma oscilação entre as posições da enunciação (REINERT, 2000). O programa usa como base um único arquivo, preparado de acordo com regras determinadas, onde estão indicadas as unidades de contexto iniciais (UCI) pelo pesquisador. Um conjunto de UCI constitui um corpus de análise, que deve ser um conjunto textual monotemático. Quando se trata de entrevistas, com textos mais extensos, desde que o grupo seja homogêneo, é preciso entre 20 ou 30 UCI para produzir o corpus. Caso seja feito comparações, sugere-se pelo menos 20 UCI para cada grupo. Cada entrevista é uma UCI. Quando se trata de respostas a questões abertas de um questionário, cada UCI deve ser composta somente de textos obtidos das respostas que se referem a um mesmo tema. Se houver temas diferentes é necessário realizar uma análise para cada questão. Se as respostas tiverem uma média de três ou quatro linhas, é preciso um número maior de repostas para a constituição de um corpus de análise. As unidades de contexto elementar (u.c.e.) são segmentos de texto, dimensionados em função do tamanho do corpus, em geral respeitando a pontuação. Nem sempre é o pesquisador que controla a divisão do corpus em segmentos de textos (u.c.e.), feita pelo programa depois de reconhecer as indicações das UCI. Segundo Camargo (2005) a análise consiste em quatro etapas: a) leitura do texto e cálculo dos dicionários; 62 b) cálculo das matrizes de dados e classificação das UCE; c ) descrição das classes de UCE; d) cálculos complementares (CAMARGO, 2005). Segundo Reinert (2000) as linhas do quadro de dados (UCE) modelizam o sentido como percurso, como sucessão de momentos (parte do Real). Em colunas, as palavras plenas ganham sentido por sua aparição simultânea em uma mesma UCE. Esta simultaneidade em um mesmo percurso mostra uma mesma ancoragem intuitiva, uma mesma crença daquele que fala, seu “mundo” (parte do Imaginário). As linhas e colunas do quadro demonstram, então, uma representação estatística formal do percurso do Sujeito em seus posicionamentos e reposicionamentos. Estes movimentos, na medida em que se repetem, são colocados em representações simplificadas com a ajuda da análise dos dados. Neste nível, há um problema a ser destacado: é preciso interpretar até onde uma representação estatística formal se torna inteligível, mostrando uma tomada de consciência reflexiva. Estes aspectos são relativos a uma ordem emergente do Significante que dá ¨sentido¨ ao percurso do Sujeito (lado do Simbólico) (REINERT, 2000). O discurso expressa um sistema de “mundos lexicais” organizadores da racionalidade e coerência do enunciado de quem fala. O mundo lexical é evocado pelo conjunto de palavras que constituem uma frase ou um fragmento do discurso, independentemente de sua construção sintática. Os mundo lexicais podem ser estudados a partir da análise da organização e distribuição das palavras principais co-ocorrentes nos enunciados simples de um texto. Parte-se da ideia de que a análise das sucessões de palavras principais (substantivos, adjetivos, verbos) em um conjunto de enunciados vai permitir diferenciar globalmente os “lugares de enunciação” ou mundos lexicais mais significativos do 63 discurso (DE ALBA, 2004). O entrelaçamento destas três partes (Real, Imaginário e Simbólico) nos permite entender o processo de formação das representações sociais. Os resultados mais importantes para interpretação de um corpus são o dendrograma da classificação hierárquica descendente (CHD), a descrição das classes, a seleção das UCE mais características de cada classe e a classificação hierárquica ascendente das palavras por classe. As classes são compostas de várias UCE, segundo a distribuição de seus vocabulários. No caso da pesquisa do conhecimento do senso comum, estas classes podem indicar representações sociais ou campos de imagens sobre um dado objeto, ou somente aspectos de uma mesma representação social. O número de classes e o número de representações sociais geralmente não coincidem. O que as definem como representações sociais é o seu conteúdo, as relações com as definições da pesquisa, as características de seus participantes, suas práticas sociais (CAMARGO, 2005). Com a finalidade de identificar os três processos formadores de representações sociais, de uma maneira sistemática, Lima (2005) propõe definir os indicadores lexicais mais adequados ao reconhecimento de cada um deles. São eles: Termos referentes: são os substantivos que se referem ao objeto estudado, os nomes comuns que os enunciadores usam para designá-lo, na sua manifestação discreta, a este objeto contável. Eles podem ser identificados nos textos analisados através das palavras do dicionário que significam o objeto social em questão; dos nomes que são usados para se referir a ele; dos rótulos socialmente atribuídos. Daí pode-se inferir as objetivações das representações sociais do objeto estudado. Objetos Referentes: são outros objetos sociais associados ao objeto estudado (por uma agregação de termos), e formam as redes de associações lexicais. Para cada termo 64 referente deve-se verificar qual o objeto referente a ele associado. O estudo da utilização destes objetos referentes podem dar informações sobre as ancoragens das representações sociais do objeto estudado. Fundos Tópicos: vestígios arqueológicos de uma mesma origem tópica que fazem com que certos léxicos se encontrem próximos ou afastados uns dos outros. Sistemas de oposições lexicais. Marcam os lugares de enunciação. Nesta pesquisa foi feito estudo exploratório através de entrevistas semi-estruturadas com 22 sujeitos HIV positivos. As entrevistas foram gravadas, e a transcrição destas submetidas ao programa de informática Alceste, conforme apresentamos acima. O acesso aos sujeitos foi possível pelo fato de estarmos inseridos em um serviço de saúde que atende pessoas que vivem com HIV/AIDS (PVHA), desenvolve grupos de apoio e de troca de experiências, e oficinas de prevenção em DST/AIDS em comunidades. No desenvolvimento desta investigação buscamos nos pautar por princípios éticos que considerasse a relevância social e a autonomia dos sujeitos. Na opinião de Victora (2011), a ética tem que estar presente nas reflexões sobre o método, pois é preciso que esta esteja incorporada na metodologia no seu sentido mais amplo. É preciso identificar indivíduos e grupos específicos de pessoas que ou possuam uma característica, ou vivam em circunstâncias relevantes para o fenômeno social que está sendo estudado e trabalhar com essas pessoas a fim de chegar a alguma conclusão. O mesmo se dá em relação à definição do número de pessoas a serem abordadas. Um maior ou menor número não multiplica ou divide as questões de ética na pesquisa. A escolha dos informantes, e o conteúdo das entrevistas exigem reflexão ética antes, durante e depois das entrevistas (VICTORA, 2011). Lida-se, aqui, com pessoas portadoras de uma 65 doença estigmatizante, falando de suas vidas, esperanças e temores, o que exige muito cuidado com o tratamento dado a esta abordagem e ao material colhido. A pesquisa contou com 22 entrevistas de pessoas portadoras de HIV/aids, em tratamento ambulatorial em um hospital universitário do Rio de Janeiro, realizadas entre junho e agosto de 2013. As entrevistas foram gravadas com o consentimento dos sujeitos, feitas em sala separada para isto no ambulatório, e os entrevistados assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme prescrito pela Comissão de Ética. Uma das entrevistas foi descartada por considerarmos que o paciente estava pouco esclarecido sobre seu processo de adoecimento, sendo interrompida após orientarmos o paciente (diagnóstico recente). O critério de inclusão foi de pessoas portadoras de HIV/Aids em tratamento, maiores de 18 anos. Utilizamos um roteiro semiestruturado comum (Anexo 1) em todas as entrevistas, com respostas abertas, e dados referentes ao sexo, idade, escolaridade, orientação sexual e religião. Estas foram identificadas por números, digitadas por estagiário de medicina sob nossa supervisão e revisadas por nós. O perfil dos sujeitos entrevistados se caracteriza da seguinte forma: 13 homens e 8 mulheres, com idades entre 33 e 63 anos, sendo que 76,19% encontram-se entre 41 e 60 anos. No quesito raça/cor, 8 se declararam brancos, 3 pretos, 9 pardos, e 1 não respondeu. Quanto ao grau de escolaridade 5 têm ensino fundamental, 7 segundo grau completo, e 9 ensino superior completo. 18 declararam ter religião. Em relação à orientação sexual 13 disseram manter relações heterossexuais, 7 homossexuais (homens) e 1 não respondeu. Todos fazem tratamento com medicamentos antirretrovirais (TARV). Na preparação das entrevistas para submissão ao ALCESTE, codificamos as 66 características dos indivíduos, após o asterisco, da seguinte maneira: Sujeitos: ind_01, ind_02...; sexo: masculino : sex_1, feminino: sex_2; Idade: 20-30 id_1, 31-40 – id_2, 41-50 – id_3, 51-60 – id_4, 61-70 – id_5; orientação sexual: hetero: or_1, homo : or_2; não respondeu: or_3; escolaridade: nenhuma: esc_0, ensino fundamental: esc_1, ensino médio: esc_2, ensino superior: esc_3; religião: sim: rel_1, não: rel_2. As entrevistas não foram identificadas, sendo numeradas em sequência, para preservação da confidencialidade dos dados e dos resultados, com avaliação de sua beneficência. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido teve o papel de proporcionar melhor entendimento dos sujeitos sobre os objetivos, etapas e compromissos desta investigação. A divulgação dos resultados será pública, na forma de trabalhos científicos. Esta pesquisa teve o projeto analisado e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva da UFRJ, em observação às exigências vigentes sobre pesquisas envolvendo seres humanos. 67 5 RESULTADOS As entrevistas foram submetidas à análise lexical através do Programa ALCESTE (Analyse Lexicale par Contexte d`un Ensemble de Segments de Texte). Este gerou um corpus composto por 21 u.c.i. (Unidades de Contexto Inicial). O corpus foi repartido, então, em 606 u.c.e. (Unidades de Contexto Elementar), contendo 3228 palavras ou formas de vocábulos distintos. Após redução das palavras às suas raízes foram originadas 547 palavras para a análise. O número de ocorrências para definir uma u.c.e. foi de 32. A percentagem de riqueza do vocabulário foi 98,42%. Uma palavra é analisada se estiver contida em pelo menos 4 u.c.e. Depois de analisar o vocabulário, o ALCESTE faz a partição do texto e a classificação. Neste caso foi feita classificação dupla, sendo que na segunda classificação o número mínimo de palavras analisadas foi de 16, com 416 u.c.e. e 547 vocábulos analisados. Após a classificação foram retidas 6 classes estáveis, com 73% das u.c.e. classificadas. A Figura 1 mostra a divisão das u.c.e classificadas com o número e percentual de u.c.e em cada classe. Mostra também o numero de palavras analisadas por classe. A Figura 2 mostra as árvores de classificação descendente decorrentes da primeira e da segunda classificação. 68 Figura 1 Figura 2 Os temas foram organizados em 6 classes e seus léxicos, com base em sua ocorrência e co-ocorrência. Após análise para a busca do sentido destas classes e da identificação das 69 representações sociais através do conteúdo discursivo e dos léxicos mais frequentes nas u.c.e. de cada classe, denominamos os eixos e as classes da seguinte forma: Uma primeira repartição em dois eixos chamamos Morrer de aids e Viver com aids. O eixo Morrer de aids divide-se em dois, gerando a Classe 1 (A Morte por Descuido, Pobreza, Solidão) e a Classe 2 (A Morte da Pessoa, do Outro, do Indeterminado). O eixo Viver com aids divide-se também em dois, gerando a Classe 3 (Vida Ameaçada) e a Classe 4 (Vida Limitada). Há ainda um ramo que se divide em dois, cujo eixo chamamos Cotidiano com aids: Classe 5 (Medicamento) e Classe 6 (Dependência) , conforme vemos na Figura 3 e no Quadro 1. Figura 3 Classe Classe 1 Classe 2 Classe 3 Classe 4 Classe 5 Classe 6 Denominação A Morte por Descuido, Pobreza, Solidão A Morte da Pessoa, do Outro, do Indeterminado Vida Ameaçada Vida Limitada Medicamento Dependência UCE(f /%) 58 / 13,0 164 / 37,0 79 / 18,0 75 / 17,0 38/ 8,0 33/ 7,0 Quadro 1 Classes produzidas pelo ALCESTE com respectivas denominações As Classes 1 e 2 tratam de sentidos da morte por aids; a Classe 3 trata da sensação de 70 morte iminente no momento do diagnóstico; a Classe 4 trata de limitações e regras da vida com aids para evitar a morte; as Classes 5 e 6, mais descritivas, referem-se a problemas cotidianos da vida com aids – o tratamento e a falta de autonomia devido à doença. O ALCESTE fornece também a Análise Fatorial de Correspondência (AFC), que faz o cruzamento entre o vocabulário (considerando a frequência de incidência de palavras) e as classes, gerando uma representação gráfica em plano cartesiano, onde são vistas as oposições entre as classes ou formas. Ela permite verificar as relações entre as classes, mostrando através do gráfico suas interações. Permite a visualização articulada dos agrupamentos de vocábulos presentes no discurso, indicando sua interação de acordo com sua localização, auxiliando a visualização articulada dos agrupamentos de vocábulo no discurso. O fato de agrupamentos de léxicos estarem em pólos opostos no plano dos eixos não indica necessariamente oposição semântica entre eles. A relação entre os “mundos lexicais” pode ser de complementariedade. O ALCESTE produz os eixos, a disposição das formas reduzidas, e classes no plano e informa sobre qual dos eixos compõe mais fortemente a disposição dos elementos (Figura 4 e Figura 5). Chamamos o eixo horizontal (x – com 30%) de polo Morte. O eixo vertical (y – 22%) de polo Vida. No quadrante superior esquerdo vemos a classe 4,5 e 6, que se encontram no eixo Viver com aids: Vida Limitada, Medicamento e Dependência. Classes ligadas entre si, referem-se a convivência cotidiana com a doença, quando a vida volta-se para a família e a casa, com regras que devem ser seguidas para garantir a sobrevivência. O uso da medicação ganha centralidade, e se relata os problemas concernentes às relações com profissionais de saúde e pessoas próximas, uma relação de dependência. Em oposição, 71 no quadrante inferior direito estão as classes 1 e 2 – A Morte por Descuido, Pobreza, Solidão e A Morte da Pessoa, do Outro, do Indeterminado – eixo Morrer de aids. No quadrante inferior esquerdo – abaixo do eixo que separa Vida e Morte, mas do lado onde se encontram as classes do eixo Vida - encontra-se a classe 3, Vida Ameaçada. Esta classe se refere ao momento do diagnóstico, quando os sujeitos associam a aids à morte, e sofrem o impacto causado pela notícia. Passado este momento, a vida mostrase possível, com limitações e dificuldades. Tenta-se, então, viver “normal”, como se a doença não existisse. Análise Fatorial de Correspondência em coordenadas Figura 4 72 Análise Fatorial de Correspondência em correlações Figura 5 Para Camargo (2005) as classes podem indicar representações sociais ou campos de imagens sobre um determinado objeto. Nem sempre todas as classes referem-se a representações sociais, e somente seu conteúdo e sua relação com os objetivos e o contexto da pesquisa pode definir isto. Consideramos que as representações da Morte por aids encontram-se mais identificadas nas Classes 1, 2. O programa ALCESTE apresenta uma lista de u.c.e. representativas de cada classe. Estas u.c.e. são organizadas através do número de ordem no corpus e um coeficiente (Phi) de associação dela à classe onde se encontra. Este coeficiente é também utilizado para as palavras significativas das classes. É através da leitura e análise destes dados que se busca os sentidos contidos nelas. Apresentamos, com o objetivo de maior entendimento da discussão, os vocábulos mais 73 representativos de cada classe, que associados às ideias expostas nas u.c.e., auxiliam na compreensão das representações contidas nelas. Eixo Morrer de aids Classe 1 – A Morte por Descuido, Pobreza, Solidão (13,0% das u.c.e.) Formas Phi F quest+ 0,40 13 relac+ 0,31 18 mort+ 0,30 15 prevenc+ 0,28 8 coloc+ 0,27 6 Qualidade 0,27 5 Dificuldade 0,24 8 medica+ 0,22 6 rincipal+ 0,22 6 Sei 0,21 11 Ao 0,21 9 Casos 0,21 4 frequent+ 0,21 3 Namorados 0,21 3 Presenças Significativas, com respectivos coeficientes de associação (Phi) e frequência de formas Quadro 2 74 Análise Fatorial em coordenadas da Classe 1 Figura 6 “Relac” refere-se a relações (sociais) ou em relação a, “mort” é morte. A forma “quest” – questão – no contexto significa “o problema, o fato, a questão”.Vemos um exemplo na seguinte u.c.e: – imagino que hoje a morte se dê mais assim por estas questões de descuido, e até involuntário, das pessoas em relação a sua saúde, porque com o avanço do tratamento você consegue ter uma vida normal e acredito que se morra de outras causas, (Homem, 48 anos, nível superior, homossexual, sem religião) A morte é entendida como consequência do descuido, da pobreza, da solidão e não só 75 como consequência da doença. É descrita como decrepitude física. – pessoas que têm dificuldade de seguir a rotina de tratamento, então como a gente mais ou menos repete nas consultas as mesmas pessoas, a remarcação coincide em geral, eu já vi pessoas que morreram que frequentavam o ambulatório e tiveram processo de internação e dá para você acompanhar o processo de decrepitude física das pessoas, mas muitos casos em-que isto aconteceu, principalmente em casos que acontecem internação, são pessoas que tem essa dificuldade de financeira, seja de ter uma alimentação adequada, seja de poder seguir o tratamento, seja porque acabam não conseguindo fugir de, de, então eu acho que estas pessoas no processo de complicação, pela situação de isolamento familiar e social, talvez, não puderam fazer o tratamento, seguir o tratamento, não tiveram ate condições físicas, o-que resultou na internação e talvez devido o agravamento do quadro os medicamentos, não tiveram o efeito mais e estas pessoas vieram a falecer, mas eu acho que todos os casos foram de mortes assim com situações de uma decrepitude física muito grande, (Homem, 48 anos, nível superior, homossexual, sem religião) A morte é imaginada como um processo doloroso e solitário. Dentro dos hospitais, pessoas que não têm condições de cuidar-se morrem sozinhas, em um processo de decrepitude. Estas mortes não causam impacto, não são vistas. – complicações que afetavam o cérebro, por exemplo, tinham dificuldades motoras, tinham dificuldade de fala, e muitas destas pessoas não têm retaguarda familiar, destas que vivem estes problemas mais sérios. algumas a gente vê que tem sempre parentes acompanhando, com todas as dificuldades e tudo, mas estão sempre com alguma companhia, outras se apresentavam sozinhas. quando a pessoa vai se descuidando por diversas razões e acaba tendo uma morte numa situação assim de sofrimento maior, não é uma morte abrupta, e uma morte num processo continuado, então em geral eu acho e que isto tem a ver com, (Homem, 48 anos, nível superior, homossexual, sem religião) 76 A forma “prevenc” – prevenção – mostra que há uma preocupação com isto, pois se a morte não é vista, as pessoas, principalmente os jovens, não a conhecem, não se previnem, não querem usar o preservativo. Isto dificulta a possibilidade de novos relacionamentos para os portadores de aids. – da gravidade da doença porque elas nao veem mortes sucessivas em torno disso e a dificuldade de prevenção acaba se colocando, até porque estas pessoas em relação a, a doença, e a outras doenças sexualmente transmissíveis, que não conviveram com o início da epidemia e aquelas mortes sucessivas que aconteciam. então a a relação hoje com a doença/ ela e mais fácil, mas ao mesmo tempo ela e mais difícil também porque para você estabelecer relações que tenham algum/ caráter sexual com pessoas mais jovens e difícil você fazer este diálogo porque as pessoas não têm noção assim do, do, (Homem, 48 anos, nível superior, homossexual, sem religião) Assim, a morte, oculta nos hospitais, em decorrência da pobreza e do descuido, não mais assusta os jovens, e com isto diminui a consciência da necessidade de prevenção. O ALCESTE realiza, ainda, a Classificação Hierárquica Ascendente (CHA), que cruza as u.c.e. da classe selecionada com as formas reduzidas desta mesma classe, proporcionando a visualização de relações de vizinhança indicativas de contextos ou “núcleos” que podem auxiliar na avaliação da inter-relação entre elas (NASCIMENTO, MENANDRO, 2006). 77 Classificação Hierárquica Ascendente da Classe 1 Figura 7 Aqui vê-se que a palavra morte encontra-se próxima a tratamento, dificuldade e o verbo acab+ (acaba, acabam), reafirmando o conteúdo de que a dificuldade de fazer o tratamento acaba conduzindo à morte. O ALCESTE fornece também uma rede de palavras, mostrando a ligação destas com a forma “quest” – questão (Figura 8). Rede da forma “quest+” na Classe 1 Figura 8 78 Nesta figura vê-se que a palavra questão está próxima a relações, doença, morte, medicamento, dificuldade, o que reforça a ideia de que a morte se deve a dificuldades no tratamento, atingindo principalmente aqueles que vivem com problemas sociais e econômicos. Esta é uma visão bem homogenia em um grupo com escolaridade alta, e parece ancorado em sua percepção política e social. Como a tuberculose, vista no passado como uma doença de poetas e artistas, e hoje relegada a doença ligada à pobreza, apesar de sua alta prevalência no Brasil, a morte por aids, para este grupo, está representada como a morte devido à condição socioeconômica, consequência da pobreza. De alguma maneira, esta representação os exclui da morte por aids, já que não fazem parte dos pobres, solitários ou descuidados. Também eles não veem mais as mortes sucessivas expostas no início da epidemia, tendo uma vaga noção que elas ainda ocorrem, uma morte social, que atinge um grupo já excluído da sociedade. A morte é objetivada como decrepitude física. Permanece oculta nos hospitais públicos, onde pobres e solitários sofrem um processo continuado de decrepitude e morrem. Esta classe tem como sujeitos mais representativos homens, com idade entre 41 e 50 anos, com nível superior, homossexuais, sem religião. Classe 2 - A Morte da Pessoa, do Outro, do Indeterminado (37,0% das u.c.e.). Formas pesso+ ach+ Aids cur+ Diz Vai cois+ Sei Vejo Phi f 0,31 0,28 0,23 0,19 0,19 0,19 0,19 0,18 0,17 134 109 33 33 24 48 81 44 17 79 Dia 0,16 24 Rua 0,16 8 acredit+ 0,15 29 Homem 0,13 5 ignor+ 0,13 5 Presenças Significativas, com respectivos coeficientes de associação (Phi) e número de formas Quadro 3 A maior presença é a forma “pesso” – que no caso refere-se à pessoa. Pessoa indeterminada, pessoas que morrem de aids, que sofrem. Como mostram as uce: – eu acho que morre por insuficiência cardíaca, por insuficiência renal, insuficiência de múltiplos órgãos. morre, tem uma morte sofrida, não é uma morte natural, quando para um coração, um ataque cardíaco fulminante e parar, eu acho que e bem diferente, que e uma pessoa que vai sofrer, ela vai sofrer, vai ficar naquela agonia. (Homem, 57 anos, heterossexual, nível superior, espírita) – acho isso mexeu de tal forma com a cabeça dele que ele tenha escolhido talvez a morte. então foi o único, a única pessoa assim mais próxima. eu acho que o morrer de aids para mim seria quando você não tem a oportunidade de, de alguma forma de se cuidar mesmo, e o acesso, mas é claro que dependendo da virulência do vírus, virulência de muita coisa, não tem tratamento que dê jeito, (Homem, 49 anos, professor, nível superior, homossexual, sem religião) – da perda de imunidade do organismo eu não sei, sinceramente eu não sei como e que vai/ ser, com certeza, além da dor de perder uma pessoa muito próxima, sempre bate aquela coisa assim ih, pode ser que eu/ seja a bola da vez, não é. (Homem, 51 anos, professor, homossexual, escolaridade superior, umbandista) Pessoas que têm preconceito. Pessoas que enganam. Pessoas que se matam. Aqui o 80 sujeito é indeterminado, os problemas ocorrem com o outro. – então eu prefiro ficar sozinha pela vergonha também de dizer dessa doença, porque eu tenho muita vergonha. não, tenho porque as pessoas são muito, assim, e, e, como e que a gente fala, e, meu deus, sei lá, olha a gente assim de outro modo, diferente, e se souber que a pessoa tem aquele problema, não olha daquele mesmo jeito que nem uma pessoa comum. (Mulher, 55 anos, nível fundamental, evangélica) – então no caso do meu marido foi diferente, agora de muitas outras pessoas, não são todas as pessoas que enganam, não, eu, por exemplo, não falo, mas eu me preveni, eu acho que a pessoa ela ela não tem nada a ver, porque a vingança, (Mulher, 51 anos, nível fundamental, evangélica) – não sei o que, papapa, papapa, a família dele visitava, era vizinho de leito, um dia que eu vim fazer uma consulta aqui, eu perguntei por ele e me disseram que ele tinha se matado, tinha se suicidado, então para mim foi um choque, (Homem, 57 anos, heterossexual, nível superior, espírita) Nesta classe aparecem os verbos ach+ (achar), acredit+ (acreditar), pens+ (pensar). A u.c.e. mais representativa desta classe mostra uma certa desresponsabilização pelos acontecimentos, pois se “achava”, “acreditava”, “pensava” coisas (cois+) que nem sempre se confirmaram. A crença da doença ligada a homossexuais também está presente. E aqui se fala na aids, que não é muito nomeada no conjunto das entrevistas. – que eu não gostaria que acontecesse comigo. não, não pensava, não pensava, eu achava que, na época, era muito propagado que quem pegava aids era homossexuais só, não era verdade, então é uma coisa, eu acredito que era uma coisa muito, muito centralizada, uma coisa mais politicamente, (Homem, 57 anos, heterossexual, escolaridade superior, espírita) – e. não e que eu não acredite na força do vírus, não e isso, mas eu acho que aquilo só vai ter poder sobre mim, se eu permitir, então, eu acho que, no meu caso, em algum momento que eu não sei precisar, eu devia estar deprimido, (Homem, 39 anos, homossexual, escolaridade superior, candomblecista) 81 A palavra “rua” aparece aqui como um lugar perigoso, onde se pode encontrar a doença e a morte: – fui procurar na rua o que eu tinha dentro de casa e hoje eu não tenho cura, hoje eu não tenho/ o que fazer, eu estou morrendo e não tenho o que fazer, isso eu ouvi dele me dizer. (Mulher, 61 anos, escolaridade superior, presbiteriana) – eu, eu acho que tem um pouco/ disso. ah, eu acho que e assim, e tipo uma batida de carro, sei lá, esta na rua atravessando o carro te atropelar, e mais ou menos isso, uma hora vai chegar, de um jeito ou de outro para todos. (Homem, 41 anos, heterossexual, nível superior, batista) E a morte mostra sua cara. – aliás, como, aids não mata, mata é outra doença que vem por trás. nao sei, nunca pensei nisso, só a única coisa que eu falo, se eu tiver de morrer eu quero morrer bonito, feio não, magro não, não, para todo mundo olhar para minha cara, não, está arrasado. (Homem, 41 anos, homossexual, escolaridade fundamental, espírita) – acho que essas coisas acabam se aproximando muito, aquela coisa da pessoa ir definhando, sumindo, desaparecendo, isso e um processo muito complicado, difícil. mas eu sinceramente, eu tento não não, não ficar pensando muito nisso não, entendeu? (Homem, 51 anos, homossexual, escolaridade superior, umbandista) – por exemplo, é. tuberculose, no caso, respiração, a própria pele da pessoa, já vi uma pessoa toda desfigurada, com problema seríssimo de pele, respiração, atacando assim a parte cardíaca, nunca, e a pessoa nunca diz, ah, foi aids que matou, a pessoa nunca diz, (Mulher, 58 anos, escolaridade fundamental, católica) A figura de Cazuza ainda está presente no imaginário quando se pensa na morte. – com certeza essa. a garotada, pessoal mais jovem, não tem não tem essas referências. E aí eu não sei se por conta disso se relaciona de uma forma mais tranquila ou menos tranquila, quer dizer, mais responsável ou menos responsável, não sei, mas na minha geração essas aquelas imagens do cazuza e de outros artistas, e tal, (Homem, 51 anos, escolaridade superior, homossexual, umbandista) 82 – passageiro, nada de relacionamento sério, então, é isso aí mesmo. O tipo de pessoa? qualquer uma, qualquer um. antigamente, também não foi da minha época que eu tenho 33 anos, eu sou de 80, não fui da época do cazuza, mas naquela época você ainda desconfiava, você lê nas reportagens, mas hoje em dia você não desconfia. (Homem, heterossexual, 33 anos, escolaridade média, evangélico) – realmente eu não sei como foi. eu tenho fé em deus que aids tem cura. acho que ja estão perto de descobrir. eu acho que é muito triste. ah, eu. assim, pelo que eu sei as pessoas geralmente ficam acamadas, sofrendo. não. artistas, teve o cazuza, teve aquele. (Mulher, 53 anos, escolaridade superior, evangélica) – então cazuza, por exemplo, que eu acho que e um dos grandes ícones da minha geração, e ver o cazuza morrer, vir definhando da forma como ele foi definhando, como é que a vida foi abdicando de estar presente nele, (Homem homossexual, 51 anos, escolaridade superior, umbandista) Cazuza – jovem e belo, que foi exposto durante seu processo de adoecimento e morte, ancora a representação da morte neste grupo, que aglutina a maioria das u.c.e. classificadas, composto de indivíduos de ambos os sexos, orientação sexual diversa, várias idades, grau de escolaridade e crenças religiosas. Na rede da forma “pessoa”, na Figura 9, vê-se que ela encontra-se próxima às formas correspondentes aos verbos “achar”, “vai”, “diz”, e aos substantivos “coisa”, “preconceito”, “rua”. As pessoas agem (verbos- dizem, vão), pensam (acham), têm preconceito. E é na rua que elas encontram a doença e a morte (lugar indeterminado, de fora). 83 Rede da forma “pesso+” na Classe 2 Figura 9 A morte (do outro, do indeterminado) se dá através de um processo doloroso e feio. As pessoas vão emagrecendo, têm problemas de pele, um processo lento e sofrido até a morte. Como em Cazuza, a vida vai abdicando de estar presente nelas. A morte é vista como a morte do outro, oculta no imaginário, na qual se tenta não pensar, esquecer. 84 Eixo Viver com Aids Classe 3 – Vida Ameaçada (18,0% das u.c.e.) Formas Exame Fiz Vim Pneumonia fiqu+ Tuberculose Soube descobr+ herpes zoster Fez repet+ result+ Consegui Phi 0,45 0,37 0,33 0,29 0,26 0,26 0,25 0,25 0,20 0,20 0,20 0,20 0,20 f 34 27 13 9 29 12 7 15 4 5 5 7 7 Presenças Significativas, com respectivos Phi e frequência de formas. Quadro 4 85 Análise Fatorial em coordenadas da Classe 3 Figura 10 Esta classe refere-se à descoberta do diagnóstico, momento marcante para os sujeitos. Ainda que ligada a suas vidas, remete à ameaça de morte que a notícia significa para eles. “Exame” é a palavra com maior ligação com a classe. Os verbos “fiz”, “soube”, “descobr” (descobrir), “repet” (repetir) estão ligados a ela. Aparecem também as palavras “pneumonia”, “tuberculose”, “herpes zoster”, que são doenças marcadoras da aids, que levam os indivíduos a fazer o teste. “Vim” e “consegui” se referem ao atendimento. E “intern+” (internação) é uma ocorrência importante que os coloca em contato com a doença e a morte. As u.c.e. com maior ligação com esta classe são: 86 – consegui uma consulta aqui, eu vim, ela viu o meu cansaço, falou, uma tosse, mandou bater uma chapa, me internou, fiquei 15 dias internado, fiz, tirei a água do pulmão, me tratei, porque é praticamente uma pneumonia, tuberculose, e eu descobri, ela foi, (Homem, 41 anos, homossexual, escolaridade fundamental, com religião) – eu pedi que fizessem em mim, no mesmo laboratório eu fiz deu negativo, quando meu marido entrou em coma, depois do natal, ele entrou em coma, eu implorei que os médicos fizessem o teste de hiv nele, de novo, novamente, fizeram, deu positivo, (Mulher, 54 anos, escolaridade fundamental, católica) – E, na verdade, não, eu até me considero uma pessoa bem aceito, quando eu descobri o problema, eu vim para fazer um exame de rotina e, de repente, fiz todos os exames e foi onde deu que eu tinha hiv. (Homem, 54 anos, homossexual, escolaridade média, evangélico) A notícia do diagnóstico assusta e remete à ideia da morte: – e dali me levaram para o hospital, me internaram e tal, estava com pneumonia, para fazer os exames, fiz os exames que constatou. para mim foi um pouco assim. pavoroso, porque eu fiquei apavorada, porque jamais ia pensar que poderia ser essa doença, mas mesmo assim com o tempo me aceitei, tem que aceitar porque deus na frente e tudo, lógico, acho que tem que ter fé, fé, confiar e se cuidar, principalmente. (Mulher, 44 anos, escolaridade média, cristã) – ah, triste, eu fiquei muito triste quando eu soube do resultado, eu soube porque eu tive herpes zoster, vim pesquisar, aqui que foi descoberto. foi 99 para 2000, fiquei muito triste, muito. porque a gente sempre imagina que acontece com os outros, não com a gente, foi terrível, terrível, pensei que fosse morrer, que não tivesse jeito, que remédio não ia resolver, mas já tem 13 anos, graças a deus. (Mulher, 53 anos, escolaridade superior, evangélica) A internação também propicia o contato com a morte: 87 – olha, sinceramente, eu sou um. eu nem imagino. não, eu conheci uma pessoa que se suicidou. foi horrível, porque eu estava internado aqui, e eu, fiquei internado porque eu tive herpes zoster, foi a segunda vez que eu tive, vim parar aqui no hospital, me tratando, no dia que eu tive alta, ele estava bem, falando que tinha um cachorrinho, (Homem, 57 anos, heterossexual, nível superior, espírita) – morre de. sofrimento muito, grande, que eu já vi muitos morrerem na minha. já, muitos. ah, e horrível, e triste, eu estava em isolamento, e depois passei para enfermaria, nessa época de 90 e. (Mulher, 44 anos, escolaridade média, cristã) – que não tinha mais nada e ele acreditou naquela cura/ que não tinha mais nada e parou de tomar o remédio, bateu no hospital, foi ficando magro, magro, não comendo, pegou/ uma pneumonia, quando soube já estava no hospital internado, morreu. (Mulher, 55 anos, escolaridade fundamental, evangélica) O momento do diagnóstico evoca também sentimentos de culpa, de perda, de traição, questionando as relações afetivas/sexuais que podem ter levado à contaminação. – Até que eu vim trabalhar nessa empresa que eu trabalho hoje em dia ainda, conheci uma pessoa, eu não sei por que cargas d´água, eu achei graça de me envolver com a pessoa. por azar meu eu não sabia que ele tinha o hiv, numa internação que ele precisou de fazer, porque ele bebe, para tratar a bebida, que ele preferiu tratar ate, ele precisou de ficar internado, lá vários exames, contatou que ele tinha o hiv. (Mulher, 58 anos, escolaridade fundamental, católica) – através do exame de sangue que o médico fez nele descobriu que ele tinha uma doença, que eu fui descobrir que eu tinha, através dele, o bebê ficou 3 meses e faleceu, tadinho, porque ele nasceu, devido a essa doença, com metade do cérebro desmanchado, (Mulher, 54 anos, escolaridade fundamental, católica) – naquele primeiro momento foi mais ou menos no meio do ano, junho, julho de 93 que essa noticia caiu como uma bomba, na nossa relação, mas eu não consegui, não me senti animado de procurar um médico e de também saber se 88 eu era portador, não, (Homem, homossexual, 51 anos, escolaridade superior, umbandista) – porque eu não tinha tido relação sexual fora do casamento, nem com preservativo nem sem preservativo, nem nada e pronto, quando eu voltei lá no Sergio Franco, pediu para fazer outro exame, que eu já voltei lá com uma semana depois, (Homem, heterossexual, 41 anos, escolaridade média, batista) – que eu fui infectada dentro da minha/ própria casa. não, no momento agora eu não estou tendo. sim, logo que eu larguei ele ainda tive ainda, mas depois eu tive/ um câncer no colo do útero, então eu estive muito doente também, assim, fiquei para baixo quando soube, não/ totalmente, mas fiquei, me resguardei mais, (Mulher, 51 anos, escolaridade fundamental, evangélica) Os sujeitos, nesta classe, relatam como a notícia do diagnóstico impacta suas vidas, como o medo da morte aparece neste momento, a doença e a morte presentes durante as internações, e o estrago em suas relações afetivas naquele momento e depois. A representação da aids no momento do diagnóstico, para estas pessoas, era ainda a da morte. Depois, a morte volta a se ocultar, e a vida segue. Rede da forma “exame” na Classe 3 Figura 11 89 Na Figura 11 a palavra “exame” encontra-se próxima aos verbos “fiz”, “deu”, “descobri”, “repet”, todos referentes ao momento do diagnóstico. Encontra-se também ligada à ‘intern” (internação). Aparecem também ligadas a ela as doenças relacionadas à aids, que as levaram a fazer exames ou a serem internadas. O gráfico reforça a ideia de que esta classe se refere ao momento do diagnóstico e seu impacto. Classificação ascendente da Classe 3 Figura 12 Na classificação ascendente podem ser visualizados os blocos que formam o discurso característico desta classe. Um bloco que fala do fazer o exame e dar positivo para o HIV, e da época da descoberta. No outro bloco aparecem as palavras falecer, marido, descobri, teve, ligados a tuberculose, pneumonia, internação, ficar, hospital. Discurso referente ao momento do diagnóstico, quando as relações são questionadas e a vida ameaçada pela doença, internação e morte. 90 Classe 4 – Vida Limitada (17% das u.c.e.) Formas cas+ Phi 0,41 f 31 mor+ 0,36 20 trabalh+ 0,34 45 Normal 0,29 24 Vivendo 0,27 8 estress+ 0,23 6 Sai 0,23 9 filh+ 0,22 15 tenh+ 0,23 42 Atividade 0,23 7 Sair 0,21 8 regr+ 0,21 5 empreg+ 0,21 4 Uns 0,20 9 Tabela Presenças Significativas, com respectivo Phi e frequência de formas Quadro 5 91 Análise Fatorial em Coordenadas Figura 13 A forma “cas” se refere à casa, casada, casal, casar, caseira; “mor” ao verbo morar, “trabalh” a trabalhar, trabalhando, trabalhava, trabalhei, trabalho. É uma classe que mostra relatos indicativos da vida dos indivíduos que vivem com aids. – bom, eu trabalho como auxiliar administrativo, já tem 16 anos que eu trabalho nessa empresa, e tenho uma vida normal, trabalho, tenho minha casa, terminei minha faculdade, até quando eu descobri o hiv eu estava na faculdade, como a pessoa é mais nova de idade que eu, ainda um pouco imaturo, não quis entrar numa situação, e levo uma vida regrada, saio, me divirto, tenho meus amigos, bebo uma cervejinha de vez em quando, sem. (Homem, 39 anos, homossexual, nível superior, candomblecista) – minha vida? bom, atualmente não sou, sou separado, moro eu e um filho só, trabalho de segunda a sábado, sou vendedor ambulante, trabalho com o público e tenho a vida regrada, vamos dizer assim, comida, almoço, café, procuro me regrar um pouco na alimentação, (Homem, 48 anos, heterossexual, escolaridade média, evangélico) 92 Vida regrada, vida voltada para a família, para o trabalho, com preocupação de não se expor, não expor a condição de portadores de HIV/aids. – até hoje não aceito. não. só assim, minha filha que ela e casada, mora na Pavuna. eu tenho uma filha dela que eu crio desde que nasceu, esta com 14 anos, eu com medo dela afastar a menina de mim, eu precisei ficar internada aqui mês passado, foi que eu resolvi falar com ela, resolvi assim, porque eu precisei mesmo, (Mulher, 58 anos, escolaridade fundamental, católica) – minha família aceitou, me dá apoio, só os amigos que não, que infelizmente, eu estava falando a sociedade ainda é muito. ah, eu, por isso que eu gosto, eu moro em Santa Cruz, eu adoro vir me tratar aqui, por isso que eu gosto, porque ninguém me conhece, ninguém sabe, porque se alguém saber, sabe que começa o tititi, aquela coisa, fulano tem, infelizmente é chato, (Homem, 41 anos, homossexual, escolaridade fundamental, espírita) A vida é “normal”, mas as relações afetiva/sexuais são também limitadas, afetadas pela situação. – É complicado porque eu tenho maior cuidado com a minha namorada, tem que tomar cuidado, ela sabe, avisei, quando ela ficou grávida, perdeu a criança também, eu evito até muito, sair não sai, só trabalho, trabalho em dois emprego, fico em casa, (Homem, 43 anos, heterossexual, escolaridade fundamental, sem religião) – E a pessoa da qual eu estava, eu automaticamente esfriei com ele assim depois-que eu fiquei sabendo, que eu sei que foi dele. ele chegou a morar um ano/ junto, mas teve, ter me afastado dele assim fisicamente, carinhosamente até, meu comportamento com ele, continuo/ querendo bem ele, querendo ajudar ele, mas só que ele não aceita que tem a doença, (Mulher, 58 anos, escolaridade fundamental, católica) As limitações impostas pela condição de portadores de aids são percebidas por alguns como positivas, porque estes limites melhorarem sua qualidade de vida. 93 – me deu esse choque de ordem, não tive aquela coisa assim, ah, não, eu estou com hiv, então tenho que sentar e esperar a morte chegar, não, eu tenho que continuar vivendo, continuar trabalhando, continuar estudando, continuar rindo, (Homem, 39 anos, homossexual, escolaridade superior, candomblecista) – algumas coisas que eu normalmente não faria, como por exemplo, cuidar da minha saúde de forma intensa. então fazer exames pelo menos a cada 4, 5 meses, cuidar da alimentação, e cuidar da atividade física, cuidar da cabeça, não assumir trabalhos muito estressantes, então, eu acho que se tornou positivo, por incrível que pareça, (Homem, 49 anos, homossexual, escolaridade superior, sem religião) Esta classe mostra, enfim, que a vida é relatada como normal, voltada para família e trabalho, com regras que limitam, mas que podem até melhorar a qualidade da vida em relação a que se vivia antes, esconde a aids, palavra que sequer é dita nesta classe. Rede de Formas da Classe 4 Figura 14 94 Na Figura 14 vemos que “casa” encontra-se próximo de “mor”, “filh”, “tenh”, “trabalh”, “sair”, “vida”, “emprego”, “levant”, “normal”. Isto reforça a ideia de que é uma classe que trata do cotidiano das pessoas com aids, uma vida “normal”, com regras que permitem que a doença permaneça escondida. Classe 5 – Medicamento (8,0 % das u.c.e.) Formas tom+ Phi 0,55 f 48 remed+ 0,42 27 Comprimido 0,34 6 certinh+ 0,27 4 medic+ 0,26 18 troc+ 0,24 4 continu+ 0,21 7 Vou 0.20 11 Melhor 0,19 3 Depressão 0,18 4 mont+ 0,17 2 Mesma 0,17 4 Período 0,17 2 doutormichael 0,17 2 Presenças Significativas, com respectivos Phi e frequência de formas Quadro 6 A forma “tom” refere-se ao verbo tomar; “remed” é remédio. Esta é uma classe que remete ao tratamento da aids, a medicação ganha uma centralidade, provoca uma mudança na vida das pessoas. 95 Análise Fatorial em coordenadas Figura 15 Exemplos de u.c.e.: – Desde que comecei a tomar esse coquetel a carga ficou indetectável, o cd4 ficou alto, tomo certinho, nunca deixei de tomar, parei de beber, não bebo mais, bebia muito e é isso. A mesma coisa não é, na realidade, porque a minha vida mudou, não porque eu parei de beber, minha vida mudou, me relacionava com várias mulheres, às vezes você vê, é, o físico, acha que a mulher não tem nada, então, eu vacilei, eu dei mole, (Homem, 33 anos, heterossexual, escolaridade média, evangélico) – não, eu estipulei vou tomar o remédio de manhã quando eu for tomar o café e à noite quando eu jantar ou antes de dormir, e sempre aquela preocupação de tomar a medicação com alguma alimentação e reforcei, tentei melhorar minha alimentação com vitamina, (Homem, 39 anos, homossexual, escolaridade superior, candomblecista) – elas fazem minhas unhas as vezes. não, tenho tomado direitinho os remédios. tenho tomado. Só que o acho que e o azt, não sei, tem me dado anemia muito forte, inclusive, a ponto de prejudicar ate minha visão, mas agora 96 eu fiz uma limpeza de laser, ai melhorou um pouco, ai agora vou trocar o medicamento. (Mulher, 58 anos, escolaridade fundamental, católica) O tratamento – o tomar ou não os remédios – vem junto com mudanças de hábitos que são consideradas importantes para o resultado. O uso de drogas é considerado um importante impeditivo para o sucesso do tratamento. – tem como você estacionar ela, se você também fazer por onde, tomar medicação, não usar droga, não passar/ muitas noites em claro fazendo farra, não se alimentar, tudo isso é um processo, não e só o remédio, (Mulher, 55 anos, escolaridade fundamental, evangélica) – eu descobri um colega que ele tem, ele tem, mas ele usa droga, essas coisa, não quer sair da vida, está magro, está desgostoso da vida, não quer tomar remédio. Cada um tem a sua cabeça, eu penso muito em mim, eu já perdi meu pai, perdi minha mãe, desde quando, doutor Michael ficou até preocupado, tem que tomar o remédio certinho, vai tomar o remédio, e tomo, são 2 comprimidos, tomo 1 de manhã, 2 à noite, (Homem, 43 anos, heterossexual, escolaridade fundamental, sem religião) A depressão é vista como um importante fator que prejudica o tratamento, diminuindo a eficácia da medicação. – então é um pouco complicado, isso é muito relativo, porque às vezes as pessoas bebem, tomam a medicação e continuam muito doentes, já outras pega a doença, e não consegue e superar, tanto em relação a medicação, tem muita depressão, (Mulher, 55 anos, escolaridade fundamental, evangélica) E é considerada um motivo para o abandono do tratamento. – Até a sexta estarei curada e pronto, e eu na sexta estive curada. que nossa senhora de aparecida. E foi isso, continuei tomando a medicação, teve vários altos e baixos, lógico, depressão, teve um período que eu fiquei uns meses sem tomar remédio, precisou mudar uma medicação porque não sabia que deixando, achava que era só voltar a tomar, (Mulher, 63 anos, escolaridade superior, espírita) 97 – E estou continuando, mas na verdade não foi a depressão, a vontade de me calar para sempre não foi o motivo totalmente, não foi eu, eu deixei sim de tomar a medicação, mas não foi eu, foi uma situação que eu vi e eu não podia botar a boca no mundo, (Mulher, 55 anos, escolaridade fundamental, evangélica) – A mesma coisa não é, que nem você fica com o psicológico meio abalado, ou às vezes você cai em depressão, não muito profunda, mas fica chateado, triste, dai você conhece uma garota, acaba gostando dela, se você falar ela vai embora. (Homem, heterossexual, 33 anos, protestante) A medicação, então, pode ser acionada a qualquer momento para o bem ou para o mal. – falei até isso para minha comadre quando eu falei para ela, é como-se eu tivesse um disjuntor, eu posso desligar minha vida a qualquer momento, eu posso simplesmente sair daqui resolver que eu não vou tomar mais o remédio, ter uma vida desregrada, (Homem, 33 anos, homossexual, escolaridade superior, evangélico) Torna-se um regulador da vida e da morte. Rede da forma “tom” na Classe 5 Figura 16 98 “Tom” – tomar”- encontra-se próximo a ‘” remédio”, “medicação”, “comprimido”, “vou”, “certinho”. Mais distante, mas ligada a ela encontra-se depressão, mostrando a importância desta para os sujeitos quando se referem ao tratamento. Classe 6 - Dependência (7,0% das u.c.e.) Formas Phi f Mão 0,30 5 fal+ 0,28 27 Pai 0,28 7 Mãe 0,26 8 tivess+ 0,22 4 sab+ 0,21 16 quer+ 0,21 11 Curso 0,18 2 Lógico 0,19 3 Criança 0,19 3 Camisinha 0,18 4 precis+ 0,18 5 precis+ 0,17 5 lut+ 0,15 2 Presenças Significativas, com respectivos Phi e frequência de formas Quadro 7 99 Análise Fatorial em Coordenadas Figura 17 A forma “mão” aqui tem sentidos variados, referindo-se tanto ao substantivo mão, como à expressão “estar na mão” de deus, dos profissionais, etc. Está ligada principalmente a verbos. É uma classe descritiva, onde se relata situações concernentes a relações com familiares, pessoas próximas, profissionais de saúde e da vida com aids. Assim, o homem relata que não depende de ninguém para ser enterrado quando morrer. – então não quero saber não, então o sinaf está pago, eu falo para todo mundo, a hora que fechar o olho se quiser se dar o trabalho de ir e chorar para mim já está valendo, porque ninguém precisa botar a mão no bolso. (Homem, 39 anos, homossexual, nível superior, candomblecista) 100 Outro, conta sua dificuldade com os medicamentos e a relação com seu médico. – comecei as medicações, com o próprio professor Michael que me acompanha esses anos todo e foi indo, foi indo, foi evoluindo. Quando ele tentou, ele mudou uma medicação minha para mim foi muito complicado, eu cheguei com todas as medicações, entreguei na mão dele e falei não quero mais saber disso, pelo amor de deus. (Homem, 40 anos, homossexual, nível superior, católico) E a mulher demonstra sua esperança na cura através de Deus. – eu não boto na cabeça que eu tenho a doença, eu me cuido, eu me trato e vou seguindo, com a vontade de deus. O que eu mais penso é que deus me tire esses retrovirais da minha vida, e dê o diagnóstico na minha mão, porque eu creio nele, que e o deus poderoso, e o deus que tudo pode, não e, se for a vontade dele, se eu merecer, se eu não merecer. (Mulher, 44 anos, escolaridade média, cristã) Uma mulher relata o papel dos filhos em seu tratamento. – numa época também da quimioterapia eu queria desistir de tudo, no terceiro mês que começou a cair cabelo, falei que não ia fazer mais nada, se tivesse que morrer que morresse e pronto, ai meus filhos chegaram para mim e não, mãe, não sei o que, (Mulher, 63 anos, nível superior, espírita) E conta como uma filha se relacionou com o diagnóstico da mãe. – a filha falou, mãe, pode contar para mim se você teve namorado, ela não, mas o pai tinha morrido, ninguém sabia do que morreu, foram descobrir que talvez o senhorzinho teria passado para ela, a mulher não aguentou um mês e ela morreu. (Mulher, 63 anos, nível superior, espírita) Fala também da dificuldade nas relações afetivas/sexuais, referindo-se às dificuldades no uso do preservativo. – Não quero saber se gosta, ou não tchau, o outro já no começo também mandei passear. eu não, sinceramente eu não tive mais coragem de começar a namorar, porque eu fico na indecisão, vou contar ou não vou contar, usa 101 camisinha, começa, lógico que eu vou usar, mas começa a história, ah não, sei lá porque. uma vez quase que na hora ele tirou a camisinha e eu fiquei para morrer, porque também a minha sensação de culpa e depois também não quero pegar outras coisas além do que eu já tenho, e dai eu mandei passear, ah não, mas eu gosto de você, (Mulher, 63 anos, nível superior, espírita) Como podemos ver na Figura 18, “mão” encontra-se ligado a verbos. “fal” é o verbo falar. “presis” é precisar. “pod” refere-se ao verbo poder, “quer” é querer, “sab” é saber. “Diss” é do verbo dizer e “tir” ao verbo tirar. Relaciona-se, portanto, a várias ações, que, de acordo com a análise das u.c.e., se referem a relatos sobre a vida com aids, mostrando uma falta de autonomia e dependência – da família, dos médicos, dos parceiros , de deus. Rede da forma “mão” na Classe 6 Figura 18 102 6 DISCUSSÃO Os resultados produzidos pelo ALCESTE mostram diferentes pontos de referência que levam a diferentes modos de falar, sendo que o uso de um vocabulário específico pode servir para esclarecer maneiras de pensar sobre um objeto. Assim, é possível, através da classificação de palavras que representam formas diferentes de discursos a respeito do objeto, analisar ideias que se referem ao objeto, e também ao próprio sujeito naquele momento. A dupla referência permite a formação da representação do objeto em um contexto típico de um grupo (NASCIMENTO, MENANDRO, 2006). As classes produzidas pelo ALCESTE podem indicar representações sociais ou campos de imagens sobre um determinado objeto. Nem sempre todas as classes referem-se a representações sociais, e somente seu conteúdo e sua relação com os objetivos e o contexto da pesquisa pode definir isto (CAMARGO, 2005). Nesta pesquisa buscou-se as representações da morte por aids, através de entrevistas realizadas com sujeitos portadores da HIV/Aids atendidos em ambulatórios de um hospital universitário do Rio de Janeiro. Foram encontradas 6 classes, divididas em 2 eixos, que chamamos Morrer de aids e Viver com aids. Considerou-se que as Classes 1, 2 contêm as representações da morte por aids neste grupo. Na Classe 3 (Vida Ameaçada) a morte aparece como representação da aids (doença) no momento do diagnóstico, se contrapondo à vida, “normal”, mas limitada, após este momento, representada na Classe 4. As Classe 5 e 6 são descritivas, referindo-se a problemas cotidianos da vida com aids – o tratamento e a falta de autonomia devido à doença. A Morte por aids está representada na Classe 1 como a morte em consequência do descuido, da pobreza, da solidão e não só como consequência da doença. Esta classe 103 tem como sujeitos mais representativos homens, com idade entre 41 e 50 anos, com nível superior, homossexuais, sem religião, com militância política ou sindical. Objetivada como decrepitude física, a morte é descrita como um processo doloroso e solitário. A morte deve-se a dificuldades no tratamento, atingindo principalmente aqueles que vivem com problemas sociais e econômicos. Dentro dos hospitais, aqueles que não têm condições de cuidar-se morrem sozinhos, em um processo sofrido. Estas mortes não causam impacto, não são vistas. Há uma preocupação neste grupo em relação à prevenção, pois se a morte não é vista, as pessoas, principalmente os jovens, não a conhecem, não se previnem, não querem usar o preservativo. Isto dificulta a possibilidade de novos relacionamentos para os portadores de HIV/Aids. Esta representação parece ancorada na posição política e social dos sujeitos. A morte por aids está representada como a morte devido à condição sócio-econômica, consequência da pobreza. Como a tuberculose, antes vista como doença de poetas e artistas, e hoje considerada doença de pobres e excluídos. Esta representação protege os sujeitos da morte, já que eles não fazem parte dos pobres, solitários ou descuidados. Também eles não veem mais as mortes sucessivas expostas no início da epidemia, tendo uma vaga noção que elas ainda ocorrem, uma morte social, que atinge aqueles já excluídos da sociedade. A morte permanece oculta nos hospitais públicos, onde pobres e solitários sofrem um processo de decrepitude e morrem. A Classe 2 aglutina a maioria das u.c.e. classificadas. É composta de indivíduos de ambos os sexos, orientação sexual diversa, várias idades, grau de escolaridade e crenças religiosas. A Morte por aids é representada como a morte da pessoa, do outro, do indeterminado. A morte é objetivada como um processo doloroso e feio. As pessoas vão 104 emagrecendo, definhando, têm problemas de pele, um caminho lento até a morte. Para estes sujeitos, as “pessoas” têm preconceito, são traídas, capazes de disseminar o vírus por vingança. Os sujeitos são passivos, pois “acreditavam”, “pensavam” coisas que nem sempre se confirmaram, como a crença que a doença só atingia homossexuais. Há certa desresponsabilização dos sujeitos pelos acontecimentos. É nesta classe que a aids aparece nomeada. A doença e a morte encontram-se na rua, um lugar perigoso, fora do sujeito. Pessoas podem procurar a morte, e se matarem. Cazuza – artista jovem e belo, que foi exposto durante seu processo de adoecimento e morte, ancora esta representação. A morte das pessoas é uma morte lenta, feia, triste. Como em Cazuza, a vida vai abdicando de estar presente nelas. A morte é vista como a morte do outro, oculta no imaginário, na qual se tenta não pensar, esquecer. Na Classe 3, situada no eixo Vida com aids, a morte também aparece. Refere-se à descoberta do diagnóstico, momento marcante para os sujeitos. Ainda que ligada a suas vidas, remete à ameaça de morte que a notícia significa para eles. A notícia do diagnóstico causa o medo da morte, as doenças e internações ocorridas neste período os colocam em contato com ela, e provoca dificuldades e sofrimento em suas relações afetivas. A representação da aids no momento do diagnóstico, para estas pessoas, era ainda a da morte. Depois, a morte volta a se ocultar, e a vida segue. Esta classe, que chamamos Vida Ameaçada, contrapõe-se à Classe 4 – Vida Limitada – onde a vida é considerada “normal”. A Classe 4 – Vida Limitada – é uma classe que mostra relatos indicativos da vida dos indivíduos que convivem com a aids. Vida regrada, vida voltada para a família, para o 105 trabalho, com preocupação de não se expor, não expor a condição de portadores de HIV/aids. Descrita como normal, com regras que limitam, mas que podem até melhorar a qualidade da vida em relação a que se vivia antes, esconde a aids, palavra que sequer é dita nesta classe. A classe 5 – Medicamentos - é uma classe que remete ao tratamento da aids. A medicação ganha uma centralidade, provoca uma mudança na vida das pessoas. Os remédios são entendidos como fundamentais para a manutenção de suas vidas. Há compreensão de que é preciso tomá-los e de como tomá-los. Revela também, entretanto, que elas consideram que o tratamento pode ser suspenso no caso de depressão (desejo da morte?), tornando-se, assim, como um “disjuntor”, um regulador da vida e da morte. Esta noção é relevante para entendermos as recorrentes falhas no uso do medicamento. Em momentos de tristeza ou depressão a PVHA maltrata a si mesmo, suspende o tratamento, talvez em busca da morte. Quando adoece, ou quando melhora suas condições na vida, muitas vezes volta usar os remédios, nem sempre com sucesso. Seria interessante aprofundar os sentidos de ¨depressão¨ para estes sujeitos. Este tem sido um dos maiores desafios para os profissionais de saúde atualmente. Por mais explicações que sejam dadas, e por mais que a pessoa demonstre que conhece os riscos que corre, ela abandona os remédios. A morte, neste caso, exerce atração para estas pessoas, elas tentam ir, nem sempre conseguem, talvez uma forma de fugir dos problemas e das tristezas da vida. A classe 6 – Dependência - é uma classe descritiva, onde se relata situações 106 concernentes a relações com familiares, pessoas próximas, profissionais de saúde e à vida com aids. Sugere uma vida onde falta autonomia. Revela dependência – da família, dos médicos, dos parceiros, de deus. Observações feitas durante as entrevistas, anotadas em caderno de campo, revelam que as mulheres manifestaram mais tristeza (algumas choraram durante a entrevista), lamentando a solidão, relatando dificuldades em ter parceiros, já que eles não aceitam o preservativo e as abandonam quando sabem da doença. Homens heterossexuais também pareceram mais inconformados com o diagnóstico, ainda que não se queixem da falta de parceiras. Alguns homens homossexuais referem melhora na qualidade de vida, atribuída a melhor alimentação, menos abusos (¨farras¨), mais cuidados com a saúde depois de conhecerem o diagnóstico. Foi entre os homens, independente da orientação sexual, que surgiu a preocupação com os efeitos estéticos dos medicamentos sobre o corpo (lipodistrofia). As limitações na pesquisa não permitiram que estas observações fossem confirmadas ao analisar os dados, pois o número de entrevistas não possibilitou comparações. Outra limitação do estudo foi que as entrevistas se limitaram a pessoas que têm o diagnóstico feito há alguns anos. Seria interessante saber se aqueles que souberam do diagnóstico mais recentemente mantêm estas representações. Também não foram entrevistadas pessoas mais jovens, que talvez lidem com a morte de forma diferente dos adultos. A aids, após 30 anos, continua na mídia com frequência, com divulgação para o público de avanços científicos sobre o assunto. A cura da aids tem aparecido na capa de revistas de grande circulação, causando a impressão que ela já existe ou está próxima de ser 107 alcançada. As notícias, em geral, causam expectativas positivas nas PVHA, apesar de acabarem não se confirmando. Um estudo destas publicações seria interessante para o entendimento do processo de formação das representações sociais produzidas por elas atualmente. 108 7 CONCLUSÕES Este estudo buscou conhecer as representações da morte pela aids em pessoas que vivem com o HIV/Aids, com o fim de entender melhor suas práticas no processo de adoecimento e na prevenção. Verificou-se que a morte encontra-se oculta, sendo representada como morte de pobres e excluídos, ou morte de outros, do indeterminado. A vida com aids aparece como uma vida limitada por regras, pelo tratamento, por preconceitos. A morte continua aparecendo como uma ameaça iminente na hora do diagnóstico, ficando oculta depois. A doença se esconde, tenta-se levar uma vida normal. A prevenção é dificultada pelo desconhecimento atual do perigo da aids, principalmente entre os jovens, o que dificulta relações afetivas/sexuais para as PVHA. E os medicamentos são entendidos como regulador da vida e da morte, podendo ser suspensos a qualquer momento, quando a vida não vale a pena. Conhecer estas representações pode ajudar no enfrentamento da epidemia hoje, quando a prevenção aparece apenas em campanhas pontuais, e a doença não está mais visível para o público a não ser em notícias (alvissareiras) da mídia. Evidenciar a doença com suas dificuldades e possibilidades de tratamento, recolocar a prevenção em pauta, desconstruir medos. Desafios que não podem ser enfrentados sem desvelar a morte e superar limites impostos por preconceitos. 109 Referências ARIES, Philippe. Sobre a História da Morte no Ocidente desde a Idade Média. Éditions Du Seulil, 1975. Título original: Essais sur l´histoire de la mort en Occident du Moyen Age à nos jours.Trad. Pedro Jordão. Editorial Teorema Lda. Lisboa, 1988. ARRUDA, A. Novos Significados da Saúde e as Representações Sociais. Cadernos Saúde Coletiva, v.10, n. 2, p. 215-227, 2002a. ARRUDA, A. Teoria das Representações Sociais. Cadernos de Pesquisa, n. 117, p.127147, novembro/2002b. BARBARÁ, A., SACHETTI, V.A.R., CREPALDI, M.A., Contribuições das representações sociais ao estudo da aids. Interação em Psicologia. Curitiba, jul./dez., v. 9, n. 2, p. 331-339, 2005. BOUSSO, R.S.; OILES, K.; SERAFIM, T.S.; MIRANDA, M.G. Crenças Religiosas, doença e morte: perspectiva da família na experiência de doença. Rev Esc Enfermagem USP, v. 45, n.2: 397-403; 2011. CAMARGO, B.V. ALCESTE: Um programa informático de análise quantitativa de dados textuais. In: Perspectivas Teórico-metodológicas em representações sociais. MOREIRA, A.S.P.; CAMARGO, B.V.; JESUINO, J.C.; NÓBREGA, S.M. (Orgs,)Ed. Universitária – UFPB. João Pessoa, Paraíba, Brasil, p.511-539, 2005. CARDOSO, G.P., ARRUDA, A. As representações sociais da soropositividade e sua relação com a observância terapêutica; Ciências e Saúde Coletiva, v.10, n.1:151162, 2004. CASTRO, P. Notas para uma leitura das representações sociais em S. Moscovici. Análise Social. v. 37, n.164, p. 949-979, 2002. DE ALBA, M. El método ALCESTE y su aplicación al estúdio de las representaciones sociales de espacio urbano: el caso de La ciudade de México. Textes sur les représentations sociales. Papers on Social Representations. v. 13, p.1.1-1.20, Peer Reviewed Online Journal, 2004. [http://www.psr.jku.at/]. ELIAS, N. A Solidão dos Moribundos seguido de Envelhecer e morrer, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2001. 110 FARR, R.M. Representações Sociais: A Teoria e sua História. In: Textos em Representações Sociais. Pedrinho A. Guareschi, Sandra Jovchelovitch (orgs.); - 6. ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. p. 31-59 FOUCAULT, M. (1926-1984) História da Sexualidade I: A vontade de saber; Edições Graal, Rio de Janeiro, 1988. Reimpresso em 2006. FOUCAULT, M. (1926-1984) História da sexualidade 1I: O uso dos prazeres, Edições Graal, Rio de Janeiro, 1984. Reimpresso em 2012. GOMES, A.M.T., SILVA, E.M.P., OLIVEIRA, D.C., Representações sociais da aids para pessoas que vivem com HIV e suas interfaces cotidianas. Rev. Latino Americana de Enfermagem, v.19, n. 3, [08 telas] de mai-jun, 2011. GOMES, M.H.A., SILVEIRA, C. Sobre o uso de métodos qualitativos em saúde Coletiva, ou a falta que faz uma teoria. Revista Saúde Pública, v.46, n.1, p.160-165, 2012. GOUVEA, G. Os estigmas da promiscuidade e da morte: impactos subjetivos diante do diagnóstico da aids. 6º Cadernos de Prevenção. Gerência DST/AIDS, Rio de Janeiro, 2009. p.10-11. HERLICH, C. Saúde e Doença no início do século XXI: entre a experiência privada e a esfera pública. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 14, n.2, p. 383-394, 2004. HERLICH, C. A Problemática da Representação Social e sua utilidade no campo da doença. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 15, (Suplemento), p. 57-70, 15, 2005. HOFFMANN, L. A morte na infância e sua representação para o médico – Reflexões sobre a prática pediátrica em diferentes contextos. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.9 n, 3, 364-374, jul/set, 1993. JODELET, D. Representações Sociais: um domínio em expansão. In: JODELET, D, org. As representações sociais. Rio de Janeiro: Eduerj, p. 17-44. 2001. LANDSBERG, Paul-Ludwig, (1901-1944). Ensaio sobre a experiência da morte. Ensaio sobre a experiência da morte e outros ensaios; org. César Benjamim; apresentação Maria Clara Lucchetti Bingemer; tradução Estela dos Santos Abreu, Eliana Aguiar, César Benjamim; tradução das passagens em latim Antonio Mattoso. – Rio de Janeiro. Contraponto Ed. PUC-Rio, 2009. 111 LE GOFF, J.; TRUONG, N. Uma história do corpo na Idade Média. 2.Ed. Trad. Marcos Flamínio Peres, Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 2010. LIMA, L.C. A Articulação “Themata-Fundos Tópicos”: por uma Análise Pragmática da Linguagem. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 24 n.2, p. 243-246, Brasília, 2008. LIMA, L.C. Les représentations sociales de La Réduction Du temps de travail: um système complexe. Étude des indicateurs langagiers, des processus de formation des représentations sociales dans trois registres de production de connaissances. Tese de Doutorado. LPS-EHESS-Paris, 2005 LOPES, F.H. Suicídio & saber médico: estratégias históricas de domínio, controle e intervenção no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro. Apicuri, 2008. MANN, J., TARANTOLA, D. J. M.; NETTER, T. W. (Orgs). A Aids no Mundo. Rio de Janeiro: Relume Dumará/ABIA/IMS-UERJ, 1993. MARKOVÁ, I. Idéias e seu desenvolvimento – um diálogo entre Serge Moscovici e Ivana Marková. In: Representações sociais: investigação em psicologia social. Editado em inglês por Gerard Duveen; traduzido do inglês por Pedrinho A. Guareschi. 5. Ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, p. 305-387, 2007. MARKOVÁ, I. Dialogicidade e representações sociais: as dinâmicas da mente. Tradução de Hélio Magri Filho. Petrópolis, RJ; Vozes, 2006. MEIRELES, I., SANTOS, D.F. Infecção do HIV/Aids em Mulheres: o Vírus da Solidão. Superando Desafios: Cadernos de Serviço Social do HUPE-UERJ. Rio de Janeiro, Visão Social Produções, p.81-90, 2007. MEIRELES, I. A aids entre os adeptos do candomblé no Rio de Janeiro: representações sociais e práticas em saúde. Dissertação de mestrado em Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, UFRJ/IESC, 2010. MENEZES, R.A. Em busca da boa morte: antropologia dos cuidados paliativos. Fundação Oswaldo Cruz/Ed. Garamond, Rio de Janeiro, 2004. MENEZES, R.A., A Medicalização da Esperança: Reflexões em torno da vida, saúde/doença e morte. Amazôn, Ver.Antropol. (online) v.5, n. 2, p. 478-498, 2013. MESQUITA, R.R. Viver e Morrer em Tempo de AIDS: vida, morte e sexualidade em candomblés do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Sociologia e Antropologia) 2002. 112 MIGUEL, J.M. “El último deseo”: Para uma sociologia de la muerte en España. Universidad de Barcelona, y University of California San Diego. Reis 71-72, p. 109156, 1995. MINAYO, M. C. S. “Contribuições da antropologia para pensar e fazer saúde”. In: Campos, G.W.S. et al. (orgs.) Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, p. 189-218, 2006. MINISTÉRIO DA SAÚDE - Boletim Epidemiológico Aids e DST – 2013), Ano II - nº 01 - até semana epidemiológica 26ª - 01/12/2013 dezembro de 2013. MINISTÉRIO DA SAÚDE - Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais-MS http://www.aids.gov.br/pagina/historia-da-aids, acessado em 12 de abril de 2014. MOSCOVICI, S. Das representações coletivas às representações sociais: elementos para uma história. JODELET, D, org. As representações sociais. Rio de Janeiro: Eduerj, 2001. p. 17-44 MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigação em psicologia social. Editado em inglês por Gerard Duveen; traduzido do inglês por Pedrinho A. Guareschi. 5. Ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. MOSCOVICI, S., VIGNAUX, G. O Conceito de Themata. In: Representações sociais: investigação em psicologia social. Editado em inglês por Gerard Duveen; traduzido do inglês por Pedrinho A. Guareschi. 5. Ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, p. 215-250, 2007. NASCIMENTO-SCHULZE C.M., CAMARGO, B.V. Psicologia social, representações sociais e métodos. Temas em Psicologia da SBP. v. 8, n. 3, p. 287-299. 2000. PINEZI, A.K.M. O sentido da morte para protestantes e neopentecostais. Padeia, v. 19, n. 43, p. 199-209, mai-ago, 2009. RAYNAUT, C. Interdisciplinaridade e Promoção da Saúde: O Papel da Antropologia. Algumas Idéias Simples a Partir de Experiências Africanas e Brasileiras. Revista Brasileira de Epidemiologia. v.5, supl.1, p. 32-47, 2002. REINERT, M. Quel objet pour une analyse statistique du discours? Quelques réflexions à propos de la réponse Alceste. Sommaire des JADT , 1998. Acessado em 11/09/2012. 113 REINERT, M. La tresse du sens et la méthode ¨Alceste¨: aplicacation aux ¨Rêveries du promeneur solitaire¨. JADT 2000: 5 Journées Internationales d’Analyse Statistique des Données Textuelles. 2000. Acessado em 11/09/2012. RICOEUR, P. Vivo até a Morte: seguido de fragmentos. São Paulo, Editora WMF Martins Fontes, 2012. RODRIGUES, C. e FRANCO, M.C.V., “O corpo morto e o corpo do morto entre a Colônia e o Império”. In: História do corpo no Brasil. Mary Del Priori, Márcia Amantino (orgs.). São Paulo, Ed. Unesp, p. 157-183, 2011. RODRIGUES, José Carlos. “Os Corpos e a Antropologia”. In: Minayo, M.C.S.; Coimbra Jr., C.E.A. (orgs) Críticas e atuantes: ciências sociais e humanas em saúde na América Latina. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2005, p. 157-182. ROTH, P. O animal agonizante. Tradução de Paulo Henriques Britto. São Paulo, Companhia das Letras, 2006. SÁ, C.P. A construção do objeto de pesquisa em representações sociais. Rio de Janeiro. EdUERJ, 1998. SANTOS, JE – Os Nagô e a morte: Pàde, Àsèsè e o culto Égun na Bahia; traduzido pela Universidade Federal da Bahia. Petrópolis, Vozes, 1986. SCHELER, M. Diferença Essencial Entre o Homem e o Animal. In: A Situação do Homem no Cosmo, Lusofia press, Covilhã, 2008. SCHLIEMANN, A.L. Morte e morrer. In: Diálogos Interuniversitários. Vida e Morte. Educação e Saúde. Org. Universidade de Sorocaba. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Centro de Ciências Médicas e Biológicas – CCMB. Sorocaba. Arte & Ciência, 2002. SCHNITZLER, A. (1862-1931) Senhorita Else; tradução de Marijane Lisboa. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. SÊNECA, Sobre a brevidade da vida/Lúcio Anneo Sêneca; tradução Lúcia Sá Rabello, Ellen Itanajara Neves Vranas¸ Gabriel Nocchi Macedo.- Porto Alegre: L&PM, 2011. SONTAG, S. AIDS e suas metáforas. São Paulo, Companhia das Letras, 1989. 114 UNAIDS - Estratégia do UNAIDS/ONUSIDA 2011-2015 - chegando a zero, Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/VIH / /Aids/SIDA (UNAIDS/ONUSIDA), dez 2010. UNAIDS, http://www.unaids.org.br/, acessado em 13 de abril de 2014. VICTORA, C.G., Uma Ciência Replicante: a ausência de uma discussão sobre o método, a ética e o discurso. Saúde e Sociedade. São Paulo. V.20, n.1, p.104-112, 2011. 115 ANEXO 1 - ROTEIRO PARA ENTREVISTA I – Identificação Nº: LOCAL: DATA: II – Contexto 1 - Fale um pouco sobre você, sua vida, trabalho, relações, atividades sociais. III – A idéia sobre a aids 1 - O que vc acha sobre a epidemia da aids? 2- Como vc acha que é viver com aids? - Conte-me sua história. 4 - Como você acha que se adquire aids? 5 - Como você se previne (a você e a seu/sua(s) parceiro(a)s)? 6 - Que tipo de pessoa você acha que tem aids? IV – A morte por aids 1 – A aids tem cura? 2 – Como você acha que é morrer de aids? 3– Você conhece alguém que morreu de aids? Conte-me esta história. VI – Complementos da identificação SEXO: IDADE: RAÇA/COR: ESCOLARIDADE: Você tem religião? ( ) SIM QUAL? ( ) NÃO Você se relaciona sexualmente: mulheres ( ) só com homens ( ) só com mulheres ( ) com homens e