O pensamento e atuação econômica paulista no processo de

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Anais eletrônicos da XXIV Semana de História: "Pensando o Brasil no Centenário de Caio Prado Júnior”
O pensamento e atuação econômica paulista no processo de crescimento da indústria de São
Paulo na primeira metade do século XX.
Tomás Rafael Cruz Cáceres
Docente da UNESP/Assis
O presente trabalho aborda um aspecto da formação social do Brasil. É o relacionado com
as ações e idéias desenvolvidas pelos homens responsáveis pela definição e orientação das
medidas de política econômica do país, e por aqueles que no dia a dia a implementam dentro dos
vários setores da produção e distribuição do sistema econômico. Essa atuação ocorre sempre
dentro de um contexto histórico-social em que os diferentes grupos ou setores de classe lutam
entre si em defesa de seus interesses e tratam de influenciar o governo em suas decisões.
Esse movimento é aqui analisado tomando como cenário o Estado de São Paulo no que
respeita a seu desenvolvimento industrial. Consideramos importante estudar esse processo devido
a que os problemas e crises, suas causas e tentativas de soluções, são recorrentes ao longo do
tempo: setor externo e crise cambial; política tarifária (livre-cambista ou protecionista); política
monetária (restritiva ou expansionista). Assim sendo, pretende-se desvendar o conteúdo
doutrinário e os interesses embutidos no discurso dos participantes do processo de
desenvolvimento da indústria paulista, no período correspondente a Primeira República (18891930).
Carlos M. Pelaez1, analisando a evolução econômica desde o século XIX até meados do
seguinte do Brasil e demais países conhecidos como de colonização recente, como foram os
Estados Unidos da América do Norte, Canadá, Austrália, África do Sul e outros, observa que
todos eles começaram dedicando-se à produção de produtos primários e que com a entrada de
capital e trabalho qualificado conseguiram alcançar o progresso. E se pergunta por que o Brasil e
a Argentina não conseguiram se desenvolver juntamente com esses países, já que ambos
receberam um grande influxo de trabalho e capital europeus e se tornaram grandes exportadores
de produtos primários. Identifica o insucesso do Brasil, em matéria de desenvolvimento antes de
1945 como um insucesso na industrialização, atribuindo a dois fatores interdependentes,
relacionados com a política econômica oficial. O primeiro, o mais importante para ele, foi a
política econômica de proteção ao setor cafeeiro em relação às demais atividades. O segundo
fator refere-se às políticas monetária, cambial e fiscal, e bases institucionais contrarias à
1
PELAEZ, Carlos M. As conseqüências econômicas da ortodoxia monetária, cambial e fiscal no Brasil entre 1889 e
1945. In: Revista Brasileira de Economia. Vol. 25, n. 3, jul/set, 1971
1
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industrialização. Considera que o sistema monetário e bancário de um país deve ser orientado
para a promoção da industrialização, assim como fizeram os paises desenvolvidos. No caso do
Brasil, esse sistema deveria ter fornecido liquidez para o estabelecimento de novas indústrias com
base em tecnologia estrangeira, já que não estava disponível internamente. Porém, isso era
praticamente impossível devido a que a orientação que prevaleceu na condução da economia na
maior parte do século XIX e nas primeiras décadas do seguinte estava dominada pela escola de
pensamento ortodoxo, que se traduzia em sua implementação em três objetivos de políticas
econômicas, perseguidos sob quaisquer condições econômicas. Estes eram o equilíbrio
orçamentário, a austeridade monetária e as altas taxas de câmbio, isto é, valorização da taxa
cambial, constituindo o remédio ou receita ordinária e recorrente para qualquer contração dos
negócios.
Em relação ao atraso relativo da economia brasileira na primeira metade do século XIX,
Furtado2 afirma que a causa principal foi o estancamento de suas exportações tradicionais
(açúcar, algodão e fumo), e que fomentar a industrialização nessa época, sem o apoio de uma
capacidade para importar em expansão, seria tentar o impossível num país totalmente carente de
base técnica, ainda que se deixasse de considerar que uma política inteligente de industrialização
seria impraticável num país dirigido por uma classe de grandes senhores agrícolas escravistas.
Entretanto, ao contrastar esse estado de estagnação e decadência com as mudanças ocorridas na
segunda metade desse século confessa que “dificilmente um observador que estudasse a
economia brasileira pela metade do século XIX chegaria a perceber a amplitude das
transformações que nela se operariam no correr do meio século que se iniciava”. Sendo
impulsionadas essas transformações pelo aparecimento do café como produto de exportação, que
rapidamente se converte na principal fonte de riqueza para o país, o que se constata com alguns
dados que Furtado nos oferece: no primeiro decênio da independência o café já contribuía com
18% do valor das exportações do Brasil, colocando-se em terceiro lugar depois do açúcar e do
algodão. E nos dois decênios seguintes já passa para o primeiro lugar, representando mais de 40%
do valor das exportações.
Na década de 1860, outro produto que teve enorme expansão da produção e de sua
participação nas exportações brasileiras foi o algodão, favorecendo-se da Guerra de Secessão
Americana que impedia o abastecimento dos mercados europeus, sobretudo o inglês. A partir da
metade dessa década as atividades industriais também receberam um significativo estímulo como
2
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Ed. Nacional, cap. XIX, pp. 106-109; cap. XX, pp.
110-116.
2
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conseqüência da Guerra com o Paraguai ao provocar um aumento da demanda global. Da mesma
forma, as exportações de borracha natural apresentam uma tendência de acelerado crescimento
desde a década de 1880 até as duas primeiras do século XX, aumentado significativamente sua
participação no valor total das exportações do Brasil.
O crescimento das exportações agrícolas, liderado pelo café, gerou com seu reflexo
dinâmico na renda interna, um processo de modernização e diversificação na economia brasileira,
favorecendo as atividades manufatureiras e industriais, ao ampliar o mercado interno para artigos
de consumo, como tecidos, e alguns insumos e bens de capital simples para a agricultura e
serviço de transporte. Realizaram-se também investimentos na infra-estrutura para esse serviço,
como em estradas de ferro e em portos, permitindo uma certa articulação das diferentes regiões,
especialmente a do Sudeste (São Paulo e Rio de Janeiro) com as demais regiões. O surgimento de
um sistema bancário também foi um fator importante nesse movimento de mudanças e progresso,
se bem que dedicado basicamente às atividades de curto prazo. O crescimento da cafeicultura,
sobretudo em São Paulo, teve um outro impacto importante, como conseqüência do aumento da
demanda de trabalhadores, que foi acelerar a passagem do trabalho escravo para o trabalho livre,
o que foi possível com a introdução de imigrantes europeus, especialmente a partir da década de
1880, favorecendo o início da formação de um mercado de trabalho. O aparecimento de grupos
com mentalidade e comportamento empresarial dentro da própria cafeicultura e fora desta é outra
conseqüência dessa expansão, como nas atividades industriais, bancárias, de comércio interno e
externo, e nos demais serviços ligados à urbanização.
Pode-se afirmar que até as últimas duas décadas do século XIX não tinha havido no Brasil
um movimento organizado pela própria indústria para lutar pelos interesses ligados a seu setor.
Não obstante, ao longo de sua história, desde a época da colônia, sempre surgiram pessoas,
ligadas ou não à indústria, que tentaram conscientizar à nação de que sem a industrialização o
país não alcançaria seu desenvolvimento econômico e social, nem sua real e efetiva autonomia
frente às demais nações.
Essa situação começou a mudar com a crise de meados da década de 1870 e a
intensificação da concorrência de produtos importados. A reação foi iniciada pelos fabricantes de
chapéus do Rio de Janeiro que sofriam uma violenta concorrência dos artigos importados da
Alemanha. No começo colocaram o problema à Associação Comercial do Rio de Janeiro sem
conseguir qualquer resultado; logo se dirigiram à Associação Auxiliadora da Indústria Nacional
solicitando apoio a suas reivindicações protecionistas. Depois de intensos debates e com apoio da
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Associação, obtido em votação (já que o parecer da seção de comércio foi contrário e o da seção
de Indústria a favor) a Associação decidiu enviar ao governo uma representação, pedindo
providências para o desenvolvimento industrial e amparar as fábricas já existentes por meio de
uma tarifa alfandegária adequada. Esse movimento encontrou um forte e decidido apoio na
pessoa do Comendador Malvino da Silva Rei3. Este e mais alguns industriais convocaram uma
reunião, dirigida a todos aqueles que se interessassem pelo desenvolvimento do trabalho
nacional. O resultado foi a criação da Associação Industrial em 1881, tendo sido eleito como
presidente Antônio Felício dos Santos, que logo teve que renunciar por ter sido eleito deputado.
Esses acontecimentos tinham como cenário o Distrito Federal, cidade do Rio de Janeiro,
já que era aí, juntamente com o Estado do Rio de Janeiro, onde então, se desenvolvia a indústria
brasileira. Wilson Cano4 enumera uma série de condições que teriam favorecido a Guanabara
para constituir-se no centro comercial e financeiro do país e desenvolver um amplo setor
industrial - seu porto marítimo concentrou a entrada e saída dos fluxos mais importantes desde a
atividade mineradora no século XVIII e da cafeeira no século XIX, o status de cidade sede do
governo central, intermediação dos fluxos da sua tributária região cafeeira (Estado do Rio de
Janeiro, parte de Minas Gerais e São Paulo). Também assinala as limitações que padecia, como
as deficiências de funcionamento e de acumulação de uma economia agrário-escravistaexportadora e monocultora, limitação da expansão do mercado interno devido ao trabalho escravo
e os efeitos das políticas cambial e tarifária dominadas pelos interesses ligados a este tipo de
economia, que dependia das importações para quase tudo – bens de produção e bens de
subsistência, obtidos por meio dessas políticas a custos menores do que seria se fossem
produzidos no país.
A conseqüência desses fatos foi que à medida em que a situação da antiga economia
cafeeira do Vale do Paraíba e da vizinha região de Minas Gerais se agravava, a Guanabara ia
entrando num processo de decadência relativa. Limitavam-se suas fontes de acumulação e
enfraquecia-se seu mercado. Simultaneamente a tudo isso, acontecia o contrário em relação ao
Estado de São Paulo a partir do final do século XIX, com o extraordinário crescimento da
cafeicultura do oeste paulista traduzindo-se numa forte expansão industrial em São Paulo,
revigorada ainda mais a partir de 1907. Isto determinou que o abastecimento do mercado paulista
3
ASSOCIAÇÃO INDUSTRIAL. Relatório apresentado à Assembléia Geral, sessão de 10 de junho de 1882, pela
Diretoria. p. 28, In: LUZ, Nicia V. A. A luta pela industrialização do Brasil. 2 ª ed. São Paulo: Alfa-ômega, 1975, p.
56-57.
4
CANO, Wilson. Raízes da Concentração Industrial em São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1990, p. 245.
4
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passasse a ser feito por sua própria indústria, prescindindo, em boa parte, da produção industrial
do Rio de Janeiro.
A participação dos paulistas nas discussões sobre a condução da política econômica no que
respeita às atividades industriais ainda não se fazia sentir, tanto a nível do Congresso Nacional
como da imprensa local. Essa situação começa a mudar com a crise internacional de 1913 e,
sobretudo, com os efeitos produzidos pela Primeira Guerra Mundial no funcionamento da
indústria nacional, especialmente na paulista. A crise internacional de 1913 repercute
intensamente no Brasil com a queda dos preços externos dos produtos brasileiros de exportação e
o retraimento do capital estrangeiro, afetando fortemente as atividades industriais, que haviam
sustentado um ciclo de expansão da economia relativamente longo, desde 1903 até esse ano. Um
dos ramos industriais mais atingidos foi o de tecidos.
Não obstante, é a guerra, precisamente, que iria ajudar sobremaneira a indústria nacional a
sair da crise em que se encontrava, depois de um primeiro momento de aprofundamento do
aperto das condições econômicas e financeiras do país. Com a interrupção dos fluxos do
comércio internacional surge a oportunidade do mercado interno ser suprido quase que
totalmente com a produção nacional, o que permitiu o fortalecimento das fábricas já existentes e
o surgimento de novas. São Paulo, especialmente, foi beneficiado pelo novo surto industrial,
tendo-se expandido, principalmente, a indústria de tecidos, de calçados e de chapéus. Segundo
Nícia V. Luz5, a imprensa paulista, até então bastante silenciosa em relação ao movimento em
prol da industrialização, animava-se, exaltando essa indústria que já se estava tornando motivo de
orgulho nacional.
A indústria, terminada a guerra, saiu com o poder político fortalecido dada sua
importância em termos da sua participação na renda arrecadada pelo governo e o significativo
aumento da população ocupada na indústria. Entretanto, o comércio importador, apoiado na
massa de consumidores iria combater o prestígio crescente da indústria nacional. A luta se
tornaria particularmente acirrada na década de vinte nos debates em torno, principalmente, das
tarifas aduaneiras. O governo considerou depois da guerra oportuno o momento para tentar uma
revisão da pauta alfandegária, e em 1919 o Ministro da Fazenda, Homero Batista apresenta seu
projeto, enviado ao Congresso com uma solicitação para que fosse autorizado o governo a
implementá-lo logo em seguida, a título de experiência. O governo queria evitar que sua reforma
fosse muito alterada com as emendas. Mas, a indústria queria uma ampla discussão do projeto, do
5
LUZ, Nícia Vilela. A Luta pela Industrialização do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Ed. Alfa-Ômega. 1978. pp. 152-157.
5
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qual era contra. A oposição partiu principalmente dos industriais paulista que enviaram uma
representação ao Congresso, protestando contra a reforma. Enquanto a industria defendia sua
posição, levantavam-se contra ela os tradicionais ataques, qualificando-a de “artificial”. Os
ataques provinham, principalmente, da lavoura paulista.
Apesar dos ataques contra ela, conseguia a industria conservar a proteção que lhe era
dispensada. Pronunciou-se contra o projeto, Paulo de Frontin que invocou o problema social, a
perturbação no trabalho nacional que a nova tarifa provocaria; toda a bancada paulista que apoiou
o voto contrário ao projeto emitido pelo representante de São Paulo no Congresso, Rodrigues
Alves, também votou contra. Apesar dos ataques de certos representantes da lavoura paulista
contra a indústria nacional, a bancada mostrou-se coesa numa questão de vital importância como
a reforma da tarifa, fato bastante revelador da força política já exercida pela indústria paulista.
A partir desse momento a defesa da indústria se amplia e fortalece cada vez mais,
encontrando-se em sua fileira, além do grupo dos fundadores da Associação Industrial do Distrito
Federal, os nomes de Serzedelo Correa, Amaro Cavalcanti, Jorge Street, Leite e Oiticica,
Américo Werneck, Vieira Souto e outros, formando o que Edgar Carone6 chama de primeira
geração de industrialistas. A segunda surge a parir da década de 1920, destacando-se os nomes de
Roberto C. Simonsen, Edvaldo Lodi, João Daut d’Oliveira, Carnelo D’Agostini, Pupo Nogueira,
entre outros.
Para conhecer as idéias que impulsionaram o movimento inicial a favor da
industrialização do Brasil é fundamental recorrer ao manifesto que a Associação Industrial
divulgou ao se constituir, redigido por Antonio Felício dos Santos7, seu primeiro presidente, e
publicado no seu órgão de divulgação oficial, “O Industrial”, em 11 de maio de 1882. Esse
documento constitui um ataque ao liberalismo e à política do governo, combatendo as objeções
dos adversários da industrialização com uma argumentação que pretendia se basear em fatos
concretos e nas condições econômicas e sociais do Brasil. Argumentava-se que com a
industrialização o Brasil não só conseguiria a independência econômica, senão que resolveria
outros vários problemas como a entrada de capitais e mão-de-obra estrangeiras; criação de
oportunidades de ocupação para a população desocupada que poderia gerar um problema social;
o abastecimento do mercado interno com produção nacional melhoraria o resultado da balança
comercial, ao diminuir a importação.
6
7
CARONE, Edgar. O pensamento Industrial no Brasil (1880-1945). Rio de Janeiro/São Paulo: Difel, 1977, p. 6-7..
Associação Industrial. “O Industrial”. Rio de Janeiro, 21 de maio de 1881, n.1.
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O protecionismo defendido não era baseado em doutrina e sistema preestabelecido. Fundava-se,
segundo os industrialistas, na situação real do país, beneficiando apenas as industrias viáveis.
Rejeitavam as acusações de que defendiam um regime proibitivo, afirmando que as taxas
solicitadas eram moderadas, reconheciam que tarifas exageradas isolariam o país e não era isso
que perseguia a indústria nacional. O que ela defendia era um certo grau de estabilidade, pois
acreditava-se que a instabilidade alfandegária afugentava os estrangeiros que poderiam investir
no país.
Um dos aspectos mais enfatizados na defesa da proteção à produção nacional era o
desequilíbrio no comércio exterior do Brasil, do balanço de pagamentos. Idéia que se converte na
força mais poderosa na evolução do nacionalismo econômico brasileiro. Antonio Felício dos
Santos desenvolve este assunto em discursos no Parlamento e através do jornal da Associação,
com amplitude e coerência frente à realidade dos fatos da economia brasileira. Denuncia o
desequilíbrio real da balança de pagamentos, mascarado pelos saldos fictícios da balança
comercial, afirmando que enquanto a estimativa do volume de exportação era quase exata, a da
importação não correspondia à realidade, já que se baseava em valores oficias fixados pelo
governo para fins fiscais, valores que em geral estavam abaixo do valor real das mercadorias
importadas. Indicava também a existência dos itens invisíveis constituídos pelo envio constante
de dinheiro para a Europa, em pagamento de juros dos empréstimos levantados pelo governo
brasileiro e “pelas remessas dos particulares, a emigração constante dos capitais que não confiam
na nossa estabilidade, as retiradas dos brasileiros que passeiam pelo velho mundo ou lá vivem,
porque, senhores, o terrível cancro do absentismo já se faz sentir gravemente no Brasil: essa
corrente esterilizadora parece mesmo avultar diariamente”8.
Esse desequilíbrio do balanço de pagamentos e uma precária situação econômica eram
tanto mais imperdoáveis quanto o Brasil dispunha de recursos tais que poderia bastar-se a si
mesmo. “um país que se projeta em enorme extensão do nosso planeta, contendo os mais
variados climas e solos, todas as grandezas e opulências naturais, podendo produzir tudo,
assimilar todos as raças e dar emprego vantajoso a todas as aptidões, não pode continuar a ser
uma feitoria colonial”9.
Em relação às medidas a serem tomadas para solucionar os vários problemas que
enfrentava a economia brasileira – déficits orçamentários, desequilíbrio nas contas externas,
8
Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Srs. Deputados. Segundo Ano da Décima Oitava Legislatura. Sessão
de 1882, Rio de Janeiro, IV. P. 135-136.
9
O Industrial. Rio de Janeiro, 21 de maio de 1881, nº1.
7
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alcançar a independência econômica – consideravam, os industrialistas, que não seria por meio de
empréstimos anuais para saldar as diferenças da importação sobre a exportação, nem com
emissões de papel-moeda e de apólices; nem com outras protelações e artifícios que seriam
equilibradas as contas públicas. O único meio era o fomento da produção e particularmente da
industria. Adotar medidas que diminuam a importação enquanto não se eleva a exportação. Isso
importa a proteção à industria nacional, que há de suprir grande parte da importação10.
As idéias econômicas nacionalistas de Amaro Cavalcanti estavam relacionadas com o
comércio e sua defesa das fontes produtoras da riqueza do país, que considerava constituídas
essencialmente pelas atividades industriais. Na sua atitude contra o comércio, contra o
intermediário considerado um parasita, o foco principal era o comércio importador, sobre o qual
declarava: esses indivíduos que são agentes consignatórios ou representantes de fábricas ou
manufaturas estrangeiras, os quais não importando, sequer, por contra própria, só tem a lucrar,
como simples intermediário, dispondo de nossos mercados, como de outros tantos canais para os
produtos que recebem. O mesmo se pode dizer das casas filiais que aqui negociam em gêneros e
mercadorias que lhes são remetidos pelas suas matrizes no estrangeiro11.
A solução para tal situação estava no desenvolvimento da economia nacional, das fontes
geradoras de riqueza, sendo a indústria fabril a mais importante. Considerava a agricultura uma
fonte precária e irregular ao depender das condições climáticas e do fator humano, devido ao
pouco uso de maquinaria. Para desenvolver a indústria, porém, era necessário que o Estado lhe
desse proteção, já que sendo o Brasil um país novo, a atividade industrial ainda era muito
embrionária. Fundamentava a atuação protecionista do Estado nos seguintes termos: a) Dotar o
país de indústrias necessárias ou lucrativas, que de outra sorte seriam sufocadas logo ao nascer;
b) Assegurar, por esse meio, trabalho e bem estar à população operária do país; c) Tornar-se
independente do estrangeiro, dispensando-se de comprar-lhe produtos, a respeito dos quais, é de
supor, aquele acabaria por adquirir o monopólio, depois de haver arruinado a industria nacional12.
Para alcançar tais objetivos, defendia, ao igual que Felício dos Santos, um protecionista baseado
nas circunstâncias e levando em conta o estagio industrial dos diferentes países, e rejeitava todo
sistema preconcebido. Incluía nessa proteção, além das tarifas alfandegárias, medidas de auxílio
direto, como empréstimos feitos pelo Estado e até emissões de papel-moeda.
10
Ibidem.
Congresso Nacional. Anais do Senado Federal. Segunda Sessão da Primeira Legislatura. Sessões de 16 de julho a
15 de agosto de 1892. Rio de Janeiro, 1892, vol. III, p.42.
12
CAVALCANTI, Amaro. Elementos de Finanças. Rio de Janeiro, 1896. p. 220.
11
8
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Nas primeiras décadas da República, além de intensificar-se o nacionalismo econômico brasileiro
na defesa da produção nacional, incluindo tanto a industria como a agricultura, com medidas de
proteção alfandegária e de política econômica interna, ela também se fortalecem as forças
contrárias à industrialização ou à maneira como esta se estava levando a cabo. Essas forças iriam
questionar o industrialismo defendido até então, utilizando como argumento fundamental o
conceito de industria natural, em oposição à indústria artificial. Serzedelo Correa, deixou bem
claro que não admitia essa distinção, pois para ele o elemento fundamental da industria era a
transformação realizada pelo trabalho: “A indústria é sempre o resultado do trabalho humano é
pelo trabalho que o homem consegue dar a todos os objetos a utilidade, isto é – a qualidade
abstrata que os torna aptos à satisfação de nossas necessidades, e que os transforma em riqueza.
Industria natural é, pois, um contra-senso”.
Entre as lideranças que questionavam o processo de industrialização vigente até o final da
década de 18890, destaca-se Joaquim Murtinho, Ministro da Fazenda do Governo Campos Sales
(1898-1902), por sua veemência e persistência na crítica contra a indústria artificial e a
intervenção direta do Estado na economia e, sobretudo, por implementar com extremo rigor e
determinação uma política econômica profundamente recessiva nesse período.
Uma das coisas que mais incomodava a Murtinho eram os altas custos de produção que
resultavam da indústria artificial e, como conseqüência dos preços que tinham que pagar os
consumidores em relação aos mesmos bens importados: “O custo de produção nessas indústrias,
sendo muito alto em relação ao dos que nos vêm do exterior, eleva, por meio de taxas
ultraprotecionistas nas tarifas da alfândega, o preço dos produtos estrangeiros, criando assim um
mercado falso, em que os produtos internos vencem na concorrência os produtos do exterior.
Todo o consumidor é, pois, lesado, e a diferença entre o que ele paga pelos objetos nesse regime
e o que pagaria em um regime livre representa um imposto que lhe é arrancado para manutenção
daquelas indústrias”. Considera, além disso, que “sendo o produtor agrícola também um
consumidor, o alto custo dos objetos manufaturados onerava igualmente a produção exportável,
colocando os produtos agrícolas brasileiros em condições de inferioridade no mercado
internacional e reduzindo a riqueza nacional13.
Depois da Primeira Guerra Mundial, os industriais nos Estados se organizam atuando
dentro das Associações Comerciais, mas na década de 1920 começa um movimento pela sua
autonomia e em 1928 se dá a primeira divisão entre indústria e comércio, criando-se o Centro das
13
Ministério da Fazenda. Relatório Apresentado ao Sr. Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo
Ministro de Estado dos Negócios da Fazenda, Joaquim Murtinho, 1901. In: LUZ, N.Vilela, Opus Cit, p.86.
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Indústrias do Estado de São Paulo, sendo dirigida por Francisco Mararazzo e Roberto Simonsen;
em 1931, O Centro Industrial do Brasil com sede no Distrito Federal, dá lugar à Federação
Industrial do Rio de Janeiro. O mesmo acontece nos outros Estados.
Fontes Primárias
ANAIS DO PARLAMENTO BRASILEIRO. Câmara dos Srs. Deputados. Segundo Ano da
Décima Oitava Legislatura. Sessão de 1882, Rio de Janeiro, IV. P. 135-136.
ASSOCIAÇÃO INDUSTRIAL. “O Industrial”. Rio de Janeiro, 21 de maio de 1881, n.1.
ASSOCIAÇÃO INDUSTRIAL. Relatório apresentado à Assembléia Geral, sessão de 10 de
junho de 1882, pela Diretoria. p. 28, In: LUZ, Nicia V. A. A luta pela industrialização do Brasil.
2 ª ed. São Paulo: Alfa-ômega, 1975, p. 56-57
CONGRESSO NACIONAL. Anais do Senado Federal. Segunda Sessão da Primeira Legislatura.
Sessões de 16 de julho a 15 de agosto de 1892. Rio de Janeiro, 1892, vol. III, p.42.
Referências Bibliográficas:
CANO, Wilson. Raízes da Concentração Industrial em São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1990, p.
245.
CARONE, Edgar. O pensamento Industrial no Brasil (1880-1945). Rio de Janeiro/São Paulo:
Difel, 1977, p. 6-7..
CAVALCANTI, Amaro. Elementos de Finanças. Rio de Janeiro, 1896. p. 220.
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Ed. Nacional, cap. XIX, pp. 106109; cap. XX, pp. 110-116.
LUZ, Nícia Vilela. A Luta pela Industrialização do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Ed. Alfa-Ômega.
1978. pp. 152-157.
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PELAEZ, Carlos M. As conseqüências econômicas da ortodoxia monetária, cambial e fiscal no
Brasil entre 1889 e 1945. In: Revista Brasileira de Economia. Vol. 25, n. 3, jul/set, 1971.
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