MEMÓRIA A arte de fazer nós O trabalho dos cientistas pode ser comparado à escalada de uma montanha com uma corda escorregadia. De vez em quando alguém descobre algo que permite que outros se apóiem na informação e sigam em frente. Eric Kandel, 78 anos, é um dos responsáveis por tudo que sabemos sobre a memória. Revista Scientific American - por David Dobbs A lesma-do-mar Aplysia californica parece uma berinjela. Roxa como um hematoma, mede cerca de 30 cm de comprimento, pesa em média 2,7 kg e se alimenta de algas marinhas. Experimente perturbá-la para ver o "belo fluido vermelho-arroxeado que tinge a água num raio de 30 cm", como constatou Charles Darwin há muito tempo. Embora exótico, não é um bicho exatamente encantador, mas quando o neurocientista Eric R. Kandel o viu pela primeira vez, há mais de 50 anos, entendeu que havia ali algo de precioso para as neurociências. Com a Aplysia Kandel fez uma descoberta que revolucionou nossa compreensão sobre a memória: a base do aprendizado está na criação e no fortalecimento de conexões entre os neurônios. Além disso, esse judeu de origem austríaca naturalizado americano elucidou mecanismos ainda mais complexos subjacentes a esse processo vital, entre eles o remodelamento sináptico associado à expressão gênica ou, de forma mais direta, como os genes reagem à experiência. Por essas façanhas, Kandel dividiu o Prêmio Nobel de Medicina de 2000 com Arvid Carlsson, da Universidade de Goetebarg, Suécia, e Paul Greengard, da Universidade Rockefeller. Elas propiciaram uma nova visão do cérebro como um órgão dotado de grande plasticidade e definido pelas conexões estabelecidas entre os neurônios. Para usar as palavras do neurocientista Joseph E. LeDoux, da Universidade de Nova York, Kandel foi o primeiro cientista a deixar claro que "somos o produto de nossas sinapses". Antes de enveredar pelas neurociências, Kandel era um psiquiatra em busca de explicações do comportamento humano que podiam ser investigadas pelo método experimental, algo que a psiquiatria da década de 50, na visão dele, deixava muito a desejar. Chegou aos Estados Unidos ainda criança, junto com a família, que como tantas outras famílias judias partiram da Europa acossadas pelo nazismo. As lembranças dessa época definiram sua vocação científica. Decidiu, ainda muito jovem, que decifrar a formação das memórias significava entender a própria essência e identidade. "Somos quem somos por causa daquilo que aprendemos e do que lembramos", diz. Ele não só provou que isso é verdadeiro, como também demonstrou como acontece. Alguns de seus interlocutores argumentavam que a redução da memória ao mecanismo bioquímica diluía a magia do processo mnêmico . Mas Kandel, que aprecia tanto o fisiologista Ivan Pavlov como o escritor Marcel Proust e se considera um humanista, ainda insiste que mesmo pensamentos e emoções emergem, sim, de uma maquinaria essencialmente biológica, o que quer dizer que ele é um reducionista frio e insensível. Nascido em Viena em 1929, cresceu amando literatura, música, história e ciência. Seu interesse pela psiquiatria tem origem na admiração pelos textos de Sigmund Freud e pela memória nas próprias histórias de infância, particularmente da noite em que sua casa foi invadida pelas tropas de Hitler. A família, que vivia na capital austríaca, precisou emigraràs pressas para Nova York. Kandel concluiu a educação básica numa escola pública e depois foi admitido na Universidade de Harvard, onde começou ler sobre psicanálise, o que o levou a ingressar na Faculdade de Medicina da Universidade de Nova York em 1952. Lá, numa aula de anatomia a tarefa aparentemente prosaica de construir um cérebro de argila acendeu sua curiosidade pelos mecanismos da mente. "Nada do que já fiz foi tão motivador quanto a construção daquele modelo", conta. Daí em diante começou a se dedicar às neurociências, inicialmente no laboratório de Harry Grundfest (um dos pioneiros da eletrofisiologia) enquanto ainda era estudante de medicina, e depois de formado no Instituto Nacional de Saúde Mental, em Bethesda. Começou investigando a memória no cérebro de mamíferos, mas logo descobriu um modelo bem mais simples e extremamente útil, a Aplysia. Quando optou definitivamente por concentrar suas pesquisas nesse molusco marinho, no início dos anos 60, muitos colegas duvidaram de que um animal tão simples pudesse elucidar um processo tão labiríntico como a memória humana. Kandel já tinha tentado trabalhar com o hipocampo de macacos, mas achou que tanta complexidade atrapalhava. Intuiu que um organismo mais básico poderia revelar as formas elementares de aprendizado, comum a todos os animais. E a Aplysia é, sem dúvida, um animal muito elementar. Esse pequenino monstro esponjoso tem apenas 20 mil neurônios, a maioria grande o bastante para ser vista a olho nu e fácil de ser manipulada e monitorada com eletrodos e sensores. "O reducionismo não é uma filosofia, mas um método", afirma Kandel. Os 45 anos de trabalho de Kandel com a Aplysia contribuíram para uma espécie de narrativa épica das neurociências, em cujo centro está um conjunto de experimentos simples de condicionamento e sensibilização. Conceitos-chave - Nascido em Viena em 1929, Eric R. Kandel formou-se médico, especializou-se em psiquiatria, mas abandonou a clínica para se dedicar às neurociências. - Prêmio Nobel de Medicina em 2000, revelou aspectos fundamentais do processo de formação de memórias trabalhando com um organismo muito simples, a Aplysia californica. - O pesquisador acredita que a integração da psiquiatria com a biologia molecular trará uma compreensão mais completa da mente humana e estratégias terapêuticas mais eficazes. Reflexo condicionado O primeiro passo foi identificar um reflexo básico da lesma-do-mar: ao ser tocada no dorso, perto da brânquia, seu corpo todo se contrai. Kandel então acrescentou, pouco antes do toque , um leve choque elétrico na cauda do animal. Depois de algumas repetições, a lesma se retraía apenas com o primeiro estímulo. Até aí nada de novo, apenas uma reedição dos experimentos de Pavlov de reflexo condicionado. Mas, diferentemente do pesquisador russo, Kandel não queria apenas observar o comportamento do animal, pretendia entendê-lo do ponto de vista neural. Durante vários anos, trabalhando com diversos colegas, Kandel identificou e monitorou circuitos sinápticos, a dinâmica e os mecanismos de sinalização neuronal e, finalmente, a expressão gênica deflagrada por essas ações. Uma de suas primeiras grandes descobertas foi constatar que, embora a velocidade de aprendizado variasse entre os indivíduos, todos eles utilizavam o mesmo circuito formado por 30 neurônios. Esse achado deu origem à idéia central sobre a natureza sináptica da memória. A descoberta foi apenas a primeira das muitas que Kandel fez com a Aplysia. Ele também observou que, embora a memória de curto prazo seja criada por meio do fortalecimennto de sinapses, a memória de longo prazo exige a criação de novas conexões. Depois identificou e expandiu o conhecimento sobre os papéis de vários neurotransmissores na sinalização neural. Da década de 90 para cá, Kandel identificou elementos ainda menores nas chamadas cascatas de expressão gênica - genes que codificam mensageiros ativadores de outros genes, os quais codificam proteínas que ativam ou controlam outros genes envolvidos na formação de sinapses. Todo esse trabalho demonstrou, escreveu Kandel num ensaio recente sobre reducionismo em arte e ciência, que "os genes não são simplesmente determinantes do comportamento, são também servos do ambiente". Essas concepções gerais sobre as interações gene-ambiente e a natureza sináptica da memória ainda são o cerne das pesquisas de Kandel. Elas também dão apoio a uma campanha audaciosa com a qual o pesquisador quer ajudar a renovar a psiquiatria, sua especialidade de origem. Chegou a hora, anunciou ele em diversas conversas e artigos de publicações prestigiadas, de pegar a "arte interpretativa e curativa" da psiquiatria e transformá-la numa "disciplina moderna fundamentada na biologia molecular". A estrutura envelhecida dessa especialidade, argumenta, precisa ser reformulada para incorporar o que aprendemos sobre as bases biológicas da memória e da emoção. Para Kandel, que ainda tem enorme admiração por Freud, essa campanha tem, entretanto, algo de ironia histórica. A descoberta e a demonstração de que a memória é um processo sináptico confirmou a idéia apresentada pela primeira vez pelo neurocientista espanhol Santiago Ramón y Cajal, que defendia uma visão da mente bem diferente da do pai da psicanálise. Em 1894, Ramón y Cajal sugeriu que a memória era armazenada não nos neurônios, mas nas novas conexões formadas entre eles, o que lhe valeu o Prêmio Nobel de Medicina de 1906. Mas o pesquisador espanhol não pôde ir adiante com sua hipótese por não ter as ferramentas necessárias. Nesse vácuo de evidências surgiu Freud, que ofereceu uma interpretação da memória que perduraria na teoria psicológica pela maior parte do século XX. Enquanto isso, o modelo sináptico de aprendizado de Ramón y Cajal permaneceu dormente, até que Kandel o demonstrou na década de 60. A integração da psiquiatria com as neurociências é uma grande empreitada, e os psiquiatras que estão de acordo com Kandel admitem que os resultados ainda são tímidos. "Estamos tentando, mas não acho que qualquer um de nós tenha chegado aonde gostaria", reconhece o psiquiatra Stuart Yudofsky, discípulo de Kandel e atual diretor da clínica psiquiátrica da Faculdade de Medicina Baylor, em Houston. Ainda assim, uma nova psiquiatria kandeliana, como vem sendo chamada, parece estar tomando forma e deve ganhar fôlego nos próximos anos. Memórias da infância A lembrança mais marcante de Eric Kandel é de 9 de novembro de 1938 e está relatada no livro In search of memory, de 2007, que deve ser publicado no Brasil em 2008 pela Companhia das Letras. Dois dias depois de seu aniversário, o pequeno Eric estava brincando com seu presente, um carrinho azul que ganhara do pai, dono de uma loja de brinquedos em Viena. De repente, pancadas ameaçadoras interromperam a tranqüilidade familiar. Era a polícia nazista que chegava para expulsar aquela família judia, ordenando à mãe que fizesse rapidamente as malas e deixasse imediatamente o apartamento. O pai estava preso, mas seria libertado mais tarde por haver lutado a favor dos austríacos na Primeira Guerra Mundial. Tudo o que tinham foi tomado pelas tropas de Hitler e em pouco tempo a família emigrou para os Estados Unidos. "Não posso deixar de ligar a força dessas lembranças com o interesse que tive mais tarde pela mente humana, pela forma como as pessoas se comportam, pela imprevisibilidade da motivação e pela persistência da memória", escreveu o neurocientista. Direto nos genes O potencial mais direto está no desenvolvimento de medicamentos. As drogas psiquiátricas de hoje, embora representem um avanço em relação às do passado, ainda são rudimentares. Os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS), como o Prozac, por exemplo, alteram a disponibilidade desse neurotransmissor em todo o cérebro e não apenas, como seria o ideal, nas regiões relacionadas à regulação do humor, motivo pelo qual exercem efeitos adversos em algumas pessoas, entre eles sonolência, fadiga e tonturas. Além disso, essas drogas não fazem efeito em certos indivíduos, e não é raro o paciente experimentar vários ISRS até encontrar um que realmente funcione como desejado. Os medicamentos de que precisamos devem ter a mira apontada precisamente para as cadeias de expressão gênica que estão na origem do desconforto mental. Pesquisadores vêm identificando variantes genéticas associadas a esquizofrenia, transtorno bipolar, ansiedade e depressão. Com mais alguns anos de pesquisa e um pouco de sorte, talvez seja possível desenvolver moléculas que possam interferir nas interações gene-ambiente, manipulando, por exemplo, a expressão do gene que codifica a serotonina e torna as pessoas vulneráveis à depressão. Essas drogas seriam mais eficazes e causariam menos efeitos colaterais que as disponíveis atualmente. A psicoterapia também deve mudar; aliás, já está mudando. Estudos recentes mostraram, por exemplo, que o tratamento psicoterápico é capaz de alterar a bioquímica cerebral com a mesma eficácia dos medicamentos, mas por caminhos diferentes. Um estudo de 2004 mostrou que pacientes deprimidos em psicoterapia mostraram alterações metabólicas principalmente no córtex, enquanto nos que foram medicados com ISRS as mudanças ocorreram preferencialmente em áreas subcorticais. Esse achado está em perfeita harmonia com as concepções kandelianas da natureza bidirecional da interação geneambiente: a psicoterapia funcionaria de cima para baixo na alça ambiente-expressão gênica, enquanto as drogas funcionam de baixo para cima. A teoria da mente que Kandel ajudou a criar já fez com que nos vejamos de maneira diferente. Isso fica claro quando piadas sobre os equívocos de Freud começam a dar lugar a ironias sobre a supremacia neuroquímica. Nem tudo se explica por conflitos psíquicos, nem por neurotransmissores alterados. A visão mais promissora da natureza humana não é aquela de uma máquina genética pré-programada, mas a de uma rede maleável e sensível a uma enorme gama de estímulos que podemos, pelo menos em tese, alterar e curar. Enquanto isso, as lesmas de Kanndel continuam revelando segredos. Nos últimos cinco anos, uma equipe do laboratório dele descobriu uma proteína chamada CPEB, que tem papel crucial na retenção de memória de longo prazo da Aplysia e assume uma forma muito parecida com a de um príon - esta misteriosa estrutura protéica causadora de doenças neurodegenerativas como o mal da vaca louca. Foi a primeira vez que alguém mostrou que uma molécula priônica desempenha função fisiológica. Agora Kandel está investigando como essa proteína ajuda na formação de memória e como poderia ser manipulada para fins terapêuticos. Ele pesquisa também o papel que genes conhecidos como Grp e etatmina desempenham na memória e no medo de camundongos. Com estes animais Kandel está finalmente voltando ao estudo do hipocampo mamífero, que ele havia interrompido 45 anos atrás. Obviamente, só é possível expandir esses horizontes porque ele e outros definiram muitos dos fundamentos moleculares e celulares que dão sustentação às funções cerebrais mais amplas. "Eric mudou várias vezes esse panorama. Tudo começou quando ele teve a coragem de demonstrar medo na Aplysia e dizer "isso não é apenas uma lesminha com medo. É humanidade. É ansiedade. Essa lesma está ansiosa", conta o psiquiatra Jack Barchas, chefe de psiquiatria da Faculdade Weill Cornell de Medicina e um dos pioneiros no estudos dos hormônios relacionados ao stress. Mas a verdadeira genialidaade de Eric foi ter coragem de mudar e continuar fazendo novas perguntas. Na ciência, estamos sempre escalando uma corda escorregadia. De vez em quando alguém dá um nó que permite que todo mundo se apóie e continue em frente. Eric foi o responsável por muitos desses nós. Para conhecer mais Psychiatry, psychoanalysis, and the new biology of mind. Eric Kandel. American Psychiatric Publishing, 2005. In search of memory - The emergence of a new science of mind. Eric Kandel. W. W. Norton, 2006. A arte de esquecer - Cérebro, memória e esquecimento. Ivan Izquierdo. Vieira&Lent, 2004. Priming Neurology [edit] Perceptual Priming The extrastriate cortex (shown in orange and red) is believed to be involved in perceptual priming Priming while improving performance decreases neural processing in the cerebral cortex of sensory stimuli with stimulus repetition. This has been found in single-cell recordings[22] and in electroencephalography (EEG) upon gamma waves,[23] with PET [24] and functional MRI.[25]This reduction is due to representational sharpening in the early sensory areas which reduces the number of neurons representing the stimulus. This leads to a more selective activation of neurons representing objects in higher cognitive areas.[26] [edit] Conceptual Priming Conceptual priming has been linked to reduced blood flow in the left prefrontal cortex [27] . The left prefrontal cortex is believed to be involved in the semantic processing of words, among other tasks [28]. The view that perceptual priming is controlled by the extrastriate cortex while conceptual priming is controlled by the left prefrontal cortex is undoubtedly an oversimplified view of the process, and current work is focused on elucidating the brain regions involved in priming in more detail.[29] [edit] Priming In Daily Life Priming is thought to play a large part in the systems of stereotyping[30]. This is because attention to a response increases the frequency of that response, even if the attended response is undesired[30][31]. The attention given to these response or behaviours primes them for later activation[30]. This can occur even if the subject is not conscious of the priming stimulus[30]. An example of this was done by Bargh et al. in 1996. Subjects were implicitly primed with words related to the stereotype of elderly people (example: Florida, forgetful, wrinkle). While the words did not explicitly mention speed or slowness, those who were primed with these words walked more slowly upon exiting the testing booth than those who were primed with neutral stimuli[30]. Similar effects were found with rude and polite stimuli: those primed with rude words were more likely to interrupt an investigator than those primed with neutral words, and those primed with polite words were the least likely to interrupt[30]. A Harvard study showed that something as simple as holding a hot or cold beverage before an interview could result in pleasant or negative opinion of the interviewer[32]